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O GEDAI/UFPR busca a formação de uma rede nacional e in- lectual, realizada por pesquisadores e especialistas em Direito reconhecidos pela co-
ternacional de cooperação acadêmica na área de propriedade inte- munidade científica nacional e internacional.
MARCOS
lectual, contando em suas publicações com um Conselho Editorial Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial
composto por especialistas nacionais e estrangeiros. A obra é fruto de um intercâmbio acadêmico sólido realizado por pesquisa- – GEDAI/UFPR –
Organizador
Estudos de Direito
O GEDAI/UFPR possui como linhas de pesquisa as seguintes dores do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI da Universidade
WACHOWICZ
O GEDAI/UFPR vinculado ao Programa de Pós-graduação
temáticas: Federal do Paraná – UFPR em parceria com grupos de pesquisa no Brasil, a saber: o
em Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR tem
Propriedade Intelectual – Inovação e Conhecimento: anali- Instituto de Propriedade Intelectual do Brasil – IBPI, o Instituto de Tecnologia e Socie- como seu principal objetivo estudar o desenvolvimento dos
dade - ITS do Rio de Janeiro e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da
sar a tutela jurídica dos novos bens intelectuais advindos da nova
Tecnologia da Informação com vistas ao desenvolvimento socioe- Universidade de Fortaleza – UNIFOR. da Direitos de Propriedade Intelectual na Sociedade da Informa-
ção, através da comparação do sistema internacional de direi-
conômico que promova inovação, inclusão tecnológica e difusão
do conhecimento.
Direito Autoral: Direitos Fundamentais e Diversidade Cultu-
A parceria internacional está capitaneada pelo Grupo i+d Propiedad Intelectual
e Industrial da Universidade de Valência – Espanha.
PROPRIEDADE INTELECTUAL tos autorais e industriais, da análise dos processos de concreti-
zação dos direitos e diversidades culturais e da reflexão sobre
a regulamentação dos direitos intelectuais frente aos desafios
ral: compreender os efeitos do direito fundamental à cultura sobre da Sociedade da Informação.
os limites do direitos autorais; a proteção e circulação da produção Além disso, a obra reúne o esforço de doutrinadores de renomadas universi-
cultural desenvolvida nas instituições públicas; os papéis da cidada- dade europeias: Universidade Clássica de Lisboa (Portugal), Universidade Complutense Para atingir essa finalidade por observa-se três objetivos
nia cultural no processo de inclusão social; a função do Estado em
matéria cultural, as políticas públicas de cultura e a regulamentação
de Madri (Espanha) e Universidade de Valência (Espanha).
MARCOS WACHOWICZ específicos:
(i) compreensão dos efeitos do direito fundamental à cul-
PROPRIEDADE INTELECTUAL
jurídica dos direitos culturais. Ressalte-se o apoio fundamental das agências de fomento à pesquisa, CAPES e ORGANIZADOR tura e diversidade cultural na sociedade contemporânea,
ESTUDOS DE DIREITO DA
Economia Criativa: Propriedade Intelectual e Desenvolvi- CNPq, imprescindível para a realização dos projetos de pesquisas que culminaram com analisando os limites dos direitos autorais na tutela dos
mento: estudar o Direito Autoral enquanto instrumento jurídico o lançamento da presente obra. bens imateriais;
capaz de servir como marco regulatório para a formulação de po- (ii) avaliação das consequências da revolução tecnológica
líticas públicas a fim de fortalecer as indústrias criativas e dinâmi- em andamento e do advento da cultura digital sobre a re-
cas, com vista a uma Economia Criativa sustentável para o país.
gulamentação dos direitos intelectuais; e
Regime Internacional de Propriedade Intelectual: Estudo dos (iii) identificação do conteúdo da proteção jurídica e o al-
Tratados e Organizações Internacionais (OMC, OMPI e UNESCO) com cance da circulação da produção intelectual/cultural de-
o escopo de avaliar o Sistema Internacional de Tutela da Propriedade Apoio e financiamento de: senvolvida nas instituições públicas.
Intelectual face a revolução tecnológica da informação, bem como,
das novas formas de comunicação, de expressão, de produção de Visando intensificar o intercambio da pesquisa no Brasil, o
bens intelectuais que com as novas redes sociais na Internet possibi- GEDAI/UFPR envolve-se em projetos com outras equipes aca-
litam a socialização do conhecimento. dêmicas de diversas instituições de ensino superior e de pes-
Sociedade da Informação: Democracia e Inclusão Tecnoló- quisas brasileiras. Desta forma com a finalidade de ampliar os
gica – analisar as novas formas de criação de bens intelectuais estudos sobre temas relacionados a Propriedade Intelectual e
(obras colaborativas), de transformação criativa (samplers), de seus desafios na Sociedade da Informação o GEDAI/UFPR faz
distribuição/compartilhamento advindas das redes sociais (P2P), um convite para que os pesquisadores venham integrar esta
e a socialização do conhecimento enquanto paradigma da cultura grande rede de presquisa e publicação acadêmica.
digital sobre a regulamentação dos diretos autorais.
As publicações do Grupo de Estudos em Direito Autoral e
Direitos das Novas Tecnologias da Informação e Comu- Industrial – GEDAI/UFPR – são espaços de criação e comparti-
nicação (TIC’s): identificar o conteúdo da proteção jurídica e o
lhamento coletivo, visando facilitar o acesso às pesquisas pela
alcance da circulação da produção cultural desenvolvida nas ins-
tituições públicas e do regime de concorrência aplicado às novas INTERNET, disponibiliza-as gratuitamente para download. É mais
mídias na Internet. uma alternativa para a publicação de pesquisas acadêmicas, for-
mando uma rede de compartilhamento aberta para toda a comu-
Propriedade Intelectual e Direito Concorrencial – com- nidade científica.
preender a interface do direito concorrencial e da propriedade
intelectual nos novos modelos de negócios na Sociedade da In- As publicações GEDAI/UFPR em meio digital estão dis-
formação com foco no desenvolvimento dos setores produtivos poníveis no site: www.gedai.com.br
da Economia Criativa.
As publicações GEDAI/UFPR em meio digital estão disponí-
veis no site: www.gedai.com.br
Estudos de Direito da
Propriedade Intelectual
Coordenador
Marcos Wachowicz
Colaboradores
Denis Borges Barbosa
Francisco Narcélio Ribeiro
Guillermo Palao Moreno
Heloisa Gomes Medeiros
José de Oliveira Ascensão
Karin Grau-Kuntz
Marcos Wachowicz
Patricia Carvalho da Rocha Porto
Pedro Alberto de Miguel Asensio
Sergio Branco
Vitor Augusto Wagner Kist
GEDAI
As publicações do GEDAI/UFPR são espaços de criação e compartilhamento coletivo. Fácil
acesso às obras. Possibilidade de publicação de pesquisas acadêmicas. Formação de uma
rede de cooperação acadêmica na área de Propriedade Intelectual.
Conselho Editorial
Allan Rocha de Souza – UFRRJ/UFRJ José de Oliveira Ascensão – Univ. Lisboa/Portugal
Carla Eugenia Caldas Barros – UFS J. P. F. Remédio Marques – Univ.Coimbra/Port.l
Carlos A. P. de Souza – CTS/FGV/Rio Karin Grau-Kuntz – IBPI/Alemanha
Carol Proner – UniBrasil Luiz Gonzaga S. Adolfo – Unisc/Ulbra
Dario Moura Vicente – Univ.Lisboa/Portugal Leandro J. L. R. de Mendonça – UFF
Denis Borges Barbosa – IBPI/Brasil Márcia Carla Pereira Ribeiro – UFPR
Francisco Humberto Cunha Filho – Unifor Marcos Wachowicz – UFPR
Guilhermo P. Moreno – Univ.Valência/Espanha Sérgio Staut Júnior – UFPR
José Augusto Fontoura Costa – USP Valentina Delich – Flacso/Argentina
Vários colaboradores
Endereço:
UFPR – SCJ – GEDAI
Praça Santos Andrade, n. 50
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GEDAI/UFPR
- PREFIXO EDITORIAL 67141 –
Capa Marcelle Cortiano
5
SUMÁRIO
Prefácio ....................................................................................................... 9
7
Prefácio
11
propriedade intelectual
REPRESENTATIVIDADE E LEGITIMIDADE DAS
ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS
AUTORAIS
José de Oliveira Ascensão1
15
5. Os provedores de serviços na internete, indispensáveis no campo
cada vez mais vasto da exploração em linha.
6. O consumidor ou utilizador final de obras intelectuais.
7. Sobre tudo isto se situam os interesses coletivos, como o da Cultu-
ra, que tanto se invoca e a que tão pouco se atende.
Este interesse coletivo prolonga-se no interesse público, nomeada-
mente no interesse na supervisão por parte das instituições públicas, que é
hoje fundamental. Há pois motivo para acrescentar pelo menos uma sexta
categoria de interesses, de modo algum diminuída em relação às restantes.
18
propriedade intelectual
3. A representação dos titulares: sua relatividade
A gestão coletiva, na visão da lei, só se justifica pela defesa dos inte-
resses dos titulares de direitos autorais. E efetivamente, neste domínio, afir-
ma-se insistentemente que é esse interesse que é exclusivamente prossegui-
do por essas instituições. Elas apresentam-se como emanação dos autores e
outros titulares, cujo benefício é constantemente invocado como diretriz de
atuação.
Mas a realidade não é bem essa.
Por um lado, os quadros dessas entidades não são necessariamente
titulares de direitos. Pode recorrer-se a técnicos ou gestores, por exemplo,
que pouco ou nada tenham que ver com obras ou prestações. A categoria que
se invoca começa a ficar descolorida perante esta realidade.
Depois, porque os associados ou membros em geral não são necessa-
riamente os autores ou os artistas que se proclama defender.
Vejamos o que se passa com os “autores”. Os autores representados
pelas entidades de gestão não são apenas os criadores intelectuais. O próprio
art. 73/1 CDADC não refere “representantes dos autores”, fala antes em “re-
presentantes dos respetivos titulares”. Ora, os transmissários são também
titulares. Portanto, mesmo em vida do autor, o substrato pessoal do ente de
gestão pode exprimir interesses muito diferentes dos dos criadores intelectu-
ais. Repare-se que os transmissários são usualmente empresas que procedem
à exploração económica de bens intelectuais. Exprimem por isso interesses
empresariais e de modo algum os interesses culturais que as entidades de
gestão coletiva de direitos de autor se alegam defender.
Uma simples observação estatística demonstra bem que “sociedades
de autores” e associações ou cooperativas de criadores intelectuais não são
a mesma coisa. As entidades de gestão coletiva acabam por ser sensíveis a
outros interesses que não são os dos criadores intelectuais. Analogamente
poderíamos dizer em relação às entidades de gestão dos direitos dos artistas.
Acresce aquilo a que podemos chamar o drama do representado. É
uma questão geral, mas que tem aqui também a sua manifestação.
É uma decorrência da imperfeição humana. O poder do representan-
te tem a sua justificação na prossecução do interesse do representado. Mas a
natureza humana leva a que o representante pense mais no seu próprio inte-
resse que no interesse do representado. Isso acontece em todos os setores:
na representação política, como o demonstram os escândalos permanentes
19
que a comunicação social nos vai revelando em todos os países; na represen-
tação empresarial, em que representantes de uma maioria trabalham antes
de mais na preservação das suas posições e dos seus próprios interesses; em
relações simples de representação, como as que os emigrantes estabelecem
deixando as suas terras confiadas a parentes ou amigos, e afinal... A boa for-
mação humana, que permitiria que as finalidades da lei fossem asseguradas, é
na realidade ocorrência rara.
Mas há muito mais do que isto.
Mesmo excluindo os transmissários, somos levados a concluir que as
entidades de gestão não são agregados de criadores intelectuais ou de artis-
tas intérpretes ou executantes. Exemplifiquemos com o caso dos autores, que
é bem nítido.
O direito de autor vigora paradigmaticamente durante a vida do cria-
dor intelectual e mais setenta anos pós-morte.
Em vida, o criador intelectual terá no máximo uns 70 anos de prote-
ção. Mesmo admitindo que criou aos 20 anos e faleceu aos 90, o que toma
José de Oliveira Ascensão
4 Do Ministério da Cultura.
5 E um projeto posterior do grupo do PSD na Assembleia da República baixava a percentagem para 15%.
6 Apresentado na Assembleia da República e discutido em comissão em 2012. Estava aliás muito mal
estruturado e foi retirado. Não avançamos na interpretação deste para nos não afastarmos do nosso tema.
21
Começando pela função cultural, essa está completamente desloca-
da. A “pessoa coletiva” prevista é uma entidade de arrecadação de receitas
e de distribuição subsequente pelas entidades de gestão coletiva suas asso-
ciadas. A isso se reduz a sua competência. Não tem nenhuma qualificação
especial que lhe permita arvorar-se em difusora cultural, e muito menos a
tem para o fazer à custa dos autores e outros beneficiários, mordendo nas
verbas a estes destinadas. A função cultural, prevista logo na epígrafe do arti-
go, equivaleria muito provavelmente a auto-promoção da entidade de gestão
coletiva.
O Projeto acima referido, sob a epígrafe “Fundo Cultural”, previa no
art. 12/1 que a entidade única de cobrança, como dissemos, destine 10% das
receitas líquidas à constituição dum Fundo Cultural, pressupõe-se que da en-
tidade única de cobrança. Reside aqui a grande falha desta entidade, que tem
atuado de modo rotunda e manifestamente ilegal. A prática foi ainda pior que
a lei: a entidade única, a AGECOP, não exerce a função cultural a que está
adstrita por lei, antes repassa os fundos a isso destinados a alguns dos entes
de gestão seus associados. Há assim uma dupla ilegalidade, a primeira por
José de Oliveira Ascensão
7 Não poderá deixar de se estranhar também que esta matéria venha submetida à epígrafe comum “Fun-
do Cultural”.
22
propriedade intelectual
imposto? De todo o modo, não se explica por que é atingida esta remunera-
ção, destinada a estes autores (e editores também), e não quaisquer outros
proveitos que aos titulares se destinem.
Com isto, já lá vão 35% das receitas, que são subtraídas aos seus des-
tinatários! Ultrapassam-se até os 30% que inicialmente haviam sido previstos
para os custos de funcionamento dos entes de gestão coletiva!
Enfim, o art. 13 prevê que a fiscalização caiba ao IGAC e que para isso
a entidade única pagará uma taxa correspondente a 10% dos custos de fun-
cionamento – portanto, da quantia até 20% das receitas previstas. Também é
anómalo que os custos da fiscalização no interesse público acabem por recair
sobre os próprios fiscalizados. E com isto lá se vai mais uma fatia da receita
que a lei justificara como compensação da cópia privada.
14 Fala-se também por vezes em direitos não patrimoniais dos titulares de direitos conexos: estariam em
causa particularmente os artistas intérpretes ou executantes, que são pessoas físicas e podem assim invo-
car direitos ligados à personalidade. Mas independentemente da análise aprofundada do estatuto destes,
que não caberia neste trabalho, pensamos que o artista tem efetivamente faculdades não patrimoniais;
mas a estas não corresponde um direito não patrimonial, com a solidez que esta atribuição pressupõe. Por
isso a lei, pensamos que com razão, não distingue na titularidade dos artistas um direito pessoal.
29
da Lei n.º 83/01, que estabelece o “Dever de gestão”. Foi difícil fazê-lo incluir
na lei portuguesa, não obstante previsto em documentos internacionais15,
mas é fundamental.
Com efeito, se assim não acontecesse, os entes de gestão poderiam
excluir as pessoas non gratae, reduzindo-as a uma espécie de condição de
párias no seu universo. A expulsão dos recalcitrantes pairaria como ameaça
sempre presente, para reduzir ao silêncio os mais ousados.
De todo o modo, o desequilíbrio em benefício dos entes de gestão é
acentuadíssimo. Dissemos que o titular de direitos está reduzido a uma espé-
cie de posição de cliente do ente de gestão. Mas este cliente nem sequer tem
em seu favor a tutela do consumidor, que tem o cliente comum.
IV – A diminuição relativa dos poderes do representante em rela-
ção aos dos titulares
O último elemento de suavização da subordinação do titular está na
circunstância de a entidade de gestão coletiva não ter sobre a obra ou presta-
ção poderes idênticos aos que tem o titular. E isto mesmo deixando de parte
José de Oliveira Ascensão
colectiva de derechos de propiedad intelectual”, que é arrasador na descrição dos desvios das entidades de
gestão coletiva.
21 Ou “contratuais gerais”, como habitualmente são qualificadas, para retratar a situação mais frequente.
33
Isto arrasta consequentemente a territorialidade das entidades de
gestão coletiva. Elas emergem de determinado país e consequentemente têm
por limite as fronteiras desse país. Não podem pretender licenciar obras ou
prestações com eficácia em países estrangeiros22. Por isso dissemos já que
quando se querem estabelecer esquemas com eficácia extra-fronteiras as en-
tidades de gestão coletiva procedem por acordos de representação recíproca.
O princípio da territorialidade do direito autoral fica assim salvaguardado.
Mas como é possível compatibilizar estes princípios com o movimen-
to de integração económica europeia?
A reação da União Europeia aos exclusivos intelectuais atravessou
três fases: hostilidade, aceitação, promoção.
No início, o exclusivo, como obstáculo à livre circulação de bens ou
serviços, foi visto como um inimigo. Considerou-se que estava fora das com-
petências da Comunidade e procurou-se de várias maneiras limitar os efeitos
negativos sobre a integração económica.
Vencida esta primeira fase, de demolição das barreiras à integração,
José de Oliveira Ascensão
36
propriedade intelectual
Um pub britânico pagava, como todos os outros, 700 libras por mês
pela transmissão de jogos de futebol em que interviessem equipas inglesas. Re-
solve passar a comprá-los à Grécia, pagando apenas 800 libras por todo o ano.
A questão foi levada a tribunal e discutida com base na livre circula-
ção de serviços. Mas parece que não podia deixar de estar também em causa,
ao menos implicitamente, a territorialidade da gestão coletiva.
O Tribunal de Justiça (U.E.) acabou por dar razão à dona do pub29.
Fá-lo com uma certa ambiguidade, como aliás é frequente. Se bem interpre-
tamos, o Direito Autoral continuaria a ser territorial, mas os entes de gestão
poderiam oferecer os seus serviços onde quisessem. A ser assim, perderiam
a tranquilidade do exclusivo de gestão mas ganhariam um espaço muito mais
amplo de exercício, em termos de livre concorrência.
O Ac. procura não obstante moderar as consequências a que chega-
ra, invocando por outro lado que, embora o espetáculo não fosse objeto de
Direito Autoral, poderia haver nele elementos protegidos: seria o caso dos
logotipos visíveis ou dos hinos que fossem tocados. É um desvio fútil e pouco
convincente. A visão ou a audição destes elementos não é uma utilização ile-
gítima. No CDADC português estaria abrangida no art. 75/2 d (a comunicação
pública de fragmentos de obras, “quando a sua inclusão em relatos de aconte-
cimentos de atualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido”) e
pela al. r (“a inclusão episódica de uma obra ou outro material protegido nou-
tro material”). Destes retira-se seguramente que há um princípio que permite
excluir da proteção as obras que episodicamente possam ser vistas ou ouvidas
no curso de uma emissão radiodifundida. E afinal, é esse o princípio que cons-
ta, até com maior generalidade, do art. 10-bis/2 da Convenção de Berna30.
Este princípio foi expressamente acolhido pelo ADPIC/TRIPS, ao inte-
grar as regras substantivas da Convenção de Berna (com excepção dos direitos
não patrimoniais, art. 6 bis). E em nada contraria o teste dos três passos ou
mesmo princípios como o do fair use. A reserva do Tribunal terá servido ape-
nas o objetivo tático de prevenir que a decisão fosse criticada pelo facto de
dar razão total apenas a uma das partes.
29 Ac. de 4 de outubro de 2011, em que se determina que uma licença para retransmissão de jogos de
futebol, que interditasse a autorização para a utilização noutros Estados-membros, violaria o Direito Comu-
nitário.
30 Eis o texto: “Fica igualmente reservada às legislações dos países da União a regulamentação das con-
dições nas quais, por ocasião dos relatos de acontecimentos da actualidade por meio da fotografia ou da
cinematografia, ou por meio da radiodifusão ou de transmissão por fio ao público, as obras literárias ou
artísticas vistas ou ouvidas no decurso do acontecimento podem, na medida em que o objectivo de infor-
mação a atingir o justificar, ser reproduzidas e tornadas acessíveis ao público”.
37
12. A Proposta de Diretriz da Comissão Europeia sobre a
gestão coletiva
Era esta a situação quando foi publicada uma Proposta da Comissão
Europeia de uma Diretriz sobre a gestão coletiva: COM (2012) 372 final, de
11.VII.2012, sobre a gestão coletiva do direito de autor e direitos conexos e o
licenciamento multiterritorial de direitos sobre obras musicais para utilização
em linha no mercado interno31.
Não é, infelizmente, a altura adequada para examinar este documen-
to, que é muito importante e exige um estudo aprofundado. Limitamo-nos a
breves primeiras notas.
A Proposta culmina anos de trabalho da Comissão, preparando uma
intervenção neste domínio. Os esforços no sentido de autorregulação pelos
interessados não deram resultado, pelo que se envereda agora – finalmente –
pela proposta duma harmonização comunitária.
Essa diretriz versaria na realidade dois capítulos diferentes, sinteti-
camente referidos como os do quadro geral e do passaporte europeu da
José de Oliveira Ascensão
gestão coletiva.
Por um lado, disciplinaria a própria estrutura e atividade das entida-
des de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos dos Esta-
dos-membros. A situação atual é preocupante, dada a ausência de padrões e
limites satisfatórios. A proposta Diretriz harmonizaria aspetos como a transpa-
rência, os critérios de repartição, os acordos com outras entidades de gestão
coletiva, a não discriminação...
Por outro lado, a Diretriz interviria na distribuição de música on-line
na União Europeia, coroando muitos estudos e propostas anteriores. Procu-
ra-se assegurar condições técnicas, nomeadamente digitais, que suportem a
abertura desta frente. Fazem-se também exigências suplementares em nume-
rosos setores implicados: as obras, os autores e outros titulares, os critérios
de ponderação, a informação pública e atual, até a contabilidade dos entes de
gestão coletiva... É pois uma proposta de reforma integrada e vasta, que abre
um campo muito propício ao debate. Mantém-se a anomalia que anotamos já,
de uma distribuição em linha, logo sem fronteiras, ser regulada apenas para o
mercado único europeu.
Que futuro se poderá prognosticar para esta iniciativa? Era fácil au-
gurar que provocaria controvérsias acesas, tão fortes, crispados e múltiplos
31 Na mesma data foi publicado um documento de trabalho da Comissão, SWD (2012) 240 final, sobre o
impacto da Proposta. A própria Proposta conheceu já várias versões, embora mantenha a mesma numera-
ção. Isto exprime bem a intensidade do debate.
38
propriedade intelectual
são os interesses que se debatem32. E assim aconteceu de fato. À hora em que
encerramos a Proposta está em debate no Parlamento Europeu, não se vendo
que se consigam consensos ampliados33.
Mais surpreendentemente ainda, surge a notícia da preparação de
uma Proposta de decreto-lei do Governo português sobre a gestão coletiva,
destinada provavelmente a ficar desatualizada a curto prazo com a iminência
da aprovação da diretriz comunitária.
Mas terá êxito no final, mesmo que com maiores ou menores feridas
na coerência do articulado? É natural que sim, tanto foi o trabalho de prepa-
ração, tão prementes as necessidades sentidas e tão clara a lógica integracio-
nista da Proposta. Até porque o texto, não obstante a sua extensão, deixa logo
pontos importantes por regular. Mas mesmo que se limite a uma primeira
intervenção, já teria um sentido muito positivo.
Que perspectivas se abrem, no plano da territorialidade da gestão
coletiva?
Tudo o que se disser é muito arriscado, pois só agora surgirão reações
mais ponderadas. Imaginemos porém que se abria a livre concorrência no es-
paço europeu, no domínio da gestão coletiva. Muito provavelmente, tal como
nos outros domínios, as entidades mais fortes, como a SACEM ou a GEMA,
teriam condições de esmagar as outras. Para esse efeito poderiam criar fede-
rações pan-europeias (ou mesmo internacionais, se tivessem abertura para
tanto) que reforçariam o seu poder.
Por outro lado, porém, é também de supor que teriam de renunciar a
grandes vantagens, como as tarifas muito elevadas que o monopólio assegura
ou os custos exagerados de funcionamento. Doutra maneira arriscavam-se a
defrontar pequenas entidades nacionais mais combativas, que oferecessem
melhores condições aos aderentes.
Mas também aqui a História se pode repetir e cair-se num novo mo-
nopólio de facto, por via da eliminação progressiva de concorrentes ou de fu-
sões das atuais entidades nacionais. Neste caso, mais uma vez, a concorrência
mataria a concorrência.
Este receio, de o resultado de uma intervenção se traduzir numa he-
gemonia das entidades de gestão mais poderosas, parece confirmar-se. As
32 Pense-se por exemplo no que poderá implicar o art. 17/3 proposto: “As tarifas devem refletir o valor
econômico dos direitos no tráfego e do serviço prestado pela entidade de gestão coletiva, não discrimina-
rão entre os utilizadores sem justificação objetiva e serão determinadas com base em critérios objetivos”.
33 Simultaneamente estão em debate outros aspectos da harmonização do Direito Autoral mais ou menos
relacionados, como a chamada portabilité transfronteiras dos serviços de acesso aos conteúdos e a com-
pensação equitativa por cópia privada.
39
muitas exigências que são estabelecidas para que as entidades possam proce-
der ao licenciamento multiterritorial trazem seguramente esta consequência.
Às de menor porte restará a consolação de serem dispensadas de algumas
exigências gerais na sua atividade corrente, mas ficam limitadas ao mercado
interno do seu país de origem.
Tudo isto pode ter repercussões profundas sobre o próprio Direito
Autoral – a começar no âmbito europeu. Mas semelhante prospeção extrava-
sa já claramente o objeto deste estudo.
Vamos acompanhar o debate. Mas devemos também participar, por-
que os grandes movimentos resultam igualmente de pequenos contributos.
José de Oliveira Ascensão
40
propriedade intelectual
DERECHOS FUNDAMENTALES Y OBSERVANCIA DE LOS
DERECHOS DE AUTOR EN LA UNIÓN EUROPEA 34
1. Planteamiento
Cuál debe ser el alcance de los derechos de autor y derechos conexos
y cómo han de configurarse los mecanismos que permiten a sus titulares exigir
su observancia a terceros resultan cuestiones esenciales en el debate actual
acerca del desarrollo de la llamada sociedad de la información. Los derechos
de autor son derechos subjetivos de carácter privado y alcance territorial que
el ordenamiento atribuye ex lege y al margen de cualquier formalidad y que
en Europa han sido objeto en las últimas décadas de un elaborado conjunto
de normas jurídico-privadas de armonización contenidas en directivas. Pese
a las características reseñadas de estos derechos, uno de los aspectos clave
en su evolución actual y que está llamado a marcar el futuro de la propiedad
intelectual – entendida aquí como referida a los derechos de autor y derechos
conexos – es la constatación de la importancia del equilibrio entre derechos
fundamentales o más exactamente entre la propiedad intelectual y otros de-
rechos fundamentales como elemento determinante del alcance y los límites
de los derechos de autor así como de las medidas que para su observancia
pueden ser adoptadas.
El debate acerca de la interacción entre la propiedad industrial e inte-
lectual y otros derechos fundamentales, como los vinculados a la libertad de in-
formación, la libertad de expresión, la intimidad, la educación o la salud, ha sido
ya intenso desde hace lustros36. Ese debate reviste gran importancia en el marco
de la reflexión acerca del riesgo de sobreprotección de la propiedad intelectual
y el alcance de los límites a los derechos de los titulares, que se encuentran bási-
camente destinados a satisfacer ciertos intereses sociales, como los vinculados
al acceso a la cultura, la investigación y la información, así como a asegurar el
equilibrio entre los intereses de los autores, titulares de derechos, competido-
res, proveedores de contenidos, usuarios y el conjunto de la sociedad.
34 Esta contribución se ha realizado en el marco del proyecto de investigación DER 2012-34086.
35 Catedrático de Direito Internacional Privado da Universidad Complutense de Madrid.
36 Vid. P.L.C. Torremans (ed.), Intellectual Property and Human Rights, Alphen aan den Rijn, Kluwer, 2008;
W. Grosheide (ed.), Intellectual Property and Human Rights: A Paradox Cheltenham, Edward Elgar, 2010;
y L.R. Helfer y G.W. Austin, Human Rights and Intellectual Property (Mapping the Global Interface), Cam-
bridge, Cambridge UP, 2011.
41
Ahora bien, la rápida transformación de los mecanismos de tutela de
la propiedad intelectual con el propósito de hacer frente a ciertos desafíos
derivados de algunas aplicaciones y usos de Internet plantea nuevos y muy in-
tensos conflictos entre los derechos de propiedad intelectual y otros derechos
fundamentales, tanto de los usuarios de Internet como de prestadores de ser-
vicios de la sociedad de la información. La presente contribución se centra
precisamente en el significado en el seno de la Unión Europea de los derechos
fundamentales como límite a la configuración y alcance de las medidas para la
observancia de la propiedad intelectual en el entorno digital.
39 C. Geiger, “Intellectual ‘Property’ after the Treaty of Lisbon: Towards a Different Approach in the New
European Legal Order?”, EIPR, 2010, pp. 255-257, at p. 256.
40 DO 2010 C 83, de 30.3.2010, p. 389.
41 Lenzing AG v. the United Kingdom (dec.) (no. 38817/97, 9 de septiembre de 1998), vid. ECHR (Research
Division), “Internet: case-law of the European Court of Human Rights”, 2011, <http://www.echr.coe.int/>,
p.18.
42 STEDH de 11 de enero de 2007, asunto Anheuser-Busch Inc. v. Portugal ([GC], no. 73049/01.
43 Paeffgen Gmbh v. Germany (dec.), nos. 25379/04, 21688/05, 21722/05 et 21770/05, 18 de septiembre
de 2007), ECHR (Research Division), “Internet…”, loc. cit., p.19.
44 En relación con los derechos de los traductores vid. STEDH de 13 de mayo de 2008, SC Editura Orizonturi
SRL v. Romania, no. 15872/03.
45 STJ de 12 de septiembre de 2006, Laserdisken, C-479/04, ap. 65.
46 Acerca de ese debate en relación con la legislación sobre derechos de autor de la UE, vid. K.J. Koelman,
“Copyright Law and Economics in the EU Copyright Directive: Is the Droit d’Auteur Passé?”, IIC, vol. 35, 2004,
43
que el apartado 1 con respecto al derecho de propiedad en general se refiere
a la posibilidad de regular el uso de los bienes “en la medida en que resulte ne-
cesario para el interés general”, el apartado 2 se limita a prever escuetamente
que “(s)e protege la propiedad intelectual”, sin hacer referencia a sus límites
o posibles restricciones. 47 No obstante, aunque ciertamente la redacción de
la Carta podría ser más precisa a este respecto, resulta ampliamente acep-
tado que también la propiedad intelectual puede ser objeto de restricciones
para proteger el interés general de conformidad con la función del apartado 2
como una simple aclaración de que dentro del ámbito del derecho de propie-
dad se halla también comprendida la propiedad intelectual como modalidad
específica de propiedad48, referida a bienes inmateriales y cuyo carácter exclu-
sivo resulta de su régimen legal de protección.
Junto al reconocimiento como derecho fundamental de la propiedad
intelectual, en el régimen establecido tanto en la Carta como en el CEDH re-
sulta esencial la exigencia de equilibrio con otros derechos fundamentales al
establecer el nivel de protección de la propiedad intelectual por parte del le-
gislador de la Unión Europea y de los legisladores de los Estados miembros,
pero también en su aplicación por los tribunales. En el caso concreto de los
Pedro Alberto de Miguel Asensio
56 Aunque en un ámbito material diferente como es el relativo a la retención de datos de tráfico de Inter-
net en relación con la investigación de delitos graves, cabe hacer referencia como reflejo de la importancia
del derecho fundamental a la protección de datos personales a la sentencia del Tribunal constitucional
rumano de 8 de octubre de 2009 - http://www.legi-internet.ro/english/jurisprudenta-it-romania/decizii-it/
romanian-constitutional-court-decision-regarding-data-retention.html.- y del Tribunal constitucional ale-
mán de 2 de marzo de 2010 -http://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/rs20100302_1b-
vr025608.html - acerca de la inconstitucionalidad de normas adoptadas en transposición de la Directiva
2006/24/CE sobre la conservación de datos generados o tratados en relación con la prestación de servicios
de comunicaciones electrónicas. Sobre las dudas acerca de la compatibilidad de esta Directiva con diversos
derechos fundamentales de la Carta y del CEDH –entre otros, los derechos al respeto a la vida privada, la
protección de datos de carácter personal y a la libertad de expresión- resulta muy relevante la petición de
decisión prejudicial planteada por la High Court of Ireland (Irlanda) en el asunto pendiente C-293/12, Digital
Rights Ireland.
47
aplicación de estas normas con respecto a los clientes de servicios de acceso
a Internet que intercambian archivos se funda en que los titulares de derechos
de propiedad intelectual llevan a cabo una actividad previa de fiscalización
del tráfico en la Red. Esa actividad de supervisión va referida en realidad con
gran frecuencia a datos personales pues precisamente son esos datos los que
hacen posible conocer la identidad del usuario (en particular, en la medida en
que incluyen la dirección IP), al tiempo que también comprende información
sobre el contenido de los archivos transmitidos y en ocasiones puede implicar
el tratamiento de información muy sensible incluso de personas que no co-
meten ninguna infracción pero cuyas actividades son también fiscalizadas en
busca de eventuales infracciones.
En España la llamada “Ley Sinde”57 -desarrollada por medio de RD
1.889/2011, de 30 de diciembre, por el que se regula el funcionamiento de
la Comisión de Propiedad Intelectual- optó por un modelo de regulación di-
verso al de la respuesta gradual y que no se centra en la persecución de los
usuarios. El legislador español al adoptar esta normativa rechazó esa última
posibilidad, lo que cabe entender que puede resultar razonable, no tanto por
Pedro Alberto de Miguel Asensio
49
específicas sobre limitación de responsabilidad de los prestadores de servicios
de la sociedad de la información intermediarios.
Desde la perspectiva comparada cabe reseñar que las decisiones de
la High Court (Chancery Division) inglesa en el asunto Twentieth Century Fox
Film Corp v British Telecommunications PLC de 28 de julio de 201158 y 26 de
octubre de 201159. En este asunto la High Court accedió a la petición de seis
de los principales estudios cinematográficos estadounidenses de imponer al
proveedor de acceso a Internet British Telecom medidas de bloqueo a todas
las direcciones IP y URLs desde las que se pueda acceder al sitio web conoci-
do como Newzbin o Newzbin2 en el que se infringían derechos de propiedad
intelectual de los estudios demandantes. Antecedente de este asunto es una
decisión previa en la que los tribunales ingleses a petición de esos demandan-
tes habían ordenado la cesación de sus actividades infractoras de la propie-
dad intelectual a la sociedad Newzbin Ltd que operaba ese sitio de Internet.
Aunque el sitio web había cesado su actividad posteriormente volvió a estar
disponible con una actividad similar pero en circunstancias en las que sus res-
ponsables resultaban desconocidos y parecían operar desde el extranjero, lo
Pedro Alberto de Miguel Asensio
53
titulares de derechos una aportación significativa de esta normativa es que
contempla un mecanismo específico para obtener la identificación del respon-
sable del servicio, lo que tiene su reflejo en el artículo 18 del RD 1.889/2011.
No obstante, precisamente a la luz del estado del Derecho de la UE sobre
protección de datos en la aplicación del texto de la LES y del RD sobre este
resulta de gran importancia valorar si contiene todos los elementos precisos
para asegurar un justo equilibrio entre la tutela de los derechos de propiedad
intelectual y el derecho fundamental a la protección de datos personales (que
sorprendentemente no aparece mencionado en el último párrafo del aparta-
do IV de la Exposición de Motivos del RD entre aquellos derechos fundamen-
tales con los que es preciso lograr tal equilibrio).
54
propriedade intelectual
titulares de derechos de propiedad industrial y de las autoridades competen-
tes que podrían resultar eficaces.64
Pese a que ciertamente el Acuerdo no impone el establecimiento de
mecanismos de respuesta gradual, su texto final contempla normas de gran
trascendencia con respecto a la regulación de las actividades desarrolladas a
través de Internet. Interesa detenerse en la Sección 5 del Capítulo II, dedicada
a la tutela de los derechos de propiedad intelectual en el entorno digital. Des-
de la perspectiva de la UE, cabe señalar que el ACTA no era el marco adecuado
para regular aspectos complejos que no han sido todavía objeto de armoniza-
ción en el seno de la UE. Por ello, debe ser bien valorado que finalmente no
se incluyeran en su texto normas que prevean la adopción de mecanismos
específicos frente a infracciones a través de ciertos servicios como los funda-
dos en una respuesta gradual o sistema de los tres avisos que puede concluir
con la terminación del contrato de acceso a Internet de los usuarios afectados.
En este sentido, la solución adoptada en el ACTA en lo relativo a la in-
teracción entre derechos de propiedad intelectual y derecho fundamental a la
protección de datos personales en el marco de los procesos por infracción en
el entorno digital y la eventual obligación de ciertos prestadores de servicios
de la sociedad de la información de proporcionar datos sobre usuarios de sus
servicios, se funda en atribuir en normas no vinculantes un amplio margen de
apreciación a los Estados miembros, como refleja la disposición más relevante
en la materia contenida en el artículo 27.4 ACTA65, que cabe entender que
se corresponde con los límites a la armonización de esta cuestión en la UE,
en línea con el criterio adoptado por el Tribunal de Justicia en el asunto Pro-
musicae, antes mencionado. No obstante, a la luz de la flexibilidad y falta de
precisión de los términos del texto final del Acuerdo, en su segundo Dictamen
sobre el ACTA66 el Supervisor Europeo de Protección de Datos ha insistido en
64 Dictamen del Supervisor Europeo de Protección de Datos sobre las negociaciones que mantiene la Unión
Europea sobre un Acuerdo Comercial de Lucha contra la Falsificación (ACTA), DO C 147 de 5.6.2010, p. 1.
65 En concreto, el artículo 27.4 ACTA establece: “Una Parte podrá establecer, conforme a sus leyes y re-
glamentos, que sus autoridades competentes estén facultadas para ordenar a un proveedor de servicios en
línea, que divulgue de forma expedita al titular de los derechos, información suficiente para identificar a un
suscriptor cuya cuenta se presume fue utilizada para cometer una infracción, cuando dicho titular de los
derechos haya presentado una reclamación con suficiente fundamento jurídico de infracción de marca de
fábrica o de comercio o derechos de autor y derechos conexos, y donde dicha información se busque para
efectos de protección u observancia de dichos derechos. Estos procedimientos serán implementados de
forma tal que eviten la creación de obstáculos para actividades legítimas, incluido el comercio electrónico y,
conforme a la legislación de cada una de las Partes, que preserven los principios fundamentales tales como
libertad de expresión, procesos justos y privacidad.”
66 Opinion of the European Data Protection Supervisor on the proposal for a Council Decision on the Con-
clusion of the Anti-Counterfeiting Trade Agreement between the European Union and its Member States,
Australia, Canada, Japan, the Republic of Korea, the United Mexican States, the Kingdom of Morocco, New
55
que muchas de las medidas previstas en el contexto de la observancia de los
derechos de propiedad intelectual en el entorno digital implicarían la super-
visión del comportamiento de los usuarios y sus comunicaciones electrónicas
en Internet y pueden llegar a interferir en los derechos a la intimidad, la pro-
tección de datos y la confidencialidad de las comunicaciones si no se aplican
de manera adecuada.
Cabe reseñar, en particular, su preocupación en relación no sólo con
el artículo 27.4 sino también con la referencia contenida en el artículo 27.3
ACTA a que “cada Parte procurará promover esfuerzos de cooperación dentro
de la comunidad empresarial, para tratar de forma eficaz las infracciones de
marcas de fábrica o de comercio y los derechos de autor o derechos conexos”;
en la medida en que su vinculación con el deseo expresado en el preámbulo
“de promover la cooperación entre los proveedores de servicios y titulares de
los derechos para enfrentar las infracciones pertinentes en el entorno digital”
pueda facilitar la puesta en marcha de una supervisión de amplio alcance del
tráfico de datos en Internet, para controlar ciertas conductas y poder conocer
el contenido de los archivos objeto de intercambio o de descarga por usua-
Pedro Alberto de Miguel Asensio
Zealand, the Republic of Singapore, the Swiss Confederation and the United States of America 24 de abril
de 2012, <http://www.edps.europa.eu/>.
56
propriedade intelectual
SABAM67 debe ser analizada conjuntamente con la pronunciada un par de me-
ses antes también por el Tribunal de Justicia en el asunto Scarlet Extended68.
Ciertamente, la sentencia SABAM viene a confirmar en relación con los pres-
tadores de servicios de alojamiento de datos en general -y los proveedores
de redes sociales en particular- el criterio ya establecido por el Tribunal de
Justicia con respecto a los proveedores de acceso a Internet en su sentencia
Scarlet Extended en lo que concierne a ciertos límites que las medidas de tu-
tela de la propiedad intelectual deben respetar.
En el origen de estas sentencias se encuentran sendos litigios ante
los tribunales belgas entre una sociedad de gestión de derechos de propiedad
intelectual (SABAM) y un proveedor de acceso a Internet (en el asunto Scar-
let) y un proveedor de una red social (en el asunto SABAM). Tras constatar la
infracción de derechos respecto de las obras musicales del repertorio de la
demandante mediante la utilización por terceros de los servicios del prove-
edor de acceso a Internet y del proveedor de la red social, la parte deman-
dante pretendía en ambos casos la adopción de mandamientos judiciales que
exigieran a la parte demandada (proveedor de acceso a Internet o proveedor
de red social) la instauración de medidas de supervisión generalizada de am-
plísimo alcance. En concreto, en el asunto SABAM la demandante instaba un
mandamiento judicial que impusiera al prestador de servicios de red social la
instauración de un sistema de filtrado de la información alojada por sus usua-
rios aplicable con carácter preventivo a toda su clientela, exclusivamente a ex-
pensas del prestador de tales servicios y sin limitación de tiempo. Tal medida
tenía su origen en que la entidad de gestión de derechos demandante consi-
deraba que la red social ofrecía a sus usuarios la posibilidad de utilizar, a través
de su perfil, obras musicales y audiovisuales de su repertorio. El resultado
de ambas sentencias es que la imposición a esos proveedores intermediarios
de medidas de amplio alcance de supervisión del tráfico de sus usuarios con
el propósito de controlar si éstos intercambian contenidos que infringen los
derechos de propiedad intelectual pueden resultar contrarias al Derecho de
la UE. En particular, tales medidas de supervisión menoscabarían el derecho a
la a la protección de datos de carácter personal, ya que un sistema de filtrado
como ese implicaría, por ejemplo, un análisis sistemático de las informaciones
relativas a los perfiles de los usuarios de la red social que son datos protegidos
de carácter personal, ya que permiten identificar, en principio, a tales clientes,
al igual que las direcciones IP de los usuarios de los servicios de acceso a Inter-
net. Ciertamente, la sentencia SABAM destaca que las informaciones relativas
vación, su duración y las personas con acceso a los mismos. El uso de bases
de datos existentes para fines distintos a los establecidos por el legislador es
contrario a los principios de protección de datos personales”. En línea con
esta afirmación en el apartado 62 el Abogado General concluyó que: “…no
procede privilegiar a los titulares de derechos de propiedad intelectual per-
mitiéndoles el uso de datos personales legalmente recogidos o conservados
para fines ajenos a la protección de sus derechos. La recopilación y utilización
de dichos datos para tales fines respetando el Derecho comunitario en ma-
teria de protección de datos personales requeriría la previa adopción por el
legislador nacional de disposiciones detalladas, conforme al artículo 15 de la
Directiva 2002/58”. Se trata de una exigencia muy importante en la medida
en que determina que los requerimiento de comunicación de datos deban ir
referidos a datos conservados para esa finalidad de protección de la propie-
dad intelectual en virtud de obligaciones legales impuestas a los prestadores
de servicios de Internet en cumplimiento de lo dispuesto en el artículo 15
Directiva 2002/85/CE.73 La sentencia Bonnier aparentemente no hace referen-
cia a esta cuestión, de modo que cabría sostener que la compatibilidad con
el marco legal en materia de protección de datos de ese tipo de legislaciones
para la tutela de la propiedad intelectual no se subordina a la existencia previa
72 Conclusiones presentadas el 17 de noviembre de 2011.
73 Directiva 2002/58/CE, de 12 de julio de 2002, relativa al tratamiento de los datos personales y a la pro-
tección de la intimidad en el sector de las comunicaciones electrónicas (Directiva sobre la privacidad y las
comunicaciones electrónicas) (DO L 201/37, de 31.7.2002).
60
propriedade intelectual
de normas que impongan la obligación de retener los datos con la específica
finalidad de ser comunicados cuando medie requerimiento por ser relevantes
en procesos civiles relativos a la tutela de la propiedad intelectual. Ahora bien,
al inicio de su fundamentación jurídica, en el apartado 37 de la sentencia, el
Tribunal de Justicia incluye la siguiente afirmación como presupuesto del resto
de su análisis: “Interesa señalar, con carácter preliminar, por una parte, que el
Tribunal de Justicia se basa en la premisa de que los datos que son objeto del
procedimiento principal se han conservado con arreglo a la normativa nacio-
nal, respetando los requisitos establecidos en el artículo 15, apartado 1, de la
Directiva 2002/58, extremo que corresponde verificar al órgano jurisdiccional
remitente.” El Tribunal en la sentencia no aporta ninguna precisión adicional
acerca cómo deben ser interpretados los requisitos establecidos en ese artí-
culo y no descarta de manera expresa la interpretación de los mismos llevada
a cabo por el Abogado General. Conforme a la jurisprudencia del Tribunal Eu-
ropeo de Derechos Humanos el mero almacenamiento de datos personales
constituye una intromisión en el derecho a la vida privada de los afectados
que aunque puede llegar a estar legitimado en ciertos casos requiere en todo
caso la previsión en normas legales.74
Un último elemento de incertidumbre tiene que ver con que para la
adopción de medidas este tipo de legislaciones se basan típicamente en que
“el demandante presente pruebas evidentes de que se han vulnerado los de-
rechos de autor sobre una obra” –como dice la legislación sueca a la que va
referida esta sentencia- (por su parte en España el art. 17.2 RD 1889/2011,
de 30 de diciembre, por el que se regula el funcionamiento de la Comisión de
Propiedad Intelectual –si bien es cierto que se basa en un modelo distinto no
centrado en la sanción de los usuarios- hace referencia a que el titular de los
derechos debe aportar la información que acredite que la obra o prestación
está siendo objeto de explotación a través del servicio de la sociedad de la
información objeto de la solicitud, así como los datos de los que disponga que
coadyuven a identificar al responsable…). En relación con este presupuesto de
la aplicación de estas legislaciones de protección de la propiedad intelectual
parece resultar también muy relevante que en la medida en que el titular de
derechos aporte datos personales (por ejemplo, datos de los usuarios del ser-
vicio para acreditar que éste se usa para infringir derechos en España) dichos
datos deberán haber sido recopilados y tratados por el titular de los derechos
respetando el derecho a la protección de datos de los usuarios afectados.
No obstante, en la jurisprudencia nacional resulta de particular interés
la práctica reciente en el Reino Unido, en concreto la sentencia de la Court of
74 STEDH de 3 de abril de 2007, Copland v. the United Kingdom, no. 62617/00, ap. 44.
61
Appeal (Civil Division) de 6 de marzo de 2012, en el asunto British Telecommu-
nications Plc. y TalkTalk Telecom Group Plc. contra Secretary of State for Cultu-
re, Olympics, Media and Sport.75 Esta sentencia referida a la impugnación de
la normativa británica sobre la tutela de la propiedad intelectual en Internet
contenidas en la Digital Economy Act de 2010, aborda, entre otras cuestiones,
su compatibilidad con la normativa europea sobre protección de datos perso-
nales, proporcionando una respuesta afirmativa y cuestionando el Dictamen
del Supervisor Europeo de Protección de Datos sobre el particular antes rese-
ñado. Con base en la sentencia Promusicae del Tribunal de Justicia así como
que tratándose de datos de tráfico el artículo 15 de la Directiva 2002/58 debe
ser entendido en el sentido de que permite a los Estados miembros limitar los
derechos que en relación con el tratamiento de los datos de tráfico establece
el artículo 6 de la Directiva, cuando la limitación constituya una medida nece-
saria proporcionada y apropiada en una sociedad democrática para proteger
la propiedad intelectual.76
expresión y empresa
Básico en el análisis que lleva a cabo el Tribunal de Justicia tanto en
Scarlet Extended como en SABAM es que la fijación de los límites dentro de
los cuales medidas de ese tipo fundadas en el objetivo de proteger los dere-
chos de propiedad intelectual son admisibles requiere una ponderación entre
diversos derechos fundamentales, atribuyendo una particular importancia no
sólo al derecho fundamental a la protección de datos de los usuarios, sino
también a la libertad de empresa de los prestadores de servicios de Internet
así como del derecho a la libertad de información, que considera que pueden
resultar menoscabados como consecuencia de la imposición de obligaciones
de supervisión de conductas en Internet tendentes a evitar ciertas infraccio-
nes de la propiedad intelectual.
En la sentencia SABAM el Tribunal confirma que tratándose de me-
didas de supervisión de ese tipo y alcance tan general también su imposición
con respecto a prestadores de servicios de alojamiento de datos resulta con-
traria al Derecho de la UE no sólo por infringir la prohibición de imponer una
obligación general de supervisión establecida en el artículo 15 de la Directiva
2000/31 sobre el comercio electrónico sino además por vulnerar la libertad
de empresa del prestador de servicios de alojamiento (red social), vulnerar
75 [2012] EWCA Civ 232
76 En esta línea resulta de interés la STEDH de 2 de diciembre de 2008, K.U. v. Finland, no. 2872/02, si bien
en el ámbito de la persecución de ilícitos penales.
62
propriedade intelectual
eventualmente la libertad de información de los usuarios en la medida en que
el sistema de filtrado no distinga adecuadamente entre contenidos lícitos e
ilícitos y el derecho fundamental a la protección de datos de los usuarios.
Punto de partida para valorar la ilicitud de las medidas objeto de las
cuestiones prejudiciales que han dado lugar a estos dos asuntos es que obligar
a un prestador de servicios intermediario, como los proveedores de acceso a
Internet o de alojamiento de datos, a proceder a una supervisión activa del
conjunto de datos de cada uno de sus clientes con el fin de evitar cualquier
futura lesión de los derechos de propiedad intelectual resulta incompatible
con el artículo 15.1 de la Directiva 2001/31, que prohíbe la imposición de una
obligación general de supervisar los datos que los intermediarios transmitan
o almacenen. Ahora bien, más allá de su incompatibilidad con esa prohibición
así como con la exigencia del artículo 3.1 Directiva 2004/48 sobre el respeto
a la propiedad intelectual de que las medidas para garantizar la tutela de los
derechos de propiedad intelectual no sean inútilmente complejas o gravosas,
de estas dos sentencias resulta ahora que una medida de supervisión tan am-
plia puede también vulnerar otros derechos fundamentales, ya que resulta
esencial que la configuración de las medidas asegure un justo equilibrio entre
la protección del derecho a la propiedad intelectual y la protección de los de-
rechos fundamentales de las personas afectadas por tales medidas.
Por una parte, resultaría vulnerado el derecho a la libertad de em-
presa que ampara a los prestadores de servicios de intermediación, habida
cuenta de que una supervisión de alcance tan amplio como la resultante de las
medidas objeto del litigio principal podría implicar una vulneración sustancial
de tal libertad, en la medida en que obliga al intermediario a establecer un
sistema de supervisión gravoso, permanente y exclusivamente a sus expensas
que abarca prácticamente la totalidad de la información almacenada en la red
del prestador de servicios afectado. Por otra parte, medidas de supervisión
de esa naturaleza menoscabarían la libertad de recibir o comunicar informa-
ciones en el caso de que la insuficiente distinción por parte del sistema entre
contenidos lícitos e ilícitos tenga como consecuencia el bloqueo de contenidos
lícitos. Con respecto a esta última libertad, cabe reseñar que la jurisprudencia
del TEDH ha destacado el importante papel de Internet –vinculado a su acce-
sibilidad y capacidad para almacenar y comunicar grandes cantidades de infor-
mación- para el acceso del público a información y para la difusión de ésta.77
Si bien en el litigio principal en el asunto SABAM, al igual que en el
asunto Scarlet, el mandato de supervisión tiene su origen en una decisión judi-
77 STEDH de 10 de marzo de 2009, Times Newspapers Ltd v. the United Kingdom (nos. 1 and 2), nos.
3002/03 and 23676/03, § 27.
63
cial, el análisis que lleva a cabo el Tribunal de Justicia resulta también relevante
con respecto a la valoración de la compatibilidad con el Derecho de la UE de
las iniciativas legales para combatir las infracciones de los derechos de propie-
dad intelectual en Internet mediante mecanismos de sanción frente a usuarios
de ciertos servicios (en particular en relación con el uso de servicios de Inter-
net para el intercambio de archivos) que se basan en la imposición de amplias
obligaciones de supervisión a los prestadores de servicios intermediarios.
No obstante, al valorar el significado de las sentencias en los asuntos
SABAM y Scarlet es muy relevante tener en cuenta que el resultado alcanzado
en ambos casos viene determinado por las características de las medidas de
supervisión que pretendían imponerse que presentaban un amplísimo alcan-
ce de modo que exigían “una vigilancia activa de los archivos almacenados
por los usuarios en los servicios de almacenamiento del prestador de que
se trata y que afecta tanto a casi la totalidad de la información almacenada
como a los usuarios de los servicios de ese prestador”.78 Cabe considerar, por
lo tanto, que estas sentencias dejan abierta la posibilidad de que otro tipo de
medidas que impliquen una supervisión de menor alcance sean plenamente
Pedro Alberto de Miguel Asensio
65
propriedade intelectual
PROPRIEDADE INTELECTUAL E DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO NA UNIÃO EUROPEIA
81 PLENDER, R./ WILDERSPIN, M., The European Private International Law of Obligations, Londres, Sweet
& Maxwell/ Thomson Reuters, 2009, p. 655.
82 Assim, http://ec.europa.eu/internal_market/copyright/index_en.htm y http://europa.eu/legislation_
summaries/internal_market/businesses/intellectual_property/index_es.htm [visitadas em 1 de Julho de
2013].
68
propriedade intelectual
aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (adiante, Regulamento
Roma II)83. O qual, em referência ao seu art. 8 (“Infração dos direitos de pro-
priedade intelectual”), estabelece que:
“(…) Para efeitos do presente regulamento, a expressão direitos de
propriedade intelectual deverá ser interpretada como abrangendo, nomeada-
mente, o direito de autor, os direitos conexos, o direito sui generis para a pro-
teção das bases de dados, bem como os direitos de propriedade industrial”.
Pois bem, há que destacar que esta aproximação coincidente está
chamada a evitar uma grande parte dos problemas qualificatórios que pude-
rem surgir neste âmbito, principalmente a respeito de sua delimitação com
outras instituições próximas84.
71
permitindo um tratamento homogêneo de tais direito em sua dimensão trans-
fronteiriça no âmbito da UE.
Ante esta situação, tal e como se adiantou, resultaria aconselhável
levar adiante uma rediscussão da questão. O qual poderia ir, desde a coorde-
nação do momento em que propõe um novo instrumento –seja com base em
uma política ou outra-, as eventuais respostas internacional-privatistas que
se colocaram, até derivar todo tratamento de Direito internacional privado a
uma de tais políticas –ex.: Justiça no âmbito da cooperação judicial civil-, ex-
cluindo seu tratamento nos instrumentos elaborados no marco da outra –isto
é, mercado interior-. Seja uma ou outra alternativa -ou outras que puderam
idealizar-se-, o certo é que uma maior coordenação resultaria imprescindível.
Frente a este complexo panorama normativo se apresentam iniciati-
vas de grande interesse como a dos Principles for Conflicts of Laws in Intellec-
tual Property (cuja versão definitiva “The Draft” está datada em 25 de Março
de 2011)92. Uns “Princípios” elaborados por um grupo de prestigiosos aca-
dêmicos especialistas na matéria que trabalha sob o nome de CLIP (European
Guillermo Palao Moreno
92 Texto disponível em: http://www.cl-ip.eu/ [visitada em 1 de Julho de 2013]. Uma sucinta apresentação
dos mesmos pode ser vista em: KUR, A., “Are there any Common European Principles of Private Internatio-
nal Law with regard to Intellectual Property”, en: LEIBLE, S./ OHLY, A. (Eds.), Intellectual Property and Private
International Law, Tubinga, Mohr Siebeck, 2009, 1-14, p. 9-14.
72
propriedade intelectual
número de situações não cobertas pelos Regulamentos mais específicos.
2) Por outro lado, tais instrumentos estão previstos para cobrir prin-
cipalmente situações litigiosas intracomunitárias, definidas neste âmbito em
função da presença do domicílio (ou, em seu caso, do estabelecimento) do de-
mandado em um Estado membro. Uma limitação que obrigará a recorrer aos
sistemas autônomos de Direito internacional privado naqueles casos excluídos
de seu âmbito de aplicação.
intelectual (art. 22.497). Assim como foros gerais baseados na submissão ex-
95 Assim, o art. 94 do Regulamento (CE) nº 201/2009, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comuni-
tária (D.O.C.E. nº L 78/1, de 24 de março de 2009); o art. 79 do Regulamento (CE) nº 6/2002, sobre os dese-
nhos e modelos industriais (D.O.C.E. nº L 3/1, de 5 de janeiro de 2002) e o art. 101 do Regulamento (CE) nº
2100/94, relativo à proteção comunitária das obtenções vegetais (D.O.C.E. nº L 227/1, de 1 de setembro de
1994. Modificado pelo Regulamento (CE) nº 873/2004 (D.O.C.E. nº L 162/38, de 30 de abril de 2004). Sobre
as respostas de competência judicial internacional previstas nestes instrumentos ver: DESANTES REAL, M.,
“La marca comunitaria y el Derecho internacional privado”, en: BERCOVITZ RODRÍGUEZ-CANO, A. (DIr.),
Marca y Diseño Comunitario, Pamplona, Aranzadi, 1996, p. 225-260; LÓPEZ TARRUELLA MARTÍNEZ, A., Li-
tigios transfronterizos sobre derechos de propiedad industrial e intelectual, op.cit., p. 64 e ss. e 143 e ss.;
PALAO MORENO, G., “La protección internacional de los dibujos y modelos comunitarios”, pe.i. revista de
propiedad intelectual 2002, nº 10, p. 65-95.
96 Vid. ESPLUGUES MOTA, C., “Normas de competencia judicial internacional en materia de propiedad
intelectual”, en AA.VV., Los derechos de la propiedad intelectual en la nueva Sociedad de la Información,
Granada, Comares, 1998, p. 191 e ss.; FAWCETT, J., “Special rules of Private International Law for special
cases: what should we do about Intellkectual Property?”, en: FAWCETT, J. (ed.), Reform and development
of private international law: essays in honour of Sir Peter North, Oxford, Oxford University Press, 2002,
pp. 137-166; FUMAGALLI, L., “Litigating Intellectual Property Rights disputes cross.botder: jurisdiction and
recognition of judgements under the Brussels I regulation”, en: BARIATTI, S. (ed.), Litigating Intellectual
Property Rights disputes cross.botder: EU Regulations, ALI Principles, CLIP Project, Milán, Cedam, 2010, pp.
15-37; LÓPEZ TARRUELLA MARTÍNEZ, A., Litigios transfronterizos sobre derechos de propiedad industrial e
intelectual, Madrid, Dykinson, 2008, p. 39 e ss, e 88 e ss.; MOURA VICENTE, D., A Tutela Internacional da
Propiedade Intelectual, op.cit., p. 369 e ss. También, el estudio elaborado por NUYTS, A./ SZYCHOWSKA, K./
HATZIMIHAIL, N., “Cross-border litigation in Intellectual Property matters in Europe” de 2006 (disponible
en: http://www.ulb.ac.be/droit/ipit/docs/HeidelbergBackgPaper1.pdf) [visitada em 1 de Julho de 2013].
97 Sobre o tema sobressai a STJCE (Sala Primeira) de 13 de julho de 2006, no caso C‑4/03, Gesellschaft für
Antriebstechnik mbH & Co. KGy Lamellen und Kupplungsbau Beteiligungs KG. Mais recentemente, a STJUE
(Sala Terceira) de 1 de dezembro de 2011, no Assunto C‑145/10, Eva-Maria Painer contra Standard Verlags
GmbH, Axel Springer AG, Süddeutsche Zeitung GmbH, Spiegel-Verlag Rudolf Augstein GmbH & Co KG, Verlag
M. DuMont Schauberg Expedition der Kölnischen Zeitung GmbH & Co KG.; e la STJUE (Sala Terceira) de 12 de
julho de 2012, no caso C-616/10, Solvay SA/Honeywell Fluorine Products Europe BV e outros, (D.O.U.E. nº C
89/9, de 19 de Março de 2011) (disponíveis em: http://www.curia.eu) [visitadas em 1 de Julho de 2013].
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propriedade intelectual
pressa ou tácita (arts. 23 e 2498). De tal forma que, na ausência dos critérios
anteriores, o demandante poderá optar entre os tribunais do domicílio do de-
mandado (art. 2) e dos foros especiais do art. 599.
O que diz respeito aos foros atributivos de carácter específico que
contempla o Regulamento Bruxelas I, há que mencionar o idealizado para
atender aos litígios relativos aos direitos de propriedade em matéria contra-
tual, o qual se encontra baseado no lugar de cumprimento da obrigação que
sirva de base para a demanda (art. 5.1100); como também o incorporado para
as controvérsias em matéria não contratual, fundamentado no tradicional fó-
rum delicti commissi (art. 5.3), com uma complexa aplicação para os casos
de infração no meio digital101. Junto a ele e de especial interesse nos casos
de infração de tais direitos, também se contempla um foro para os casos de
pluralidade de demandados (art. 6.1102).
2) Vinculado ao anterior, cabe fazer referência às normas de aplicação
do sistema de competência judicial que se contemplam, em particular, para a
comprovação da competência e a admissibilidade (arts. 25 e 26), para os casos
de litispendência e conexão (arts. 27 a 30)103, igual a que –e de singular signi-
ficado para os litígios relativos a tais direitos- o estabelecimento de medidas
cautelares e provisórias (art. 31)104.
98 Ainda que com os limites que se estabeleçam para os direitos unitários, nos arts. 97.4 Regulamento
marca comunitária, 82.4 Regulamento Desenho comunitário e 102.2 Regulamento obtenções vegetais.
99 Em relação com estes três preceitos, há que se ter em conta os limites que, para os direitos unitários,
constituem os arts. 94.2 a) Regulamento marca comunitária, 79.3 a) Regulamento desenho comunitário e
102.1 Regulamento obtenções vegetais.
100 Este preceito foi interpretado pelo TJCE em relação com os contratos sobre direitos de propriedade in-
telectual na Sentencia (Sala Quarta) de 23 de abril de 2009, no caso C-533/07, Falco Privatstiftung, Thomas
Rabitsch y Gisela Weller-Lindhorst (disponível em: http://www.curia.eu) [visitada em 1 de Julho de 2013].
101 ESTEVE GONZÁLEZ, L., Aspectos internacionales de las infracciones de derechos de autor en inter-
net, Granada, Comares, 2006, p. 133-163; LÓPEZ-TARRUELLA MARTÍNEZ, A, “Criterio de “focalización” y
forum delicti commissi em las infracciones de propiedad industrial e intelectual em internet”, Pe.i. revista
de propiedad intelectual 2009, nº 31, pp. 13-51; METZGER, A., “Jurisdiction in Cases Concerning Intellectual
Property Infringements on the Internet”, en: LEIBLE, S./ OHLY, A. (Eds)., Intellectual Property and Private
International Law, Tubinga, Moh Siebeck, 2009, pp. 250-257; TORREMANS, P., “Private International Law
Aspects of IP-Internet Disputes”, en: EDWRADS, L./ WAELDE, C. (Eds.), Law and the Internet. A framework
for Electronic Commerce, Oxford, Hart, 2000 (2ª ed.), pp. 225 e ss.
102 A respeito destaca a STJCE (Sala Primeira) de 13 de julho de 2006, no Caso C-539/03, Roche Nederland
BV e otros y Frederick Primus, Milton Goldenberg (disponível em: http://www.curia.eu) [visitada em 1 de
Julho de 2013].
103 HOLTMANN YDOATE, M., “Litispendencia y conexidad de procesos de propiedad industrial planteados
ante tribunales de diferentes Estados de la Comunidad Europea”, Diario La Ley, ref. D-252, Tomo 4, 1996.
104 Ter em conta, a STJUE (Sala Terceira) de 12 de julho de 2012, no Caso C-616/10, Solvay SA/Honeywell
Fluorine Products Europe BV e outros, (D.O.U.E. nº C 89/9, de 19 de Março de 2011) (disponível em: http://
www.curia.eu) [visitada em 1 de Julho de 2013]. Vid., JIMÉNEZ BLANCO, P., “Cooperación internacional en
la práctica de pruebas y adopción de medidas cautelares en los derechos de propiedad intelectual” AEDIPr
2000, pp. 285-297.
75
No que tange ao reconhecimento e execução de decisões estrangei-
ras sobre direitos de propriedade intelectual, há que se mencionar a possibili-
dade de acudir ao estabelecido nos arts. 32 a 56105. Nesses casos, sem limita-
ção alguma de aplicação para os litígios sobre direitos unitários.
Ainda sendo certo que a existência do sistema geral que significa o
Regulamento Bruxelas I deve ser valorado de modo positivo, igualmente de-
ve-se criticar o fato de que precisamente dito caráter genérico pode chegar a
implicar uma resposta inadaptada para os litígios transfronteiriços em maté-
ria de direitos de propriedade intelectual. Por ele, seria recomendável contar
com um conjunto de disposições uniformes e adaptadas às particularidades
deste tipo de controvérsias, como sucederia com os “Princípios CLIP”.
tremos fundamentais.
1) Por uma parte, destaca o fato de que não existem instrumentos
que com um caráter geral regulem as questões de lei aplicável relativas aos
direitos de propriedade intelectual, e que se apliquem na ausência de textos
específicos. A este fato, soma-se a distinta aproximação dispensada a esta
matéria em cada política. Assim, enquanto as normas incorporadas nos ins-
trumentos relativos à cooperação judicial em matéria civil são, normalmente,
normas de conflito bilaterais, as próprias normas da política de mercado in-
terior consistem em normas de extensão baseadas no “princípio do país de
origem” com as que se fomenta o “reconhecimento mútuo” neste setor.
2) Por outra parte, na maior parte dos casos cobertos, as normas
europeias possuem uma natureza universal que as converte em aplicáveis à
situações tanto intra como extracomunitárias. Não obstante, há de destacar
como existem pontuais normas de conflito em importantes Convênios inter-
nacionais em matéria de propriedade intelectual – como o art. 5.2 do Convê-
nio de Berna de 1886, para proteção das obras literárias e artísticas106-. Uma
circunstância significativa devido a que os dois Regulamentos mais importan-
105 A respeito dessa questão: LÓPEZ TARRUELLA MARTÍNEZ, A., Litigios transfronterizos sobre derechos de
propiedad industrial e intelectual, op.cit., p. 233 e ss.
106 Vid. CARRASCOSA GONZÁLEZ, J., La propiedad intelectual en el Derecho internacional privado español,
Granada, Comares, 1994, pp.m 64-71; RICKETSON, S. y GINSBURG, J.C., International Copyright and nei-
ghbouring Rights. The Berne Convention and Beyond, Oxford, Oxford University Press, 2007 (2ª ed.), Vol. II,
pp. 1297-1327.
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propriedade intelectual
tes nesse âmbito – os Regulamentos Roma I e Roma II que serão analisados
em seguida- preveem a aplicação de forma preferencial das normas de lei
aplicável contidas em tais Convênios, deslocando as respostas previstas em
tais Regulamentos dentro de seu âmbito de aplicação107.
113 Vid. BARIATTI, S., “The law applicable to the infringement of IP Rights under the Rome II Regulation”,
en: BARIATTI, S. (Ed.), Litigating Intellectual Property Rights Disputes Cross-border: EU Regulations, ALI Prin-
ciples, CLIP Project, Milán, Cedam, 2010, pp. 63-88; BOSCHIERO, N., “Infringement of Intellectual Property
Rights. A commentary on Article 8 of the Rome II Regulation”, YbPIL 2007, pp. 87-113; DE MIGUEL ASENSIO,
P.A., “La lex loci protectionis tras el Reglamento “Roma II””, AEDIPr 2007, pp. 375-406; ILLMER, M., “Article
8”, en: HUBER, P. (ed.), Rome II Regulation. Pocket Commentary, Munich, Sellier, pp. 226-259; MICHINEL
ÁLVAREZ, M.A., “La regulación del derecho de autor internacional en España ante el Proyecto de Regla-
mento sobre ley aplicable a las obligaciones extracontractuales (“Roma II”)”, A.D.I. 2006-2007, pp. 275-308;
OBERGFELL, E.I., “Das Schutzlandprinzip und “Rom II”. Bedeutung und Konsequenzen für das Internationale
Urheberrecht”, IPRax 2005, pp. 9-13, pp. 10-11; PALAO MORENO, G., “La protección de los derechos de
propiedad intelectual en Europa: el art. 8 del Reglamento Roma II”, Revisa Aranzadi de Derecho de Depor-
te y Entretenimiento 2008-3, nº 24, pp. 557-571; PERTEGÁS, M., “Intellectual Property and choice of law
rules”, en: MALATESTA, A. (Ed.), The Unification of choice of law rules on Torts and other non-contractual
Obligations in Europe. The “Rome II” Proposal, Padua, Cedam, 2006, pp. 221-248; OBERGFELL, E.I., “Das
Schutzlandprinzip und “Rom II”. Bedeutung und Konsequenzen für das Internationale Urheberrecht”, IPRax
2005, pp. 9-13.
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propriedade intelectual
concorrência e os litígios de concorrência desleal. Pois bem, o texto literal do
art. 8 prevê:
“Artigo 8º - Violação de direitos de propriedade intelectual:
1. A lei aplicável à obrigação extracontratual que decorra da violação
de um direito de propriedade intelectual é a lei do país para o qual a proteção
é reivindicada.
2. No caso de obrigação extracontratual que decorra da violação de
um direito de propriedade intelectual comunitário com carácter unitário, a lei
aplicável a qualquer questão que não seja regida pelo instrumento comunitário
pertinente é a lei do país em que a violação tenha sido cometida.
3. A lei aplicável ao abrigo do presente artigo não pode ser afastada
por acordos celebrados em aplicação do artigo 14”.
Desse singular preceito, com o que se regula esta matéria de forma
uniforme e com caráter universal para todos os Estados membros pela primei-
ra vez, destacam os seguintes extremos:
1) Para começar, no item 3º se situa como uma solução comum aos
princípios 1º e 2º. Um item onde se exclua a possibilidade que as partes pos-
sam eleger a lei aplicável para todo litígio de infração dos Direitos sobre bens
imateriais; evitando assim o jogo do art. 14 Regulamento Roma II nesses ca-
sos. Uma eliminação que se apresenta em termos absolutos, talvez de forma
excessivamente rígida114.
2) Junto a ele, o item 1º oferece a solução geral do sistema aplicável
aos litígios de infração transfronteiriça aos direitos de propriedade intelectual,
realizando uma opção a favor da lei “do país para cujo território se reclama
proteção”. Uma solução inspirada na tradicional e ampliadamente estendido
“princípio de territoriedade”, ainda que não isenta de problemas e críticas115.
Nesse sentido, não só dificulta uma plena coincidência entre as soluções de-
senhadas para os setores da competência judicial e a lei aplicável116, embora
isso suscite problemas complexos quando se reclama a proteção de diversos
114 MATULIONYTE, R., “Calling for Party Autonomy in Intellectual Property Infringement Cases”, Journal pf
Private International Law 2013, Vol. 9, nº 1, pp. 77-99.
115 Sobre essa questão, BERGÉ, J.-S., “Droit d’auteur, conflit de lois et réseaux numériques: rétrospective
et prospective”, Rev.crit.dr.internat.privé 2000, pp. 357-397; VAN EECHOUD, M., Choice of Law in Copyright
and Related Rights, La Haya, Kluwer, 2003, pp. 169-232.
116 Assim, o Considerando 7 do Regulamento Roma II. No mesmo sentido, FAWCETT, J., “Special rules for
Private international Law for special cases: what should we do about Intellectual Property?”, en: AA.VV.,
Reform and Development of Private International Law. Essays in honour of Sir Peter North, Oxford, Oxford
University Press, 2002, pp. 137-166, p. 166.
79
ornamentos, tal e como propicia a Internet117.
3) Por último, o 2º item regula os litígios de infração para o direito de
Propriedade Intelectual comunitários de caráter unitário118 por meio da “lei
do país em que se tenha cometido a infração”. Uma solução próxima à lex loci
delicti commissi – presente no art. 4.1 Regulamento Roma II -, favorecedora da
coincidência entre o fórum e o ius nos litígios, e que se fundamentaria no feito
de que a proteção que se garantiria aos mesmos é única e comunitária, assim
como porque sua infração unicamente poderia ter lugar no interior da UE119.
b) Em matéria contratual
Ainda que não regule de forma particular os aspectos contratuais re-
lativos aos direitos de propriedade intelectual – por expresso desejo do le-
gislador europeu -, as questões da lei aplicável sobre a licença ou cessão dos
mesmos se encontram ordenadas de conformidade ao disposto no Regula-
mento Roma I. Em particular, resultarão de aplicação aos mesmos o estabele-
cido em seus arts. 3, 4 e 9 principalmente120.
1) Por uma parte e segundo seu art. 3, as partes poderão eleger o
Guillermo Palao Moreno
4. Valoração
Guillermo Palao Moreno
83
propriedade intelectual
O DOMÍNIO PÚBLICO VOLUNTÁRIO
Sérgio Branco132
1. Introdução
A lei de direitos autorais brasileira estabelece critérios para uma obra
ingressar em domínio público, sendo o mais evidente o decurso do tempo. Em
regra, as obras de um autor entram em domínio público setenta anos após sua
morte, havendo contudo exceções para obras fotográficas e audiovisuais (en-
tre outras), que seguem curso cronológico distinto. Indaga-se, entretanto, se
seria possível a dedicação voluntária de uma obra ao domínio público, bastan-
to-se para isso a vontade do autor. Como o caso não é expressamente tratado
na lei, mas desperta interesse prático, julgamos relevante analisar a hipótese
a partir dos princípios hoje vigentes no sistema de direitos autorais brasileiro.
De maneira sintética, podemos entender o ingresso de uma obra no
domínio público como decorrência do esgotamento dos direitos patrimoniais
previstos na lei brasileira de direitos autorais (Lei 9.610/98, doravante designa-
da “LDA”). Como se sabe, a criação de uma obra intelectual passível de prote-
ção por direitos autorais confere a seu autor duas gamas de direitos, os morais
e os patrimoniais.
Os primeiros, elencados no art. 24 da LDA, são direitos não econômi-
cos. Apesar da falta de homogeneidade entre os sete incisos de referido arti-
go, são comumente compreendidos como direitos de natureza pessoal (não
patrimonial), o que justificaria o texto do art. 27 da LDA, que determina serem
os direitos morais de autor inalienáveis e irrenunciáveis.
Já os direitos patrimoniais têm, como o próprio nome nos faz perce-
ber, caráter econômico. Estão previstos no art. 29 da LDA, e incluem, entre
outros, os direitos de reproduzir a obra protegida, editá-la, adaptá-la para ou-
tros meios de comunicação, traduzi-la e distribuí-la.
Ao contrário dos direitos morais, que subsistem parcialmente após
a morte do autor e mesmo além do ingresso da obra em domínio público, os
direitos patrimoniais se extinguem, em regra, setenta anos depois da morte
do criador da obra protegida. Para fotografias e obras audiovisuais, contudo, o
132 Professor e pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Doutor em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
85
prazo é de setenta anos contados de sua publicação. E é justamente ao cabo
desse prazo que a obra entra em domínio público. A partir desse momento,
qualquer pessoa pode praticar os atos previstos no art. 29 da LDA sem neces-
sidade de autorização de terceiros ou de pagamento pelo uso.
Ainda que o decurso do prazo de proteção seja a causa mais recor-
rente para o ingresso de uma obra em domínio público, não é a única. A LDA
determina, em seu art. 45, as hipóteses de extinção dos direitos patrimoniais
de autor. Prescreve o mencionado artigo:
Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de pro-
teção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:
I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;
II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhe-
cimentos étnicos e tradicionais.
Como se vê, as hipóteses legalmente previstas são três. A primeira (e
mais comum) é aquela da qual tratamos acima – o fim do prazo de proteção.
Sérgio Branco
A segunda diz respeito a autor que tenha falecido sem deixar herdeiros (e,
veja-se bem, sem ter transferido os direitos a terceiro, ainda em vida. Afinal,
mesmo que não tenha deixado herdeiros, pode ter celebrado contrato com
pessoa física ou jurídica, sendo necessário, em tal caso, aguardar-se o prazo
final do contrato, se de licença, ou o até mesmo o fim do prazo de proteção,
caso o contrato seja de cessão de direitos). A terceira e última hipótese legal-
mente enunciada diz respeito a obras de autoria desconhecida.
A LDA parece fazer distinção entre obra anônima e obra de autor
desconhecido. Por uma questão lógico-jurídica, obra de autor desconhecido
não é a obra anônima de que trata o art. 43. Se assim fosse, haveria uma in-
compatibilidade entre o previsto nesse artigo (que atribui proteção às obras
anônimas) e o previsto no art. 45, II, ao estabelecer que as obras de autor
desconhecido estão em domínio público. Assim, obra de autor desconhecido
é diferente de obra anônima (que a LDA melhor qualificaria como “obra de
autoria anônima”).
Que vem a ser obra de autor desconhecido, então? Enquanto as obras
anônimas são aquelas em que o autor optou pelo anonimato quando pode-
ria ter optado por publicá-la sob seu próprio nome ou pseudônimo, as obras
de autor desconhecido são aquelas cuja indicação de autoria se perdeu no
tempo, ainda que esse (atual) desconhecimento de autoria tenha se dado à
revelia do autor. Observamos que o tema é complexo e sua análise minuciosa
extrapolaria os limites deste trabalho.
86
propriedade intelectual
Avançamos, assim, para a hipótese de que cuidamos e que não está
expressamente prevista na LDA: a possibilidade de uma obra entrar em domí-
nio público pela vontade do autor.
A primeira indagação que se deve fazer é: faz sentido alguém dedicar
uma obra intelectual ao domínio público? O ingresso voluntário da obra no
domínio público não iria contra todo o esforço de se proteger as obras auto-
rais construído ao longo dos dois últimos séculos? Por que alguém desejaria
destinar sua obra ao domínio público?
134 O termo foi concebido em 2004 por Dale Dougherty e popularizado por Tim O´Reilly. Hoje, a conver-
gência de utilidades permitida a partir da conexão com a internet (é possível acessar vídeos, músicas, fotos
e textos de terceiros, manipulá-los e, do mesmo modo – porém em via oposta – disponibilizar vídeos, músi-
cas, fotos e textos) está se espalhando para além dos computadores, em celulares e, em breve, na televisão.
135 Basta confrontar o disposto nos artigos 28, 29 e 46 da LDA para a violação se tornar evidente.
88
propriedade intelectual
autor crer que a proteção conferida pela LDA serve de entrave à circulação da
obra e que esse entrave acaba por ser maléfico a seus interesses comerciais.
Para um autor estreante, talvez faça mais sentido que sua obra se tor-
ne disponível de graça na internet, podendo qualquer pessoa fazer cópia dela,
do que esperar por uma proteção que muitas vezes não se reverterá nem em
um público maior desfrutando da obra nem em benefícios financeiros.
Não apenas artistas iniciantes têm dispensado a proteção legal. Gru-
pos como Radiohead se valem de estratégias comerciais pouco ortodoxas (até
o momento) para promover seus novos trabalhos, tentando torná-los disponí-
veis por valores mais palatáveis ao público consumidor além de se aproximar
dos fãs por meio de contato direto em websites136.
A profusão de conteúdo existente na internet certamente contribuiu
para a busca de novos modelos de negócio. Novos porque se distinguem da-
queles desenvolvidos e consagrados ao longo do século XX e que, atualmente,
são insuficientes para distribuir obras culturais e remunerar artistas. Nesse
sentido, o modelo musical do tecnobrega137 e a produção audiovisual nigeria-
na138 são bons exemplos.
Tais modelos se caracterizam sobretudo pela renúncia a (ou pela flexi-
bilização de) determinados direitos autorais previstos pela LDA. No modelo do
tecnobrega, por exemplo, muitas vezes não se impede a reprodução da obra
(no caso, dos CDs). Ao contrário, a reprodução é estimulada para que o artista
se torne conhecido e passe a se remunerar por meio de shows, não apenas
pela venda de CDs139.
Ocorre que o simples fato de a obra estar disponível na internet não
significa que o autor tenha consentido com sua reprodução por quem quer
que seja140. Muito menos, evidentemente, que a obra esteja em domínio pú-
136 Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/10/01/297954778.asp.
137 Ver, de Ronaldo Lemos e Oona Castro, “Tecnobrega – o Pará Reinventando o Negócio da Música”. LE-
MOS, Ronaldo e CASTRO, Oona. Tecnobrega – o Pará Reinventando o Negócio da Música. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2008.
138 IGWE, Charles. A Indústria Cinematográfica Nigeriana e KUSAMOTU, Ayo. Um Olhar sobre o Cinema
Nigeriano. LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de e MACIEL, Marília (orgs). Três Dimensões do
Cinema – Economia, Direitos Autorais e Tecnologia. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2010; pp. 107 e ss.
139 Desnecessário dizer que tais práticas devem ser encaradas como alternativas ao modelo tradicional
e não como imposições. Aos autores – e somente a eles – competirá decidir se devem se valer do direito
autoral previsto na LDA ou de práticas inovadoras. Ademais, cada setor da indústria cultural conta com suas
peculiaridades e, por hipótese, o que pode funcionar para a música pode ser inviável para livros. Final-
mente, uma coisa é a remuneração dos artistas – cantores e músicos. Outra, distinta, é a remuneração dos
autores. Para cada classe devem ser perseguidas as melhores soluções.
140 Sobre o tema, ver dissertação de mestrado: BRANCO JR., Sérgio Vieira. Direitos Autorais na Internet
e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. A obra pode ser acessada também em http://
bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2832.
89
blico. Para as obras disponíveis na internet, vigoram exatamente as mesmas
regras jurídicas de direitos autorais para obras em meio físico, ainda que na
internet seja consideravelmente mais difícil dar eficácia a tais normas.
De fato, a (falta de) eficácia da LDA na internet é mais uma evidência
de como os modelos de proteção construídos a partir do final do século XIX
são hoje insuficientes para dar conta da revolução tecnológica que vivemos.
E nem se trata apenas do acesso a obras alheias, que pode se dar contra a
vontade do autor; mencionamos, aqui, o fato de a LDA proteger demais os
autores, mesmo quando eles dispensam a proteção.
Se um autor, por um motivo qualquer (porque entende que é inútil
proteger sua obra - que carece de importância econômica, ou porque pre-
fere vê-la difundida para auferir lucros por meio de outras modalidades de
negócio), deseja que sua obra seja copiada pelos usuários da internet, não
basta apenas não coibir a reprodução. Quem copia obra na íntegra, ainda que
o autor nada faça para impedir a cópia, viola direitos autorais. Por isso, tor-
nou-se necessário que o autor consinta expressamente com a reprodução de
sua obra. Surgiram, assim, as licenças públicas gerais, sendo a licença Creative
Sérgio Branco
Commons uma das mais notórias. Para entendê-las, devemos tratar primeiro
do conceito de commons.
143 BOYLE, James. The Second Enclosure Movement and the Construction of the Public Domain. Law
and Contemporary Problems – vol. 66; pp. 33 e ss. Disponível em http://www.law.duke.edu/shell/cite.
pl?66+Law+&+Contemp.+Probs.+33+(WinterSpring+2003).
144 Este movimento de privatização foi bastante criticado por Rousseau, a ponto de fazê-lo afirmar que
“[o] primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: ‘isto é meu’, e encontrou pessoas bastan-
te simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”.
145 Para aprofundamento do tema, ver, entre outros, “Cultura Livre”, de Lawrence Lessig e “Direito, Tec-
nologia e Cultura”, de Ronaldo Lemos. LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. Rio de Janeiro: ed.
FGV, 2005. Já tivemos a oportunidade de escrevermos sobre o tema em BRANCO Jr., Sérgio Vieira. Direitos
Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, disponível em http://
bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2832 e em LEMOS, Ronaldo e BRANCO, Sérgio. Copyleft, Sof-
tware Livre e Creative Commons: A Nova Feição dos Direitos Autorais e as Obras Colaborativas. Revista de
Direito Administrativo – vol. 243. São Paulo: ed. Atlas, 2006; pp. 148 e ss.
91
Em sua versão 3.0, de 2010, as licenças Creative Commons traduzidas
para o português e adaptadas a nosso ordenamento jurídico contam com qua-
tro elementos intercambiáveis que geram seis possíveis licenças. Os elementos
são atribuição (obrigatório, em respeito ao direito moral de paternidade); uso
não comercial (a obra somente pode ser usada sem fins comerciais); vedação
à criação de obra derivada (a obra deve ser usada sem qualquer alteração);
compartilhamento pela mesma licença (é permitida obra derivada, desde que
esta seja objeto de licenciamento idêntico ao da obra original)146.
Ao atribuir uma das licenças à sua obra, o autor informa à sociedade,
a priori, que tipo de uso pode fazer de seu trabalho: com ou sem fins comer-
ciais, permitidas ou não alterações etc. No mínimo – ou seja, pela licença mais
rigorosa –, deverá ser conferido o direito de se fazer cópia integral da obra
para uso privado.
Por outro lado, a licença mais ampla de todas, denominada apenas
de “Atribuição”, autoriza terceiros a fazerem qualquer uso da obra licenciada,
desde que sua autoria seja mencionada corretamente. Apesar de não ser uma
licença de domínio público, os efeitos produzidos por sua utilização dele se
Sérgio Branco
aproximam, tanto na esfera dos direitos morais quanto na dos direitos patri-
moniais147. Por tais motivos, esta a licença que por hora mais nos interessa.
A licença “Atribuição”, em sua versão atual, decorre da escolha do
autor em permitir uso comercial de sua própria obra e criação de obras deri-
vadas, renunciando expressamente ao recolhimento de direitos autorais. Por-
tanto, nos aspectos patrimoniais, já que pode ser explorada comercialmente
e livremente modificada, sem autorização ou licença específica por parte do
titular, existe aproximação dos efeitos gerados com o ingresso da obra em
domínio público148.
146 As licenças que resultam da combinação dos referidos elementos são: (i) atribuição; (ii) atribuição -
uso não comercial; (iii) atribuição - não a obras derivadas; (iv) atribuição - compartilhamento pela mesma
licença; (v) atribuição - uso não comercial - não a obras derivadas e (vi) atribuição - uso não comercial - com-
partilhamento pela mesma licença.
147 César Iglesias Rebollo classifica iniciativas como o software livre e as licenças Creative Commons como
“apoiadas no domínio público voluntário”. REBOLLO, César Iglesias. Software Libre y Otras Formas de Domí-
nio Público Anticipado. Coord.: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 200.
148 Prevê o texto da licença: 3. Concessão da licença. O Licenciante concede a Você uma licença de abran-
gência mundial, sem royalties, não-exclusiva, perpétua (pela duração do direito autoral aplicável), sujeita
aos termos e condições desta Licença, para exercer os direitos sobre a Obra definidos abaixo: Reproduzir
a Obra, incorporar a Obra em uma ou mais Obras Coletivas e Reproduzir a Obra quando incorporada em
Obras Coletivas; Criar e Reproduzir Obras Derivadas, desde que qualquer Obra Derivada, inclusive qualquer
tradução, em qualquer meio, adote razoáveis medidas para claramente indicar, demarcar ou de qualquer
maneira identificar que mudanças foram feitas à Obra original. Uma tradução, por exemplo, poderia assina-
lar que “A Obra original foi traduzida do Inglês para o Português” ou uma modificação poderia indicar que
“A Obra original foi modificada”; Distribuir e Executar Publicamente a Obra, incluindo as Obras incorporadas
em Obras Coletivas; e, Distribuir e Executar Publicamente Obras Derivadas. O Licenciante renuncia ao direi-
to de recolher royalties, seja individualmente ou, na hipótese de o Licenciante ser membro de uma socieda-
92
propriedade intelectual
Na verdade, os efeitos produzidos pela aplicação da licença “Atribui-
ção” muito se assemelham aos do domínio público, mas ambos não se equiva-
lem. De acordo com o texto da licença, sua abrangência é mundial. O ingresso
da obra em domínio público, por outro lado, depende da lei de cada um dos
países onde a proteção é demandada. Além disso, o domínio público afeta
diretamente o exercício de determinados direitos morais149, enquanto que o
texto da licença “Atribuição” expressamente informa que “na extensão em
que reconhecidos e considerados indisponíveis pela legislação aplicável, direi-
tos morais não são afetados por esta Licença”.
Do ponto de vista do direito autoral patrimonial, a licença “Atribui-
ção” produz os mesmos efeitos decorrentes da entrada de determinada obra
em domínio público, só que em âmbito mundial. Além disso, um outro efeito
idêntico ao do ingresso de obra em domínio público é que as licenças Creative
Commons são outorgadas em caráter perpétuo. A rigor, a licença confere ao
titular o direito de difundir a obra sob outros termos ou de cessar a distribui-
ção da obra licenciada a qualquer momento. No entanto, nenhuma dessas
condutas será considerada revogação da licença e naturalmente os direitos
adquiridos durante o período em que a obra esteve em circulação por vonta-
de do titular deverão ser respeitados150.
Por tudo isso, a outorga da licença Creative Commons do tipo “Atri-
buição” a determinada obra em muito se assemelha a dedicá-la ao domínio
público por conta da proximidade de seus efeitos151.
de de gestão coletiva de direitos (por exemplo, ECAD, ASCAP, BMI, SESAC), via essa sociedade, por qualquer
exercício Seu sobre os direitos concedidos sob esta Licença. Os direitos acima podem ser exercidos em
todas as mídias e formatos, independente de serem conhecidos agora ou concebidos posteriormente. Os
direitos acima incluem o direito de fazer as modificações que forem tecnicamente necessárias para exercer
os direitos em outras mídias, meios e formatos. Todos os direitos não concedidos expressamente pelo Li-
cenciante ficam ora reservados. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/legalcode.
149 Ver Branco, Sérgio. O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/9137.
150 Prevê ainda o texto da licença: 7. Terminação. Esta Licença e os direitos aqui concedidos terminarão
automaticamente no caso de qualquer violação dos termos desta Licença por Você. Pessoas físicas ou jurídi-
cas que tenham recebido Obras Derivadas ou Obras Coletivas de Você sob esta Licença, entretanto, não te-
rão suas licenças terminadas desde que tais pessoas físicas ou jurídicas permaneçam em total cumprimento
com essas licenças. As Seções 1, 2, 5, 6, 7 e 8 subsistirão a qualquer terminação desta Licença. Sujeito aos
termos e condições dispostos acima, a licença aqui concedida é perpétua (pela duração do direito autoral
aplicável à Obra). Não obstante o disposto acima, o Licenciante reserva-se o direito de difundir a Obra
sob termos diferentes de licença ou de cessar a distribuição da Obra a qualquer momento; desde que, no
entanto, quaisquer destas ações não sirvam como meio de retratação desta Licença (ou de qualquer outra
licença que tenha sido concedida sob os termos desta Licença, ou que deva ser concedida sob os termos
desta Licença) e esta Licença continuará válida e eficaz a não ser que seja terminada de acordo com o dis-
posto acima. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/legalcode.
151 Amy J. Benjamin e John LaBarre defendem que, para os que querem permitir o uso de suas obras
por terceiros, as licenças públicas são uma solução melhor do que o domínio público voluntário. Segundo
os autores, as licenças públicas permitem ao autor ter um controle mínimo sobre o modo como a obra é
93
Ainda assim, o projeto Creative Commons conta com uma licença es-
pecífica para que autores dediquem suas obras ao domínio público, a licença
CC0. Em razão das diversas especificidades legais, que variam de país para
país, a CC0 permite que autores dediquem ao domínio público suas obras “no
limite permitido por lei”152. Ou seja, os efeitos da licença seriam distintos a
depender de como a lei local regula a possibilidade de os autores abrirem mão
de seus direitos autorais.
Dessa forma, pelo menos assim nos parece, no Brasil, a licença CC0
seria admissível desde que respeitados os direitos morais que subsistem após
o ingresso da obra em domínio público, já que quanto aos direitos patrimo-
niais não há nada que impeça sua renúncia. Afinal, assim como se dá com o
uso da licença “Atribuição”, a licença CC0 apenas antecipa os efeitos do domí-
nio público sobre a obra licenciada. Há que se atentar, entretanto, para o fato
de que a licença CC0 automaticamente promove o ingresso da obra licenciada
no domínio público de todos os países do mundo, não apenas naquele onde
se dá o licenciamento.
Mesmo que eventualmente venha a se considerar que a licença CC0
Sérgio Branco
não pode ser utilizada para licenciar obras no Brasil, em razão de incompatibi-
lidade com os direitos morais previstos na LDA, é importante apontarmos que
o texto da própria licença determina que “se qualquer parte da licença for con-
siderada legalmente inválida ou ineficaz de acordo com a lei aplicável, então
a licença deverá ser preservada no limite máximo permitido de acordo com
a manifestação de vontade do licenciante”153. Como os direitos patrimoniais
são normalmente aqueles sobre os quais versam as maiores controvérsias – e
quanto à sua disponibilidade parece não haver contestação significativa – ain-
da que a licença CC0 viesse a ser considerada parcialmente inválida diante
do ordenamento jurídico brasileiro, os efeitos decorrentes da disposição dos
direitos patrimoniais já nos parecem suficientes para atender tanto a vontade
do autor-licenciante quanto a vontade do usuário-licenciado.
utilizada, inclusive obrigando que obras derivadas também sejam licenciadas. No caso do domínio público,
entretanto, terceiros podem modificar a obra original e impedir sua circulação em sua versão modificada, já
que a nova obra estará protegida por direitos autorais. BENJAMIN, Amy J. e LABARRE, John. Donating Works
to the Public Domain Isn’t Always the Best Way to Provide the Public Access to Your Work. Disponível em:
http://www.accessmylibrary.com/article-1G1-148278643/donating-works-public-domain.html.
152 Disponível em http://creativecommons.org/publicdomain/zero/1.0/. Para maiores informações, ver
http://wiki.creativecommons.org/CC0_FAQ e http://creativecommons.org/choose/zero/. De acordo com
informações no website de questões frequentemente propostas (FAQ, ou frequently asked questions), a
diferença entre a licença “Atribuição” e a licença “Domínio Público” seria que a adoção da segunda não
obrigaria ao terceiro, ao usar a obra, que indicasse sua autoria. No entanto, em razão da LDA, essa obriga-
ção resistiria por força do disposto no art. 24, I.
153 Tradução livre do autor. No original, lê-se que “[s]hould any part of the Waiver for any reason be jud-
ged legally invalid or ineffective under applicable law, then the Waiver shall be preserved to the maximum
extent permitted taking into account Affirmer’s express Statement of Purpose”. Disponível em http://creati-
vecommons.org/publicdomain/zero/1.0/legalcode.
94
propriedade intelectual
Em outubro de 2010, o projeto Creative Commons anunciou o lança-
mento do Creative Commons Mark, ferramenta que permite que trabalhos
em domínio público sejam facilmente identificados e encontrados na internet.
A iniciativa foi saudada com bastante entusiasmo e a rede Europeana154, que
contém mais de 14 milhões de itens de imagens, textos, arquivos em áudio e
em vídeo155, comunicou a adoção da marca a partir de 2011 para indicar obras
em domínio público156.
A grande vantagem da adoção do Creative Commons Mark é a iden-
tificação de obras em domínio público, uma vez que não existe um sistema
de registro de obras mundial que possa ser consultado. Se o sistema não é
infalível, sua adoção por grandes museus, galerias e arquivos públicos pode-
rá, entretanto, ser fundamental para dar maior segurança jurídica ao uso de
obras culturais por parte de terceiros.
160 45.(1) The following works shall belong to the public domain: (a) works whose terms of protection
have expired; (b) works in respect of which authors have renounced their rights; and (c) foreign works
which do not enjoy protection in Kenya. (2) For the purposes of paragraph (b), renunciation by an author
or his successor in title of his rights shall be in writing and made public but any such renunciation shall not
be contrary to any previous contractual obligation relating to the work. Disponível em http://portal.unesco.
org/culture/en/files/30229/11416612103ke_copyright_2001_en.pdf/ke_copyright_2001_en.pdf.
161 DUSSOLIER, Séverine. Scoping Study on Copyright and Related Rights and the Public Domain; p. 33.
Disponível em http://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/news/2010/news_0007.html.
162 Código Civil brasileiro, art. 1.275, II. Em tal caso, seria necessário observar as peculiaridades de se
tratar de uma propriedade que, embora renunciada por seu titular, não poderia vir a integrar o patrimônio
de terceiro com exclusividade, ao contrário do que acontece em regra com as res derelictae corpóreas.
163 LPI, art. 78, II.
164 “O ingresso no domínio público em cada sistema jurídico é incondicional, universal e definitivo; a
criação passa a ser comum de todos, e todos têm o direito de mantê-la em comunhão, impedindo a apro-
priação singular. Não se trata de abandono da obra, res nullius ou res derelicta, suscetível de apropriação
singular por simples ocupação” (grifos do autor). BARBOSA, Denis Borges, Domínio Público e Patrimô-
nio Cultural; p. 12. Disponível em http://www.denisbarbosa.addr.com/bruno.pdf..
96
propriedade intelectual
Uma vez que a lei não exige forma especial para a renúncia de di-
reitos, bastaria a vontade inequívoca do autor. Dessa forma, o autor poderia
publicar a obra com manifestação expressa no sentido de que sua obra se
encontra, por sua vontade, em domínio público. Poderia, ainda, registrar sua
manifestação de vontade em registro de títulos e documentos ou publicá-la
no Diário Oficial. A forma nos parece indiferente, desde que seja inequívoca165.
Nos Estados Unidos, é possível a um autor dedicar sua obra ao domí-
nio público. Sem que haja uma forma específica de fazê-lo, basta, por exem-
plo, que o autor mencione expressamente “esta obra é dedicada ao domínio
público”. É possível também fazer a declaração oralmente, mas haveria uma
dificuldade em se constituir prova inequívoca da intenção do autor166.
Ainda que se alegue que a LDA, ao contrário da LPI, não é expressa
em prever a possibilidade de renúncia ao direito autoral, também é de se con-
siderar que não a proíbe, e tratando-se de direito patrimonial, deve vigorar o
princípio geral do ordenamento jurídico brasileiro, que prevê a possibilidade
de sua disposição desde que observados determinados limites (como os que
veremos a seguir).
Além disso, uma vez que a própria LDA autoriza aos autores que cele-
brem contratos de cessão de direitos sobre suas obras a terceiros específicos
– o que acarreta o fim do monopólio do autor sobre a exploração econômica
da obra, ou ao menos o transfere a outrem – não nos parece haver qualquer
motivo jurídico que impeça o autor de abrir mão dos direitos autorais não em
favor de um terceiro determinado, mas em favor de toda a sociedade.
Ainda assim, é importante, neste momento, indagarmos se haveria
aqui alguma limitação relacionada aos artigos 549167, 1.789168, 1.846169, 1.967170
165 Conforme observa BAINTON, Toby. The Public Domain and the Librarian. Intellectual Property – The
Many Faces of the Public Domain. Cheltenham: 2007; p. 128.
166 FISHMAN, Stephen. The Public Domain – How to Find & Use Copyright-Free Writings, Music, Art &
More. Berkeley: Nolo, 2008; p. 58. David Lange dedicou seu texto “Reimagining the Public Domain” ao
domínio público ao publicá-lo com a seguinte informação: “Copyright in this work is hereby disclaimed and
abandoned”. LANGE, David. Reimaginig the Public Domain. Law and Contemporary Problems – vol. 66; pp.
463 e ss. Disponível em http://www.law.duke.edu/shell/cite.pl?66+Law+&+Contemp.+Probs.+463+(Win-
terSpring+2003).
167 Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da
liberalidade, poderia dispor em testamento.
168 Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
169 Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, cons-
tituindo a legítima.
170 Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites dela, de con-
formidade com o disposto nos parágrafos seguintes. § 1o Em se verificando excederem as disposições
testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros
instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor. § 2o Se o tes-
97
e 2.007171 do CCB, que tratam do contrato de doação e da legítima.
Seria a antecipação dos efeitos do domínio público equivalente à do-
ação à sociedade? Nesse caso, deveria ser observado o limite da meação pre-
visto no art. 1.789 acima mencionado?
O art. 549 do CCB estabelece que será nula a doação quanto à parte
que exceder àquilo que o doador poderia doar no momento da celebração do
ato.
Imaginemos a hipótese de autor que tenha antecipado os efeitos do
domínio público sobre sua obra para a data de sua morte. No entanto, quando
de seu falecimento, deixou herdeiros necessários, mas não qualquer bem ma-
terial. Considerando-se, ainda, que sua obra venha sendo comercializada com
relativo sucesso, poderiam os sucessores se valer do art. 1.789 do Código Civil
para anular a manifestação da vontade do autor por analogia ao princípio de
que ultrapassou o que poderia dispor em testamento?
Ou, de outra maneira, o fato de os bens imateriais serem não-rivais
simplesmente não autorizariam que os sucessores assim procedessem? O
Sérgio Branco
tema é instigante e não comporta uma resposta óbvia. Afinal, se por um lado
estariam prejudicados em seu direito de uso exclusivo da obra pelo prazo le-
gal, por outro poderiam se valer da obra economicamente, ainda que em con-
corrência com todas as demais pessoas interessadas.
A bem da verdade, a hipótese é altamente improvável e bastante ex-
cepcional. Primeiro, um autor deveria se dispor a fazer determinada obra in-
gressar em domínio público antecipadamente. A obra – no momento em que
entra em domínio público pela vontade de seu criador – deve ter um valor que
ultrapasse a parte disponível do patrimônio do autor. Finalmente, herdeiros
necessários deveriam contestar judicialmente o ato praticado. Teoricamente,
nos parece possível, nesse caso, que seja questionada a inserção da obra no
domínio público, a despeito de todas as improbabilidades.
tador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução
far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo
antecedente.
171 Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador pode-
ria dispor, no momento da liberalidade. § 1o O excesso será apurado com base no valor que os bens doados
tinham, no momento da liberalidade. § 2o A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do
excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário,
em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis,
as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias. § 3o Sujeita-se a redução, nos
termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e
mais a quota disponível. § 4o Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas,
serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.
98
propriedade intelectual
Já com relação aos direitos morais, as dificuldades decorrem do texto
do art. 27 da LDA, que estipula que “os direitos morais do autor são inalie-
náveis e irrenunciáveis”. Tal dispositivo seria suficiente para impedir que um
autor dedicasse sua obra ao domínio público? Parece-nos que não. Ao fazê-lo,
o que ocorre é simplesmente a antecipação dos efeitos que o domínio público
acarretaria de qualquer maneira aos direitos morais do autor.
Por isso, caso o autor coloque sua obra em domínio público ou ante-
cipe seu ingresso no domínio público para o momento de sua morte (ainda
que conte com sucessores), por exemplo, o que estará fazendo, de fato, é
renunciar aos direitos patrimoniais do autor bem como antecipar os efeitos do
domínio público sobre os direitos morais. Assim, quanto aos direitos morais,
podemos afirmar:
(i) o direito de paternidade, previsto no art. 24, I e II, da LDA, permane-
ce intocado. Afinal, trata-se não apenas de direito moral do autor, mas de verda-
deiro direito de personalidade. Nesse sentido, é realmente indisponível. Há tam-
bém outras questões envolvidas: ordem pública, atribuição de responsabilidade
pela autoria, vedação à apropriação de obra alheia. O direito de paternidade
deve inclusive ser tutelado pelo Estado após o ingresso da obra em domínio pú-
blico. Não é direito que se extinga e permanece intocado ainda que o autor faça
a obra ingressar em domínio público exclusivamente por sua vontade;
(ii) o direito de inédito, previsto no art. 24, III, da LDA, está sendo
exercido pelo autor no sentido de não manter a obra inédita. Afinal, sua deci-
são de colocar a obra em domínio público apenas faz sentido na medida em
que a obra pode ser acessada por terceiros. Do contrário, não há razão para
determinar que a obra passará a integrar o domínio público. Por isso, uma vez
em domínio público, não há mais que se discutir o direito de inédito.
(iii) o direito de assegurar a integridade da obra, previsto no art. 24,
IV, da LDA, é frontalmente atingido pelo domínio público. Afinal, esgotados os
direitos patrimoniais, pode qualquer terceiro fazer da obra o uso que desejar.
Ocorre que este direito moral de autor se relaciona diretamente às faculdades
patrimoniais, de modo que a extinção destas justifica o fim daquele.
Por outro lado, mesmo que o autor dedique sua obra ao domínio pú-
blico, continua protegido nos termos do art. 24, IV, in fine, da LDA. Qualquer
ato que possa prejudicar a obra ou atingir o autor em sua reputação ou honra
poderá ser proibido pelo autor, por seus sucessores ou pelo Estado.
Este direito moral subsiste após o autor ter feito sua obra ingressar
em domínio público por dois motivos. Em primeiro lugar, porque trata-se aqui
99
também de preservar direitos da personalidade. Em segundo lugar, porque
mesmo após ter sido atingido o prazo legal de proteção, competirá ao Estado
defender a integridade da obra. Se este direito permanece após a obra entrar
em domínio público pelo decurso do prazo, então também deve permanecer
se o motivo da entrada da obra em domínio público for a vontade do autor. É
o mesmo princípio a reger o direito de paternidade.
(iv) o direito de modificar a obra, previsto no art. 24, V, da LDA, conti-
nua existindo, ainda que em concorrência com toda a sociedade. Esse direito
não é transmitido aos sucessores nos termos do art. 24, §1º, porque os suces-
sores, pela sucessão, não se convertem em autor e portanto não podem agir
como se ele fossem, modificando a obra. Mas com a obra ingressando em
domínio público pela vontade do autor, este – se ainda vivo – poderá continu-
ar a modificar a obra, garantindo o direito consubstanciado no art. 24, V, da
LDA. No entanto, por se tratar de obra em domínio público, qualquer terceiro
também poderá modificá-la.
(v) o direito moral de retirar a obra de circulação, previsto no art.
24, VI, da LDA, é o único que poderia, em um primeiro momento, apresentar
Sérgio Branco
5. Conclusão
Regidos pela lei 11.484/07, os circuitos integrados173 são protegidos
por meio de registro, que extingue-se, entre outras hipóteses, pela renúncia
de seu titular, mediante documento hábil, ressalvado o direito de terceiro.
Acresce a referida lei que, “extinto o registro, o objeto da proteção cai em
domínio público”174. Aqui, faz-se uma analogia.
Sérgio Branco
180 REBOLLO, César Iglesias. Software Libre y Otras Formas de Domínio Público Anticipado. Cit.; p. 201.
104
propriedade intelectual
A PROPRIEDADE INTELECTUAL E A PROTEÇÃO DAS
COMPOSIÇÕES DE PEÇAS DE VESTUÁRIO
Karin Grau-Kuntz181
1. Introdução
Na versão online da revista americana Forbes de abril de 2011 foi
editado um artigo sobre um jovem advogado americano – Charles “Chuck”
Colman – e sua atuação em um campo da propriedade intelectual ali deno-
minado como fashion law, para o qual vem-se reclamando contornos de área
especializada. Especificamente sobre a tal fashion law, assim disse Colman:
I think most practitioners who work in this area would agree with me that
intellectual property protection— specifically, trademark protection —
is at the heart of fashion law. Counterfeiting, a central concern for the
fashion industry, is one type of trademark infringement. But a ‘fashion
lawyer’ will regularly encounter legal issues in many other areas of the
law, from relatively straightforward contract disputes to arcane rules go-
verning the importation and taxation of garments and textiles; from regu-
latory restrictions on advertising and labeling to fashion industry-specific
quirks in real estate and employment. With greater frequency, people are
using the term ‘fashion law’ as a sort of shorthand for all of these issues. 182
181 Doutora em Direito - Ludwig Maximilian Universität (2005) e Mestre em Direito - Ludwig Maximilian
Universität (1996). Coordenadora acadêmica e pesquisadora na Alemanha (Estudos Europeus) do Instituto
Brasileiro de Propriedade Intelectual.
182 J. Maureen Henderson, Meet The Man Who Upholds The Laws Of Fashion, Forbes 10/04/2011.
183 Um ponto no tempo – o uso inteligente da propriedade intelectual por empresas do setor têxtil, OMPI
– Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
105
WESTIN (2013), por sua vez, considerando estar “a indústria da moda
(…) intrinsecamente ligada à inovação e à criatividade”, explora a questão que
envolve os chamados designs apenas em consideração a uma possível proteção
pelo instituto do direito de autor. A autora conclui que a Lei de Direitos Autorais
brasileira não é capaz de cumprir com o fim cogitado e destaca a necessidade
de uma “proposta [legislativa] específica para proteger os designs de moda”.184
Se as três fontes citadas têm em comum tratarem de um mesmo
tema, cada uma delas adota uma perspectiva própria de enfoque de proteção
– direito de marcas, proteção dos desenhos industriais e proteção autoral.
Cum grano salis, isto é deixando de considerar traços próprio do direi-
to americano, que poderiam ter inspirado o advogado citado a ver no direito
de marcas o eixo da chamada fashion law, e ainda ignorando as razões que
levaram WESTIN a não mencionar a possibilidade de proteção dos “design de
moda” por meio do registro como desenho industrial, é necessário esclarecer
a situação: qual é o instituto adequado – ou quais institutos são mais ou me-
nos adequados e em que circunstâncias – para proteger as composições185 de
Karin Grau-Kuntz
2. Noções fundamentais
A palavra vestuário – ou peça de vestuário186 – reporta necessaria-
mente ao corpo humano como espaço definitório, isto é, só é vestuário aquilo
que veste, enquanto vestir pressupõe um corpo a ser vestido.
A seu turno a expressão moda, ao contrário da forma como é empre-
gada usualmente, não reporta, sob uma perspectiva científica, diretamente às
peças de vestuário, mas antes a padrões – ou códigos – comunicativos apro-
vados socialmente.
184 WESTIN, Roberta. Design de moda: a legislação de direitos autorais brasileira está adequada à realida-
de desta indústria?, in Boletim da ASPI Nr. 40, Abril/Junho de 2013, (28-37).
185 A expressão composição é empregada no contexto deste ensaio como soma das formas, cores, linhas,
aplicações etc. que, quando consideradas em conjunto, resultam na aparência da peça de vestuário.
186 Empregarei neste ensaio a expressão de forma ampla, não limitada a roupas, mas abrangendo sapa-
tos, bolsas, luvas etc.
106
propriedade intelectual
A aprovação social é um aspecto essencial da definição proposta. Pela
negativa, a reprovação social de um padrão comunicativo faz impossível falar-
se em moda.
O recurso a um exemplo auxiliará a compreensão da proposição.
LOSCHEK (2007)187 menciona um modelo da estilista Rei Kawakubo
denominado “Body Meets Dress” e datado de 1997, onde almofadas aplica-
das a um vestido justo de lycra na altura dos ombros e costas imitavam uma
deformação semelhante a uma corcunda.
Com o recurso aos enchimentos a estilista, de acordo com sua própria
explicação, visava oferecer uma nova dimensão de percepção do corpo. Neste
sentido ela propôs à coletividade a composição em referência como um pa-
drão comunicativo que, a seu turno, foi recusado socialmente como tal, o que
é evidente quando temos em mente não ter o recurso aos enchimentos nos
ombros e costas imitando uma corcunda determinado um padrão “moda” nos
anos 90 do século passado.
Pois bem, o efeito bizarro que a descrição da peça de vestuário dese-
nhada por Kawakubo pode despertar no leitor perderá força ao lembrarmos
dos vestidos com “enchimentos”188 nos quadris, comuns nas décadas de 70
a 90 do século XIX.189 Naquela época, de forma inversa ao que ocorreu na
década de 90 do século passado, o recurso a “enchimentos” na composição
de vestidos foi aprovado socialmente como um padrão criando, assim, moda.
187 LOSCHEK, Ingrid. Wann ist Mode? Strukturen, Strategien und Innovationen, Dietrich Reimer Verlag,
Berlin (2007)
188 O volume aqui não resultava da costura de pedaços de espuma ao vestido, mas era antes alcançado
por meio de pregas de tecido.
189 Peço atenção especial ao último vestido da última linha. O desenho, que foi retirado da página ele-
trônica Wikipédia, apresenta o desenvolvimento dos padrões de vestuário (moda) no século XIX.
107
As razões que explicam a reprovação e a aprovação da transformação
da silhueta do corpo humano são simples: em 1997 a composição da peça de
vestuário apresentada por Kawakubo foi associada à ideia de uma deformação
física (uma mensagem – comunicação - negativa); nos anos 70-90 do século
XIX, uma época que correspondeu a uma fase de desenvolvimento econômi-
co na Europa, o recurso de transformação da silhueta foi associada a ideia de
fartura (uma mensagem – comunicação – positiva)190, criando moda.
Neste ponto vale mencionar as palavras de Yohji Yamamoto,191 no
sentido de que se moda fosse peça de vestuário, então ela seria supérflua,
mas se antes ela for uma forma de possibilitar a compreensão do nosso coti-
diano, então será dotada de importância.
Se bem compreendido o conteúdo comunicativo a que reporta a ex-
pressão “moda”, então é possível compreender não ser o estilista quem cria
a moda. Estilistas criam composições de peças de vestuário. Eles poderão192,
por meio de suas composições, propor novos padrões comunicativos. Esses
padrões propostos estão sujeitos a aprovação social para que permitam se-
Karin Grau-Kuntz
3. Ato criativo
Invertendo a perspectiva adotada no curso desse ensaio – até o mo-
mento tive a moda em foco, tratando da composição da peça de vestuário em
função dela – deito agora minha atenção a composição da peça de vestuário,
para então relacioná-la com o sistema moda, o que permite detectar duas
situações distintas196:
a) a composição da peças de vestuário apresentada pretende expres-
sar um padrão estético-comunicativo diferente daqueles vigentes no momen-
to. As palavras-chave aqui é intenção de transformação, ou
b) a composição corresponde – isto é, é produzida em atenção – aos
padrões válidos no momento. A palavra-chave aqui é adequação.
Partindo do pressuposto que o leitor já tenha tido em mãos alguma
revista que se ocupa com os padrões de vestuário em voga, ou que tenha lido
nos jornais notícias sobre os desfiles “de moda”197, penso restar evidente se-
rem distintos os espaços criativos em uma ou na outra situação.
Para ilustrar o afirmado peço ao leitor que se recorde da linha de
composição das peças apresentadas pelos estilistas de ponta, isto é, por aque-
les que, gozando de grande liberdade criativa, procuram “fazer moda”, em
comparação com as composições das peças da linha do prêt-à-porter198.
Ainda, também são distintos os objetivos atrelados ao ato criativo.
Enquanto a preocupação daqueles primeiros está centrada no valor iconográ-
fico199 (= comunicação por meio de linguagem simbólica) da peça de vestuário,
o que implica relegar a um segundo plano (se não as excluem completamente)
195 No que toca comunicação por meio de linguagem simbólica (iconográfica) vide GRAU-KUNTZ, Karin.
Domínio público e Direito de Autor: do requisito da originalidade como contribuição, in Revista Eletrônica
do IBPI, Nr. 6, 2012, (5-67), http://www.wogf4yv1u.homepage.t-online.de/media/fc1a1cbd42ddbd27ffff-
8033ffffffef.PDF. No que tange a proposição da moda como um sistema nos termos da teoria proposta
por LUHMANN, vide LOSCHEK, ob.cit., especialmente págs. 29 ss. Por fim, noto que no momento em que
afirmo ser a moda um sistema, tomo distância de sua consideração como um fenômeno.
196 Apesar de LOSCHEK, ob.cit. não oferecer uma distinção deste tipo, os elementos que deram suporte a
minha proposição estão fortemente vinculados a tese defendida pela autora.
197 O termo é empregado aqui em sua concepção usual. Sob uma perspectiva técnica, nos moldes da
forma de compreensão da expressão proposta neste ensaio, não haverá “desfile de moda”, mas desfile de
peças de vestuário. A eventual e posterior incorporação dos padrões oferecidos nesses desfiles é que fará
deles moda.
198 Deve agora restar clara a razão de não ser rara a apresentação nos desfiles dos estilistas de ponta de
peças de vestuário ousadas, provocativas, bizarras ou até mesmo chocantes, isto é, de peças que a maioria
das pessoas não vestiria.
199 Isto é, pela comunicação por meio de linguagem simbólica.
109
considerações que envolvam o valor (e não a função) da peça como vestimen-
ta ou, ainda, como mercadoria, os segundos concentram-se no valor da peça
como vestuário e como mercadoria, o que explica a adequação aos padrões
estéticos em vigor, uma estratégia eficiente quando se trata de minimalização
de riscos no mercado200.
Por certo não estou aqui negando caráter criativo aos modelos da
linha prêt-à-porter, mas postulando que o espaço criativo é limitado pelos fa-
tores indicados (adequação aos padrões do sistema moda, adequação a fun-
cionalidade da peça, isto é, valor como vestimenta).
Influenciada pela teoria apresentada por SIMMEL (1957)201 e assim
considerando a dualidade imitação-individualidade, ressalto a adequação aos
padrões já aprovados socialmente (=moda), mas não nego a expressão indivi-
dual (= criativa) nesse âmbito.
De forma muito breve, especialmente porque não pretendo aqui ex-
plorar a vertente da teoria que considera as classes sociais, o sociólogo encon-
tra na imitação um fator de adaptação social. O indivíduo que imita identifica-
Karin Grau-Kuntz
desenho industrial:
Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um obje-
to ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um
produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configu-
ração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.
208 A arte, a exemplo da moda, também consiste em um sistema comunicativo e nesse sentido faço refe-
rência ao receptor, isto é, o receptor da mensagem embutida na linguagem simbólica (iconográfica).
209 Vide a análise procedida em GRAU-KUNTZ, Karin, em http://www.wogf4yv1u.homepage.t-online.de/
media/fc1a1cbd42ddbd27ffff8033ffffffef.PDF.
210 Feita a distinção de objetos é possível entender não haver possibilidade de dupla proteção
113
5. A expressão design
Se a expressão design reporta a uma composição nova ou original,
isto é, a um desenho industrial211, então a composição estético funcional que
não satisfaça as condições da novidade ou da originalidade não deverá, sob
uma perspectiva jurídica, ser indicada pelo emprego da expressão design (ou
pela expressão desenho industrial) 212.
Mas mesmo as composições que não satisfaçam os requisitos da no-
vidade ou da originalidade, portanto que não satisfaçam as condições que
permitem serem denominadas como design (ou como desenho industrial), e
consequentemente que não possam gozar de proteção por esta via, poderão
ser protegidas pela propriedade intelectual. Isto ocorrerá quando, indepen-
dentemente do grau ou da presença de considerações relacionadas a aspira-
ções estéticas213, a aparência da peça de vestuário for capaz de desencadear
na mente dos consumidores um processo associativo que culmina na indivi-
dualização e, consequentemente, na diferenciação da peça em relação a ou-
tras peças oferecidas no mercado por outros produtores214. Neste caso caberá
Karin Grau-Kuntz
6. Conclusões
A título de conclusão e em síntese, as composições das peças de ves-
tuário poderão gozar de proteção pela propriedade intelectual
a) se pressuposta a satisfação do requisito novidade ou originalidade
e procedido o devido registro, como desenho industrial:
b) se pressuposta função identificadora no mercado, seja pela própria
composição expressiva da peça de vestuário, seja pela utilização simbólica de
seus elementos (pressuposto aqui registro como marca), pelo direito da con-
211 Não pretendo me ater no âmbito deste ensaio na análise dos requisitos vinculados ao registro de de-
senho industrial, quais sejam novidade e originalidade. Para um aprofundamento na matéria vide SILVEIRA
(1982), ob. cit.
212 Do ponto de vista legal a referência a design de marca e tão incorreta quanto a referência a design
como obra de arte.
213 Note-se que aspirações estéticas nada tem a ver com originalidade. O belo não depende de originali-
dade.
214 Trata-se aqui da proteção concorrencial do trade dress.
114
propriedade intelectual
corrência e pelo direito de marcas, respectivamente.
O direito de autor não consubstancia instrumento jurídico adequado
de proteção.
Às composições que não satisfaçam os requisitos da novidade ou da
originalidade, isto é, que não possam ser protegidas como design (desenho
industrial), e que ainda não sejam capazes de reportar a uma função identifi-
cadora no mercado, não se há cogitar proteção qualquer.
115
propriedade intelectual
DO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DAS
CELEBRIDADES
1. Introdução
Como notava David Vaver em 1978:
As pessoas que adquiriram fama e chamam a atenção e a imagina-
ção do público descobriram que eles podem transformar a sua celebridade
em dinheiro. Os anunciantes os querem para endossar seus produtos. Grupos
como os Beatles ou, mais recentemente, Abba descobriram que sua capacida-
de de se vender vai muito além além da esfera de discos e shows ao vivo, e se
estende a parafernália como brinquedos, camisetas, cosméticos, emblemas,
pingentes e cartazes - na verdade a faixa de bens e serviços possíveis é limita-
do apenas pela imaginação de empresário 216.
Conforme publicação da Organização Mundial da Propriedade Inte-
lectual :217
215 Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Direito pela
Columbia University School Law, Nova York. Docente do Programa de Pós-graduação em Direito da Proprie-
dade Intelectual e Inovação do INPI e em Políticas Públicas (PPED) do Instituto de Economia da UERJ.
216 “People who have acquired fame and caught the public attention and imagination have found that
they can turn their celebrity into cash. Advertisers want to endorse their products. Pop singing groups
such as the Beatles or, more recently, Abba have found their marketability extends well beyond the sphere
of records and live shows and into such assorted paraphernalia as toys, T-shirts, cosmetics, badges, pen-
dants and posters - indeed the range of possible goods and services is limited only by the imagination of
entrepreneurs” VAVER, David, The Protection of Character Merchandising- A Survey of Some Common Law
Jurisdictions, IIC 1978 Heft 6 541
217 “Using someone’s image for commercial benefit. Many countries recognize that individuals have a
right of publicity. The right of publicity is the direct opposite of the right of privacy. It recognizes that a
person’s image has economic value that is presumed to be the result of the person’s own effort and it gives
to each person the right to exploit their own image. (…) Although the right of publicity is frequently asso-
ciated with celebrities, every person, regardless of how famous, has a right to prevent unauthorized use of
their name or image for commercial purposes. However, as a matter of practice, right of publicity suits are
typically brought by celebrities, who are in a better position than ordinary individuals to demonstrate that
their identity has commercial value”. VERBAUWHEDE, Lien, Legal Pitfalls in Taking or Using Photographs of
117
Usando a imagem de alguém para benefício comercial.
Muitos países reconhecem que os indivíduos têm o direito de publici-
dade. O direito de publicidade é o oposto direto do direito de privacidade. Ele
reconhece que a imagem de uma pessoa tem valor econômico que se presu-
me ser o resultado do esforço da própria pessoa e dá a cada pessoa o direito
de explorar sua própria imagem. (...)
Embora o direito de publicidade seja freqüentemente associada com
celebridades, todas as pessoas, independentemente de quão famosas, têm
o direito de impedir o uso não autorizado de seu nome ou imagem para fins
comerciais. No entanto, como uma questão de prática, o direito de ternos
publicidade são geralmente trazidos por celebridades, que estão em melhor
posição do que os indivíduos comuns para demonstrar que a sua identidade
tem valor comercial. (...)
E, ainda218:
Sugerindo que alguém está autorizando ou endossando um produto
ou serviço.
Denis Borges Barbosa
que os demais, como os da música. Segundo Helal, a trajetória do herói do futebol, ligada à luta, à disputa,
ao sucesso em virtude da derrota de um oponente, é semelhante às batalhas dos mitos da Antigüidade.
Segundo ele, “esta característica do ‘ídolo-herói’ acaba por transformar o universo do futebol em um ter-
reno extremamente fértil para a produção de mitos e ritos relevantes para a comunidade”. (HELAL, 1999)
Para ele, o herói atual tem sua narrativa “construída” segundo um padrão midiático para corresponder aos
anseios do público. (...) Assim, se por um lado as qualidades colocam o ídolo acima do público, os defeitos
os identificam. Isto, ao invés de enfraquecer a couraça do ídolo, apenas a reforça, pois é por meio deste
lado “humano” que o herói deixa de ser uma figura inatingível, abrindo a qualquer fã a possibilidade de, um
dia, ser como ele.” VIEIRA, Marcos Fábio, Mito e herói na contemporaneidade: as histórias em quadrinhos
como instrumento de crítica social, Contemporânea, no. 8, 2007, [Revista on-line do grupo de pesquisa
Comunicação, Arte e Cidade da Faculdade de Comunicação Social da UERJ.} http://www.contemporanea.
uerj.br/pdf/ed_08/07MARCOS.pdf
223 MORIN, Edgar, L’esprit du temps, Editions Grasset Fasquelle, 1962, «Les olympiens sont: stars de ci-
néma, champions, princes, rois, play-boys, explorateurs, artistes célèbres, Picasso, Cocteau, Dali, Sagan.
L’information transforme ces olympiens en vedettes de l’actualité. Elle porte à la dignité d’événements
historiques des événements dépourvus de toute signification politique. Ce nouvel Olympe est le produit le
plus original du cours nouveau de la culture de masse. Les nouveaux olympiens sont à la fois aimantés sur
l’imaginaire et sur le réel, à la fois idéaux inimitables et modèles imitables; leur double nature est analogue
à la double nature théologique du héros-dieu de la religion chrétienne: olympiennes et olympiens sont
surhumains dans le rôle qu’ils incarnent, humains dans l’existence privée qu’ils vivent. Ils sont des conden-
sateurs énérgétiques de la culture de masse. Ils sont des modèles de culture au sens ethnographique du
terme, c’est-à-dire des modèles de vie qui tendent à détrôner les anciens modèles (parents, éducateurs,
héros nationaux).»
224 RODRIGUEZ M. A. - del Barrio S. - Castañeda J.A., “Procesamiento diferencial entre la publicidad com-
parativa y la publicidad con famosos en condiciones de baja implicación”, Universidad de Granada, http://
www.ugr.es/~jalberto/Investigacion/Del%20Barrio_Rodriguez_Casta%25eda_2003.pdf. ““en general, los
resultados de estos trabajos han demostrado que los famosos son más efectivos que los no famosos. La
razón que principalmente se utiliza para explicar por qué esto es así se encuentra en que los anuncios con
famosos son más distintivos y llaman más la atención que los que usan a personas menos conocidas. Los
famosos se consideran más dinámicos, más atractivos y están dotados de cualidades personales que no se
atribuyen a personas menos conocidas. Esto podría afectar, entre otras cosas, a la confianza atribuida a la
fuente, a las respuestas afectivas que generan estos anuncios y, en definitiva, al modo en que se procesan”.
120
propriedade intelectual
O autor argentino nota, especialmente, que o endosso da celebridade
induz uma reação do público de massa de caráter mais emocional, e não racio-
nal como no caso da propaganda comparativa, com um resultado mais eficaz:
Mas o interessante do estudo em questão, é que, como resultado dos
testes empíricos realizados, conclui-se que em casos de baixo envolvimento
são as mais comuns (concentração, ou seja baixo do que você está ouvindo ou
assistindo), “... a publicidade famosa é processado em uma publicidade com-
parativa mais periférica, que se traduz em uma maior atitude em relação à
marca anunciada e, portanto, a intenção de compra”.
Claro assim o interesse econômico, cabe, no entanto, determinar o
vínculo de juridicidade que permite aos sistemas nacionais conferir proteção
a esse fenômeno. Mais ainda, como vincular tal proteção ao sistema de pro-
priedade intelectual.
dência estrangeira. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 8, n. 15, p. 191-227, jan.-jun. 2006, encontrado
e em http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/15/artigos/10.pdf, visitado em 6/12/2011.
233 Art. 7.5 “La captación, reproducción o publicación por fotografía, filme, o cualquier otro procedi-
miento, de la imagen de una persona en lugares o momentos de su vida privada o fuera de ellos . . . “ e,
particularmente, Art. 7.6“[L]a utilización del nombre, de la voz o de la imagen de una persona para fines
publicitarios, comerciales o de naturaleza análoga.”
234 “Thus Article 7.6, with its requirement of a “commercial” purpose, seems comparable to the Ameri-
Denis Borges Barbosa
can right of publicity; while Article 7.5, with its focus on “private life,” seems analogous to the U.S. right of
privacy”, BARNETT, Stephen R., ‘The Right to One’s Own Image’: Publicity and Privacy Rights in the United
States and Spain. American Journal of Comparative Law, Vol. 47, P. 555, Fall 1999. Available at SSRN: http://
ssrn.com/abstract=224628 or doi:10.2139/ssrn.224628
235 “At its heart, the right prevents deception or confusion as to the identity of the name holder. Thus,
infringement means the designation of someone else but the name holder by the holder’s name. Accor-
dingly, the mere mentioning of the holder’s name in an advertisement may not constitute any deception
or confusion about his identity. But German courts have held that in these cases the general public might
assume that the holder gave his consent to being connected with the advertised item. If in fact no consent
was given or the name holder does not support the advertised products and maybe does not even have
economic, organisational or other links with the advertising company, such advertising misleads about the
way he has chosen his identity to be used—namely, not being connected with the advertised items. Stret-
ched this way, the name right has proved able to cover all forms of unauthorized use of popular names: be
it on t-shirts, on book and film titles or for fictional characters. (...) In addition, and since 1956 (Mephisto
(1968) N.J.W. 1773, BGH.), the German Federal Supreme Court has recognized the commercial interests in
personality as a part of the general personality right and called it a right of economic self-determination
(Rennsportgemeinschaft (1981) G.R.U.R. 846, 847, BGH.). This right provides the freedom to decide if and
how one’s personality or personality features are used for the business interests of others (Paul Dahlke
(1956) N.J.W. 1554, BGH; Carrera (1981) N.J.W. 2402, BGH; Marlene Dietrich (2000) N.J.W. 2195, BGH.).”
KLINK, Jan, 50 Years of Publicity Rights in the United States and the never-ending Hassle with Intellectual
Property and Personality Rights in Europe, [2003] I.P.Q.: NO. 4 © Sweet & Maxwell Ltd And Contributors
2003, encontrado em http://www.ruger-patent.de/downloads/publicity_rights.pdf.
236 “However, the German Federal Supreme Court, in an attempt legally to reflect business reality, in the
more recent Marlene Dietrich judgment (Marlene Dietrich (2000) N.J.W. 2195, BGH.) made another effort
to read some aspects of a typical publicity right into the general personality right. The daughter of Marlene
Dietrich wanted to prevent a musical producer from granting unauthorized licenses of the likeness and
name of the deceased famous actress for cars, cosmetics and merchandise articles. The District Court and
the Court of Appeal followed the traditional interpretation and only granted an injunction to the daughter.
Damages were denied because human rights neither are transferable nor inheritable and thus the daughter
could not have obtained any rights. The Federal Supreme Court went further and granted damages on the
grounds of a renewed economic personality right which not only provides the right to control the economic
use of one’s personality features but also to earn the profits of its commercial value”. Id. Eadem.
124
propriedade intelectual
trução pretoriana – no direito americano237.
Na França e Itália, a julgar-se dos estudos sobre a questão, igualmente
a proteção dos interesses das celebridades em sua persona tem encontrado
fundamento nos direitos da personalidade, ainda que, atentando a sua mani-
festação econômica, enfatizando a ponderação devida com outros interesses
constitucionais, em particular, o da informação238.
No Canadá239, Índia240 e, com certo retardo, no Reino Unido241, tam-
237 Sobre a consolidação do right of publicity como norma legal, vide ZUBER, Thomas F., The Statutory
Right of Publicity for Deceased Celebrities in California and the Impact of Sb 771, encontrado em http://
www.articlesbase.com/intellectual-property-articles/the-statutory-right-of-publicity-for-deceased-celebri-
ties-in-california-and-the-impact-of-sb-771-574762.html, visitado em 26/11/2011.
238 “France has strong laws enabling individuals to prevent the unauthorized exploitation of their name
and image. As in most countries with a publicity right, this right has stemmed from the right of privacy
for individuals – something which English law has never had. Prior to 1970, when the right of privacy was
enshrined in the French Civil Code, the Courts were prepared to protect the unauthorized use of images.
Protection of a person’s privacy protects their identity, their health, and their private and social relations.
(...) One of the first French cases involved Petula Clark [Paris 15 Dec 1965, JCP 66 II, 14711. 8. Paris 10.10.96,
Gazette 18.22/05/99 p28] who had authorized an agency to interview and photograph her for a particular
publication. The agency concerned, however, sold the photographs to another agency who used them in a
weekly publication. Petula Clark was successfully awarded damages by the French Court proportional to the
loss of her opportunity to earn revenue from the publication of the photographs. This has been followed
consistently in France. One of the more recent cases concerned a photograph of Eric Cantona on the front
cover of a weekly sports publication without his consent. The Court held that the absence of any authori-
zation had prevented Cantona from being able not only to control how his image was used in the magazine
but also to earn money for its use. Publicity rights are provided in statute in Italy, Germany and the Nether-
lands similar to those granted under French law. The legal framework in these territories, however, provide
for the right to use the name and image of people in public life without consent when it is in the interests
of free speech to do so. Case law provides a balance between the protection of a celebrity’s image and the
right of free speech, i.e. a biographical work of a well-known individual. The use of a well-known individ-
ual’s image for advertising purposes, however, without authorization, would be unlawful”. OWEN, Mark e
PENFOLD, Richard, IP Protection For Personalities - From Elvis To Eddie, les Nouvelles, Volume XXXVIII No. 1
March 2003
239 “Canadian common law recognizes the right to personality on a limited basis. This was first acknowl-
edged in Krouse v Chrysler Canada Ltd. [Krouse v Chrysler Canada Ltd (1971), 5 C P R (2d) 30] The court held
that where a person has marketable value in their likeness and such a likeness has been used in a manner
that suggests an endorsement of a product then there are grounds for an action in appropriation of person-
ality. This right was later expanded upon in Athans v Canadian Adventure Camps,[Athans v Canadian Adven-
ture Camps, (1977), 17 O.R. (2d) 425.] where the court held that the personality right included both image
and name.” AHMAD, Tabrez and SWAIN, Satya Ranjan, Celebrity Rights: Protection under IP Laws (January
30, 2011). Journal of Intellectual Property Rights, Vol. 16, pp. 7-16, January 2011. Available at SSRN: http://
ssrn.com/abstract=1940926
240 “The Hon’ble Delhi High Court, in ICC Development (International) Ltd v Arvee Enterprises [Smt Manu
Bhandari v Kala Vikas Pictures Pvt Ltd and another 1986( 2) Arb L R 151 (Delhi)] , gave a statement on pub-
licity rights, which is the only authoritative discussion of publicity rights in Indian legal jurisprudence. ‘The
right of publicity has evolved from the right of privacy and can inhere only in an individual or in any indicia of
an individual’s personality like his name, personality trait, signature, voice etc. An individual may acquire the
right of publicity by virtue of his association with an event, sport, movie, etc. …. Any effort to take away the
right of publicity from the individuals, to the organizer /non-human entity of the event would be violative of
Articles 19 and 2l of the Constitution of India - No persona can be monopolized. The right of publicity vests
in an individual and he alone is entitled to profit from it.’.” AHMAD, Tabrez and SWAIN, Satya Ranjan,op. cit.
241 “ (…) the concept of publicity rights was settled in the case of Irvine v Talksport. [Irvine v Talksport
[2003] EWCA Civ 423.] In this case a successful Formula I driver, Edmund Irvine’s image was used without his
125
bém se nota tal proteção.
interesse ganha mais proximidade com o Código Civil de 2002. Assim dispõe
o Código Civil:
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propa-
ganda comercial.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a trans-
missão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem
de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabi-
lidade, ou se se destinarem a fins comerciais242
Como nota Guilherme Calmon243:
consent in an advertisement for a radio station. The court held that he had a property right in the goodwill
attached to his image, and he was entitled to compensation on the basis of a reasonable endorsement fee..”
AHMAD, Tabrez and SWAIN, Satya Ranjan,op. cit.
242 Assim disciplina o artigo 79 (Direito à imagem) do Código Civil Português: 1- O retrato de uma pessoa
não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da
pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º2 do artigo 71.º, segundo a ordem
nele indicada. 2- Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua
notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas
ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos
de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. 3- O retrato não pode, porém, ser reproduzido,
exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro
da pessoa retratada.
243 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, Direitos da personalidade e código civil de 2002: uma abor-
dagem contemporânea, Revista dos Tribunais | vol. 853 | p. 58 | Nov / 2006 | DTR\2011\1503. Quanto
126
propriedade intelectual
No que pertine ao art. 18, do CC/2002, a imagem da pessoa é prote-
gida contra a exploração em propaganda comercial dentro da noção de ima-
gem-atributo.244
O direito à imagem, sob o prisma da imagem-retrato e da imagem-
-atributo, vem tratado no art. 20 do CC/2002. Mais uma vez o legislador não
se preocupou apenas com o direito à imagem, mas também com o direito à
informação, realizando um juízo de ponderação da imagem de uma pessoa
quando não lhe macule a honra ou quando tenha finalidade lucrativa.
“Deve-se notar que, apesar do artigo fazer referência à divulgação de
escritos e à transmissão da palavra, estes devem ser entendidos somente em
relação ao que representam para a construção da imagem de uma pessoa e
não para outros aspectos de sua personalidade, como a sua privacidade, por
exemplo”.245
construímos.249
129
jogadores de futebol aos grandes artistas da raça 254
, e aos pensadores da
humanidade255.
Há que se distinguir, nesse contexto, o interesse jurídico relativo à
imagem coletiva, e aquele atinente à imagem individual, como nota Alvaro
Melo Filho256:
Direito de arena: (a) decorre da lei; (b) é coletivamente usufruído; (c)
não se reveste de periodicidade; (d) ocorre dentro do contexto do evento des-
portivo transmitido; (e) tem natureza salarial; (f) Deve ser limitado a 20% do
que recebe o clube, valor este rateado entre todos os atletas participantes do
evento transmitido. Direito de Imagem: (a) decorre de contrato; (b) é individu-
almente usufruído; (c) normalmente reveste-se de periodicidade; (d) ocorre
fora do contexto do evento desportivo transmitido; (e) não tem natureza sa-
larial; (f) gera 100% para o atleta cedente do uso da imagem, sem rateio para
os demais atletas.
Assim, tem-se o direito de arena, relativo à imagem coletiva, o direito
pertinente à celebridade individual do esportista, desvinculada do espetácu-
Denis Borges Barbosa
254 Em obra anterior especializada, Antonio Chaves dizia que “de alguma forma, o desempenho dos gran-
des atletas aproxima-se ao de verdadeiros artistas”. Antônio Chaves, Direito de Arena, Campinas: Jurulex,
1988.
255 No que se convenciona indicar como o primeiro acórdão quanto ao direito das celebridades entre nós:
Ap. Cív. nº 26.108, Rel. Des. Rui Domingues, j. em 27.6.74, in Revista Forense, vol. 250, abr./jun. 75, pp. 269-
273. “A escola de futebol criada pelo Brasil tem raízes humildes, vem do povo humilde, assim como a co-
reografia e cânticos carnavalescos, modelos de organização, de disciplina, de espírito de equipe. Os heróis
do futebol são admirados e contemplados pelas massas e pelos seus representantes, inclusive pelas mais
altas autoridades federais. Não há assunto mais sério no Brasil . (...) Um grande jogador de futebol como
Jairzinho é tão importante para o povo brasileiro como Kant ou Heidegger para um estudante de filosofia
na Alemanha. Tais nomes, tais imagens, não podem ser tomadas em vão, nem a troco de nada.”
256 MELO FILHO, Álvaro, Direito desportivo.... op. Cit.
257 MOTA, Mateus Scisinio, Direito de Imagem ... op. Cit. , “O que se tutela com o direito de arena é a
exploração da imagem coletiva dos atletas durante a participação em eventos e espetáculos esportivos,
enquanto o direito à imagem se refere ao uso da imagem individual do atleta, desvinculada do espetáculo
desportivo.”
258 Lei 9.615/1998, Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na
prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a re-
transmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que
participem [Redação dada pela Lei 12.395/2011]. § 1.º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário,
5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repas-
sados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais
participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil [Redação dada pela Lei 12.395/2011].
130
propriedade intelectual
autorais259. Ainda que assim ancorado, distinguir-se-ía sua raiz no direito geral
de imagem, mas restrito e especializado:
“Direito de Arena – Limitação – Direito de Imagem – O direito de
Arena é uma exceção ao direito de imagem, e deve ser interpretado restri-
tivamente. A utilização com intuito comercial da imagem do atleta fora do
contexto do evento esportivo não está por ele autorizado. Dever de indenizar
que se impõe (...)” STJ, AgRg no AI nº 141987 – SP, 3ª. Turma, Rel. Min. Eduardo
Ribeiro, j. 15/12/1997; v.u..
Levando em conta a distribuição legal de verbas, a doutrina distingue
o direito de arena patronal daquele desigando como profissional, que se des-
tina aos esportistas em caráter individual, mas não em consideração de sua
celebridade individual260.
De outro lado, o interesse à imagem pessoal, como celebridade es-
portiva, teria radicação, além do dispositivo citado, no Art. 5.º, V e X da Cons-
tituição261.
A distinção é possível, não obstante o tecimento confuso e por vezes
fraudulento dos dois institutos no campo empírico:
259 Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-
leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a pro-
teção às participações individuais em obras coletivas e à produção da imagem e voz humanas, inclusive nas
atividades desportivas;
260 Como distingue SÁ FILHO, Fábio Menezes de, A teoria..., op. cit. : “Em síntese, a titularidade do direito
de arena pertence aos clubes de futebol. Em contrapartida, a titularidade do direito de imagem, em virtude
do seu caráter personalíssimo, pertence a cada pessoa, quer seja física ou jurídica. Quando houver a reali-
zação da transmissão, por exemplo, de uma partida de futebol, o clube é responsável pela negociação an-
tecipada desta exibição. Nos termos do caput e § 1.º do art. 42, da Lei dos Desportos, com a redação dada
pela Lei 12.395/2011, clube negociante terá direito a 95% (noventa por cento) do valor total da autorização
negociada por ele mesmo, em virtude da exposição da sua imagem coletivizada, equivalendo ao direito
de arena patronal. O que é negociado, conforme disposição do supracitado artigo da Lei dos Desportos, é
a imagem coletiva, cuja titularidade pertence aos clubes de futebol. A partir desta negociação é que um
percentual do valor total negociado será destacado e repassado aos atletas profissionais, os quais são, nes-
ta oportunidade, representados pelos sindicatos profissionais da categoria. Sendo assim, pode-se afirmar
que o direito de arena profissional e o direito de arena patronal são espécies do gênero direito de arena.
Assim, o direito de arena profissional diz respeito apenas ao percentual de 5% (cinco por cento) devido aos
empregados futebolistas a título de repasse dos clubes de futebol daquele montante total da autorização
negociada (pacote de partidas a serem disputadas), em virtude de contribuírem participando do espetáculo
ou evento desportivo, durante o exercício das funções oriundas das obrigações pactuadas no contrato de
emprego.”
261 Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-
leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação; (...)
131
“DIREITO AUTORAL – Direito à própria imagem – Uso de fotografias de
jogadores de futebol para compor ‘álbum de figurinhas’ – Inadmissibilida-
de – Hipótese em que o direito de arena atribuído às atividades esportivas
limita-se à fixação, transmissão e retransmissão do espetáculo desportivo
público – Inteligência das leis 5.989/73, art. 100 e 8.672/93 (‘Lei Zico’)”.
STJ, Resp 46.420-0-SP-J. 12.9.94, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar – DJU 5.12.94.262
E, autonomamente de qualquer direito de arena:
“DIREITO AUTORAL. DIREITO À IMAGEM. PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA
E VIDEOGRÁFICA. FUTEBOL. GARRINCHA E PELÉ. PARTICIPAÇÃO DO ATLE-
TA. UTILIZAÇÃO ECONÔMICA DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA, SEM AUTORIZA-
ÇÃO. DIREITOS EXTRAPATRIMONIAL E PATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO.
FATOS ANTERIORES ÀS NORMAS CONSTITUCIONAIS VIGENTES. PREJUDI-
CIALIDADE. RE NÃO CONHECIDO. DOUTRINA. DIREITO DOS SUCESSORES À
INDENIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME.
I - O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito
de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o
qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.
II - O direito à imagem constitui um direito de personalidade, extrapatri-
Denis Borges Barbosa
274 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, Contornos atuais do direito à imagem, Revista Forense – Vol. 367
Doutrina, Pág. 45
137
consumo do produto anunciado, direta ou indiretamente, conforme o caso.”275
Note-se que ambos os perfis do direito à imagem podem ser envol-
vidos em uma campanha publicitária, uma vez que se poderá explorar: (i) a
fisionomia de determinada pessoa, com acento em particularidades físicas es-
peciais que atraiam a atenção do consumidor; e/ou (ii) atributos de uma pes-
soa notória que estejam em consonância com as características do produto ou
com o público-alvo da publicidade.
A exemplificação do uso da imagem-retrato no âmbito da publicidade
não apresenta maiores dificuldades, uma vez que basta apontar as obras publi-
citárias que exploram, como visto acima, celebridades para a divulgação de pro-
dutos pelo simples fato de as mesmas gozarem de notoriedade. Outras hipóte-
ses poderiam ser indicadas, como a extensiva utilização de mulheres esculturais
(ou, mais notadamente, de partes específicas de seus corpos) para a promoção
de produtos cujo público-consumidor seja majoritariamente masculino.
A imagem-atributo, por sua vez, encontra grande utilidade na produ-
ção de obras publicitárias, dado que a publicidade visa à persuasão do con-
Denis Borges Barbosa
à privacidade. Art. 5º, X da Constituição Federal. Artigo 20 do Código Civil. Exposição de atriz e sua filha
menor, com cinco anos de idade, em matéria jornalística expressamente desautorizada antes da publica-
ção. Violação do direito à privacidade e intimidade das autoras. Fotos clandestinas que destacam detalhes
privados da vida da atriz e de sua filha com revelação do nome da escola em que estuda a pequena. Direito
ao respeito e à preservação da imagem da menor. Infração ao disposto nos artigos 15 e 17 do Estatuto da
Denis Borges Barbosa
Criança e do Adolescente. A editora vende informação ao público e incontáveis vezes se vale de fotos tira-
das por “paparazzi” para ilustrar suas reportagens que são lidas por um enorme público, cada dia mais fiel e
ávido por conhecer detalhes sobre aspectos íntimos e privados da vida das celebridades. O confronto entre
direitos fundamentais de índole constitucional tem sido decidido através de critérios de ponderabilidade,
mas nunca é demais registrar que perante a Constituição Federal não há direitos absolutos ou ilimitados –
nem mesmo os da mídia de qualquer natureza. Recurso desprovido.” TJRJ, Embargos Infringentes 0080274-
36.2006.8.19.0001, Vigésima Câmara Cível, Des. Marco Antonio Ibrahim, 24 de agosto de 2011.
286 “Two types of publicity claims have raised particular problems for the courts. The first involves mer-
chandising claims, in which individuals claim violation of their publicity right not by the use of a name
in advertising, but by people who sell products that bear their name or likeness. Courts have generally
resolved these claims by making a distinction between news or art, on the one hand, and merchandise, on
the other - but as art and information become increasingly commodified, this distinction - if it ever made
sense - has become ever harder to sustain. The second type of problematic claim involves cases in which a
use draws attention away from the celebrity, or arguably sullies the celebrity’s reputation in some way that
harms the overall value of her identity.” Dogan, Stacey L. and Lemley, Mark A., What the Right of Publicity
Can Learn from Trademark Law. Stanford Law Review, Vol. 58, p. 1161, 2006. Available at SSRN: http://ssrn.
com/abstract=862965
287 Aqui, a distinção da notoriedade involuntária, que restringe o acesso da informação da pessoa ao
evento que a tornou objeto do interesse público, mas não justifica o excesso além desse. “Pessoas comuns
podem, em determinados fatos da vida, tornar-se pessoas da história do tempo “em sentido relativo”.
[BARROSO, Luís Roberto, Colisão entre liberdade de expressão e direitos de personalidade. Critérios de
ponderação. Interpretação constitucional adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Os princípios
da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 270.] São pessoas envolvidas em aconteci-
mentos da atualidade que revelam interesse à coletividade, como catástrofes naturais, graves acidentes,
descoberta de algum fato importante para a humanidade, vítimas de perseguição racial ou social, conflitos
sociais. Nesses casos, há redução da esfera de privacidade, mas que deve se limitar ao acontecimento no-
tório e enquanto perdurar o interesse da coletividade.” PALHARES, Cinara, op. Cit.
288 “Segundo Manuel da Costa Andrade, “a doutrina e a jurisprudência maioritárias propendem hoje a
subscrever, tanto no plano categorial como prático-normativo, a distinção proposta por Neumann-Dues-
berg entre pessoas da história do tempo em sentido absoluto e em sentido relativo (absolute e relative
Personen der Zeitgeschichte). Pertencerão à primeira categoria as pessoas que na sua época lideram a
vida política, econômica, social, cultural, científica, tecnológica, desportiva, do mundo do espetáculo, etc.
142
propriedade intelectual
soa apenas colhida pela eventualidade de um acidente, de um momento em
que sua atuação, ainda que involuntária, a faz objeto obrigatório do direito de
informação.
Assim, essa construção da notoriedade tem uma dupla projeção no
campo do direito: a celebridade não fica impune, no campo social, de obri-
gações perante o direito de todos à informação, que lhe tolhem o exercício
da privacidade. Parafraseando o dizer da constituição alemã, a celebridade
obriga.
Assim, a construção de si mesma como pessoa da história tem claras
implicações jurídicas. A celebridade não desfruta de uma posição de privilé-
gio imoderado ou irresponsável. O seu constructo é multidimensional, ainda
quando a visão pública de sua projeção no tempo seja elaborada como fabu-
lação, como uma deliberado tecimento de uma persona distinta de si mesma.
144
propriedade intelectual
Porém a maioria desvinculou enfaticamente a pessoa da atriz da-
quela imagem elaborada e ficcional da celebridade. Na distinção que veio
a prevalecer, enfatizou-se o elemento emocional, mítico, que – como nota
a análise argentina já citada – tem maior efeito do que qualquer vinculação
racional:
A campanha testemunhal foi contratada pela recorrida com o intuito
de estimular os espectadores usuários a creditar, sob a nova embalagem de
tom azul, segurança e confiança no produto MICROVLAR, cuja credibilidade
estava abalada.
Para tanto, a imagem-atributo da atriz recorrente foi utilizada, tão-so-
mente, com o intuito de apresentar o novo produto e, assim, angariar simpatia
dos espectadores para o novo padrão qualitativo do produto, então simboliza-
do pela troca da cor da embalagem.
Neste contexto considerado, a vinculação da atriz ao produto se dá
em estrita observância aos parâmetros eleitos pela publicidade divulgada, a
saber, utilização de pessoa leiga no tema relacionado aos efeitos terapêuticos
do fármaco (a atriz não é médica ou farmacêutica) , o que autoriza concluir
que:
a) a mensagem emitida pela campanha televisiva limitou-se tão-so-
mente a estimular, mediante o uso da publicidade protagonizada pela atriz, o
público a retomar sua crença no produto;
b) no sentido prestado pela atriz, leiga quanto ao produto e todos os
riscos de fabricação, condições de assegurar ao público, com rigor técnico e
científico, as qualidades terapêuticas e segurança nos métodos de fabricação
do medicamento; e
c) como resultado dos itens ‘a’ e ‘b’: a campanha testemunhal não
assegura ao público as qualidades do produto, apenas estimula-o a confiar nos
novos parâmetros de qualidade.
Conclui-se, assim, nos termos da fundamentação adotada pelo TJRJ,
não ser factível a vinculação da honra-profissional de atriz, leiga no tema téc-
nico, à credibilidade nos componentes qualitativos do produto MICROVLAR,
porquanto o espectador reconhece na pessoa da atriz, tão-somente, o apelo
artístico no afã de resgatar a credibilidade do anticoncepcional. (voto vence-
dor da Ministra Nancy Andrighi)
A distinção entre a pessoa (objeto do direito de personalidade) e o
constructo fica clara no mesmo voto:
145
Nesse contexto, distinção importante a ser feita é aquela estabele-
cida entre a pessoa da recorrente - no que concerne aos seus sentimentos,
isto porque sempre esteve muito comprometida com campanhas sociais ou
governamentais em prol da cidadania - e a atriz, profissional cujo conceito
continua intacto no meio artístico e na opinião pública.
Em conclusão, a análise de ofensa, ou não, à honra profissional cons-
titui, nesses termos, a única questão a ser apreciada neste processo. E, pe-
los motivos expostos, inexiste dano moral à honra-profissional da recorrente,
porquanto ausente a alegada vinculação entre ela e as características farma-
cológicas do anticoncepcional.
Em outro voto, o Ministro Humberto Gomes de Barros enfatizou que
o empréstimo de celebridade era apenas uma persona, e não punha em jogo
a atriz, ela mesma:
Por outro lado, se eu pudesse revê-los, pediria novamente vênia para
dizer que, na verdade, a eminente, respeitada e querida recorrente fez um
contrato de propaganda, no qual funcionou exercendo sua profissão de atriz.
Denis Borges Barbosa
289 Tive ocasião de discutir a figura em texto anterior : BARBOSA, Denis Borges, Nota sobre o Contrato
de Patrocínio, in A Eficácia do Decreto Autônomo, Estudos de Direito Público, Lumen juris, 2003. “Não
encontro no chamado “Contrato de Patrocínio” (não obstante as citações que lhe faz a Lei Rouanet) tipici-
dade que o caracterize como categoria jurídica a parte. No caso, quando o chamado patrocínio importa em
compra antecipada dos exemplares, é pelas regras do contrato de compra e venda que se deve governar
o negócio jurídico. Não me parece impossível o contrato de compra e venda de coisa futura, inclusive nas
modalidades emptio spei e emptio rei speratae a que se refere a doutrina civilista clássica. Uma vez que
realmente há uma apreciação qualitativa da obra, tal modalidade de compra se aproxima da coedição, dela
só se distinguindo, por sua vez, pelo fato de que o Município não assume os riscos pela edição. Pagará, se
e quando receber a edição. O que distingue este “patrocínio” da simples compra e venda de coisa futura é
a consignação, nos exemplares a serem impressos, do endosso do Município, o que empresta talvez maior
146
propriedade intelectual
“Como assinalei em meu voto lançado nos autos do AI ns 0230698-
59.2010.8.26.0000 (990.10.230698-4), julgado nesta mesma oportunidade, o
contrato de patrocínio, segundo doutrina do Dr. ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS
PEREIRA (da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), “designa uma
série de contratos identificada e caracterizada pela sua função económico-so-
cial, a saber: a realização de uma forma especial de publicidade”.
Ainda a respeito do tema, diz o ilustre estudioso da matéria: “Trata-
se, com efeito, de um instrumento de promoção da “imagem empresarial” do
patrocinador, isto é, de um “instrumento da política de imagem” das empre-
sas, mediante associação de um seu sinal distintivo, maxime a marca, à fama
ou celebridade de uma pessoa e/ou à notoriedade do evento patrocinados,
participando na repercussão mediática do seu êxito (“Imagetransfer”)”. TJSP,
AC 0222466-83.2009.8.26.0100, 25a Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça de São Paulo, unânime, Des. Amorim Cantuária, 01 de março de
2011.
Como dizem os votos, no caso de um endosso como a de Maitê Pro-
ença, transfere-se a imagem da celebridade, mas a imagem da persona cons-
truída290.
peso de prestígio à edição, assim como o propósito específico de viabilizá-la, mais do que de obter a coisa
em si mesma. Este último ponto é que nos obriga a ponderar se o patrocínio, expressando o apoio do ente
público, não seria sujeito à regra da isonomia, da transparência, da publicidade e da impessoalidade. O que
se tem por inexigível é a satisfação de uma necessidade do Município pela aquisição de uma obra cuja fonte
é única. Neste caso, não há, como se notou, demanda do produto em si mesmo, mas a verificação de uma
eventual conveniência de que a obra venha à luz. Ocorre que quando a obra está por fazer-se, não existe a
unicidade de fonte que torna inexigível a licitação. Pelo contrário, no mundo das possibilidades conceber-
se-ia um dicionário com desenho de Oscar Niemayer e texto de João Cabral de Mello Neto. O que indicaria
a Constituição como caminho reto e límpido é a abertura de concurso, com o desígnio do Município sendo
aberto à satisfação dos mais aptos. Pois quando os príncipes Esterhazy exerciam o mecenato subvencio-
nando a obra de Haydn, faziam-no com patrimônio próprio. Exercer o mecenato com fundos públicos exige
cuidados outros, que são os que o art. 37, caput, da Carta de 1988 aponta. O poder, quando público, e
quando democrático, não admite o fulgor de um Vaux le Vicomte, e certamente marca menos a História
com o alcance da visão dos administradores. Tais providências, que tendem a assegurar o princípio radical-
mente democrático de que “todos devem ter acesso às oportunidades conferidas pela Poder Público”, têm
toda a aparência de estulta burocracia. É esta natureza própria da Administração, por mais fúria que cause
aos grandes espíritos.”
290 «Sous quelque titre que ce soit - droit des interprètes comme droit voisin en Europe, droit à l’image
aux Etats-Unis et en Europe aussi -, les traditions juridiques protègent une double réalité : - l’acteur comme
personne physique : James Dean, Alain Delon, Elisabeth Taylor comme individus. - l’acteur dans un rôle :
Humphrey Bogart dans son imperméable du Faucon Maltais, Nicolaï Tcherkassof comme Ivan le Terrible,
Marylin Monroe dans «Some Like It Hot». 9. Cette double réalité n’appelle pas les mêmes mesures de pro-
tection légale. Les considérations relatives au droit de publicité portent sur l’usage de l’image personnelle
de l’acteur dans la commercialisation de produits («merchandising»)». DESSEMONTET, François, Les droits
des acteurs face à la digitalisation, http://www.unil.ch/webdav/site/cedidac/shared/Articles/Dt%20des%20
auteurs%20digitalisation.pdf
147
14. Dos benefícios econômicos do constructo
O principal resultante da notoriedade, ou pelo menos o que seria na-
tural, é o que recai sobre a atuação célebre. O cantor famoso adquire seu pró-
prio fundo de comércio, sua clientela, que lhe vem em retorno pelos ingressos
e discos adquiridos; a socialite obtém acesso a meios e a facilidades que os
obscuros precisam conquistar a grandes ônus291.
Mas o objeto desse estudo é o valor econômico que resulta da trans-
feribilidade da fama, seja pelo endosso de produtos e serviços de terceiros,
seja pelo merchandising de imagens, seja pelas múltiplas oportunidades a que
se referia David Vaver na citação inicial deste trabalho.
Seja como tutela da imagem-atributo no âmbito do direito de perso-
nalidade, seja como elemento integral da exclusiva autoral, reconhece-se ao
titular do direito sobre a persona um poder de negar, daí de autorizar, o uso
comercial do objeto de seu interesse.
Como se expôs, o próprio fundamento do interesse econômico que
se discute, a notoriedade, garante à sociedade um uso público que lhe é veda-
Denis Borges Barbosa
291 Tal notoriedade não importa só em poder econômico. O mais célebre sociólogo das celebridades, o
ALBERONI, Francesco que escreveu L’élite senza potere, Bompiani, Milano, 1963, recentemente notou: “Ma
a decidere chi arriverà sullo schermo e prenderà la parola è una élite formata dai grandi conduttori, divi,
cineasti, cantanti, giornalisti, comici che si cooptano fra di loro. Essi si presentano come modelli da imitare,
poi giudicano, danno consigli, lanciano slogan, animano e dirigono i dibattiti. Il tutto poi viene ripreso dai
quotidiani, dai settimanali e da internet. Non esistono perciò più una élite del potere ed una élite senza po-
tere, ma due élite del potere: quella politica e quella dello spettacolo. La prima si forma attraverso il dibat-
tito politico e le elezioni, la seconda attraverso la cooptazione e l’audience. Inoltre le due sfere della politica
e dello spettacolo spesso si sovrappongono e, nel campo del costume e dei valori, l’élite dello spettacolo
tende a prevalere su quella politica. L’audience ha più peso del voto.” Lo spettacolo e la politica, sono le élite
del potere, ‘il Corriere della Sera’ del 6 luglio 2009, pag. 1. Reagan, Schwarzenegger e Tiririca se elegem.
292 “Y es que no le falta razón al Juez Cabral Barreto cuando incide en el hecho de que Carolina de
Mónaco ejerce, de hecho, un importante rol en la vida pública europea, que, creo también, justifica so-
bradamente su calificación como personaje público. Es más, a mi juicio, a los efectos que nos ocupan, en
esa categoría estarían integradas incluso las personas que sin profesión conocida, hacen de la exhibición
pública de su vida privada auténtica dedicación profesional, en definitiva, las personas -cada vez más nu-
merosas- que se dedican al ejercicio de una auténtica “profesión”, la de famoso. (...) En esta línea, el propio
TC ha entendido que personaje con notoriedad pública, es además del que “expone al conocimiento de
terceros su actividad profesional”, el que “difunde habitualmente hechos y acontecimientos de su vida
privada”. En ambas hipótesis, se corre el riesgo de que, tanto su actividad profesional, como la información
revelada sobre su vida privada se pueda ver sometida a una mayor difusión de la pretendida por su fuente
o a la opinión, refutación y crítica de terceros. Cfr. STC 134-1999, de 15 de julio (RTC 1999- 134).” PASCUAL
MEDRANO, Amelia, Personajes públicos y derecho a la propia imagen, Puntolex, Santiago,Chile 2009-11-20
14:47:08.352248-03.
148
propriedade intelectual
tos293, a celebridade tem menos poderes sobre si mesma do que a pessoa
comum; ela é pública.
Mas se reconhece a ela certos interesses que toda a pessoa tem294,
mas que são economicamente mais significativos quanto às pessoas famosas.
Essencialmente, se reconhece a elas o poder de não endossar com sua celebri-
dade determinadas atuações de cunho econômico 295. Neste caso, não vigora
a limitação que impede as pessoas famosas de resistir à própria notoriedade
em face do interesse de informação296. Dá-se assim, às celebridades, o poder
293 “Sin duda, la decisión final del magistrado se enrola en la doctrina que entiende que aún siendo muy
elevado el nivel de notoriedad que posea una persona, no implica desconocer que goza de la prerrogati-
va del derecho a la intimidad. Efectivamente, el carácter de celebridad de un determinado individuo, no
autoriza la publicidad indiscriminada, ni suprime la protección de su esfera privada. Máxime cuando las
fotografías difundidas, en modo alguno revistan carácter de interés público. Ciertamente, esta tesis parece
la más adecuada a fin de garantizar una convivencia armónica entre dos derechos fundamentales, que se
encuentran en constante antagonismo.” BASTERRA, Marcela I., El Derecho a la Intimidad como límite a la
Libertad de Información. A propósito del caso “V., J. s/medidas precautorias” Publicado en: DFyP 2011 (oc-
tubre), 243.
294 SANTOS, Roberto Martinho dos, O Direito à Imagem no Direito Desportivo: Suas Virtudes Comerciais
e Publicidade. Revista Brasileira de Direito Desportivo | vol. 11 | p. 147 | Jun / 2007 | DTR\2011\2157:
EZABELLA, Felipe Legrazie. O direito desportivo e a imagem do atleta. Monografia (Mestrado) – Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, USP. IOB Thomson, 2006. “O consentimento quanto a utilização
da imagem não se presume unicamente pelo fato da pessoa retratada ser famosa ou atuar no mundo
artístico, ou por não auferir-se vantagem econômica, ou mesmo pela ausência de resistência do retratado
no momento da captação da imagem, devendo-se levar em conta uma conjunção de fatores, tais como a
habitualidade da pessoa consentir na sua retratação, a sua notoriedade, a sua ausência de relação com
a vida privada ou violação à honra, a finalidade de utilização e outros, nem sempre sendo tarefa simples
dirimir-se tal controvérsia havendo arrependimento posterior do retratado. Admitindo-se a possibilidade
de haver consentimento tácito quanto à utilização da imagem, aquele somente se evidenciará pela atitude
de tolerância do retratado, e o ônus da sua demonstração compete àquele que dela se utiliza” ( A pessoa
pública e seu direito de imagem: políticos, artistas, modelos, personagens históricos. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2002. p. 42).
295 A questão do consentimento presume na aceitação do vínculo de algum aspecto da pessoa a um en-
dosso de atuação publicitária. Vide o Código Civil da California, em dispositivo incluído em 1971: CAL. CIV.
CODE § 3344 : California Code- Section 3344- (a)Any person who knowingly uses another’s name, voice, sig-
nature, photograph, or likeness, in any manner, on or in products, merchandise, or goods, or for purposes
of advertising or selling, or soliciting purchases of, products, merchandise, goods or services, without such
person’s prior consent, or, in the case of a minor, the prior consent of his parent or legal guardian, shall be
liable for any damages sustained by the person or persons injured as a result thereof. (...) (d)For purposes
of this section, a use of a name, voice, signature, photograph, or likeness in connection with any news,
public affairs, or sports broadcast or account, or any political campaign, shall not constitute a use for which
consent is required under subdivision (a).(e)The use of a name, voice, signature, photograph, or likeness in
a commercial medium shall not constitute a use for which consent is required under subdivision (a) solely
because the material containing such use is commercially sponsored or contains paid advertising. Rather
it shall be a question of fact whether or not the use of the person’s name, voice, signature, photograph,
or likeness was so directly connected with the commercial sponsorship or with the paid advertising as to
constitute a use for which consent is required under subdivision (a). (...)
296 “Igualmente, para uso de imagem fotográfica de jogadores de futebol ou de artistas em figurinhas
para colocar em álbuns (RJTSSP, 11:71), ante o intuito especulativo, será preciso a autorização dos retrata-
dos, não vingando o argumento de que são personagens da história contemporânea. Tal argumento só seria
admitido em favor de imprensa falada, escrita ou sonora, a título de informação jornalística (RJTJSP, 44:61;
RT, 519:3). Assim, se alguém quiser reproduzir fotografia de um cantor famoso em propaganda de alguma
promoção, desfile, campanha ou produto, deverá pedir sua autorização e remunerá-lo sob pena de ter de
149
de autorizar ou negar esse uso297
Assim, a falta da autorização, ou o excesso em face do uso consentido
importa, no plano do direito de personalidade, ao poder de interditar298, e ao
direito à indenização299.
O extrato jurídico desse poder pode ser encontrado em duplo funda-
mento: tanto no direito de personalidade quanto, o que cobre também uma
pretensão autoral, o simples locupletamento:
“Direito a imagem. Fotografia. Publicidade comercial. Indenização. A
divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de pu-
blicidade comercial, implica em locupletamento ilícito a custa de outrem, que
impõe a reparação do dano. Recurso extraordinário não conhecido. (...) “Aí é
pagar uma indenização. A divulgação da imagem de uma pessoa, sem o seu consentimento, para fins de
publicidade comercial, implica locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe reparação do dano (RT,
568:215).” DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 89.
297 O que não significa que esse consentimento deva ser formal e explícito: “Todos os famosos que se
hospedam na ilha convivem com ações de marketing de empresas privadas, eis que o projeto “ilha de caras”
somente pode ser viabilizado em razão das empresas que patrocinam os eventos realizados na ilha. Restou
Denis Borges Barbosa
comprovado que, embora não houvesse autorização escrita da parte autora, havia autorização tácita da
mesma, tendo em vista que a apelante, bem como todas as celebridades que se hospedam na ilha de caras
sabem que as fotos tiradas serão publicadas na revista e que as mesmas podem eventualmente contemplar
alguma marca de empresa que patrocina o evento. O artigo 20 do código civil brasileiro e o artigo 79 do
código civil português não exigem que a autorização seja expressa, podendo ser tácita.” TJRJ, AC 0422349-
46.2008.8.19.0001, Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Des. Marco
Aurélio Bezerra de Melo, 09 de fevereiro de 2011.
298 ADLERS, Leandro Bittencourt, O cabimento da tutela inibitória na defesa de direitos fundamentais e
da personalidade violados por excesso na liberdade de expressão e informação, Revista de Direito Privado
| vol. 31 | p. 303 | Jul / 2007 | DTR\2007\446. “A doutrina é uníssona em reconhecer a utilidade da tutela
inibitória em casos de ofensa ao direito à imagem por meios de comunicação, até porque isso está previsto
no art. 12 e 21, do Código Civil, valendo mencionar a obra de EDUARDO TALAMINI, Tutela relativa aos de-
veres de fazer e de não fazer, RT, 2001, p. 440, que sugere aplicação da multa para dissuadir o ofensor. No
campo da informática, destaca-se a doutrina autorizada de DEMÓCRITO RAMOS REINALDO FILHO [Respon-
sabilidade por publicações na Internet, Forense, 2005, p. 149] e RICARDO LUIZ LORENZETTI [Comércio Ele-
trônico, RT, 2004, p. 435]. ELIMAR SZANIAWSKI afirmou [Direitos de personalidade e sua tutela, 2ª edição,
RT, p. 2005]: “A vítima terá por escopo obter, por parte do Judiciário, a cessação da execução da violação. A
interdição da perturbação dar-se-á através de tutela inibitória, que além de fazer cessar o atentado atual e
contínuo, removendo os efeitos danosos que são produzidos e que se protraem no tempo, possui natureza
preventiva contra a possível prática de novos atentados pelo mesmo autor. As ações típicas destinadas para
tutelar preventivamente a vítima de atos atentatórios ao seu direito de personalidade, consiste na ação ini-
bitória antecipada, na ação de preceito cominatório, da tutela antecipada e das medidas cautelares atípicas,
como a busca e apreensão e o seqüestro, e das medidas cautelares atípicas”. TJSP, Ag 472.738-4, 4ª Câmara
Direito Privado, Ênio Zuliani.
299 “São, basicamente, três as formas de violação do direito à imagem: quanto ao consentimento, quanto
ao uso e quanto à ausência de finalidades que justifiquem o uso da imagem sem o consentimento do titular.
O primeiro caso, como nos parece elementar, é quando a imagem de alguém é utilizada sem autorização de
seu titular; o segundo caso é quando, muito embora tenha havido tal consentimento, o uso feito da imagem
extrapola os limites da autorização concedida; e o terceiro caso é quando, embora se trate de imagem de
pessoa célebre, ou fotografia de interesse público, a maneira como a imagem é utilizada não permite que
seja invocada a exceção.” FAVA, Irineu Jorge, O (abuso) do direito à própria imagem na publicidade. Disser-
tação (Mestrado em Direito Civil) – PUC/SP, São Paulo, out. 2004, p. 139.
150
propriedade intelectual
que se surpreendeu a ilicitude e se estabeleceu o fundamento para a repara-
ção. Tirando proveito econômico da utilização da imagem da sambista, sem
o seu consentimento e sem que se lhe retribua por uma apropriação que é
significante economicamente, e portanto, pagável, o Recorrente incorreu em
mácula de locupletamento ilícito à custa de outrem, ou de enriquecimento
injusto, princípios consagrados que impõem a reparação do dano”. STF, RE
95.872.RJ(DJ 1º.10.82), Ministro Rafael Mayer
“o direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito
de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o
qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. A utilização da imagem
de cidadão, com fins econômicos, sema sua devida autorização, constitui
locupletamento indevido, ensejando a indenização. O direito à imagem
qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter
personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à
divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida pri-
vada. Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação de-
corre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de
cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria
utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do
prejuízo material ou moral.”
STJ, REsp 267529/RJ, Quarta Turma, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
03/10/2000, DJ 18/12/2000 p. 208, JBCC vol. 187 p. 407.
“Na lição de Jacqueline Sarmento Dias, “a falta de consentimento para a
divulgação da imagem, o merchandising sem autorização, o desrespeito
dos limites acordados entre as partes são formas de violação do direito
à imagem. Podemos acrescentar, ainda, o simples fato da usurpação do
poder de exclusividade que cabe à pessoa, com relação à sua imagem,
mesmo diante da não caracterização de conseqüências danosas.” (O Di-
reito à Imagem, Del Rey, p. 143). No presente caso, a violação do direito
à imagem da autora ainda é mais evidente, pois o seu uso não autorizado
teve inequívoco intuito comercial, para fins de publicidade. De nada adian-
ta a apelante insurgir-se contra tal assertiva, pois é óbvio que se valeu
da boa figura da autora para aumentar a venda de roupas e produtos de
beleza e estética. As fotografias dos painéis publicitários que instruem a
inicial constituem provas veementes da utilização ilícita de imagem alheia
para fins comerciais.”
TJSP, AC 469.161.4/0-00, Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, Des. Francisco
Loureiro, 10 de abril de 2.008.
produto;
(c) não será aceito o anúncio que atribuir o sucesso ou fama da teste-
munha ao uso do produto, a menos que isso seja comprovado e;
(d) o anunciante que recorrer ao testemunhal de pessoa famosa de-
verá, sob pena de ver-se privado da presunção de boa-fé, ter presente a sua
responsabilidade para com o público.”
De outro lado, ressalta-se o entendimento de certa doutrina pela
responsabilização da celebridade, ela mesma302. Essa responsabilidade pode
300 O endosso é uma das formas de aproveitamento econômico da persona da celebridade; como repre-
senta uma atuação consensual em face de um produto ou serviço, induz a um empréstimo específico de
notoriedade. Outra forma seria o merchandising de imagem: RUIJSENAARS, Heijo E., The WIPO Report on
Character Merchandising, IIC 1994 Heft 4 532. “Character merchandising is defined by the Report as “the
adaption or secondary exploitation, by the creator of a fictional character or by a real person or by one of
several authorized third parties, of the essential personality features of a character in relation to various
goods and/or services with a view to creating in prospective consumers a desire to acquire those goods
and/or to use those services because of the consumers’ affinity to that character”. The following examples
are given by the Report:- A toy being the three-dimensional reproduction of the fictional character “Mickey
Mouse”; - a T-shirt bearing the name or image of the fictional characters “Ninja Turtles”; - a perfume bottle
labelled with the name “Alain Delon”;- tennis shoes bearing the name “André Agassi”;- an advertising movie
campaign for the drink Coca Cola Light showing the popstar Elton John drinking Coca Cola Light.”
301 Encontrado em http://www.conar.org.br/html/codigos/todos%20os%20capitulos.htm, visitado em
28/11/2011. Para as regras americanas, vide http://www.ftc.gov/os/2009/10/091005revisedendorsement-
guides.pdf, visitado em 30/11/2011.
302 O já citado Guimarães, Paulo Jorge Scartezzini, A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das ce-
lebridades que dela participam, ed. RT, v. 16, 2001, p. 155. Mas também ALVAREZ LARRONDO, Federico
M., La responsabilidad de las celebridades por su participación en publicidades, RCyS 2010-II, 44 e, num
152
propriedade intelectual
chegar à esfera penal303.
goods. Where the use is purely descriptive it will of course fall within the absolute grounds for refusal set
down in section 3(1)(c) of the Act.” DAVIES, Gillian, Celebrity and Trade Marks: the next installment, Script-
ed, Volume 1, Issue 2, June 2004, DOI: 10.2966/scrip.010204.230
307 É de se notar a curiosa apreensão de Gama Cerqueira, no no. 174 de seu Tratado, ao cuidar do per-
sonagem e da celebridade no tocante às marcas, denotando sempre a autonomia do personagem em face
da simples representação gráfica: “Tratando-se do retrato de pessoas célebres, de personagens históricas,
ou da representação de personagens fictícias, quem primeiro o tiver adotado como marca está no direito
de impedir o uso do retrato da mesma pessoa ou personagem para distinguir artigos similares, ainda que
a pessoa seja representada em atitude diferente ou que o retrato se diferencie por detalhes diversos, pois,
nesses casos, o que constitui ou caracteriza a marca é mais a personalidade representada do que o próprio
retrato.” Note-se que tal consideração é ainda mais pertinente a luz da atual lei, a respeito da qual disse-
mos: “8.1.7.1. Conciliação com outros tipos de proteção: direito autoral. Como vimos, não podem incorpo-
rar-se à marca registrada obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos
pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do
autor ou outro titular. Assim, protege-se, no caso, direito exclusivo alheio. Superaram-se no texto vigentes
algumas notáveis omissões do dispositivo anterior. Com efeito, somente era irregistrável o nome da obra;
não havia referência, por exemplo, a seus personagens característicos, ou (o que é especialmente relevante
no caso de marca) ao seu próprio texto. (...) Não pode integrar marca um desenho artístico, um nome,
personagem ou texto de terceiros, salvo autorização, desde que haja possibilidade de proteção por direito
autoral.”. Proteção da Marcas, Lumen Juris, 2008.
308 Nota-se também a hipótese de proteção da persona pela concorrência desleal, desde que haja con-
corrência. Como se lê em outro trecho deste estudo, Hermano Duval menciona mesmo a hipótese de uma
proteção extra-concorrencial das personas através da chamada concorrência parasitária. Este parecerista
não subscreve essa hipótese. Como notou sobre nossa posição um aresto paulista: “Discorrendo acerca
do parasitismo, Wilson Pinheiro Jabur, citando o Professor Denis Barbosa, leciona que “...apenas no caso
de que se possa induzir confusão entre o público quanto à origem dos produtos ou serviços, ou quando
possa ocorrer o denigramento do titular original, ou ainda diluição de sua marca no mercado, se teria algo
contra o que se poderia argüir, no caso, alguma iniqüidade da regra da livre concorrência. Ou seja, não é
o parasitismo, mas a lesão sobre o parasitado que se visaria prevenir e compor” (BARBOSA, 2003, p.321)
(Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Ed.Saraiva, série GVlaw). “Frise-se que
a cópia servil ou o aproveitamento parasitário, ou seja, a imitação dos elementos característicos de um
produto ou serviço ou estabelecimento, do aviamento de uma empresa, quando feito em seus aspectos
154
propriedade intelectual
sua topologia mais adequada309.
Nossa tarefa é sugerir a construção desse interesse no campo autoral.
Por que fazê-lo? Dir-se-ia que a simples proteção da imagem-atributo
no campo do direito da personalidade o bastaria. Mas não é fato. Na verdade,
como se viu, a casuística distingue a proteção da pessoa da celebridade e o
interesse relativo à persona como constructo. Esse constructo não necessa-
riamente terá o abrigo dos direitos de personalidade.
De outro lado, o constructo da persona tem características de criação
intelectual, minuciosamente análogos a de uma personagem. Há índices, que
este parecerista sente como relevantes, que fazem da persona uma obra de
fabulação310, se não de ficção.
Muitas razões há para prevenir a extensão de novos objetos de di-
reito autoral; mas tais razões são essencialmente ligadas à expansão das ex-
clusivas, sem consentânea contrapartida dos direitos de acesso do público às
obras protegidas. Quando se postula o reconhecimento de novos objetos, no
zação), seja:
b) destacado do seu originador, por ser objetivo, e não exclusivamen-
te contido em sua subjetividade;
c) tendo uma existência em si, reconhecível em face do universo cir-
cundante.
Assim, o atributo capital da criação intelectual é sua objetividade311.
Criações intelectuais existem em muitos campos, inclusive no campo da pro-
priedade intelectual:
311 “Já Tulio Ascarelli, em sua Teoria de la Concurrencia y de los Bienes Inmateriales (ed. espanhola de
1970), estabelece a diferenciação entre o ato de criação e a criação intelectual objetivamente identificável
(pp. 264 e ss.), a qual, por sua vez, se contrapõe às coisas nas quais se exterioriza. (...) Ascarelli emprega a
expressão bem imaterial para indicar a criação intelectual individualizada e tutelada, objeto de um direito
absoluto, e não em contraposição às coisas corpóreas (p. 286).” SILVEIRA, Newton, Propriedade imaterial
e concorrência, Revista dos Tribunais | vol. 604 | p. 264 | Fev / 1986 | DTR\1986\66. De outro lado, pode
argumentar-se que a ato intelectual não seja pressuposto de proteção pela propriedade intelectual: “(...)
em relação às marcas e outros sinais distintivos, que não podem ser considerados como concepções ou
criações intelectuais. (...) tratando-se de marcas que se distingam pelo seu cunho artístico, como verdadeira
criação ou concepção intelectual, o direito resultante dessa criação constituiria propriedade artística de seu
autor e, como tal, deveria colocar-se na primeira categoria das produções intelectuais.” GAMA CERQUEIRA,
João da, Tratado, no. 127. Por isso distinguimos como elemento inaugural do direito sobre a marca a criação
como marca. Como noto em nosso Proteção (2007): “Neste sentido, a criação não se identifica com a cria-
ção no conceito do direito autoral, por exemplo, do elemento figurativo (inventio). Essa “criação” de que se
fala aqui é a concepção de que um signo, nominativo ou figurativo, seja empregado para os fins de distinção
de um produto ou serviço no mercado. Ou seja, não é da criação abstrata, mas da afetação do elemento no-
minativo ou figurativo a um fim determinado - é a criação como marca. Assim, pode-se simplesmente - por
exemplo - tomar um elemento qualquer de domínio público e dedicá-lo ao fim determinado, ou obter em
cessão um elemento figurativo cujo direito autoral seja de terceiros, e igualmente afetá-lo ao fim marcário,
em uso real e prático.
156
propriedade intelectual
“Abrange, portanto, os direitos autorais e os direitos de propriedade
industrial, num reconhecimento à interrelação entre as todas as formas de
criação intelectual. Cada uma destas espécies, porém, cuida de proteger tais
criações de modo diverso, respeitando a singularidade de seus formatos e
aplicações. Assim é que, no Brasil, possuem seus próprios princípios e discipli-
nas - regendo-se os direitos de propriedade industrial pela Lei nº 9.279/96 e os
direitos autorais pela Lei nº 9.610/98, seguindo, aliás, orientação internacional
firmada pelas Convenções de Paris e de Berna, respectivamente. Vale trans-
crever pequenos trechos de especialistas destes dois ramos do direito: Denis
Borges Barbosa, já citado, e José Carlos Costa Netto. (...)
E o segundo oportunamente enfatiza, em sua obra “Direito Autoral
no Brasil” (2ª ed. - FTD - 2008 - pp.29/30): “Não há como contestar que a
criação intelectual é a peça fundamental na descoberta de uma invenção, de
um determinado modelo industrial original, ou de um desenho - ou arte grá-
fica - de uma ‘marca’ para identificar um produto, uma empresa industrial
ou comercial..” TJSP, AC 0021455-57.2010.8.26.0006, Câmara Reservada de
Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. José Reynaldo, 16
de agosto de 2011.
E há criação intelectual, sensível ao direito, fora do campo da proprie-
dade intelectual312.
Quem cria, em qualquer campo ou forma, deve ter sua intervenção
reconhecida pela imputação necessária do ato inaugural a um originador. Sin-
gular ou coletiva, autor de obra certa ou comunidade a quem se deve a cons-
trução imemorial, a ação humana é vinculada à coisa criada.
Assim é que em nada lesa o direito, e em tudo o prestigia, quem
aponta de uma descoberta quem a fez; quem honra o cirurgião, que precisou
um novo método de curar, designando-o com seu nome; quem aponta de
uma receita gastronômica o seu inventor. Fora de qualquer exclusiva, o Tra-
tado de Genebra de Registro de Descobertas Científicas cuida apenas dessa
imputação313.
312 BARBOSA, Denis Borges, O que o direito tem a ver com a criação, in In: Marcos Wachowicz. (Org.).
Propriedade Intelectual e internet. 1ª ed. Curitiba: Juruá Editora, 2011.
313 [Nota do original] “Scientific discoveries, the remaining area mentioned in the WIPO Convention, are
not the same as inventions. The Geneva Treaty on the International Recording of Scientific Discoveries
(1978) defines a scientific discovery as “the recognition of phenomena, properties or laws of the material
universe not hitherto recognized and capable of verification” (Article 1(1)(i)). Inventions are new solutions
to specific technical problems. Such solutions must, naturally, rely on the properties or laws of the material
universe (otherwise they could not be materially or “technically” applied), but those properties or laws
need not be properties or laws “not hitherto recognized.” An invention puts to new use, to new techni-
cal use, the said properties or laws, whether they are recognized (“discovered”) simultaneously with the
making of the invention or whether they were already recognized (“discovered”) before, and indepen-
157
Assim, a criação em geral – e no criar se presume aqui um quid novum
que será abaixo discutido – deflagra-se automaticamente uma pretensão: a de
que se impute ao criador a coisa criada.
b) Mas nem toda criação intelectual cabe no campo autoral
Mas, no texto mais recente citado, tivemos de precisar que nem toda
criação intelectual se aduna no campo autoral:
Como regra, a simples criação, desde que expressa ou fixada (ou seja,
objetivada), pode deflagrar um conjunto de consequências jurídicas. Entre tais
consequências pode acontecer - como ocorre no direito autoral brasileiro vi-
gente - a constituição de um direito de exclusiva, se este direito específico
não for denegado pela lei para o tipo específico de criação. Em outros casos, a
criação apenas deflagra uma faculdade de obter posteriormente o direito de
exclusiva, sem a automaticidade do direito autoral (como no caso de cultiva-
res, topografias de semicondutores, patentes, etc.)
Essa criação objetiva e autônoma, assim, capaz de deflagrar seja um
direito de exclusiva, sejam outras consequências jurídicas diferentes de um
Denis Borges Barbosa
de l’être humain: l’oeuvre est conçue – c’est l’ <idée>; puis intervient la gestation: préparation, assem-
blement, coordination (plan) croissance – c’est la<composition>; enfin, l’oeuvre vient au monde: écriture
du roman, de lapièce, du scénario – c’est l’<expression>; l’ art. L. 112-1 C. prop. Int., employant les mots
<forme d’expression>irait en ce sens”. No entanto, como muito bem observa Zara Algardi, o momento da
existência da obra intelectual é juridicamente distinto do processo da criação intelectual na medida em que
este somente produz efeito jurídico para o Direito de Autor no momento em que a obra é concretizada.
Isto porque nem “todo trabalho conclui-se como obra”. Dessa noção decorre a preceito de que objeto da
tutela legal é a obra intelectual enquanto realidade objetiva, embora imaterial, e não o processo de criação
intelectual em si, seja como uma abstração, seja como projeto.” SANTOS, Manoel J. Pereira dos, BARBOSA,
Denis Borges, A questão da autoria e da originalidade em direito de autor, in SANTOS, JABUR e BARBOSA,
Org., Direitos Autorais, Publicações GVLaw, Saraiva, 2012
316 E certamente distingue o campo do direito de personalidade em face do direito de autor: “Pretender
classificar o direito à imagem dentre os direitos do autor é ignorar o traço essencial que um invento deve ter
para ser considerado obra intelectual, qual seja, a criatividade. Somente as obras intelectuais são passíveis
de proteção pelo direito autoral. Todavia, a imagem humana carece de qualquer ato de criação por parte de
seu titular. Sendo assim, não há como sustentar a teoria de que o direito à imagem seja espécie de direito
autoral. [...] Não tem mérito e nem participação na produção de sua imagem, mas apenas a recebeu como
dádiva divina.” FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos, 1999,
p.61 Ainda: “A imagem não pode ser protegida pelo direito autoral, porque este se ocupa em proteger as
criações intelectuais, enquanto aquela é uma expressão da personalidade humana, sem ser criação intelec-
tual”. op. cit., p.62).
317 BARBOSA, Denis Borges e SANTOS, Manoel J. P. dos, Os requisitos da forma livre e da originalidade na
proteção de textos técnicos e científicos, in SANTOS, JABUR e BARBOSA, Org., , Direitos Autorais, Publica-
ções GVLaw, Saraiva, 2012.
318 [Nota do original] http://www.wipo.int/about-ip/fr/, visitado em 28/7/2010. O texto correspondente
em outros idiomas é: “Intellectual property (IP) refers to creations of the mind: inventions, literary and ar-
tistic works, and symbols, names, images, and designsused in commerce”; “ La propiedad intelectual (P.I.)
tiene que ver con las creaciones de la mente: las invenciones, las obras literarias y artísticas, los símbolos,
los nombres, las imágenes y los dibujos y modelos utilizados en el comercio”.
159
Escrevendo no sec. XIX, Eugène Pouillet descrevia o campo de paten-
tes da seguinte forma: “a lei não protege as descobertas, as criações intelec-
tuais científicas e artísticas, senão, exclusivamente, as criações do espírito que
se operam no domínio das indústrias...”319.
A fórmula legal, assim, é particularmente infeliz320. Na verdade, a Con-
venção de Berna, ao definir seu campo próprio, usa o mesmo procedimento
que a lei brasileira: renunciando a definir positivamente seu objeto, o texto
internacional cita uma multiplicidade de criações que lhe fariam objeto. Tal
procedimento terá a virtude, se virtude o é, de relacionar uma soma de ob-
jetos que historicamente se reconhece como o campo próprio da proteção
autoral. É uma taxonomia que renuncia a um conceito de obra autoral, mas
resolve problemas práticos, e permite distinções entre obras que têm prazos
de proteção ou requisitos diversos321.
Para entrar no campo autoral, além disso, é preciso passar num filtro
negativo específico322:
Ao contrário das nossas leis anteriores, a norma de 1998 explicita
Denis Borges Barbosa
319 [Nota do original] Traité Théorique Et Pratique Des Brevets D’invention 1899, n. 15
320 [Nota do original] A lei anterior dispunha de forma similar: “ Art. 6º. São obras intelectuais as criações
do espírito, de qualquer modo exteriorizadas...”
321 [Nota do original] PILA, Justine, Copyright and Its Categories of Original Works, Oxford J Legal Studies,
2010, 30 (2), p. 229, demonstra que até agora os sistemas jurídicos não conseguem superar a essa constru-
ção pragmática.
322 BARBOSA, Denis Borges e SANTOS, Manoel J. Pereira, Os requisitos da forma livre e da originalidade
na proteção de textos técnicos e científicos, op. Cit. .
323 [Nota do original] Embora se pudesse argumentar que a proibição de proteger tais formulários ma-
nifestasse mais uma instância de falta de originalidade, na verdade entendo ter-se aqui uma restrição de
política pública. Pode haver originalidade em formulários, como nota CHISUM, Donald S. & JACOBS, Micha-
el. Understanding Intellectual Property Law . United States of America. Ed. Matthew Bender & Company
Incorporated, 1995, p. 26-31: In Harcourt; Brace & World, [Harcourt, Brace & World Inc. v. Graphic Controls
Corp., 329 F. Supp. 517, 171 U.S.P.Q. 219 (S.O. N.Y. 1971)] 73 the district court upheld the copyrightability of
printed answer sheets for standardized tests designed to be corrected by optical scanning machines. The an-
160
propriedade intelectual
IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamen-
tos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas,
cadastros ou legendas;
VI - os nomes e títulos isolados;
VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas
obras.
A listagem, também aqui, tem uma irrazoabilidade digna de Borges:
as coisas mais disparatadas são postas num só lugar. As leis de patentes de
1945 a 1971 incorriam igualmente em recitais parecidos, que juntavam ele-
mentos de definição de que sistema aplicar (a noção de “invenção”), noções
gerais de contributo mínimo e proibições diretas por razão de política pública.
A lista, além de desconexa, é também incompleta: mesmo sem constar da
relação, seriam denegados direitos autorais para um novo satélite de Saturno,
um padrão monetário, ou um golpe de estado.
Mas a listagem aponta para exemplos de hipóteses que manifestam
princípios de não-proteção subjacentes. A soma das “idéias, procedimentos
normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; o
aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras” aponta
para uma regra geral segundo a qual não se protegem idéias, mesmo se su-
jeitas a uma formalização que fosse classificada entre os tipos consagrados.
Na intuição de Camões, Mas esta linda e pura semidéia (...) Está no
pensamento como idéia/ O vivo e puro amor de que sou feito/ Como a ma-
téria simples busca a forma. É certamente um princípio básico de direito de
autor324:
swer sheets embodied original expression: “(T) he area for originality of design is limited by the requirements
of the optical scanning machine used .... However, within these confines the designer may structure the
division of response positions across the page, may ask what information (name, age, date, etc.) the student
should record on the face of the answer sheet, may devise the symbolic code indicating what question is
being asked and what possible alternative answer slots may be selected, may insert any instruction explain-
ing how to use the answer sheet in conjunction with an examination, may set forth examples illustrating
such use, etc. . . . The creation of an answer sheet requires the skill, expertise and expertise and experience
together with the personal judgment and analysis of the designer or author.”
324 [Nota do original] Claude Colombet, Grands Principes du Droit d’Auteur et des Droits Voisins dans le
Monde, 2a. Ed. LITEC/UNESCO, 1992, p. 10 « En effect, le droit d’auter créant un monopole au profit du crea-
teur, droit qui est vigorseumente sanctioné, il serait paralysant de tolerer cette mise sous tutelle des idées;
les créations seraient entravées par la necessité de réquérir l’autorisation des penseurs: on imagine, par
example, que dans le domaine scientifique, toute narration des progrès serait difficile puisqu’elle imposerait
l’accord des savants, dont les idées auraient été à la base de decouvertes (…) Aussi cette exclusion des idées
du domaine d’application du droit d’auteur este-elle une constante universelle ».
161
Com efeito, criando o Direito de Autor um monopólio em proveito do
criador, direito este que é sancionado com vigor, tornar-se-ía paralisante tole-
rar que esta tutela recaísse sobre as idéias; as criações seriam entravadas pela
necessidade de requerer a autorização dos pensadores: pode-se imaginar, por
exemplo, que, no domínio científico, toda narração dos progressos seria difícil
por que elas imporiam a concordância dos pensadores, dos quais as idéias
seriam a base das descobertas. Também esta exclusão das idéias do domínio
do direito do autor é uma constante universal.
Tais exemplos também apontam para outro princípio de não-prote-
ção: qualquer instância não expressiva está fora do alcance da proteção au-
toral: realizar atos mentais, jogos ou negócios; o aproveitamento industrial
ou comercial. Não temos aqui uma recusa quanto à destinação da obra: será
igualmente um princípio geral do direito de autor que não se denega prote-
ção, por exemplo, ao texto de propaganda política ou comercial ou às instru-
ções de como empinar uma pipa325, desde que dotadas dos requisitos gerais
de arbitrariedade e contributo mínimo. O exemplo sempre lembrado do Rela-
tório Municipal de Graciliano Ramos vem à memória:
Denis Borges Barbosa
deral.
Pelas carregadas palavras da embargante, fica claro que ela gostaria
que a Lei protegesse, também, os criadores de estilos, de técnicas.
É uma posição defensável, bastante razoável. Mas não é a opção da
Lei, à qual devo obediência.” EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 906.269 - BA
(2006/0248923-0)
A questão chave de nossa tarefa é assim demonstrar o porquê a cria-
ção de uma persona por uma celebridade caberia no campo autoral. Para isso
é preciso demonstrar que há originação e que não se exclui a criação do cam-
po autoral.
18.2. Da personagem-retrato
A discussão judicial relativa aos personagens-retrato é vasta, e muito
condicionada à questão do merchandising de elementos de ficção, como as
figuras de quadrinhos ou de desenho animado331.
que se assente em ato criador. O traço distintivo entre a imagem enquanto direito da personalidade e como
direito de autor assenta-se no ato criador, bastando que falte o elemento da criação intelectual para que o
direito à imagem não pertença a este. Ao direito autoral interessa apenas a imagem-retrato, isto é, a ima-
gem enquanto representação gráfica da figura humana mediante um procedimento técnico ou mecânico
de reprodução.” RODRIGUES, Cláudia, Direito autoral e direito de imagem, Revista dos Tribunais | vol. 827 |
p. 59 | Set / 2004 | DTR\2004\563. D’ Elboux, Sonia Maria, A liberdade de imprensa e os direitos da perso-
nalidade: tensões e limites, Tese de Doutorado, FDUSP, 2005 também manifesta crítica quanto à noção de
imagem-atributo como objeto singular de direitos.
330 Sobre a questão, disse Bittar: “26. Acentue-se, de outro lado, que recebem proteção tanto as obras
em si como os títulos, os personagens, os nomes, as expressões e elementos outros que as integram, pois o
Direito de Autor protege a forma externa e a interna da criação (V. na doutrina, dentre outros tantos auto-
res: Mário ARE. “L’oggetto del Diritto di autore”. Milano: Giuffrè, 1963, p. 130 e s.; Tullio ASCARELLI, “Teoría
de la concurrencia y de los bienes inmateriales”. trad., Barcelona: Bosch, 1970, p. 34 e s. e 163 e s.; Roben
PLAISANT. «Le droit des auteurs et des artistes exécutants». Paris: Delmas, 1970, p. 15 e s.; LE TARNEC. op.
cit., p. 193 e s.; François VALANCOGNE. «Le titre de roman, de journal, de film, sa protection». Paris: Sirey,
1963, p. 59 e s. e 305 e s. 27. Ficam, então, proibidos quaisquer usos que não provenham de autorização e
que importem, de outra pane, em modificação ou alteração unilateral da expressão da obra, ou de seus per-
sonagens, ou de seu título, ou, enfim, de qualquer componente ou pane criativa de seu contexto.” (BITTAR,
Carlos Alberto, Direitos Autorais Sobre Personagens de Desenho Animado). O Autor aponta - como apoian-
do a proteção de personagens - Henri JESSEN. “Derechos intelectuales”. Santiago: Tipografia Stanley, 1970,
p. 39 e s.; em seus próprios livros, “Direito de Autor”. Rio: Forense Universitária, 1992, p. 14 e s.; “Contornos
atuais do Direito de Autor”. SP: RT, 1992, p. 13 e s.; e “A Lei de Direitos Autorais na jurisprudência”. SP: RT,
1989, p. 13 e s. e 16 e s.). Mais recentemente, e tomando a questão do personagem no âmbito do direito
conexo, vide ABRÃO, Eliane Y., Personagem: algumas considerações à luz do direito, Revista da ABPI nº 90
- Set/Out 2007 p. 3-8.. No direito estrageiro, vide Vide KRISHNAWAT, Dharmveer Singh, ‘Protection of Car-
toon Characters under Intellectual Property Law Regime: An Analysis of Copyright and Trademark Laws(May
29, 2007). Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=989577.
331 Vide, além dos julgados citados adiante neste estudo, sempre no tocante a imagens: ““É indubitável
que o alegado conflito de normas alegado pela culta magistrada é apenas aparente, na medida em que
o fato apontado nas indagações policiais consistiu, a priori, na reprodução desautorizada de figuras de
desenho animado e histórias em quadrinhos concebidas e criadas pelo engenho intelectual de seu autor,
diferentemente do que ocorre com um nome ou uma marca industrial ou comercial, cujo objeto é apenas
o da obtenção do lucro pelo uso da marca ou nome .O produto da criação intelectual, embora secunda-
riamente possa vir a ser objeto de lucro, originalmente consiste em uma necessidade vital de exprimir
através de qualquer sinal externo as concepções, pensamentos, ideias e ambições de seu autor, indepen-
dentemente de sua aceitação ao meio ao qual se dirige. (...) As criações intelectuais representadas pelos
desenhos de Walt Disney, que aparecem em filmes, na televisão, em revistas, jornais, confecções, etc.,
165
A imagem-retrato, em geral, e não só como personagem, como ob-
jeto de direitos autorais, inclusive a pictórica e fotográfica, em particular na
difícil relação entre a criação e seu eventual modelo humano, tem sido objeto
de considerável elaboração332, que, no entanto, deixamos de lado para os pro-
pósitos deste estudo.
teção de caráter autoral: é o das idéias, dos conceitos, dos métodos, dos sis-
temas, dos cálculos. O resultado material dessas idéias, métodos, etc., isto é,
sua expressão fixada em base corpórea, concreta, palpável é que é protegido
pela lei autoral e não as idéias, os métodos, os cálculos em si. Exemplifica-se:
o livro de ensino de matemática é de criação de determinado autor, mas não
os cálculos embutidos em cada exercício. O direito autoral não cobre qualquer
idéia ou conceito existente por detrás da obra criada nem qualquer persona-
gem nele retratado (in Circular 45, Copyright Office, EUA).343
A questão tomaria outra concretude, porém, em face de evento juris-
prudencial especifico:
Por este ser um tema que pouco chega aos tribunais, há apenas uma
decisão , do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que aborda a questão e
344
uma narrativa, romance, poema ou acontecimento. 4. P. ext. ser humano representado em uma obra de
arte.” (FERREIRA, 1999). [FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio eletrônico: século XXI. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/Lexicon Informática, 1999]
342 Nota do parecerista: Antonio Chaves refere-se à questão em outro texto, “A lei não protege apenas a
criação literária ou artística como um todo; ampara também cada um dos seus elementos constitutivos: de-
nominação, idéia central, roteiro e desenvolvimento, personagens, cenários, música, diálogos, descrições,
criações de moda, etc.“(Antônio Chaves, “Direito de Autor”, Forense, 1987, . 174/175).
343 ABRÃO, E. O que é propriedade imaterial. A disciplina: Seu conteúdo e limites. Disponível em: <http://
jusvi.com/artigos/1177>. Acesso em 26 mai. 2008
344 [Nota do original] Outras decisões a respeito de proteção de personagens foram encontradas: STJ,
Resp 19866/RS, Min. Rel. Jesus Costa Lima, Quinta Turma, julgado em 04/05/1992, DJ 18/05/1992, p. 6988;
e TJES, AgI 035.06.900077-2, Des. Rel. Rômulo Taddei, Terceira Câmara Cível, julgado em 16/05/2006, DJ
170
propriedade intelectual
que acaba por reconhecer a proteção de personagens por direito autoral, no
caso a personagem ‘Harry Potter’:
A autora escreveu as obras literárias centradas no personagem “Harry Pot-
ter”, seus companheiros e professores de uma escola inglesa bruxaria. Isso
é fato notório (artigo 334, inciso I, do CPC).
A empresa produtora de espetáculos teatrais – Jotaelle Ltda. – organizou a
peça “Harry Potter – o aprendiz de feiticeiro” (ut - fls.36), inclusive convo-
cando candidatos à representação do personagem principal (fls.32 e 38).
Depois de um contato dos advogados da escritora, o nome “Harry Potter”
foi retirado dos cartazes de propaganda (fls.99/100).
Contudo, a produtora manteve, nos anúncios do espetáculo teatral, todas
as características físicas dos personagens, bem como o enredo básico da
história dos jovens aprendizes de magia negra. Isso está bem claro nos do-
cumentos juntados pela primeira apelante (Jotaelle Ltda.), quando de sua
contestação.
O fato de o roteiro da apresentação teatral afastar-se da versão dos livros
da autora-apelada não exclui a existência de plágio. As características
físicas dos personagens são iguais, bem como os figurinos e até o título
“Aprendiz de feiticeiro” que neste contexto, evidenciam a violação de di-
reitos autorais. A Lei Federal 9610, de 19 de fevereiro de 1998, protege o
autor das adaptações de suas obras (artigo 29, inciso III) com o intuito de
garantir-lhe a integridade (artigo 24, IV).
A divulgação da peça (fls.32, 36, 38 e 50) está demonstrada inclusive pela
documentação trazida com a contestação da Jotaelle Ltda. (fls.99 e 100).
O simples confronto entre o anúncio de um filme autorizado (fls.39) e os
cartazes da peça produzida pela primeira apelante evidencia a violação aos
direitos autorais. Isso tem como conseqüência a obrigação de indenizar,
conforme artigo 186 da Lei Federal 9610.
(TJRJ, ApC 2008.001.05609, Des. Rel. Bernardo Moreira Garcez Neto, Dé-
cima Câmara Cível, julgado em 02/04/2008, DJ 28/04/2008, p. 29)
29/05/2006. Entretanto tratavam da imagem das personagens e não das personagens em si e, portanto,
não foram consideradas.
171
contramos outras nomenclaturas que são passíveis de confusão345. Portanto,
justifica-se assim a adoção da terminologia personagens-constructos e perso-
nagens-idéias.
Os autores propõem dois testes para distinguir o que é um persona-
gem-constructo – a persona:
a) Personagens são Obras?
É a partir da análise do conjunto de características que se pode deter-
minar se uma personagem possui ou não proteção por direito autoral. Em ou-
tras palavras, se a personagem chega a ser um constructo ou se é mera idéia.
Para que a personagem-constructo seja considerada obra literária
protegida por direito autoral, dela tem que ser possível criar obras deriva-
das346. Cabe ressaltar que não se trata de mera derivação das imagens das
personagens e sim das personagens como um todo.
Outro teste que precisa ser feito para determinar se a personagem
pode ser objeto de proteção por direito autoral diz respeito ao plágio. Pode
Denis Borges Barbosa
348 BARBOSA, Denis Borges, Tratado da Propriedade Intelectual, Lumen Juris, 2010, vol. I, Cap. , [ 4 ] § 1.
4. - O estatuto jurídico das criações não objetivizadas
173
gente349 - a constituição de um direito de exclusiva, se este direito específico
não for denegado pela lei para o tipo específico de criação350. Em outros casos,
a criação apenas deflagra uma faculdade de obter posteriormente o direito de
exclusiva, sem a automaticidade do direito autoral (como no caso de cultiva-
res, topografias de semicondutores, patentes, etc.)
Essa criação objetiva e autônoma, assim, capaz de deflagrar seja um
direito de exclusiva, sejam outras consequências jurídicas diferentes de um
direito de exclusiva, constitui um bem imaterial351.
O que propõem os autores para distinguir o personagem que é obra,
ou constructo, do que é seja elemento integrante, mas indissociável da obra,
ou ainda (o que os autores não consideraram) mera pertença352 da obra em
que se insere, são os testes de derivação e de plágio.
Se for possível tomar a personagem (não a obra na qual ela é atuante)
como base de criação de outras obras, tem-se um constructo. Se for possível
plagiar as características singulares e destacadas da personagem, e dela se
remeter à obra plagiada, ter-se-ia um índice de constructo.
Denis Borges Barbosa
349 [Nota do original] Lei 9.610/98, Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, ex-
pressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se
invente no futuro.
350 [Nota do original] O filtro de qual bem incorpóreo nasce dotado de exclusiva autoral, e o que não tem
exclusiva, é dado, essencialmente, pelo art. 8º da mesma Lei.
351 Op. Cit. Loc. Cit., [ 4 ] § 1. 2. - Os pressupostos da criação intelectual: originador e criação
352 Como dizia Vicente Rao, O direito e a vida dos direitos., v. 2, n. 195: “Chamam-se pertences as coisas
destinadas e emprestadas ao uso, ao serviço, ou ao ornamento duradouro de outra coisa, a qual, segundo
a opinião comum, continuaria a ser considerada como completa, ainda que estes acessórios lhe faltassem:
tais são as coisas imóveis por destino, os acessórios que servem ao uso das coisas móveis como o estojo
das joias, a bainha da espada etc.”. “Pertença não é parte integrante, nem essencial, nem não-essencial (5.
Umrath, Der Begriff des wesentlzchen Bestandtes, 74 s.). O que não é parte integrante da coisa, mas se des-
tina a servir ao fim, econômico ou técnico, de outra coisa, inserindo-se em relação especifica, (...)” PONTES
DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. II, § 143. Pertenças.
174
propriedade intelectual
Carolina Tinoco Ramos, por sua vez, definiu em obra à parte353 as ca-
racterísticas desse personagem que se torna obra:
Em outro trabalho, tratamos, em co-autoria com André Andrade, da
proteção de personagens por si só, independentemente das histórias de que
fazem parte, como criação objeto de direito de autor, isto é, como obra354. Lá
propomos a divisão dos personagens em duas categorias: personagens-cons-
tructos e personagens ideias.355 Chamamos de personagens-constructo aque-
las que pelo seu conjunto de características podem ser consideradas obra e de
personagens-ideias aquelas que, por não possuírem um conjunto marcante de
características não podem ser identificadas de maneira isolada das histórias
que as contêm e, assim, destas não podem se desprender para ganhar vida
própria como obra.
Portanto, quando se fala em personagem protegida por direito au-
toral deve-se ter em mente o conjunto de características dessa personagem
(esta é a obra), e não apenas sua imagem ou seu nome. Até porque, a imagem
de uma personagem é indiscutivelmente protegida por direito autoral, na con-
dição de desenho (art. 7º, inciso VIII, da LDA), enquanto que o nome de uma
personagem (art. 8º, inciso VI, da LDA) só é protegido em associação com a
obra.
De modo a deixar essa diferença bem clara: qualquer um pode mon-
tar uma peça de teatro com uma personagem chamada ‘Mônica’, pois este
nome, isoladamente, não possui qualquer proteção. No entanto, não poderia
montá-la com uma personagem que se chame ‘Carla’ e que possua todas as
outras características da personagem ‘Mônica’. É essa a personagem como
constructo: o conjunto de todas as características de uma personagem, tais
como seu modo de se comportar, de se vestir, de se relacionar com outros,
de agir de determinada maneira perante determinadas condições, seus senti-
mentos, suas características físicas etc.; tudo isso de forma independente de
sua imagem e seu nome, sem, contudo, deixar de se considerar sua imagem e
seu nome como características.
353 BARBOSA, Denis Borges ; RAMOS, C. T. ; MAIOR, R. S. . O Contributo Mínimo na Propriedade Intelectu-
al: Atividade Inventiva, originalidade, Distinguibilidade e Margem Mínima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010
354 ANDRADE, André; RAMOS, Carolina Tinoco. Proteção autoral de personagens na era da informação.
Revista Criação, n. 2, ano 1, p. 103-114, 2009.
355 [Nota do Original] Essa divisão encontra amparo na literatura específica e encontra correspondência
no que Antonio Candido aponta que é chamado de personagens esféricas e personagens planas, ou ainda
personagens de costumes e personagens de natureza. CANDIDO, Antonio; GOMES, Paulo Emílio Salles;
PRADO, Décio de Almeida; ROSENFELD, Anatol. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.
61-63.
175
20. A celebridade como personagem autoral
Em outro exercício separado, este parecerista induziu a pesquisa so-
bre a construção da noção de uma celebridade como obra no direito brasilei-
ro. No ensaio de Maria Angélica Teixeira Barbosa 356, a questão era a personi-
ficação de Sílvio Santos – como uma personagem de si mesmo.
pessoa.2. Cada um dos papéis que figuram numa peça teatral ou filme, e que
devem ser encarnados por um ator ou uma atriz; figura dramática. 3 P. ext.
Cada uma das pessoas que figuram em uma narrativa, romance, poema ou
acontecimento. 4. P. ext. Ser humano representado em obra de arte.
Note-se que o dicionário apenas relaciona personagem com pessoa
e, apesar desse ser o aspecto fundamental da monografia, devemos ressaltar
que representa uma limitação à sua concepção, posto que personagem pode
referir-se a uma animal, um objeto, uma paisagem - vide a Combray de Proust,
no Caminho de Swann. Dito isso, é nossa preferência a definição do Wikipédia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Personagem), elemento vivo de uma obra narra-
tiva, com uma pequena modificação, em vez de obra narrativa, obra ficcio-
nal. Desse modo, personagem seria elemento vivo de uma obra ficcional.
“Elemento vivo” porque esse elemento transmite sensações, sentimentos ao
destinatário daquela obra; “obra ficcional” no sentido de criação de um mun-
do imaginário.
É a “ilusão do real”, ou seja, a impressão da “presença real” do obje-
356 BARBOSA, Maria Angelica Teixeira. A Constituição de Auto-Traço Personagens Famosos. 2007. Mono-
grafia. (Aperfeiçoamento/Especialização em Especialização Em Propriedade Industrial) - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Denis Borges Barbosa
357 “Imagem, forma de certo modo desconcertante por situar-se a meio-caminho entre o concreto e o
abstrato [porque pode ser inventada, criada, falsificada pelo interesse de seu emissor], é um princípio gera-
dor de real – mas o real do “quase”: quase-presença, quase-mundo, quase-verdade.’ SODRÉ, Muniz. Pensar
como Debord. In: GUTFRIEND, Cristiane Freitas; SILVA, Juremir Machado da (org.). Guy Debord: antes e
depois do espetáculo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
176
propriedade intelectual
to, no qual se insere o leitor, em termos literários, ou espectador, no caso da
autoconstrução de uma personagem pela celebridade. Tanto o leitor como es-
pectador participam dessa “ilusão do real”. Assim como o leitor anima através
de sua imaginação o personagem de um livro de um autor de ficção, nós, es-
pectadores da “vida real”, tendemos humanizar, vivificar aquilo que nos é apre-
sentado pela celebridade como sua “realidade”, quando, na verdade, é apenas
sua personagem. Melhor explicando, a pessoa à que se refere a personagem
é vivificada perante os olhos do espectador, o que cria a ilusão mencionada.358
A fabulação da celebridade é construir-se como um personagem que,
no entanto, mantém verossimilhança359:
A ficção, portanto, é o lugar no qual o homem pode viver e con-
templar, através das personagens, a plenitude de sua condição, em que se
transforma imaginariamente no outro, vive outros papéis, destaca-se de si
mesmo, distancia-se de si mesmo360. O espectador –participante de uma
celebridade, através da personagem criada por ela, “se transforma” nessa
personagem, “vive” outra vida que não a sua, distancia-se de si mesmo, cons-
truindo uma identidade não original, mas fabricada sob o prisma de um sím-
bolo, uma criação.
Sobreleva notar que há uma diferença fundamental entre a ficção li-
terária e a auto-ficção criada por uma celebridade. A primeira ajuda você a
compreender melhor a si próprio enquanto a última ajuda você a enganar a
si próprio.
Resumindo as idéias até então apresentadas, podemos afirmar que a
personagem é elemento vivo de uma obra ficcional, o que causa a “ilusão do
real”; é limitada e fragmentada; possibilita ao leitor de um romance ou espec-
358 [Nota do original] ROSENFELD, Anatol e outros. A personagem de ficção. Perspectiva: 2007, p. 27..
p.27 a 31.
359 “Pode-se ilustrar as consequências deste deslocamento com o conceito de verossimilhança, da teoria
literária. A figura histórica de Napoleão, um homem nascido na Córsega e falecido em Santa Helena, que foi
imperador da França, preenche o personagem Napoleão de Tolstoi, em Guerra e Paz. O reconhecimento da
pessoa empírica, histórica, contribui para a atmosfera do romance, mas o Napoleão de Tolstoi só existe no
texto literário, e é construído para os fins literários. A tentativa de fazer corresponder o homem com o per-
sonagem resultaria em enfraquecimento do efeito estético; reversamente, um estudo histórico baseado no
personagem seria um absurdo epistemológico. A verossimilhança vem a ser exatamente o aproveitamento
estético desta presença de um mesmo elemento no mundo empírico e no universo romanesco. A fruição
de um texto de ficção necessita de pontos de apoio, de pontes entre o mundo do leitor e o do romance; ao
atravessar a ponte, e ao ter consciência que na outra margem, o Napoleão dos livros de História tem um
outro valor, o valor que lhe atribui o sistema ficcional do livro, o leitor percebe que este sistema é diferente
da estrutura do universo empírico. A eficácia da obra depende exatamente deste reconhecimento, pelo
leitor, de que a narrativa é criação, e não descrição de fatos históricos.” BARBOSA, Denis Borges, A Causa e
a Autoridade (Porque Direito não é Ciência), in Estudos de Direito Público, Lumen Juris, 2003.
360 Idem.Ibidem,p.48.
177
tador de uma celebridade contemplar e participar, através da personagem, de
situações e sensações que o fazem se destacar de suas realidades imediatas,
cotidianas.
Acrescente-se, ainda, mais uma idéia: o personagem é um ser fictí-
cio. Tal paradoxo ocasiona o problema da verossimilhança, o qual pode ser
expresso na seguinte indagação: como pode existir o que não existe, já que a
personagem é fruto do mundo imaginário do ser humano?361
Antes de nos imiscuirmos na resposta de tal questão, averigüemos o
significado de verossimilhança. Verossimilhança, segundo o Dicionário Auré-
lio,(;1768) é aquilo que parece verdadeiro, é algo que contém a aparência de
verdade.
Vamos à resposta. A personagem, apesar de ser uma criação da fan-
tasia, provoca essa impressão de verdade existencial (verossimilhança). Reside
justamente nessa palavra a chave de toda questão: verdade.
A verdade está nos olhos de quem vê, de quem lê. É o espectador-
participante, o leitor, que imprime existência à personagem, seja ela criada
Denis Borges Barbosa
por um autor de uma obra literária, seja ela criada por um showman como
Silvio Santo ou qualquer outra celebridade. É a conhecida e referida “ilusão do
real” do início de nosso texto362.
No entanto, somente o trabalho desse leitor ou espectador não é o
bastante para configurar esse sentimento de realidade, de verdade, o qual
necessita também da contribuição do autor, romancista ou celebridade, por-
quanto uma personagem nos parece real quando esse criador sabe tudo a seu
respeito ou, pelo menos, dá essa impressão363. Sendo assim, no caso de uma
autoconstrução de uma personagem por uma celebridade, não há ninguém
melhor do que ela própria, a celebridade, para dar essa impressão.
Assim, a celebridade torna-se personagem:
Em termos literários, a autoconstrução de uma personagem por uma
celebridade apresenta similitudes com a personagem de um romance. Ambos
são elementos vivos de uma obra ficcional, porém esta vida ou verossimilhan-
ça é criada de modo diverso pelo autor de um livro e por uma celebridade. No
caso da personagem de uma pessoa famosa é a conjunção de três fatores, os
quais possibilitam aquela sensação de realidade: espectador, a celebridade-
-autora e o contexto.
361 [Nota do original] CANDIDO, Antonio e outros. Personagem de Ficção. Perspectiva: 2007, p. 55.
362 [Nota do original] ROSENFELD, Anatol e outros. A personagem de ficção. Perspectiva: 2007, p. 27.
363 [Nota do original] CANDIDO, Antonio e outros. Personagem de Ficção. Perspectiva: 2007, p. 58 e 59
178
propriedade intelectual
O espectador tende a humanizar, vivificar aquilo que é apresentada
pela celebridade como sua verdade, quando nada mais é que uma personagem,
um elemento de ficção. Isso é o que chamamos ilusão do real. São seus próprios
olhos que o enganam. Por isso, em vez de olhar, vejamos o que se significa aque-
la máscara, na qual nos fixamos, a fim de apreendermos o seu real valor.
364 [Nota do original] STANISLAVSKI, Constantin. A Construção da Personagem. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira 2006,p.30 e 31.
365 [Nota do original] Idem.Ibidem.p.30 e 31.
366 [Nota do original] Idem.Ibidem.p.44 e 45
179
E aplicando a caso concreto a análise:
Celebridades como Silvio Santos construíram a partir de si próprios
personagens. Eles encarnam tais personagens (suas criações) e transmitem
uma sensação de realidade, de verossimilhança, auxiliados pela mídia e pelo
próprio espectador.
a) A celebridade pessoa real?
Silvio Santos é o autor de sua criação, e a compõe através de carac-
teres físicos, psíquicos, gestuais, comportamentais. Personalidade e persona-
gem não se confundem, porém o segundo tem sua fonte no primeiro. A perso-
nalidade faz parte da estrutura interna do indivíduo, seu íntimo, e se exprime
nas suas emoções, reações, caráter, enquanto a personagem é criação, uma
invenção do ser humano.
A mídia envolve tal personagem em fatos e o espectador, ante sua
credulidade, vivifica aquela criação perante seus olhos, acredita piamente que
a ficção, a personagem é real, é aquele ser vivo que se apresenta nos meio
de comunicação. Para o espectador não há diferença entre personalidade e
Denis Borges Barbosa
personagem.
É interessante aqui notar a distinção entre personagem e heterôni-
mo ; as celebridades não são necessariamente heterônimas, muito embora
367
Silvio Santos, sob seu nom de plume, ou nome de antena, por caso o seja.
A autora, examinando as várias formas de inserção desse persona-
gem-celebridade no sistema jurídico brasileiro, termina por classificá-lo no
âmbito autoral:
Nesse contexto, o direito autoral tem muito a oferecer, pois caso acei-
te-se que se trata de criação de uma auto-personagem, então a pessoa estaria
admitindo que aquilo que os outros vêem dela é uma ficção, a ser protegida
pelo Direito Autoral.
367 “Invocando Charles Baudelaire: “Le poète jouit de cet incomparable privilege, qu’il peut à sa guise être
lui-même et autrui”, distingue o heterônimo, não somente do pseudônimo como do personagem de um
romance ou de uma peça de teatro: o personagem é a criação de um autor, o heterônimo é um persona-
gem que é um autor. Não basta que o autor nos diga que Barnabooth, Ricardo Reis e Álvaro de Campos são
poetas, como Balzac nos diz que Canalis é um poeta; é necessário que nos mostre suas obras e que essas
obras possuam individualidade e caráter próprios.” CHAVES, Antonio, Obras Pseudônimas. Heterônimas.
Anônimas., Revista dos Tribunais | vol. 695 | p. 7 | Set / 1993 | DTR\1993\635
180
propriedade intelectual
b) A celebridade é obra do espírito?
O ato de engendrar uma persona, como algo distinto da pessoa priva-
da, pode incorrer em verossimilhanças, points de rattachement com a pessoa
tangível que se dotou de certidão de nascimento, e não registro na Biblioteca
Nacional. Verossimilhança, porém não previne a fabulação, e mais, não previ-
ne a ficção que – legitimamente – faz de um récit uma obra literária.
Na observação de Teixeira Barbosa, Pelé se refere a si mesmo na ter-
ceira pessoa. Na verdade, Édson Arantes do Nascimento contempla e identifi-
ca num espelho lacaniano uma imagem que sendo a sua, não é de si mesmo.
Não é essa desidentificação que faz de Pelé uma criação do espírito, mas sim
sua deliberação criadora, o processo contínuo de construção e manutenção
do constructo, zelando inclusive para que a artificialidade que o público co-
nhece e que seduz a clientela não se esbata, dilua e dissipe.
A pessoa privada, no entanto, subsiste, como outra. Essa terá, no
campo da personalidade, o resguardo da intimidade. Quando a notoriedade
se constitui como algo distinto e objetivizado, haverá obra.
Exige-se, assim, que o constructo seja expressivo368:
Não existe no direito vigente nenhuma exigência de qualidade estéti-
ca (e muito menos de valor estético369).
Assim a noção de “expressivo” não se esgota no estético. Abrange o
que mais? Todas aquelas criações intelectuais cujo propósito central é propi-
ciar a instrução, a informação, ou o prazer no processo de comunicação370.
Central, vale dizer: nem acessório nem subsidiário: o processo de fruição do
público se volta para o elemento comunicativo. A função diferencial desta mo-
dalidade de objeto da Propriedade Intelectual é promover a criação de obje-
tos de construção simbólica voltados à instrução, à informação, ou ao prazer
num processo de comunicação humana.
181
23. De novo a autoria e a titularidade da persona
Uma questão crucial não apenas para definição de titularidade dos
interesses resultante da criação da persona, mas também para extensão dos
limites destes, no entanto, é a noção de que – como ocorre na construção
da imagem de marca371 – a celebridade pode ser um atuante central na cons-
trução, mas grande parte do valor de reconhecimento deriva da interação do
público e de outros agentes.
a) A construção da persona
Como acontece no caso da imagem de marca372, a construção da
persona por múltiplas fontes não impede a titularidade por aquele a quem
a deliberação e o intuito de construção do mito acede. É no fim das contas
uma escolha do sistema jurídico como um todo, a quem imputa os interesse
jurídicos relativos a um fato jurígeno.
Haverá, em princípio, no caso de uma celebridade que se propõe sê-lo
e atua contínua e deliberadamente nesse sentido (por oposição à celebridade
eventual e espontânea), uma construção decisória que direciona elementos
Denis Borges Barbosa
371 BARBOSA, Denis Borges, Developing New Technologies: A Changing Intellectual Property System. Pol-
icy Options For Latin America, SELA (1987): Some authors have remarked that the building up of a trade-
mark by means of massive advertisement has much in common with the construction of a character in a
novel; in both cases only sometimes the result is a “roman a clef” bearing any resemblance to reality.” Mas
quem é o autor da marca? BOSLAND, Jason. The Culture of Trade Marks: An Alternative Cultural Theory
Perspective, Intellectual Property. Research Institute of Australia The University of Melbourne Intellectual
Property Research Institute of Australia. Working Paper No. 13/05..: “Stephen Wilf suggests that by as-
sociating a symbol with an object, the public contributes to the authorship of trade marks. Because the
meaning of a mark results not from the efforts of an individual trader but the interpretive acts of the pub-
lic, Wilf argues that the public should be attributed ownership. Trade mark law, on the contrary, is said to
incorrectly formalise the trade mark originator as the arbiter of meaning by recognising only the efforts of
the originator in generating the meaning and interpretation of a trade mark”. Numa análise mais informal,
vide Gunnar Swanson: “For instance, in many ways Coca Cola does not own their brand. They own the
trademark but the brand resides in the minds of a billion or so people around the world. The brand is what
people think of the fizzy sugar water, what people feel when they see old red vending machines, thoughts
of Santa Claus paintings, reactions to Mexican kids wearing t-shirts that say “Come Caca” in a script simi-
lar to the trademark, associations with American culture and politics. . .”, http://lists.webtic.nl/pipermail/
infodesign-cafe/2004-June/1010478.html, visitado em 26/10/2006. A referência se faz a Steven Wilf , Who
Authors Trademarks? http://www.law.uconn.edu/academics/ip/wilf.html.
372 ““In determining whether to grant a property right in a celebrity’s persona, we might consider tradi-
tional liberal justifications in support of private property. The idea that people are entitled to the fruits of
their own labor, and that property rights in one’s body and its labor entail property rights in the products of
that labor, derives from John Locke [john locke. second treatise of civil government. ch. 5 (Wm. B. Eerd-
mans Publishing Co. 1978) (1690)] and is persuasive as a point of departure. It does not, however, advance
the argument in favor of exclusive property rights very far. As Edwin Hettinger [Edwin Hettinger, Justifying
Intellectual Property, 18 PHIL. & PUB. An. 37 (1989)] remarks, “assuming that labor’s fruits are valuable, and
that laboring gives the laborer a property right in this value, this would entitle the laborer only to the value
she added, and not to the total value of the resulting product.” COOMBE, op. Cit
373 BARBOSA, Denis Borges, O orientador é coautor?. Revista da Associação Brasileira de Direito Autoral,
Rio de Janeiro, v. 1o., 2004: “Assim, pode-se entender que é autor aquele que exerce a liberdade de esco-
182
propriedade intelectual
Lidando com uma matéria prima, a mídia e público, a celebridade –
sempre a deliberada e contínua – molda seu próprio valor de reconhecimento.
A matéria é resistente, e pode rejeitar a direção. A persona pode não resultar;
a persona pode falhar, como tantas obras de outro gênero. Mas é a escolha
última da celebridade que determina a construção da persona374.
Assim, ainda que se identifique na construção da persona um espaço
de construção de obra, não se deve contaminar tal noção, essencialmente
técnica, de qualquer excesso no sentido de apoderamentos excessivos em
face da função social deste constructo: a saciedade do desejo da sociedade
por heróis e pessoas da história corrente375. Embora possivelmente o estigma
lha entre alternativas de expressão. O exercício dessa liberdade não só configura a criação, mas indica seu
originador. A liberdade aqui é de escolha dos meios de expressão e não do objeto da expressão. Lembram
Lucas e Lucas, Traité de la Propriété Litteraire et Artistique, Litec, 1994, p. 67 : « L’oeuvre de l’esprit peut-elle
se limiter à un choix ? L’article L. 112-3 CPI (L. 1957, art. 4) incline à répondre par l’affirmative en accordant
le bénéfice du droit d’auteur aux «auteurs d’anthologies ou recueils d’oeuvres diverses qui, par le choix et la
disposition des matières, constituent des créations intellectuelles». On observera toutefois que, dans une in-
terprétation littérale, le choix ne suffit pas ici à fonder la protection puisque l’activité créative doit également
se manifester dans la «disposition des matières».-De manière générale, l’originalité de l’oeuvre se révèlera
parfois dans les choix effectués par l’auteur, par exemple dans le domaine de la photographie, mais il n’est
pas possible d’admettre que le seul choix constitue une oeuvre. On ne saurait donc en principe accorder
protection à des objets trouvés (ready-modes) revendiqués par leur «inventeur» en tant qu’oeuvres d’art. »
374 “Giorgio Vasari, a contemporary of Michelangelo, explained how Michelangelo destroyed valuable
works that he believed to be of inferior quality: [H]e often abandoned his works, or rather ruined many of
them . . . just before his death he burned a large number of his own drawings, sketches, and cartoons to
prevent anyone from seeing the labours he endured or the ways he tested his genius, for fear that he might
seem less than perfect . . . .[Giorgio Vasari, The Lives Of The Artists 418, 423-24 (Julia Conaway Bondanella
& Peter Bondanella trans., Oxford Univ. Press 1998, supra note 7, at 472)]. Michelangelo could certainly
have sold off these inferior drawings and sketches in order to benefit himself or his friends. Instead, where
his reputational interests and financial interests appeared to diverge, he protected his reputation. Some
might lament the loss of those destroyed drawings, and see Michelangelo’s pursuit of a perfect reputation
as excessive. But the paradox is that the reputation dynamic that drove Michelangelo to destroy his work
was also the dynamic that drove him to strive for perfection and to create his most celebrated works. Mi-
chelangelo decided that only a certain quality of artistic work would further his reputational interests, and
it was this type of work that he struggled to produce.” Lastowka, The Trademark Function Of Authorship,
Boston University Law Review [Vol. 85:1171, encontrado em http://www.bu.edu/law/central/jd/organiza-
tions/journals/bulr/volume85n4/Lastowka.pd, visitado em 1/12/2011.
375 COOMBE, op. Cit. “Star images must be made, and, like other cultural products, their creation occurs
in social contexts and draws upon other resources, institutions, and technologies. Star images are authored
by studios, the mass media, public relations agencies, fan clubs, gossip columnists, photographers, hair-
dressers, body-building coaches, athletic trainers, teachers, screenwriters, ghostwriters, directors, lawyers,
and doctors. Even if we only consider the production and dissemination of the star image, and see its value
as solely the result of human labor, this value cannot be entirely attributed to the efforts of a single author.
Moreover, as Richard Dyer shows, the star image is authored by its consumers as well as its producers; the
audience makes the celebrity image the unique phenomenon that it is [See Richard Dyer. Heavenly bodies:
film stars and society (1986); Richard Dyer. Stars (1979)].] Selecting from the complexities of the images
and texts they encounter they produce new values for the celebrity and find in stars sources of significance
that speak to their own experience. These new meanings of the star’s image are freely mined by media
producers to further enhance its market value. As Marilyn Monroe said in her last recorded words in public,
“I want to say that the people-if I am a star-the people made me a star, no studio, no person, but the people
did.” [Dean MacCannell, Marilyn Monroe Was Not a Man, 17 DIACRITlCS 114, 115 (1987)]. .. “O autor da
fábula de uma ‘celebridade’ midiática é sempre coletivo. Afinal, o padrão de reconhecimento propiciado
183
da celebridade seja irrenunciável, pode toda celebridade optar pelo destino
de Greta Garbo376, de ser um ponto cego no discurso da fama.
b) A celebridade é excluída pelo rol do art. 8º?
A persona não é uma ideia; é um conjunto de apreensões pelo pú-
blico, resultantes da formalização de uma imagem pública; há uma práxis ex-
pressiva e voltada especificamente ao ato de comunicar. Como se notou, não
é a destinação da obra que a exclui do âmbito autoral, eis que nele se inclui o
texto de propaganda política ou comercial ou às instruções de como empinar
uma pipa, desde que dotadas dos requisitos gerais de arbitrariedade e contri-
buto mínimo.
Da lista do art. 8º. (e do requisito primordial da novidade) não se en-
contra nenhuma rejeição em abstrato que permita a uma determinada cele-
bridade valer-se da proteção autoral. Quem pretende a celebridade por uma
cópia dos agissements de outra celebridade consagrada não terá, perante a
anterior, sequer a alteridade, que lhe destaca como obra.
E só mais um requisito essencial de proteção – que não se julga em
Denis Borges Barbosa
abstrato -, dirá se uma celebridade específica não é tão fugaz, tão irrelevante
para o tecimento das comunicacionais demandas do público, que chega a me-
recer a tutela de que se fala377:
A questão é simples: basta que a criação, para ser objeto de uma pro-
teção exclusiva pelos sistemas da Propriedade Intelectual, seja nova? A noção
de novo, neste caso, é simplesmente aquilo a que a sociedade ainda não tinha
acesso. O pressuposto deste requisito é que, em cada modalidade dessas ex-
clusivas, uma exigência de fundo constitucional se impõe, para exigir, como
um elemento objetivo da criação, um aporte à sociedade de algo a mais do
que o simplesmente novo. Numa destilação ainda mais incisiva do problema, a
pergunta é: o direito exclusivo que se atribui ao criador – ou àquele que deriva
seu título do criador, por cessão ou operação de lei – é proporcional ao acesso
obtido pela sociedade? Há uma correlação razoável entre os benefícios que o
pelas mídias tem dimensão histórico-social. A trama e a intriga da narrativa vão, assim, sendo alimentadas
e tecidas junto com as revelações pessoais da própria ‘celebridade’, as opiniões do jornalista, do amigo e
do inimigo, as estratégias comunicacionais e os flagrantes dos paparazzi. Não se pode esquecer ainda que
o folhetim da vida de uma celebridade é escrito também pelo público em geral. PIMENTEL, Márcia Cristina,
A construção da celebridade midiática,, Contemporânea, no. 4, 2005, [Revista on-line do grupo de pesquisa
Comunicação, Arte e Cidade da Faculdade de Comunicação Social da UERJ.] http://www.contemporanea.
uerj.br/pdf/ed_04/contemporanea_n04_17_MarciaCris.pdf
376 Que optou por isolar-se na impossível solidão de sua casa na 450 East 52nd Street em Manhattan, em
frente à qual este parecerista, como todo mundo a quem o caso favoreceu, a viu em 1982. Veja-se http://
en.wikipedia.org/wiki/Greta_Garbo, visitado em 1/12/2011.
377 BARBOSA e SANTOS, op. Cit.
184
propriedade intelectual
criador obtém do sistema jurídico pela criação que fez, em face daquilo que
todos demais tem de benefício?
Enfim, é a exigência de originalidade378.
2002, p. 94). Mas essas limitações aos direitos patrimoniais de autor eram classificadas como exceções,
entre outros, por Henri Desbois (Le Droit d’Auteur en France, 3e. ed., Paris: Dalloz, 1978, p. 312, 351)”
381 BARBOSA, Denis Borges, Tratado da Propriedade Intelectual, vol. I, Cap. II, Lumen Juris, 2010, [ 4 ] §
5.7. (C) Da razoabilidade como limitação legal aos direitos
186
propriedade intelectual
bém a oportunidade de considerar, citando Canotilho: “As idéias de ponde-
ração (Abwängung) ou de balanceamento (balancing) surge em todo o lado
onde haja necessidade de “encontrar o Direito” para resolver “casos de ten-
são” (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos.
Assim, não é interpretação restrita, mas equilíbrio, balanceamento e
racionalidade que se impõe.
De uma forma particular, mas não menos presentes, as limitações se
aplicam aos direitos de personalidade. Diz Guilherme Calmon382:
Os direitos da personalidade integram-se em nosso ordenamento ju-
rídico com outras proposições e outros poderes jurídicos de conteúdo diver-
so. Assim sendo, tais direitos são dotados de certa finitude, condicionando sua
existência, validade e, com maior razão, seu exercício.
O primeiro desses limites que pode ser apontado diz respeito ao abu-
so de direito. Embora seja a liberdade um bem essencial da personalidade e
verdadeiro alicerce da própria dignidade da pessoa humana, o espaço deixa-
do à autonomia privada deve ser sempre restringido quando houver excesso
manifesto dos limites impostos pelo fim social ou econômico desse direito,
conforme previsão contida no art. 187, do CC/2002 . Na própria dicção do
art. 5.º, II, da CF/1988 , observa-se que a liberdade pode sofrer restrições tais
como outros bens jurídicos, daí a função do princípio da dignidade da pessoa
humana como restrição ao direito da liberdade.
“Assim, no exercício dos diferentes poderes, faculdades e simples li-
berdades de agir que integram o direito geral de personalidade, o respectivo
titular não está sujeito a realizar uma determinada e tipificadora função legal,
podendo exercê-los dentro da sua autonomia privada. Todavia, em tal exercí-
cio, não pode exceder manifestamente o fim sócio-econômico do direito geral
de personalidade, ou seja, o objetivo de permitir, igualitária e harmonicamen-
te, a cada um e a todos os homens a preservação e o desenvolvimento das
suas personalidades individuais”.383
Em particular no tema de nosso estudo, diz Sonia Maria D’Elboux384:
Esses limites decorrem do fato de que, em determinadas circunstân-
cias, sobre o direito à imagem prevalecem o direito à informação, a necessi-
dade de manutenção da ordem pública e/ou da segurança nacional, o aten-
385 [Nota do original] “Direito à imagem e sua tutela”. In: Estudos de direito de autor, direito da persona-
lidade, direito do consumidor e danos morais, pp. 98-99. [In: Estudos de direito de autor, direito da perso-
nalidade, direito do consumidor e danos morais: Homenagem ao professor Carlos Alberto Bittar. Coord. de
Eduardo C. B. Bittar e Silmara Juny Chinelato. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.]
386 SANTOS, Manoel J. Pereira e BARBOSA, Denis Borges, As Limitações Aos Direitos Autorais, in SANTOS,
JABUR e BARBOSA, Org.,, Direitos Autorais, Publicações GVLaw, Saraiva, 2012
387 [Nota do Original] Vide CARRE, Stéphanie, op. cit., p. 30. [CARRE, Stéphanie. L’Interet du Public en
Droit d’Auteur. Tese (Doutorado em Direito). - Universidade de Montpellier, Montpellier, 2004]
188
propriedade intelectual
ou ao interesse do público? O exame desta matéria não se exaure no interesse
direto do usuário, mesmo como um direito difuso, uma vez que é necessário
considerar que a criação intelectual integra o patrimônio cultural do povo e,
assim, há um interesse público não só na criação de obras para desfrute do
usuário, mas também no acesso e na preservação do acervo intelectual.
Assim sendo, a exclusividade reconhecida ao autor não deve impedir
o exercício de outros direitos fundamentais, em especial o direito de acesso
à informação e à cultura388. Imbricada com esse ponto é a teoria de “livre
utilização” da Lei Autoral alemã, segundo a qual um autor pode se inspirar em
obra preexistente, desde que não se aproprie de sua essência criativa389. Esta
doutrina favorece a conciliação de outro direito fundamental – a Liberdade de
Expressão – com o Direito de Autor.
Assim, a celebridade é parte da cultura e deve à cultura sua criação390.
Os interesses econômicos e pessoais relativos aos objetos dos direitos autorais
devem sujeição genérica - ou ponderação específica - aos direitos fundamen-
tais à cultura391, e ao admitir-se tutela autoral à persona faz-se concentrar-se
sobre ela o impacto dessa consideração.
Parte central do dito a celebridade obriga vem da demanda de que,
como expressão cultural singularizada em obra, impõe-se à persona a fruição
cultural da sociedade392 e o dever de – como parte do fluxo cultural – não se
388 [Nota do original] Zechariah Chafee Jr., em seu estudo sobre os seis pressupostos para o Direito Au-
toral, afirmava que, embora ninguém pudesse comercializar a obra de um autor, todos deveriam poder
utilizá-la. Vide CHAFEE JR., Zechariah. Reflections on the Law of Copyright, Columbia Law Review, vol. 45, n.
4, pp. 503-529, 1945.
389 [Nota do original] Vide Adolf Dietz, Germany, § 8[2][b][ii], in: GELLER, Paul Edward (coord.), op. cit..
[GELLER, Paul Edward (coord.). International Copyright Law and Practice. New York: Lexis Nexis, 2010]
390 COOMBE, op. cit. “The Marx Brothers themselves might be seen as imitative or derivative works,
whose creation and success as icons in popular culture derive from their own creative reworkings of the
signifying repertoire of the vaudeville community. Contemporary stars are authored in a similar fashion.
How much does Elvis Costello owe to Buddy Holly, Prince to Jimi Hendrix, or Michae1 Jackson to Diana
Ross? Take the image of Madonna, an icon whose meaning and value lie partially in its evocation and ironic
reconfiguration of several twentieth-century sex-goddesses and ice queens (Marilyn Monroe obviously, but
also Jean Harlow, Greta Garbo, and Marlene Dietrich) that speaks with multiple tongues to diverse audienc-
es. Descriptions of the Madonna image as semiotic montage abound.”
391 Vide FERNANDES, José Ricardo Oriá. A cultura no ordenamento constitucional brasileiro: impactos
e perspectivas. In: Ensaios sobre impactos da Constituição Federal de 1988 na sociedade brasileira. vol.
1. Brasília, 2008. SILVA, Vasco Pereira da. A cultura a que tenho direito: direitos fundamentais e cultura.
Coimbra: Almedina, 2007.PEREIRA, Larissa Alcântara. Direitos fundamentais mitigados: em busca de um
novo direito de autor. Curitiba: UniBrasil, 2010. SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos culturais e as obras
audiovisuais cinematográficas: entre a proteção e o acesso. Rio de Janeiro: UERJ, 2010.
392 “Nas modernas sociedades democráticas todas as pessoas devem ter acesso à cultura, pelo que, para
além do direito fundamental de criação cultural, é preciso garantir igualmente o direito fundamental de
fruição cultural. O direito de fruição cultural surgiu, assim, ligado à afirmação da necessidade do Estado
criar condições de acesso de todas as pessoas aos bens culturais, ou seja, como um direito à actuação dos
poderes públicos para obter tal resultado (com a “segunda geração” de direitos fundamentais), mas, nem
189
excluir de sua reelaboração393.
Em particular, o uso da persona como elemento da própria ação criadora
da sociedade não pode ser contida desponderamente, em particular quando há
a transformação criativa que legitime o uso da persona como insumo394. Como
nota certo precedente estadual americano, uma coisa é o uso da imagem da ce-
lebridade como centro da obra a qual se examina a eventual contaminação395;
outra é utilizá-la como matéria de partida para obra nova396. Neste último caso, as
por isso, ele deixa de possuir igualmente uma dimensão negativa, enquanto direito de defesa contra agres-
sões de entidades públicas e privadas na “liberdade” individual de fruir tais bens (na lógica da “primeira
geração dos bens culturais).” SILVA, Vasco Pereira da. A cultura a que tenho direito: direitos fundamentais e
cultura. Coimbra: Almedina, 2007.
393 “Num processo muito conhecido pelos economistas da propriedade intelectual e pelos constitucio-
nalistas, o criador sempre consome elementos da criação de autores precedentes, muitas vezes, mas não
sempre, já em domínio público. Tal reaproveitamento - como transformação criativa - caracteriza longo pe-
ríodo da história, pelo menos até a consolidação dos direitos de exclusiva. No contexto de uma produção
expressiva para o mercado de consumo de massa, como maximização de mercado e compressão do con-
teúdo inovador das obras, esse reaproveitamento de material prévio toma a forma de cópia de segmentos
narrativos, de desenho de personagem, de situações já testadas perante o público. Mas essa figura de
direito é particularmente importante para descrever ou conceituar a mudança introduzida por um origi-
nador sobre material intelectual preexistente, como ocorre no aperfeiçoamento das invenções , derivação
Denis Borges Barbosa
das obras autorais ou de software , ou dos cultivares. Em cada um desses casos, aplica-se o princípio que
a modificação constitui propriedade do modificador, sendo que no caso das leis autorais se exige para que
tal se dê a autorização do titular da obra originária. Assim, é particularmente relevante na geração de bens
incorpóreos relativos a criações intelectuais este reprocessamento de material alheio.” BARBOSA, Denis
Borges, Prefácio, in BARBOSA, D.B. (Org.) ; Lélio Denicoli Schmidt; Elisabeth Kasznar Fekete; Letícia Provedel;
Marissol Gómez Rodrigues, Reivindicando a Criação Usurpada (A Adjudicação dos Interesses relativos à
Propriedade Industrial no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
394 “Nesse sentido, Jed Rubenfeld afirma que não se deve tomar o método do fair use como substituto
da análise sobre os limites do direito autoral frente à liberdade de expressão, prevista na Primeira Emenda
à Constituição norte-americana, pois o fair use seria “econocêntrico” ao direcionar os seus elementos para
uma apreciação dos efeitos econômicos que o uso da obra causa ao seu autor ou titular dos direitos auto-
rais. Segundo o autor: “A exceção do fair use ao direito autoral é largamente econocêntrica; ela é organizada
em grande parte em torno da idéia de adequação aos interesses econômicos do titular do direito autoral.”
(“The freedom of Imagination: copyright´s constitutionality”, in Yale Law Journal , v.112, nº 01 (oct/2002);
p. 19).” SOUZA, Carlos Affonso Pereira de Souza, O Abuso Do Direito Autoral, Tese apresentada ao Programa
de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Direito Civil. Rio de Janeiro 2009.
395 “Saber se uma obra é originária ou derivada passa pela análise da quantidade criativa da segunda em re-
lação à primeira. Em outras palavras, cabe saber se houve de fato uma transformação da obra primígena ou se
há apenas a utilização de alguns de seus elementos pela obra derivada. Dessa forma, o que determinará se uma
determinada obra é originária ou derivada será o quantum de grau mínimo criativo (contributo mínimo) que
uma possui em relação à outra.” RAMOS, Carolina Tinoco, Contributo ... op. cit. ”In reviewing the U.S. Court of
Appeals for the Sixth Circuit’s rejection of 2 Live Crew’s fair use defense, the Supreme Court [Campbell v. Acuff-
Rose Music, Inc., 510 U.S. 569 (1994)] emphasized the lower court’s error in giving essentially conclusive effect
to the fact that the defendants had profited financially. The Court stated that the first fair use factor, the purpose
and character of the use, focuses on determining “whether the new work merely supersede[s] the objects of
the original creation . . . or instead adds something new, with a further purpose or different character, altering
the first with new expression, meaning, or message; it asks, in other words, whether and to what extent the
new work is transformative.” The Court noted that the more transformative the use, the less important other
considerations such as commercialism will be.” LANGVARDT e LANGVARDT, op. cit.
396 “We developed a test to determine whether a work merely appropriates a celebrity’s economic value,
and thus is not entitled to First Amendment protection, or has been transformed into a creative product that
the First Amendment protects. The “inquiry is whether the celebrity likeness is one of the ‘raw materials’
190
propriedade intelectual
obrigações perante a cultura não comportam oposição categórica397.
Um exemplo importante, ainda que tirado do campo das marcas, foi
o uso do nome de Ginger Rogers no filme de Fellini Fred e Ginger, título que
foi objetado nos Estados Unidos pelos titulares dos direitos relativos à atriz398.
Mesmo considerando os interesses mais ingentes da integridade de marca,
entendeu-se que a necessariedade estética superava qualquer interesse da
persona399.
from which an original work is synthesized, or whether the depiction or imitation of the celebrity is the very
sum and substance of the work in question. We ask, in other words, whether a product containing a celebri-
ty’s likeness is so transformed that it has become primarily the defendant’s own expression rather than the
celebrity’s likeness. And when we use the word ‘expression,’ we mean expression of something other than
the likeness of the celebrity.” Winter v. DC Comics, supra note75, at 888 (Cal. 2003) (quoting Comedy III, 25
Cal. 4th at 406). Assim, justifica-se a crítica de COOMBE, op. cit., às hipóteses em que se utiliza a celebridade
como marco de cultura ou de época: “In Groucho Marx Productions, Inc. v. Day and Night Co., [523 F. Supp.
485 (S.D.N.Y. 1981), rev’d, 689 F.2d 317 (2d Cir. 1982] those who held rights in the Marx Brothers made a suc-
cessful publicity rights claim against the creators of the play A Day in Hollywood, A Night in the Ukraine. The
play’s authors intended to satirize the excesses of Hollywood in the thirties and invoked the Marx Brothers
as characters playfully imagined interpreting a Chekhov drama. The defendants were found liable, and their
First Amendment claim was dismissed on the ground that the play was an imitative work.” Como diz a autora,
sem essa percepção aguda, “Publicity rights enable stars to “establish dynasties on the memory of fame.”
397 “I believe the answer to the question of justification turns primarily on whether, and to what extent,
the challenged use is transformative. The use must be productive and must employ the quoted matter in
a different manner or for a different purpose from the original. A quotation of copyrighted material that
merely repackages or republishes the original is unlikely to pass the test; in Justice Story’s words, it would
merely “supersede the objects” of the original. If, on the other hand, the secondary use adds value to the
original--if the quoted matter is used as raw material, transformed in the creation of new information,
new aesthetics, new insights and understandings-- this is the very type of activity that the fair use doctrine
intends to protect for the enrichment of society.” A noção de transformação criativa como uma forma es-
pecífica de limitação – forma essa que à luz do precedente do STJ não careceria de previsão normativa – se
encontra originalmente neste texto de LEVAL, Pierre N., Toward a Fair Use Standard 103 Harv. L. Rev. 1105
(1990), encontrado em http://docs.law.gwu.edu/facweb/claw/LevalFrUStd.htm, visitado em 7/12/2011.
Sobre a relevância de tal texto, vide KELLER, Bruce P., e TUSHNET, Rebecca, Even more parodic than the
real thing: parody lawsuits revisited, Trademark Reporter, Vol. 94 TMR 979. Dentro desse pressupostos, a
transformação criativa resulta direta e inexoravelmente da liberdade de criação constitucional.
398 A construção das marcas, inclusive pelo aspecto de autoria plúrima e difusa, tem muito em contato
com a das celebridades. “Having embarked on that endeavor, the originator of the symbol necessarily - and
justly - must give up some measure of control. The originator must understand that the mark or symbol or
image is no longer entirely its own, and that in some sense it also belongs to all those other minds who have
received and integrated it. This does not imply a total loss of control, however, only that the public’s right
to make use of the word or image must be considered in the balance as we decide what rights the owner is
entitled to assert.” KOZINSKI, Alex, Judge, United States Court of Appeals for the Ninth Circuit, Trademarks
Unplugged, New York University Law Review, October 1993, 68 N.Y.U.L. Rev. 960. De outro lado, vide Jason
Bosland, The Culture of Trade Marks: An Alternative Cultural Theory Perspective, http://papers.ssrn.com/
sol3/papers.cfm?abstract_id=771184, vistado em 26/10/2206: “The underlying difficulty with shaping a
dilution right is balancing the competing interests in allowing the public to use a mark as an expressive
resource through criticism or commentary, while at the same time, preventing harm which is adverse to a
trade mark’s continued cultural use. To balance these interests, I propose that the expressive use of a mark
should be protected from dilution in the context of trade, that is, where a plaintiff ’s mark is being used in
the advertising context to market a defendant’s goods or services. This is to be compared with a commercial
situation where the defendant’s expressive use of a trade mark forms part of the goods on offer, such as in
the title or lyrics of a song, or where the trade mark is used in a poster or on a t-shirt.”
399 “In Rogers v. Grimaldi [875 F. 2d 994?2d Cir. N.Y. 1989], the Second Circuit adopted a balancing test for
trademark infringement in cases implicating artistic expression to accommodate these dual interests: “The
191
Note-se que nem sequer é um interesse comercial subsidiário que
impede o uso do valor de reconhecimento da celebridade na construção da
cultura e da sociedade, inclusive como expressão política.
Como já se enfatizou, a camiseta que inclui a facies de uma celebridade
apoiando ou rejeitando algum elemento da ideologia política ou social em re-
lação a qual a fama da estrela é notória não pode ser coarctada com base em
direitos autorais, ou em direito da personalidade. Os jornais são pagos, e nem
por isso se retira a eles a plenitude da livre informação, e uma camiseta, ou ban-
ner terá função igual enquanto discutindo fatos ou ideias400. Coisa diversa, sem
dúvida, é usar a mesma imagem para apoiar a venda de um produto ou serviço.
Tratamos aqui das limitações em abstrato. Não só se reconhece a
impropriedade da listagem corrente da Lei 9.610/98, objeto de proposta le-
gislativa em curso, como o fato, que sempre afirmamos, que as limitações da
propriedade intelectual são exercícios de ponderação. Cristalizam certas pro-
postas de equilíbrio de interesses de guarida constitucional, sem proscrever
outros401, observadas - no pertinente e enquanto compatíveis com a Consti-
tuição - as restrições oriundas dos tratados.
Denis Borges Barbosa
c) como resultado dos itens ‘a’ e ‘b’: a campanha testemunhal não
assegura ao público as qualidades do produto, apenas estimula-o
a confiar nos novos parâmetros de qualidade.
Na verdade, o limite aqui é manter o estranhamento404, a consciên-
cia do público que se tem um enredo fabular, um empréstimo conotativo de
valores, e não um endosso denotativo, ainda que isso se dê num fio sensível
de faca. Como se nota quanto a este dever da arte, e de todo constructo405:
404 “A arte tem como procedimento o estranhamento das obras e da forma de acesso difícil que aumenta
a dificuldade e o tempo da percepção, visto que, em arte, o processo perceptivo é um fim em si mesmo
e deve ser prolongado”. Chklovski, Victor. “A arte como procedimento”. Tradução de Ana Maria Ribeiro
Filipouski et al. In: Toledo, Dionísio (org). Teoria da Literatura: Formalistas russos. 1.ed. Porto Alegre: Globo,
1973, p. 39-56. “Um juízo do tipo “Deus é bom”, expresso em linguagem verbal, é reelaborado em poesia,
através de imagens, rima, efeitos, etc., de tal forma que a proposição universal se resuma em particular
- Deus é bom neste poema. Desta forma, a visão de mundo (proposição universal) fica reduzida ao texto
poético e sua ação na linguagem específica (verbal) se torna evidente.” Danusia Bárbara e BARBOSA, Denis
Borges. In Revista Littera Rio, Ed. Grife, 1972, no. 6, setembro/ dezembro, p. 38. No sentido mais próximo
ao que se fala neste contexto: Los formalistas rusos, especialmente Víktor Shklovski usaron la palabra ots-
tranenie (отстранение) para referirse a aquellos modos de proceder en el lenguaje literario que tiene como
fin el de dar una nueva perspectiva de la habitual visión de la realidad al presentarla en contextos diversos
a los acostumbrados o al representarla de un modo en el cual se nota que la representación es una ficción
-por ejemplo mediante la exageración, el grotesco, la parodia, el absurdo etc.-. Esto generalmente puede
ser experimentado en tres niveles: el lingüístico (por ejemplo al recurrir a palabras o formas estilísticas
inusuales, anormales); el nivel de los géneros literarios ya definidos pero insertos en esquemas insólitos y
el nivel de la percepción de la realidad creando situaciones o relaciones imprevistas.
405 MIRANDA, Álvaro Guilherme, A visão pessimista da literatura brasileira do século XIX sobre o Direito,
Resenha sobre o ensaio “Direito e Literatura”, de Denis Borges Barbosa, in Da Tecnologia à Cultura: Ensaios
e Estudos de Propriedade Intelectual Lumen Juris (2011), Tópicos Especiais em Propriedade Intelectual:
Semiologia e Propriedade Intelectual (INPI / PPED)
194
propriedade intelectual
Denis Barbosa observa que a questão da verossimilhança e da retó-
rica de sistemas desempenha papel ordenador do Direito: “A coerência do
sistema jurídico corresponde à ordem natural e também à ordem da ciência.
(...) há uma verossimilhança de autoridade científica, resultante do poder in-
trínseco da logicidade e da correspondência.” (2011, pp: 726-727). O sistema
da construção literária também tem sua ordenação, mas a diferença é que o
Direito, segundo ele, se vende como fazendo parte da ordem “imutável e se-
rena da Natureza, enquanto que a eficácia da obra literária ficcional se baseia
na consciência do leitor de que o universo que se lhe apresenta é (...) artificial,
obra do homem – no mecanismo mágico do estranhamento.” (2011: 727).
A questão, porém, desse estranhamento é que a literatura ficcional
pode nos fazer compreender de forma mais aguda as profundezas da natureza
humana, se é que existe uma natureza humana, do que um tratado científico
de neurociência ou psicanálise. Denis Barbosa observa que:
como notou Lukacs, a ideologia burguesa refletida nos romances de
Balzac teria uma pungência e clareza mais veemente do que todo o corpo crí-
tico da ciência social contemporânea a Eugene Grandet. Exatamente como
Jhering, Marx sentiu que a clareza da visão literária ultrapassaria de muito a
crítica científica de então. Claramente se evoca aqui a noção de estranhamento
(...). Para essa perspectiva marxista, o Direito seria outro dos discursos da ideo-
logia, caracterizado por uma ilusão de que a instância do jurídico predominaria
sobre outras práticas sociais. (2011, pp: 730-731).
Se determinadas situações da arte podem requerer o caráter de ve-
rossimilhança, esta pode ser pensada como elemento convincente, mas sem-
pre deixando claro tratar-se da não realidade.
É nesse sentido que se deve entender os critérios do CONAR ou de
outras fontes em face dos deveres das celebridades.
produtos não, por tal razão, passível de revogação com base em que levaria o
público a se enganar. Isto se dava particularmente onde o fundo de comércio
associado com a marca tenha sido cedido juntamente com o negócio que pro-
duz os bens relacionados à marca.
Portanto uma marca consistindo em um nome famoso pode ser ce-
dida mesmo se o indivíduo não permaneça posteriormente associado com o
negócio. Ainda que isso pareça um estranho resultado sob a ótica de que um
consumidor pode confundir-se achando que o designer em questão não tenha
de fato participado do design dos produtos, é indubitavelmente um reflexo do
que ocorre na vida comercial. Até que ponto, por exemplo, a Naomi Campbell
participa do desenvolvimento dos perfumes vendidos sob seu nome? Como
o Procurador Geral argumentou: ‘o usuário tem ciência da possibilidade de
divergências entre nomes pessoais usados como marcas e a participação de
tais pessoas na produção dos bens ou serviços por ele abrangidos: Todos os
consumidores sabem que um designer de moda pode transferir seu negócio
a qualquer tempo’407
407 MACQUEEN, Hector & Charlotte Waelde & Graeme Laurie. Contemporary Intellectual Property: Law
and Policy. OXFORD: Oxford University Press, 2008, p. 669-670. 16.15 Questions have been raised before
196
propriedade intelectual
Ou seja, não há lesão ao consumidor quando o titular da fama deixa
a sociedade; na economia presente a flutuação dos nomes e dos signos é es-
perada e faz parte da sensibilidade do consumidor. Ninguém espera que os
produtos da “Xuxa” sejam manufaturados pela artista pessoalmente, como
não espera que a Mônica – que endossa miríades de produtos – incorpore-se
em pessoa física e exerça controle de especificações408.
Num outro plano, mas igualmente relevante, vale mencionar a decisão
da Suprema Corte dos Estados Unidos ao repelir o uso da marca para afirmar
a subsistência de direitos exclusivos em obras autorais de domínio público409.
the ECJ concerning the assignation of trade marks which consist of the names of well-known individuals. In
particular as to whether where such an assignation occurs, but the individual does not remain involved with
the business, whether consumer deception would result. Elizabeth Emanuel v Continental Shelf (Elizabeth
Florence Emanuel v Continental Shelf 128 Case C-259/04, AG Opinion para 63) concerned the assignation,
by Elizabeth Emanuel, of the trade mark bearing her name along with a crest made up of two ‘E’s back
to back. After ownership of the trade mark had changed hands several times, Ms Emanuel opposed a
proposed amendment to the registered trade mark and applied for revocation of the existing mark on the
grounds that to let the mark stay on the register would be to deceive the public within the meaning of Arti-
cle 3 (1) (g) of the Directive. It was argued ,that a significant proportion of the relevant public would believe
that use of the trade mark indicated that the individual remained involved with the design or creation of the
goods in relation to which the marks was used, and so using the name mark in a business in which the indi-
vidual was not concerned would be deceptive. The ECJ did not accept this argument. The court ruled that a
trade mark which corresponds to the name of the designer and first manufacturer of the goods is not, for
that reason, liable to revocation on the ground that that mark would mislead the public. This was particu-
larly so where the goodwill associated with that mark has been assigned together with the business making
the goods to which the mark relates. Thus a trade mark consisting of a well-known name can be assigned
even if the individual does not thereafter remain associated with the business. Although this might seem
an odd result if the view is taken that a consumer might be confused that the named individual designer
had not actually had a hand in designing the goods, it undoubtedly reflects what happens in commercial
life. To what extent, for example, does Naomi Campbell have a hand in developing perfumes sold under her
name? As the AG had argued: ‘a user is aware of the possibility of divergences between personal names
used as trade marks and the participation of those persons in the production of the goods or the provision
of the services which they cover: All consumers know that a fashion designer is entitled to transfer his or
her business at any time’.
408 Não assim na economia de há 90 anos atrás: MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 99-100.” Se na marca há nome de pessoa, que figura como o titular,
não pode ser transferida, porque passaria a conter indicação inverídica (certo, o Tribunal de Justiça de São
Paulo, 1.° de julho de 1918, R . dos T., 26, 370, cf. 27, 19)”.
409 “The consumer who buys a branded product does not automatically assume that the brand-name
company is the same entity that came up with the idea for the product, or designed the product – and
typically does not care whether it is. The words of the Lanham Act should not be stretched to cover matters
that are typically of no consequence to purchasers.” (...) The problem with this argument according special
treatment to communicative products is that it causes the Lanham Act to conflict with the law of copyright,
which addresses that subject specifically.” Dastar Corp. v. Twentieth Century Fox Film Corp., 539 U.S. 23,
34 (2003). Vide, igualmente, a nota que se faz neste estudo sobre o caso relativa ao filme de Fellini, Fred e
Ginger.
197
propriedade intelectual
OS EFEITOS DA CUMULAÇÃO DE DIREITOS DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL – Direitos autorais x Marcas
1. Introdução
A cumulação de direitos de propriedade intelectual é uma questão
comum a todos os institutos protegidos por estes direitos. Esse fenômeno e
seus possíveis problemas têm sido objeto grandes discussões e controvérsias
em diversos países, inclusive, no Brasil. Por essa razão, o tema tem sido de-
batido de forma intensa no âmbito internacional. A ação judicial envolvendo
o maior valor já discutido no Brasil sobre o pagamento indevido de royalties
pela exploração de direitos de propriedade intelectual tem como objeto cen-
tral o questionamento da cumulação de direitos de propriedade intelectual e
seus efeitos deletérios para os interesses nacionais e para o desenvolvimento
econômico e tecnológico do país411. Entretanto, em que pese a relevância,
controvérsia e a urgência do tema, as quais dão causa à ações judiciais e a es-
tudos em busca da solução do problema. Ainda não se chegou a um consenso
acerca da abordagem adequada da questão, nem sobre os critérios apropria-
dos para a resolução ou compatibilização dos problemas originados por essas
cumulações disfuncionais.
Em vista do acima exposto, o objeto do presente artigo é realizar uma
análise introdutória sobre o fenômeno da cumulação de direitos de proprieda-
de intelectual, particularmente no tocante aos diretos de marcas cumulados
com os direitos autorais. Iniciaremos a nossa análise examinando de forma
introdutória o fenômeno da cumulação de direitos de propriedade intelectual.
Nessa etapa, definiremos o tema, discutiremos sobre a sua relevância, exami-
naremos as razões apresentadas pela doutrina para a evolução desse fenô-
meno e os motivos que contribuíram para que essa questão, em alguns casos,
se tornasse uma ameaça ao equilíbrio do sistema de propriedade intelectual.
Posteriormente, concentraremos nosso estudo sobre a cumulação de direitos
de marcas e direitos autorais. Examinaremos alguns tipos de cumulação entre
410 Doutoranda em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (UFRJ), Mestre em Propriedade Inte-
lectual e Inovação (INPI) e Especialista em Direito da Propriedade Intelectual (PUC-RJ)
411 A ação encontra-se em curso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Processo nº 001/1.09.0106915-
2 /Autores: Sindicato Rural de Passo Fundo-RS e outros /Réus: Monsanto do Brasil Ltda. e Monsanto Techo-
nology LLC /Natureza: Ação Coletiva.
199
esses dois institutos e em cada seção pertinente discutiremos ações judiciais
relativas ao tipo de cumulação comentada. A partir da matéria discutida nos
casos judiciais, tentaremos levantar elementos e questões a serem objetos de
estudos posteriores, com o objetivo de auxiliem no melhor entendimento das
questões que permeiam o fenômeno da cumulação de direitos de PI.
2.1. Definição
Derclaye & Leistner (2011, p. 3) definem a cumulação de direitos
como “the situation where two or more IPRs apply to the same physical object,
where they have partially or fully the same legal subject matter”. Tomkowikz
(2012, p. 5-7) divide o tema em duas dimensões para melhor defini-lo. Para
esse autor, existem dois tipos de cumulação de direitos: (a) overlaps in fact,
que segundo o autor são as tensões entre direitos de propriedade intelectual
que protegem diferentes bens intelectuais inseridos ou fixados em um bem
material e; (b) overlaps in Law, que em sua concepção são as cumulações de
Patricia Carvalho da Rocha Porto
diferentes DPI sobre um mesmo bem imaterial, devido ao fato deste exercer
duas funções distintas protegíveis por diferentes direitos.
200
propriedade intelectual
Em estudo anterior sobre a questão assim ilustramos a incidência de
vários bens intelectuais distintamente funcionalizados em um bem corpóreo
e a incidência da dupla ou múltipla funcionalidade de um mesmo bem intelec-
tual que coexiste em um bem corpóreo:
“Sobre um mesmo corpus mechanicum pode existir um ou vários corpus
mysticum, ou seja, sobre um mesmo bem material podem coexistir um ou
vários bens incorpóreos.
Cada corpus mysticum coexistente em um mesmo suporte pode ser412 tute-
lado por um direito de propriedade intelectual que, de acordo com a natu-
reza daquele direito, gera uma forma determinada de proteção exclusiva.
Assim, sobre um mesmo corpus mechanicum pode existir a cumulação de
diversos direitos de exclusivas oriundos da proteção do corpus mysticuns
sobre ele existente.
Por exemplo, uma garrafa de refrigerante (corpus mechanicum) pode ter
uma criação plástica e ornamental (corpus mysticum) que pode ser pro-
tegida por desenho industrial; pode ter um sinal formado por um nome
estilizado (corpus mysticum) aposto em sua garrafa, distinguindo a garrafa
e seu conteúdo de produtos idênticos ou similares, que pode ser objeto de
proteção marcária; e a garrafa pode ser feita de um material cuja compo-
sição é uma invenção (corpus mysticum) que pode ser objeto de proteção
patentária.
O corpus mysticum, normalmente exerce uma única função sobre o bem
corpóreo e por conseqüência é tutelado por um único direito de proprie-
dade intelectual, que, de acordo com a natureza daquele direito, gera uma
forma determinada de proteção exclusiva.413
Entretanto, há situações em um mesmo corpus mysticum existente sobre
um corpus mechanicum exerce duas ou mais funções distintas, ou seja, ele
passa a ser dois objetos de PI distintos, a natureza intrínseca do bem de
divide em duas.414
Por exemplo, um bem é originalmente criado para ser era uma obra de
desenho tutelado pelo direito autoral e passa a ser também uma marca,
sem deixar de ser uma obra artística.
412 [Nota do original] “Outro fundamento de grande importância do direito de participação reside na di-
ferença entre “corpus mysticum” e “corpus mechanicum”. O primeiro elemento é o espiritual, imaterial, in-
corpóreo. O segundo, é o suporte material, o mundo físico onde a obra se exterioriza. ”MORAIS, Rodrigo. O
Direito Autoral do Artista plástico na revenda de suas obras. Artigo publicado no Jornal de Cultura da Bahia,
http://www.rodrigomoraes.adv.br/artigos.php?cod_pub=32&pagina=1. Acesso em 1 de fevereiro de 2009.
413 [Nota do original] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, v. III. Rio de
Janeiro, Lumens Juris, 2010: Em primeiro lugar, não é todo bem incorpóreo resultante da produção intelec-
tual. Há alguns desses bens que não são protegidos por nenhum sistema de exclusiva. Alguns desses bens
são protegidos por algum desses sistemas, sob certas condições. Assim, esses bens incorpóreos são susce-
tíveis de proteção jurídica mesmo quando não o são (ou ainda não são) pelas exclusivas concorrenciais
414 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, v. I. Rio de Janeiro, Lumens Juris,
2010, p. 87.
201
O Mickey Mouse sempre foi conhecido por ser o personagem de um dese-
nho dos Estúdios Disney, com o passar do tempo, essa empresa investiu na
imagem do personagem como símbolo da Disney e a imagem do ratinho
simpático passou à identificar os produtos e serviços do conglomerado
Disney, tornando-se marca dessa empresa.
Verifica-se na situação acima, que em um primeiro momento o desenho
do ratinho simpático (corpus mysticum) era uma expressão artística, este
ratinho estava funcionalizado como um desenho que representava um
personagem em uma obra artística, função esta tutelada pelo regime de
direito autoral. Com essa tutela, incidia sobre o desenho uma exclusiva
cuja característica é uma proteção ampla, mas limitada no tempo.
Com o passar dos anos, o mesmo desenho do ratinho simpático passou à
ser associado à imagem da Disney e passou a identificar produtos e servi-
ços desse conglomerado empresarial. Com isso, além da função de obra
protegida pelo direito autoral, ele passou a funcionar como signo distinti-
vo e, por essa razão, quando estava cumprindo esse papel de sinal distin-
tivo, era tutelado pelo regime jurídico marcário e passou a ter proteção,
naquelas circunstâncias, por tempo indeterminado, dentro das classes que
protegem as atividades exercidas pelas indústrias Disney.
Patricia Carvalho da Rocha Porto
2.2. Relevância do tema
A cumulação de direitos de propriedade intelectual não é uma ques-
tão nova. No entanto, o debate acerca do tema e de seus efeitos tornou-se ur-
gente. Tal se dá, em grande parte, por causa das mudanças ocorridas no siste-
ma de propriedade intelectual nas últimas décadas. O aumento da relevância
financeira dos direitos de propriedade intelectual tem estimulado a criação de
novos tipos de DPI, bem como incentivado ampliação do escopo de proteção
de DPIs já existentes. Essa ampliação de proteção gerou mais oportunidades
para a ocorrência de cumulações de DPI disfuncionais. Essas disfunções afe-
tam de forma deletéria o arranjo cuidadosamente desenhado de um ou mais
DPI, a ponto de um direito anular a eficácia e os limites do outro. As patologias
advindas de uma cumulação disfuncional podem trazer inúmeras consequên-
cias negativas para a sociedade, entre elas, o aumento do tempo no qual esta
é privada do livre acesso ao um bem intelectual.
Os sérios problemas gerados pelas cumulações disfuncionais já são
objeto de importantes litígios judiciais no país. Para melhor ilustrarmos alguns
202
propriedade intelectual
dos danos possíveis de cumulações patológicas, expomos abaixo os fragmen-
tos de recentes decisões nacionais que ilustram de forma clara e objetiva a
relevância do tema e a sua atualidade:
“. Forçoso é reconhecer que, em tais circunstâncias, impedir o plantio, ou
condicioná-lo a que os orizicultores assinem contratos de pagamentos de
royalties à cessionária, é causar dano irreparável ou de difícil reparação
tanto à economia do Estado do RS, por ser um de seus principais pilares,
quanto à cadeia produtiva, e bem assim à população em geral que ne-
cessita do produto para se alimentar.
(...)
A meu ver, porém, o que aqui importa é estabelecer a respeito da dupla
proteção e respectivos atos que se entendem legais para o fim de evitar
que os recorrentes pratiquem aqueles antes referidos como direito seu
decorrente que são de seu direito de propriedade atento ao fim social a
que se destina também.
Não se pode admitir a prefalada dupla proteção modo a autorizar o proce-
der que se pretende com este recurso obstaculizar. Até porque pela Lei da
Propriedade Industrial, tendo por objeto tecnologia, no caso, denominada
Clearfield e pela Lei de Cultivares, tendo por objeto variedade de arroz,
no caso, denominada IRGA 422CL (mutagenia) porque daí decorre que,
em princípio, também não se pode admitir dupla cobrança de royalties
pelo detentor dos direitos da Carta-Patente pelo detentor do Certificado
de Proteção de Cultivar, isso porque os cultivares incorporam a tecnolo-
gia, como é sabido, e não sendo outro o motivo por que o art. 2º da Lei
9.456/97, estabelece que o Certificado é a “única forma de proteção de
cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de
suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa no País.” TJRS,
AI Nº 70021344197, Primeira Câmara Cível, Des. Irineu Marian, 12 de de-
zembro de 2007. (grifo nosso)
“... Saliento, outrossim, que as questões debatidas na presente deman-
da transcendem os interesses meramente individuais, uma vez que es-
tamos tratando de bem imprescindível para própria existência humana,
o ALIMENTO, cuja necessidade é urgente e permanente. (grifo nosso)
...
... imprescindível a análise histórica das duas legislações ora em comento
(Lei de Proteção de Cultivares nº 9.456/97 e Lei de Propriedade Industrial
nº 9.279/96), especialmente sobre a possibilidade ou não da dupla prote-
ção, passando pela UPOV de 1978 (opção brasileira), o modelo TRIPS, bem
como pela possibilidade de duplicidade (ou triplicidade) de cobrança pelas
requeridas consistentes em cobrar royalties, taxa tecnológica ou indeniza-
ção por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready (RR) para
que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, no forne-
cimento das sementes geneticamente modificadas (tecnologia RR) e, após
203
ao plantio, cultivo e colheita, nos royalties (2%) sobre o total da produção;
e, por fim, a análise individualizada das patentes trazidas pelas requeridas
(fls. 605/1002), inclusive sobre a eventual inconstitucionalidade ou não
dos arts. 230 231 da Lei de Patentes (denominadas patentes pipeline) por
força da ADIN Nº 4234-3/600. (grifo nosso)
...
O Brasil, mesmo pinçando aspectos das duas Atas (78 e 91), optou pela
revisão de 1978 que proíbe explicitamente a dupla proteção dos direitos
de exclusiva. No entanto, existem possibilidades de proteção por patentes
de invenção em aberto no quadro jurídico da Lei de 9.279/96, por força
do artigo 18, inciso III, para organismos geneticamente modificados. CO-
MARCA DE PORTO ALEGRE – 15ª VARA CÍVEL – 1º JUIZADO / Processo nº
001/1.09.0106915-2 /Autores: Sindicato Rural de Passo Fundo-RS e outros
/Réus: Monsanto do Brasil Ltda. e Monsanto Techonology LLC /Natureza:
Ação Coletiva /Data da Sentença: 04.04.2012 /Juiz Prolator: GIOVANNI
CONTI” (Grifo nossos.).
tral para aumento dos casos de cumulação de DPI. Verificamos ainda que este
aumento que está acontecendo de forma não planejada. A consequência é
o crescimento de casos de cumulações disfuncionais, com efeitos deletérios
para o sistema de PI e para toda a sociedade moderna.421
418 Com o recrudescimento dos direitos de propriedade intelectual, com o aumento de objetos protegi-
dos pelo mesmo direito, com a criação de novos institutos de propriedade intelectual, com os escopos ini-
ciais de proteção alargados, com legislações que geravam interpretações errôneas, e com a livre utilização
do instituto da concorrência desleal como argumento comum para a extensão da proteção exclusiva, novos
problemas envolvendo sobreposição de direitos entre institutos de propriedade intelectual apareceram.
DERCLAYE & LEISTNER. ( 2011, p. 5).
419 Dentre elas podemos citar o aumento do escopo das proteções já existentes, a criação de mais formas
de proteção dentro de um mesmo instituto, o aumento do tempo de proteção, à relevância dessa proteção
para os titulares do direito, a ampliação geográfica dessa proteção.
420 “With the signing of the TRIPS5 in 1994, the international protection of IPR, until then organized ex-
clusively under the aegis of the World Intellectual Property Organization (WIPO), moved into the sphere of
competence of the WTO (Zhang, 1994) This adoption of IPR protection into the domain of the WTO was of
considerable importance. It signified the enforcement, for and on behalf of the WTO, of international stan-
dards largely based on the ones established in the most advanced countries. Coming after the considerable
reinforcement of IPR in the Northern countries, the signing of the TRIPS heralded the enforcement of this
new, stricter patent regime on a worldwide scale (Remiche and Desterbecq,1996; Reichman and Lange,
2000). The new treaty, by implementing so-called minimum standards, insured a dramatic worldwide up-
ward harmonization and has introduced a radical break with some of the foundations and rules which had
hitherto shaped international IPR protection.”CORIAT, ORSI, & D`ALMEIDA (2007, p. 07).
421 Tal conclusão é corroborada pela análise de autores que pesquisam extensamente o tema, como Viva
Moffat e Dinwoodie, que atribuem o aumento dos tipos de cumulação de direitos sobre um bem intelec-
tual, assim como a maior incidência de cumulações deletérias muito mais ao expansionismo indevido dos
direitos de DPI do que a uma necessidade de evolução do sistema para se adequar às mudanças econômi-
cas e tecnológicas ocorridas nas últimas décadas: “… overlapping protection has arisen mostly by accretion,
as a result of the expansion of intellectual property rights, rather than by design. An examination of the
208
propriedade intelectual
Para finalizarmos essa seção, achamos importante também para a
contextualização da questão aqui estudada ponderamos que a propriedade
intelectual e seu regime de exclusão são criações artificiais, um direito que
nasce da Lei e não um direito natural. Os direitos de exclusividade foram cria-
dos artificialmente pelo Estado para reequilibrar o mercado e beneficiar a so-
ciedade. Uma das teorias econômicas que justificam o sistema de exclusiva
hoje vigente é a defensora do equilíbrio da falha de mercado.422 Entretanto,
o que deve ser observado nesta teoria é que o objetivo principal da criação
artificial de um regime jurídico e econômico de propriedade intelectual, que
gera a restrição ao acesso desses bens pela sociedade, é justamente a geração
de mais bens intelectuais com base nos conhecimentos gerados pelos bens já
criados e a livre utilização deles pela sociedade, ao final de um determinado
período, após o razoável retorno do investimento gasto pelo titular do bem
intelectual.423
reasons for the expansion of intellectual property rights supports the notion that the overlapping protection
that has arisen has been less intentional and more likely a byproduct of a general expansionist, pro-property
rights trend. Interest group politics, resource disparities, and, to some extent, rent-seeking account for the
growth of intellectual property rights in almost all directions. Some expansion certainly can be attributed
to the demands of changing technology, but the overwhelming influence of powerful interest groups can-
not be discounted in examining the nature of the expansion that has occurred (Moffat, 2004, p. 1496).”.
“To these theoretical explanations of the causes underlying the increased overlap of different intellectual
property rights, there must be added two practical, historical reasons: the inter-relationship of different in-
tellectual property rights, and the role of opportunistic lawyering. The expansion of trade dress protection in
the United States beyond packaging and the shape of containers can be traced to 1976, when the long-awa-
ited revision of the U.S. copyright statute occurred. Up until the last minute, the copyright statute contained
two titles. The first was what became the Copyright Revision Act of 1976. The second was a copyright-like
design law, which would have offered design protection to original ornamental designs. At the last minute,
that second title was dropped.29 The same year saw the first recognition by a federal appellate court that
the design or shape of a product could itself be protected as a trademark.30 These events are probably not
unrelated: the pressure to grant trademark protection to product designs starting in 1976 would surely have
been less intense had Congress enacted an appropriate form of design protection. This highlights an impor-
tant point, namely that the expansion of protection in one intellectual property regime is often a product as
much of external developments than reforms internal to that regime. And, perhaps, the normative validity of
those expansions should also take account of such external considerations (Dinwwodie, 2001, p. 9).
422 Essa teoria, resumida de forma livre, sustenta que a regra é a livre concorrência de mercado e a
liberdade de cópia. No entanto, tais regras para os bens intelectuais acabam por gerar uma eliminação
do valor econômico desses, pois quando um bem intelectual é colocado no mercado, sem a devida re-
gulação, a liberdade de cópia elimina o retorno do investimento feito para a criação dessa obra deses-
timulando o investimento e a inovação na geração de novos bens desta natureza, que muito auxiliam o
desenvolvimento de nossa sociedade. Como o que gera valor em nossa economia de mercado é a escas-
sez, a tendência é que esses bens de livre e ampla utilização percam o seu valor econômico, levando, por
consequência, ao não desenvolvimento da sociedade, uma vez que tanto criadores quanto investidores
não inovarão mais na geração de conhecimentos para melhorar a qualidade de vida de todos. Tal falha
desequilibra o mercado e a livre iniciativa, forçando o Estado a intervir e criar uma limitação artificial para
o acesso aos bens intelectuais, o que torna o abundante escasso, aumentando assim, o valor do bem.
Vide neste sentido: Denis Barbosa, Op. Cit, 2003; GORDON, Wendy. Fair Use as Market Failure: A Structural
and Economic Analysis of the Betamax Case and Its Predecessors, Columbia Law Reviw. n. 82, 1982, p.
1600-1657 .
423 Como colocamos em texto anterior: “A propriedade intelectual seria um remédio para o desbalance-
amento do mercado, estimulando os inventores a criarem e os comerciantes a investirem para beneficio
209
Para atender ao objetivo e finalidade do sistema de propriedade in-
telectual, cada instituto foi criado com fundamento em uma justificativa po-
lítico-econômica e, no caso de alguns países, como o Brasil, também cons-
titucional. Cada um deles tem uma função determinada, devendo respeitar
o princípio da especificidade das proteções424. Seus domínios devem ficar
adstritos aos limites, principalmente ao de espaço e tempo, criados por essa
justificativa e delimitados por essas funções e especificidades.425 É o que de-
monstra a discussão sobre a superação do paradigma “One size fits all” para
um sistema “Self Taylored” para cada bem tutelado por PI, que se discute a
necessidade de tratamento personalizado para cada bem de PI (Kur & Miza-
ras, 2011; Dinwoodie, 2011).
final da sociedade e da economia de mercado no caso das marcas. Entretanto, o sistema de proteção de
PI se torna um veneno se utilizado em excesso e a consequência desse excesso de direitos é o desequilíbrio
novamente do sistema. É exatamente o que acontece com a sobreposição de direitos de PI, que acaba por
dar mais direitos para o titular e diminuir a contrapartida justa que a sociedade deveria receber.” PORTO.
Patricia Carvalho da Rocha. Limites à Sobreposição de Direitos de Propriedade Intelectual. Revista da ABPI
nº 109, 2010, p. 6.
424 Denis Barbosa (v. II, 2010) em notável contribuição à discussão acima, estabeleceu o princípio da
especificidade do bem intelectual com relação à necessidade de se individualizar o modelo de proteção
de cada criação enquanto objeto de um direito de exclusiva, levando em conta as características singulares
desta. Segundo Barbosa (v. II, 2010), tal princípio poderia ser assim expresso: “Cada direito de propriedade
intelectual terá a proteção adequada a seu desenho constitucional e ao equilíbrio ponderado dos interesses
aplicáveis, respeitado a regra de que só se pode apropriar o que não está no domínio comum”. Verificamos,
portanto, que é tarefa difícil, e, em alguns casos, impossível, tratá-los e regulá-los, protegê-los, incentivá-los
de forma homogênea.
425 Vide maiores explicações sobre esta ponderação em: BARBOSA (2010, v. 1 p. 84-85 e 310 a 311).
210
propriedade intelectual
3.1. Justificativas para a existência do sistema de propriedade das marcas
e dos direitos Autorais426
O regime marcário objetiva a proteção ao investimento do titular e a
sua posição na concorrência, bem como a proteção ao consumidor contra a
confusão e redução do custo de informação que esse consumidor terá para
escolher o produto ou serviço desejado427. A marca tem como funções prin-
cipais a o assinalamento e a distinção do produto ou do serviço pelo signo
individualizando-os e diferenciando-os de outros da mesma espécie, mas de
origens distintas, evitando assim a confusão quanto a esta origem no merca-
do. Essa distinção garante à sociedade uma informação que a protege quanto
ao erro de origem do produto ou serviço e proporciona uma percepção por
parte do consumidor de qualidade e consistência do produto consumido, ge-
rando assim, um vínculo de confiança entre marca e consumidor, mesmo que
esses efeitos sejam somente mercadológicos.428 Por conta de seus objetivos e
finalidades, o regime geral de proteção marcária oferece uma tutela exclusiva,
em teoria, eternamente prorrogável, desde que os requisitos para a proteção
da marca continuem presentes. Entretanto, essa proteção é restringida ao ter-
ritório onde a marca foi requerida ou atua economicamente e somente nas
áreas de atuação econômica do objeto assinalado pela marca. Levando em
conta a justificativa acima, é razoável o recorte de proteção escolhido para
a marca, possibilitando uma proteção sem limitação no tempo, pois a ma-
nutenção de sua distinção e a sua vinculação constante a uma única origem
beneficiam tanto o seu titular quanto a sociedade.
A justificativa atual do sistema de proteção dos direitos autorais é
a retribuição econômica ao autor por sua criação intelectual para que este
tenha meios e estímulos para continuar com a sua produção criativa. Objetiva-
se por meio da difusão das obras intelectuais o aumento do acesso por parte
da sociedade ao conhecimento e à cultura, estimulando, assim, a produção de
novas criações (Souza, 2006, p. 284 e ss).
A tutela autoral teve suas raízes em dois objetivos e justificativas de
proteção distintos. Na Inglaterra, com o estatuto da Rainha Anna em 1710, ini-
426 Mais informações sobre a justificativa jurídica e político-econômica dos regimes marcário e de direito
autoral podem ser obtidas nas obras: LANDES, William & Richard Posner The Economic Structure of Intel-
lectual Proprety Law. Cambridge: Belknap Press, 2003; Souza, Allan Rocha. A Função Social dos Direitos
Autorais. Campos: Faculdade de Direito de Campos. 2006; ASCENSÃO. José de Oliveira. Direito Autoral. Rio
de Janeiro: 2007,
427 Assim entendeu o Senado Americano ao estabelecer o propósito da Lei de Marcas dos Estados Unídos
em 1946. SEN. REP. No. 1333, 79th Cong., 2d Sess. 3 (1946).
428 Mais informações sobre a percepção da qualidade nas marcas pelos podem ser obtidas na obra:
Quando a propriedade industrial representa qualidade. Patricia Carvalho da Rocha Porto. Rio de Janeiro:
Lumens Juris, 2011.
211
cialmente deu-se ao autor o privilégio sobre a reprodução material da obra,
com o objetivo de proteger os investimentos dos editores e impedir a reprodu-
ção não autorizada das obras por eles impressas publicadas (Ascensão, 2007,
p. 4-5;Souza, 2006, p. 284 e ss). Logo após, ainda no sec. XVIII, principalmente
na França, por causa da Revolução Francesa, a proteção passou a recair sobre
produção literária em sua essência, esta como propriedade do Autor, e não so-
mente na sua materialidade. (Ascensão, 2007, p. 4-5). Estabeleceram-se então
dois sistemas de proteção vigentes simultaneamente em diferentes países.
O atual regime geral de proteção dos direitos autorais garante a exclu-
sividade ao autor ou ao titular da obra na exploração desta em todo o mundo.
Todavia, essa proteção tem um tempo limitado, devendo após o seu término
ser franqueada a utilização da obra ao domínio público. Segundo a justificativa
do sistema de DPI, a proteção autoral por ser uma limitada no tempo atende
às necessidades tantos dos autores, quanto da sociedade.
Verifica-se do exposto, que os objetivos do sistema de proteção mar-
cária e autoral são distintos em seu modelo de tempo e escopo de proteção,
Patricia Carvalho da Rocha Porto
being only subject to the level of originality required. And it is submitted here that there is a certain ten-
dency to lower that threshold, not least in view of the fact that also the notion of creativity and the attitude
towards creative achievements worthy of protection nowadays tends to be somewhat different – i.e. more
materialistic (and realistic?) – than before.” (Kur, 2001, p. 2-3)
439 “In this climate, the scope of protection under a particular intellectual property regime is defined
conceptually and purposively, rather than categorically. For example, the limits of copyright protection will
now be set by the concepts of originality and fixation, rather than by inclusion within classifications such
as “work of art.”17 In the United States, the standard of originality requires only that the work be inde-
pendently created and possess a minimal degree of creativity.18 The limits of trademark subject matter will
be set by notions of distinctiveness: does the design serve to identify the product as that of one undertaking
as opposed to another? Design protection will be available if the design is new and differs sufficiently from
what has gone before (Dinwoodie, 2001, p. 5-6)
215
3.3. A dupla proteção no ordenamento nacional
Passamos a expor agora os dispositivos nacionais que versam de for-
ma geral sobre a possibilidade de dupla proteção de um mesmo bem pelo
regime das marcas e dos direitos autorais e os limites.
O artigo 7º, VIII da Lei 9610/98 – LDA prescreve que as obras de dese-
nho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética são passíveis de pro-
teção pelos direitos autorais. O artigo 8º da mesma lei esclarece, entretanto,
que o aproveitamento comercial e industrial das ideias contidas nas obras não
gozam dessa proteção.
Observamos que as obras intelectuais que consistam em desenhos,
esculturas, pinturas, gravuras, artes cinéticas - todos eles elementos que po-
dem constituir parte ou todo de marcas registradas, incluindo marcas tridi-
mensionais - podem ser protegidos pelo direito autoral desde que (1) atendam
aos requisitos de proteção pelo direito autoral; (2) não constituam aproveita-
mento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras
Com relação à proteção como signo distintivo, o artigo 124, XVII da
Patricia Carvalho da Rocha Porto
Lei 9279/96 – LPI estipula que não são registráveis como marca as obras lite-
rária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo
direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo
com consentimento do autor ou titular.
Ao interpretarmos o conteúdo da norma acima, verificamos que as
obras intelectuais e seus títulos protegidos pelo direito autoral podem ser re-
gistrados como marca desde que (1) atendam aos requisitos gerais para aqui-
sição da proteção marcária; (2) não sejam suscetíveis de causar confusão ou
associação; e (3) que o autor ou titular da obra intelectual dê autorização para
o registro desta como marca.
As diretrizes de análise de marcas do INPI, de 11/12/2012, na seção
3.4.11, interpretam as disposições do inciso XVII da LPI e estabelecem parâ-
metros – inclusive com exemplos - que devem ser seguidos pelos técnicos
quando do exame para a concessão de registro para esse tipo de marca.
Após o a análise das normas acima, notamos que elas, dentro de cer-
tas condições, permitem a dupla proteção de uma obra como marca e como
direito autoral. Entretanto, não verificamos em tais normas e diretrizes dispo-
sições que estabeleçam limites ou parâmetros que devam ser observados em
caso de conflitos relativos a esta dupla proteção.
216
propriedade intelectual
4. D.A. X Marcas: tipos de cumulação
Veremos agora algum dos tipos de cumulações possíveis entre DA e
marca, assim como seus limites. Quando pertinente, indicaremos na legisla-
ção pátria os dispositivos que regulam o tipo específico de dupla proteção.
Apresentaremos também alguns casos judiciais relativos às cumulações aqui
identificadas.
217
ao INPÍ, vale como obra artística e, assim, prospera também em parte a
reconvenção ofertada pelo autor (fls. 241), apenas para condenar a recon-
vinda a abster-se do uso do logotipo Personna na forma idealizada pela
empresa Dap Design - Projeto e Consultoria S/C Ltda, sob pena de multa
diária de R$ 5.000,00. (...)
No mesmo diapasão, a ação, nos termos em que foi posta, é proceden-
te apenas em parte, na medida em que fica condenada a ré a abster-se
do uso do logotipo Personna, na forma idealizada pela empresa de design
contratada pelo autor em sua atividade comercial, sem embargo do uso da
marca Personna da qual é titular, empresa da qual a ré é sócia, sob pena
de multa diária de R$ 5.000,00.” Décima Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, AC
61.692-4/8, Des. Ruy Camilo, 24 de novembro de 1998.
440 As diretrizes de análise de marcas (2012) assim se manifestam acerca da proteção dos personagens;
“Os nomes de personagens não estão protegidos pelo inciso XVII do Art.124 da LPI e nem pela lei de Direi-
tos Autorais, não merecendo proteção excessiva. O que se protege é o desenho do personagem (por ser
obra artística), que esteja associado ou não ao seu nome. Entretanto, em casos que o nome do persona-
gem remeta apenas à obra e seja suscetível de causar confusão ou associação com aquela, será formulada
exigência para que seja apresentada autorização do detentor do direito autoral, caso não seja o próprio ou
terceiros por ele autorizados.”
219
ce para impedir que o fim de um direito signifique o fim da possibilidade da
exploração exclusiva da obra. Portanto, ao fim da proteção de algum dos direi-
tos de propriedade intelectual relativos aos seus personagens, essas empresas
travam intermináveis batalhas judiciais para de alguma forma ter reconhecido
outros direitos que as possibilitem estender o tempo e o escopo da proteção
exclusiva sobre o personagem.
O comportamento incisivo, persistente e, por vezes, desleal e agressi-
vo das empresas titulares dos direitos de personagens famosos também pode
vir a prejudicar a livre e lícita concorrência. Em muitos dos casos nos quais a vi-
gência de algum dos direitos sobre os personagens expira, os titulares atacam
seus concorrentes ao menor uso por estes obras na modalidade já expirada.
A alegação desses titulares é a de que a proteção que lhes resta é suficiente
para coibir o uso do bem mesmo na função já livre. O que resulta em agressi-
vas ações judiciais contra seus concorrentes. Os titulares, ainda, utilizam-se de
inúmeros expedientes para convencer o juízo a impedir o acesso de terceiros
a obra. E, em não conseguindo em primeira instância, perpetuam o litígio com
os recursos judiciais possíveis. O objetivo é tornar a defesa judicial do concor-
Patricia Carvalho da Rocha Porto
rente inviável e, dessa forma, forçar a desistência do uso da obra por este.
Algumas das consequências do cenário destacado é o desbalanceamento do
sistema de PI, a mitigação do domínio público, o desequilíbrio da livre concor-
rência, a limitação do acesso da sociedade à cultura entre outros danos. Por
conseguinte os autores encontram nesse tema rico material para discussão e
de grande relevância, dado ao potencia lesivo do assunto.
Trazemos como exemplos três casos que versam sobre personagens
mundialmente conhecidos. Ao que pese uma das ações ter acabado em acor-
do entre as partes, todos os casos proporcionam relevantes reflexões.
A primeira diz respeito aos direitos do coelhinho Peter Rabbit, que
ilustra obra de autoria de Beatrix Potter. A autora criou o desenho do simpá-
tico coelhinho Peter Rabbit para ilustrar a história de sua autoria denominada
“The Tale of Petter Rabbit”, a qual tinha o coelhinho como personagem cen-
tral. Em 1902, a Editora de Frederick Warne editou a história de autoria de
Beatrix, bem como adquiriu os direitos materiais relativos à obra e ao coelhi-
nho. Anos depois, mesmo com os direitos autorais sobre as obras já expirados
a empresa Waner ingressou na Justiça contra um concorrente441 que estava
utilizando o desenho do coelhinho em domínio público para ilustrar obras de
sua autoria. Warner pediu na justiça a proibição da utilização do desenho de
Petter Rabbit alegando que detinha sobre tal desenho, além de direitos auto-
441 Frederick Warne & Co. v. Book Sales, Inc., 481 F.Supp. 1191, 1195 (S.D.N.Y. 1979)
220
propriedade intelectual
rais, direitos marcários. Por tal razão, mesmo que os direitos autorais já tives-
sem expirados o concorrente não poderia utilizá-los, pois estaria violando o
seu direito marcário.
Em audiência preliminar o Tribunal competente se manifestou no sen-
tido de permitir a cumulação subsequente de direitos, caso a Warne conse-
guisse comprovar que o personagem Peter Rabbit passou a ser associado pelo
público como marca da empresa por meio de significação secundária. O caso
terminou em acordo (Moffat, 2004), mas a manifestação preliminar do juízo
acenou para uma aceitação da proteção subsequente do bem como marca,
e seu uso exclusivo por parte da Warne, sob o argumento de que o uso por
terceiro do desenho, mesmo que fossem em livros, violaria o direito de mar-
ca por causar confusão nos consumidores.442 Ao comentar o caso em artigo
sobre cumulação de direitos, Viva Moffat (2004) argumentou que se tal deci-
são por parte do Tribunal se concretizasse, esta configuraria uma ampliação
indevida dos direitos exclusivos sobre esse bem, em detrimento do interesse
da sociedade ao livre acesso da obra após a expiração da sua proteção por
direito autoral.443
Apresentamos outro caso de enorme repercussão mundial, dessa
vez recente, o qual teve início em 2013 e decisão final proferida em junho de
2014. O referido caso versa sobre a proteção exclusiva do personagem Sher-
lock Holmes. Os direitos sobre as primeiras obras de autoria de Connan Doyle
(falecido em 1930), onde o personagem aparece, já se encontram em domínio
público. Entretanto, os herdeiros do autor se insurgiram contra a o Editor Les-
lie Klinger que estava para publicar uma antologia sobre as obras com o perso-
nagem. Os herdeiros exigiram o pagamento de direitos autorais pela utilização
do personagem alegando direitos cumulados subsequentes relativo às obras
cuja data de criação ainda estava dentro do prazo de tutela pelo direito auto-
442 Vide trecho da decisão na parte pertinente: “fact that a copyrightable character or design has fallen
into the public domain should not preclude protection under the trademark laws so long as it is shown to
have acquired independent trademark significance, identifying in some way the source or sponsorship of the
goods.” (…) “It would not be enough that the illustrations in question have come to signify Beatrix Potter as
author of the books; [Warne] must show that they have come to represent its goodwill and reputation as
Publisher of those books.” Frederick Warne & Co. v. Book Sales, Inc., 481 F.Supp. 1191, 1195 (S.D.N.Y. 1979)
443 Frederick Warne & Co. sought to establish and maintain its trademark rights in the pictures of Peter
Rabbit while the copyright was in effect and then continued to press those trademark rights after the copy-
right expired. Here as well, the drawings of Peter Rabbit initially were the product, or part of the product, and
then became, at least according to the plaintiff, a trademark signifying the source of the product. Frederick
Warne demonstrates the way in which the expanded notion of trademarks and trademark rights has led to
overlap. The conclusion that Peter Rabbit has risen to trademark status is a stretch, yet the court did not
appear reluctant to confer trademark rights on Frederick Warne & Co. It is hard to believe that the picture of
Peter Rabbit has come to function as a trademark or that there is really a significant risk of confusion in this
instance. Indeed, it is only if the trademark rights are granted here that people will come to associate Peter
Rabbit with a single source rather than believing that he is part of the public domain (Moffat, 2004. p. 1509).”
221
ral. Após ameaças concretas dos herdeiros no sentido de impedir, inclusive na
justiça o uso das obras, Klinger se viu obrigado a propor ação declaratória de
não violação de direitos de exclusiva e de reconhecimento do domínio público
das obras. Os autores perderam em primeira instância, mas recorreram argu-
mentando que as características do personagem não poderiam ser divididas
em aspectos protegidos ou não protegidos. Alegaram ao juízo que permitir
que terceiros utilizem o personagem de forma livre em outras obras acarreta
a alteração nas características intrínsecas do personagem criado por Doyle
e que essa alteração viola os direitos morais sobre o personagem, devendo,
assim, serem estes resguardados.
Os argumentos dos herdeiros não prosperaram. O juízo entendeu
indevida a requerida cumulação subsequente de direitos em detrimento do
direito principal em domínio público. Ademais, deixou claro em seu julgado
que constatou que a real intenção da oposição dos herdeiros aos usos livres
da obra não residia na proteção moral das características do personagem,
mas sim no objetivo de perpetuar os ganhos com a utilização exclusiva dos
mesmos em detrimento da sociedade. O juízo ainda esclareceu que permitir
Patricia Carvalho da Rocha Porto
222
propriedade intelectual
rial, and so forth. The smaller the public domain, the more work is involved
in the creation of a new work. The defendant’s proposed rule would also
en-courage authors to continue to write stories involving old characters in
an effort to prolong copyright protection, ra-ther than encouraging them
to create stories with entirely new characters. The effect would be to dis-
courage creativity.
(...)
Anyway it appears that the Doyle estate is concerned not with specific al-
terations in the depiction of Holmes or Watson in Holmes–Watson stories
written by authors other than Arthur Conan Doyle, but with any such story
that is published without payment to the estate of a licensing fee.
(..)
The spectre of perpetual, or at least nearly perpetual, copyright (perpe-
tual copyright would vio-late the copyright clause of the Constitution,
Art. I, § 8, cl. 8, which authorizes copyright protection only for “limited
Times”) looms, once one realizes that the Doyle estate is seeking 135 years
(1887–2022) of copyright protection for the character of Sherlock Holmes
as depicted in the first Sher-lock Holmes story” Klinger v. Conan Doyle
Estate, Ltd., US 7th Cir. June 16, 2014 as written by Jude Richard Posner.
223
A terceira decisão apresentada nos permite perceber alguns elemen-
tos que podem auxiliar também futura investigação acerca da correta identi-
ficação de direito a ser protegidos em casos de cumulação de DPI. O caso em
questão versa sobre a violação por um terceiro de personagens em quadrinho
de titularidade das empresas Warner, Hanna Barbera e Disney. Inconformadas
com tal uso não autorizado, as empresas titulares entraram na justiça pedindo
a abstenção do uso da obra por parte do terceiro e a condenação deste por
violação de direitos autorais e de marca, bem como respectiva indenização.
O juízo, em sede de Recurso Adesivo, entendeu que o uso se tratava de uso
como marca e não de uso dos personagens como objeto de direitos autorais.
Restou para o juízo comprovada a contrafação marcária e o Réu foi condena-
do a indenizar os Autores na forma da LPI. Entretanto, as Autoras recorreram
da decisão requerendo não só a indenização prevista na LPI acerca da contra-
fação marcária, mas também a indenização prevista no artigo 103 da LDA, sob
a alegação de serem titulares também dos direitos autorais dos personagens.
Ou seja, as Autoras queriam o reconhecimento da dupla proteção para fazer
jus a uma “dupla indenização”.
Patricia Carvalho da Rocha Porto
224
propriedade intelectual
senhos industriais, “mas sim, a marca registrada, nos termos do art. 129 da
LPI”, de sorte que, “os atos das Recorridas decorreram tanto em violação
das obras intelectuais ..., como em infração de marca registrada e de con-
corrência desleal, ...” (f. 2295). Por isso entendem que à indenização já fixa-
da na sentença deve ser acrescida a indenização prevista na Lei 9.610/98,
em especial quanto à previsão de seu art. 103 e seu parágrafo único.
(...)
3. A despeito desse necessário intróito, tenho que o recurso adesivo não
merece provimento.
3.1. Nem sempre é fácil distinguir direito autoral de direito à propriedade
industrial, o que dificulta, na prática, a definição da tutela legal incidente.
A propósito, veja-se o que anota o doutrinador português José de Oliveira
Ascensão, tratando da legislação brasileira: “A Propriedade Industrial refe-
re-se a diferentes bens, como as marcas e os inventos. Neste último caso é
máximo o seu parentesco com o direito de autor, pois o autor da invenção
também é protegido (...).
Noutros casos pode haver dúvidas sobre a atribuição de certa matéria ao
Direito de Autor ou à Propriedade Industrial. (...)”4.
Esse parece ser bem o caso dos autos.
A sentença, no que se refere à indenização, determinou a aplicação da Lei
de Proteção à Propriedade Industrial (artigos 208 a 210), e as apelantes
adesivas querem que também seja aplicada a Lei de Proteção ao Direito
Autoral (artigos 102 e 103), em “adição” (f. 2.296).
Com a devida vênia, não vejo como aplicar referidas leis em conjunto, no
caso, para fins de fixação da indenização devida.
O autor acima citado fez esse questionamento ao tratar de obras de arte
aplicadas:
“E pode recorrer [o prejudicado] cumulativamente a ambos [tutela do di-
reito autoral e tutela do direito industrial]?”
E assim respondeu:
“Embora o ponto seja duvidoso, inclinamo-nos para a resposta negativa.
Cada qualificação traz um sistema completo de proteção ...”.5
Assim, já tendo sido aplicadas as disposições da Lei de Proteção Industrial,
é de se repelir a incidência cumulativa das disposições da Lei de Proteção
ao Direito Autoral, até para afastar o risco de”bis in idem”.
3.2. Além disso, a indenização também deve se nortear por critérios de
proporcionalidade e razoabilidade. E isso inegavelmente foi observado
pela sentença, posto que a aplicação da Lei de Propriedade Industrial, no
caso, mostra-se suficiente para o ressarcimento das apelantes, na medi-
da em que elas não demonstraram, concretamente, o contrário (o que,
225
inclusive, traz o risco de eventual enriquecimento indevido, a ser sempre
evitado).
E veja-se o que também ensina a doutrina ao comentar essas disposições:
“Na verdade, o sistema brasileiro de reparação civil não tem o caráter puniti-
vo; e tal característica é tão arraigada e central, que merece, a nosso ver, pro-
teção da cláusula do substantive processo of Law da Constituição de 1988.
Assim, para não infringir a Constituição, o juiz tem de escolher em cada caso
o método mais adequado a corrigir o dano, ainda que não seja o mais favo-
rável ao titular (...). As regras do art. 210 do CPI/96 permitem, certamente,
tal aplicação prudente do princípio da plena indenização, desde que se mo-
dere o excesso do dispositivo, ajustando-o ao standard constitucional” 6.
(...)
3.3. Não fora isso, parece mesmo não ser o caso de aplicar a Lei do Direito
Autoral.
(...)
3.4. Por fim, também a Lei de Proteção Autoral é expressa ao prever que
escapam de sua proteção, dentre outros, o”aproveitamento industrial ou
comercial das idéias contidas nas obras” (inc. VII, do art. 8º). No caso, é
Patricia Carvalho da Rocha Porto
444 *Fato que só corrobora com o nosso entendimento de que endereçar corretamente a solução de um
conflito de cumulação de DPI é tarefa complexa e que demanda análise cuidadosa das partes e suas rela-
ções com o bem. E, inclusive, esta dificuldade de entendimento do tema pelas partes envolvidas no conflito
e, até mesmo, pelos magistrados, é um dos elementos que facilitam atos oportunistas dos titulares.
226
propriedade intelectual
dimento do Tribunal de que “já tendo sido aplicadas as disposições da Lei de
Proteção Industrial, é de se repelir a incidência cumulativa das disposições da
Lei de Proteção ao Direito Autoral.
445 José de Oliveira Ascensão (2002) guarda entendimento que alguns títulos, em casos relativamente
raros, têm originalidade, significado e estrutura complexa o suficiente para serem considerados por si só
pequenas obras. Nesses casos, o autor entende que essas obras seriam passíveis de proteção pelo direito
autoral, inclusive, isoladamente.
446 Acerca da interpretação dos termos “original”, “inconfundível” e “gênero” no âmbito do artigo 10 da
LDA, vide decisão proferida pela Juíza Fernanda Rosado Sousa, no processo nº 2001.001.0203867, em trâ-
mite na 26ª Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro, em 31/01/2012. Com relação ao requisito da originalida-
de, a juíza entendeu que um título para ser considerado original não pode ser reconhecido como expressão
comunmente associada ao tema da obra. A Juíza entendeu que para ser considerado “inconfundível” o
título deve e ser distinto de outros títulos já existentes. Por fim, acerca da expressão “gênero” a magistrada
informou que esta expressão se refere à categorização da obra segundo o seu gênero, ou seja, obra do
gênero se literária, audiovisual, musical, etc.
227
na LPI. De forma geral a LPI no artigo 122 garante proteção marcária para si-
nais visualmente perceptíveis não compreendidos nas proibições legais, bem
como, no artigo 123, I que protege as marcas de produtos. As embalagens e
os produtos são protegidas como marcas tridimensionais.
As diretrizes de análises de marca do INPI (2012), no item 1.3.4, con-
ceitua a marca tridimensional como o sinal constituído pela forma plástica
distintiva do produto ou do seu acondicionamento ou da sua embalagem.
Cabe observar a ressalva feita pelo artigo 124, XXI da LPI que proíbe o
registro como marca da forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de
acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito
técnico. Ou seja, a marca tridimensional não pode (a) ser uma forma comum
ou vulgar e (b) deve ser capaz de ser dissociada de efeito técnico.
Cumpre observar, acompanhando as lições de Denis Barbosa (2008),
que os produtos, as embalagens e seus rótulos não são de forma primígena
obras criadas para distinguir e criar um vínculo entre o produto e a sua ori-
gem, mas sim para se presentificar como produtos, acondicioná-los e funcio-
Patricia Carvalho da Rocha Porto
447 Vide leading case sobre a questão: Wal-Mart Stores, Inc. V. Samara Brothers, Inc.. Caso decidido em
22 de março de 2000 pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
228
propriedade intelectual
4.5. Caso Dior x Evora
A empresa Christian Dior além de titular dos direitos autorais dos de-
senhos dos frascos de seus perfumes é titular de marcas constituídas por tais
elementos. Os perfumes Dior são bens destinados ao segmento de luxo e são
vendidos para um público diferenciado. Em 1996, a Rede de farmácias Évora
vendia os perfumes da Dior. Os produtos em questão eram importados, mas
adquiridos de forma legal. A Rede Évora anunciou alguns dos perfumes da Dior
que revendia em seu encarte promocional de natal. Para ilustrar a sua propa-
ganda, utilizou a imagem dos frascos dos perfumes que estava vendendo. As
imagens dos perfumes indicavam fielmente os produtos pela rede licitamente
vendidos e a publicidade foi realizada de forma compatível com o costume do
segmento mercadológico. Não obstante, a Dior não aprovou a utilização da
imagem das embalagens de seus perfumes em um encarte proporcional de
farmácia. Ela entendia que tal uso denegria a imagem da marca prejudicava o
seu prestígio perante aos clientes de luxo.
Inconformada por não poder se opor à exposição da imagem dos fras-
cos com base no direito marcário, visto que a Rede Évora tinha o direito de
vender os produtos, assim como anunciá-los em seus veículos de promoção.
A empresa Dior entrou com uma ação no Tribunal de Benelux pedindo que
a rede Évora fosse impedida de publicar as imagens dos seus perfumes com
base nos direitos autorais que a Dior detinha sobre os desenhos dos frascos.
Um conflito de interpretação acerca de uma norma da Comunidade Europeia
fez com que o caso fosse encaminhado para ser decidido pela Corte de Justiça
dessa Comunidade.
A Corte entendeu que independente de reconhecimento cumulati-
vo ou não de direitos, a proteção conferida pelo direito de autor, no que diz
respeito à reprodução de obras exibidas em publicidade de revendedor não
pode, em qualquer caso, ser mais ampla do que aquela que é conferida pelo
direito marcário nas mesmas circunstâncias:
“...there being no need to consider the question whether copyright and
trade mark rights may be relied on simultaneously in respect of the same
product —, it is sufficient to hold that, in circumstances such as those in
point in the main proceedings, the protection conferred by copyright as
regards the reproduction of protected works in a reseller’s advertising
may not, in any event, be broader than that which is conferred on a trade
mark owner in the same circumstances.” Case C-337/95 (Parfums Chris-
tian Dior SA and Parfums Christian Dior BV v. Evora BV). – ECR 1997, p.
I-06013.
229
No caso presente entendemos que, não obstante a Corte entender
não haver necessidade de entrar no mérito da possibilidade ou não da dupla
proteção, a presente decisão apresenta interessante índice de compatibiliza-
ção em casos com potencial capacidade de desequilibrar o balanceamento de
institutos de PI. E acreditamos que tal índice possa ser melhor examinado em
futuros estudos para verificar a possibilidade de sua aplicação em casos de
cumulações deletérias de DPI. Ao estipular que proteção conferida por um di-
reito não pode ser mais ampla do que a conferida a outro direito que proteger
bens idênticos ou semelhantes (perfumes) em uma mesma situação (propa-
ganda em encarte de loja de departamento, farmácia, ou afins), a Corte Euro-
peia impediu que em casos idênticos ou similares os titulares se utilizassem de
expedientes oportunistas para obter de forma indevida maior ou melhor pro-
teção de seus direitos e interesses optando em utilizar um sistema ou outro.
5. Conclusão
Verificamos que a cumulação de direitos de propriedade intelectual,
a princípio, ao sistema de PI. Entretanto, abusos de direito por parte dos titu-
lares na busca pela expansão e perpetuação de seus direitos exclusivos têm
o potencial de gerar cumulações disfuncionais. Verificamos que nas últimas
décadas, com as mudanças no sistema de PI, as cumulações criadas de for-
ma desordenada e não ponderadas estão gerando cada vez mais resultados
danosos. As cumulações deletérias podem ser extremamente lesivas para o
interesse público e para o equilíbrio do sistema de PI. Dentre as consequências
indesejadas desse acúmulo de direitos podemos elencar a expansão indevida
de direitos exclusivos, a mitigação do domínio público, a violações de direitos
adquiridos da sociedade ao acesso de bens intelectuais que já deveriam estar
livres, dentre outros resultados que devem ser evitados.
Nesse sentido, entendemos que se cumulação de direitos não for de-
vidamente analisada, balanceada e limitada segundo as funcionalidades e os
objetivos constitucionais de cada instituto de propriedade intelectual, aqui,
particularmente quanto aos institutos marcário e de direito autoral, haverá
danos de difícil reparação para a o sistema de PI e para o interesse público.
Como o tema ainda é recente e controverso acreditamos ser de cru-
cial importância a realização de estudos mais aprofundados sobre esse tema,
bem como sobre as suas consequências para a sociedade e para o equilíbrio
do sistema de PI.
Wilhelm Grosheide has described this as the rise of the “ipr entrepreneuer” as a right owner, seeking indis-
criminately to obtain an advantage over rivals through application of whatever legal rights it can find.36
Annette Kur has described this as the “human factor” in modern intellectual property litigation.37 But how-
ever, we describe it, it is important to recognize that while we may rationalize and theorize the reasons for
the convergence in the different intellectual property regimes, it is in large part attributable not to universal
truths about the nature of the different property rights but rather to historical circumstance ((Dinwoodie,
2001,p.10 e 11).
231
propriedade intelectual
RETALIAÇÃO CRUZADA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL:
uma alternativa aos países em desenvolvimento para a
solução de disputas na organização mundial do comércio*
Marcos Wachowicz449 e
Vitor Augusto Wagner Kist450
1. Introdução
Com a criação da Organização Mundial do Comércio surgiu também o
Órgão de Solução de Controvérsias, que apesar de trazer incisivas melhoras ao
sistema de solução de conflitos ainda é bastante deficiente quando estão em
jogo os interesses de países economicamente díspares, o que gera grandes
dificuldades aos Estados em desenvolvimento. A alternativa para suprir essa
deficiência, aumentando a efetividade das decisões favoráveis aos países mais
pobres, é a utilização da chamada Retaliação Cruzada em direitos de Proprie-
dade Intelectual, regulados pelo acordo TRIPS, mais precisamente na área de
patentes industriais. Essa medida é assegurada pelo próprio Entendimento re-
lativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias que regula
o Órgão de Solução de Controvérsias e nunca foi utilizada devido a pressão
exercida pelos Estados detentores dos direitos de propriedade intelectual,
mas a simples ameaça de utilização do dispositivo já gerou efeitos favoráveis a
países em desenvolvimento no momento de negociação sobre a resolução da
controvérsia, como no caso Equador – Bananas III e Brasil – Estados Unidos,
Caso do algodão.
Esse trabalho visa tratar sobre a Retaliação Cruzada como uma al-
ternativa legal aos países em desenvolvimento nos casos em que litigam no
Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio.
Aborda-se a problemática na efetivação das retaliações e dos demais
remédios habitualmente utilizados no âmbito do Órgão de Solução de Contro-
vérsias, indicando a retaliação cruzada em direitos de propriedade intelectual,
* Este artigo foi produzido mediante apoio da Capes e CNPq.
449 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Direito pela Universidade
Clássica de Lisboa, Portugal. Professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UFPR e docen-
te do quadro permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. Coordenador do Grupo de
Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR. E-mail: marcos.wachowicz@gmail.com.
450 Especialista em Propriedade Industrial e Biotecnologia pela Justus-Liebig University Giessen, Alema-
nha. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Pesquisador do Grupo de Estudos de
Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR. E-mail: vitorkist@gmail.com.
233
regulados pelo TRIPS451, como uma alternativa legal e mais proveitosa aos pa-
íses em desenvolvimento.
Por fim, com o intuito de dar maior esclarecimento ao assunto, trata-
se dos casos em que essa alternativa foi autorizada pelo Órgão de Solução de
Controvérsias e suas peculiaridades, bem como os acordos que decorreram
dessas disputas.
452 SCHEFER, Krista Nadakavuraken. Social Regulation in the WTO: Trade Policy and International Legal
Development. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing Limited, 2010. P. 147.
453 Artigo 22.3 a, do ESC.
454 Artigo 22.3 c, do ESC.
455 DAVEY, William J. The WTO Dispute Settlement System: the first decade. In: Journal of International
Economic Law. Vol. 8, Oxford University Press. 2005. P. 17-50.
456 EC-Bananas, EC-Hormones, US–Gambling, US-Cotton Subsidies, US-FSC, US-Byrd Amendment, Bra-
zil-Aircraft e Canada-Aircraft.
235
a ter a retaliação aprovada.457 Aliado a essa relativa falta de efetividade na im-
posição das decisões do OSC está o fato de que as medidas autorizadas visam
apenas o reequilíbrio comercial entre os países litigantes.
A OMC não tem o objetivo de sancionar o país violador. Ou seja, só
permite que seja retaliado o montante gerado como prejuízo ao reclaman-
te. Ainda, é importante ressaltar que as autorizações para retaliações só são
obtidas após anos de trâmites legais junto ao OSC, e que neste interim o país
afetado negativamente pode ter sido prejudicado de uma forma irreversível.
Devido à falta de caráter sancionador das decisões da OSC, pode-
se dizer que o país que puder arcar economicamente com as contramedidas
pode simplesmente pagá-las e continuar violando o acordo. Para reforçar o
argumento faz-se imprescindível a declaração dada em 2004 pela Mesa Con-
sultiva ao Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio:
It has been argued by some that WTO member finding itself in a losing po-
sition in the WTO dispute settlement system has a free choice on whether
or not to actually implement the obligations spelled out in the adopted
Appellate Body or panel reports: the alternatives being simply to provi-
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
equipe preparada para lidar com tais demandas, visto que são obrigados a
gastar seus limitados recursos com necessidades mais básicas, como alimen-
tação e saúde.
Segundo Norstrom e Shaffer464, os custos para se levar uma causa até
o órgão de apelação variam de 300 a 900 mil dólares, sendo que em alguns ca-
sos, como o do Japão – Filmes Fotográficos, o montante chegou a 10 milhões
de dólares. Esses valores, podem parecer ínfimos quando se pensa em eco-
nomias como os Estados Unidos e União Europeia, mas 10 milhões de dólares
corresponde a aproximadamente 15% das exportações anuais de membros
como Burundi, Gambia ou Guiné Bissau465.
Evidentemente esses requisitos não podem ser supridos de forma efi-
caz pelos países menos abastados. Dessa feita, fica evidente que as economias
mais desenvolvidas estão muito mais aptas a obter êxito nas disputas do OSC.
Analisando a situação dessa forma, vê-se que na grande maioria dos casos
463 BUSCH, Marc L. Reinhardt, Eric. The WTO Dispute Settlement Mechanism and Developing Countries.
In: Trade Brief on the WTO Dispute Settlement. Sida: Department for Infrastructure and Economic Cooper-
ation. Stockholm: Edita Sverige AB, 2004.
464 NORDSTROM, Hakan; SHAFFER, Gregory. Acces to Justice in the World Trade Organization: The Case
for a Small Claims Procedure? A preliminary Analysis. Issue Paper number 2.International Centre for Trade
and Sustainable Development: Genebra, 2007, p. 10. Disponível em http://www.ictsd.org/themes/global-e-
conomic-governance/research/access-to-justice-in-the-wto-the-case-for-small-claims e http://ictsd.org/i/
publications/11306/. Acessado em 04/09/2014.
465 NORSTROM, SHAFFER. P. 1.
238
propriedade intelectual
não é economicamente viável a países pequenos entrar em disputas junto ao
OSC, pois o montante em discussão seria superado pelos custos judiciais. Ain-
da, tem-se que colocar na balança o tempo de demora até que uma possível
retaliação ou outra solução seja autorizada, que em alguns casos leva até 3
anos466.
Feita essa brevíssima análise do problema de falta de recursos e ca-
pacidade técnica por qual passam os países subdesenvolvidos para promover
uma disputa comercial, passar-se-á a análise dos problemas de efetivação pro-
priamente dita das retaliações autorizadas pelo OSC.
241
2.4. Retaliação cruzada em patentes como alternativa a jogadores assimé-
tricos
Tendo em vista o quadro de ineficiência das medidas usuais de reta-
liação, os países em desenvolvimento devem buscar soluções que possibilitem
a efetivação de seus direitos.
Segundo Spadano471, os países em desenvolvimento devem buscar
entender as regras da OMC da melhor forma possível para que possam utilizá-
-las a seu favor. Ou seja, os países em desenvolvimento devem se utilizar das
possibilidades legais da forma que lhes provenha mais benefícios. Se o jogo é
desfavorável, deve-se procurar um modo de reverter essa situação.
A alternativa que se demonstra mais suscetível a cumprir esse papel
já é prevista no próprio ESC, porém muito pouco utilizada. É a retaliação cru-
zada em propriedade intelectual.
O maior exemplo dessa efetividade é o medo com que a medida é vis-
ta pelos países desenvolvidos, junto com a pressão destes para que elas não
sejam tomadas. Indícios de sua efetividade prática. Os membros que ameaçam
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
471 “... developing countries should seek to understand the rules of the game properly so that they can
be used in their favour.” SPADANO, Lucas Eduardo F. A. Cross-agreement retaliation in the WTO dispute
settlement system: an important enforcement mechanism for developing countries? World Trade Review.
Oxford: Oxford Press, 2008. P. 523.
472 ABBOT, Frederick M. – Cross-Retaliation in TRIPS: Options for Developing Countries. P. 9-11.
473 ABBOT, Frederick M. – Cross-Retaliation in TRIPS: Options for Developing Countries. P. 9-11.
242
propriedade intelectual
2.5. Diferenças da Retaliação Cruzada no TRIPS
As retaliações sobre o acordo TRIPS, primeiramente, por não promo-
verem o aumento dos preços de importação, deixariam de gerar efeitos nega-
tivos ao país retaliante, o que pode ser o principal problema da retaliação no
setor de bens e serviços. Isso ocorre pois a suspensão de direitos de proprie-
dade intelectual faria com que o país vencedor da disputa deixasse de pagar
os royalties sobre o produto, diminuindo o preço final ao invés de aumenta-lo,
como ocorre na retaliação em outros setores.
Tal suspensão elevaria a prosperidade do mercado do membro em de-
senvolvimento, ao mesmo tempo que exerceria uma pressão real e forte o sufi-
ciente para que o país sucumbente mudasse seu comportamento desviante.474
A retaliação cruzada no TRIPS eliminaria a maior desvantagem da re-
taliação comum, ao mesmo tempo que afetaria de forma incisiva os detento-
res de direitos de Propriedade Intelectual do país sucumbente, aumentando
a eficácia da contramedida de uma forma muito significativa. Contudo, essa
medida radical também tem suas desvantagens. Afirma Abbot475 que retaliar
no TRIPS pode provocar uma ruptura nas relações comerciais em andamento
entre os membros envolvidos.
Alguns detentores de direitos de Propriedade Intelectual podem op-
tar por não mais exportar os bens sujeitos a royalties durante o período da
suspensão ao mesmo passo que pode ocorrer o desencorajamento de novos
investimentos no país vencedor, visto seu posicionamento perante as políticas
de fomento a inovação.
Pode-se arguir, também, que a suspensão de direitos de propriedade
intelectual podem afetar de modo adverso o sistema de pesquisa e desenvol-
vimento do país desviante, ocasionando um empecilho ao desenvolvimento
de novas tecnologias ao redor do mundo.
Visto que todas as modalidades de retaliação trazem algum tipo de
desvantagem ao país retaliante, resta a esse o sopesamento dos benefícios e
ônus de cada uma delas.
Calculando as desvantagens entre a retaliação no TRIPS e a dos se-
tores comuns, fica evidente que os efeitos negativos da primeira são prefe-
ríveis aos preços cobrados por uma retaliação no setor de bens ou serviços.
474 BOWN , Chad P. PAUWELYN, Joost. The Law, Economics and Politics of Retaliation in WTO Dispute
Settlement. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. P. 14.
475 ABBOT, Frederick M. P. 9-12.
243
Enquanto a contramedida tradicional gera prejuízos a ambas as partes, esta
nova, gera, em primeira análise, muito mais prejuízos ao membro desviante e
relativamente poucos ônus ao reclamante, além de vantagens no que tange a
redução de preços.
Mesmo que a empresa opte por deixar de exportar seus produtos ao
país requerente, ela estará sofrendo prejuízos muito maiores, pois nesse caso
não se está colocando na balança as economias de ambos os países, e sim a eco-
nomia de um país inteiro em contraponto ao poder econômico de uma empresa.
A empresa, na grande maioria dos casos, não tem poder o suficiente
para exercer uma pressão efetiva sobre o estado membro. Utiliza-se nesse
caso a mesma lógica de jogadores assimétricos apresentada anteriormente.
No que tange a problemática de possível desencorajamento a novos
investimentos, esta pode ser facilmente contornada por incentivos governa-
mentais a empresas que se demonstrem interessadas a investir em pesquisa e
desenvolvimento no país reclamante.
A própria decisão de suspender uma patente farmacêutica, por exem-
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
de 2004 decidiu pela inconsistência das leis americanas com o GATS, sagrando
Antígua como vencedora da disputa.
Veiculada a decisão por parte do Órgão de Solução de Controvérsias,
ambas as partes apelaram. Contudo, o veredicto foi mantido pelo Corpo de Ape-
lação para declarar que os EUA infringiam os artigos XVI, 1; XVI, 2 subparágrafos
(a) e (c), mantendo limites de acesso ao mercado não previstos em sua agenda.
Entendeu também o Corpo de Apelação que os Estados Unidos tomaram como
compromisso dar acesso total a jogos de azar e serviços de apostas492.
Visto que os Estados Unidos não estavam cumprindo a decisão do
OSC, o que foi reconhecido pelo órgão no dia 30 de março de 2007, em um
painel próprio. Antígua requisitou a retaliação cruzada no TRIPS, em valor
equivalente a seu prejuízo, que era de U$21 milhões anuais.
Segundo Abbot493, os árbitros, analisando a disparidade econômica
entre os Estados membros, a dependência do país em desenvolvimento da in-
dústria de serviços, combinado com a necessidade de Antígua diversificar sua
economia, entenderam que a situação era suficientemente séria para permitir
uma retaliação cruzada.
Entenderam ainda, que seria extremamente difícil para o governo de
Antígua induzir o cumprimento da decisão com retaliações no GATS, por dois
492 AMARAL, Renata Vargas. P 188-189.
493 ABBOT, Frederick M. 2009. P 7-8.
252
propriedade intelectual
principais motivos: (i) o mercado de importação de serviços de Antígua era
muito pequeno, e uma retaliação nessa área seria inefetiva contra os Estados
Unidos e; (ii) as suspensões no setor de serviços iriam causar custos adicionais
ao consumidor do país caribenho, prejudicando os setores de viagens e turis-
mo, bem como outras áreas de prestação de serviços.
Ainda segundo o autor, esses fundamentos levaram os árbitros a dar
provimento ao pedido do país caribenho, permitindo a retaliação cruzada no
TRIPS, de acordo com o artigo 22.6 do ESC.
Após o provimento, Antígua indicou sua intenção de suspender direi-
tos de copyright, marcas, design industrial, patentes, e proteção de informa-
ções não reveladas. Contudo, segundo alegações dos EUA, deixou de detalhar
o modo como procederia com as suspensões, o que impossibilitaria o país a
controlar o nível das contramedidas, possibilitando um verdadeiro paraíso à
pirataria de produtos.494
Os árbitros, por sua vez, entenderam que não estava em seu âmbito
de competência considerar a natureza específica da obrigação a ser suspendi-
da, de acordo com o artigo 22.7 do ESC. O painel assim afirmou:
Ao mesmo tempo, é importante que a forma escolhida para aplicar a suspen-
são possa assegurar que, uma vez autorizada, a equivalência na efetivação
dessa seja respeitada. A forma deve ser também transparente, a fim de per-
mitir a avaliação se o nível da suspensão não excede o nível da nulificação.
Nós também notamos que as suspensões de obrigações sob o Acordo TRIPS
pode envolver meios mais complexos de implementação que, por exemplo,
a imposição de maiores taxas de importação em bens, e a avaliação exata
do valor dos direitos afetados pela suspensão é também mais complexa.495
500 CHENG, Fuzhi. The WTO Dispute Settlement Mechanism and Developing Countries: The Brazil-U.S.
Cotton Case. In “Case Study #9-4 of the program: Food Policy for Developing Countries: The Role of Govern-
ment in the Global Food System”. Cornell University, Ithaca, New York, Estados Unidos. 2007. P. 3.
501 CHENG, Fuzhi. The WTO Dispute Settlement Mechanism and Developing Countries: The Brazil-U.S.
Cotton Case. In “Case Study #9-4 of the program: Food Policy for Developing Countries: The Role of Govern-
ment in the Global Food System”. Cornell University, Ithaca, New York, Estados Unidos. 2007. P. 3.
255
Com o Farm Act de 2002 os agricultores americanos o preço garanti-
do a no mínimo U$ 0,52 centavos por libra, sem contar outros incentivos para
aumentar seus lucros. O resultado disso foi que os algodoeiros americanos re-
ceberam na safra 2001/2002 U$ 0,72 por libra, enquanto a média de mercado
mundial era de U$ 0,46.
Esse tipo de subsídio impede uma concorrência justa por parte dos
demais países, fazendo com que os demais Estados produtores de algodão
sofram sérios prejuízos. Foi nesse contexto de insatisfação e desequilíbrio do
mercado que o Brasil requereu a abertura de uma consulta com os Estados
Unidos da América junto ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, no
ano de 2002.
b) Relatório do procedimento do OSC no caso DS267
A controvérsia teve início no dia 27 de setembro de 2002, quando o
Brasil requisitou uma consulta com os Estados Unidos da América questionan-
do os subsídios governamentais para os produtores de algodão do país norte
americano.
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
502 Os subsídios dentro da OMC são regulados pelo Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias
(ASMC), que disciplina os subsídios específicos em três formas: os subsídios proibidos, elencados no artigo
3º; os subsídios acionáveis do artigo 5º, e os subsídios permitidos, dispostos no artigo 8º. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controver-
sias/mais-informacoes/texto-dos-acordos-da-omc-portugues/1.1.11-acordo-sobre-subsidios-e-medidas-
compensatorias/view. Acessado em 14/10/2014.
503 Segundo o documento, “o objetivo de longo prazo cima mencionado consiste em proporcionar re-
duções progressivas substanciais em matéria de apoio e proteção à agricultura, a serem mantidas duran-
te um período acordado de tempo, resultando na correção e prevenção de restrições e distorções em
mercados agrícolas mundiais. “Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/co-
nheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/mais-informacoes/
texto-dos-acordos-da-omc-portugues/1.1.2-acordo-sobre-agricultura/view. Acessado
em 14/10/2014.
256
propriedade intelectual
Paz504, são proibidos e estão violando a disciplina da OMC.
2. Os Estados Unidos proporcionam aos produtores de algodão vários
outros subsídios proibidos.
3. Os programas de suporte doméstico dos Estados Unidos em rela-
ção ao algodão não são protegidos pela Cláusula de Paz, e alguns
desses programas resultam em sérios prejuízos aos interesses bra-
sileiros na forma de supressão de preços no mercado mundial.505
Circulada a decisão, os EUA recorreram ao Corpo de Apelação, que,
por sua vez, manteve a determinação do painel em todos os pontos atacados
pelo país norte americano.
Em outubro de 2006, o então Diretor Geral da OMC Pascal Lamy abriu
um painel de observação, a pedido de ambos os Estados. Esse painel decidiu
que:
Os Estados Unidos agiram de forma inconsistente com o Artigo 10.1 do
Acordo de Agricultura ao aplicar subsídios de exportação numa forma que
resultou na evasão de compromissos de subsídio de exportação dos EUA
com respeito a certos produtos programados e não programados, tendo
como resultado atos inconsistentes com o Artigo 8 do Acordo de Agricul-
tura.
Com relação ao GSM102 (Garantia de Crédito para Exportação) emitido
depois do dia 1 de julho de 2005, também agiu de forma inconsistente
com Artigos 3.1(a) e 3.2 do ASCM ao dar subsídios de exportação a produ-
tos não programados e dar subsídios em excesso a produtos programados,
de acordo com o Acordo de Agricultura.
Ao agir inconsistentemente com os artigos 10.1 e 8 do Acordo de Agricul-
tura e Artigos 3.1(a) e 3.2 do ASCM, os EUA falharam em trazer suas me-
didas em conformidade com o Acordo de Agricultura e falharam também
em retirar o subsídio sem demora.506
504 A Cláusula de Paz teve vigência até o ano de 2003, e protegia os subsídios agrícolas dos países desen-
volvidos contra reclamações junto à OMC desde que atendam aos compromissos nacionais de redução de
subsídios negociados na Rodada do Uruguai.
505 Resumo da decisão do painel dada pela OMC. Disponível em http://www.wto.org/english/tratop_e/
dispu_e/cases_e/ds267_e.htm. Acessado em 14/10/2014.
506 Livre tradução de: ―Regarding GSM 102 export credit guarantees issued after 1 July 2005 the United
States acts inconsistently with Article 10.1 of the Agreement on Agriculture by applying export subsidies
in a manner which results in the circumvention of US export subsidy commitments with respect to certain
unscheduled products and certain scheduled products, and as a result acts inconsistently with Article 8 of
the Agreement on Agriculture. Regarding GSM 102 export credit guarantees issued after 1 July 2005 also
acts inconsistently with Articles 3.1(a) and 3.2 of the SCM Agreement by providing export subsidies to uns-
cheduled products and by providing export subsidies to scheduled products in excess of the commitments
of the United States under the Agreement on Agriculture. By acting inconsistently with Articles 10.1 and 8
of the Agreement on Agriculture and Articles 3.1(a) and 3.2 of the SCM Agreement the United States has
failed to comply with the DSB recommendations and rulings. Specifically, the United States has failed to
257
Dessa decisão do painel de observação ambas as partes apelaram ao
Corpo de Apelação, que, por sua vez, manteve quase que integralmente a sen-
tença, afirmando que o programa de suporte aos produtores de algodão não
havia sido criado com o intuito de cobrir custos e perdas dos agricultores, e
sim, subsidiar a exportação do setor, prejudicando a livre concorrência.
c) Da efetivação da decisão
No tocante a efetivação da decisão do OSC no caso DS267, envol-
vendo Brasil e Estados Unidos da América, apesar de as discussões sobre
o cumprimento ou não das decisões do primeiro painel se estenderem até
2009, os pedidos de autorização para suspensão de concessões se deu ainda
em 2005. Esses pedidos tratavam dos subsídios proibidos e subsídios acio-
náveis
O Brasil, alegando que o período razoável de tempo já havia então
expirado, requisitou a suspensão de concessões de obrigações tarifárias regu-
ladas pelo GATT 1994, impondo custos adicionais aos produtos advindos do
país norte americano.
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
Ainda, por entender que não era prático e efetivo aplicar exclusiva-
mente as medidas de retaliação no GATT, o Estado membro requereu ainda
que fossem autorizadas suspensões em direitos de propriedade intelectual
regulados pelo TRIPS, bem como impostos de serviços regulados pelo GATS.
Os Estados Unidos, assim como fizeram no caso Antígua e Barbuda,
desafiaram o requerimento de retaliação cruzada, tanto no nível das suspen-
sões requisitadas, como alegando que o artigo 22.3 do ESC não havia sido
respeitado.
Em agosto de 2005, antes de serem julgadas os contra argumentos do
país norte americano, ambos os litigantes requereram a suspensão do pedido
de retaliação cruzada do artigo 22.6 por estarem em negociações para a reso-
lução da controvérsia.
Essa suspensão durou até agosto de 2008, quando o Brasil requereu a
continuidade do processamento dos pedidos, que foram decididos em agosto
do ano seguinte.
Os árbitros entenderam que, no tocante a subsídios proibidos, o Brasil
poderia retaliar os Estados Unidos em bens de consumo regulados pelo GATT
em um valor que não excedesse U$147.7 milhões no ano de 2006, e para os
bring its measures into conformity with the Agreement on Agriculture and has failed to withdraw the sub-
sidy without delay – Site da OMC, DS267. Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/
cases_e/ds267_e.htm. Acessado em 12/10/2014.
258
propriedade intelectual
anos subsequentes, uma quantia a ser determinada mediante a metodologia
apresentada na decisão.
Os árbitros entenderam ainda, que no caso de o nível total de con-
tramedidas para os anos subsequentes viessem a exceder o limite descrito na
decisão, o Brasil poderia suspender obrigações protegidas pelo TRIPS e GATS,
desde que não excedessem o limiar determinado.
No tocante aos subsídios acionáveis, os árbitros entenderam que o
Brasil poderia retaliar o estado norte americano em U$147.3 milhões, nos
mesmos termos da decisão dos subsídios proibidos, podendo utilizar-se da
retaliação cruzada no caso do valor passível de retaliação nos anos subse-
quentes se tornar maior que o valor homologado na decisão.
Com essas decisões, o Brasil se encontrou em posição bastante van-
tajosa em face aos EUA, que se viram obrigados a entrar em negociações. Esse
diálogo teve início em 2010, e fez com que o país sul americano requeresse a
suspensão da aplicação das medidas, que durou até o ano de 2014, quando
os países finalmente chegaram a um acordo, como passará a ser tratado no
item seguinte.
3.5 Os acordos resultantes dos casos tratados
Os acordos resultantes dos casos em que a Retaliação Cruzada no
TRIPS foi autorizada foram significativamente proveitosos aos países em de-
senvolvimento, se comparados a casos similares em que as medidas não fo-
ram requeridas.
O estudo apresentado por McCall Smith507 demonstra claramente
que o Equador obteve uma vitória histórica no caso em que litigou em face da
União Europeia, que ficou conhecido como Bananas III, como já explicado em
título próprio.
No mesmo sentido, Brasil e Estados Unidos vinham tentando chegar
a um acordo sobre o caso do algodão desde o início da controvérsia, pois são
importantes parceiros de negócios, o que proporciona vantagens múltiplas a
ambos os Estados. Um procedimento junto ao Órgão de Solução de Contro-
vérsias era um fator que atravancava as relações entre os países.
Ocorre que os Estados Unidos obtêm vantagem por meio de seus
subsídios do algodão, retirando vários países produtores do commodity do
507 SMITH, James McCall. “Compliance Bargaining in the WTO: Ecuador and the Banana Dispute.” In. Ne-
gotiating Trade: Developing Countries in the WTO and NAFTA, ed. J. Odell, 257. Cambridge University Press,
2006. Disponível em: http://vi.unctad.org/digital-library/?act=show&doc_name=ecuador-wtocompbarg.
Acessado em 09/10/2014.
259
mercado global, além disso a capacidade de retaliação do Brasil é limitada,
pelo tamanho de sua economia e pelos efeitos adversos que essa medida po-
deria causar ao país em desenvolvimento.
Como demonstrado acima, o Brasil, seguindo o precedente aberto
pelo Equador no caso Bananas III, optou por requerer a retaliação cruzada em
direitos de propriedade intelectual, de acordo com o Artigo 22.6 do ESC.
Existe certa dose de ironia nesta situação, como mencionado por Ka-
rin Klempp Franco508, pois os Estados Unidos foram os principais incentivado-
res do acordo TRIPS, exercendo enorme pressão para que este se tornasse
um acordo imprescindível aos membros que quisessem aderir à Organização
Mundial do Comércio, como visto acima. Agora, é exatamente a partir do
TRIPS que o Brasil consegue forçar uma negociação favorável no contencioso
do algodão.
A autorização dada ao Estado sul americano pelo OSC fez com que o
seu poder de retaliação aumentasse substancialmente, pois essa modalidade
de retaliação traz diversos benefícios ao país retaliante, como já demonstrado
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
nesse trabalho.
Com a finalidade de evitar uma efetiva retaliação, o Estado norte
americano se viu obrigado a se sentar junto ao Brasil na mesa de negociações
para dar fim ao litígio.
As negociações entre os Estados se estenderam do ano de 2010 até o
dia 1º de outubro de 2014, quando, em Washington, o ministro das Relações
Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abas-
tecimento, Neri Gelller e o secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Tom
Vilsack juntamente com o representante americano do Comércio, Michael
Froman, firmaram um acordo resolvendo o contencioso do algodão.
No acordo ficou estabelecido que o governo americano fará o pa-
gamento de US$ 300 milhões, no prazo de 21 dias, ao Instituto Brasileiro do
Algodão. Esses recursos serão destinados a investimentos em tecnologia, in-
fraestrutura e logística para o produto. O montante será somado aos US$ 505
milhões pagos ao instituto entre 2010 e 2013 para que o Brasil não exercesse
o direito de retaliação.
Além disso, o programa de créditos à exportação (GSM102) será re-
visto pelo governo americano, os agricultores que até então podiam exportar
508 FRANCO, Karin Klempp. Dois criadores e duas criaturas – Da relação entre a proteção à propriedade
intelectual no Brasil e os Subsídios governamentais americanos aos produtores de algodão.
260
propriedade intelectual
o produto com prêmio-seguro de 36 meses, passarão a ter esse benefício por
apenas 18 meses, o que deve causar um aumento de competitividade para os
demais países509.
Para o presidente da Abrapa Gilson Pinesso510, essas alterações no
programa de créditos à exportação americana foram as maiores conquistas
do acordo, pois não valem apenas para os incentivos ao algodão, e sim ao
agronegócio americano como um todo.
Em contrapartida, o Brasil se compromete a não recorrer à OMC para
discutir a questão dos subsídios americanos no setor algodoeiro até o ano de
2018, quando acaba a vigência da lei agrícola americana (Farm Bill).
Welber Barral511, que assessorou Abrapa no contencioso, afirmou que
esse é um acordo histórico, por dar uma solução ao principal entrave comer-
cial entre Estados Unidos e Brasil, segundo o autor é possível que as relações
entre os países melhorem daqui para frente.
O acordo está sendo comemorado como uma vitória também pelos
algodoeiros nacionais, visto que após 12 anos de contencioso conseguiram
uma compensação pelos prejuízos causados pelas políticas de subsídio ame-
ricanas.
Não há dúvidas de que a negociação só chegou a termos tão benéfi-
cos aos agricultores brasileiros devido, em grande parte, ao receio americano
de que a retaliação cruzada no TRIPS fosse utilizada pelo governo brasileiro.
Assim como nos outros casos estudados neste trabalho, a mera ame-
aça de retaliação cruzada em direitos de propriedade intelectual leva os países
desenvolvidos a negociar com os menos abastados, por saberem dos resulta-
dos que a contramedida pode trazer.
O único caso em que ainda não se chegou a um acordo é o de Antígua
e Barbuda versus Estados Unidos, visto que Antígua requereu a autorização
para retaliação cruzada apenas em 2013. Contudo, analisando os outros ca-
sos, em que as negociações levaram anos, pode-se supor que os Estados che-
garão a um acordo em médio prazo.
261
4. Considerações finais
O OSC é tido como uma inovação muito positiva e importante para o
comércio mundial, pois traz um sistema baseado em regras preestabelecidas
e muito menos suscetível a pressão exercida pelos Estados membros. Isso faz
com que diminuam as diferenças de poder entre os membros, e as decisões
sejam pautadas nas normas, e não no poder dos Estados membros512.
No entanto, o problema do OSC se dá no momento de implemen-
tação de suas decisões. Pode-se afirmar que falta eficiência aos veredictos
dados no âmbito do comércio mundial, quando estão em jogo os interesses de
países com diferentes potenciais econômicos, o que prejudica principalmente
os países em desenvolvimento.
Esse problema ocorre devido à falta de coercibilidade das decisões
tomadas pelo órgão, tendo em vista a soberania estatal de seus membros. Isto
é, o Estado membro, por ser soberano, pode optar por enquadrar ou não sua
conduta tida como desviante em face o acordado com a OMC.
Os remédios normalmente oferecidos pelo OSC, quais sejam, a reco-
Marcos Wachowicz e Vitor Augusto Wagner Kist
513 O segundo caso apresentado, Antígua e Barbuda versus Estados Unidos, teve a retaliação no TRIPS
autorizada recentemente, motivo pelo qual ainda não é possível saber o seu desfecho.
263
propriedade intelectual
INSTRUMENTOS JURÍDICOS DA ECONOMIA DA INOVAÇÃO:
CONTRATOS DE TRASNFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E
DIREITO DA CONCORRÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO*
1. Introdução
O conhecimento – enquanto inovação – é a base de um novo paradig-
ma econômico: a economia da inovação. A presente investigação teve como
objetivo demonstrar o modo de circulação da inovação neste paradigma eco-
nômico por meio dos contratos de transferência de tecnologia. Os resultados
foram que para o pleno desenvolvimento da economia da inovação é neces-
sário que os contratos de transferência de tecnologia se submetam aos princí-
pios relacionados ao direito concorrencial, sob pena de causarem prejuízos ao
mercado, e, consequentemente, à sociedade.
Inserido em um contexto de economia globalizada e alta competivi-
dade, o empresário vai tomando consciência que a concorrência e a posição
que ele conquista no mercado são baseadas não apenas no quesito ‘menor
preço’, mas também em melhores serviços e melhores produtos, ou seja,
numa concorrência denominada de non price.
De certo, o elemento central desta concorrência são os conhecimen-
tos que ele gera e o diferenciam no mercado. Esses conhecimentos, denomi-
nados de inovação, fazem parte do modo de produção capitalista que não
sobrevive sem se reinventar constantemente.
O objetivo da presente investigação é elucidar alguns procedimentos
que os contratos e arranjos destinados a fazer com que a inovação – especial-
mente aquela protegida por meio de títulos de propriedade industrial –circule
no mercado de forma competitiva, seja por meio de arranjos contratuais den-
tro do âmbito empresarial.
516 As analises propostas pela teoria da inovação, em especial aquela revista por Freeman e Soete na obra
que se utiliza nesta pesquisa, pode ser dividida numa análise macroeconômica e microeconômica da inova-
ção. As análises macroeconômicas centram-se, sobretudo, no papel do Estado enquanto indutor de inova-
ção, por meio de sistemas e políticas de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Já as análises microeconômicas
têm como principal núcleo de análises a firma, ou seja, a inovação na escala empresarial. Considerando que
na sua segunda parte a presente investigação abordará os contratos como meio de circulação de inovação
no ambiente empresarial, procurar-se-á dar mais relevância às abordagens microeconômicas.
270
propriedade intelectual
Contudo, a inovação não é uma exclusividade de firmas grandes. De
fato, a mesma ocorre também em firmas pequenas. Pode-se dar como exem-
plo aquelas que começaram para desenvolver ou explorar uma nova invenção;
aquelas altamente especializadas, com habilidades específicas e sustentadas
por programas de pesquisa em um âmbito bem delimitados e aquelas que se
esforçam em permanecer em mercados com novos produtos, devendo elas
também se esforçarem em investigar em P&D.
Ainda assim, uma das dificuldades que o empresário tem no que toca
à inovação é a sua mensurabilidade imediata, por assim dizer. De fato, quan-
do a inovação é inserida em um determinado produto, existe uma tendência
para a agregação de um potencial poder de mercado. Porém, esse poder de
mercado só poder aferido ex post, ou seja, depois de realizado o investimento,
caracterizado por um grau de incerteza sobre o investimento feito em inova-
ção (MOURA E SILVA, 2003).
Contemporaneamente ainda existem empresas que não protegem
seu capital intelectual como deveriam porque elas normalmente sequer com-
preendem que elementos até mesmo simples podem ser protegidos. De fato,
até os anos noventa, o capital de uma empresa era composto essencialmente
de bens materiais. Contudo, nos últimos anos tem se assistido um aumento
vertiginoso de atenção a outro tipo de capital, àquele capital decorrente das
atividades intelectuais da criatividade humana, inventividade e inteligência.
Mesmo que intangível, a propriedade intelectual possui um valor igual ou
maior que os bens tangíveis (BOUCHOUX, 2001).
São vários os desafios às empresas no contexto de uma economia
globalizada de inovação industrial, talvez o mais atroz deles seja exatamente
“identificar os ativos ocultos e as pesquisas chaves, a fim de valorizá-los para
aperfeiçoar e melhorar suas performances e, por conseguinte, a sua competi-
vidade no mercado” (BARROS, 2003, p.53).
Contudo, uma das características relacionadas à inovação, como bem
foi salientado, é a produção não de produtos necessariamente tangíveis, mas
na produção de conhecimento, de informação. Esse conhecimento ganha um
tratamento jurídico especial ao ser protegido por meio de direitos de proprie-
dade, os assim denominados de direitos de propriedade intelectual (direitos
de propriedade industrial e direitos de autor) que garantem ao seu proprietá-
rio uma posição privilegiada no mercado e uma segurança jurídica para a ex-
ploração, por determinado tempo, da inovação por ele realizada (BOUCHOUX,
2001; MOURA E SILVA, 2003).
271
Títulos de proteção que conferem exclusividade para a exploração e,
por isso mesmo, o procedimento para sua concessão segue requisitos com-
plexos e fixados em lei. Contudo, diferentemente do direito de propriedade
comum, a sua exclusividade é assegurada apenas um determinado tempo.
Isso confere, como foi abordado, uma posição privilegiada no mercado ao de-
tentor daquela patente (PARANAGUÁ; REIS, 2009).
Nesse sentido, principalmente as grandes firmas atribuem um papel
fundamental às patentes – o título de propriedade industrial mais conheci-
do – e dispõem de grandes departamentos dedicados ao patenteamento das
inovações produzidas nos seus laboratórios de P&D ou em conjunto com o
governo e/ou universidade. Isso garante a elas um título de propriedade que
elas podem negociar mediante cessão (venda) ou mesmo por licenças (FREE-
MAN, SOETE, 2008).
Contudo, não basta a uma empresa deter direitos de propriedade in-
telectual – patentes e outros títulos – se eles não forem devidamente e con-
temporaneamente explorados mediante táticas de mercado adequadas. De-
André Soares Oliveira e Heloísa Gomes Medeiros
272
propriedade intelectual
3. Contrato de transferência de tecnologia como
instrumento jurídico da economia da inovação
A transferência de tecnologia pode ser entendida como um processo
que compreende a permissão dada pelo titular do direito da inovação para
vender ou ceder a terceiros o produto de sua criação. Deste modo, trata-se
de uma negociação que deve atender a determinados preceitos legais e que
não implica na transferência da propriedade dos direitos de inovação, mas
favorece o fluxo de comércio e disseminação de novas tecnologias (SANTOS
et al, 2007).
Entre os objetivos da transferência de tecnologia, ressalta Maurício
Prado (1997), deve-se destacar, para o transferente, a maximização da remu-
neração da tecnologia mediante a otimização de sua exploração, recuperando
os investimentos empreendidos em pesquisa e desenvolvimento; além de ser-
vir de porta de entrada em outros mercados.
Já para o receptor/licenciado de uma tecnologia/patente busca com
esse negócio, basicamente, obter inovação tecnológica e capacitação tec-
nológica. Com isso, ele pode manter-se no mercado, ocupando novos es-
paços, aperfeiçoando processos e produtos que já comercializa, atendendo
exigências do mercado consumidor ou mesmo da legislação. Entre os riscos
do processo de transferência de tecnologia está a criação de uma relação de
dependência do receptor para com o transferente. Essa situação decorre de
uma incapacidade técnica do receptor para a exploração da tecnologia e se
materializa por serviços de prestação de assistência técnica do transferente
para o receptor que podem ser incluídos nas cláusulas dos contratos de trans-
ferência, de um modo geral (PRADO, 1997).
A transferência de tecnologia aparece em duas situações: a) Transfe-
rência como finalidade: tecnologia incorporada em produtos e compra e ven-
da de equipamentos e projetos de pesquisa e desenvolvimento e b) Transfe-
rência como objeto: contratos de licenciamento e de know-how propriamente
dito (SANTOS et al, 2007).
Silvio Venosa (2004) assinala que o termo ‘contratos de transferência
de tecnologia’ reúne um conjunto de instrumentos, com características pró-
prias, cujo o objeto é o conhecimento – passível ou não de proteção por um
título de propriedade intelectual – produzido/detido por uma das partes, que
pode genericamente ser denominada de transferente, para que outra parte,
genericamente denominada de receptora, explore empresarialmente esse co-
nhecimento por sua conta e risco.
273
Deste modo, o transferente disponibiliza para o receptor um título
de propriedade industrial (patentes, marcas, modelos de utilidade, etc.) e/
ou conhecimento técnicos, procedimentos e formulas não protegidos ou não
protegíveis por esses títulos (mediante o que se denomina de segredo indus-
trial, know-how) para que o mesmo o incorpore a sua atividade empresária.
Na verdade, trata-se de um conjunto de contratos atípicos que ainda provo-
cam dubiedade na doutrina nacional e comparada, quer sobre a nomencla-
tura mais adequada ou mesmo sobre o conteúdo caraterístico de cada um
(VENOSA, 2004).
Entretanto, o conceito amplo de transferência de tecnologia pode en-
globar tipos contratuais nos quais pouco ou mesmo nada contém de efetiva
transmissão de tecnologia. A redação de tais contratos exige do profissional
entendimento para as necessidades estratégicas do cliente e para auxiliá-lo a
eleger a melhor tática de proteção dos seus bens intangíveis; conhecimento
e sensibilidade, seja a elaboração dos documentos necessários e sua averba-
ção junto ao INPI ou para a participação em negociações nem sempre fáceis
(VIEGAS, 2007).
André Soares Oliveira e Heloísa Gomes Medeiros
276
propriedade intelectual
O seu detentor poderá explorá-la ou conferir o direito de exploração a terceiros,
mediante contrato de licença ou cessão (exploração no direito patentário).
São previstas pela Lei de Propriedade Industrial (LPI) dois tipos de li-
cença: a licença voluntária e a licença involuntárias, que ocorrem ambas me-
diante contrato bilateral e oneroso.
A Licença Voluntária é promovida mediante iniciativa das partes ou
oferta publicada pelo INPI, podendo ser simples ou exclusiva. Na licença sim-
ples, o titular do direito pode licenciá-la outras vezes, ao passo que na exclu-
siva isso não pode ocorrer. Nas patentes estrangeiras, além da averbação no
INPI, deve haver registro no Banco Central, para fins tributários e de entrada e
saída de divisas (BARROS, 2003).
Por sua vez, a licença não-voluntária ocorre nas hipóteses previstas
na lei e também materializa-se por meio de um contrato bilateral e oneroso.
Nessa situação, o titular da patente exerceu os direitos dela decorrentes de
forma abusiva, ou por meio dela praticou abuso de poder econômico, com-
provado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.
Como situações que ensejam a licença não-voluntária, ou compulsó-
ria, o art. 69 destaca quando não ocorre a exploração do objeto da patente no
território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do pro-
duto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados
os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação ou a
comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.
A licença voluntária materializa-se mediante um contrato, no qual o
titular pode delegar ao licenciado todos os poderes relativos à defesa da pa-
tente, ou seja, a permissão de uso ou exploração do objeto por prazo ajustado
entre as partes, mas não transfere o direito real sobre a patente ou pedido de
patente.
Contrato atípico, o licenciamento voluntário segue as regras do Có-
digo Civil quanto aos elementos do objeto, preço, prazo, território e partes
capazes, sendo necessária a averbação no INPI para que tenha eficácia, não
interferindo em sua validade de prova de uso.
O titular pode, no contrato de licenciamento, transferir apenas alguns
direitos sobre a patente ou pedido de patente. Esses direitos podem ser os de
“proibir que terceiros utilizem, ponham à venda, vendam ou importem produ-
to ou processo patenteado. As exceções, decerto, referem-se aos direitos de
usuário anterior, atos com finalidades experimentais e os comerciais, ainda,
aos medicamentos individuais” (BARROS, 2003, p.271).
277
Ao licenciado cabe defender a patente das contrafações, além de pro-
por ações que protejam a patente, caso o titular não o faça, promovendo uma
exploração correta e legítima da patente, pedido de patente ou modelo de
utilidade licenciada. Além disso, o licenciado está obrigado a explorar a pa-
tente em nome próprio e sob sua conta e risco. A remuneração do licenciado
que pode ser fixo, ajustado previamente ou flexível, de acordo com o lucro
auferido pelo licenciado.
São obrigações do licenciante a de pagar as taxas perante o INPI, a ga-
rantia da evicção e vícios pré-existentes, a garantia da exploração e comunicar
os aperfeiçoamentos. Sobre essa última obrigação, ela possui um desdobra-
mento relevante. De modo geral, o entendimento consolidado está no sentido
de que, ao momento da assinatura do contrato, sob pena de responsabilidade
civil, o licenciante deve transmitir ao licenciado todas os aperfeiçoamentos
disponíveis, porém “quanto ao aprimoramento posterior, já que tanto o licen-
ciante quanto o licenciado pode desenvolvê-lo, ele pertence ao autor, assegu-
rando-se à parte não-autora a preferência no licenciamento” (BARROS, 2003,
p.274).
André Soares Oliveira e Heloísa Gomes Medeiros
278
propriedade intelectual
Entre as cláusulas sobre exploração, encontram-se aquelas que po-
dem limitar o uso da patente territorialmente. Nesse sentido, é interessante
notar um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação
Cível nº 7011675337, julgada em 14.07.2005 de relatoria do Desembargador
Dorval B. Marques. Entre outros assuntos de cunho processual, discute-se
nesse caso um contrato de licenciamento em que o titular de uma patente
de invenção (PI 9103071-4 B1) licencia o uso em uma determinada jazida de
propriedade da licenciada. Em suas alegações, o autor da ação – o titular da
patente – alega que o licenciado ter tomado utiliza-se de outro equipamento,
de processo similar ao da patente de invenção (contrafação), extrapolando e
desvirtuando o contrato avençado, causando-lhe inúmeros prejuízos.
No mérito, o relator observa que não há comprovação da contrafa-
ção. Além disso, os contratos de licença devem ser específicos, caso contrário,
a licença deve ser interpretada no sentido mais amplo, beneficiando o licen-
ciado. Sobre o caso, o relator conclui, analisando os termos da licença, que
[...] tal cláusula autoriza à empresa ré a utilização de forma ampla da pa-
tente de invenção, havendo, como única limitação, o local de seu uso, qual
seja, na jazida descrita na cláusula primeira, denominada “Cerro dos Pei-
xotos”.
Assim, ante a não limitação da licença concedida à empresa ré, deve-se
entender que a mesma estava autorizada a explorar a patente de forma
ampla, desde que nos limites da jazida mencionada (TJRS. Décima Quarta
Câmara Cível. Apelação Cível nº 7011675337, de Mineração Serra Geral
Ltda. vs. Geraldo Antunes Cacique e Sistop Granitos Ltda. Relator: Desem-
bargador Dorval B. Marques. Julgado em 14 de julho de 2005).
280
propriedade intelectual
4. Contrato de transferência de tecnologia frente ao
direito da concorrência
281
Por um aspecto moral, a propriedade intelectual funciona como uma
premiação ao inventor de ter seu nome vinculado a sua criação (CERQUEIRA,
2010). Defende-se que a falta desses reconhecimentos acarretaria num de-
sestímulo a novas criações.
Assim, classicamente a propriedade intelectual é tida como um direi-
to de propriedade, porém, recentemente, a propriedade intelectual tem sido
concebida como um monopólio.
Conceber a propriedade intelectual e os instrumentos oriundos de
sua exploração simplesmente como propriedade pura, muita das vezes, peca
por aferir àquela um sentido privatista absoluto, já a visão concorrencial traz
a este direito uma perspectiva de interesse coletivo (BARBOSA, 2010). Assim,
se estruturalmente os direitos de propriedade intelectual são semelhantes ao
instituto da propriedade, é propício dizer que funcionalmente tais direitos se
relacionam com a disciplina da concorrência (ASCARELLI, 1970), que regula o
uso do bem no mercado para que este mantenha-se de forma competitiva.
Nesse sentido, Calixto Salomão Filho (2003, p. 131) expõe que:
André Soares Oliveira e Heloísa Gomes Medeiros
283
A partir da expansão do direito antitruste em todo o mundo obser-
vou-se também o avanço da leitura conjunta deste instituto com a proprie-
dade intelectual, numa tentativa de equilibrar os interesses dos titulares de
direitos de propriedade intelectual e os interesses do mercado competitivo.
Assim, a propriedade intelectual assume um perfil eminentemente concor-
rencial, com a maximização do bem-estar social por meio do desenvolvimento
econômico e tecnológico (MONTEIRO, 2010; SALOMÃO FILHO, 2003)
A aplicação do direito antitruste na propriedade intelectual tem ob-
tido grande realce nas questões envolvendo contratos de transferência de
tecnologia, em especial nos licenciamentos, caso que será analisado a seguir
neste trabalho.
284
propriedade intelectual
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
Luciano Benetti Timm (2009, p. 104), com base nas condutas do arti-
go 21, lista como cláusulas tipicamente problemáticas nos contratos de trans-
ferência de tecnologia:
- cláusulas de licença reversa (grant back) - é a cláusula por meio da qual
um dos contratantes (geralmente o licenciado) deve conceder os diretos
em relação a qualquer melhoria introduzida na tecnologia negociada;
proibições de utilização de tecnologia após a expiração do contrato (post
expiry);
- cláusulas proibindo o questionamento administrativo ou judicial a respei-
to da validade do direito de propriedade intelectual (no challange) - cláu-
sulas que vedam o questionamento, quando o licenciado se compromete
a não questionar a validade dos direitos de propriedade intelectual objeto
do contrato;
285
- vendas casadas (tying arrangements) – cláusula de condicionamento é o
acordo pelo qual o licenciado é obrigado a comprar, do cedente, bens ou
serviços vinculados ao objeto principal do contrato;
- proibição ou de restrição à concorrência (non-competition clauses),
- fixação de preços (price fixing) – fixação de preço ocorre quando o ce-
dente impõe ao licenciado o preço que o produto deve ser vendido no
mercado;
- restrições de quantidade (volume restrictions),
- restrições de utilização (field-of-use restrictions) – restrição de finalidade
significa uma limitação de propósitos pelos quais o licenciado pode explo-
rar a tecnologia licenciada;
- licenças-pacote (package license) – licença conjunta ocorre quando o ce-
dente confere, na mesma transação, ao licenciado o direito de explorar
dois ou mais direitos de propriedade intelectual separados.
- cláusulas de não-concorrência;
- restrições de exportação (export restrictions);
André Soares Oliveira e Heloísa Gomes Medeiros
5. Considerações finais
Em tempos de economia da inovação, o conhecimento adquire im-
portância central enquanto elemento de uma concorrência non price entre as
empresas. A geração, proteção e aquisição de conhecimentos – protegidos ou
não por títulos de propriedade industrial – ganha destaque na agenda de pre-
ocupações não apenas dos grandes conglomerados industriais, mas também
dos pequenos empresários, sobretudo daquelas pequenas empresas de base
tecnológica.
Não se pode esquecer que a geração e circulação de conhecimentos
ocorre também sem a presença do Estado. Por meio de contratos de transfe-
rência de tecnologia, em especial os de licenciamento, o empresário impulsio-
na, por meio de arranjos contratuais atípicos, a circulação desse conhecimen-
to e movimenta a economia da inovação.
Contudo, tais contratos devem também ser submetidos a análise
pelo direito concorrencial, visto que existe um interesse de ordem pública na
concessão e circulação de direitos de propriedade intelectual: o incentivo a
inovação, ao desenvolvimento e ao progresso científico e tecnológico que só
podem ocorrer dentro de um ambiente concorrencial saudável.
287
propriedade intelectual
O DIREITO AUTORAL COMO INSTRUMENTO DE
EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA NA INCOMUNICABILIDADE DOS PROVENTOS DO
TRABALHO PESSOAL DE CADA CÔNJUGE
1. Introdução
O presente estudo tem como objetivo analisar, à luz do fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana e dos princípios dele decorren-
tes, quais sejam, igualdade, integridade física e moral (psicofísica), liberdade
e solidariedade, a incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de
cada cônjuge nos regimes de comunhão parcial e universal de bens. Para tan-
to, necessário entender a função instrumental da família na concepção do
direito civil-constitucional, bem como a importância do princípio da unidade
da família. Nessa medida, destaca-se decisão do Superior Tribunal de Justi-
ça (STJ), que afasta a aplicação literal do inciso VI do artigo 1.659 do Código
Civil e realiza interpretação restritiva para mantê-lo em consonância com os
ditames da Constituição Federal de 1988. Entretanto, ponto importante para
a questão é o caminho adotado pela lei autoral brasileira para determinar a
incomunicabilidade do direito patrimonial de autor, em virtude de afirmar que
os rendimentos de tal direito são comunicáveis. Ou seja, o direito patrimonial
de autor é incomunicável, mas os rendimentos que dele decorrem não. As
normas civilista e autoral muito se assemelham, só que a segunda tem reda-
ção mais adequada aos ditames constitucionais que a primeira. Dessa forma,
a lei 9.610 de 1998 pode ser utilizada, por analogia, para preservar a constitu-
cionalidade do dispositivo da norma civilista que trata dos proventos pessoais
de cada cônjuge.
A problemática da constitucionalidade, ou não, dos proventos do tra-
balho pessoal de cada cônjuge nos regimes de comunhão parcial e universal
de bens é algo que merece a devida análise. Como se admitir, por exemplo,
a comunicabilidade quando um dos cônjuges utiliza seus proventos de traba-
517 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito
Processual Civil pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Professor substituto da Universidade
Estadual Vale do Acaraú – UVA, na área de Direito Civil, no período de 2005 a 2007. Professor da Faculdade
Luciano Feijão em Sobral (CE) das disciplinas de Introdução à Ciência do Direito e Direito do Consumidor.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais – UNIFOR.
289
lho para a família e a incomunicabilidade quando o outro os utiliza para seus
investimentos pessoais? Observa-se, claramente, a inadequação e a injustiça,
tendo em vista a possibilidade do enriquecimento indevido de um consorte
em detrimento do outro, quando do encerramento da relação.
Entretanto, a pergunta a ser devidamente realizada é a seguinte: o in-
ciso VI, do artigo 1.659 do Código Civil, é inconstitucional? Ora, o enlace conju-
gal é fulcrado, principalmente, nos princípios da igualdade e da solidariedade
econômica, que são corolários do princípio da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, percebe-se, logo de início, que a interpretação literal indicando
a incomunicabilidade patrimonial não é constitucional.
Importante se torna situar os caminhos a serem trilhados no presente
trabalho. Inicia-se com uma abordagem na perspectiva do princípio da digni-
dade da pessoa humana que, por sua vez, traz à baila os princípios da igual-
dade, da solidariedade social e da unidade da família. Em consonância com
tais princípios, abordam-se as relações conjugais, bem como o princípio da
solidariedade econômica, à luz da solidariedade familiar.
Francisco Narcélio Ribeiro
290
propriedade intelectual
2. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais
Fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, da CF/88),
o princípio da dignidade da pessoa humana é a base para a construção de uma
sociedade em que o ser humano é colocado como um fim em si mesmo, in-
clusive de toda ordem jurídica. O imperativo categórico de Kant introduz tal
máxima como algo essencial à humanidade. Sobre o assunto, discorre Maria
Celina Bodin de Moraes (2010, p. 81):
Compõe o imperativo categórico a exigência de que o ser humano jamais
seja visto, ou usado, como meio para atingir outras finalidades, mas sem-
pre seja considerado como um fim em si mesmo. Isto significa que todas
as normas decorrentes da vontade legisladora dos homens precisam ter
como finalidade o homem, a espécie humana enquanto tal. O imperati-
vo categórico orienta-se, então, pelo valor básico, absoluto, universal e
incondicional da dignidade humana. É esta dignidade que inspira a regra
ética maior: o respeito pelo outro.
291
te, limita na mesma proporção o nosso arbítrio por ser objeto de respeito.
(…) do mesmo princípio racional que vale para mim, é, pois, ao mesmo
tempo, um princípio objetivo que vale para outra pessoa.
293
O Código Civil de 2002, que teve importante influência do jusfilóso-
fo Miguel Reale, estabeleceu suas bases nos princípios acima destacados; ou
seja, foi uma tentativa de consolidar a visão da dignidade da pessoa humana
nos ditames do direito civil-constitucional. Francisco Amaral ensina o seguinte
(2005, p. 11):
A influência de Miguel Reale, culturalista e anti-positivista crítico, foi deci-
siva no processo de elaboração do novo Código Civil brasileiro. Nesta obra
está a marca da concepção axiológico-experiencial desse jurista-filósofo,
com a sua idéia de modelo jurídico, in casu, modelos hermenêuticos que
se ligam, direta ou indiretamente, à existência de determinados valores,
como o da pessoa humana, o da liberdade, o da igualdade, o da solidarie-
dade, valores esses considerados “invariantes axiológicas” (REALE, 1994,
p. 115), que fundamentam as diretrizes básicas do Código Civil (a socialida-
de, a eticidade e a operabilidade) e influenciam o processo metodológico
de sua interpretação.
3. Família instrumento
Na perspectiva do direito civil-constitucional, a família deve ser ins-
trumento de realização e construção da dignidade humana de cada um dos
seus membros. Isso ocorrerá, conforme visualizado nas lições de Maria Celina
Bodin de Morais, na medida em que forem preservados e defendidos, dentro
do núcleo familiar, os princípios da igualdade, da liberdade, da integridade psi-
cofísica e da solidariedade.
Na visão da família instrumento, ensina Pietro Perlingieri (2007, p. 179):
Este interesse não exclusivo ora resta individual, ora assume o papel de
interesse coletivo, no sentido de realizar diretamente a tutela de todos os
componentes da família. Em uma e em outra hipótese, a titularidade do di-
reito compete aos membros da família e não à família como tal. Esta não é
uma pessoa jurídica, nem pode ser concebida como um sujeito com direi-
tos autônomos: ela é formação social, lugar-comunidade tendente à for-
mação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de
maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização
dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. (Grifo nosso.)
294
propriedade intelectual
Dentro das relações familiares está a conjugal. Esta, hodiernamente,
pauta-se no princípio da igualdade. O texto constitucional de 1988 abraça tal
princípio nos artigos 5º, I e 226, § 5º, e o Código Civil de 2002 o estabelece no
artigo 1.511. Exige-se, portanto, a igualdade material entre os cônjuges.
Os demais princípios também devem ser objeto de observação entre
o casal, haja vista a preservação dos sentimentos, do afeto e da harmonia
do núcleo familiar. Assim, a relação desenvolvida e construída deve ser tal
que preserve a liberdade de cada um, inclusive o respeito à individualidade,
tendo por pressuposto que a liberdade está sempre associada à responsabi-
lidade; bem como o respeito à integridade psicofísica, ou seja, um relaciona-
mento que desenvolva o ser humano em seus aspectos psicológico e físico e,
finalmente, a plenitude da solidariedade familiar, tanto no aspecto existencial
quanto no patrimonial, haja vista que, nesse contexto, a solidariedade econô-
mica é consequência da familiar.
Essa nova concepção de família supera completamente aquela exis-
tente no Código Civil de 1916, que tinha como características: superioridade
masculina (mulher submissa e incapaz), pautada na família tradicional, prote-
ção do patrimônio (valores patrimoniais acima dos valores existenciais), desi-
gualdade entre os filhos (filhos legítimos e ilegítimos), dentre outras. Tal visão
defendia a família como instituto jurídico. Entretanto, hodiernamente, confor-
me já relatado, a família é instrumento de efetivação da dignidade da pessoa
humana de cada um de seus membros, e, nessa medida, deve atentar para os
princípios atrás consignados.
4. Unidade da Família
O parágrafo segundo do artigo 29 do Código Civil italiano expressa
que “o casamento é ordenado sobre a igualdade moral e jurídica dos cônju-
ges, com os limites da lei como garantia da unidade familiar”. Constata-se a
garantia do princípio da igualdade e a preservação da unidade familiar. Entre-
tanto, alerta Pietro Perlingieri (2007, p. 250-252), que “é necessário colocar
em evidência que ‘unidade da família’ não deve ser confundida nem com ‘in-
dissolubilidade do casamento’ nem com ‘unidade do casamento’”.
Na verdade, a unidade da família é uma concepção consciencial de
preservação do princípio da dignidade da pessoa humana dos membros do
núcleo familiar, aplicando-se mesmo no caso de dissolução do casamento. É
algo que estabelece o enfrentamento de problemas vividos na realidade da
família, em nome da união que deve pautar os seres humanos entre si, mes-
mo quando discordam, posto que esta discordância resulta da própria família
democrática, em que todos os membros são individualmente considerados.
295
Cotejando o que se afirmou acima com as normas do Código Civil
brasileiro, principalmente os artigos 1.511, 1.565, 1.567 e 1.568, percebe-se
que a unidade da família está caracterizada de forma implícita no ordenamen-
to pátrio, abrangendo situações que devem pautar a relação conjugal, ainda
que no processo de sua dissolução, notadamente na preocupação com o bem
estar psicofísico e econômico-financeiro dos dois membros de sobredita re-
lação. Destaca-se, também, da referida análise, a obrigação dos cônjuges de
concorrerem, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para
o sustento da família, qualquer que seja o regime patrimonial.
296
propriedade intelectual
são incomunicáveis, dentre eles destaca-se os proventos do trabalho pessoal
de cada cônjuge. Tal dispositivo foi inovação da norma civilista de 2002 e está
expresso no inciso VI do artigo citado.
297
7. Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ): proventos
dos trabalhos pessoais
Ressalte-se aqui o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça,
em foco:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.295.991 - MG (2011/0287583-5)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : A C F
ADVOGADOS : ALEXANDRE MIRANDA OLIVEIRA
ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : E G M
ADVOGADOS : MARCELO SOARES E OUTRO(S)
MATHEUS DANTAS DE CARVALHO E OUTRO(S)
MOZART VICTOR RUSSOMANO NETO E OUTRO(S)
THIAGO DOS SANTOS BARRAL
Francisco Narcélio Ribeiro
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMU-
NHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA
UNIÃO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVI-
VENTES. PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTEN-
CIAM A CADA UM ANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS
CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDA-
DE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS.
1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, quando o
acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamen-
to da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.
2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção
absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união
são resultado do esforço comum dos conviventes.
3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos
os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocio-
nal e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a
construção do patrimônio comum.
4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando
configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda
quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em
cada caso.
298
propriedade intelectual
5. A interpretação restritiva preserva o conteúdo da norma, não a desna-
tura, simplesmente restringindo sua aplicação.
6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se
malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.
7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser pre-
sumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito
de qualquer participação financeira.
8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada,
devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do
patrimônio comum.
9.RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Grifo nosso)
300
propriedade intelectual
ofensa ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, posto
que preserva a importância da família no atual panorama constitucional.
Ora, a lei autoral, ao contrário do artigo 1.659 do Código Civil, expli-
cita claramente o que é comunicável. Assim, embora o direito patrimonial
de autor não o seja, por suas peculiares características, os seus rendimentos
se comunicam. Tal visão preserva os cônjuges numa possível dissolução da
união, em virtude de impedir que haja distorções e injustiças decorrentes de
ofensas aos princípios da igualdade, da solidariedade familiar e da unidade
da família.
Discorrendo sobre as peculiaridades do direito patrimonial de autor e
de seus proventos, Fernanda Ferrarini Cecconello (2001, p. 5) ensina:
Os rendimentos resultantes da exploração da criação, ou seja, a fruição
patrimonial que a obra lhe traz, sim, é comunicável. É devido aos rendi-
mentos, ao proveito econômico, resultado do comércio, visto ser profis-
são lucrativa, não se relacionando com o ato criativo em si, que o cônjuge
não-autor pode defender a obra de engenho, cuja aquisição dos direitos é
pessoal. Mas utilizar patrimonialmente a obra intelectual não compreen-
de o poder de decidir a oportunidade, o modo, a forma e qualquer outra
modalidade da primeira publicação.
Caso ocorra uma ruptura do matrimônio, estes rendimentos devem ser
arrolados na partilha dos bens. Embora com repercussões patrimoniais,
este poder de autoria intelectual constitui um direito moral do autor, que
segundo a Lei nº 9.610-98, é inalienável e irrenunciável.
301
primeira. Ora, o direito patrimonial de autor pode se configurar como um
provento pessoal de um dos cônjuges da relação; e, nesse contexto, não ser
comunicável, conforme determinam as duas normas. Entretanto, isso, por si
só, não basta! É necessário especificar que os rendimentos de tais proventos
pessoais entram na comunhão. Tal especificação é realizada pela norma auto-
ral e negligenciada pela norma cível.
Por outro lado, comparando-se os argumentos do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), no recurso especial acima colacionado, com a lei autoral, che-
ga-se à conclusão que o Superior Tribunal utilizou-se de interpretação restriti-
va que resultou numa decisão contra legem. Enquanto que na norma autoral é
a própria lei quem determina a comunicabilidade dos rendimentos. Na primei-
ra, a interpretação restritiva foi utilizada indevidamente; na segunda, a mera
interpretação literal é suficiente. Com isso, confirma-se que a lógica autoral
é a que melhor realiza o fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana nas relações familiares e, em particular, na relação conjugal.
9. Conclusão
Francisco Narcélio Ribeiro
303
Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR O livro propicia uma reflexão sobre os temas relacionados à propriedade inte-
O GEDAI/UFPR busca a formação de uma rede nacional e in- lectual, realizada por pesquisadores e especialistas em Direito reconhecidos pela co-
ternacional de cooperação acadêmica na área de propriedade inte- munidade científica nacional e internacional.
MARCOS
lectual, contando em suas publicações com um Conselho Editorial Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial
composto por especialistas nacionais e estrangeiros. A obra é fruto de um intercâmbio acadêmico sólido realizado por pesquisa- – GEDAI/UFPR –
Organizador
Estudos de Direito
O GEDAI/UFPR possui como linhas de pesquisa as seguintes dores do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI da Universidade
WACHOWICZ
O GEDAI/UFPR vinculado ao Programa de Pós-graduação
temáticas: Federal do Paraná – UFPR em parceria com grupos de pesquisa no Brasil, a saber: o
em Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR tem
Propriedade Intelectual – Inovação e Conhecimento: anali- Instituto de Propriedade Intelectual do Brasil – IBPI, o Instituto de Tecnologia e Socie- como seu principal objetivo estudar o desenvolvimento dos
dade - ITS do Rio de Janeiro e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da
sar a tutela jurídica dos novos bens intelectuais advindos da nova
Tecnologia da Informação com vistas ao desenvolvimento socioe- Universidade de Fortaleza – UNIFOR. da Direitos de Propriedade Intelectual na Sociedade da Informa-
ção, através da comparação do sistema internacional de direi-
conômico que promova inovação, inclusão tecnológica e difusão
do conhecimento.
Direito Autoral: Direitos Fundamentais e Diversidade Cultu-
A parceria internacional está capitaneada pelo Grupo i+d Propiedad Intelectual
e Industrial da Universidade de Valência – Espanha.
PROPRIEDADE INTELECTUAL tos autorais e industriais, da análise dos processos de concreti-
zação dos direitos e diversidades culturais e da reflexão sobre
a regulamentação dos direitos intelectuais frente aos desafios
ral: compreender os efeitos do direito fundamental à cultura sobre da Sociedade da Informação.
os limites do direitos autorais; a proteção e circulação da produção Além disso, a obra reúne o esforço de doutrinadores de renomadas universi-
cultural desenvolvida nas instituições públicas; os papéis da cidada- dade europeias: Universidade Clássica de Lisboa (Portugal), Universidade Complutense Para atingir essa finalidade por observa-se três objetivos
nia cultural no processo de inclusão social; a função do Estado em
matéria cultural, as políticas públicas de cultura e a regulamentação
de Madri (Espanha) e Universidade de Valência (Espanha).
MARCOS WACHOWICZ específicos:
(i) compreensão dos efeitos do direito fundamental à cul-
PROPRIEDADE INTELECTUAL
jurídica dos direitos culturais. Ressalte-se o apoio fundamental das agências de fomento à pesquisa, CAPES e ORGANIZADOR tura e diversidade cultural na sociedade contemporânea,
ESTUDOS DE DIREITO DA
Economia Criativa: Propriedade Intelectual e Desenvolvi- CNPq, imprescindível para a realização dos projetos de pesquisas que culminaram com analisando os limites dos direitos autorais na tutela dos
mento: estudar o Direito Autoral enquanto instrumento jurídico o lançamento da presente obra. bens imateriais;
capaz de servir como marco regulatório para a formulação de po- (ii) avaliação das consequências da revolução tecnológica
líticas públicas a fim de fortalecer as indústrias criativas e dinâmi- em andamento e do advento da cultura digital sobre a re-
cas, com vista a uma Economia Criativa sustentável para o país.
gulamentação dos direitos intelectuais; e
Regime Internacional de Propriedade Intelectual: Estudo dos (iii) identificação do conteúdo da proteção jurídica e o al-
Tratados e Organizações Internacionais (OMC, OMPI e UNESCO) com cance da circulação da produção intelectual/cultural de-
o escopo de avaliar o Sistema Internacional de Tutela da Propriedade Apoio e financiamento de: senvolvida nas instituições públicas.
Intelectual face a revolução tecnológica da informação, bem como,
das novas formas de comunicação, de expressão, de produção de Visando intensificar o intercambio da pesquisa no Brasil, o
bens intelectuais que com as novas redes sociais na Internet possibi- GEDAI/UFPR envolve-se em projetos com outras equipes aca-
litam a socialização do conhecimento. dêmicas de diversas instituições de ensino superior e de pes-
Sociedade da Informação: Democracia e Inclusão Tecnoló- quisas brasileiras. Desta forma com a finalidade de ampliar os
gica – analisar as novas formas de criação de bens intelectuais estudos sobre temas relacionados a Propriedade Intelectual e
(obras colaborativas), de transformação criativa (samplers), de seus desafios na Sociedade da Informação o GEDAI/UFPR faz
distribuição/compartilhamento advindas das redes sociais (P2P), um convite para que os pesquisadores venham integrar esta
e a socialização do conhecimento enquanto paradigma da cultura grande rede de presquisa e publicação acadêmica.
digital sobre a regulamentação dos diretos autorais.
As publicações do Grupo de Estudos em Direito Autoral e
Direitos das Novas Tecnologias da Informação e Comu- Industrial – GEDAI/UFPR – são espaços de criação e comparti-
nicação (TIC’s): identificar o conteúdo da proteção jurídica e o
lhamento coletivo, visando facilitar o acesso às pesquisas pela
alcance da circulação da produção cultural desenvolvida nas ins-
tituições públicas e do regime de concorrência aplicado às novas INTERNET, disponibiliza-as gratuitamente para download. É mais
mídias na Internet. uma alternativa para a publicação de pesquisas acadêmicas, for-
mando uma rede de compartilhamento aberta para toda a comu-
Propriedade Intelectual e Direito Concorrencial – com- nidade científica.
preender a interface do direito concorrencial e da propriedade
intelectual nos novos modelos de negócios na Sociedade da In- As publicações GEDAI/UFPR em meio digital estão dis-
formação com foco no desenvolvimento dos setores produtivos poníveis no site: www.gedai.com.br
da Economia Criativa.
As publicações GEDAI/UFPR em meio digital estão disponí-
veis no site: www.gedai.com.br