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Entrevista: Conheça Leonor Teles, a premiada jovem realizadora

de 'Balada de Um Batráquio'
Conversámos com a mais jovem realizadora de sempre a ganhar um Urso de Ouro em
Berlim – e antes mesmo do prémio lhe vir parar às mãos. Leonor falou­nos dos seus filmes
e da sua relação com a comunidade cigana, mas rejeita rótulos e "sentidos de missão": o
que ela tem é "urgência em contar histórias" e fazer cinema. É uma das "25 mulheres que
nos inspiram", o artigo que encontra na edição deste mês da ACTIVA. Leia aqui a entrevista
na íntegra.

 CRISTINA TAVARES CORREIA  26/02/2016 22:10

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Se  alguma  vez  entrou  num  café,  supermercado  ou  em  qualquer  outro  estabelecimento
comercial  onde  viu  sapos  de  louça  à  porta,  saiba  que  quem  os  pôs  ali  quer  passar  a
mensagem  de  que  as  pessoas  de  etnia  cigana  não  são  bem­vindas.  É  sobre  esse
comportamento discriminatório que fala a curta­metragem de Leonor Teles, ‘Balada de um
Batráquio’. Falámos com ela dias antes de partir para a Berlinale (Festival Internacional de
Cinema de Berlim), onde acabaria por ser premiada com o Urso de Ouro para melhor curta­
metragem,  tornando­se,  aos  23  anos,  a  mais  jovem  realizadora  de  sempre  a  conquistar  o
ambicionado prémio.

Natural  de  Vila  Franca  de  Xira,  Leonor  começou  bem:  há  3  anos,  a  sua  primeira  curta,
‘Rhoma Acans’, uma visão sobre raparigas de etnia cigana, ganhou o prémio Take One do
Festival  Internacional  Curtas  Vila  do  Conde  e  uma  menção  honrosa  no  Indie  Lisboa.
Licenciou­se  em  Cinema  com  especialização  em  imagem,  na  Escola  Superior  de  Teatro  e
Cinema  e,  em  dezembro  passado,  concluiu  o  mestrado  em  Audiovisual  e  Multimédia,  na
Escola Superior de Comunicação Social.

Porque se lembrou de falar da comunidade cigana, nos seus filmes?
Sou  meia  cigana,  pelo  lado  da  família  do  meu  pai.  Mas,  apesar  de  não  ter  crescido  na
comunidade, sempre me relacionei com a minha família cigana. O 'Rhoma Acans' foi sempre
um filme que tive na cabeça – tinha curiosidade em saber como teria sido a minha vida se lá
tivesse vivido, se o meu pai não tivesse casado com a minha mãe. Esse foi o mote principal. A
‘Balada de um Batráquio’ surgiu de uma maneira muito simples e engraçada. Estava com os
produtores  do  filme,  a  trabalhar  num  outro  projeto;  entrámos  num  restaurante  que  tinha
um  sapo  de  loiça  à  entrada.  Contei­lhes  o  que  significava  e  uma  série  de  peripécias  em
relação àquela situação. Eles acharam muito curioso, ficaram com a pulga atrás da orelha e
começaram a insistir para eu pensar num filme relacionado com aquilo. Ainda andei 3 ou 4
meses a achar que estavam a brincar comigo, que era um filme parvo que não ia interessar a
ninguém. Mas depois percebi que estavam a falar a sério e comecei a pensar como fazer um
filme com pés e cabeça sobre aquilo.

E como é que se faz uma coisa com pés e cabeça?
O processo de rodagem acabou por ser bastante longo e faseado. Começamos a filmar em
outubro de 2014, voltámos a filmar na primavera de 2015 e mais uma vez em setembro. Não
é um processo documental típico; acaba por ser bastante construído e estar num limbo que
não  permite  chamar­lhe  documentário,  no  sentido  tradicional.  Também  tem  imagens  de
arquivo.  Mas  se,  por  um  lado,  trabalha  com  a  realidade  e  podemos  dizer  que  é  um
documentário,  por  outro  não  a  aborda  da  maneira  típica:  não  há  entrevistas,  é  mais
interventivo. É um filme bastante simples e também me parece ser essa a graça dele.

Decidiu filmá­lo em Super 8. É um dos seus formatos de eleição?
Acho que a melhor coisa que fiz foi filmar nesse formato, que é incrível. É um formato tão
tosco que se presta ao sentido de uma temática tão tosca e tola como esta. Se pudesse filmava
sempre em película. Vim de fotografia, por isso não consigo desligar­me da parte visual.
Vamos poder ver o Balada de um Batráquio nos cinemas portugueses?
Claro  que  sim!  Vamos  ver  como  vai  ser  o  percurso  internacional  do  filme.  No  caso  das
curtas­metragens,  é  difícil  terem  estreia  comercial.  Mas  já  aconteceu  curtas­metragens
portuguesas  estrearem  juntamente  com  uma  longa,  em  cinema,  depois  de  fazerem  o
percurso nos festivais nacionais e internacionais.

Quando fez o ‘Rhoma Acans’, o que descobriu sobre a comunidade cigana? 
Sobretudo para as mulheres, ainda é uma comunidade muito fechada e machista. A partir do
momento  em  que  as  raparigas  têm  de  sair  da  escola,  aos  13,  14  anos,  para  casarem  e
engravidarem, deixam de ter opção e oportunidades.

Foi complicado fazer os primeiros contactos para filmar? Foi difícil criar empatia?
Não  foi  muito  difícil.  Começámos  por  explicar  o  que  estávamos  ali  a  fazer,  fizemos  por
merecer  a  confiança  deles.  Fizemos  várias  visitas  antes,  entrámos  em  contacto  através  da
escola, em Vialonga, onde as raparigas estudavam e, logo aí, a abertura foi um bocadinho
maior.  O  mais  difícil  foi  que  estivessem  à  vontade  para  falarem  comigo.  Mas  a  partir  do
momento  em  que  fomos  honestos,  com  insistência,  lá  o  conseguimos.  Para  criarmos  essa
empatia, é preciso acreditarmos verdadeiramente no que estamos a fazer, que vale a pena. E
é preciso acreditar genuinamente nas pessoas que estamos a filmar – comigo, pelo menos é
assim. É o meu protagonista que está à frente da câmara e tenho que me esforçar ao máximo
para merecer a sua confiança e para que essa pessoa se 'dispa' perante a câmara. E, nesse
aspeto, cria­se mesmo uma relação de amizade, porque só assim é que ganha uma base de
confiança.  Mantive  contacto  com  as  raparigas  do  ‘Rhoma’  até  a  protagonista,  a  Joaquina,
casar e ir viver para o Alentejo.

A  comunidade  cigana  continua  a  ser  uma  das  que  mais  enfrenta  xenofobia,  em
Portugal?
Os  ciganos  são  os  últimos  da  cadeia  alimentar.  O  'Balada  de  um  Batráquio'  revela  esse
problema  dos  sapos,  tenta  expô­lo,  fazer  alguma  coisa  contra  isso,  de  certa  forma,  mas  a
questão da xenofobia é uma conclusão que têm de ser os espetadores a retirar, ou não, do
filme. Mas continua a haver em Portugal muita gente que não pode com ciganos. Os sapos
são só um pequeno exemplo de comportamentos que ainda se mantêm.

É preciso a sociedade fazer um esforço maior pela integração? A possibilidade de
as raparigas ciganas estudarem até mais tarde ajudaria nisso?
Claro.  A  formação  na  escola  abre  muito  os  horizontes.  Mas  a  maioria  das  raparigas  nem
sequer têm oportunidade de estudar até aos 18 anos, que é a idade legal, e de escolherem
entre manter a tradição ou estudarem, terem o seu emprego e liberdade, sem deixarem por
isso de ser ciganas. Desde que nascem ouvem a mensagem de terem que casar, ter filhos e
cuidar da casa. Tem que existir um trabalho de ambas as partes: não só uma abertura maior
da  comunidade  cigana,  como  também  do  resto  da  sociedade  no  sentido  de  tentar
compreender  e,  sobretudo,  de  não  desistir  dela.  Quando  deixam  de  estudar,  muitas
raparigas são sinalizadas, o caso vai a tribunal mas não acontece nada porque o juiz alega “é
a  cultura,  a  tradição”.  Então,  mas  a  escola  é  obrigatória  para  todos  ou  não?!  Ninguém  é
menos cigano por estudar.

Sente que é uma espécie de missão, fazer estes filmes?
Não tenho um sentido de missão; tenho é um sentido de urgência em falar sobre isto! Não
digo que uma parte de mim não quisesse melhorar um pouco a situação, mas a verdade é
que  posso  fazer  pouco.  Mostrei  o  'Rhoma'  à  protagonista  do  filme,  a  Joaquina.  Se  surtiu
algum efeito na cabeça dela, não faço ideia. Seria muito ingénuo pensar que os meus filmes
têm o poder de mudar alguma coisa. Agora o ‘Balada de um Batráquio’ vai seguir a sua vida.
Se mudar alguma coisa, ótimo; se não mudar, não mudou. E se calhar foi pelo facto de eu ter
sentido que não consegui mudar nada com o 'Rhoma' que fiz o 'Balada’. Mas desta vez não
apresentei só um problema, tentei apresentar uma solução.

O que a levou a escolher o cinema?
Queria ter ido para a Força Aérea mas no 12º ano comecei a mudar de ideias. Se entrasse, só
podia  sair  de  lá  aos  30  e  isso  assustou­me  um  bocado.  Já  nessa  altura  gostava  muito  de
fotografia, depois conheci o cinema e a fotografia para cinema, mas foi durante o curso que
me apercebi que era mesmo isto que queria fazer. Foi um tiro certeiro.

Mas tem outras paixões, como o desporto... 
Joguei Futebol de 11, depois passei para o Futsal, onde fui federada, mas deixei de jogar no
último ano de faculdade porque também comecei a trabalhar. Hoje trabalho como freelancer
em  alguns  projetos  e  com  produtoras  como  a  Kinema  ou  ‘Uma  Pedra  no  Sapato’,  que
também produz os meus filmes.

Já está a pensar num próximo projeto?
O que quero fazer brevemente não tem a ver com o mesmo tema. Não quero mais rótulos –
‘a realizadora dos ciganos’… Não sou nada de missões etnográficas e antropológicas. Fazer
cinema é muito difícil e caro e, se partimos para ele, tem que ser uma vontade visceral, que
vem  de  dentro  e  muito  forte.  Só  quando  tenho  este  tipo  de  vontades  consigo  começar  a
desenvolver os projetos e a escrever. O novo projeto é passado em Vila Franca e começou
com uma personagem e um sítio, o rio Tejo e toda a zona ribeirinha. O resto, logo veremos.

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