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AS IMPLICAÇÕES DO “LOCALISMO

GLOBALIZADO” SOBRE A CONCEPÇÃO DE “PESSOA”


THE IMPLICATIONS OF THE GLOBAL LOCALISM OVER THE
CONCEPTION OF PERSONHOOD

A���an�r� P�r�ira �� MATTOS


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Psicologia Social pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

R�����

Pensar a globalização no âmbito social e cultural implica, sobretudo,


compreender os seus efeitos sobre a vida das pessoas. Numa eco-
nomia e numa cultura cada vez mais desterritorializadas, a resposta
contra os seus malefícios seria a redescoberta do sentido de lugar e
da comunidade, chamada por Boaventura de Sousa Santos de loca-
lismo globalizado. O objetivo deste trabalho é, portanto, propor uma
articulação entre o chamado “localismo globalizado” e seus efeitos
na construção da noção de pessoa. Parte-se da hipótese de que este
localismo, embora seja uma resposta resistencial ao globalismo he-
gemônico, pode vir a contribuir para essencializações quando as di-
ferenças locais se tornam intoleráveis. Ao final do texto apresentar-
se-á um conceito sobre pessoa que contribua para a adoção de uma
visão de identidade não fixa e naturalizada. A “mesmidade na dife-
rença” da qual fala Santos só poderá ser de fato democratizada quan-
do abandonam-se discursos que naturalizam tais diferenças.
Palavras-chave: Identidade. Globalização. Localismo.

A���rac�

To think the globalization about the social and cultural scope, im-
plies, over all, to understand its effect on the life of the people.
In an economy and culture each time more unterritorialized , the
reply against its harmful would be the rediscovery of the direction
of place and the community, called by Boaventura de Sousa Santos
as global localism. The objective of this work is, therefore, to con-
sider a joint between the call “global localism” and its effect in the
construction of the notion of personhood. We leave the hypothesis
that this localism, although a resistencial reply to the hegemonic
globalism, can come to contribute for essencialization when the lo-
cal differences become intolerable. To the end of the text we will
present a concept on personhood that contributes for the adoption
of a vision of identity not fixed and naturalized. The “sameness in
the difference” could not, by itself, be in fact democratized when
we abandon discourses that naturalize such differences.
Keywords: Personhood. Social. Localism. Globalized.

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1. Introdução
seus malefícios seria a reterrito-
O fenômeno da globalização, rialização, a redescoberta do sen-
segundo Boaventura de Sousa tido de lugar e da comunidade, o
Santos (2002), é caracterizado que implica a redescoberta ou a
pela intensificação dos fluxos invenção de atividades produti-
econômicos, políticos e culturais vas de proximidade.
em âmbito mundial. Contudo, A este conjunto de respostas
trata-se de um fenômeno mul- contra a globalização hegemôni-
tifacetado, que muitos tendem ca, Santos dá-lhe o nome de lo-
a reduzi-lo às suas dimensões calismo, entendendo-o como um
econômicas, mas que, segundo o conjunto de iniciativas que visa
autor, precisa ser compreendido, criar e manter espaços de socia-
sobretudo, em sua dimensão cul- bilidade de pequena escala, co-
tural e social. munitários, orientados por lógi-
Pensar a globalização no cas participativas e cooperativas.
âmbito social e cultural, implica, Uma espécie de medida protetora
sobretudo, compreender os seus contra as investidas deletérias da
efeitos sobre a vida das pessoas, globalização, o que não significa,
na medida em que a “cultura é, necessariamente, uma forma de
por excelência, o local onde se isolacionismo.
traçam as fronteiras identitárias Numa época de globalizações
[...], é o campo das diferenças, (hegemônica e contra-hegemô-
dos contrastes e das compara- nica), as pessoas e os coletivos
ções [...] é o lugar dos consensos veem alargado o leque dos possí-
e onde se ergue a luta contra a veis, e dos recursos disponíveis,
uniformidade e os modelos úni- para a elaboração de argumentos
cos (RAMALHO, 2002, p.542). que justificam as suas identida-
Ou seja, nenhuma análise da glo- des e os seus processos de iden-
balização poderá estar completa tificação. Neste sentido, pensar
sem a devida atenção aos proces- identidade sugere que se abra
sos de construção do que o autor mão de uma concepção de uma
chama de identidade. identidade una, integral e homo-
Para Santos (2002), o fenô- gênea, para atender à mesmidade
meno da Globalização não pode das diferenças e da individuação
ser entendido de forma hege- localizada (SANTOS, 2002).
mônica, uma vez que sua maior O objetivo deste artigo é, por-
resistência reside na luta contra tanto, propor uma articulação en-
o aumento da pobreza e desi- tre o chamado “localismo” e seus
gualdade social. Tal resistência efeitos na construção da noção
se faz presente, segundo o autor, de pessoa. Parte-se da hipótese
por meio da “promoção de eco- de que o localismo, embora seja
nomias locais e comunitárias, uma resposta resistencial ao glo-
economias de pequena escala, balismo hegemônico, pode vir a
diversificadas, auto-sustentáveis, contribuir para essencializações,
ligadas a forças exteriores, mas quando as diferenças locais se
não dependentes dela” (op cit, tornam intoleráveis.
p.72). Numa economia e numa Ao fim do texto apresentar-se-á
cultura cada vez mais desterri- um conceito sobre pessoa que con-
torializadas, a resposta contra os tribua para a adoção de uma visão

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As implicações do “localismo globalizado” sobre a concepção de “pessoa”
Alexandre Pereira de MATTOS
não essencializada, que os autores mundo. Seja no encontro com o
citados chamam de “identidade”. outro (um eu que precisa confiar
que esse outro não lhe fará mal),
seja em sistemas especializados
2. A “Autoidentidade” segundo (confia-se que um piloto lhe le-
Anthony Giddens vará ao destino, ou que as deci-
sões de um médico serão as mais
Anthony Giddens concorda adequadas1), ou na tradição. Estes
que as influências globalizantes sentimentos de segurança, inti-
alteram, radicalmente, a nature- mamente ligados aos sentimentos
za da vida social cotidiana e afe- de confiança, têm sua origem nos
tam os aspectos mais pessoais da primeiros vínculos emocionais da
existência pela crescente interco- criança com seus cuidadores.
nexão entre as influências globa- Giddens (2002, 1991), uti-
lizantes de um lado e disposições lizando-se das ideias de Winni-
pessoais de outro. cott e Erikson, argumenta que a
Numa sociedade pós-moder- relação mãe/bebê proporciona o
na, as diferentes informações que ele vai chamar de inoculação
sobre as diversidades de estilos emocional. A confiança na pre-
de vida e o desmantelamento da sença da mãe e a fé em seu retorno
“ordem tradicional”, herdada diante de sua ausência contribuem
e recebida (BAUMAN, 1998), para que a criança desenvolva um
acabam por minar ainda mais a sentimento seguro em relação ao
ideia de que o mundo possa ser mundo. Uma previsibilidade an-
óbvio e certo. A angústia do su- corada na simples fé de que ela,
jeito pós-moderno surge perante a criança, será amparada. Quando
as incertezas sobre o que o futu- este vínculo sofre alterações devi-
ro reserva. As oportunidades, as do a contingências ambientais ou
ambivalências da biografia, ame- despreparo dos cuidadores, esta
aças que antigamente podiam ser “fé” nas pessoas , em si própria e
resolvidas no grupo familiar ou no mundo fica abalada.
social, devem ser cada vez mais O que o autor considera como
percebidas pelo próprio sujeito “Segurança Ontológica” é, por-
(BECK, 1997). Espera-se, agora, tanto,
que o sujeito domine “essas opor-
tunidades arriscadas”, sem estar ...A crença que a maioria dos
preparado para tal, dada a com- seres humanos tem na continui-
plexidade da vida pós-moderna. dade de sua auto-identidade e a
As incertezas, apontadas por na constância dos ambientes de
Bauman ,estão diretamente li- ação social e material ciircun-
gadas ao que Giddens chama de dantes. Uma sensação de fide-
enfraquecimento do sentimen- dignidade de pessoas e coisas,
to de confiança, sentimento este tão central à noção de confiança,
deenvolvido ao longo da vida do é básica nos sentimentos de se-
sujeito. gurança ontológica; daí os dois
Para se conviver com um es- serem relacionados psicologi-
tado de ansiedade administrável, camente de forma íntima (GID-
1 A este tipo de saber espe-
é preciso confiar, em alguma me- DENS, 2002, p.92). cializado, Giddens chama de
dida, nas pessoas e nos objetos do “sistemas abstratos”.

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Contudo, a confiança na exis- A consciência reflexiva é carac-
tência de um mundo seguro e na terística de toda ação. Todos
certeza da concretização de pro- os homens monitoram cotidia-
jetos de vida são incompatíveis namente as circunstâncias de
com um mundo multifacetado, suas atividades como parte do
marcado pela diversidade de fazer o que fazem, e esse moni-
possibilidades e riscos. O senti- toramento sempre tem caracte-
mento de incerteza é produto do rísticas discursivas. Em outras
embate entre confiança e risco. palavras, se questionados, os
Por um lado, o sentimento de agentes são normalmente capa-
confiança precisa ser entendido zes de fazer interpretações dis-
como um casulo “protetor” que cursivas da natureza e razões do
confere um sentido de “irreali- seu comportamento (GIDDENS,
dade”, mais que uma firme con- 2002, p.39).
vicção de segurança. É um pa-
rêntese ao nível da prática, em Esta reflexividade, tal qual
eventos possíveis que poderiam postulada por Giddens, parece
ameaçar a integridade física e que estabelece uma relação entre
psicológica do agente (op.cit. o futuro (incerto) e o presente.
p.98). Afasta as ameaças e peri- Daí que as ações dos sujeitos são
gos potenciais de situações cor- monitoradas no sentido de mini-
riqueiras. mizar tais incertezas. Contudo,
Esta barreira pode ser rompi- como se verá mais adiante, a re-
da (vulnerabilidade), temporária flexividade também comporta o
ou permanente, por aconteci- “debruçar” sobre o passado. Nas
mentos que demonstrem a reali- palavras de Jerome Bruner:
dade das contingências negativas
que fazem parte de todo o risco. O homem se orienta em rela-
É o caso de um motorista que, ao ção à cultura e ao passado. O
ver um acidente de carro, reduz primeiro é a reflexividade hu-
sua velocidade (vulnerabilidade) mana, nossa capacidade de nos
e logo volta a aumentá-la (invul- debruçarmos sobre o passado e
nerabilidade). alterarmos o presente sob sua
A ansiedade frente às incer- luz ou, em contrapartida, de
tezas do futuro, diante da impos- alterarmos o passado à luz do
sibilidade de prever as ações de presente. Nem o passado nem
pessoas e objetos, acaba por ge- o presente, permanecem fixos
rar nas pessoas uma ansiedade diante dessa reflexividade. O
que ele chama de “Insegurança imenso repositório dos nossos
Ontológica”. Este sentimento encontros pode ser salientado
de insegurança deriva também de diferentes modos à medida
da capacidade e necessidade que os revisamos reflexivamen-
do sujeito pensar para frente e te, ou podem ser mudados por
antecipar possibilidades futuras reconceituação. O segundo [...]
em relação ao presente. Esta é a nossa deslumbrante capa-
capacidade de monitorar as cidade intelectual para visuali-
próprias ações é outra caracte- zar alternativas e conceber os
rística do sujeito pós-moderno: outros modos de ser, de agir,
a reflexividade. de engajar-se. Assim, embora

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possa ser verdade que em certo ceito de uma pessoa (enquanto
sentido nós sejamos “criaturas aplicável ao eu e aos outros).
da história”, em outro sentido, O que se entende por “pessoa”
nós somos também agentes au- certamente varia nas deferentes
tônomos. O si-mesmo, então, culturas, embora haja elemen-
como qualquer outro aspecto da tos dessa noção que são comuns
natureza humana, se posiciona a todas elas: a capacidade de
tanto como um guardião da per- usar “eu” em contextos diferen-
manência quanto como um ba- tes, característica de toda cul-
rômetro que responde ao clima tura conhecida, é o traço mais
cultural. (1997, p.96) fundamental das concepções
reflexivas da pessoidade (GID-
DENS, 2002, p.54).
O sujeito se debruça sobre o
passado na medida em que busca
uma coerência biográfica, coe- Conclui-se, a partir das ideias
rência esta presente em sua nar- de Giddens, que o sujeito busca
rativa identitária. Nota-se, por- sua segurança por meio de roti-
tanto, que o sujeito pós-moderno nas que contribuem para a aceita-
é um sujeito em constante revi- ção de uma realidade do mundo
são, não necessariamente crítica, exterior sem a qual sua existência
mas coerente. Além disso, é um segura seria inviável. Tal aceita-
sujeito que incorpora na constru- ção é, ao mesmo tempo, a origem
ção de sua identidade narrativa da autoidentidade pelo aprendi-
esta “administração” dos riscos. zado do que é o não eu. Por outro
Portanto, para Giddens, o pro- lado, é neste não eu que reside a
jeto reflexivo do eu, empreendi- fonte da insegurança ontológica
mento do sujeito pós-moderno, exposta anteriormente.
consiste em manter narrativas Embora essa divisão entre
biográficas coerentes não so- “mundo exterior” e “autoidenti-
mente no âmbito discursivo, mas dade” esteja presente nas ideias
também na ação. Trata-se de uma de Giddens, este, por sua vez,
consciência prática. não deixa de contemplar a neces-
Falar em “identidade” é supor sidade de se compreender a cons-
uma continuidade no tempo e es- tituição do sujeito de um ponto
paço. Mas, o sujeito contemporâ- de vista relacional e reflexivo.
neo precisa ser compreendido a
partir do conceito de autoidenti-
dade que segundo Giddens, é de- 3. O Multiculturalismo
finida como o.....
Viver num mundo globaliza-
... o Eu compreendido reflexiva- do implica estar diante de uma
mente pela pessoa em termos de diversidade de possibilidades de
sua biografia. [...] é essa con- existência e que, paradoxalmen-
tinuidade reflexivamente inter- te, é incongruente com o senti-
pretada pelo agente. Isso inclui mento de segurança almejado
o componente cognitivo da pes- pelos sujeitos sociais. Discute-se
soidade (personhood). Ser uma também que uma resposta a esta
pessoa não é simplesmente ter multiplicidade e diversidade de
um ator reflexivo, mas ter o con- opções e de estar no mundo se dão

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por meio de resistências contra Este sentido de alteridade – da
uma globalização hegemônica. diferença com outros particula-
Este localismo, em seu aspecto res – é virtualmente um resul-
social e cultural, se faz presente tado inevitável da vida social.
por meio do “multiculturalismo [...] na medida em que geramos
emancipatório”, ou seja, realidades e moralidades dentro
de grupos específicos – famílias,
... na construção democrática amizades, local de trabalho, a
das regras de reconhecimento igreja da sinagoga. Desta for-
recíproco entre identidades e ma, nossos interlocutores, de
entre culturas distintas. Este fato, tornam-se fontes valiosas.
reconhecimento pode resultar Com a ajuda deles – seja implí-
em múltiplas formas de par- cita ou explícita – nós adquiri-
tilha – tais como, identidades mos o sentido de quem somos,
duais, identidades híbridas, o que é real e o que é certo. Ao
interidentidades – mas todas mesmo tempo, entretanto, to-
elas devem orientar-se pela das as relações construídas no
seguinte pauta transidentitária mundo criam um exterior de-
e transcultural: temos o direi- preciativo – uma esfera que não
to de ser iguais quando a di- somos nós, nem o que acredita-
ferença nos inferioriza e a ser mos, nem verdadeiro, nem bom
diferentes quando a igualdade (1999, p.145).
nos descaracteriza (SANTOS,
2002, p.75) Essa estratégia (Multicultu-
ralismo) só é possível, segundo
Ao se evidenciar a mesmi- Young (2002), por meio de uma
dade da diferença na sociedade, tendência e de uma atração a es-
as interações sociais acabam por sencializar o outro, como forma
sublinhar a individualização lo- de explicar o comportamento hu-
calizada das diferentes identi- mano e definir o outro diferente.
dades. E é assim que a própria O essencialismo é uma estratégia
globalização, enquanto proces- suprema de exclusionismo: sepa-
so hegemônico, poderá sugerir ra grupos humanos com base na
a possibilidade mesma de uma sua cultura ou na sua natureza
globalização contra-hegemônica (op.cit, p.157). A modernidade
(RAMALHO, 2002, p. 542). produz diferença, exclusão e
Contudo, para Jock Young, o marginalização.
multiculturalismo tem um pre- Neste caso, a associação en-
ço, na medida em que se enfa- tre Estilos de Vida e Multicultu-
tizam as semelhanças entre gru- ralismo não é arbitrária. Quanto
pos, como negros, nordestinos, mais a tradição perde o seu do-
grupos de rap, gays, moradores mínio e quanto mais a vida diá-
de periferia, para reafirmar sua ria é reconstituída em termos do
identidade cultural à custa de jogo dialético entre o local e o
intensificar a diferença de outro global, tanto mais os indivíduos
grupo cultural. Kenneth Gergen são forçados a escolher um es-
aborda a mesma questão ao dis- tilo de vida a partir de uma di-
cutir a alteridade nas relações versidade de opções. Todavia, o
interpessoais: estilo de vida não se restringe às

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classes mais prósperas. Estilo de 4. A Noção de Pessoa
vida se refere também a decisões numa Perspectiva Sócio-
tomadas e cursos de ação segui- Construcionista
dos em condições de severa limi-
tação material. Com efeito, toda a construção
De fato o multiculturalismo do eu está atravessada por rela-
permitiu que as pessoas fossem ções de poder e desigualdade. E
elas mesmas, desenvolvessem embora a concepção de identida-
suas diferenças e tolerassem o de (autoidentidade) apresentada
desvio. (YOUNG, 2002). Con- acima prescinde da ideia de iden-
tudo, em contextos nos quais há tidade única e estável, mas sim
uma distância expressiva entre organizada em narrativas fluídas
ricos e pobres, atravessados pela e sujeitas a revisões, ainda as-
desigualdade de oportunidades e sim o termo “identidade” parece
violência, a exclusão pode se dar problemático, porque a palavra
de forma igualmente violenta. remete à ideia de uma condição
fixa e representacional. Se o su-
Quem está comprometido e im- jeito pós-moderno é um sujeito
plicado no cotidiano, as refe- fluído, faz-se necessário uma ter-
rências essencialistas e onto- minologia afinada com esta con-
ligizantes constituem recursos cepção de pessoa.
identitários fundamentais. As A noção sobre quem é cada
pessoas não têm dificuldade em um, numa perspectiva sóciocons-
essencializar, e procuram, quase trucionista, não deve ser compre-
sempre, ancorar as suas iden- endida como uma entidade fixa,
tificações em identidades fixas, essencializada, dotada de um
essencialistas, naturais, gené- mundo interno, mas construída
ticas e históricas. A certeza do a partir dos discursos disponí-
que são passa pela sua inscrição veis culturalmente e empreendi-
precisa e delimitada em espa- dos nas relações sociais (BURR,
ços e em lugares concretos, pela 1995, 2003)2. Desta forma, a
criação discursiva e pragmática “identidade”, segundo Burr, não 2 Vivien Burr, autora dos livros
“Introduction of Social Cons-
de fronteiras, limites e divisões. emerge de estruturas psíquicas, tructionism (1995)” e “So-
A aceitação, a avaliação dos mas dos encontros sociais. cial Constructionism (2003)”,
outros, dependendo da experiên- A linguagem tem um papel enfatiza a necessidade de
abandonarmos terminologias
cia pessoal de descentramento, central na construção dos dife- essencialistas como “Persona-
ou não, das posições político- rentes sentidos que são atribuí- lidade” para adotarmos uma
ideológicas, verbaliza-se, insti- dos ao mundo e aos seres huma- mais fluída e relacional como
“Identidade”. Percebe-se, por-
tucionaliza-se e simboliza-se em nos. Sendo assim, tais noções são tanto, que sua crítica não recai
espaços e lugares considerados “feitas” e não “descobertas”. sobre este termo mas sobre
pertinentes, porque percorri- Há uma tentação de pensar o “personalidade”. Para ela,
“identidade” é um termo que
dos por correntes e marcas de mundo e o eu humano dotado de evitaria tais conotações essen-
emoção, devoção, amor e ódio uma natureza intrínseca ou uma cialistas. Conforme explicitado
(MENDES, 2002, p. 532) essência (RORTY,2007). Trata- no corpo do texto, não concor-
damos com tal posição, pois
se somente de privilegiar lingua- ainda assim considerarmos
O localismo, enquanto resis- gens que habitualmente são utili- “identidade” carregada de
tência à globalização hegemôni- zadas para descrever o mundo e a uma tradição representacio-
nista. Escolhemos, portanto,
ca, pode levar a um isolacionis- cada um. Contudo, nas palavras utilizar o termo “pessoa” nas
mo cultural. de Richard Rorty, discussões ao longo do texto.

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...Se pudermos conciliar-nos além da “obediência” diante de
com a idéia de que a maior par- seu comandante.
te da realidade é indiferente às Este conceito permite com-
nossas descrições dela, e de que preender o aspecto político pre-
o eu humano é criado pelo uso sente nas relações sociais, uma
de um vocabulário, e não por se vez que elas são construídas por
expressar adequada ou inade- constantes negociações. Além
quadamente num vocabulário, disso, esta visão de discurso
teremos ao menos assimilado o negociado incorpora a possi-
que havia de verdadeira na idéia bilidade de reverter práticas
romântica de que a verdade é discursivas que se posicionam
construída e não encontrada assimetricamente nas relações
[...] A verdade é uma proprieda- (LOPES, 2003).
de de entidades linguísticas, de Este sujeito descrito aqui é
frases (op. cit., 2007, p.31) um ser que aprende as maneiras
socialmente aceitas de descrever
Um conceito que se afasta ra- a si próprio e o mundo. A res-
dicalmente da noção essencialis- posta à pergunta “quem eu sou”
ta de pessoa é o “Posicionamen- evidencia sua adesão a essas prá-
to” de Davies & Harré (1990). ticas discursivas.
Para eles, a noção de quem so- Dentro desta perspectiva, as
mos está diretamente relaciona- estratégias de essencialização já
da aos jogos de posicionamentos apresentadas precisam ser en-
presentes nos encontros sociais. tendidas dentro de um enquadre
Numa conversa, uma pessoa discursivo. Termos como negros,
se posiciona e posiciona a outra, homossexuais, pobres, nordesti-
que pode vir a recusar ou aceitar nos, etc., são repertórios linguís-
tal posicionamento, e assim su- ticos utilizados para descrever
cessivamente. Um médico pode ações e posicionar pessoas den-
vir a se posicionar de forma au- tro de um determinado contexto.
toritária em relação ao pacien- Não são entidades fixas e ontoló-
te, que poderá aceitar este lugar gicas, mas recursos linguísticos
(silenciando-se),recusando-o para lidar com a diferença quan-
(reivindicando seus direitos en- do esta ameaça a segurança de
quanto paciente). O paciente, ao um determinado grupo.
se reposicionar e reivindicar seus
direitos, acaba reposicionando Se rejeitarmos este essencialis-
o médico nesta relação. Fala-se, mo, decorre que teremos que
portanto, em “jogos de posiciona- descartar a noção de multicul-
mentos”, pelo seu caráter fluído. turalismo que propõe um mosai-
Todavia, estes jogos depende- co de essências fixas, coladas ao
rão do contexto de interação. Só seu passado histórico [...] que
é possível se posicionar de certa supõe que estas essências nunca
maneira numa relação, quando o mudem, se invadam ou se ques-
contexto, ou nos termos de Da- tionem reciprocamente. Fazê-lo
vies & Harré, a “Ordem Moral não significa negar a plurali-
Local” assim o permitir. Muito dade e a diversidade.[...] Mas
provavelmente um soldado terá é precisamente esta miscelânea
poucas opções de se posicionar de culturas que dá vitalidade ao

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mundo moderno recente...[...]
pos ainda é a moeda corrente para
Trata-se de um mundo de entre-
o resgate da segurança ontológica.
cruzamento e hibridação, não
Segundo Mendes (2002),
de separatismo e assimilação;
uma política de identidade passa
um mundo em que as culturas se
sempre por exclusões, cabendo
transformam constantemente,
ao analista não denunciar, des-
desaparecem, mas onde a dife-
mistificar e criar novas catego-
rença ressurge constantemente
rias, mas sim em explicitar, em
em modos novos e sinérgicos
diferentes contextos, quais as
(YOUNG, 2002, p.161)
identidades em presença, que ar-
gumentos são avançados e que
elementos históricos, culturais,
5. Considerações Finais políticos são mobilizados para
dominar, legitimar, emudecer ou
A “mesmidade na diferença” exaltar (MENDES, 2002, p.534).
da qual fala Santos (2002) só po- Nesta empreitada, não se tem
derá ser de fato democratizada a ilusão de que o analista sairá ile-
quando abandonam-se discursos so, mas espera-se um esforço de
que naturalizam tais diferenças. apresentação das diferentes pers-
Em contextos sociais de extrema pectivas, numa contribuição de
desigualdade, a naturalização das tornar inteligível a humanidade
características das pessoas e gru- que habita em todas as pessoas.

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Data do recebimento: 15/03/2010


Data do aceite: 19/04/2010

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As implicações do “localismo globalizado” sobre a concepção de “pessoa”
Alexandre Pereira de MATTOS

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