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18/11/2019 Scorsese pede para se explicar

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SCORSESE PEDE PARA SE EXPLICAR


Quem sonha em fazer filmes enfrenta situação brutal, afirma cineasta
EDUARDO ESCOREL
13nov2019_08h04

M
artin Scorsese pede para explicar a declaração que fez, no início de
outubro, sobre os blockbusters da Marvel. Em artigo publicado no
New York Times, em 4 de novembro, reproduzido dois dias
depois no Globo, ele volta a discriminar os filmes da bem-sucedida
franquia ao dizer que existem “dois campos separados” – o do
“entretenimento audiovisual mundial” e o do “cinema”, categorias que
considera discrepantes e inconciliáveis. Embora chegue a reconhecer que
ainda há “superposições de tempos em tempos entre esses dois
conjuntos”, argumenta que “isso está se tornando cada vez mais raro”. E
teme que “o domínio financeiro de um esteja sendo usado para
marginalizar e depreciar a existência do outro”. Daí sua defesa do que
considera ser cinema – filmes que correspondem ao seu “senso” pessoal
do que “eram e poderiam ser”, desenvolvido na época em que era um
cinéfilo aspirante a cineasta.

Deixando de lado esse ocioso debate semântico sobre o que é ou não


cinema, já comentado há duas semanas, volto ao assunto movido pelo
aspecto do recente artigo de Scorsese que me parece mais relevante – sua
concepção de cinema que apresenta e opõem ao “entretenimento
audiovisual”. Para ele, cinema é uma forma de arte que pressupõe “uma
revelação estética, emocional e espiritual” com “personagens – a
complexidade de pessoas e sua natureza contraditória e às vezes
paradoxal, a maneira como elas podem ferir e amar umas às outras e, de
repente, encarar a si mesmas”. Esse foi o projeto de sua geração, escreve
Scorsese, tendo por modelo filmes de Samuel Fuller, Ingmar Bergman,
Alfred Hitchcock, Gene Kelly e Stanley Donen, entre outros.

Visão semelhante a essa, respeitadas diferenças de gosto e peculiaridades


nacionais, serviu de impulso para o surgimento tanto da Nouvelle Vague,
quanto do Cinema Novo, além dos demais novos cinemas surgidos
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18/11/2019 Scorsese pede para se explicar

mundo afora a partir da década de 1960 – tratava-se de criar obras de arte


inovadoras que fossem expressões culturais autênticas de seus
respectivos países.

E nas últimas três décadas, o que ocorreu? É possível dizer que o


conjunto da produção audiovisual brasileira mais recente se aproximou
do ideal delineado por Scorsese? Ou seria mais correto admitir que a par
do aumento exponencial de recursos públicos investidos na produção foi
dada ênfase em produções pretensamente comerciais, com destaque para
comédias que, mesmo quando bem-sucedidas na bilheteria,
demonstraram ser incapazes de tornar seus produtores menos
dependentes de incentivos financeiros do Estado?

Quaisquer que sejam as respostas a essas perguntas, diante da


perspectiva sombria que se vislumbra desde a posse do atual governo,
torna-se imperiosa a necessidade de saber qual é o cinema nacional que
se deseja produzir e ver exibido nas diversas mídias do mercado interno,
inclusive a tela grande do circuito de salas escuras existente no país. É
desse ângulo que acredito interessar mais considerar a visão do cinema
formulada por Scorsese.

Novos sinais recentes de desapreço pela cultura e, em particular, ao


cinema, da parte do governo federal, confirmam indicações dadas desde
o início do ano de que a sobrevivência do cinema brasileiro está
ameaçada. A intenção deliberada de asfixiar a atividade foi confirmada
com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende
reformular os fundos públicos, entregue ao Congresso Nacional há uma
semana (5/11). Caso seja aprovada e inclua o Fundo Setorial do
Audiovisual (FSA), eliminando ou restringindo a Contribuição para o
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), a
principal fonte de investimento público na indústria do audiovisual
estará comprometida. Se isso ocorrer sem que tenha sido criado
mecanismo de financiamento alternativo, a produção cinematográfica
nacional, já virtualmente paralisada, será interrompida de vez, causando
uma crise equivalente à do início da década de 1990.

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Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, é um exemplo de filme que, de algum modo,
representa o cinema que Scorsese defende

Há quem conteste a legitimidade da PEC apresentada pelo ministro da


Economia Paulo Guedes e critique o Estado mínimo dos seus sonhos
(Monica de Bolle, “Precisamos falar de Paulo Guedes”, Época, 11/11. No
que diz respeito ao cinema, não se trata de considerar o arcabouço
institucional existente, incluindo a Agência Nacional do Cinema
(Ancine), isento de críticas, muito menos que prescinda de reforma
drástica. Inaceitável, porém, é que instituições e leis que regem a
atividade sejam tratadas como se tivesse caído do céu, quando resultam
de um processo de décadas, ao longo do qual se foi acumulado
conhecimento sobre os meandros da atividade.

Na quinta-feira (7/11) foi anunciado que o ministro da Cidadania, Osmar


Terra, aquele que se notabilizou pelo próprio silêncio ao longo deste ano,
livrou-se de uma pequena gaveta emperrada onde havia sido enfiada a
Secretaria Especial de Cultura, com a qual ninguém do governo sabe o
que fazer. Transferida para o ministério do Turismo e nomeado um novo
secretário, aguardam-se aberrações que será capaz de cometer. No
mesmo dia, circulou a notícia de que a senhora Zitah Oliveira está cotada
para ser a nova presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Oliveira, da Anjoluz Filmes, é produtora do filme inédito A Palavra

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18/11/2019 Scorsese pede para se explicar

(2018), anunciado como sendo “evangélico” e dirigido por Guilherme


Almeida Prado.

Na ausência de política cultural de Estado, impõem-se refletir sobre as


condições necessárias para que seja possível produzir filmes no Brasil,
reconhecendo de antemão a impossibilidade de competir no mercado
interno, dada a desigualdade dos termos em que essa competição ocorre,
com o “entretenimento audiovisual mundial” do qual fazem parte, em
posição de destaque, os blockbusters da Marvel. Se formos capazes de
admitir essa premissa, não seria o caso de darmos maior ênfase a projetos
que tenham a ambição de serem reconhecidos como uma forma de
expressão artística em que se assiste a “algo absolutamente novo” sendo
“levado a áreas de experiências inesperadas e talvez até inomináveis”,
como escreveu Scorsese? Para ele, “nesses casos o senso do que é possível
ao contar histórias com imagens e sons em movimento será expandido”.

Afinal, foi essa linhagem que deu e continua a dar valor artístico ao
cinema brasileiro. São projetos que correm “riscos”; filmes que têm “a
visão unificadora de um artista individual”, como assinala Scorsese –
“por que, é claro, o artista individual é o maior risco de todos”.

Scorsese conclui em tom melancólico, dizendo que, “para quem sonha em


fazer filmes ou está apenas começando, a situação neste momento é
brutal e inóspita para a arte. E o simples ato de escrever essas palavras
me enche de tristeza terrível”. Nesse ponto, não há como discordar.
Ainda mais por aqui, onde o cenário previsível para o futuro próximo
não é nada animador.

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