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PIRACICABA, SP
2008
A RELAÇÃO ENTRE PROTESTANTISMO E SOCIEDADE
BRASILEIRA NO FINAL DO SÉCULO XIX FRENTE AOS
TEMAS DA EDUCAÇÃO E ESCRAVIDÃO
PIRACICABA – SP
2008
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Ademir Gebara
UNIMEP
ORIENTADOR
A proposta desta pesquisa foi, tendo como amparo teórico a sociologia de Bourdieu,
estudar a relação entre o presbiterianismo, enquanto corrente protestante que se
instalou no Brasil na segunda metade do século XIX, e os temas da educação e da
escravidão. A partir da teoria dos campos de Bourdieu, procuramos interpretar o
movimento presbiteriano enquanto um campo social composto pelo seu capital
simbólico e que, dentro de suas pretensões expansionistas, deparou-se com outros
campos sociais ricos de capital simbólico já estabelecidos no Brasil. O confronto entre
esses campos simbólicos é apresentado levando-se em consideração a capacidade
de ambos de imporem seus discursos a partir da lógica da oferta e da demanda.
Estão presentes na discussão firmada os papéis da Igreja Católica, da maçonaria, do
Império e do partido republicano enquanto campos que de forma circular e dialética
se entrecruzaram com o campo protestante. A escolha do tema da educação se deu
por força de que foi no campo educacional o espaço onde o presbiterianismo
alcançou maior êxito. A escolha do tema da escravidão ocorreu por força de que
nesse campo a participação protestante, de forma geral, foi diminuta.
The present work propose with the theoretical aid of the Bourdieu’s sociology, to
determine the relationship between the Presbyterianism, seen as a protestant
tendency settled in Brazil in the second half of the nineteenth century and the
themes of education and slavery. From the Bourdieu’s theory of the fields we
seek to interpret the Presbyterian movement while a social field composed by its
symbolic capital, what, as part of its expansionist intentions, was faced with other
fields plains of social symbolic capitals already presents in this country. The
confrontation between these two symbolic camps is presented if we take in
consideration the capacity of both to impose their speeches from the logic of
supply and demand . These speeches are present in the discussion about the
established roles of the Catholic Church, Freemasonry, Empire and the
Republican party seen as fields what in a circular and dialetics ways move and
intercross with the Protestant field . The choice of the theme of education was
made by virtue of it has been the educational field the space where the
presbyterianism achieved greater success. The choice of the theme of slavery, on
the contrary, occurred because it was jus in this field that on the hole it there was
the least participation of the Protestant people.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................................16
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................140
INTRODUÇÃO
O recorte estabelecido como limite inicial do estudo é o ano de 1859. Data que
marcou a chegada e início de um processo de implantação do protestantismo no
Brasil, trazendo consigo seus ideais educacionais e abolicionistas. Sobre os ideais
educacionais, destacamos a data de 08 de dezembro de 1871, quando o Colégio
Internacional foi fundado, em Campinas, pelos missionários presbiterianos George
Nash Morton e Edward E. Lane, com apoio de algumas das famílias mais destacadas
da província de São Paulo, liberais e republicanos, como por exemplo “Campos
Salles, Souza Aranha, Penteado, Caldeira, Alves Cruz (inspetor de instrução pública),
Amaral, Rangel Pestana, Quirino dos Santos Camargo, Moraes Barros, Cerqueira
Leite, dentre outras” Dawsey, (2005, p. 153). Esse fato, que se repetiu em diversos
outros casos, demonstra a receptividade das elites liberais, em geral dos maçons, à
proposta educacional dos missionários protestantes.
Em 1864, chegou a São Paulo o reverendo George W. Chamberlain, vindo do
Rio de Janeiro, onde havia fundado, em 1862, juntamente com Simonton1 e
Blackford, a primeira igreja Presbiteriana do Brasil. Ao chegar à província,
Chamberlain viajou pelo interior, distribuindo bíblias e divulgando os ideais da fé
protestante. Sua esposa começou a lecionar para uma turma de meninas, na classe
que organizou na própria sala de jantar de sua casa. Dessa iniciativa, surgiu o
Mackenzie College, em São Paulo, conhecido atualmente como Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Em Piracicaba, com a participação dos irmãos Prudente 2 e Manuel de Moraes
Barros, foi criado primeiramente, por breve período, em julho de 1879, o Colégio
1
Simonton, o primeiro missionário presbiteriano a chegar ao Brasil, em 1859.
2
Prudente de Moraes foi posteriormente o primeiro Presidente civil da República.
12
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
“bagagem teórica” que pode apenas nos dar a ilusão de estarmos compreendendo as
coisas. Valorizá-las demais equivale a construir edificações sobre a areia.
Salientamos que esse processo de ruptura não pode e não deve ocorrer de
forma qualquer, mas sim através de um sistema conceitual organizado, capaz afinal
de comunicar a lógica que o pesquisador supõe existir como pilar do fenômeno em
análise. Atentos aos aspectos que caracterizam essa ruptura, devemos então
considerar o passo seguinte do processo, a construção da pesquisa.
A existência desse sistema conceitual organizado, além de dar condições para
explicar as estruturas do problema de pesquisa, obedece ainda a um segundo
momento no processo, qual seja:
É graças a esta teoria que ele (o pesquisador – grifo nosso) pode erguer as
proposições explicativas do fenômeno a estudar e prever qual o plano de
pesquisa a definir, as operações a aplicar e as conseqüências que
logicamente devem esperar-se no termo da observação. Sem esta
construção teórica não haveria experimentação válida. Não pode haver,
em ciências sociais, verificação sem construção de um quadro teórico de
referência. Não se submete uma proposição qualquer ao teste dos fatos.
As proposições devem ser o produto de um trabalho racional,
fundamentado na lógica e numa bagagem conceitual validamente
constituída. (QUIVY, 1988, p. 26)
Passada essa primeira etapa, fomos tendo contatos também com outras
pesquisas referentes ao protestantismo no Brasil, dissertações de mestrado e teses
de doutoramento de várias universidades brasileiras. Apontamos algumas como
sendo aquelas que mais nos chamaram a atenção 3 e que constituem um importante
demonstrativo da produção acadêmica referente à história do movimento protestante
brasileiro.
Ao longo da verificação desses trabalhos, notamos que, embora com
perspectivas e ênfases distintas, todos indicavam para o reconhecimento da
importância do movimento protestante no que tangia à educação, como bem
demonstra Vieira (2006) no seu trabalho referente à influência liberal norte -americana
na Reforma Caetano de Campos – 1890.
Se por um lado descobrimos sinais de contribuições da educação protestante
naquele recorte histórico do final do século XIX, no Brasil, no entanto, sentíamos que
faltavam pesquisas que nos auxiliassem a compreender como o movimento
protestante se inter-relacionou com o assunto da escravidão.
Barbosa, mencionando o missionário Ashbel Green Simonton como um
abolicionista, declara, contudo, que “os primeiros missionários presbiterianos
enviados pela Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos eram explicitamente
contrários à escravidão, mas não chegaram a desenvolver atividade em torno do
processo abolicionista”, Barbosa (2002, p. 44).
Em suas conclusões finais, o autor destaca, no ambiente de suas reflexões
sobre as razões do distanciamento do protestantismo face à escravidão no Brasil, que
“a teologia do protestantismo missionário no Brasil foi satisfatoriamente adequada a
um prudente distanciamento da igreja em relação aos graves problemas enfrentados
pela sociedade, entre eles, a escravidão negra” (Barbosa, 2002, p. 189).
3
Maria L. Hilsdorf. Escolas americanas de confissão protestante na província de São Paulo: um estudo
de suas origens. 1977. 228 f. Dissertação (mestrado em Educação) – FEUSP, São Paulo, 1977.
Chamo, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: trajetória profissional de uma
educadora – 1839-1929. 2005. 360 f. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005 e a dissertação de mestrado de CLARK,
Jorge Uilson. A imigração norte-americana para a região de Campinas: análise da educação liberal no
contexto histórico brasileiro. 1998, 176 f. Dissertação (mestrado em educação) – Faculdade de
educação da Universidade de Campinas, Campinas: 1998. PARIS, A Mary Lou. A educação no
Império: jornal a província de São Paulo. 1980. 108 f. dissertação (mestrado em educação) – faculdade
de educação da universidade de São Paulo, São Paulo, 1980 e muito recentemente o trabalho de
VIEIRA, César Romero Amaral Protestantismo e educação: A presença liberal norte americana na
reforma Caetano de Campos – 1890. 205p. Tese (Doutorado em educação) – Universidade Metodista
de Piracicaba, Piracicaba, São Paulo, 2006. ANDRADE, Ezequiel. Metodismo e Escravidão no Brasil
(1835.1888).São Bernardo do Campo. ISM 1995.
22
4
. Elizete da Silva. Visões Protestantes Sobre a Escravidão. Publicado eletronicamente na revista de
estudos da religião da pontifícia universidade católica de São Paulo;
http://www.pucsp.br/rever/rv1_2003/p_silva.pdf último acesso em 23 de agosto, 2007.
23
1.3 JUSTIFICATIVAS
5
Miceli, pontuando aspectos desse processo reinventivo de Bourdieu, destaca que as análises das
práticas de produção e consumo culturais mobilizaram procedimentos imaginativos e heterodoxos;
exploraram fontes documentais até então praticamente desconsideradas, como fotos, materiais
publicitários, resultados de sondagens realizadas fora da universidade entre outros; remapearam o
terreno social de emergência das práticas culturais a meio caminho entre afazeres cotidianos,
reclamos éticos, exigências estéticas, ritmação afetiva e pontuação expressiva.
27
religioso. O “saber” dos sacerdotes é sagrado enquanto que a “ignorância” dos leigos
é profana. Por isso é que a cosmovisão (ortodoxia e prática correta) dos fiéis (leigos)
é determinada pelos sacerdotes (funcionários religiosos).
Declara Bourdieu:
Uma vez que a religião, e em geral todo sistema simbólico, está predisposta a
cumprir uma função de associação e de dissociação, ou melhor, de distinção,
um sistema de práticas e crenças está fadado a surgir como magia ou como
feitiçaria, no sentido de religião inferior, todas as vezes que ocupar uma
posição dominada na estrutura das relações de força simbólica, ou seja, no
sistema das relações entre o sistema de práticas e de crenças próprias a uma
formação social determinada. (BOURDIEU, 2005, p. 43)
A religião tem de ser entendida também como instrumento, nas mãos de quem
possui o poder religioso, que legitima posições sociais determinadas de atores sociais
determinados, isto é, a religião justifica o status quo e as posições que os atores
ocupam dentro dele.
Mais uma vez, fica clara, portanto, a importância do estudo sociológico da
religião, uma vez que esta cumpre funções sociais que são diferenciadas e que
dependem da posição social ocupada pelos atores sociais dentro da estrutura de
classes sociais, e também da posição ocupada por eles dentro da divisão social do
trabalho religioso. O que permanece sempre invariável é a dinâmica interna ao
campo: a concorrência entre os que têm o capital consolidado e os que não o
possuem.
Aqui, é bom que se diga, a fim de evitar quaisquer exageros, que os atores
sociais manipulados pelos detentores do poder, com exceção dos “hereges”, não o
são contra a vontade. Ao contrário, faz parte de sua interpretação de mundo e de sua
cosmovisão pertencer ao campo religioso, ocupando dentro dele as posições que lhe
são determinadas. Isto é o que Bourdieu chama de habitus de classe ou de grupo.
Até porque a religião é quem fornece a segurança social (oferta) de que as pessoas
têm necessidade (demanda).
Assim é que, ao santificar o status quo, a religiosidade dominante justifica a
hegemonia das classes dominantes e a imposição do reconhecimento da legitimidade
dessa classe sobre a dos dominados. A estes resta a compensação e a
transfiguração simbólica (promessa de salvação) ou transmutação do destino em
escolha (exaltação do ascetismo). A eficácia simbólica do discurso da camada
dominante reside justamente na capacidade dela ocultar em seu discurso os
interesses políticos e seu interesse pelo poder.
35
discurso como técnica de cura do corpo. Sua clientela são as classes inferiores,
especialmente os camponeses. Ele é submisso ao interesse material, trabalha por
encomenda. Há uma “vantagem didática” na observação de sua atividade: “o feiticeiro
pode assumir explicitamente seu papel na relação vendedor/cliente que constitui a
verdade objetiva de toda relação entre especialistas religiosos e leigos” Bourdieu
(2005, p. 61).
A Igreja reage ao feiticeiro via ritualização e canonização de crenças
populares. A lógica de funcionamento da igreja (sua prática sacerdotal, a forma e o
conteúdo da mensagem) é resultante de coerções internas e forças externas. As
forças externas são os interesses religiosos e a concorrência do profeta e do
feiticeiro. Para entender a mensagem, é preciso observar o jogo entre o interno e o
externo. Quanto mais se amplia/diversifica a área de difusão da mensagem, mais as
forças externas explicam seu conteúdo, que é adaptado em nome de concessões e
acomodações.
Quando a Igreja detém o monopólio total, a concorrência ocorre via oposição
entre Ortodoxia e Heresia. Os conflitos no subcampo dos teólogos são inevitáveis,
mas tendem a ser restritos a ele. Os cismas clericais só se tornam heresias populares
quando se confundem com um conflito litúrgico.
Tal contribuição não elimina a tensão entre poder político e religioso. Essa
tensão comanda a configuração do campo religioso. E, conforme essa configuração,
a profecia vai adotar formas diferentes.
39
com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele
à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal”7. Por ter sido a
última confissão de fé formulada pela igreja no período da reforma, sua influência no
pensamento protestante no pós-reforma do século XVI, foi significativa.
7
Confissão de Fé de Westminster. Casa Editora Presbiteriana. Santo André s/d p.15. (Destaca-se que
todo este capítulo sétimo dedica-se a tratar do Pacto de Deus com o homem – há que se destacar
ainda que a confissão de fé de Westminster foi a última das confissões formuladas no período da
Reforma do séc. XVI)
43
grandes líderes dos tempos bíblicos com suas próprias experiências ao colocarem
seus pés na América do Norte.
Essa paixão com o possível, nas palavras do marxista Ernest Bloch, fez
deles peregrinos incessantes, que nunca estavam satisfeitos. Eles
estavam certos que o senhor os chamara para “darem frutos e se
multiplicarem” e, especialmente para dominarem a terra. Era sua missão
cultivar, e não minerar ou saquear, como achavam que os católicos
tinham feito. Além de suas atitudes no sentido da transformação pelo
homem da paisagem natural – uma atitude religiosa que ainda existe na
cultura – eles trouxeram o sentido da aliança, que herdaram dos antigos
judeus, cuja história estaria vivendo na “Sião americana”. A aliança era
uma espécie de pacto ou acordo entre um Deus confiável – com o qual
se podia contar – e um povo receptivo e responsável. O que eles fizeram
para o meio natural, ou para a formação do comércio, da cultura e do
caráter foi a encenação na terra de um drama que decorre nos céus. A
idéia calvinista da presciência divina e da predestinação não os
submergiu no fatalismo ou na passividade. Eles encontraram sentido no
labor do dia-a-dia e procuraram compreender o significado de sua
eleição e predestinação. (LUTHER S. LUEDTKE, sd, p. 319)
8
Ao enfatizar a soberania de Deus e a dependência do homem, o puritanismo (apenas com um pouco
mais de energia do que o protestantismo em geral) chocava-se com o espírito moderno de otimismo e
individualismo confiante. Ainda assim, ao mesmo tempo, o puritanismo imprimia um poderoso ímpeto
psicológico ao esforço individual. Os puritanos eram atletas morais, convencidos de que a vida correta
era a melhor prova de que o indivíduo desfrutava a graça de Deus. A vida correta incluía trabalhar tão
arduamente e ser tão bem-sucedido quanto possível em qualquer ofício mundano e negócio em que
Deus houvesse colocado a pessoa. Animados por essas convicções, não era de admirar que os
puritanos fossem altamente vitoriosos em suas atividades temporais, em especial nas circunstâncias
favoráveis oferecidas pelo ambiente do Novo Mundo.
45
A sinceridade nas idéias, aliada à fé utópica, nos leva a crer que a história do
Destino Manifesto do povo americano teve uma fase utópica que percorre todo o
período da colonização e o seguinte. No entanto, logo após a Independência, na
mistura com elementos novos advindos do sucesso da nova nação, assume
contornos ideológicos em sua concepção menos simpática de que idéias de certa
ordem, no caso religioso, justificam comportamentos de ordem diversa, no caso,
ecônomico-políticas10.
10
A respeito do conceito de ideologia e/ou utopia do Destino Manifesto, o leitor encontrará mais
informações no “Caderno de O Estandarte”. Publicação especial em comemoração ao Centenário da
IPI do Brasil – Julho/2003 p. 29, no qual o professor Mendonça aborda o tema.
47
dos EUA, e, como veremos, havia uma sensível diferença na forma de se tratar o
problema entre essas duas regiões dos EUA.
Para tornar mais simples e direta nossa compreensão, elegemos os aspectos
racial, econômico e religioso como sub-temas imbricados no eixo central que é a
escravidão na América do Norte . Para nós, situar bem essa discussão é importante
para que nossas afirmações posteriores a respeito da posição dos missionários
vindos do norte dos EUA frente ao tema da escravidão no Brasil estejam bem
amparadas.
daquele de quem foi declarado igual; não poderia encontrar-se com ele
em parte alguma, nem na vida, nem na morte. (TOCQUEVILLE, 1977, p.
263)
Uma segunda chave de leitura que pode nos auxiliar a entender melhor a
existência da escravidão nos Estados Unidos se relaciona com o interesse econômico
que o tema envolvia. Nesse ponto, mais uma vez, notamos formas diferentes sobre o
modo como o processo se desenvolve no Sul e no Norte.
Ao Norte, mesmo com um contingente de escravos quantitativamente inferior
ao existente no Sul, a produtividade e desenvolvimento industrial se mostravam muito
superiores. Vejamos esse registro:
11
Acrescentamos ainda que, basicamente, os sulistas achavam a agricultura de gêneros de primeira
necessidade um campo de atividade mais lucrativo e mais gratificante socialmente do que a indústria
manufatureira ou o comércio. A razão porque pensavam assim pode ser explicada pela escravatura e
pela fazenda. Uma das bases necessárias para o desenvolvimento das manufaturas é um mercado
apropriado. Uma sociedade onde um quarto da população produtiva é composta de escravos não
oferece um amplo mercado, uma vez que os escravos consomem apenas as necessidades mais
simples. Coben S. & Ratner N. 1985, p.156.
52
“Como é geralmente conhecido, o sul era, como até certo ponto ainda é,
o chamado circulo da Bíblia dos Estados Unidos”. Os teólogos sulistas
protestantes eram ortodoxos intérpretes das escrituras sagradas –
fundamentalistas, nos termos hodiernos. A escravidão era tida como uma
instituição ordenada por Deus. O negro era um descendente de Cam,
amaldiçoado por Deus para ser sempre o servo dos servos de seus
irmãos. O protestante sulista acreditava que ele, só ele, era o verdadeiro
defensor da Palavra de Deus. Essas crenças, virtuosas aos seus
próprios olhos, provocavam em muitos protestantes sulistas um odium
theologicum dos seus irmãos nortistas (...) do ponto de vista do
protestante sulista os yankees há muito tinham abandonado o caminho
de Deus. O protestantismo nortista, que não tinha renunciado
inteiramente ao cristianismo para tornar-se Unitarista, fora influenciado
pelos novos conceitos da alta crítica da Bíblia, ainda que fosse, de modo
geral, bem conservador. Além disso, sob a influencia de idéias liberais,
os protestantes nortistas tinham-se rebelado contra aquela instituição
12
Sobre o tema referente às sensíveis diferenças de perspectivas religiosas/teológicas entre Norte e
Sul dos EUA, o leitor poderá encontrar ainda valiosas informações a respeito do assunto no livro
intitulado “O desenvolvimento da Cultura Norte-Americana, de Stanley Coben e Norman Ratner, entre
as páginas de número 147 e 185.
54
13
No âmbito da discussão sobre a utilização do discurso religioso como forma de legitimar ou mesmo
de denunciar a escravidão, indicamos a obra de Eugene Genovese, intitulada “Da Rebelião à
Escravidão” 1983 páginas 25 a 61, como uma referência importante para se compreender que no
ambiente dessa incorporação do discurso religioso por grupos sociais, os escravos foram alimentados
por essa iniciativa e lançaram mão do mesmo instrumento com a finalidade da promoção de rebeliões.
55
14
Para que o leitor possa situar-se historicamente, em face dos acontecimentos principais relacionados
à guerra, indicamos: Ano 1860, Abraham Lincoln (Republicano) é eleito. 1860-1861, sete Estados do
baixo sul se separam e organizam os Estados Confederados da América. 1861 Os confederados
bombardeiam o Forte Sumter, dando início à Guerra Civil. A Virgínia, Carolina do Norte, Tennessee e
Arkansas se separam e ingressam na confederação. 1863 A proclamação da Emancipação, baixada
por Lincoln, declara livres todos os escravos existentes em áreas confederadas. 1865 Lee rende-se a
Grant em Appomattox Courthouse. Lincoln é assassinado. A décima terceira emenda abole a
escravidão em todos os Estados Unidos.
57
15
Eles temiam que a emancipação dos escravos causasse um êxodo geral de libertos para o Norte e
que a decorrente competição por trabalho achatasse os salários e gerasse desemprego. Os
trabalhadores brancos de muitas localidades procuravam aumentar seus salários por meio de greves,
mas a disposição dos empregadores em usar fura-greves negros os convenceu de que a competição
com os trabalhadores negros já se havia materializado. Como resultado, ocorriam lutas e distúrbios
quando os negros procuravam trabalho. Em Nova York, em 1862, um grupo de mulheres e crianças
negras que trabalhavam em uma fábrica de fumo foi atacado por uma multidão. O uso de
trabalhadores na Ferrovia Camden and Amboy, em Nova Jersey, causou considerável agitação e
ameaças de represálias por brancos desempregados. Os estivadores de Chicago, Detroit, Cleveland,
Buffalo, Nova York e Boston combateram os trabalhadores negros sempre que eles foram admitidos
no emprego.
59
...No último ano da guerra, pelo menos 1.000 jovens nortistas, homens e
mulheres, ensinavam ex-escravos e cuidavam deles. Traziam o l usas,
lápis, manuais de ortografia e de leitura, quadros-negros e giz. Embora
encontrassem forte oposição na maioria dos brancos sulistas, havia
alguns que não somente eram favoráveis ao êxito das escolas para
negros como também contribuíam para tal êxito. Através de todo o Sul
encontravam-se brancos naturais da região ensinando negros antes do
fim da guerra. (FRANKLIN, 1989, p. 203)
O fim da guerra foi, além do mais, o início de uma nova era na história
dos Estados Unidos. A revolução econômica trazida pelas enormes
forças liberadas na guerra iria transformar todas as fases da vida norte-
60
Não poderia ter dúvidas de que a instrução do povo, nos Estados Unidos,
serve poderosamente à manutenção da república democrática. Creio eu
que assim há de ser em toda parte onde não se separe a instrução que
esclarece o espírito, da educação que regula os costumes. Todavia, não
exagero em nada essa vantagem, e estou ainda mais longe de crer,
como o faz grande número de pessoas na Europa, que basta ensinar os
homens a ler e escrever para logo fazer deles cidadãos. Os verdadeiros
conhecimentos nascem principalmente da experiência, e se os
americanos não tivessem sido habituados pouco a pouco a governar-se
por si mesmos, os conhecimentos literários que possuem de modo algum
lhes seriam hoje um grande auxílio para ter êxito neste particular.
(TOQUEVILLE, 1977, p. 234)
17
A respeito do impacto dessa lei sobre a educação em Massachusetts, Larroyo agrega a opinião de
que como pano de fundo, a rec ente legislação estava inspirada numa série de princípios (uns antigos,
outros recentes) em relação fundamental com o desenvolvimento das colônias: a educação de todos
era pressuposto do bem-estar da nação; os pais de família tinham obrigação de educar seus filhos, e o
Governo de fazer cumprir este mandato, embora isso pudesse ser feito mediante fundos públicos e
sob a vigilância do próprio Governo.
65
oportunidades, e entre 1870 e 1900, a população dos Estados Unidos recebeu mais
de 20 milhões de imigrantes vindos da Europa e da Ásia, em sua maioria. Essa
imigração, somada ao crescimento vegetativo, fez a população do país quase dobrar
no mesmo período, indo de quase 40 milhões para cerca de 76 milhões (Karnal,
2007).
Concomitante ao crescimento populacional, via imigração, destaca-se ainda
que grande parte dos norte -americanos estabelecidos no campo começam a se
deslocar para as cidades e, na década de 1890, “já era possível ver, nesse meio
urbano, a formação de uma crescente classe média, admiradora de esportes, leitora
de revistas e romances de grande circulação, e fanática pela nova invenção: a
bicicleta” Karnal (2007, p.157).
A soma geral do desenvolvimento tecno lógico vivido nesse período pelos EUA
revela o perfil de um país civilizado. E, por civilizado estamos entendendo o conceito
a partir do sociólogo Elias (1994), segundo o qual civilização significa grande
variedade de fatos no nível da tecnologia, no tipo de maneiras, no desenvolvimento
dos conhecimentos científicos, nas idéias religiosas e nos costumes.
18
O conceito de habitus, a partir de Bourdieu, é um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem
implícita ou explicita que funciona como um sistema de esquemas geradores é gerador de estratégias que
podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente
concebidas para esse fim. Mais informações em Bourdieu (1983, p. 94).
71
Todo navio que entrava num porto brasileiro recebia a bordo um frade
capaz de examinar a consciência, a fé e a religião de um chegado. O que
barrava um imigrante naqueles dias era a heterodoxia, a nódoa da
heresia na alma, não qualquer marca racial do corpo. Era uma questão
de saúde religiosa; sífilis, bouba, varíola e lepra podiam entrar
livremente, trazidas por europeus e negros de vários lugares. O perigo
não estava no fato de o individuo ser estrangeiro ou de que pudesse ser
anti-higiênico ou cacogênico, mas na possibilidade de ser herético.
Desde que fosse capaz de rezar o Padre Nosso e a Salve Rainha, de
recitar o Credo dos Apóstolos e de fazer o sinal da cruz, qualquer
estrangeiro era bem-vindo no Brasil colonial. O frade ia a bordo a fim de
investigar a ortodoxia do indivíduo do mesmo modo como hoje a raça e a
saúde do imigrante são examinadas.
É nessa mesma linha interpretativa que Costa (1996) destaca que, desde o
regime do Padroado, passando pelo Pacto Colonial20, até a proclamação da
independência do Brasil em 1822, constata-se um quadro de dominação da Igreja
Católica no campo religioso, inibindo qualquer ameaça ao seu status quo. No campo
do desenvolvimento econômico, o país esteve mergulhado num processo de atraso,
uma vez que todas as riquezas eram transferidas para as mãos dos conquistadores
na Europa. O Brasil, portanto, estava envolvido num processo de fechamento em
torno de si, seja pelo viés da religião, seja pela administração política, que não
viabilizava o desenvolvimento econômico e industrial do país. Sobre esse aspecto,
Freire (1993), oferece-nos informações que facilitam nosso entendimento desse
quadro ao indicar algumas medidas proibitivas que inviabilizavam o desenvolvimento
do país em outras áreas, conforme se pode depreender a partir dos seguintes pontos:
20
A economia das colônias completava a economia dos países que as dominavam. As colônias
exportavam matérias-primas, produtos tropicais e riquezas minerais e importavam produtos
manufaturados. Essa situação, que por si mesma já era desvantajosa para as colônias, agrava-se
ainda mais pelo fato de as metrópoles as proibirem de comerciar com qualquer outro país. Essa
relação de exclusividade do comercio da colônia com a metrópole ficou conhecida por pacto colonial.
72
amor, a adoração espiritual é uma relação imediata do homem para com Deus; é um
ato privativo de sua consciência. No entanto, a questão posta daquela forma atingia
essa liberdade do ser humano de manter as convicções religiosas que melhor lhe
aprouvesse uma vez que não lhe era permitido obter um espaço físico próprio para o
exercício de sua devoção fora os pré-estabelecidos e, como sabemos, fortemente
influenciados pela religião oficial do Império.
O problema que se colocava, portanto, era outro, conforme Scampini (1974),
quando o culto passa a ser externo, manifestando o indivíduo publicamente seu
pensamento, sua crença, pelo ensino ou prédica, pelas cerimônias, ritos ou preces
em comum, objetivando formar uma Igreja de outra religião, que não a católica, tinha
lugar a intervenção do poder constitucional que inibia o ato, uma vez que era visto
como desarticulação da ordem pública e dos costumes. Em outras palavras, as
demais religiões deveriam respeitar a do Estado e não ofender a moral pública, crime
esse tipificado no Código Penal da época como já mencionado anteriormente.
Com relação à edificação de um templo de outra religião, conforme Scampini
(1974), dizia o artigo quinto, alínea b: “Todas as outras religiões serão permitidas com
seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma
exterior de templo”; a partir da interpretação dessa alínea, nota-se que o culto de
outras religiões era permitido, porém de forma discreta, sem divulgação exterior,
podendo o local de sua realização ser adornado, apenas internamente, do modo
como quisessem os seus seguidores.
Portanto, à semelhança de 1810, a constituição de 1824 trazia, além dos
limites para a arquitetura dos templos, as penalidades que seriam impostas para
aqueles que infringissem as leis do Império nesse quesito. As leis do código criminal
previam:
O registro civil era o batismo católico. O casamento legal era o oficiado pelos
padres. E os mortos tradicionalmente enterrados nos templos católicos, nos quais se
impedia o sepultamento de não católicos, conforme veremos a seguir. Interessa-nos
tratar, nesse momento, dos problemas relacionados ao casamento civil
especificamente.
As questões relacionadas ao casamento, no período do Império, possibilitavam
uma relação de interdependência entre a Igreja e o Estado, em que, para a primeira,
o matrimônio correspondia a um sacramento e, para o segundo, a um contrato. Não
havia como dissociar catolicismo e casamento, particularmente ao investigá-los no
contexto do Brasil do Segundo Império, uma vez que a Igreja detinha o poder legal
sobre o matrimônio, fazendo valer as regras tridentinas e depois as do Direito
Canônico21 que estabelecia que o "ato jurídico válido está intrinsecamente no
sacramento: é o próprio sacramento" (SCAMPINI, 1978, p. 33). Por essa razão, a
21
O direito matrimonial canônico foi desenvolvido, sobretudo na Idade Média, seguido pelos
ordenamentos dos Estados ocidentais, que submeteram os requisitos, a celebração e a dissolução a
uma rigorosa fiscalização. Por influência da doutrina cristã, a concepção romana pós-clássica
passou a considerar o casamento uma relação jurídica. Politicamente, a autoridade papal foi
contestada pelos imperadores e pelo povo romano, até o final da Idade Média, mas acabou por se
transformar no centro do catolicismo, que se impôs como modelo doutrinal (séc. XV). Nessa época, a
Igreja estava em pleno estabelecimento e reclamava para si a instituição e regramento do
matrimônio. O casamento cristão tornou–se um dos sete sacramentos da lei evangélica, sendo,
portanto, indissolúvel; é a representação da união entre Cristo e sua Igreja, redime os pecadores,
salva as suas almas, é um remédio contra o pecado para os fracos de espírito e permite-lhes um
ingresso ao paraíso, pelos bens que o desculpam –– proles, fides e sacramentum, na teoria de
Santo Agostinho. Artigo produzido por Martha Solange Scherer Saad. Professora da Faculdade de
Direito – UPM. Acessado em 06/10/2007, disponível em:
http://www4.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/Saad1.pdf.
78
22
O Cemitério dos Protestantes de São Paulo: Repouso dos Pioneiros Presbiterianos. Alderi Souza de
Matos. Disponível em http://thirdmill.org/portuguese/historia.asp/category/historia.
23
Mas o problema só surgiria na segunda metade do século XIX porque, antes, como informa Gilberto
Freyre (1977), os cemitérios eram apenas para protestantes, para pagãos e para escravos: raramente
para quem fosse católico e pertencesse à nobreza rural ou à burguesia patriarcal. A gente senhoril era
enterrada nas igrejas. Nas igrejas, nos conventos e nas capelas particulares.
81
24
Comenius nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Morávia,
Europa central, região que pertencia ao antigo Reino da Boémia e hoje integra a República Checa.
Viveu e estudou na Alemanha e na Polónia. Era de família eslava e protestante. A família seguia a
seita dos Irmãos Morávios, inspirados nas idéias do reformista boêmio John Huss, estreitamente ligado
às Sagradas Escrituras e defensores de uma vida humilde, simples e sem ostentações. Disse-se que
tal educação rígida e piedosa influenciou o espírito de Comenius e o despertou para os estudos
teológicos.
86
25
Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada
em 1540 por um grupo de estudantes da universidade de Paris, liderados pelo basco Iñigo Lopes de
Loyola (Santo Inácio de Loyola). Tal ordem tornou-se conhecida por seu trabalho educacional e
missionário. No Brasil, os jesuítas obtiveram monopólio no campo da educação durante longo período
histórico, compreendido aproximadamente entre 1534 a 1850.
87
26
Em sua tese doutoral, a professora Ana Palmira B. S. Casimiro discute a proposta pedagógica
jesuítica a partir do educador jesuíta italiano Jorge Benci, em obra datada de 1700, vide: BENCI,
Jorge. Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (livro brasileiro de 1700) (Estudo
preliminar) Pedro de Alcântara Figueira; Claudinei M.M. Mendes. São Paulo: Grijalbo, 1977, em que
nos é apresentado um curioso estudo sobre a existência de uma proposta pedagógica jesuítica que
contemplava, teoricamente, a classe social dos escravizados. Em contraste com as críticas à proposta
pedagógica jesuítica, a autora apresenta a pedagogia de Benci como possuidora de uma preocupação
com a educação dos escravos. Nessa intenção, seus discursos encaminham senhores e escravos
para a aceitação do poder constituído. Para resolver o impasse, a teoria pedagógica de Benci, de
acordo com a consciência da sua época, mediante o trinômio: crer, orar e agir (Para a Maior Glória de
Deus), apresentou objetivos que preparavam o senhor (educador) para tratar com o escravizado
(educando), segundo princípios humanos, religiosos e morais daquele contexto e, ao mesmo tempo,
preparava o escravizado para o trabalho, a docilidade, a obediência e o cumprimento dos deveres
(Para a Dilatação da Fé e do Império). A autora, finalmente, informa que o jesuíta italiano Jorge Benci
foi um dos ideólogos justificadores e reformadores da escravidão colonial, não chegando, porém, a um
grau de consciência cristã compatível com princípios evangélicos contrários à escravidão.
Conseqüentemente, sua proposta pedagógica funcionou como elemento catalisador das relações
econômicas e sociais.
88
27
Disponível em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art2_14.pdf. Acesso em 30.11.2007
89
Obra de Benci foi, pois, uma concepção pedagógica dirigida, na prática, para a
formação da mão-de-obra colonial. Porém, não se tratou somente de
'adestramento', ou formação de mão-de-obra, pois, o seu projeto pedagógico, no
que se refere à vida cristã, há princípios doutrinários que ultrapassaram uma
simples proposta de adestramento; Benci lançou algumas idéias de libertação,
mas, limitado pelo seu grau de consciência, não tirou delas as conseqüências
práticas que se impunham; Ou seja: nada fez, na prática, para promover a
libertação dos escravos, mas, sim, para catalisar os conflitos das relações
senhor-escravo. Houve, de fato, de sua parte, uma proposta pedagógica
específica, mas, esta proposta pedagógica não se encaminhou para a libertação
dos escravizados, pelo contrário, a pedagogia para a vida cristã foi
28
instrumentalizada a serviço do trabalho escravo.
28
Disponível em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art2_14.pdf. Acesso em 30.11.2007
29
Index Librorum Prohibitoum expurgatorum foi o edito promulgado pela Igreja Católica. Esses índices
expurgatórios faziam a limpeza no texto dos livros, proibindo apenas certos trechos, que então eram ou
deviam ser simplesmente riscados com tinta em todos os exemplares de uma edição. Às vezes, eram
apenas algumas palavras, outras vezes, parágrafos inteiros. Mas também houve casos nos quais se
mandou eliminar uma folha ou página inteira, que então era retirada ou reimpressa com a correção devida.
(Horch, 1992, p. 473)
90
30
Por Ratio Studiorum compreende-se o sistema filosófico-pedagógico desenvolvido pela Igreja Católica e
que foi promulgado em 1599. Em face dos interesses de nossa pesquisa, não apresentamos o conteúdo
de tal projeto pedagógico, no entanto, indicamos a obra de FRANCA (1952), na bibliografia de nosso
trabalho, na qual o leitor poderá encontrar uma síntese do conteúdo da Ratio Studioru,.sobretudo entre as
páginas 158-163.
31
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi primeiro ministro de Portugal de 1750 a
1777.
91
32
No Brasil, o livro de Pierre Verger, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benim e a
Bahia de Todos os Santos, publicado inicialmente na França, em 1968, fornece novos números sobre o
tráfico entre a Bahia e o Golfo do Benim. Na edição aqui utilizada, de 1987, entre as páginas 670 e 675, o
autor apresenta o levantamento do número dos escravos, com indicação do local de origem estabelecido
segundo o livro de tutelas e inventários da vila de São Domingos do Conde. Perto da Bahia.
93
33
O Padre Antônio Vieira nasceu em Portugal em 1608. Trabalhou em vários lugares no Brasil, mas sua
atuação mais conhecida desta época se deve a seu trabalho com os escravos e índios do Amazonas, os
quais ele defendeu contra os colonizadores portugueses. Com a mudança política em Portugal depois da
Restauração em 1640, Vieira foi para a corte, onde se tornou confessor do rei D. João IV que o enviou
como seu representante a Roma e a Amsterdã. Suas declarações e seus sermões juntamente com suas
críticas aos excessos da Inquisição terminaram por angariar a fúria da própria Inquisição. Vieira foi preso,
julgado e condenado, ficando na prisão em Portugal por cinco anos. Mais tarde, quando voltou ao Brasil,
preparou seus sermões para publicação. Morreu na Bahia em 1697.
94
34
O termo Padroado refere-se ao direito de autoridade da Coroa Portuguesa a Igreja Católica, nos
territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de
Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a
Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português,
o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar
pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a
Igreja nessas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder
econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um
poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele (FRAGOSO, 1992,
p.14).
35
Pierre Verger nasceu em Paris, no dia quatro de novembro de 1902. Em 1946, enquanto a Europa vivia
o pós-guerra, em Salvador, tudo era tranqüilidade. Foi logo seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural
que encontrou na cidade e acabou ficando. Como fazia em todos os lugares onde esteve, preferia a
companhia do povo, os lugares mais simples. Os negros monopolizavam a cidade e também a sua
95
atenção. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas Verger foi buscando
conhecer com detalhe. Quando descobriu o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade do
povo baiano e tornou-se um estudioso do culto aos orixás. Esse interesse pela religiosidade de origem
africana rendeu-lhe uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948. A intimidade com a
religião, que tinha começado na Bahia, facilitou o seu contato com sacerdotes, autoridades e acabou
sendo iniciado como babalaô - um adivinho através do jogo do Ifá, com acesso às tradições orais dos
iorubás. Além da iniciação religiosa, Verger começou, nessa mesma época, um novo ofício, o de
pesquisador. O Instituto Francês da África Negra (IFAN) não se contentou com os dois mil negativos
apresentador como resultado da sua pesquisa fotográfica e solicitou que ele escrevesse sobre o que tinha
visto. A contragosto, Verger obedeceu. Depois, acabou encantando-se com o universo da pesquisa e não
parou mais. Em seus últimos anos de vida, a grande preocupação de Verger passou a ser disponibilizar as
suas pesquisas a um número maior de pessoas e garantir a sobrevivência do seu acervo. Na década de
1980, a Editora Corrupio cuidou das primeiras publicações no Brasil. Em 1988, Verger criou a Fundação
Pierre Verger (FPV), da qual era doador, mantenedor e presidente, assumindo assim a transformação da
sua própria casa num centro de pesquisa. Em fevereiro de 1996, Verger faleceu, deixando à FPV a tarefa
de prosseguir com o seu trabalho. Nossas observações sobre a escravidão no Brasil e suas implicações
sociais, estão amparadas no livro de Verger intitulado “Fluxos e Refluxos do tráfico de escravos entre o
golfo de Benim e a Bahia de todos os santos”, citado na bibliografia deste trabalho com destaque para o
capitulo XIII, entre as páginas 485 e 511 nas quais o leitor poderá encontrar mais informações.
96
Nesse quadro e em artigo publicado no jornal Novo Mundo, cujo objetivo era
tratar da crise do algodão havida no Império brasileiro no ano de 1876, o autor,
antiescravista, estabelece paralelo entre a distinta realidade produtiva num país onde
a produção independia do trabalho servil, com a do Império brasileiro dependente que
era dessa forma de produção36. Lemos:
36
O jornal Novo Mundo, fundado em 1870, por José Carlos Rodrigues, circulou por nove anos e era
publicado em Nova York, em língua portuguesa. Os editores desse Jornal, como por exemplo,
Sousândrade, eram visionários do progresso social e críticos do modo de produção brasileiro dependente
do trabalho servil. Fragmentos desse jornal, como os usados nessa pesquisa, encontram-se disponíveis no
Centro de Pesquisa sobre Educação Metodista, CEPEME, Piracicaba, São Paulo. Parte desse material
chegou em nossas mãos pelo co-orientador desta pesquisa, professor César Romero, UNIMEP, segundo o
qual tais cópias advêm de arquivos pessoais do historiador David Gueiros. As informações retiradas do
referido jornal datam de 1877, sobretudo no artigo que aborda os problemas econômicos decorrentes da
97
crise do algodão naquele ano que estão amparando a construção deste trabalho. Não conseguimos obter o
nome do autor dos fragmentos que citamos em nosso trabalho, mas fica o registro.
98
37
Estamos aludindo à assinatura dos tratados de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação, em 1810 já
mencionados em nosso trabalho. Nesses tratados, o governo já se mostrava tolerante com a diversidade
religiosa ao firmar, no artigo XII do Tratado de Comércio, que os imigrantes em seus territórios e domínio
não seriam perturbados, inquietos, perseguidos ou molestados por causa de sua religião, permitindo
assim, cultos acatólicos em seus domínios. Não se pode esquecer, entretanto, os critérios estabelecidos
para a construção dos templos protestantes que não deveriam ter apresentação arquitetônica de templos
religiosos, pois a Igreja Católica detinha constitucionalmente o direito de hegemonia, conforme a
constituição de 1824, no artigo quinto. (Constituição de 1824). Mas, foi esse um primeiro passo.
99
papa Pio IX, com a condenação da idéias liberais através do Silabo de 1864, e da
maçonaria41, lançada pela Quanta cura, que, aliás, confirmou a posição da igreja em
outras encíclicas anteriores”. Mendonça (1990).
A maçonaria, enquanto instituição que estava ligada a idéias e movimentos
políticos liberais na Inglaterra e na França, chega ao Brasil no final do século XVIII.
Durante o processo da independência e no decorrer do Império, aumenta seu
prestígio social e sua presença na estrutura de poder. As maiores figuras do regime,
com raras exceções, pertenciam aos seus quadros. Essa atuação da maçonaria
colide com a atuação da Igreja Católica, que, como temos informado, também era
muito influente no período imperial.
Pode-se dizer que a questão religiosa, naquele cenário, teve uma
representação da mais alta importância na medida em que colocou em pontos
opostos a Igreja e o Estado. A Igreja, antiliberalizante e, portanto, contrária ao
processo de modernização teve, na figura de D. Vidal e D. Macedo Costa, bispos de
Olinda e Belém do Pará, bem como, no caso do Padre Almeida Martins, suspenso em
1872, devido a um discurso proferido no Rio de Janeiro em uma loja maçônica, a
seguinte conseqüência: os dois primeiros foram submetidos à humilhação da prisão,
e, no caso do segundo, a uma suspensão de suas atividades. Essas medidas,
tomadas pelas autoridades do Império, deram-se, como no caso de D. Vidal, pelo fato
de ele estar amparado em bulas papais não placitadas pela autoridade Imperial e que
foram interpretadas consequentemente, como desobediência civil.
De outro lado, o Estado brasileiro marcava sua posição da seguinte maneira:
41
Em 1871, o Vaticano impõe regras rígidas de doutrina e de culto e condena as sociedades secretas. Os
bispos brasileiros, acatando as novas diretrizes, determinam a expulsão dos maçons das irmandades
católicas e passam a exigir mais disciplina moral e canônica do clero, conforme ilustrado em nota de
rodapé na página anterior.
102
42
Os republicanos em geral não tomaram parte na controvérsia, mas os seus chefes, alguns dos quais
eram maçons, e os seus jornais expressavam livremente suas opiniões (BOEHRER, p.252).
43
Mendonça (1990, p. 72) corrobora ao dizer que a questão religiosa marcou profunda mudança no campo
religioso brasileiro. As posições ficaram bem definidas: de um lado, um Estado ainda mais galicano e
anticlerical e, de outro, uma Igreja que aparentemente abandona o confronto com o Estado, mas toma
medidas de autofortalecimento interno.
103
44
Irmão, José Aleixo. A perseverança III e Sorocaba. Volume I e II. Cruzeiro do Sul. Sorocaba, 1969. É
uma obra que se constitui em um bom exemplo de uma narrativa sobre a maçonaria que, em nosso
entendimento, apresenta uma visão pouco isenta de ufanismo. O próprio autor revela: “É com intuito de
preservar essa história muito nossa, escrita pelos antepassados sorocabanos nos feitos memoráveis
traçados no recinto da oficina, que nos propusemos evocá-los, em pálido bosquejo, como homenagem aos
seus feitos e aos da loja-mãe que lhes deu alento e tanto os entusiasmou na prática do bem e da virtude.”
(IRMÃO, 1969, p. 11).
45
Registramos como boa indicação bibliográfica para compreensão da maçonaria a tese de Barata,
Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910). Ed. Unicamp.
Campinas. 1999 e também a obra de Vieira, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão
religiosa no Brasil. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 2 edição. 1980. O referido autor está entre
os pioneiros do estudo da maçonaria no Brasil, embora não enfoque a maçonaria como objeto específico
de sua análise. A dissertação de mestrado de Vieira, Maria Elizabete. O envolvimento da maçonaria
Fluminense no processo de emancipação do reino do Brasil (1820-1822) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. 2001 constitui-se também uma boa referência.
105
os “tristes dias reservados a seus filhos e á mãe pátria”. O futuro para eles
era desolador em face dos golpes do “machado bárbaro e selvagem da
maçonaria” que estava derrubando a árvore da legislação que declarara
que a Igreja Católica continuaria a ser a Igreja Nacional. Naquele mesmo
dia, em que o artigo acima citado apareceu no Apóstolo (18 e fevereiro de
1874), teve início o julgamento do Bispo Dom Vital Maria Gonçalves de
Oliveira, perante o Supremo Tribunal. (VIEIRA, 1980, p. 290)
47
Vieira (1980, p.377) conclui dizendo que: pode-se dizer que a Questão Religiosa, no seu mais restrito
conceito (c omo um conflito entre a Igreja e a maçonaria), foi algo que era provavelmente esperado e
desejado há muito por ambas as partes envolvidas. Que tenha terminado num jogo de acomodação, em
vez de um derramamento de sangue generalizado, deve-se ao bom senso do Internúncio Domenico
Sanguigni e de Pio IX, assim como à maneira política brasileira de achar meios de contemporanizar.
109
48
O partido republicano no Brasil brotou do primeiro clube republicando do Rio de Janeiro, em 1870. Não
há dúvida de que a formação desse clube e a publicação do Manifesto de 3 de dezembro são diretamente
responsáveis pelo movimento republicano organizado, nas províncias.
110
opinião desse grupo, eram prementes para a nação49. Nossa opção em trabalhar
esse assunto ficou centrada nos escritos de Boehrer (1954), e a razão disso deu-se
pelo reconhecimento da suficiência de seu trabalho, no sentido de nos oferecer uma
compreensão daquele tenso e longo processo da vida política da nação, abordando,
em sua obra, assuntos como a relação do partido republicano com a Igreja, com o
Império, com a maçonaria e com a escravidão.
A plataforma ideológica do partido republicano estava fundada no manifesto de
3 de dezembro de 1870 no Rio de Janeiro50, que trazia, no seu início, a declaração da
legitimidade dos ideais republicanos, como podemos observar a partir de (BOEHRER,
1954, p. 213), apud MORAES, (sd. p. 29-66):
49
O rumo estabelecido nessa abordagem deve-se ao fato de que entrar nos pormenores do surgimento e
desenvolvimento do partido republicano brasileiro poderia nos conduzir para caminhos que pretendemos
evitar. Nesse sentido, é que centramos atenção nas teses do movimento republicano. Indicamos,
entretanto, Boehrer, G.C.A. Da Monarquia à República: história do Partido Republicano no Brasil (1870-
1889). Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1954 como sendo uma obra que oferecerá mais
esclarecimentos a respeito do assunto, entre outros aspectos por trabalhar as divergências havidas dentro
do próprio partido republicano a respeito do estabelecimento dos seus ideais, tendo em vista que uma ala
do partido entendia que as mudanças que o país necessitava deveriam ser estabelecidas dentro de um
processo evolutivo e, outra ala, representada por Silva Jardim, buscava implantá-las pela revolução.
50
Ver mais detalhes a respeito em Boehrer (1954, p. 193).
111
51
Boehrer (1954, p. 193-289) oferece-nos, com clareza, informações a respeito desses desencontros
dentro do partido republicano. E que foram evitados nesse momento da pesquisa no sentido de não
valorizar informações que possam nos abstrair do objetivo delimitado.
112
52
Nos estudos sobre protestantismo no Brasil, utiliza-se uma tipologia que subdivide o campo em dois
grandes grupos: “protestantes de imigração” (os luteranos oriundos da Alemanha, o grupo mais
representativo) e “protestantes de missão” (presbiterianos, metodistas, batistas, etc.), que vieram com o
objetivo de implantar suas respectivas igrejas e escolas. Nosso foco é o presbiterianismo.
116
mesmo ano, aportou no Rio de Janeiro. Dessa forma, deu-se o início do trabalho
missionário presbiteriano em solo brasileiro. Devido às dificuldades naturais oriundas
da falta de domínio da língua portuguesa, o missionário desenvolveu suas atividades
inicialmente como pregador do evangelho em navios da Baía de Guanabara e nas
residências de alguns estrangeiros. Em 22 de abril de 1860, finalmente o missionário
conduziu seu primeiro culto em português. No curto espaço de 3 meses, através da
chegada do missionário Alexander Blackford, juntamente com sua família, Simonton
passa a ter um auxiliador para seu trabalho.
Discorrendo sobre o papel de Simonton na relação com a religião dominante
do campo religioso, Mendonça (1995, p.83) informa que: “não se nota nele espírito
abertamente polêmico, mas intenção proselitista, conversionista e exortativa para os
fiéis de sua Igreja no sentido de consolidar neles os princípios distintivos da nova fé
que haviam abraçado”. No mesmo contexto dessa exposição, o autor apresenta o
conteúdo da ideologia de Simonton que era transmitida para os adeptos de sua
religião, em “tom exortativo”, segundo a leitura feita por Mendonça53. Assim, ele se
expressa:
53
Segundo Mendonça, para Simonton o catolicismo ainda se constituía em: “uma religião cristã só de
nome, distante de suas origens, mitológica, mais propícia aos ricos, contraditória, mantida por um
cerimonial externo e responsável por boa parte da irreligiosidade reinante na sociedade e que
caracterizava a Igreja Católica pelas facilidades que oferecia aos seguidores era a religião da maioria”.
(1996, p. 84)
119
54
Referimos-nos à cisão ocorrida na Igreja Presbiteriana em 31 de Julho de 1903. Fato bem documentado
pela historiografia protestante no Brasil, em que Eduardo Carlos Pereira lançou mão da maçonaria como
um dos componentes que acabariam por levar à divisão da Igreja, surgindo, a partir daí, a Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil.
55
Além desses três propagandistas protestantes, houve as controvérsias entre o padre Julia Maria com o
pastor presbiteriano Álvaro Reis, sendo que o primeiro havia pronunciado discursos contra o
protestantismo e recebeu respostas de Álvaro Reis e mesmo de Eduardo Carlos Pereira. Indicamos
Mendonça (1995, p.90-93) como referência para conhecer tal controvérsia. Pelas razões já expostas no
início deste trabalho, não estamos também apresentando como os missionários de outras denominações
protestantes comportaram-se diante do tema que nos ocupa neste tópico. No entanto, salvo melhor juízo,
não há razões plausíveis para se acreditar que tenha havido diferença na atitude de ataque ao catolicismo.
56
Além da “Imprensa Evangélica”, do jornal “O Estandarte”, outros jornais que se constituíram em
mecanismo de divulgação das doutrinas presbiterianas foram: “O Púlpito Evangélico” fundado em 1874,
pelo Reverendo Emanuel Varnodem em São Paulo, teve o seu encerramento em 1875. No mesmo ano de
1875, o Reverendo Varnodem fundou outro jornal “O Pregador Cristão” que permaneceu ativo por dez
anos. No ano de 1870, foi fundado o jornal “O Novo Mundo” por José Carlos Rodrigues, esse jornal, já
citado neste estudo, circulou por 9 anos, tendo a particularidade de ser publicado em Nova Iorque. “O
121
58
O conceito de funcionários e especialistas religiosos é utilizado por Bourdieu (2005) para designar
personagens que, na estrutura de poder, no caso, do campo religioso, agem no sentido da manutenção do
capital simbólico. Não são produtores de capital, são apenas reprodutores do capital.
123
59
As aspas são necessárias porque,como se sabe, a Igreja continuaria ainda exercendo certo poder dentro
do campo, embora não mais com a mesma força e intensidade de então. Duncan Reily nos dá informações
adicionais sobre este ponto, em sua obra “História documental do protestantismo no Brasil”, entre as
páginas 223-236.
124
ser pragmática, munir o indivíduo dos conhecimentos que assegurem sua cidadania
e, finalmente, uma educação que esteja a serviço da república, conforme estudamos
na segunda seção de nossa pesquisa, constituiu-se em uma alternativa. Nesse
sentido é que a educação liberal praticada nos colégios protestantes, de forma
crescente a partir das últimas décadas do século XIX, obteve guarida, apoio,
facilidades e incentivo interessado das elites liberais brasileiras.
Nas origens da educação protestante no Brasil, os presbiterianos constituíram-
se pioneiros60, seguidos pelos metodistas. A prática pedagógica dos colégios
protestantes em geral, não apenas presbiterianos, mas também metodistas, era
baseada no método indutivo, intuitivo ou lição das coisas. Conforme destaca Vieira
(2003, p. 38), “foi o método pedagógico (...), que tinha como característica principal
levar a criança ao desenvolvimento de suas faculdades mentais através da
observação, a grande atração dos colégios norte-americanos”. (...). E os fundamentos
teóricos da educação protestante “advinham de Horace Mann e Pestalozzi 61”.
A influência exercida pelo sistema educacional presbiteriano pôde ser
percebida, por exemplo, em São Paulo, na “Reforma da Instrução Pública e da Escola
Normal”, por Caetano de Campos, com a singular participação das educadoras
presbiterianas, Miss Márcia P. Browne e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade,
conforme Hack (1985) tem apontado.
Para uma idéia mais ampla das realizações dos presbiterianos no campo da
educação, face ao apoio político encontrado, atraindo até mesmo a admiração do
Imperador Dom Pedro62, é que HACK (1985, p. 182-183) registra como contribuições
60
O primeiro centro educacional protestante criado no Brasil pelos missionários presbiterianos, dada sua
fundação de 1869, pelo Reverendo Nash Morton, trata-se do colégio internacional na cidade de Campinas,
em cujas salas de aula freqüentavam os filhos da elite de Campinas. Posteriormente transferido de
Campinas para Lavras, mais tarde veio a chamar-se Instituto Gammon, numa homenagem ao seu líder, o
Rev. Samuel R. Gammon (1865-1928). A partir de 1864, com a chegada ao Brasil do missionário George
W. Chamberlain, sua esposa dá início uma sala de aula que funcionava na sua própria casa, daí, surgiria o
Mackenzie College, conhecido atualmente como Universidade Mackenzie. A primeira escola evangélica do
nordeste foi o Colégio Americano de Natal (1895), fundado por Katherine H. Porter, esposa do Rev. William
C. Porter. A origem da escola metodista data de 1881, praticamente concomitante à presbiteriana.
61
Johann Heirich Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suíço considerado precursor do movimento de
renovação escolar conhecido como “Escola Nova”, e Horace Mann (1796-1858), conhecida liderança do
movimento pela educação pública nos Estados Unidos da América, no século XIX.
62
“O jornal do Comércio”, de 3 de outubro de 1878 e a “Reforma”, órgão oficial do Partido Liberal, de 5 do
mesmo mês, ambos do Rio de Janeiro, noticiaram amplamente a visita do Imperador à Escola Americana.
“A Imprensa Evangélica”, órgão oficial da Igreja Presbiteriana, registraram uma visita feita por Dom Pedro
às instalações do Colégio Americano, dirigido por presbiterianos e que viria a tornar-se a atual
Universidade Mackenzie, em São Paulo.
126
entretanto, “os mais conhecidos pastores procediam como o geral dos padres
católicos: temiam comprometer os interesses do culto, receavam a afastar os crentes,
se se pronunciassem decisivamente contra a posse de escravos”. (GOMES, 1986, p.
240).
A bibliografia que trata da relação entre protestantismo e escravidão é ainda
muito restrita, e acreditamos que uma das razões que justifica tal ausência deve-se,
justamente, pela falta de fontes que possam comprovar que o presbiterianismo tenha
desenvolvido uma atividade abolicionista consistente. Nesse sentido, o trabalho de
Barbosa (2002) é uma das poucas tentativas de escrever a história do protestantismo
com a escravidão. Mesmo nesse caso, as conclusões a que chega o referido autor
são as de que, em primeiro lugar, para o protestantismo em fase de instalação no
Brasil, assumir um posicionamento diante do problema poderia representar
dificuldades para a consecução de seus ideais de inserção dentro do campo religioso
brasileiro.
Outros dois aspectos que ainda são apontados e acabaram colocando o
protestantismo de forma geral, incluindo o presbiterianismo, evidentemente, numa
posição de distanciamento do problema, trata-se daquilo que o autor chama de
tendência conservadora do protestantismo que o levava a fazer distinção entre as
questões próprias do mundo contingente com as questões espirituais. A grande
preocupação do protestantismo, evidentemente, recaía sobre as questões espirituais,
ficando as temporais relegadas a outro plano. O último ponto apontado pelo autor é
que a ação dos protestantes em relação à escravidão foi a de buscar a integração do
negro para dentro da cultura religiosa protestante, mas isso não representava um
engajamento na luta pela sua e mancipação.
No ano de 2001, quando se avolumava na sociedade o debate sobre as quotas
para negros nas universidades brasileiras, nascia nosso interesse por saber se o
protestantismo, nas suas origens com forte ênfase na educação, tinha legado para a
história de nossa nação alguma contribuição relevante face aos problemas que
sempre permearam a vida dos afro-descendentes em nosso país. Até o dado
momento, o nosso desconhecimento sobre esse assunto era total. Começamos,
desse modo, a buscar fontes que pudessem nos auxiliar no conhecimento desse
problema. As pesquisas iniciais foram todas insatisfatórias. Surgia, então, pela
mediação do missionário presbiteriano norte-americano Richard Willian Irwin, o
conhecimento de que na cidade de Philadelphia, nos Estados Unidos, havia um
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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INSTITUIÇOES CONSULTADAS