Вы находитесь на странице: 1из 10

Início » Salário congelado desde 2014 corrói poder de compra, endivida e

adoece professores do RS

Salário congelado desde 2014 corrói


poder de compra, endivida e adoece
professores do RS
Publicado em: maio 22, 2019

Luís Eduardo Gomes

Alberto* é professor da rede estadual do Rio Grande do Sul desde 2008. Apesar de estar
acostumado a fazer empréstimos no Banrisul e utilizar o cheque especial, decidiu, em
2014, ter um filho junto com a companheira da época. “O salário já era baixo, mas eu
tinha crédito na praça, não estava negativado nem nada”, diz. Ele começou a perder o
controle das dívidas após a filha do casal nascer, no início de 2015. Precisou retirar um
novo empréstimo já para pagar a cesária. A situação foi se agravando à medida que a
menina foi crescendo. Do salário de cerca de R$ 2,2 mil que recebia do Estado por 40
horas de trabalho, quase 80% eram consumidos pelo aluguel e pela escolinha da filha. A
partir daí, começou a tirar um empréstimo atrás do outro. “Começou com um
empréstimo pessoal, depois crédito especial, crédito do minuto, empréstimo automático,
depois consignado. O Banrisul foi o grande algoz disso tudo”, diz.
Ele conta que, quando começou a atrasar o pagamento do aluguel e do condomínio,
passou a ir a pé do apartamento em que morava, na Av. Anita Garibaldi, em Porto
Alegre, até a escola estadual Oscar Tollens, localizada na Rua Vidal de Negreiros, um
trajeto de mais de seis quilômetros que ele levava uma hora para fazer todas as manhãs.
Na hora do almoço a caminhada era ainda maior, quase oito quilômetros até outra
escola estadual localizada no bairro Floresta, onde dava aulas pela tarde. Ao final do
dia, mais uma caminhada, agora um pouco mais curta, de cerca de 2,5 km, até voltar
para casa. Uma rotina de mais de 15 quilômetros e duas horas de caminhada por dia.
“Para não gastar, eu acordava mais cedo, escondido da mãe da minha filha, e saía de
casa caminhando às 6h, para chegar na escola às 7h. Eu não ia a pé para economizar, era
porque eu não tinha mesmo como ir. E era essa a maneira de não faltar na escola”,
afirma.

Em 2018, Alberto foi nomeado professor municipal de uma cidade do Vale dos Sinos.
Ele diz que, com o novo salário, conseguiu reequilibrar suas contas, ainda que
permaneça pagando empréstimos. O contracheque cedido pelo professor à reportagem
(abaixo) mostra que o salário dele no último mês de março foi de R$ 1.695,51,
incluindo vantagens e o completivo do Piso do Magistério. Contudo, descontadas
contribuições e as despesas fixas em folha, seu salário líquido foi de R$ 661,10.

A realidade de Alberto não é muito diferente da maioria dos professores e funcionários


de escolas no Rio Grande do Sul, que vivem atualmente com praticamente o mesmo
salário que recebiam em novembro de 2014, quando entrou em vigor a última parcela de
13,72% do reajuste concedido à categoria pelo governo Tarso Genro (PT). Desde então,
receberam apenas o reajuste no completivo pago pelo Estado para que nenhum
professor receba menos do que o Piso Nacional do Magistério, que era de R$ 1.917,78,
em 2015, e atualmente está em R$ 2.557,74, para uma jornada de 40 horas semanais. O
completivo, contudo, não influi nos benefícios do plano de carreira, que são calculados
pelo salário básico.
Thaís Birck Dillenburg, 35 anos, enfrenta a crise dos professores estaduais em dobro na
família. O marido, Bruno Bunilha Moraes, 34 anos, também é professor. Juntos, eles
somam 80 horas de aulas em escolas estaduais na cidade de Canoas, onde moram. E ela
ainda ainda ministra mais 20 horas na rede municipal de Nova Santa Rita. No final do
mês, o salário líquido de ambos fica na casa dos R$ 5 mil. Recebidos, desde 2015, em
parcelas ou atrasado. “Quando o parcelamento iniciou, ainda no governo Sartori,
quando um recebia R$ 300, o outro também recebia R$ 300”, diz.

As contas começaram a atrasar. Apesar de não gostarem de fazer compras básicas no


crédito, tiveram que recorrer ao cartão para pagar o supermercado e a gasolina. Mas
adiar o pagamento também era um problema por si só. A fatura do Banrisul vence no
dia 2 de cada mês, uma data que não conseguem alterar — como alteraram das contas
de luz e internet, por exemplo –, mas as maiores parcelas do salário só caíam depois
dessa data. Quando o salário começou a ser atrasado, em vez de parcelado, também
entrava na conta posteriormente. O resultado: juros. O mesmo problema ocorre com a
prestação do imóvel adquirido pelo Minha Casa, Minha Vida. Para tentar fazer frente
aos atrasos, passaram a contratar um empréstimo no Banrisul que equivale à
antecipação do salário, uma operação que também carrega juros. Thaís estima que, em
média, ela e o marido somados têm uma despesa fixa de pelo menos R$ 70 por mês
somente com o pagamento de juros. “Se a gente for somar o montante de juros que já
pagamos, além de juros do cheque especial, é assustador”, afirma.

Além dos juros, há a perda do poder de compra. Há quatro anos, Thaís gastava cerca de
R$ 50 por semana com gasolina em um trajeto que inclui deixar Bruno na escola
estadual Guilherme de Almeida, onde ele é vice-diretor. Como ela se divide entre a
escola Margot Giacomazzi, em Canoas, e uma escola em Nova Santa Rita, fica com o
carro até o final do dia. Hoje, o combustível consome cerca de R$ 90 semanais. A TV a
cabo foi cancelada, mesmo que gostassem de ver o noticiário dos canais fechados.
Também deixaram de ir ao cinema e a shows. Eliminaram tudo o que poderia ser
considerado supérfluo e ainda trocaram as marcas de produtos que gostavam por opções
mais baratas. “A gente acaba tendo que se privar porque hoje não sobra absolutamente
nada do salário”, diz.

Um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos


Socioeconômicos (Dieese-RS), a pedido da reportagem, aponta que a cesta básica de
Porto Alegre aumentou 40% entre dezembro de 2014, quando passou a valer o último
reajuste concedido aos professores, e março de 2019. Outras despesas, no entanto,
tiveram altas acima desse patamar. A kilowatt de luz, por exemplo, aumentou 57%. O
gás de cozinha, 52%. A tarifa mínima da água subiu 160%. A passagem de ônibus,
54%. A tarifa do Trensurb, 125%. A gasolina comum, 48%. O telefone celular, 46%.
Em uma simulação com uma lista desses gastos, o Dieese apontou que os gastos básicos
de uma pessoa com esses itens somavam, em dezembro de 2014, R$ 1.863,99 mensais,
enquanto hoje chegam a R$ 2.460,69.
Fonte: Dieese
No início de maio, o carro do casal estragou. O orçamento da conserto deu R$ 2,5 mil.
Depois de muito choro, conseguiram parcelar em cinco prestações. Ainda assim,
apertou ainda mais a situação financeira. Não conseguem economizar. “Quando a gente
se depara com uma situação de emergência, não temos como fazer nenhuma reserva”,
diz Thaís. Sem reserva, não podem fazer planos. “Ter um filho é um projeto adiado”.

Após quatro anos de congelamento salarial e em que as negociações com o governo do


Estado pouco avançaram na gestão de José Ivo Sartori (MDB), em 29 de abril, a direção
do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) se reuniu com o
governador Eduardo Leite (PSDB) e com um grupo de secretários estaduais para tratar
de um possível reajuste salarial. O sindicato pede 28,78% de aumento, o que equivaleria
apenas às perdas inflacionárias da gestão anterior. No encontro, a presidente da entidade
Helenir Schürer Aguiar, afirmou que os professores se encontravam no “limite da
miserabilidade”. Inicialmente, Leite disse que se sensibilizava com a situação, mas que,
no momento, não havia espaço para um reajuste. Posteriormente, chegou a conceder que
havia espaço para a negociação. Ao final, as partes concordaram em manter uma mesa
de negociação aberta, com reuniões a cada 15 dias. Para a próxima, marcada para o dia
27 de maio, a expectativa do Cpers é que haja algum avanço por parte do governo.

A partir de dados disponibilizados pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), o Dieese aponta


que os gastos com pessoal da Secretaria da Educação (Seduc) representavam 37,8% da
folha de pagamento do Estado em dezembro de 2014, quando passou a valer o último
reajuste concedido aos professores. Atualmente, representa 30,2%. Caso o governo
concedesse o aumento de 28,78% reivindicado pelo Cpers, representaria 34,5%, ainda
abaixo do percentual de quatro anos atrás.

Investimento em educação estagnado


Um dos argumentos utilizados pelo governo para justificar a necessidade constante de
ajuste fiscal e, consequentemente, não conceder reajuste aos professores, é de que as
despesas com pessoal têm um crescimento vegetativo, gerado pelos triênios e outras
vantagens das carreiras dos servidores, na casa dos 3% ao ano. Dados disponíveis no
Portal da Transparência apontam que, de fato, o gasto com encargos e pessoal aumentou
26% entre 2015 e 2018, de R$ 33.548.838.137,87 para R$ 42.346.270.268,19.
Quando são considerados apenas os gastos da administração direta do Executivo com
pessoal e encargos, o crescimento acompanhou as despesas totais do Estado. Saíram de
R$ 29.763.566.246,98, em 2015, para R$ 37.781.764.713,12, em 2018, alta também de
26%. Contudo, essas mesmas despesas da Seduc caíram 1,82%, de R$ 7.568.748.168,51
para R$ 7.431.345.642,28 — levando em conta 2014, houve crescimento de 9%. Essas
mesmas despesas também cresceram para os servidores do Ministério Público, com alta
de 16% no período, e para o Poder Judiciário, com alta de 14%, enquanto reduziram
cerca de 5% no Poder Legislativo, de 488.522.636,08 para R$ 464.622.329,69.

Os dados disponíveis no Portal mostram que, entre 2014 e 2018, as despesas do Estado
com educação cresceram bem abaixo da média dos demais gastos públicos. Em 2014, as
despesas efetivas registradas pelo governo do Estado — isto é, o que de fato foi gasto
— somaram R$ 51.456.405.949. Em 2018, os gastos atingiram R$ 68.827.702.798, uma
alta de 33%. Levando em conta apenas o governo Sartori, entre 2015 e 2018, as
despesas aumentaram 25%. Já os gastos efetivos em educação saltaram de R$
7.717.758.872,41 para R$ 8.192.221.361,56, alta de apenas 6%. Contudo, considerando
apenas o período do governo Sartori, os gastos com educação caíram 0,34%, uma vez
que, em 2015, foram empenhados R$ 8.219.349.814,50 na área.

A queda nas despesas da educação pode ser explicada, em parte, pela redução do
número de alunos e, consequentemente, de professores no Rio Grande do Sul, dada a
redução na contratação de professores em caráter emergencial. De acordo com o Censo
Escolar de 2006, o mais antigo disponibilizado pela Secretaria de Educação (Seduc) em
sua página, o Estado tinha naquele ano 1.369.452 alunos matriculados e 67.845
professores em sala de aula. Em 2014, no último ano do governo Tarso Genro, o
número de alunos matriculados na rede havia caído para 1.013.582, enquanto o de
professores tinha sido reduzido para 49.248. O Censo Escolar de 2017, o último
finalizado, registrou 930.616 matrículas e 43.712 professores em sala de aula, reduções,
respectivamente, de 33% e 36%.

No entanto, o Portal da Transparência também registra uma forte queda no investimento


— os gastos não fixos — na última gestão. Em 2014, esse valor chegava a R$
161.640.643,76. Em 2015, R$ 82.292.013,29, uma queda de 49%. Em 2018, caiu ainda
mais, para R$ 49.819.356,04, cerca de 40% em relação ao ano anterior e 70% em
relação a 2014.

Clarice Dal Médico começou a trabalhar no Colégio Estadual Cândido José de Godói,
no bairro Navegantes, de Porto Alegre, em 2003. Ela recorda uma conversa que teve
com um colega algum tempo depois. “Uma noite a gente estava conversando e um dos
professores disse: ‘Eu não me assusto se chegar um dia que o professor vai ganhar por
20h um salário mínimo’. Eu pensei: ‘esse cara deve estar fora de si’. Pelo salário que era
e pelo que era o salário mínimo”.

O tempo passou, ela segue na escola, o colega está em outra, mas ainda no Estado, e há
professores com 20 horas que ao fim do mês, ou quando recebem, não tiram um salário
mínimo limpo. “Uma pessoa que tem uma faculdade, que tem uma pós-graduação, que
se dedica a ensinar. Sabe o que é o mesmo salário de 2014? O que tu compra com R$ 10
e compra hoje?”
Clarice Dal Médico é responsável pelo setor de recursos humanos do colégio estadual
Cândido José de Godói | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Desde 2014, ela é responsável pela área de recursos humanos da escola, além de
também atuar na direção e como supervisora. Nesse período, nenhum professor da
escola conseguiu ter uma promoção de nível pelo governo do Estado, o que deveria
ocorrer à medida que eles vão se aperfeiçoando na profissão. Mas o que acontece, na
prática, é que sequer são avaliados em termos de publicações e cursos que fazem. “A
última avaliação que foi feita na escola foi em 2014, referente a 2013. Depois que
entrou o Sartori, não teve mais nada”.

Essa realidade vai na contramão de um velho discurso em defesa da aplicação de


critérios meritocráticos dentro da escola, sempre defendido em governos do PSDB e do
MDB no Estado. Hoje, não há incentivo real para os professores se qualificarem. “Tu
vai fazer um curso e imagina que ele irá te ajudar em alguma coisa. Que coisa? Salarial,
além do conhecimento. Eu vendo a minha força de trabalho para o Estado e a minha
força é dar aula. Eu tenho que me qualificar e tenho que ter um retorno por isso, mas
não existe nada. Existe cobrança de algumas formações com péssima qualidade
oferecidas pela Seduc e depois o professor fica com um certificado que não vale nada
para ele”, diz.

Em março, a Assembleia Legislativa aprovou o fim da licença prêmio, que permitia que
os professores que não conseguissem usufruir de um tempo de aperfeiçoamento fora de
sala de aula pudessem converter períodos a que tinham direito em vantagens
financeiras. Os únicos avanços que os professores ainda recebem são os triênios, mas o
governo Leite fala abertamente da necessidade de revisão do plano de carreira da
categoria, o que pode levar a cortes também desse benefício. “Não tem mais o que tirar.
Só se ele não quiser pagar, quiser que a gente faça um trabalho de missão. Daí a gente
vai para a África, que é mais chique”.
Precarização das escolas
A Cândido José de Godói conta hoje com 51 servidores ativos, entre professores e
funcionários. Clarice diz que, dos 17 professores que foram nomeados para trabalhar na
escola após o concurso realizado em 2013, seis já deixaram o Estado. “Nós tivemos os
melhores professores saindo. Um porque foi trabalhar na Prefeitura, outro foi trabalhar
em Santa Catarina. Outra foi trabalhar no circo”, conta.

Ela diz que, entre os contratados mais jovens, que não têm estabilidade garantida, o
normal é ficarem até dois anos, antes de irem fazer outra coisa. “Ou é alguém que está
fazendo mestrado, aí convém ficar”, diz. No entanto, ela conta que também há casos de
professores há muitos anos na rede estadual pedindo exoneração. “Um excelente
professor de história tinha 16 anos de Estado e saiu no início do ano passado”, diz.
“Quando eu entrei nessa escola, tinha aquelas professoras antigonas, que tinham entrado
no início do magistério e seguiam. Agora não é mais assim, tem uma grande
rotatividade, o que é péssimo para a educação”.

A professora Thaís Dillenburg e o marido somam 100 horas de trabalho semanais |


Foto: Arquivo Pessoal
Além da saída dos professores, os quadros das escolas estão sendo enxugados para
economizar custos. Thaís Dillenburg conta que a Margot Giacomazzi tinha profissionais
atuando na supervisão em três turnos no passado. Agora, tem apenas uma supervisora
para dar conta dos cerca de 890 alunos que estudam de manhã, à tarde e à noite. Só há
uma merendeira. A limpeza também é feita por apenas uma funcionária em cada turno.
Sem falar na falta de recursos para manutenção. “A escola está destruída. Chove mais
dentro do que fora. Teve um muro que desabou há cinco anos e não foi feito nada. Se
um dia acontecer uma tragédia, não tem nenhuma perspectiva de verba para
manutenção”, diz.
Uma categoria humilhada
Como responsável pelo RH, Clarice diz que é possível ver o adoecimento da categoria,
físico e psicológico. Professores, mesmo jovens, entrando em licença de saúde.
Também percebe os professores desanimados, com dificuldades para exigirem dos
alunos.

Ela relaciona o aumento da violência contra professores à precariedade das condições de


trabalho da categoria. “O professor virou algo que todo mundo xinga, que o aluno
xinga, que o pai do aluno xinga. Para mim, é por causa do governo, que desqualifica a
nossa função. Todo mundo sabe que nós ganhamos uma miséria. Nós temos aluno de
Ensino Médio em estágio ganhando a mesma coisa que professor. Os pais ficam
sabendo disso. A gente faz uma manifestação por alguma coisa, o Estado mete a polícia
em cima da gente. Isso vai minando”, afirma.

Thaís concorda que a imagem do professor vem se deteriorando cada vez mais à medida
que a condição financeira da categoria vai se precarizando. “O professor está numa
situação de humilhação tão grande, que a gente não consegue ter o respeito absoluto do
aluno. A gente passa a imagem de coitado, de miserável. Eu lembro de quando
começaram os parcelamentos, os alunos chegaram a falar de fazer uma vaquinha para
comprar cesta básica”, conta. Para ela, apesar de muitos professores não abordarem o
assunto em sala de aula, os alunos sabem que eles passam por problemas financeiros.
Eles veem, por exemplo, os professores levando marmita para a escola porque não têm
condições de pagar uma refeição.

Além da humilhação perante a comunidade escolar, Clarice avalia que os professores


estão passando por um processo de envergonhamento à medida que as condições
materiais pioram. Este envergonhamento foi admitido por Alberto, ao pedir para ter seu
nome modificado. E, para Clarice, acaba reduzindo o poder de mobilização da
categoria. Mesmo com as diversas greves que ocorreram no governo Sartori, incluindo a
de 2017, que durou mais de 90 dias, ela argumenta que faltou força à categoria para
lutar contra a precarização. Para ela, há uma questão simbólica que impede muitos
professores de se levantarem fortemente contra o parcelamento e congelamento de
salários, o medo de que pessoas próximas possam considerar a situação como uma
humilhação.

“Além de sofrer uma perda do poder de compra, ter o salário parcelado, fica feio tu
admitir isso. Tua moral parece que vai ser atingida. O professor tem que ter uma
formação muito segura para ir para frente de uma turma, fazer com que ela não o
desrespeite e dizer: ‘Olha, eu não recebi o meu salário, estou com a minha conta de luz
para ser cortada’. Não é qualquer um que consegue dizer isso. Porque a gente vive numa
sociedade que condena o pobre, condena aquele que não tem um bom salário”, diz
Clarice. “Como que eu vou chegar na frente dos colegas e dizer que estou mal?”

Ela própria sente isso na pele, na comparação que é feita por familiares. “Se tu me
pergunta porque eu sou professora. Eu sou filha de agricultor e, para nós, lá fora, ser
professor era uma grande coisa. Tive que sair de casa. Eu não me arrependo de ser,
porque é algo que gosto. Eu tive um irmão mais novo que nunca quis estudar, sempre
fez bagunça. Agora ele trabalha com marmoaria e diz assim: ‘tá aí, tu estudou, fez
faculdade, eu não, e agora ganho o teu salário longe’. Então, dentro da própria família, o
pessoal percebe”.

Diante de tantos problemas, é impossível que a situação financeira não acabe afetando o
trabalho em sala de aula. “O nosso planejamento regular já não seria suficiente para dar
conta de todas as atividades. Obrigada a trabalhar 60 horas, esse tempo fica mais
resumido ainda”, diz Thaís.

Clarice diz que se pergunta o porquê de, apesar dessa situação, muitos professores ainda
buscarem fazer carreira no Estado. “Eu acho que no trabalho tem alguma coisa de
gostar. Agora, não é porque os professores gostam de serem professores que o governo
tem que fazer isso”.

Clarice avalia que a condição financeira coloca a categoria em uma situação de


humilhação | Foto: Guilherme Santos/Sul21
*Alberto é um nome fictício de um professor que forneceu o contracheque para a
reportagem, mas pediu para ter sua identidade preservada

Editoria: Geral, z_AreazeroPalavras-chave: CPERS, educação, governo Leite, Governo


Sartori, parcelamento, professores, professores estaduais, salários congelados

Вам также может понравиться