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CURSO ONLINE ‘AUTORES CONTEMPORÂNEOS DA HOMEOPATIA CLÁSSICA’

Dr. Ruy Madsen

O PROGRAMA DE PESQUISAS DA HOMEOPATIA CLÁSSICA1

Ruy Madsen

I. A teoria do conhecimento em Popper e Lakatos

Todo homeopata se depara, cedo ou tarde, com a questão da cientificidade da Homeopatia. Seja
por confronto direto com os céticos ou porque o aprofundamento de seus próprios estudos o
levam a questões cada vez mais filosóficas. Homeopatia é ciência? O que é ciência? Essas são
questões próprias da epistemologia, campo do saber que busca uma “reconstrução racional da
história da ciência”.

A busca por um critério que estabeleça o que é ou não científico, ou seja, o que é ciência e o que é
pseudociência, é denominado “problema da demarcação”. Para o filósofo austríaco Karl Popper (1902-
1994) este é o problema mais importante da teoria do conhecimento.1

Segundo o método indutivo, só é ciência aquilo que é derivado da experiência. O cientista, portanto,
é aquele observador sem preconceito que generaliza a experiência, que encontra proposições
gerais partindo da observação pura de proposições específicas.

Para o defensor dessa lógica indutiva, só é científica a teoria que pode ser comprovada pela
experiência. Popper rejeita essa ideia, pois nada garante que uma conclusão seja verdadeira mesmo
sendo ela resultado da observação de inumeráveis fatos individuais. O exemplo famoso é: não
importa quantos cisnes brancos tenhamos visto, essas observações não provam que todos os cisnes são
brancos. A experiência é frágil, pois sempre há a possibilidade de a teoria se mostrar falsa se um
experimento futuro mostrar um resultado contrário ao esperado.

Sendo assim, Popper inverte o critério indutivista de demarcação. Se tradicionalmente ciência


é o que pode ser comprovado por uma observação, para Popper, ciência é o que pode ser refutado por
uma observação, aquilo que pode ser falseado. Por isso, ele exige de um defensor de determinada teoria
científica a honestidadedeabandoná-lacasoumexperimentofalsifiqueessateoria.Nesse
darwinismo das ideias apenas sobrevivem as hipóteses científicas mais aptas.
Esse critério de demarcação ficou conhecido como falseacionismo.

1 Artigo original publicado em inglês: Ruy Madsen. The scientific research program of
classical homeopathy. In: Homeopathic Links vol. 29 (1). 2016. p. 67-72

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[Fig. 1 – Karl Popper]

Uma teoria é, portanto, mais científica quanto maior for seu grau de falseabilidade. A postura
anticientífica, para Popper, seria nos apegarmos a uma teoria, usando hipóteses auxiliares, para
salvá-la da refutação.

Aqui surge um novo problema. Uma aceitação sem críticas do falseacionismo implicaria em uma
rápida eliminação de teorias científicas assim que as mesmas se deparassem com a menor dificuldade.
E isso ocorreria principalmente com hipóteses novas, recentes. Porém, a realidade histórica mostra que
as coisas não ocorrem exatamente assim.

O filósofo húngaro Imre Lakatos (1922-1974) propõe uma sofisticação do falseacionismo


popperiano: a metodologia dos programas de pesquisa científica. Lakatos analisa séries
históricas de teorias correlatas, ou seja, um programa de pesquisas que se desenvolve ao longo do
tempo, e não teorias isoladas. Para ele a falsificação não serve para refutar completamente um
programa, mas sim para ajustar as teorias auxiliares. Ou seja quando uma parte das teorias de um
determinado programa de pesquisas é falseada outra parte ainda pode sobreviver.2

[Fig. 2. – Imre Lakatos]

Popper não tinha essa clemência com as hipóteses auxiliares, porque enxergava nelas tentativas de
proteger as teorias, salvá-las da falsificação. Lakatos entende que essas hipóteses auxiliares
absorvem o impacto da falseabilidade e se posicionam como um cinturão de defesa de um núcleo
rígido que não é falseado. Em outras palavras, quando as teorias se chocam com a realidade ocorre
um “aparar de arestas”. Essas arestas não são fundamentais ao programa de

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pesquisas, elas servem para permitir que o programa seja aperfeiçoado e ajustado ao longo do
tempo.

A visão de ciência de Lakatos é, nesse sentido, mais flexível, mais dinâmica do que a de Popper.
No “falseacionismo sofisticado” lakatosiano só haverá substituição de uma teoria por outra se a
nova for capaz de prever fatos novos e incluir as partes não refutadas da teoria anterior.

Essa característica das hipóteses auxiliares de previsão de fatos novos, foi denominada caráter
progressivo de um programa de pesquisas. Assim, um aumento das hipóteses auxiliares só será
“progressivo” se vier acompanhado de um aumento de capacidade de gerar novas soluções e novos
problemas. Se o programa entra em um estágio em que já não é capaz de ampliar seu contato com a
realidade ele entra então em uma fase degenerativa. Mas nem mesmo um programa degenerativo
está fadado ao abandono completo, uma pequena “revolução ou uma alteração criativa” nas suas
hipóteses auxiliares pode fazê-lo novamente avançar.

II. A Homeopatia e a metodologia dos programas de pesquisa

A comunidade homeopática está em dívida com o filósofo brasileiro Silvio Chibeni. Ele foi o
primeiro a mostrar a importância da metodologia de Lakatos para uma melhoria do debate em
torno da questão da cientificidade da Homeopatia.3 Mas o próprio Chibeni alertava em seu
trabalho pioneiro que “a questão do ajuste empírico e da progressividade do programa” de
pesquisas homeopático caberia aos especialistas da área. Este presente estudo visa retomar
o debate iniciado pelo professor Chibeni e discutir aqueles pontos declaradamente não
aprofundados.

O “ajuste empírico e a progressividade” referem-se às características do cinturão de defesa do


programa de pesquisas da Homeopatia. Antes disso, porém, precisamos definir quais são as duas
partes do programa homeopático, ou seja, o que seria seu núcleo rígido e seu cinturão de defesa.

Chibeni usa os aforismos do Organon de Hahnemann como base de seu artigo, mas se queremos ser
fieis à proposta de Lakatos temos que analisar uma série histórica de teorias relativas à
Homeopatia e não apenas as teorias de seu fundador.

Algumas questões nos ajudarão a ter uma visão lakatosiana desse processo. As tentativas de respostas
a essas questões ajudarão a delimitar as duas esferas do programa de pesquisas homeopático.

- Qual direção Hahnemann deu às suas investigações e que, tendo sido seguida por seus
discípulos, nos permitem reconstruir racionalmente um padrão, delineando assim um
programa de pesquisa?
- O que Hahnemann e seus seguidores decidiram salvar das refutações?
- O que os testes não refutaram ao longo da história da Homeopatia?
- O que as alterações criativas preservaram?

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Buscaremos com alguns exemplos demarcar o cinturão de defesa e o núcleo rígido do programa
de pesquisas da Homeopatia.

Se encontrarmos uma falsificação nas investigações hahnemannianas, ou seja, uma refutação de


alguma teoria e um consequente ajuste teórico, reconheceremos nos primórdios do programa
homeopático onde estão as teorias passíveis de ajuste – hipóteses auxiliares do cinturão de defesa –
e o que ele considerava irrefutável – o núcleo rígido do programa.

Segundo vários autores a maior alteração que Hahnemann promoveu em seu sistema nascente foi a
teoria miasmática. As hipóteses contidas no livro Doenças crônicas promoveram uma verdadeira
revolução no conceito de saúde e doença da Homeopatia e obrigaram o fundador a rever várias de
suas indicações anteriores contidas nas primeiras edições do Organon.4, 5

No entanto, nem tudo mudou após a teoria das doenças crônicas. Ao perceber inconsistências nos
resultados, Hahnemann não abandona suas teorias fundamentais, ele as aperfeiçoa indicando
a origem real das enfermidades, orientando quais sintomas valorizar, classificando os
medicamentos de acordo com os miasmas etc. Um ensaio importante chamado “O espírito da
doutrina médica homeopática”6 foi publicado por Hahnemann pela primeira vez em 1813 e
depois republicado em 1833 na segunda edição do Matéria Médica pura. O livro “Doenças crônicas” foi
publicado em 1828. Portanto, além das últimas edições do Organon, temos neste ensaio – “O espírito da
doutrina” – um texto que aborda os conceitos fundamentais, aquilo que permaneceu firme após a
“revolução” miasmática. O que temos ali são pontos essenciais, convencionalmente não
refutáveis, do programa de pesquisas homeopático. O que este texto conserva como “espírito da
doutrina” podemos chamar de núcleo rígido.

Hahnemann, nos primeiros parágrafos do texto, conceitua saúde e doença. O que chamamos doença é
uma condição dinamicamente alterada da totalidade daquilo que anima o organismo de cada caso
individual. Esse “modo de ser” alterado é seguido por mudanças das propriedades materiais.

Podemos reconhecer já nessa primeira parte do ensaio três teorias que podem ser consideradas
fundamentais para a Homeopatia: o vitalismo, a totalidade, a individualização.

Hahnemann segue dizendo que somente uma substância capaz de alterar o estado de saúde seria
capaz de curar a condição alterada da totalidade. Para descobrirmos a capacidade que cada substância
tem de alterar o estado de saúde é proposta a experimentação das substâncias em homens sãos, outro
ponto fundamental - não refutável - do programa de pesquisas.

As experimentações nos permitem reconhecer padrões de alteração dinâmica da totalidade do


organismo semelhantes a casos naturalmente alterados pela enfermidade. A mesma capacidade
que a substância tem de promover alterações, na forma de sinais e sintomas, é a capacidade que ela
tem de curar.

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Essa é a teoria da similitude, que Hahnemann usa para nomear o seu sistema médico (do original
grego: ὅµοιος / homoios = semelhante).

Até aqui estamos de acordo com Chibeni que coloca no núcleo rígidodo programa: a totalidade,
a similitude, a experimentação. Porém, Hahnemann leva o espírito da doutrina mais adiante, até à
prática clínica.

“Só precisamos de uma série de listas de sintomas que as substâncias


produziram para [...] saber qual de todos os medicamentos diferentes
testados [...] qual é o mais adequado em cada caso..” 6

A teoria do medicamento único é, portanto, parte fundamental do espírito da doutrina.

Além disso, no final do texto, Hahnemann sublinha que o organismo é mais influenciado pelo
medicamento do que pela doença, e, quando doente, é ainda mais afetado pelo medicamento, já que
está “disposed and excited”. Por essa razão as mínimas doses do medicamento mais adequado são
necessárias e úteis, uma vez que o medicamento age por qualidade e não por quantidade. O conceito da
“dose mínima”, portanto, é essencial ao programa e traz a questão da ultradiluição para dentro
do núcleo rígido da Homeopatia.

Todos esses conceitos que reconhecemos no “espírito da doutrina” (vitalismo, totalidade,


individualização, similitude, experimentação, medicamento único em doses mínimas) estão no
Organon, mas aqui aparecem de forma explícita e resumidos de forma didática em poucos
parágrafos. Tudo o mais que se discutiu ao longo da história homeopática são hipóteses auxiliares a
esse “espírito”, ou seja, são o cinturão de defesa desse núcleo convencionalmente irrefutável.

Os autores posteriores a Hahnemann que foram fiéis a este “espírito” criaram novas hipóteses,
aperfeiçoaram as técnicas e desenvolveram o instrumental homeopático, evidenciando o vigor
criativo do cinturão de defesa que orbita em torno do núcleo de conceitos básicos.

Como exemplo de conservação do núcleo rígido pós-Hahnemann, podemos citar a criação em 1881 da
International Hahnemannian Association em resposta à perdada identidadehomeopática da
American InstituteofHomeopathy. Essa última instituição vinha desrespeitando princípios
homeopáticos, promovendo modernizações, como o estabelecimento de testes cujo objetivo era
questionar a prática e o ensino das idéias hahnemannianas. As resoluções do novo grupo
(International Hahnemannian Association) voltavam a sustentar o núcleo do programa,
estabeleciamque oOrganon deHahnemann erao únicoguia paraa terapêutica e reafirmavam as leis
hahnemannianas do semelhante, medicamento único e dose mínima do medicamento dinamizado.
11

A própria teoria das doenças crônicas (a teoria psórica) pode ser melhor entendida à luz da
metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos. Trata-se de uma hipótese auxiliar
hahnemanniana que tentava explicar a verdadeira

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origem das enfermidades, contra a qual deveria se direcionar o tratamento homeopático.


Colocamos então a teoria miasmática no cinturão de defesa do programa: trata-se de uma teoria que
pode ser modificada sem prejuízo para o núcleo rígido. Tanto que as visões a respeito dos
miasmas são múltiplas, evidenciando seu caráter elástico, como um auxiliar adaptável para as
mais variadas abordagens homeopáticas. Para citar três visões diferentes temos a teoria da
“dinâmica miasmática” de Masi Elisaldi, as teoria dos miasmas em Ortega, os dez miasmas de
Sankaran. Porém, todos eles respeitando em suas abordagens a Homeopatia clássica, os conceitos de
similitude, experimentação, totalidade, individualização, medicamento único em doses mínimas.

Podemos ver um embrião desse entendimento do que é fundamental e do que é secundário na discussão
Allen-Hering sobre a importância da teoria miasmática.

Hering questiona em um artigo de introdução ao Organon:

“... o que muda se um médico adota ou não as opiniões teóricas de


Hahnemann desde que ele adote os instrumentos principais do mestre e a
matéria médica de nossa escola? O que muda se um médico adota ou
rechaça a teoria psórica se sempre selecionar o medicamento mais similar
possível?” 7

A tais questões Allen responde nos seguintes termos:

“ ...a verdade é que não podemos selecionar o medicamento mais similar


possível a menos que compreendamos o fenômeno dos miasmas básicos
existentes e em atividade, pois o verdadeiro similar se baseia no fato de
estarmos ou não conscientes desta realidade”. 7

Podemos ver que no debate não se questiona o objetivo da prática clínica homeopática:
encontrar o medicamento único mais semelhante possível para cada caso individual. Ambos
concordam que isso é o fundamental, ou seja eles não questionam o núcleo rígido do programa.
O ponto controverso é o instrumental que o homeopata precisa utilizar para chegar a esse
medicamento. Allen vê necessidade da teoria miasmática para atingir o objetivo da Homeopatia. Hering
não nega a validade desse instrumento, mas relativiza sua importância, dizendo que não importa
qual seja a opinião sobre essa e outras teorias secundárias desde que o homeopata mantenha os
pontos fundamentais do programa. Para Hering, é possível uma abordagem homeopática
hahnemanniana mesmo sem a aceitação da teoria psórica. Ou seja, estão discutindo dentro do
cinturão de defesa.

A questão dos métodos e escalas de dinamização é outro exemplo de debate dentro do cinturão de
defesa. Hahnemann passou da escala centesimal do método dos frascos múltiplos até a
elaboração do método da cinquenta milesimal. E assim, cada grupo homeopático ao redor do
mundo preconiza um tipo de dinamização, todos demonstrando bons resultados. Dentro do programa
de pesquisas essa parece ser mais uma questão secundária, teorias auxiliares

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que buscam aperfeiçoar na prática o conceito fundamental (núcleo rígido) das doses mínimas.

Uma das críticas8 feitas à metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos é justamente o ponto
que nos parece mais admirável e adequado para a reconstrução racional da história da ciência
homeopática: a demarcação do que é núcleo rígido e cinturão de defesa é arbitrária.

Quais teorias compõem o núcleo rígido da Homeopatia clássica? Exatamente nesse ponto a presente
análise se difere da de Chibeni. Lakatos já havia deixado claro em sua metodologia que a constituição
do núcleo rígido é uma convenção da comunidade científica envolvida no programa de pesquisas.

Essaautonomia queLakatos enxerganos membrosde umamesmacomunidade científica nos permite


selecionar para análise histórica uma determinada comunidade de cientistas que escolheu
seguir determinada tradição homeopática, que aqui chamamos de Homeopatia Clássica. Podemos
dizer que pertencem a uma mesma tradição, pois reconhecemos nesse conjunto de cientistas o
respeito a um padrão (núcleo rígido irrefutável) ainda que apresentem técnicas diferentes
(teorias auxiliares).

Os próprios cientistas de um mesmo programa reconhecem-se como membros de uma mesma


tradição. Sankaran, em artigo que traça uma linha histórica de desenvolvimentos na homeopática
clássica, reconheceu 4 fases, ou como ele prefere chamar, gerações: Invenção, Intensificação,
Inovação, Integração. 9

Qual o padrão que une essas gerações? O que está por trás de homeopatas tão diferentes como por
exemplo Boennighausen, Kent, Vithoulkas e Mangialavori? Por que podemos considera-los
homeopatas clássicos pertencentes a uma mesma tradição ainda que suas técnicas e análises clínicas
sejam tão diferentes? Certamente os fatores relevantes que nos permitem considera-los homeopatas, no
sentido clássico do termo, não são suas técnicas. A metodologia de Lakatos nos ajuda a esclarecer
melhor esses embates internos do meio homeopático.

Tanto Boenninghausen quanto Kent são considerados seguidores de Hahnemann porque respeitaram
“o espírito da doutrina”, ou numa visão lakatosianosa, defenderam o núcleo rígido e tentaram, cada
um a seu modo, ampliar o cinturão de defesa. Boenninghausen desenvolveu o conceito de
generalização (toda modalidade experimentada em uma parte pode ser aplicada ao todo), teoria essa
repudiada por Kent, que por sua vez desenvolve um estudo da matéria médica descrevendo os
medicamentos como personalidades. Todas essas hipóteses auxiliares geraram novas soluções e
novos problemas, contribuíram assim para que o programa de pesquisas da Homeopatia tivesse um
caráter progressivo. Podemos entender Kent sem a generalização de Boenninghausen, mas seria
impossível conceber esses autores sem a similitude, a individualização, a totalidade, as doses
mínimas,omedicamentoúnico,aexperimentação.

Da mesma forma, a metodologia de Lakatos nos ajuda a entender os debates mais recentes da
comunidade homeopática, principalmente as contribuições dos

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autores contemporâneos da fase da Inovação como o próprio Rajan Sankaran, Jan Scholten e
Massimo Mangialavori, para citar os mais influentes. O próprio nome escolhido por Sankaran para
nomear esta fase, “Inovação”, já nos diz onde essas contribuições se situam dentro da epistemologia
que aqui propomos. Lakatos só considera progressivo um programa de pesquisa cujas teorias
auxiliares antecipam fatos novos. Todas as “inovações” em um programa, quando feitas dentro do
“espírito da doutrina”, são realizadas no cinturão de defesa. As contribuições desses autores não
constituem uma outra Homeopatia, não são tentativas de fundar um novo programa, são
simplesmente desenvolvimentos das técnicas auxiliares da homeopatia clássica, passíveis de
falsificação e, por isso mesmo, defensoras do núcleo rígido não-falseável.

Nas novas abordagens dos autores contemporâneos não há desrespeito a nenhum dos pontos
fundamentais da Homeopatia hahnemanniana. Podemos entender as novas abordagens como
necessárias inserções criativas quando o programa estava entrando em fase de degeneração, ou seja,
quando já não estava prevendo fatos novos.

O desenvolvimento de teorias de classificação dos medicamentos em grupos, através do estudo dos


temas, permitiu prever características de medicamentos menores, pouco estudados, além de novos
medicamentos. Essas inovações trouxeram mudanças na tomada de caso e novas possibilidades de
análises. Tudo isso faz da Homeopatia, uma ciência madura, um programa progressivo de
pesquisas, pois apresenta poder criativo, ou como prefere Lakatos, poder heurístico.

Outro exemplo de inovação, a teoria das plantas apresentada por Jan Scholten é uma teoria nascente.
Algumas de suas partes demonstrarão inconsistência, serão revisitadas e refutadas posteriormente, mas
já mostra a capacidade de prever novos fatos, características de medicamentos pouco conhecidos ou
nem sequer imaginados. Desse modo, ela é assume seu lugar entre as teorias auxiliares que promovem
progresso do programa de pesquisas homeopático.

Nas palavras de Lakatos: o cinturão de defesa se “lança para frente com quase total
indiferença pelas refutações”. Scholten não espera sanar possíveis incoerências na teoria
dos elementos e na teoria dos Lantanídeos para desenvolver a teoria das plantas. Na verdade,
essa nasce enxertada sobre aquelas. Para Lakatos, o cientista de um programa vigoroso
coloca as inconsistências à parte e prossegue no caminho do desenvolvimento.

Logicamente chega o momento da colheita, de separar o joio do trigo, e a comunidadecientífica


voltaentãoaseocupar dasanomaliasetentacoordenare organizar a gama de fenômenos acumulados. É
nessa fase que se situa a geração da Integração. Após as grandes inovações do método da Sensação
(teorias dos reinos, sub-reinos, miasmas), Sankaran passa a organizar os fenômenos
observados tentando conciliá-los com a tradição e ponderá-los usando uma abordagem que
chamou de “Sinergia”, ou seja, uma análise de caso que leve em conta tanto as abordagens
tradicionais quanto as contemporâneas. 9

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III. Homeopatia e o “jogo da ciência”

Além de promover recursos para uma analisar o desenvolvimento histórico da Homeopatia, a


metodologia dos programas de pesquisas é um instrumento importante para a comunidade
homeopática entender sua posição no “jogo da ciência”.

Frente aos ataques de revisões sistemáticas que visam refutar a Homeopatia, é sempre possível dizer
que esses “resultados experimentais não são confiáveis, ou que as discrepâncias entre resultado e teoria
são aparentes e desaparecerão com o avanço da compreensão”. 2 Sabemos que o cinturão de defesa
absorve esses impactos e, assim, o que é ajustado são algumas hipóteses auxiliares e não toda a
Homeopatia com seus conceitos fundamentais.

Sempre é possível ecoar o argumento do homeopata americano Herbert Roberts:

“We must remember that though we may fail, the failure is ours; it is not the
failure of Homeopathy. The better knowledge we have of the ‘tools of our
trade’ the better use we should make of them.” 10

Se o medicamento selecionado não promoveu cura, quem enfrenta o tribunal da experiência são os
elementos secundários do sistema, p.ex. os métodos de seleção do medicamento. O núcleo
permanece intacto frente às evidências hostis,
o peso recai sobre as nossas habilidades técnicas e sobre as teorias auxiliares do cinturão de defesa, as
quais estão sempre mudando.

Para Popper, o grande problema das hipóteses auxiliares era distinguir dentre elas quais eram ciência
e quais eram pseudociência. Seriam pseudociência aquelas teorias defendidas através de
argumentos ad hoc, ou seja, de validade limitada, que buscam resolver apenas casos particulares.

Lakatos esclarece essa questão demonstrando que ajustesverdadeiramente científicos aumentam


o conteúdo do cinturão de defesa, enquanto os “estratagemas”, por só oferecem
reinterpretações linguísticas, diminuem o conteúdo. Os primeiros promovem progresso científico e
os outros conduzem à degeneração. Um programa degenerativo é aquele que só muda como resposta
às críticas.

Como vimos, as teorias dos autores da geração da Inovação são exemplos de contribuições ao
desenvolvimento do cinturão de defesa, por outro lado, as tentativas de adaptação da linguagem
homeopática à linguagem da medicina convencional diminuem o conteúdo do programa.

Um nítido exemplo de fase de degeneração no programa homeopático é a crise da Homeopatia


americana no final do século XIX e início do século XX. Nesse período, após grande florescimento
da Homeopatia, grande parte da comunidade homeopática busca “modernizar-se”, e ao tentar
adaptar o sistema de

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Hahnemann às ciências médicas nascentes, levou a Homeopatia “à beira da extinção”. 11

O entendimento da metodologia dos programas de pesquisa devolve para a comunidade científica


envolvida no programa a responsabilidade por seu desenvolvimento ou retrocesso. É a criatividade
dos cientistas (homeopatas) e não sua capacidade de responder às pesquisas contrárias que faz um
programa evoluir. “É muito difícil derrotar um programa de pesquisas apoiado por
cientistas talentosos e imaginativos.” 2

Em muitos países, a comunidade homeopática se vê constantemente forçada a responder pesquisas


que afirmam refutar a Homeopatia. Para Lakatos, as preocupações com as adaptações linguísticas
para responder à essas críticas configuram “perda de tempo”, pois a orientação que um cientista pode
receber dos “testes e das refutações é geralmente trivial”. É nesse sentido que entendemos o
comentário de Linde et al.

“As revisões sistemáticas em homeopatia (...) refletem a controvérsia


fundamental desta terapia e fortalecem a percepção de que, se por um lado,
as evidências positivas não convencerão os céticos, por outro, os resultados
negativos não terão nenhum impacto sobre os homeopatas...” 11

A Homeopatia clássica deve ser estudada e praticada dentro desta dialética: ajuste e
desenvolvimento de teorias auxiliares ao redor de conceitos fundamentais, assim como
ocorreu com grandes programas de pesquisas de sucesso na história da ciência. Esse é o “jogo
científico”: entender o modo dialético da ciência e descartar a pretensão de uma fórmula
perfeita que responda todos os casos - a ilusão de uma solução final. Para Lakatos, ciência é o
desenvolvimento de um programa de investigação mergulhado em um “oceano de anomalias”.

[Fig.3- Graphical representation of Classical Homeopathy's research program]

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Bibliografia

1- Popper KR. A Lógica da Pesquisa Científica. Ed. Cultrix. São Paulo. 2013 2- LakatosI.The

MethodologyofScientificResearchProgrammes.
Philosophical Papers Vol. 1. Cambridge University Press. 1978

3- Chibeni SS. On the Scientific Status of Homeopathy. British Homeopathic Journal 90: 92-8,
2001.

4- Rosenbaum P. Miasmas: saúde e enfermidade na prática clínica homeopática.


Rocca. São Paulo. 1998

5- Hael R. Hahnemann, his life and work. B Jain Publishers. New Delhi. 2003 6- HahnemannS.

SpiritoftheHomeopathicMedicalDoctrine.In:Materia
Medica Pura. B Jain Publishers. New Delhi. 1995

7- Allen JH. The Chronic Miasm. B Jain Publishers. New Delhi. 2004 8- Larvor B.

Lakatos: An Introduction. Ed. Routledge. 1998

9- Sankaran R. Generations in Homoeopathic Practice. In: From Similia To Synergy: The


Evolution of Homoeopathy. Homoeopathic Medical Publishers. Mumbai. 2013

10- Roberts HA. The Principles and Art of Cure by Homoeopathy. B Jain Publishers.
NewDelhi.1985

11- Repasz C. On the Cutting Edge of Extinction: How the Quest for Modernity LedtotheErosion
ofIdentityinAmericanHomeopathyfrom1865-1900. In: American Homeopath. 2001

12- Linde K, Hondras M, et al. Systematic reviews of complementary therapies an annotated


bibliography. Part 3: homeopathy. BMC Complementary and Alternative Medicine 1(1): 4.
2001

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