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RIO DE JANEIRO
2015
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Introdução
“Quando, finalmente, aos 26 anos de idade, comecei a estudar Economia de maneira sistemática, minha visão
do mundo já estava definida. Assim, a Economia não chegaria a ser mais que um instrumental, que me
permitia com maior eficácia tratar problemas que vinham da observação da História ou da vida dos homens
em Sociedade. Pouca influência teve a Economia, portanto, na conformação do meu espírito. Nunca pude
compreender a existência de um problema ‘estritamente econômico’”.
Celso Furtado
A presente Tese foi elaborada ao longo dos anos 2011 e 2014, período que ficou
marcado por quatro grandes tendências: a redução dos preços internacionais dos produtos
primários, que vinham subindo de forma consistente desde o início dos anos 2000; a
consolidação de um mundo multipolar, com a ascensão da China como potência econômica e
uma das maiores parceiras da América do Sul; a ofensiva estadunidense, depois da derrota da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), para assinar Tratados de Livre Comércio
(TLC) com países da região e para entusiasmar a Aliança do Pacífico; e a diminuição do
ímpeto integracionista na região, depois da saída de cena dos três principais líderes políticos
do processo de integração, Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner e Hugo Chávez.
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Economia Política, a História, a Ciência Política e as Relações Internacionais se
complementassem em nossas interpretações.
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Pecequilo (2012b, p.29) escreve: “conhecida como a mais tradicional abordagem teórica das Relações
Internacionais, o Realismo Político sistematiza suas preocupações em torno de dois conceitos-chave, o poder e
o conflito... Desde suas fontes clássicas na Ciência Política como Maquiavel e Hobbes, ao anterior estudo de
Tucídides sobre as interações de Atenas e Esparta, passando por Max Weber e chegando a E.H.Carr e Hans
Morgenthau no século XX... Estas orientações mantêm-se praticamente as mesmas, com variações de ênfase”.
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Nesta metáfora, é como se cada Estado nacional representasse uma bola de bilhar. A mesa de bilhar, o campo
de jogo, seria o Sistema Internacional. No caso de nossa Tese, não deixaremos de nos preocupar com as
relações de poder dentro dos Estados nacionais, ainda que depositemos maior atenção às relações de poder
entre os Estados. Sobre este tema, Medeiros (2010b, p.146) salienta que “os conflitos decorrentes das
rivalidades interestatais podem impor ao Estado políticas que não traduzem os interesses econômicos imediatos
das classes dominantes, mas são necessários para a sobrevivência política da nação”.
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De Tucídides, que narra a Guerra do Peloponeso, foi extraída a ideia de “Anarquia internacional”, que reflete a
inexistência de uma autoridade internacional legítima e soberana capaz de garantir o direito à sobrevivência a
todos os Estados (NOGUEIRA & MESSARI, Op.cit., p.22). Tratando dos pensadores que formam a base do
realismo, os autores citados chamam a atenção para o “pouco apreço que nutrem pela justiça, a moral ou a
ética” nas relações internacionais.
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Usando “O Príncipe” de Maquiavel, os realistas examinam a dinâmica da conquista, da manutenção e da
expansão do poder. Deduzem o que seria a “natureza do sistema” a partir daquilo que julgam ser a “natureza
do homem”. Ou seja, atribuem aos Estados questões como prestígio, medo, ambição e vaidade até chegar à
ideia de “sobrevivência”.
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Parte-se da ideia de que todos os Estados defendem os seus interesses nacionais, quase sempre divergentes.
Diante da impossibilidade de criação, adoção ou do bom funcionamento de um Leviatã Mundial, de um
“Homem artificial” que exerça o “poder coercitivo” global, o conceito hobbesiano de “Estado da Natureza” se
translada ao conceito de “estado de Anarquia Internacional” (CARR, 2001, p.233).
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a) Os Estados Nacionais garantem a estabilidade doméstica (o “Leviatã” tem o
monopólio do uso da força no cenário interno) e buscam garantir a
segurança com relação aos agentes externos;
b) Vigora a Anarquia Internacional, graças à ausência de um Leviatã mundial, de
onde deriva o chamado “Dilema da Segurança”6;
c) A Sobrevivência do Estado é o interesse nacional supremo e fundamental,
estando por cima de tudo, obviamente inclusive das liberdades individuais;
d) O Poder do Estado com relação aos demais é sempre relativo e sua função é
influenciar mais do que ser influenciado (um Estado pode juntar-se ao poder
de outro ou rebelar-se contra ele);
e) A Auto-ajuda é o princípio de que um Estado pode contar de maneira integral e
completa somente com as suas próprias forças para defender a sua
sobrevivência.
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É a ideia de que um Estado nacional que toma a iniciativa de se armar como forma de se defender dos demais
acaba gerando preocupações que levam os outros a igualmente ampliarem os seus arsenais. Cria-se, desta
forma, um mecanismo de corrida armamentista sem fim.
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Relativizando a ideia de “jogo soma zero” dentro do Sistema, assumimos a hipótese de
construção de um “jogo de soma positiva” (PADULA, 2010). Assim, concebemos a
possibilidade da integração regional periférica como forma de potencializar, de uma só vez,
dois movimentos: um processo de desenvolvimento econômico e uma melhor inserção
internacional no Sistema. Eis o binômio “Desenvolvimento-Autonomia”, que reflete o
casamento entre a política interna de promoção do desenvolvimento nacional e regional e a
política externa altiva e soberana, no âmbito da integração (PUIG, 1986; JAGUARIBE, 1975).
Conforme veremos, há décadas, diversos autores latino-americanos vêm moldando essa ideia
de binômio. Portanto, cada Estado da região pode identificar na integração um instrumento de
realização de seu interesse nacional (GRANATO, 2014).
Além deste marco geral, trabalhamos com a ideia de “Ondas de Regionalismo”, que
permitem relacionar os impactos das mudanças no âmbito do Sistema Internacional com as
teorias e as tentativas concretas de integração. De acordo com esta perspectiva, percebem-se
três grandes ondas: a primeira, entre o final da II Guerra Mundial e os anos 1970; a segunda,
vigente no curto lapso entre o final da Guerra Fria e os atentados de 11 de setembro de 2001;
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e a terceira, depois de 2003, quando ocorreu uma guinada política na América do Sul. As duas
primeiras ondas foram abordadas no Capítulo 3.
Para fazer referência à primeira onda também podem ser usados os conceitos de
Regionalismo Antigo ou Fechado, impulsionado pelo estruturalismo da CEPAL, o
protecionismo e o industrialismo. Em um sentido distinto, de abertura e liberalização, a
segunda onda pode denominar-se como Novo regionalismo ou Regionalismo Aberto.
Expressando novos ânimos, a terceira onda vem sendo denominada como Regionalismo do
século XXI ou Pós-neoliberal (VIZENTINI, 2008; SOMBRA SARAIVA, 1995; COUTO,
2006; VEIGA & RÍOS, 2007). Ao mesmo tempo, utilizamos o instrumental teórico dos quatro
paradigmas norteadores da política externa brasileira: “liberal-conservador” até 1930, “Estado
desenvolvimentista” até 1980, “Estado normal” até 2000 e “Estado logístico” até hoje
(CERVO, 2003). De igual maneira, para distinguir as duas primeiras ondas, é possível
trabalhar com os marcos do “Consenso de Bretton Woods” e do “Consenso de Washington”,
associados aos Tratados de Paris (1951) e de Maastrich (1992), respectivamente.
Para finalizar esta Introdução, vale um alerta. Como se vê no Sumário, esta Tese
possui 19 seções, repartidas em cinco capítulos. As 18 primeiras tiveram como base análises
sistêmicas, estruturais. Na última seção, entretanto, nos detivemos em questões de caráter
conjuntural. Esta opção de aterrisagem em 2014 e no início de 2015 resultou em um
fragmento que, devido ao atual cenário complexo, destoa do restante do trabalho e transmite
certo “pessimismo” com relação ao porvir. Pesaram, talvez de forma desproporcional, o
quadro regressivo do “progressismo” no Brasil e no Uruguai, a indefinição com relação às
eleições presidenciais na Argentina, a ofensiva imperial contra a Venezuela e a queda dos
preços dos produtos exportados pelas economias sul-americanas. Feita esta última
observação, desejamos uma boa leitura.
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