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RESUMO
O homem camponês é portador de um saber tradicional para além do conhecimento científico,
enquanto patrimônio imaterial de sua identidade. Nesse saber estão contidas variadas expressões
socioculturais e socioambientais, que são fruto da história de suas experiências adquiridas ao longo
do tempo. O presente trabalho apresenta a importância do saber camponês na preparação da
maniçoba e demais derivados da mandioca no município de Lagarto/SE e sua relação na construção
da identidade cultural desse sujeito como patrimônio imaterial/material e o seu papel na soberania
alimentar. A metodologia revisa a literatura acerca das categorias geográficas espaço e lugar,
discutindo o conceito de identidade e sua aplicabilidade no contexto. Com base em estudos
empíricos, análise da malha fundiária, e produção agrícola municipal (IBGE, 2016), verificou-se
que a preparação de tais iguarias não se restringe ao campo, existindo dias específicos para sua
comercialização na cidade, viabilizando a construção de uma identidade e hábitos culturais.
Palavras-Chaves: Saber, Camponês; identidade; iguarias; Lagarto.
ABSTRACT
The peasant man carries a traditional saber beyond scientific knowledge, while the immaterial
patrimony of his identity. The sabers are contained varied socio-cultural and socioenvironmental
expressions, which are the fruit of the history of their own forms acquired over time. The present
work presents a relative importance to the knowledge about the maníic production and the other
data on the nature and the culture of the cultural identity on the subject as immaterial / material
material and the role in the food sobriety. The methodology revisits a literature on local and local
geographic categories, discussing the concept of identity and its applicability in context. Based on
Empirical Studies, Financial Media Analysis and Municipal Initiatives (IBGE, 2016), it was
verified that the production of such delicacies is not restricted to the field, there are days of
exposure for commercialization in the city, making possible the
Keywords: To know; farmer; identity; delicacies; Lagarto.
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Artigo oriundo das reflexões advindas com a Pesquisa: Pelo Espaço do Homem Camponês: estratégias de reprodução
social no território Centro Sul Sergipano com financiamento da COPES/UFS.
O homem camponês traz consigo um saber cultural intrínseco ao seu modo de vida, seja na
previsão do tempo, no cultivo agrícola, ou na culinária (MOURA, 1986). É um sujeito social que
tem no seu saber um patrimônio imaterial imensurável, é um trabalhador que está diretamente
envolvido com a natureza, conhecedor de seus segredos independentes dos conhecimentos
científicos.
A compreensão das formas e expressões culturais do campesinato, sejam elas expressas nas
técnicas de produção ou na culinária, requer a análise da sua sociabilidade. Tal enfoque sob a ótica
humanista e cultural privilegia aspectos relacionados ao modo de vida dos sujeitos, a sua cultura
material e imaterial, a sua identidade e relações sociais, as quais tendem, muitas das vezes, em
passar desperce idas na sociedade que su alterniza e inferioriza “o outro”, negligenciando o seu
papel e a sua função social como uma forma de negar a sua importância no contexto sóciohistórico.
Evidencia-se a culinária camponesa de um lugar, rica em valores culturais, sendo que o
conhecimento da mesma se constitui na valorização e entendimento do papel dessa prática para a
unidade familiar camponesa, como também para a sociedade de forma geral. Nesse sentido, tem-se
clareza que os conhecimentos das mesmas são relevantes, posto que são práticas singulares as quais
reafirmam a existência de um sujeito social histórico que luta pelo seu lugar numa sociedade
marcada pelo etnocentrismo e pela cultura hegemônica cada vez mais antropofágica (MARTINS,
1993, p. 16-17).
Utilizando-se da teoria do Espaço do Homem Camponês (SANTOS, 2012) este trabalho
busca apresentar a importância do saber camponês na preparação de iguarias como a maniçoba, e
demais derivados da mandioca no município de Lagarto/SE (figura 01) e sua relação na construção
da identidade cultural dos camponeses e da soberania alimentar. A maniçoba, prato típico da
culinária lagartense, de origem indígena, é produzida a partir da folha da mandioca acompanhada de
carne suína e outros ingredientes. Sua comercialização no município se dá em dias específicos, onde
o principal mercado é composto por pessoas residentes no espaço urbano que buscam nesse
alimento uma aproximação com o rural, preservando hábitos culturais.
Além disso, o incentivo à produção e o consumo de tais iguarias podem contribuir para a
manutenção da unidade familiar camponesa, na medida em que se estimula o plantio de gêneros
alimentícios que fazem parte da sua raiz histórica, a exemplo da mandioca. Tais gêneros
alimentícios e iguarias contribuem para a obtenção de renda e de alimento sem a presença de
agrotóxicos nas mesas dos camponeses, pois cria-se as condições para a autonomia do sujeito desde
o plantio ao consumo, garantindo, assim, os princípios norteadores da soberania alimentar a saber: a
liberdade de produção, a diversidade de cultivos, a produção familiar e o respeito a natureza.
Tais análises derivam das reflexões advindas com os estudos empíricos e exame de dados
viabilizados através da Pesquisa “Pelo Espaço do homem Camponês: estratégias de reprodução
social no território Centro-Sul Sergipano”. A mesma versa sobre o processo de reprodução do
campesinato no centro-sul sergipano, identificando os elementos e fatores explicativos da existência
estrutural do camponês e comparando as estratégias sócioespaciais desenvolvidas por esses sujeitos
sociais para garantirem a sua própria reprodução social no município de Lagarto.
A proposta metodológica revisa a literatura específica acerca das categorias geográficas
espaço e lugar, discute o conceito de identidade, relacionando a importancia da mandiocultura,
principal matéria-prima para a preparação desses alimentos, como fator principal na garantia da
autonomia camponesa no município de Lagarto, onde, através de conversas, entrevistas com 24
camponeses dos povoados Colônia Treze, Brasília, Jenipapo, Açu Velho, Caraíba, Juerama, Boa
Vista, Pista Pau Grande, Urubu Grande e Pé da Serra do município, visitas de campo e
levantamento e análise de dados primários e secundários, é possível compreender as estratégias de
reprodução camponesa possibilitadas pela mandiocultura, ao mesmo tempo constata-se como a
preparação de iguarias derivadas da mandioca resignificam o saber camponês como principal
técnica, ressignificando a relação tradicional entre a preparação e o consumo do alimento não
somente nas propriedades rurais, mas também, na sede municipal.
O espaço rural brasileiro é caracterizado por diversas especificidades compostas por relações
diversas de produção. A teoria do Espaço do Homem Camponês (SANTOS, 2012) investiga as
estratégias de resistência e reprodução social do campesinato em meio as relações contraditórias no
campo viabilizadas pelo movimento desigual, contraditório e combinado do capital.
O camponês persiste neste espaço como sujeito social histórico e sua luta não se
circunscreve como motivação de um passado, numa mobilização arcaica, em prol de um espaço
rural atrasado, mas sim visando estratégias de reprodução e resistência em meio a organização do
espaço rural (MARTINS, 1995; SANTOS 2012). Com a posse da terra os camponeses firmam seus
conhecimentos, saberes e práticas os quais perpassam os itinerários da vida, na construção da sua
identidade e de seus valores culturais no espaço rural.
Nesse espaço rural estão contidas inúmeras ruralidades que caracterizam a atual
dinamicidade do campo. É sabido que o homem camponês traz consigo um saber cultural intrínseco
em sua essência, seja na previsão do tempo, no cultivo agrícola ou até na culinária. O camponês é
um trabalhador que está diretamente envolvido com a natureza, conhecedor de seus segredos
independentes dos conhecimentos científicos (MOURA, 1986).
Esse saber fazer camponês traduz-se num conjunto de práticas/saberes tradicionais que são
oralmente passados de geração em geração das famílias camponesas, os quais se materializam nas
tradicionais produções de alimentos típicos da cultura local, a exemplo dos derivados da mandioca.
Alimentos como o beiju, a tapioca, a maniçoba, o pé-de-moleque, malcasado, dentre outras iguarias
(figura 03) são produzidos de acordo com essas técnicas camponesas, as quais são caracterizadas
como símbolos de uma identidade cultural, sendo a materialização da resistência e da seguridade
alimentar dos lagartenses.
Os símbolos que compõem uma identidade não são construções totalmente eventuais;
mantêm sempre determinados vínculos com a realidade concreta. Os vários conflitos pela
defesa de fronteiras, por exemplo, demonstram que as referências espaciais permanecem
relevantes para a definição ou fortalecimento de identidades. A própria memória (coletiva)
de um grupo social precisa de uma referência territorial. O poder simbólico, desta maneira,
pode fazer uso de elementos espaciais, representações e símbolos, constituindo uma
identidade territorial. Esta é definida historicamente. Os territórios e as fronteiras são
fundamentais para a construção das identidades, onde a alteridade fica muitas vezes
condicionada a um determinado limite físico de reprodução dos grupos sociais. (SAQUET,
2009, p. 4.)
Para Haesbaert (1997), não é propriamente o espaço que forma uma identidade, mas a força
política e cultural dos grupos sociais que nele se reproduzem e sua capacidade de produzir uma
determinada escala de identidade, territorialmente mediada. “A identidade pode ter um caráter mais
ou menos duradouro, dependendo das condições de vida de cada grupo social. A identidade
depende da diferença e as diferenças são estabelecidas por sistemas classificatórios inerentes à vida
social” (HAESBAERT, 1997, p. 35). Nesse sentido Saquet (2009, p. 13) salienta que:
Considera-se que nesse contexto, as perspectivas dessa relação espaço, lugar, e identidade,
condizem com a subjetividade do sujeito na preservação e reprodução do seu modo de vida. Diante
disso Lencioni (2003) ressalta que:
Tabela 01 – Número e área dos estabelecimentos agropecuários no município de Lagarto - Sergipe, 2006.
Grupos de área total Variável
Número de estabelecimentos Área dos estabelecimentos
agropecuários agropecuários
% ha %
Unidades
Total 7.868 100,00 68.622 100,00
Mais de 0 a menos de 1 há 3.595 45,69 1.785 2,6
De 1 a menos de 10 há 3.272 41,59 10.021 14,61
De 10 a menos de 100 851 10,82 20.372 29,69
De 100 a menos de 500 há 91 1,15 19147 27,9
De 500 a menos de 1000 há 13 0,17 8.722 12,71
De 1000 a menos de 2500 há 4 0,05 5.550 8,09
De 2500 ha e mais 1 0,01 X X
Produtor sem área 41 0,52 0 0,00
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 2006.
Elaboração: Felipe da Fonseca Souza, 2016.
Tabela 02 – Produção Agrícola Municipal: dados da lavoura temporária do município de Lagarto – Sergipe,
no ano de 2016.
Lavoura temporária Variável
Área plantada Área colhida Quantidade Valor da
produzida produção
(ha) (%) (ha) (%) (Toneladas) (Mil (%)
R$)
Amendoim (em casca) (Toneladas) 100 0,97 100 0,97 120 158 0,21
Feijão (em grão) (Toneladas) 100 0,97 50 0,49 18 60 0,08
Fumo (em folha) (Toneladas) 150 1,45 150 1,45 165 627 0,83
Mandioca (Toneladas) 7.600 73,4 7.60 73,7 122.000 73.344 96,8
3 0 9 5
Milho (em grão) (Toneladas) 2.400 23,1 2.40 23,3 2.160 1.544 2,04
9 0
Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal, 2016.
Observa-se com a tabela 2 que a área destinada ao plantio do milho é a que mais se
aproxima da área destinada ao plantio da mandioca. Esse fato pode ser um sinal de alerta para o
avanço de cultivos monocultores no município, tendo em vista a influência da indústria Maratá nos
cultivos, pois esta indústria produz farinha de milho e outros itens presentes nesse espaço rural. Por
esta razão, torna-se essencial os estudos que versam sobre a relação dos alimentos com a identidade
de um grupo social.
Os estudos sobre alimentos identitários, aqueles que mantêm características socioculturais,
desde a produção ao consumo, interligadas à identidade de indivíduos ou grupos sociais, como os
derivados da mandioca perpassam por uma linha de análise que considera a produção dessas
iguarias e sua relevância no mercado popular como importante meio de comprovação da resistência
do modo de vida camponês, onde a essência do rural é mantida, e o alimento passa a ser
considerado como símbolo de identidade não somente camponesa, mas do povo de Lagarto.
Para Cansanção (2009) dentre todas as comidas a mais representativa sem sombra de
dúvidas é a maniçoba, prato típico que é proveniente do cozimento da folha da mandioca, apreciado
Todo esse ciclo do saber-fazer culinário era mantido dentro da sociedade a partir dos laços
de familiaridade e de amizade, uma vez que as regras em volta da arte culinária eram
repassadas de geração a geração, cuja aprendizagem fazia-se pessoalmente com uma
parenta – avó, mãe, tia, irmã, prima – uma vizinha ou amiga (AZEVEDO, 2011, p. 75).
Essa produção de alimentos pode ser considerada como uma cultura enraizada no território,
sendo intrínseco ao espaço dos sujeitos, como salienta Claval (2001, p. 63), “A cultura é a soma dos
comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos
indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A
cultura é herança transmitida de uma geração a outra”.
Em relação ao povo lagartense, os saberes peculiares da cultura camponesa tornaram-se
tradição na cidade. Alimentos típicos do meio rural, como a maniçoba, o arroz de galinha e o beiju,
são consumidos em dias específicos em razão da sua forma de preparo e da organização temporal
para seu consumo construída de acordo com a tradição trazida do campo.
O típico arroz de galinha consumido nas noites de sexta-feira, uma técnica cultural
camponesa que mistura arroz branco, galinha caipira e vatapá, que no passado somente era
produzida nas festividades de fim de ano, mas que há muitos anos foi levado para a cidade e hoje é
tido como um alimento tradicional. Além disso, o pé de moleque, a bala de goma, o mal casado e os
bolos típicos, que são derivados da mandioca detêm amplo valor material e imaterial na cultura
lagartense, com seu consumo concentrado aos domingos e dias de feiras livres.
Essa forma de organização espaço temporal em função do alimento é símbolo de identidade
do povo lagartense produzido a partir do saber camponês, caracterizando também a presença de
ruralidades dentro da cidade viabilizadas a partir do modo de vida presente no espaço do homem
camponês. Para Rezende e Menezes (2013) a tradição da transmissão desse saber fazer culinário,
em alguns territórios e grupos sociais, aos poucos foi sendo inutilizada, devido às alterações
impostas pelo avanço do setor industrial e à sua expansão no meio rural e urbano, todavia a
continuidade e a representatividade dessa prática no município de Lagarto apresenta uma estratégia
de resistência da cultura camponesa preservando a essência do saber fazer, demostrando a força da
identidade.
Menezes (2013) discute que a produção desses alimentos está associada ao passado daqueles
que os consomem e as técnicas utilizadas para elaborar, servir e consumi-los são variadas,
indicadoras de suas próprias histórias. Nessas histórias, estão presentes os valores culturais, as
Essa relação entre o alimento preparado a partir desse saber histórico camponês apontam para
a importância desse sujeito na sociedade, não somente na produção agrícola, mas também nesse
porte de conhecimento imaterial para além da ciência que deve ser preservado e socializado com
toda a comunidade. Logo, a procura por alimentos identitários na área urbana se dá em decorrência
da população migrante procurar preservar suas tradições de origem, resgatando seus traços culturais
e alimentares (SANTOS, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo, 2003.
MENEZES, S. S. M. Alimentos identitários: uma reflexão para além da cultura. Geonordeste. São
Cristóvão - SE. Ano XXIV, n.2, 2013.
TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo:
DIFEL, 1980.