Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
MACAPÁ/AP
2013
TIÊGO RAMON DOS SANTOS ALENCAR
MACAPÁ/AP
2013
“VEDES QUE COITA DE SOFRER!”: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE
CANTIGAS PROVENÇAIS E CANTIGAS DE AMOR GALEGO-PORTUGUESAS
RESUMO: A literatura portuguesa medieval possui dois grandes momentos de sua poesia: o período
provençal e o período galego-português e, ao contrário do que se é normalmente aprendido, não existe
apenas a cantiga de amor como algo único que possui determinadas características, mas sim uma
grande classificação (cantiga de amor) que se subdivide em outras duas (provençal e galego-
portuguesa). Com isso, este trabalho tem por objetivo mostrar as principais diferenças e semelhanças
entre a cantiga de amor provençal e a cantiga de amor galego-portuguesa e, para isso, como base
teórica foram utilizados alguns teóricos como SPINA, BARROS e LOPES. Por fim, constatou-se que
a principal diferença entre a cantiga de amor provençal e a galego-portuguesa se mostra no tratamento
no qual cada uma dá ao amor, pois na provençal o amor é “menos triste”, com a presença dos
elementos harmoniosos da natureza e na galego-portuguesa o amor é baseado numa grande carga de
sofrimento do eu-lírico.
ABSTRACT: The medieval Portuguese literature has two great moments of his poetry: the period
Provençal and Galician-Portuguese period and, contrary to what is usually learned is there is not just a
love song as something unique that has certain characteristics, but a great classification (love song)
which is divided into two other (Provençal and Galician-Portuguese). With this, this work aims to
show the main differences and similarities between the Provençal love song love song and Galician-
Portuguese and, for this, it were used as the theorical basis as some theorists like SPINA, BARROS
and CORRÊA. Finally, it was found that the main difference between a love song and Galician-
Portuguese Provençal shown in the treatment which each one give to love, because in the provençal,
love is “less sad”, with the presence of the harmonizers elements of nature and in the Galician-
portuguese, love is based in a big charge of suffering of the poetic persona.
1 INTRODUÇÃO
1
Graduando em Licenciatura Plena em Letras – Francês pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) – Email:
tiegoramon@gmail.com
A Literatura Medieval compreende um longo período, que se inicia no século XII e vai
até o final do século XV, com o Renascimento. Neste trabalho, será focado o trovadorismo,
que foi de importância ímpar para a história da literatura em língua portuguesa por ter sido o
marco inicial de sua produção. E no âmbito da literatura trovadoresca, a ênfase será reforçada
em sua poesia, mais especificamente nas cantigas de amor.
A Idade Média2 foi o período que marcou o início da difusão literária na Europa. Por
volta do século XII, surge na Europa o trovadorismo, especificamente na região de Provença,
que engloba a civilização do Languedócio – que segundo SPINA (1996, p. 17), é a civilização
“compreendida entre o Mediterrâneo e o Maciço Central, os Pireneus e a fronteira italiana”.
É importante ressaltar que, como se fala de período medieval, ainda não havia domínio
da escrita pela população, que consequentemente era analfabeta. Por conta disso, as cantigas
eram transmitidas apenas oralmente – o que as mantinham numa relação direta com a música.
Sobre isso, LEMOS explica que
Com isso, é mais fácil perceber o motivo pelo qual a poesia trovadoresca é
denominada de cantiga. O acompanhamento musical se tornou indispensável para que o
trabalho dos trovadores fosse realizado.
É claro que nem todos seguiam as regras do amor cortês – e se tem conhecimento de alguns
trovadores que ficaram conhecidos justamente por extrapolar as barreiras do que o amor
4
BARROS diz que o trovador, por conta desta característica, era associado às figuras do cavaleiro andante, do
clérigo errante, do peregrino, do mercador e do navegante – salientando que cada um foi essencial no
processo de transformação da sociedade medieval.
5
Em tradução livre, “Livro do Amor Cortês”.
cortês prescreve. Mas pode-se perceber adiante que a maioria dos trovadores é fiel ao amor
cortês que deve ser exposto nas cantigas de amor.
Chega-se no ponto em que este trabalho se aprofunda: no modo como o amor é tratado
na tradição provençal6 e na cantiga de amor galego-portuguesa. A língua utilizada nas
cantigas provençais já não era mais o latim, mas sim uma língua “vulgar”, que estava em
formação; algo entre o francês e o italiano. Na lírica provençal, tem-se como preceitos
principais “manter em segredo a identidade da donzela, a fidelidade incondicional e a
convicção de que o amor enobrece” (FELDKIRCHER, 2006, p. 11).
Vale observar que na poesia provençal, não existia correspondência amorosa. Mesmo
que alguns trovadores como Arnaut Daniel fujam ao comedimento que deve ser declarado à
dama, havia uma grande distância entre o sujeito que ama (vassalo) e o objeto de desejo dele
(mulher que desempenha a função de susserana). Essa distância era preenchida com o amor,
como mostra o esquema da figura 01.
6
É importante observar que não há cantiga de amigo na lírica provençal. Só há a divisão entre amor e amigo
nas cantigas galego-portuguesas.
FIGURA 01: Esquema da vassalagem amorosa, característica da lírica trovadoresca. O
amor só possui uma direção: do sujeito para o objeto. Do vassalo (homem) para a
a susserana (dama). Não há correspondência entre as duas partes.
FONTE: do autor.
Em seguida, o eu-lírico declara seu amor total pela dama como nos versos a seguir:
Nota-se que o poeta tem ciência de que nunca terá o amor de sua dama, mas ainda
assim ele destaca que seu coração, ele próprio, o mundo inteiro e ela própria são pertencentes
a ela. Percebe-se que o eu-lírico se prostra a dama, mas em momento algum demonstra medo
ou insegurança ao falar sobre o que sente8. Diante disso, o poeta prossegue declarando a
vassalagem amorosa ao dizer que desde o momento em que a viu pela primeira vez, ele
deixou de ter posse de si próprio e passou a ser de comando total da senhora. Esta senhora,
como se pode ver, é tratada como suprema, justamente pelo fato de ter tomado o coração do
sujeito apenas com um olhar, como nos versos: “[...]e deixei de ser meu desde o instante/em
que me deixou nos seus olhos ver/num espelho que me agrada tanto”.
É interessante observar que, nas últimas cobras do poema, o eu-lírico afirma sofrer
mais de amor do que Tristão sofreu por Isolda. A título de curiosidade, apesar do sofrimento
existente no amor de Tristão e Isolda, os dois se apaixonam e há correspondência amorosa,
por mais que o romance entre eles fosse proibido. Mas o eu-lírico do poema de Ventadorn,
abalado pela impossibilidade do seu amor, faz com que estes versos soem tristes, como se
Tristão tivesse sofrido pelos mesmos motivos.
7
Extraído de LOPES (2006, p. 2-4).
8
Adiante, veremos que essa é uma das diferenças entre a tradição provençal e a tradição galego-portuguesa.
O poeta invoca em seu poema a figura da andorinha, dizendo que desejaria ser uma
para voar mesmo que fosse na noite profunda, desde que isso o levasse à morada da dama
cortejada. A presença destes elementos da natureza como pássaros e árvores é constante na
poesia provençal – e este fator não se percebe na galego-portuguesa. Na última cobra da
poesia, o eu-lírico clama ainda pelo mensageiro, para que ele diga à sua senhora a pena, a dor
e o martírio que ele sofre, decorrentes da não-correspondência amorosa.
Na cantiga “Estes meus olhos nunca perderán”9, de Joan Garcia de Guilhade, vê-se
com clareza o sofrimento do eu-lírico pelo distanciamento de sua amada. No refrão, o poeta
entoa:
Nesta poesia, o eu-lírico se mostra completamente entregue ao amor que sente pela
dama, amor este que reflete diretamente em seus olhos. A força do sentimento é tão grande
que o sujeito cega ao ver a mulher amada e chora e continua cego quando não a vê, como se
pode observar no refrão acima. Além disso, o trovador menciona ainda na poesia que o
sofrimento é apenas dele e que seus olhos “morrem” quando veem “alguém”- o que nos leva a
ter uma dimensão do sofrimento causado pela inacessibilidade do objeto desejado.
9
O título das poesias é, geralmente, o primeiro verso das mesmas. Os trovadores não se preocupavam em
colocar títulos em suas produções.
10
Em adaptação livre, “[os olhos] choram e cegam quando alguém não veem/ e ora cegam por alguém que
veem."
Cabe aqui observar que nas cantigas de amor galego-portuguesas, diferentemente do
que acontece na lírica provençal, o eu-lírico procura alguém para culpar pelo amor impossível
que sente e, como se observa na cantiga acima, Deus é o culpado, pois nem Ele quis que o
amor se realizasse11. Vale ressaltar que SPINA (1996, p. 277) atenta para essa temática da
presença divina nas cantigas de amor, afirmando que os trovadores oscilam entre tratar o
divino no âmbito da ação de graças e tratá-lo como uma blasfêmia, como tratado na poesia
acima.
Na poesia “Non ouso dizer nulha ren”, pode-se observar claramente o sofrimento do
eu-lírico não apenas por estar longe da dama que deseja, mas por não conseguir falar a
senhora que ele a ama. O poeta já inicia a cantiga dizendo que não ousa dizer nada à sua
senhora – o que nos leva a pensar na questão do distanciamento sujeito-objeto. Nesse sentido,
no refrão há o verso “vedes que coita de sofrer!” 12
que reforça o sofrimento característico da
poesia galego-portuguesa, causado pela falta de contato com a dama. Percebe-se ainda a
presença da morte na poesia (“e vejo que moiro d’amor” 13
), o que exalta ainda mais a coita
que aflige o poeta, que diz ainda que, por ele, a senhora nunca saberá por ele próprio do amor
que sente por ela14.
Com tudo isso, vê-se que as cantigas provençais e as cantigas de amor galego-
portuguesas tem suas semelhanças ao passo que também tem suas diferenças. Cada uma
possui um estilo próprio, uma marca própria, que a faz ser digna de uma classificação
especial.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se então que não havia tanto sofrimento, dor e a presença da morte nas
cantigas provençais quanto havia nas cantigas de amor galego-portuguesas. Essa é uma
diferença marcante, pois apesar de existir o sofrimento pela distância da senhora, há uma
11
Os versos que o dizem: “E nunca já poderei aver bem/ja non quer nem quer Deus [...]”.
12
Em adaptação livre, “vejam como eu sofro!”.
13
Em adaptação livre, “e vejo como morro de amor”.
14
Os versos que o dizem: “[...] e pero vej’a mia senhor/nunca o per min á saber´[...]”.
forma de sentir o amor diferente em cada tradição. Além disso, pode-se constatar que na lírica
trovadoresca provençal não havia a atribuição de culpa pelo sentimento não-correspondido do
sujeito, enquanto na lírica galego-portuguesa os poetas atribuíam essa culpabilidade pelo
sofrimento a Deus.
4 REFERÊNCIAS