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Conselho Editorial
Agemir Bavaresco
Ana Maria Mello
Augusto Buchweitz
Augusto Mussi
Bettina S. dos Santos
Carlos Gerbase
Carlos Graeff-Teixeira
Clarice Beatriz da Costa Söhngen
Cláudio Luís C. Frankenberg
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe
Jorge Luis Nicolas Audy | Presidente
Lauro Kopper Filho
LINGUAGEM E COGNIÇÃO:
processamento, aquisição e cérebro
Organizadores
Augusto Buchweitz
Mailce Borges Mota
porto alegre
2014
© EDIPUCRS 2014
DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
ISBN 978-85-397-0594-8
CDD 401.9
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
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(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Ao concebermos este livro, alguns anos atrás em uma conversa em um dia nem
tão frio em Pittsburgh, Estados Unidos, estávamos preocupados com a divulgação
de trabalhos empíricos e experimentais que estudassem a linguagem; trabalhos
como os que estávamos desenvolvendo e gostaríamos de ver divulgados no Brasil.
Almejávamos divulgar estudos que se utilizam de dados e análises quantitativas
para melhor entender a linguagem e os mecanismos cognitivos que subjazem o
processamento linguístico. Além disto, queríamos que o leitor (talvez futuro aluno
de pós-graduação ou o pesquisador em busca de novos caminhos) tivesse acesso
ao conhecimento que está sendo produzido em laboratórios de pesquisa com
linguagem pelo Brasil. Essa divulgação surgia com a preocupação de expor uma
conversa entre cognição e estudos empíricos da linguagem e um caminho, ou uma
ideia de caminho, a seguir.
Elencamos, portanto, pesquisadores do mais alto nível de diferentes faculdades
e regiões do Brasil e que trabalham com diferentes métodos e tecnologias de pes-
quisa; aliamos a isso o rigor científico e o desejo de entender a linguagem a partir
de dados do mundo real, levantando-nos da poltrona da linguística: esse é o elo
entre os trabalhos aqui apresentados. Evidentemente que a nossa lista de autores
não é exaustiva e única; entretanto, certamente é representativa da pesquisa com
linguagem, cognição e cérebro humano no Brasil nas áreas de ciências humanas.
Em alguns capítulos, há ainda a apresentação, por parte dos pesquisadores, dos
seus laboratórios e grupos de pesquisa. Complementa-se, portanto, um capítulo
teórico ou experimental com registros importantes que contém informações sobre
o funcionamento e histórico de grupos de pesquisa.
Os trabalhos apresentam investigações que mergulham em diferentes campos de
estudo linguístico, desde o processamento sintático de frases e semântico (priming), e
investigam diferentes populações, perpassando por populações específicas como tra-
dutores experientes, leitores com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade
8 linguagem e cognição: processamento, aquisição e cérebro
humano processa a linguagem. A outra organizadora deste livro, Dra. Mailce Mota,
apresenta dados recentes de um estudo na interface entre sistemas de memória e
aprendizagem de línguas.
Abrindo o leque de pesquisadores para o nordeste do Brasil, temos o Dr. Márcio
Leitão, da UFPB, com um trabalho de pesquisa sobre processamento correferencial
de aprendizes de francês como segunda língua. Além disso, apresenta o Laboratório
de Processamento Linguístico, um dos laboratórios mais jovens deste livro, por meio
de suas conquistas acadêmicas e de financiamento recentes, bem como de inte-
resses de pesquisa e metodologia. De volta ao sudeste do País, temos a Dra. Maria
Luiza Cunha Lima e o Dr. Marcus Maia e seus respectivos capítulos. Cunha Lima, da
UFMG, apresenta um trabalho sobre as escolhas referenciais feitas em narrativas
de crianças com TDAH; de maneira importante, este trabalho investiga o proces-
samento linguístico de uma população específica e cujo diagnóstico se faz cada vez
mais presente no meio educacional. O Dr. Marcus Maia, por sua vez, apresenta um
estudo de título cativante, “Jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro
norbalense”, em que agrega a metodologia de rastreamento ocular ao estudo da
leitura de palavras e pseudopalavras mono e polimorfêmicas do português. Essa
técnica, a de rastreamento ocular (também utilizada por Alves, descrito acima),
apresenta dados precisos sobre tempo de leitura e monitoramento de palavras.
Agrega, portanto, um valor quantitativo ao complexo processo da leitura. Por fim,
mas não por menos, o Dr. Ricardo Augusto de Souza e seu grupo apresenta também
um trabalho sobre processamento em segunda língua. De maneira complementar
ao estudo de Buchweitz e de Leitão, neste caso Souza e seus colaboradores apre-
sentam desenvolvimentos recentes de estudos da representação mental de mais
de uma língua.
Em suma, esperamos apresentar capítulos cativantes que tragam o aluno
interessado em compreender os mecanismos cognitivos que subjazem o proces-
samento da linguagem para esta área, a psicolinguística, que se propõe a entender
esta habilidade incrível do ser humano de se comunicar e de compreender sinais e
sons organizados e carregados de significado.
1. INTRODUÇÃO
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O eletromagnetismo captado pelo EEG, como um exemplo, oferece informação sobre o fluir de
ondas elétricas no cérebro sob dois parâmetros principais: a velocidade das ondas e a amplitude dos picos. O
método traz alta resolução temporal em milessegundos. A hemodinâmica captada por instrumentos como
o fMRI (ressonância magnética funcional) oferece informação sobre as áreas ativadas relacionadas com a
computação cognitiva executada. Não tem boa resolução temporal, mas oferece ótima precisão espacial.
(Para uma revisão de metodologias em neurociência da linguagem, cf. Gesualdi & França, 2011)
12 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
somos e para onde vamos: por exemplo, os estudos sobre a Teoria do Big Bang2, a
formação do planeta e a evolução das espécies.
Fora dos círculos científicos, o Big Bang foi primeiramente apresentado e ex-
plicado ao público pelo astrônomo inglês Sir Fred Hoyle, em uma entrevista para
a rádio BBC em 1950. Mas o entendimento sobre essa teoria resultou de uma série
de pesquisas científicas que já vinham sendo conduzidas por físicos, cosmologistas
e astrônomos desde a década de 20 (Kasting, 2008). Hubble (1929), por exemplo,
publicou evidências de que o universo havia sido criado por uma expansão estarrece-
dora e que essa expansão ainda poderia ser identificada nos dias de hoje. Examinando
os materiais que sobraram do grande início, havia evidências independentes de que
o universo tinha sido formado há 13.7 bilhões de anos.
Na verdade, recentemente, em 2013, uma missão da Agência Espacial Europeia
Planck Mission mapeou as microndas cósmicas (Cosmic Microwave Background – CMB)
e extraiu cálculos ainda mais precisos, revelando que o universo é ainda mais velho do
que pensávamos: tem 13.82 bilhões de anos, 100 milhões de anos a mais do que se havia
suposto na década de 20. Certamente estas são magnitudes difíceis de dimensionar.
Também há cerca de 100 anos se tornaram públicas teorias de como era a
Terra logo após ter sido formada. A mais respeitada delas foi de Oparin-Haldane3,
2
O Big Bang é a teoria astronômica mais aceita para explicar a formação do universo. Antes não
havia nada: durante e depois do Big Bang, nosso universo surgiu como uma singularidade há cerca de
13,7 bilhões de anos. Singularidades são zonas que existem nos núcleos dos buracos negros. Os buracos
negros são áreas de pressão gravitacional intensa. A pressão no núcleo do buraco negro é inimagina-
velmente grande e ali foi condensada uma singularidade de densidade infinita que nasceu infinitamente
pequena, quente e densa. Depois de sua criação, a singularidade foi inflada pelo Big Bang, que não é
uma explosão, como comumente se imagina, mas sim uma expansão radical da matéria. Dessa expansão
apareceu um resfriamento, levando a singularidade de muito, pequena e muito quente para o tamanho
e temperatura de nosso atual universo. Até hoje o universo ainda está se expandindo e se resfriando,
abrigando todos os tipos de criaturas, circulando no entorno do sol e se agrupando sistemicamente com
centenas de bilhões de outras estrelas em uma galáxia crescente. Tudo começou com uma singularidade
infinitesimal que apareceu do nada por razões desconhecidas, se expandiu no universo e assim será
mantido enquanto houver o sol, que está na metade de sua vida e ainda terá mais 6 bilhões de anos de
existência.
3
Aleksandr Oparin, cientista russo em 1924, e John Haldane, inglês em 1929, publicaram hipóteses
independentes, mas muito semelhantes sobre a origem da vida. Sabe-se que os achados foram indepen-
dentes porque as pesquisas eram sigilosas e o artigo de Oparin só foi traduzido para o inglês um pouco
depois de Haldane publicar o seu. Segundo esses autores, quando o planeta Terra se formou, em sua
atmosfera não havia oxigênio. A atmosfera era formada por quatro gases: metano, hidrogênio, vapor
d’água e amoníaco. Esses compostos reagiram espontaneamente e átomos de carbono, hidrogênio,
oxigênio e azoto apareceram como produtos e se recombinaram dinamicamente formando os primeiros
compostos orgânicos. A energia para fomentar essas reações vinha de descargas elétricas de relâm-
pagos, do calor das zonas vulcânicas, das radiações ultravioletas do sol e das radiações de elementos
radioativos. Os primeiros compostos fluíram na atmosfera primitiva através da chuva e desembocaram
nos rios, lagos e oceanos, onde se acumularam em grandes quantidades. Nesse meio ambiente propício,
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nos idos dos anos 20, que demonstrou, com detalhes, quais elementos existiam na
atmosfera primitiva da Terra e quando e como se formou a sopa prebiótica que deu
origem a todas as formas de vida no nosso planeta (Oparin, 1924; Haldene, 1922
apud Rampelotto, 2012).
Depois de quase um século de divulgação científica consistente sobre todos esses
fatos primitivos, uma pesquisa de opinião do Instituto Gallup (Dez, 2012) revelou
que 46% dos americanos ainda são Criacionistas4 e não acreditam ou desconhecem a
Teoria do Big Bang e também refutam a Teoria da Evolução das Espécies de Charles
Darwin, base de toda a biologia moderna. Há estatística preocupante também a
respeito do Reino Unido. O Instituto Opinion Panel (http://www.opinionpanel.
co.uk/community/tag/royal-society/) publicou, em 2006, os resultados de pes-
quisa conduzida com estudantes em todo o Reino Unido. Mais de 30% declararam
ser Criacionistas e 20% deles afirmaram que o Criacionismo e o Design Inteligente
são ensinados na escola como fato histórico.
Outros dados que envolvem disseminação de conhecimento sobre o tempo
profundo e sobre a origem do ser humano são também solenemente ignorados pela
maioria das pessoas no mundo: que o nosso planeta mantém vida há 4 bilhões de
anos5, que é habitado pela nossa espécie (Homo Sapiens) somente há cerca de 200
acumulou-se uma elevada concentração de moléculas suspensas que, ao se chocarem entre si, propi-
ciaram reações espontâneas que originaram moléculas mais complexas. Assim, em meio a essa “sopa
primitiva”, teriam surgido todos os tipos de moléculas orgânicas necessárias ao aparecimento da vida.
As moléculas tendiam a se agrupar espontaneamente formando pequenos grupos que eram isolados
através de uma membrana semipermeável que permitia troca de substâncias com o meio, originando
formas pré-biológicas. Essas formas primitivas tornaram-se mais complexas ao ponto de serem capa-
zes de realizar mais trocas com o meio, de crescer e obter energia a partir de substâncias do meio. Por
evolução das formas pré-biológicas, as primeiras formas de vida apareceram: as células, ou bactérias
anaeróbias, que se alimentavam de substâncias orgânicas de origem abiótica do meio, que, continuando
a evoluir, deram origem à diversidade de seres vivos existente hoje na Terra.
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O criacionismo foi o primeiro termo especificamente associado à oposição fundamentalista cristã
para a evolução da espécie humana. Hoje também se fala em antievolucionistas em relação àqueles que
acreditam que a humanidade, a vida, a Terra e o universo foram criados por um agente sobrenatural.
Tais pessoas, por motivos religiosos, rejeitam certos conceitos biológicos, particularmente a Teoria da
Evolução da Charles Darwin, que tem como alicerce a hipótese de que o homem e o macaco têm um
ancestral em comum (para revisão aprofundada, cf. Dawkins, 2009).
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Em um filme de divulgação da Teoria de Darwin para a rede de TV BBC, o biólogo Richard
Dawkins usa uma metáfora poderosa para aguçar a nossa percepção de tempo profundo: pense em um
piano de cauda com suas 88 teclas em sequência, que vão do grave, à esquerda, ao agudo, na direita. Se
essa extensão representasse o tempo de vida do nosso planeta, sendo que a partir da tecla mais grave
estariam os tempos primitivos (4 bilhões de anos) e da mais aguda, os dias de hoje, teríamos durante
as 60 primeiras teclas a presença solitária de bactérias. Depois os animais pluricelulares, animais mi-
croscópios complexos, os peixes lá pela tecla 70 (400 milhões de anos) e a partir deles um novo ramo
evolui em anfíbios, répteis. Os dinossauros aparecem já na altura da octagésima tecla (140 milhões de
14 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
mil anos e que há 12 mil anos o ser humano começou a se organizar em sociedades,
usando a agricultura sedentária, domesticando plantas e animais.
Mas é possível que, mesmo de posse de todas essas informações, ainda haja pesso-
as que prefiram restringi-las a um compartimento mental próprio para conhecimento
científico, confinando as convicções religiosas conflitantes a outro compartimento.
Afinal, os seres humanos são dotados de capacidade cerebral estarrecedora, mas
podem também ser reconhecidamente contraditórios ao administrar essa capa-
cidade. A própria natureza modular do cérebro6, pelo menos nas fases iniciais do
processamento cognitivo, faz com que possamos entreter vários pontos de vistas
independentes, que podem até ser conflitantes ou complementares (Fodor, 1983;
Barrett & Kurzban, 2006; Pylyshyn, 1984). Vejamos a demonstração simples desse
fato com a Ilusão de Müller-Lyer de 1889 (apud Pylyshyn, 1984).
anos) e desaparecem na octagésima quarta tecla, depois pássaros, mamíferos, até que chegaríamos
à última tecla, octagésima-oitava, onde apareceriam os primatas. Para encontrarmos o momento da
chegada da nossa espécie – homo sapiens –, teríamos que dividir a última tecla em 5 partes. Na altura
da última, estaríamos nós, enfim, chegando à Terra (200 mil anos).
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Um dos maiores desafios em se trabalhar em um campo interdisciplinar é o vocabulário técnico
usado entre áreas. Nesse sentido a palavra “módulo”, muito utilizada pela Linguística, é campeã de
desentendimentos interdiciplinares e vale ser esclarecida. Aqui esta palavra significa apenas que, pelo
menos inicialmente, cada sistema sensorial tem a sua própria via separada. Por exemplo, a informação
captada a partir do olho, e transmitida através do nervo óptico fica completamente separada daquela
transmitida a partir da orelha, através do nervo auditivo. Percebemos um estímulo que chega no cérebro
a partir do nervo óptico como visão. Em contraste aquilo que nos chega até o cérebro através do nervo
auditivo é audição porque são circuitos diferentes a princípio, diferentes módulos com funcionamento
autônomo por algum período do processamento. Os módulos cognitivos são grupos ou colunas de
neurônios que formam circuitos neurais desenvolvidos em parte pelo substrato genético para uma função
específica (cf. A especificidade relatada em Hubel, Weisel, 1962) e moldados pelos ambientes interno e
externo, e também em parte pela experiência. Existem muitas computações linguísticas descritas com
essa especificidade computacional inicial. É claro que os módulos se comunicam em rede com outros e o
processamento mais localizado, mais modular, logo dá origem a um processamento em rede. À medida
em que o indivíduo amadurece o seu cérebro forma continuamente novas conexões e essa plasticidade
lhe permite aprender novas habilidades, adaptar-se às novas condições e fazer conexões à distância,
porém mesmo assim não prescindem de um momento modular.
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O Período Crítico é uma fase no desenvolvimento do bebê em que o cérebro cresce e se de-
senvolve freneticamente, em uma velocidade inimaginável. Os neurônios chegam a se formar, em
alguns momentos, na taxa de 250000 por minuto. Entre a décima sexta e a vigésima quarta semanas
de gestação, o cérebro já possui as células nervosas que serão utilizadas nos primeiros anos de vida:
algumas centenas de bilhões delas. Essas células migram para a sua localização correta no cérebro,
geneticamente programada, e começam a se especializar.
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Circuitaria é o conjunto de circuitos neuronais que se formam a partir das ligações entre os
neurônios, por meio das sinapses.
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Aqui, erosão é o apagamento gradual de conceitos da memória de longo prazo (long-term memory).
18 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
posterior ao ramo ascendente da fissura lateral) da área de Broca (situada no giro frontal
inferior) ao lobo temporal anterior, nos giros médio e inferior (Figura 4). A conexão
é feita por uma coleção de fibras longas de associação (Figura 3), agrupadas em um
feixe subcortical denominado fascículo uncinado (Amunts et al., 2010; Friederici, 2012).
Em outros animais, como no macaco, se verifica a cognição da arbitrariedade
saussureana também por meio de uma rota ventral, que liga uma área análoga à
Broca ao lobo temporal (França, Lage, 2013; Petrides, Pandya, 2009).
Temos que admitir que há um intervalo de força mental muito maior entre
os peixes mais primitivos [ou os pássaros] [...] e os primatas superiores,
do que entre um primata e o homem (Darwin, 1871:60).
mais próximos dos primatas do que dos pássaros. Porém, esse fato, por si só, pode
não significar que somos mais parecidos com os primatas em todos os aspectos.
Por exemplo, em relação à vocalização, é fácil percebermos que as melodias que
os pássaros adultos cantam têm um padrão sintático que é aprendida pelos filhos.
Se os filhos não escutam o modelo assim que nascem, nunca se tornam pássaros
canoros. Dessa forma, é fácil atestar que a melodia cantada pelos pais serve de dados
primários para os pássaros jovens e que estes demoram algum tempo e despendem
energia cognitiva para adquirir o modelo que os torne indivíduos produzindo can-
tos perfeitamente de acordo com a espécie. O mesmo acontece com a linguagem
humana. Precisamos escutar dados primários da língua da nossa comunidade para
adquirir uma língua nativa. Casos de surdez, onde não há captação de dados primá-
rios sonoros, vão determinar que a língua naturalmente adquirida seja desenvolvida
na modalidade espacial-gestual. Assim como a linguagem humana, os cantos dos
pássaros são um tipo de aprendizagem que requer uma base inata, geneticamente
codificada para absorver dados sonoros do ambiente. Embora possam apresentar
variações individuais e populacionais, há sempre a manutenção de um núcleo com
código específico da espécie (Silva, Piqueira, Vielliard, 2006; Vielliard, 1995).
Isso não acontece com os primatas. A vocalização dos primatas não resulta da
exposição de modelos e não se desenvolve. Já nasce com ele sem evolução a partir
de dados primários. Existem alguns pouquíssimos tipos de vocalização e desprezíveis
variações na espécie.
A corrente neodarwinista apresenta uma boa explicação de como pode haver
uma característica cognitiva dos pássaros que execute tamanho pulo filogenético,
ressurgindo com algumas diferenças nos humanos, 300 milhões de anos mais tarde,
mas não nos primatas. O Neodarwinismo propõe que as mudanças evolucionárias
se caracterizam nas espécies por um período contínuo de adaptação tendendo
à estabilidade (adaptação – Darwinismo Clássico) pontuado raramente por uma
explosão errática de mudança (exaptação – Neodarwinismo) não determinada por
pressões do meio ambiente. Esse modelo, conhecido como Equilíbrio Pontuado,
explica as especializações que não resultam das lentíssimas mudanças adaptativas
por meio da cadeia filogenética (Gould, Vrba, 1982; Gould, 1982).
Sabidamente esses pássaros dependem de exposição a dados primários do seu meio
(as melodias entoadas pelo pai), dentro de períodos críticos exíguos, para desenvolverem
canto com sequências consideradas gramaticais pela comunidade. A diferença, neste caso,
é que, diferentemente da via dorsal em humanos, que vai desde uma forma estrutural até
o pareamento de significado, as sequências hierárquicas dos pássaros nada significam
além de um chamado para o acasalamento. Ou seja, em termos de semântica, o canto
dos pássaros é preso a um contexto fixo, embora haja criatividade estrutural condicio-
nada aos parâmetros sintáticos bem formados para os cantos de uma dada comunidade.
24 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
Olhando essas conexões como módulos cerebrais, fica mais fácil entender que
alguns módulos estão disponíveis para uma dada cognição e não para outras, de
forma que se cumpre a predestinação genética, dentro do curso de evolução con-
tínua das espécies por meio de expedientes de adaptação e também de exaptação,
que afetam a espécie pontualmente.
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O paradigma de priming no acesso lexical é um teste para desvendar aspectos da arquitetura
do léxico mental, por exemplo, os critérios de agrupamento. Agrupam-se palavras inteiras ou fatias
morfológicas? Por semelhança fonológica ou semântica? Para isso, os experimentadores constroem
estímulos de muitos pares de palavras. Na metade dos casos, a primeira palavra do par, tecnicamente
chamada de prime, terá algum relacionamento com a segunda palavra do par, tecnicamente chamada
de alvo; por exemplo, no par caro-carinho, há uma relação de semelhança fonológica entre prime e alvo.
Nenhum relacionamento existirá entre prime e alvo nos pares restantes, por exemplo caro-frio. Para
que possamos conhecer a reação do voluntário aos alvos, temos que incumbi-lo de uma tarefa, como
discriminar se o alvo é uma palavra ou uma não palavra. Com esse propósito, mesclamos aleatoriamen-
te os pares de palavra-palavra com um número igual de pares de palavra-não palavra. Analisam-se o
tempo e acuidade de resposta, podendo-se acessar indiretamente a influência que o prime exerceu em
relação ao alvo. Os tipos de influências mais testados na literatura são semântica (primo-tio), fonológica
(cara-carinho), morfológica (cabeça-cabeçudo), ortográfica (pedra-vidro) e sintática (fazia-tinha).
26 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
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O N400 é um potencial cortical com polaridade negativa (onda voltada para cima) e latência
(subida da onda) e amplitude máxima (pico de onda) de cerca de 400ms, isto é, geralmente entre 300
e 500ms, depois do instante de estimulação. O N400 tem sido comumente associado a incongruências
semânticas em contexto sintático e também ao momento do acesso lexical (Lau, Phillips, Poeppel,
2008). O N400 pode assim refletir tanto efeitos de integração entre palavras (ex.: comeu sandália)
quanto efeitos da efetivação do acesso lexical de uma palavra solta marcando isso através da amplitude
do ERP (altura da onda) e latência (momento em que ela chega ao pico). Note que o N400 é o nome que
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se dá à segunda onda negativa, mas não se precisa o instante exato de seu acontecimento. Justamente
se estudam os fatores que podem adiantar ou atrasar essa onda.
28 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
SC – Sem Contexto de suporte ao vP12 Hoje à noite, Larissa vai fritar ↓ o peixe no azeite
20 sentenças de oliva.
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vP – sintagma verbal.
30 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
Uma cruz de fixação ficava na tela por 200ms. Em seguida, cada palavra era
mostrada por 200ms. Ao final da sequência, havia um espaço de 1000ms para o
voluntário julgar se a sentença era congruente ou incongruente, o que era feito
por meio do aperto de uma entre duas teclas em uma caixa de botões (joystick).
O teste foi feito com 22 voluntários (15 mulheres) com idade média de 23.4
anos, alunos de graduação do Curso de Engenharia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (Figura 5).
Como se pode perceber pela amplitude dos N400 em dois pontos de interesse
para esta cognição (eletrodos Pz e P3), não houve diferença entre a amplitude das
ondas para as condições sem e com contexto. Com o trigger medindo as amplitu-
des após o verbo, isto quer dizer que as duas integrações de complemento foram
igualmente fáceis. O contexto não facilitou a escolha. E a interpretação feita aqui
é que ele não facilitou, porque o processamento foi dedicado e exclusivo para a
decodificação da sintaxe no entorno do verbo e seu complemento, em um primei-
ro momento. Vejam que, em comparação com a condição incongruente, as duas
condições se mostraram estatisticamente mais fáceis (p = 0,00367). Ou seja, no
processamento de sentenças, todo o foco de atenção parece estar no evento. A
amplitude só foi aumentada para a condição de incongruência, na qual a integração
verbo complemento não pode ser efetivada.
À luz dos achados neurofisiológicos do DTI, poderíamos inferir que a via dorsal
foi ativada com exclusividade para computar a sintaxe do evento, de acordo com a
hipótese formal: Sintaxe Primeiro. Se a semântica dos adjuntos foi de alguma forma
computada pela via ventral, aos 400ms, ela não serviu para acelerar ou facilitar a
integração entre verbo e objeto.
Não se está defendendo aqui que a computação do adjunto não se efetiva. Mas,
de acordo com os resultados dessa investigação, apesar da localização no início da
frase, a semântica do adjunto não pareceu facilitar o processamento da sentença
nos milissegundos iniciais do processamento. Há um campo vasto ainda para ser
investigado sobre a computação de sentenças e sobre a sequência das computações
após a computação sintática. Portanto, no programa experimental em que este
teste é apenas o primeiro, estão em curso investigações sobre a computação de
32 reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...
adjuntos. Evidentemente todos esses assuntos devem também ser testados dentro
de plataformas DTI para que se possa atingir uma adequação verdadeiramente
biolinguística do fenômeno da linguagem.
5. DISCUSSÃO
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37
Leonor Scliar-Cabral
(UFSC/CNPq)
1. LINGUAGEM E COGNIÇÃO
Os indivíduos não percebem oposições que não são pertinentes em sua língua
nativa, como é o caso dos falantes-ouvintes do espanhol em relação às oposições
entre as vogais [-alt, -bx] e [+bx], respectivamente /e/ vs. /ε/; /o/ vs. /O/. Os fa-
lantes-ouvintes de línguas diferentes ainda diferem quanto aonde estão localizadas
as fronteiras na oposição dos segmentos (Lisker, Abramson, 1967).
Vários experimentos foram conduzidos para verificar quando os bebês começam
a perder as capacidades discriminativas.
A própria evolução dos sistemas de escrita demonstra que o que teve lugar não
foi uma mudança genética nos genes que processam as linguas naturais, mas, sim,
uma adaptação crescente dos circuitos neurais na região occipitotemporal ventral
esquerda do cérebro para o reconhecimento das palavras escritas (Dehaene, 2012).
Se compararmos o período quando a linguagem natural emergiu com aquele
quando os primeiros sistemas de escrita foram atestados, há uma enorme distância
cronológica que levanta conclusões importantes para entender os processos de leitura
e os processos de aprendizagem envolvidos, ainda mais cruciais no caso dos sistemas
alfabéticos, derivados da escrita proto-sinaítica, cuja manifestação mais antiga, por volta
dos anos 1400 a.C., aparece numa pequena esfinge dedicada à deusa Hathor. Pesquisas
recentes revelam a existência de exemplos mais antigos com escrita similar, descobertos
no Egito central, datando de 1800 a.C. aproximadamente (Scliar-Cabral, 2009, p. 147).
A conclusão mais importante é a de que os sistemas de escrita não são adqui-
ridos espontânea e compulsoriamente, mas ocorrem no contexto sistemático de
aprendizagem, em especial, na escola.
A neurociência usa três técnicas principais na situação experimental: a resso-
nância magnética funcional (RMF), a electroencefalografia (EEG) e a mais eficiente
para medir o processo da leitura, a magnetoencefalografia (MEG).
Algumas evidências empíricas obtidas da situação experimental somente con-
firmam princípios já conhecidos, como os de que as regiões primárias processam
os sinais brutos, independentemente da especialização hemisférica: no caso do
sinal luminoso, a região occipital central. Esse primeiro processamento dura não
mais do que 50ms.
A novidade consiste em acompanhar online como o output destes primeiros
processamentos é enviado compulsoriamente para a região especializada para a
leitura, a região occipitotemporal ventral do hemisfério esquerdo, se o sujeito apren-
deu o código escrito, independentemente do sistema (alfabético ou logográfico).
Experimentos conduzidos por Dehaene e colegas (2002) demonstraram que
a região occipitotemporal ventral esquerda é iluminada quando os sujeitos são
submetidos a palavras escritas, mas não quando as mesmas palavras são somente
ouvidas. É preciso assinalar que a região occipitotemporal ventral também processa
faces, objetos e instrumentos, mas somente algumas partes da região occipitotem-
poral ventral esquerda preferem reconhecer as palavras escritas, enquanto a região
contralateral direita prefere o reconhecimento das faces (Tarkiainen e cols., 2002).
Evidências empíricas importantes trazidas pela neurociência confirmam o
processamento da invariância da letra, que significa “a capacidade de construir
rapidamente uma representação abstrata das cadeias das invariâncias das letras
deixando de lado parâmetros irrelevantes, tais como fonte, caixa, tamanho ou
posição” (Qiao et al., 2010, p. 1787).
leonor scliar-cabral 43
Se o método global fosse correto, a palavra escrita seria reconhecida por sua
configuração, que é exatamente o que o hemisfério direito faz: ele reconhece FARTA
e farta como diferentes (Dehaene et cols., 2004). O mesmo é verdade com crianças
que não aprenderam os princípios do sistema alfabético e somente reconhecem
logotipos como Coca-Cola : somente a região no hemisfério direito é iluminada
durante os experimentos e não a região occipitotemporal ventral esquerda.
Evidências trazidas pelos experimentos da neurociência demonstram que a
região occipitotemporal ventral esquerda prefere cadeias bem formadas de letras
às cadeias que desobedecem às regras grafotáticas de uma dada língua. Isto prova
que tal conhecimento não é inato: os neurônios pertencentes à região especiali-
zada para reconhecer as palavras escritas precisam ser reciclados para aprender o
sistema específico.
O que é também notável é que esses experimentos recentes acabaram com o
mito de que o chinês seria um sistema de escrita processado somente pelo hemis-
fério direito. Experimentos com a leitura em mandarim ativam preferencialmente
a mesma região occipitotemporal ventral esquerda, com as mesmas propriedades
observadas nos sujeitos submetidos à leitura em sistemas alfabéticos.
O mesmo é verdadeiro quando os sujeitos fazem a leitura com o sistema logográ-
fico kanji ou silábico kana (Nakamura et cols., 2005), provavelmente porque ambos
convergem as respectivas unidades visuais para a mesma representação fonêmica.
Se o sujeito não aprendeu o código escrito, as áreas iluminadas serão aquelas
que reconhecem o sinal somente por configuração.
Recentes experimentos conduzidos por Qiao et al. (2010, p. 1786) demonstraram
que “leitores expertos exibem uma notável capacidade para reconhecer corretamente
a escrita, apesar da enorme variedade na forma dos caracteres – uma competência
cujos meandros cerebrais ainda permanecem desconhecidos”. Resumindo, os pes-
quisadores usaram repetição comportamental subliminal e priming através da RMF
para estudar as áreas envolvidas no reconhecimento invariante correto da palavra.
Por exemplo, a palavra prime foi apresentada em letra de imprensa (e.g., PIANO),
enquanto o alvo foi a manuscrita (e.g., piano) e vice-versa.
Seis conjuntos de 40 substantivos em francês de alta e baixa frequência, com
a extensão de 4, 6 e 8 letras, foram selecionados do www.lexique.oug, e então
apresentados a 21 participantes, que foram solicitados a copiar cada um em sua
manuscrita usual. Seis estilos foram selecionados e as palavras foram escaneadas.
Palavras geradas por uma fonte de computador pseudomanuscrita e por uma fonte
Arial comum foram adicionadas.
Em seguida, foi obtido um tamanho médio das letras. Oito conjuntos de palavras,
constituindo um total de 480 palavras, combinando frequência x extensão, foram
apresentados a 16 participantes para que as lessem em voz alta. “As respostas fun-
leonor scliar-cabral 45
PRIME ALVO
Primes e alvos nunca partilham a mesma caixa (alta e baixa), para evitar o viés
da repetição de traços visuais de baixo nível. O objetivo foi o de atribuir ao efeito
prime uma representação invariante das identidades abstratas da letra.
Primes e alvos eram a mesma palavra na metade dos ensaios e semanticamente
diferentes (objetos naturais opostos a artefatos) na outra metade.
A lista de 48 palavras foi dividida em dois conjuntos equivalentes de 24 palavras,
um com condições Pp, Pf e Pd para metade dos sujeitos, e o outro com condições
pP, fP e dP para a outra metade. A 13ª categoria com telas em branco foi usada
como linha de base.
Os resultados mostraram que, “claramente, as mesmas áreas foram ativadas
independente do estilo, com um máximo muito forte predominante na área esquerda
da Forma Visual da Palavra”.
A percepção dos alvos que demandavam mais esforço, i.e., o das palavras manuscri-
tas difíceis, ativaram regiões ventrais precisamente no pico principal da área da Forma
Visual da Palavra” (Qiao et al., 2010, p. 1796), em especial, em suas seções mais anteriores.
46 neurociência: novo enfoque epistemológico
7. RECICLAGEM NEURONAL
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Fabio Alves
(FALE/UFMG)
SOBRE O LETRA
INTRODUÇÃO
como uma função positiva sobre os efeitos cognitivos alcançados por meio do pro-
cessamento desse estímulo, ao passo que a quantidade de esforço envolvida nesse
processamento é vislumbrada como uma função negativa sobre os efeitos obtidos.
Gutt (1991/2000), em sua aplicação pioneira da Teoria da Relevância aos Estudos
da Tradução, afirma que Sperber e Wilson apresentam um arcabouço cognitivo que
parece ser central aos esforços comunicativos da espécie humana. Gutt acredita que
a contribuição mais significativa da Teoria da Relevância para os estudos da comuni-
cação humana é fornecer uma nova relação causa/efeito de natureza mental para a
compreensão desses processos comunicativos, entre os quais se insere o fenômeno
da tradução. Para Gutt (2000), a relação causal entre esforço de processamento e
efeitos cognitivos consegue prever com sucesso problemas comunicativos decorren-
tes da ausência de pistas comunicativas necessárias para construção de significado
em consistência com o princípio de relevância.
A partir da relação entre o esforço de processamento das pistas comunicativas
veiculadas pelo texto fonte para fins da geração de efeitos cognitivos semelhantes
no texto alvo, Gutt (1991/2000) propõe o conceito de semelhança interpretativa. A
Teoria da Relevância postula dois tipos de uso para representações mentais, quais
sejam, o uso descritivo e o uso interpretativo, a cada um dos quais corresponde um
tipo específico de semelhança em nível representacional. A semelhança descritiva
estabelece uma correlação entre um objeto (ou estado de coisas) e uma representação
mental, enquanto a semelhança interpretativa estabelece essa correlação entre duas
representações mentais. Gutt argumenta que a tradução é um caso de semelhança
interpretativa interlingual, no qual dois enunciados, ou, mais frequentemente, dois
estímulos ostensivos, assemelham-se interpretativamente, na medida em que com-
partilham suas explicaturas e/ou implicaturas. Para Gutt (1991/2000), a tarefa do
tradutor consiste em manifestar ostensivamente para sua audiência receptora no
texto alvo todos os aspectos relevantes que são comunicados ostensiva e inferen-
cialmente pelo texto fonte. Gutt (1991/2000) insiste que o principal objetivo de um
enunciado é veicular o conjunto de suposições que um emissor pretende comunicar
por meio de seu comportamento ostensivo. Portanto, a semelhança interpretativa
entre dois enunciados deve ser entendida com base nas suposições compartilhadas
entre as interpretações desses enunciados na língua fonte e na língua alvo.
Gutt (1991/2000) destaca ainda que a linguagem verbal humana codifica instru-
ções de processamento inferencial que, por meio de pistas comunicativas, guiam a
audiência receptora na direção entendida como sendo ostensivamente relevante. No
arcabouço relevantista, tais pistas comunicativas podem ser codificadas conceitual
ou procedimentalmente. Sabe-se que as informações codificadas conceitualmente
veiculam significado conceitual e podem ser estendidas em termos proposicionais.
Essas informações podem ser codificadas em categorias lexicais abertas (e.g.,
56 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
Alves e Vale (2009, 2011) delimitam a unidade de tradução (UT) a partir de uma
fase de leitura, representada por um intervalo de pausa no registro de teclado ou por
registros de movimento ocular, seguida por uma fase de escrita de produção textual,
representada por uma sequência contínua de eventos no registro de teclado. Uma UT
é delimitada por intervalos de pausa. Para delimitar unidades de tradução, utiliza-se
neste capítulo um valor de pausa de 2.4 segundos, indicado por Jakobsen (2005)
como sendo um valor de pausa prototípico para fins de aferição de desempenhos
de pico (peak performance) e, consequentemente de expertise em tradução. Cada
intervalo de pausa igual ou maior que 2.4 segundos gera uma nova UT.
A pausa em questão pode ser uma pausa para planejar, para pensar em um
equivalente de tradução alternativo, para avaliar a versão corrente do texto alvo ou
para ler algum segmento do texto fonte. Com o desenrolar da tradução, um seg-
mento do texto alvo previamente traduzido pode sofrer revisão – ser substituído,
alterado ou excluído – ou mesmo passar por diversas releituras durante avaliações
e consultas sem que sejam feitas quaisquer alterações. Nos casos em que o tradutor
se concentra duas ou mais vezes no mesmo segmento do texto fonte (i.e., quando
ocorrem revisões ou exclusões), duas ou mais unidades de tradução afetam o mesmo
segmento do texto alvo. Esse processo recursivo de produção textual, envolvendo
leitura e escrita, permite observar dois tipos de UTs: a microunidade de tradução
(micro UT), que consiste em segmentos específicos do processo cognitivo delimitados
pelo ritmo cognitivo do tradutor, e a macrounidade de tradução (macro UT), que se
refere ao conjunto de micro UTs relacionadas a uma primeira tentativa de tradução.
Alves e Vale (2009, 2011) operacionalizam a micro UT como um segmento
contínuo na produção do texto alvo, incluindo a pausa que o antecede. De forma
complementar, a macro UT é constituída pelo conjunto de todas as micro UTs cujo
foco de atenção recai sobre o mesmo segmento do texto fonte, desde a redação de
um equivalente no texto alvo, passando por todas as alterações do segmento, até a
última revisão escrita do segmento que resulta no segmento equivalente mantido
na versão final do texto alvo. Em outras palavras, a macro UT é operacionalizada
como uma entidade que engloba todos os segmentos de produção textual em que
se redigem, se substituem ou se excluem segmentos do texto alvo equivalentes ao
mesmo segmento do texto fonte.
Alves, Gonçalves e Szpak (2012) apresentam uma proposta metodológica com-
plementar ao trabalho de Alves e Vale (2009, 2013), buscando aplicar os conceitos
de micro e macro UTs a dados gerados por rastreamento de movimentos oculares
(eye tracking). Os autores partem de uma abordagem indutiva para selecionar pro-
blemas de tradução por meio da sobreposição de mapas de calor (heat maps) de
um conjunto de dados processuais de oito tradutores profissionais.
62 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
Neste capítulo, os conceitos de micro e macro UTs são utilizados para descrever
o processo tradutório por meio de dados de rastreamento de teclado e mouse (key
logging), rastreamento ocular (eye tracking) e relatos retrospectivos. Inicialmente,
o desempenho dos tradutores é mapeado por meio de micro UTs registradas pelo
rastreamento de teclado e mouse. Na sequência, expandindo a proposta de Alves,
Gonçalves e Szpak (2012), essas micro UTs são correlacionadas à tradução de oito
áreas de interesse (AOI), e cada uma dessas AOIs configurando o equivalente a uma
macro UT. Desta forma, é possível identificar entre um grupo de oito tradutores
um sujeito cujo desempenho é considerado prototípico em termos de desempenho
experto. Os dados desse sujeito experto são analisados detalhadamente com o obje-
tivo de ilustrar como o esforço de processamento relaciona-se à geração de efeitos
cognitivos. Busca-se explicar, pelo viés da Teoria da Relevância, como a capacidade
de metarrepresentação de um tradutor experto guia esse sujeito na busca por seme-
lhança interpretativa mediada pela relação esforço/efeito em tradução. A próxima
seção descreve os passos metodológicos para a identificação de um tradutor experto.
Era de se esperar que, sendo 18% mais longo que o primeiro parágrafo, o se-
gundo parágrafo exigisse mais tempo para ser traduzido. Contudo, ao se examinar
as codificações conceituais e procedimentais no texto fonte, observa-se que o
primeiro parágrafo contém uma série de codificações procedimentais, veiculadas
pelos conectores “but”, “once”, “yet”, “though” e por sinais de pontuação (vírgulas e
dois pontos), que exigiriam esforço de processamento com foco nessas instruções
procedimentais. Por outro lado, uma vez resolvidas as questões procedimentais
presentes no primeiro parágrafo, o esforço de processamento no segundo parágra-
fo, apesar de sua maior extensão, estaria relacionado mais especificamente a duas
ocorrências de codificação conceitual, veiculadas pelos grupos nominais “curved
ridges” e “a sheet of thin aluminized Mylar”.
De acordo com premissas de relevância, pautadas pela relação entre esforço de
processamento e efeitos cognitivos, é possível levantar uma primeira hipótese que o
primeiro parágrafo, por veicular um maior número de codificações procedimentais,
exigiria mais esforço para ser traduzido. Parte-se da premissa que os conectores “but”,
“once”, “yet”, “though” e os sinais de pontuação (vírgulas e dois pontos) precisam
ser processados em conjuntos para garantir a coesão do texto alvo. Esse esforço
de processamento seria mensurado não apenas em termos do tempo investido na
execução da tarefa, mas também pelos índices de recursividade observados no
desempenho do tradutor para fins de construção de uma cadeia coesiva com alto
nível de semelhança interpretativa no texto alvo.
Consoante premissas de relevância, pautadas pela relação entre esforço de pro-
cessamento e efeitos cognitivos, levanta-se como segunda hipótese que o segundo
parágrafo, por ter um menor número de codificações procedimentais na construção na
sua rede coesiva e por veicular duas novas codificações conceituais, exigiria, apesar do
64 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
seu maior tamanho, menos esforço para ser traduzido. Esse esforço de processamento
seria mensurado não apenas em termos do tempo investido na execução da tarefa, mas
também pelos índices de recursividade observados no desempenho do tradutor para
fins de uma produção textual com alto nível de semelhança interpretativa no texto alvo.
A Tabela 1 apresenta dados relativos à duração da tarefa tradutória tanto em ter-
mos do tempo total despendido por cada um dos oito tradutores quanto em relação
ao tempo gasto na tradução de cada parágrafo. Os números da Tabela 1 apontam
para um tempo médio total de 1.187 segundos para a execução da tarefa tradutória.
Em média, 548 segundos, 46.2% do tempo total, foram alocados ao primeiro pará-
grafo, enquanto 639 segundos, 53.8% do tempo total, foram gastos na tradução do
segundo parágrafo, uma diferença de 7.6% a mais no tempo médio gasto na tradução
do segundo parágrafo. Levando-se em consideração que o segundo parágrafo é 18%
maior que o primeiro parágrafo em número de palavras, há uma diferença negativa
entre o tamanho relativo do texto fonte e o tempo relativo gasto na tradução de cada
parágrafo. Essa diferença negativa tenderia a indicar que o primeiro parágrafo requer
mais esforço de processamento, uma vez que os tradutores necessitam um tempo
médio de 548 segundos para traduzir 77 palavras, ou seja, 8.4 palavras por minuto e
639 segundos para traduzir 109 palavras, ou seja, traduzem 10.3 palavras por minuto.
Tabela 2: Número de micro UTs (valores absolutos e relativos) em AOIs selecionadas (pasa
= 2.4 seg.)
Micro Outras
Sujeito AOI_1 AOI_2 AOI_3 AOI_4 AOI_5 AOI_6 AOI_7 AOI_8
UTs UTs
82 3 7 4 6 6 5 6 4 41
Jane (100%) (3.7%) (8.5%) (4.9%) (7.3%) (7.3%) (6.1%) (7.3%) (4.9%) (50.0%)
P1 P1 P1 P1 P3 P1 P1 P1
57 4 3 (5.3%) 5 2 7 5 3 3 25
Cicy (100%) (7.0%) P1 (8.7%) (3.5%) (12.3%) (8.7%) (5.3%) (5.3%) (43.9%)
P1 P1 P1 P1 P1 P1 p1
108 8 10 17 15 9 4 7 4 34
Adam (100%) (7.4%) (9.3%) (15.8%) (13.9%) (8.3%) (3.7%) (6.4%) (3.7%) (31.5%)
P1 P1 P1 P3 P3 P1 P1 P1
33 1 5 3 1 3 2 3 1 14
Jim (100%) (30%) (15.2%) (9.1%) (3.0%) (9.1%) (6.0%) (9.1%) (3.0%) (42.5%)
P0 P1 P1 P0 P1 P1 P3 P0
26 1 1 2 1 2 2 3 2 12
Mona (100%) (3.8%) (3.8%) (7.7%) (3.8%) (7.7%) (7.7%) (11.6%) (7.7%) (46.2%)
P0 P0 P1 P0 P1 P1 P2 P2
92 5 2 7 3 6 8 3 3 55
Will (100%) (5.4%) (2.3%) (7.6%) (3.2%) (6.5%) (8.7%) (3.4%) (3.3%) (59.6%)
P3 P1 P3 P3 P3 P3 P3 P1
63 8 2 4 2 3 2 4 1 37
Tess (100%) (12.7%) (3.2%) (6.3%) (3.2%) (4.8%) (3.2%) (6.3%) (1.6%) (58.7%)
P1 P1 P1 P1 P1 P1 P1 P0
61 7 9 3 2 3 2 3 1 31
Rui (100%) (11.5%) (14.8%) (4.9%) (3.3%) (4.9%) (3.3%) (4.9%) (1.6%) (50.8%)
P1 P3 P1 P1 P1 P1 P1 P0
fixações no texto alvo e distribuídas ao longo dessas AOIs de forma equilibrada. Todas
elas, contudo, apresentam um ponto de fixação preponderante, destacado pela cor
mais escura. Conforme mencionado, esses pontos mais escuros, com maior concen-
tração de fixações oculares, estão relacionados aos codificadores procedimentais
descritos anteriormente. Trata-se de uma comprovação empírica que o esforço de
processamentos nas AOIs 1 a 6 é motivado pelos codificadores procedimentais e que
sua instanciação no texto alvo parecer exigir mais esforço de processamento que sua
compreensão por meio da leitura de segmentos correlatos no texto fonte.
A Figura 6 replica com outras imagens a análise das AOIs selecionadas feita na
Figura 5 e apresenta uma plotagem dos movimentos oculares de Adam em cada
uma das AOIs. Essa plotagem é feita a partir de fixações oculares e movimentos
sacádicos. Os círculos indicam fixações oculares. Quanto maior o tamanho de um
círculo, maior a duração da fixação. Os círculos são numerados sequencialmente a
fim de identicar ocorrências ao longo do processo.
Figura 6: Plotagem ocular (gaze plots) do desempenho de Adam por Área de Interesse (AOI).
72 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
rápida leitura sequencial do texto fonte. Adam inicia seu relato retrospectivo com
a seguinte afirmação:
RR_1: Eu fiz uma leitura inicial, só para ter uma ideia do assunto no texto.
Figura 7: Micro UTs na Área de Interesse 1 (AOI_1) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias
e final.
em português. Começa então um processo recursivo registrado pelas micro UTs [9],
[11] a [14]. Durante mais de um minuto, os movimentos oculares de Adam percorrem
o texto em busca de pistas comunicativas para maximizar os efeitos cognitivos do
trecho sendo processado pelo tradutor. Ao final da micro UT [14], Adam toma a
decisão de deletar “quando” e, ao invés de manter o conector em posição inicial,
prefere reestruturar a oração e acrescenta a informação que “uma bola de ar possui
mais de 75% de ar em sua composição”.
Figura 8: Micro UTs na Área de Interesse 2 (AOI_2) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias
e final.
cedimental “yet” é traduzida como “apesar disso”. A seguir, Adam modifica o item
lexical “bola”, que não chega a completar, pelo pronome pessoal “ela”, acompanhada
pelo adjetivo atributivo “resistente”, que é modificado para “forte”. Percebe-se uma
série de alterações de natureza semântica durante o processo de tradução. Adam
traduz “it displays surprising strength” como “ela é muito forte” e “and resists further
compression” como “e oferece resistência a quem tentar amassá-la ainda mais”.
Figura 9: Micro UTs na Área de Interesse 3 (AOI_3) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
RR_4: Eu não queria botar “força”, então eu fiquei na dúvida porque “resis-
tente” ia ficar repetido com “mais resistência” ou “resistir à compressão”,
que é o que eu tinha imaginado, e é por isso que eu parei aqui. E acabei
voltando para eu ver se eu tinha alguma ideia de como ajustar isso, para
não ficar repetido, “resistente” e “em resistir”.
Figura 10: Micro UTs na Área de Interesse 4 (AOI_4) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
RR_5: Então, essa parte “a fact that has confounded physicists” me dei-
xou muito em dúvida porque eu queria apresentar uma coisa “que está
quebrando a cabeça dos cientistas ou dos físicos”, enfim.
78 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
RR_6: E eu não sei por quê eu escolhi botar “cientistas” ao invés de “phy-
sicists”. Não me vem o motivo.
Figura 11: Micro UTs na Área de Interesse 5 (AOI_5) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
80 esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...
Apesar de várias das edições ocorrerem em itens lexicais que veiculam codifica-
ções conceituais, percebe-se que Adam tem uma grande preocupação em esclarecer
o comportamento das folhas de papel amassado. E essa preocupação reveste-se
de esforço na construção de pistas comunicativas de natureza procedimental para
guiar o leitor do texto alvo em direção à intenção comunicativa do texto fonte. Nas
micro UTs [50] a [52], Adam retoma a tradução da AOI_4, retomando o problema
da tradução de “fact” e substitui “fato” por “aí está”. Somente então completa o
processamento da AOI_5 ao digitar “entretanto, já descreve...”. Adam parece fazer
um esforço de processamento adicional logo antes de traduzir o conector “though”
como “entretanto”. Essa tradução o incita a retomar a AOI_4 e a modificar a codi-
ficação conceitual “fact” por “aí está”, numa tentativa de reforçar a relação causal
que busca explicar o comportamento das folhas de papel amassadas. Não satisfeito,
Adam introduz o codificador conceitual “elucidar” na micro UT [97] em substituição
a “descreve”, numa tentativa de tornar mais explícita a metarrepresentação que
faz da tarefa tradutória. O relato retrospectivo de Adam sinaliza claramente esta
intenção comunicativa.
Figura 12: Micro UTs na Área de Interesse 6 (AOI_6) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
fabio alves 81
Figura 13: Micro UTs na Área de Interesse 7 (AOI_7) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
Figura 14: Micro UTs na Área de Interesse 8 (AOI_8) – colchetes indicam ordem no processo
tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.
RR_10: Então, o “Mylar” que é obviamente uma marca, então, assim como
a gente chama “fotocópia” de “xerox”, parece que esse “Mylar” é um tipo de
“filme de poliéster”. Então eu botei “folha de poliéster” e coloquei o termo
científico entre parêntesis, que eu encontrei no Babylon.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
semelhança interpretativa no texto alvo que guiem o leitor, por meio de pistas comu-
nicativas, na sua interpretação da intenção comunicativa veiculada pelo texto fonte.
Paralelamente, o estudo contribui para comprovar empiricamente pressupostos
formulados por teorias sobre expertise e desempenho experto, caracterizados por
comportamento autorregulatório e atividade metacognitiva. A análise de padrões de
recursividade observados na configuração de macro UTs, da habilidade de realizar ajustes
necessários nos níveis de processamento e da capacidade de reflexão consciente sobre
esses padrões recursivos demonstra como a tradução configura-se em termos de desem-
penho experto prototípico e contribui para reforçar o contruto teórico sobre expertise.
Ao fomentar a interação entre dois campos teóricos distintos, quais sejam, os
estudos sobre pragmática e sobre expertise, a análise qualitativa contribui ainda para
o desenvolvimento teórico das abordagens cognitivas da tradução. Após quase três
décadas de uma tradição de empréstimo interdisciplinar, o estado atual das pesquisas
processuais em tradução parece ter atingido a maturidade necessária para se firmar
com um arcabouço teórico próprio e também contribuir para o fortalecimento de
disciplinas afins, criando parâmetros bidirecionais nas trocas interdisciplinares.
Finalmente, do ponto de vista aplicado, a análise desenvolvida neste capítulo
contribui para avançar a proposta de Alves (2005) para que a formação de tradutores
dedique mais atenção aos componentes conceituais e procedimentais da linguagem,
com o objetivo de refinar a capacidade de metarrepresentação da tarefa tradutória
e, assim, incrementar a atividade metacognitiva de tradutores novatos.
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fabio alves 87
ANEXOS
ORIENTAÇÃO
[Start][•58.137][▼][▲]
REDAÇÃO
1. ••••Amassar•uma•folha•de•papel•parece•simples
2. •••••e•n”a◄◄ão•exige•muito•esforço
3. • • • • • • • ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ,
→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→.• Entretanto,•explicar•o•-
comportamento•
4. ••da•bola•de•papela•◄◄•amassado•
5. •••••••••é•outra•história.•
6. ••↑→→→→→→→→[Delete]
7. ••••↓
8. ••Quando•uma•bola•de•papel•é••◄amassada,•mais•de•75•◄%•de•s
9. •••••◄◄◄◄◄
10. •••←←←←←←←←←←←
11. ••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←
←←←←
12. [•49.006]→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
→ →→→→→→← [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete]
[Delete] [Delete][Delete][Delete]
13. ••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]U→→→→→→→→→
→→→→→→→→→→→→→→→→→[Delete]
14. ••←←←←←←←←←←[Delete][Delete]→→→→→→→→
15. •••••••possui•mais•de•75%•de•ar•em•sua•composição.
16. •••••
17. ••Apesar•disso,•
18. •••••a•b
19. •◄
20. ••◄◄ela•
21. ••••é•muito•resiste
22. •nte•
23. [•01:02.154][▼][▲]
24. ••••••◄◄,•mas[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete]↓←←←←←←←←←←←→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
→→→→→ →→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→↓←←←←←←←←←
→→→→→→
25. •→→◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄
26. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
→→ →→→→→→→→→→→[Delete]o
27. ••••••↓
28. •←←•
29. ••••••••é•
30. ••muito•resistente•e•
31. ••◄
32. •◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄
33. [•27.000]forte•e•
34. •res◄◄◄oferece•s◄resist\ê◄◄ência•ao•tenta◄◄◄◄◄◄◄◄
35. •••a•quem•tentar•
fabio alves 89
36. •amma◄◄assála•ainda•mais
37. ••••.•Esta•força•da•bola•de•papel•amassado•tem•
38. [•27.519]quebrado•a•cabeça•de•cientistas.•
39. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
40. •,•u
41. •◄◄◄m•◄◄,•
42. •••◄◄;•[Delete][Delete][Delete]e
43. ••••→→←←←[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]isto
44. •◄◄◄◄este
45. ••fato
46. ••••←←←←
47. ••→→→→→[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]é•um•quebracabeça•para•s◄os
48. •→→→→→→→→→→→→•Um•relato•na◄o•periódico•Physical•Review•Lete◄ters
49. •••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←
50. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
51. •→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→•◄→→[Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
52. •••ai•está•↓←←←,•entrenta◄◄◄tanto,•
53. •já•◄◄◄descreve•um•
54. •••a◄◄a•carace◄terística•do•comportamento•de•folhas•de•papel•amassados
55. •••◄◄
56. ••as.
57. ••••••◄
58. •••:•a•relaçaõ•en◄◄◄◄◄ão•entre•a•◄◄uma•mudançc◄a•no•tamanho•do•pael
◄◄pel•
59. •e•a•força•a•que•o•papel•
60. •é•sue◄jeita.
61. •••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←
←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←[Delete][Delete]
[Delete][Delete]→→→→→→→→→←←←←←←←←←[Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete]alteraçaõ◄◄ão→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→[Return]
[Return]
62. •••••••Uma•fola◄ha•fina•e•amassada
63. ••é,•essencialmente,•uma•massa•de•pontos•cônicos•entreligados•por•
64. [•29.854]sulcos
65. ••••••••em•for◄◄◄curva,•que•e◄armazenam•energia.•
66. •••••Ao•sue◄
67. ••◄◄aumentar•a•compressão•
68. ••do•papel,•estes•sulcos•
69. [•26.910]se•quebram•e•
70. •outros•sulcos◄◄◄◄◄◄menores•
71. •se•formam
72. •,
73. •••o•que•aumenta•a•quantidade•de•energia•am◄rmazenada•na•bola•de•papel.•
74. • • • • • • • • [ ▼ ] [ ▲ ] A m a s s a r • u [ D e l e t e ] → → → → → → → → → → → → → → [ D e l e t e ]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][De-
lete]→[Delete],→→→→→→→→→→→→→→→→→→←transformála•
em•↓←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←
75. •←←←←←←←←←←←←←←←[Shift+Left][Shift+Left] [Shift+Left] [Shift+Left] [Shift+-
Left] [Shift+Left] [Shift+Left][Shift+Left] curvados →→→→→→→→→ →→→→→→→→
→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
→→→→→→→→→
76. •↓→→→→→
77. ••Cientistas•da•|U◄◄Unice◄◄versidade•de•Chicago•apresentaram•um•mo-
del•◄o•da•relação•entre•a•força•de•compree◄ssão•e•o•tamanho•da•bola.•
78. ••••••••Os•pesquisadores•amassaram•uma•folha•fina•de•poli~◄´◄◄◄◄◄
79. [•27.598]poliéster•
80. •••••(boPET
81. ••••,•ou•filme•PET)•
82. •••••e•a•colocaram•dentro•de•um•cilindro•
83. ••equi
84. ••••••pado•com•o◄um•pistão
85. ••,•que•servia••para•◄◄◄◄◄◄para•amassar•a•folha.•
86. ••••A•folha•
87. •◄◄◄◄◄◄◄◄
88. ••••Mesmo•após•três•
89. ••semanas•de•compressão•pelo•pistão,•a•folha•de•poliéster•não•tinha•atingido•um
•tamnh◄◄anho•final
90. •,•e•continuava
91. ••a•diminuir.•
REVISÃO
92. [•29.422][▼][▲]
93. ••este•comportamento•tem•sido•
94. [•24.407][▼]
95. ••[▲][▼][▲]
96. ••[▼][▲][▼][▲]◄◄a•pesquisa•relatada•
97. [•27.674][▼][▲][▼][▲]tem•ajudado•a•e◄elci◄◄ucidar[Delete][Delete][Delete][De-
lete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]
[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]•
98. ••[▼][▲]
99. •◄◄•apresentando•
100. ••••[▼][▲],
101. [•57.566][▼][▲]
102. ••••••[▼][▲][Delete]
103. [•37.244][▼][▲],•em•seu◄guida,
104. •••••[▼][▲]
105. •••ainda•mais
106. [•27.953][▼][▲]atingu◄iu•
107. •[▼][▲][▼][▲]continuou
108. •••••••[Stop]
91
Fernando C. Capovilla
Wanessa Garcia
(Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo)
VISÃO GERAL
INTRODUÇÃO
tanto a falada quanto a de sinais, e tanto pelo surdo vidente quanto pelo surdocego.
Assim, inclui tanto a linguagem falada recebida por leitura orofacial visual ou tátil,
quanto a linguagem de sinais recebida por visão ou tato. O capítulo constitui um
breve mas incisivo desenvolvimento crítico de um vasto capítulo paradigmático
(Capovilla, 2011) que argumentou sobre a necessidade crucial de um novo paradig-
ma de processamento de informação linguística para analisar a linguagem falada,
escrita e de sinais, relevante à comunicação de ouvintes, deficientes auditivos,
surdos e surdocegos.
O termo VisEma foi cunhado por Fisher (1968) para representar o correspon-
dente visível do Fonema, correspondente visível esse que é usado para fazer a leitura
orofacial. O VisEma estaria para a recepção da fala por visão (i.e., a leitura orofacial)
assim como o FonEma está para recepção da fala por audição. Desde 1968, o termo
VisEma vem sendo amplamente empregado em todo o mundo nos estudos sobre
fernando c. capovilla | wanessa garcia 95
Figura 1: Ilustração de quatro pares mínimos de sinais lexicais que diferem em apenas um
dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos.
da mão, mas, sim, da face, do rosto. Por isso, consideramos que ela não pode ser
concebida como um parâmetro quirêmico (da mão), mas, sim, como um parâme-
tro simatosêmico (do sinal). O fato de que as unidades mínimas dos sinais podem
constituir diferentes propriedades das expressões faciais, e não necessariamente
diferentes propriedades de mãos (forma, local, movimento), constitui a prova cabal
da necessidade de substituir o termo QuirEma pelo termo SimatosEma-SignumÍculo
como unidade de sinalização, e o mais forte argumento para fazer essa substituição.
Por isso, consideramos o termo QuirEma como inadequado, impreciso e insufi-
ciente para representar a unidade mínima de sinalização, já que, pela sua composição
morfêmica, esse termo representa apenas a unidade mínima de mão, e não a unidade
mínima de sinalização propriamente dita. Para sinal um termo grego é σήματος ou
símatos; um termo latino é signum. Assim, este trabalho propõe que a unidade mínima
de sinalização seja designada como SimatosEma (do grego: σήματος ou símatos: sinal;
ημα ou ema: unidade mínima), ou como SignumÍculo (do latim: signum: sinal; -ículo:
unidade mínima). Por isso é que este trabalho propõe que as unidades mínimas de
sinalização sejam denominadas SimatosEmas ou SignumÍculos, em vez de QuirEma
já que essas unidades mínimas da sinalização não se reduzem às unidades mínimas
da mão. De fato, segundo o próprio Sotoke (1960), o sinal é composto não apenas de
mão(s), como também de expressões faciais que funcionam como unidades mínimas
capazes de distinguir entre sinais lexicais de um par mínimo.
A Figura 1, na quarta coluna, ilustra exatamente um desses pares mínimos de
sinais lexicais que diferem apenas em termos da expressão facial, já que as mãos são
idênticas nos dois sinais em termos de sua forma, de seu local, e de seu movimento.
De fato, comparando o sinal desculpar – desculpar-se – desculpa, com o sinal
prevenir – prevenir-se – prevenção, fica claro que esses sinais constituem um par
mínimo de itens lexicais sinalizados, sendo idênticos em tudo quanto aos QuirEmas
(forma de mão, local de mão, e movimento), e diferindo apenas em termos da expressão
facial (lábios protrudos em prevenir, mas face canônica em desculpar). Portanto,
a unidade mínima que diferencia entre esses dois sinais não está na mão, mas, sim,
no rosto. Ela não é um QuirEma, mas sim um MascarEma (do grego: μάσκα ou máska:
máscara; ημα ou ema: unidade mínima) ou um FisiognomEma (do grego: φυσιογνωμία
ou fisiognomia: expressão facial; ημα ou ema: unidade mínima); ou um PersonalÍculo
(do latim: persona, máscara; -ículo: unidade mínima); ou FacieVultÍculo (do latim: fa-
cies vultus: fisionomia; -ículo: unidade mínima). Usar o termo QuirEma (i.e., unidade
mínima de mão) para designar as diversas expressões faciais que distinguem entre
os sinais seria “forçar a mão” (i.e., um contrassenso), já que a expressão facial “está
na cara”, por assim dizer, e não na mão. É por isso que ela não é um QuirEma, mas um
MascarEma ou FisiognomEma; ou um PersonalÍculo ou FacieVultÍculo.
100 visemas, quiremas, e bípedes implumes
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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106 visemas, quiremas, e bípedes implumes
Nota: Dada a importância seminal deste capítulo para a área de pesquisa, segue
versão geral em inglês: The present chapter demonstrates the need to replace
two of the most important terms in the area of deaf language studies, which have
been broadly used since the decade of 1960. The term Chereme has been proposed
by Stokoe (1960) as the minimal unit of sign languages, by analogy with Phoneme
as the minimal unit of spoken languages. The term Viseme has been proposed by
Fisher (1968) as the minimal unit of visual reception of speech, by analogy with
Phoneme as the minimal unit of auditory of speech. The present chapter proposes
replacing the term Viseme with the term Phanerolaleme or Visibilislocuticulum. It also
proposes replacing the term Chereme with the term Simatoseme or Signumiculum,
since this new term contemplates not only all three parameters pertaining to the
hands (handshape, hand place, hand movement) for which the term Chereme may
be preserved, provided it be better specified, but also the parameter pertaining to
the facial expression. The present paper proposes adopting four terms for repre-
senting the four Simatosemes-Signumiculi parameters, namely: 1) Chereformemes-
Manumodusiculi for handshsapes; 2) Cheretoposemes-Manulocusiculi for hand
placements, 3) Cherekinesemes-Manumotusiculi for hand movements; and 4)
Mascareme-Personaliculum for facial expressions. The chapter discusses Cheremes
and Visemes as examples of the need to conduct a thorough etymology-based re-
vision of taxonomy in order to allow for implementing more sophisticated models
of experimental and statistical control designs.
107
1. INTRODUÇÃO
1
Sempre que nos referirmos a fala e sons vocais, podemos, em princípio, incluir a fala em sinais,
nas línguas de sinais adquiridas espontaneamente em caso de deficiência auditiva ou de convivência
com falantes dessas línguas.
2
É interessante observar que o sinal acústico da fala pode ser suplementado por informação
visual proveniente dos lábios do falante, como sugere o chamado efeito McGurk, (cf. McGurk, H. &
MacDonald, J. (1976). Hearing lips and seeing voices. Nature 264 (5588): 746-8); http://www.youtube.
com/watch?v=jtsfidRq2tw), ainda que essa informação não seja essencial ao processamento linguístico.
108 processamento linguístico e aquisição da linguagem
3
Entende-se por modelos, nesse contexto, representações teóricas de processos mentais con-
duzido na mente/cérebro, as quais apresentam as propriedades atribuídas (por hipótese) àqueles.
4
A metodologia mais tradicional e mais utilizada na pesquisa psicolinguística é a comportamen-
tal – utilização de tarefas a serem desempenhadas por falantes adultos e crianças. Respostas verbais,
respostas em forma de ação, o tempo de resposta, a direção e o tempo de fixação do olhar são os tipos
de dados de que a pesquisa psicolinguística usualmente dispõe. Mais recentemente, com a crescente
aproximação entre Psicolinguística e Neurociência Cognitiva, respostas eletrofisiológicas do cérebro
e/ou imagens do cérebro em atividade na execução de uma dada tarefa linguística também contribuem
para a criação, o refinamento ou a sustentação de teorias psicolinguísticas.
5
Propriedade daquilo que é passível de ser aprendido. Um modelo de língua comprometido com
aprendibilidade visa a apresentar as propriedades que fazem das gramáticas das línguas naturais algo
que pode ser aprendido ou identificado, naturalmente, ou seja, sem treinamento específico, mediante
inserção em uma comunidade linguística, por qualquer criança em condições normais.
letícia maria sicuro corrêa 109
6
Teorias linguísticas em geral e modelos formais de língua em particular não necessariamente
se propõem a caracterizar a gramática da língua como algo passível de ser naturalmente adquirido.
Esta é a preocupação central da Linguística Gerativista, particularmente na vertente chomskyana.
110 processamento linguístico e aquisição da linguagem
7
Os traços formais, equivalentes a símbolos (caracteres desprovidos de sentido, em linguagens
formais, de computação), são o que possibilita ao sistema computacional combinar elementos do léxico
de forma autônoma, ou seja, sem influência de outros sistemas cognitivos (ainda que estes possam ter
natureza semântica e venham a ser semanticamente interpretados nas interfaces). As propriedades
dos traços formais, identificadas no curso da aquisição da linguagem, são o que permite que operações
universais derivem expressões linguísticas de línguas específicas.
112 processamento linguístico e aquisição da linguagem
8
Este programa de pesquisa vem sendo delineado progressivamente em Corrêa, 2002; 2005;
2006; 2008.
letícia maria sicuro corrêa 113
Conceitos lexicais
Computação sintática
Léxico
Planejamento articulatório
Articulação
Esquema da compreensão
Integração
Léxico
Computação sintática
Parsing Lemas
Percepção
9
Lema: unidade de natureza essencialmente sintática vinculada a um conceito lexical, que se
caracteriza com uma “chamada para um procedimento” (Kempen & Hoemkamp, 1987). A esta cor-
responde o lexema, informação que especifica a forma fônica de uma entrada lexical (id idid), a qual é
particularmente sensível ao efeito de frequência de uso (Levelt, 1989).
10
O termo array, tomado emprestado da Ciência da Computação e usualmente traduzido como
“arranjo”, significa, basicamente, uma estrutura de dados simples, em que estes se apresentam dispostos
(ou arranjados) de uma dada maneira, como em linhas ou colunas. No caso de uma derivação linguística,
um array corresponde aos itens lexicais a serem combinados na construção da estrutura sintática de
uma sentença. Um subarray diz respeito a subconjuntos desses elementos.
116 processamento linguístico e aquisição da linguagem
11
O algoritmo que determina como se dá a seleção não é usualmente explicitado, uma vez que
as derivações são apresentadas para um dado tipo de sentença, a partir do conhecimento do linguista
que as propõe. No entanto, tal algoritmo é requerido para que o sistema computacional possa operar
automaticamente.
12
Estruturas hierárquicas (de c-comando assimétrico) características das línguas humanas (basi-
camente uma estrutura sujeito, verbo, complemento).
letícia maria sicuro corrêa 117
13
Esse processo pode envolver algo semelhante ao que tem sido concebido em termos de pensamento
para a fala (Slobin, 1996), por supor acesso a traços formais específicos de uma dada língua e é captado
em termos de atribuição de funções sintáticas em modelos inspirados no formalismo léxico-funcional
(cf. Bock & Levelt, 1994, por exemplo).
14
O ponto de vista veiculado é caracteristicamente o do falante. No caso de estruturas completivas,
contudo, este é alterado para o sujeito da oração principal (como em Maria pensa que está chovendo,
na qual a proposição “está chovendo” é verdadeira do ponto de vista do sujeito “Maria”).
118 processamento linguístico e aquisição da linguagem
CP (decl.)
TP
TP TP
15
Neste capítulo, não entraremos em detalhes sobre o que estaria envolvido nesse acoplamento,
em termos linguísticos. Para detalhes, ver Corrêa & Augusto, 2007; 2011.
letícia maria sicuro corrêa 119
VP
16
Essa solução assemelha-se à recuperação de uma árvore elementar como o TAG (Tree-Adjoining
gramar) (Joshi & Schabes, 1997).
17
O MINC apresenta soluções formais para essa distinção, levando em conta a necessidade de dar
conta da atribuição de papéis temáticos (cf. Corrêa & Augusto, 2007; 2011).
letícia maria sicuro corrêa 121
A produção de três tipos de relativas foi induzida: relativas de objeto (O) (Ex.:
objeto (Ex.: O campeão treinou este menino. O apresentador chamou para o palco
o menino...), de objeto indireto (OI) (Ex.: O pipoqueiro implicou com esta menina.
/ A psicóloga ouviu com atenção a menina...) e genitivas (GEN) (Ex.: O irmão dessa
menina pegou gripe. O taxista deixo na escola a menina...), em função do grau de
demanda imposta ao processamento – da menor para a maior, ainda que em todas
122 processamento linguístico e aquisição da linguagem
18
Chamamos de resposta-padrão aquela em que se mantém na oração relativa a função sintática
e papel temático do DP que apresenta o personagem a ser referido: O palhaço assustou essa menina.
/ A menina que o palhaço assustou; O palhaço falou com essa menina / A menina com quem o palhaço
falou. / A professora dessa menina viajou / A menina cuja professora viajou. No entanto, sabe-se que, no
português brasileiro, essas estruturas tendem a estar restritas a um registro formal/tenso, ou à língua
escrita, possivelmente diante de seu alto custo. O fato, contudo, de os participantes do experimento
serem estudantes universitários e de o experimento ter sido conduzido em laboratório da universidade
favorece o uso das estruturas que chamamos padrão, o que possibilita o teste das hipóteses formuladas.
letícia maria sicuro corrêa 123
19
O material e as Figuras 6 e 7 foram preparados por Renê Forster.
126 processamento linguístico e aquisição da linguagem
20
A atribuição de papel temático (agente) concomitantemente ao acoplamento do DP em posição
de sujeito decorreria do modo como o modelo concebe a inserção de um VP no esqueleto bottom-up
(cf. Correa & Augusto, 2007; 2011). Isso requer, contudo, o reconhecimento do verbo. No caso do
mapeamento imediato do DP sujeito ao referente agente, é necessário que se assuma que sujeito =
agente está vinculado à fixação do parâmetro de ordem como procedimento default ou que se assuma
um parsing em dois estágios, sendo a primeira passada estratégica, como sugerem Townsend & Bever
(2002). Esse ponto ainda não foi desenvolvido.
letícia maria sicuro corrêa 127
21
Um dos princípios universais para a aquisição da linguagem formulados por Slobin ainda na
década de 70 (Slobin, 1973) dizia “preste atenção ao final das palavras”. Note-se que esse princípio só
faz sentido se for assumido que o estímulo linguístico é percebido como informação de interface.
letícia maria sicuro corrêa 129
22
Diferentemente do paradigma tradicional, em que a criança ouve o estímulo verbal enquanto
olha para uma imagem abstrata em movimentos aleatórios em um monitor, apresentamos uma animação
com o desenho de uma menina falando. Constatamos anteriormente que o uso desta imagem acarreta
menor perda de participantes por desinteresse na tarefa ou desatenção, ao buscarem a fonte do som
(cf. Name & Corrêa, 2006).
letícia maria sicuro corrêa 131
experimentais com crianças da mesma faixa etária revelam ainda que a informa-
ção de ordem morfológica dos determinantes (variações em elementos de classe
fechada), proveniente de concordância, é tomada como inequívoca também com
relação a número no português (os dabos, os dabo), mesmo no português europeu,
no qual a forma flexionada do nome é requerida (Corrêa, Augusto, Ferrari-Neto,
2005; Castro et al., 2009). O modo como a informação de interface é representada
facilita a aquisição de formas invariantes em gênero como a criança, em número
como o/os pires, e revela que a computação sintática torna-se instrumental à
identificação das propriedades fundamentais da língua. Distinções formais menos
explícitas e/ou dependentes de distinções de ordem intencional (que pressupõe
desenvolvimento de habilidades pragmáticas e da teoria da mente) têm, por sua
vez, aquisição caracteristicamente mais tardia – como é o caso da aquisição de dis-
tinções pertinentes à referência genérica, definida\indefinida (Augusto & Corrêa,
2007; Corrêa, Augusto & Andrade-Silva, 2008). Por exemplo, atribuir unicidade da
referência ao artigo definido singular apresenta alta demanda e nem sempre é algo
observado, mesmo por adultos. Assim, quando se diz que o gato beijou a formiga,
escolher o ambiente em que há apenas uma formiga em contraste com outro em
que há mais de uma formiga é uma tarefa difícil mesmo além dos 7 anos de idade
(Morabito & Rubinstein, 2009).
No que diz respeito à condução da computação on-line, assume-se que as
operações computacionais (FLE) estão disponíveis para uso uma vez que traços
formais estejam identificados. Logo, no que diz respeito a movimento, a criança
tem apenas de identificar os elementos que o admitem na língua em questão (por
exemplo, se a língua admite QU movido exclusivamente (o que Maria viu?), como
supostamente no inglês, ou apenas in situ (Maria viu o que?), como no chinês, ou
ainda se a língua admite ambas as possibilidades, com condicionantes discursivos,
como no português). A partir daí, o que a criança terá de desenvolver são estratégias
de otimização dos recursos de memória para conduzir a operação de forma efetiva.
Esse processo pode ser custoso. Crianças com problemas de linguagem, por exemplo,
mostram-se particularmente vulneráveis às demandas impostas pelo processamento
de interrogativas e relativas de objeto e de passivas como verbo animado (Corrêa &
Augusto, 2011b; 2011c). Assim sendo, o MPAL, aliado ao MINC, apresenta explicações
e previsões que se aplicam à identificação de traços formais e ao desenvolvimento
de habilidades de processamento diante de demandas específicas.
132 processamento linguístico e aquisição da linguagem
PARA FINALIZAR
23
O Laboratório de Psicolinguística foi instituído em espaço físico minimamente adaptado para o
desenvolvimento de pesquisas experimentais com adultos, no início dos anos 90. A pesquisa em aquisição
da linguagem com crianças a partir dos dois anos de idade vinha sendo conduzida em creches/escolas desde
1986, quando da inauguração da linha de pesquisa em processamento e aquisição da linguagem na PUC-Rio.
letícia maria sicuro corrêa 133
24
O desenvolvimento dessa linha de pesquisa contou a colaboração de Celia Jakubowicz, do então
Laboratoire de Psychologie Expérimentale (Université René Descartes). Em consequência do desenvolvimento
dessa linha de pesquisa, vimos desenvolvendo o MABILIN (Módulos de Avaliação de Habilidades Linguísticas)
para a avaliação de habilidades linguísticas de crianças em idade escolar, a ser disponibilizado à clínica.
134 processamento linguístico e aquisição da linguagem
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Marcus Maia
(LAPEX/UFRJ e CNPq)
1. INTRODUÇÃO
A cognição da sintaxe no interior das palavras é uma importante questão que vem
sendo intensamente investigada há cerca de 40 anos em Psicolinguística. Diferentes
propostas de arquitetura de processamento de palavras têm sido feitas ao longo
dessas quatro décadas de pesquisa, podendo-se opor, em grandes linhas, de um
lado, os modelos “baseados em regras” aos modelos que, por outro lado, propõem
que não haja regras computacionais explícitas, no acesso lexical, mas padrões de
ativação “em redes”. Entre esses dois grandes tipos de modelos que, em si mesmos,
já apresentam uma gama extremamente diversificada de variações de arquitetura,
encontram-se modelos mistos ou duais, que também vêm em diferentes sabores.
A literatura discute, portanto, o acesso lexical no reconhecimento de palavra
em torno de três tipos fundamentais de modelos: em um dos extremos, os do tipo
Full Listing ou Listagem Plena (e.g., Butterworth, 1983), de acesso lexical direto,
top-down, em que o significado das palavras é acessado na íntegra, no léxico onde
estão armazenadas, sem que se opere qualquer operação prévia de decomposição
morfológica; no outro extremo, os modelos estruturais bottom-up ou de Full Parsing
1
O estudo foi apresentado no The Ohio State University Congress on Hispanic and Lusophone
Linguistics, nos EUA, em 27 de abril de 2012 e, também, no Encontro do GT de Psicolinguística, durante
o XXVII ENANPOLL, realizado na UFF, entre 11 e 13 de julho de 2012.
144 jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense
ou computação plena (e.g., o de Affix-Stripping2, de Taft, 1979; Taft & Forster, 1975,
1976; Forster, 1979), que preveem o armazenamento, em separado, de raízes e afixos,
implicando a decomposição da palavra no acesso lexical. Finalmente, a meio caminho
entre os dois modelos, situam-se as arquiteturas de dupla rota, ou duais, exemplifi-
cadas seja pelos modelos que admitem tanto a existência de acesso direto a palavras
familiares quanto a via da decomposição de palavras desconhecidas (Caramazza
et al., 1988), seja por modelos que optam pela “tendência” à decomposição quando
a relação semântica entre afixos e raiz é transparente (Marslen-Wilson et al., 1994);
ou, ainda, pela decomposição de formas regulares, por um lado, e acesso direto a
formas irregulares da língua, pelo outro (Pinker, 1991).
Em português brasileiro, Maia, Lemle & França (2007) reportaram um expe-
rimento de rastreamento ocular de palavras e outro baseado no chamado efeito
Stroop, realizados para investigar se a decomposição morfológica é uma propriedade
fundamental do processamento lexical na leitura de palavras isoladas. Os autores
apresentaram evidências de que, durante a leitura, as palavras seriam derivadas
morfema a morfema, embora tenham proposto que heurísticas globais da visão
também atuariam simultaneamente. Foi feito o rastreamento ocular da leitura de
palavras pertencentes a três grupos, a saber: (i) palavras como, por exemplo, malinha
ou baleiro, em que os morfemas -inha e -eiro estão concatenados a palavras (mala e
bala), havendo transparência semântica entre a palavra complexa e a base da qual ela
é derivada; (ii) palavras como vizinha ou madeira, em que há apenas uma coincidência
ortográfica com a forma dos morfemas (pseudomorfemas); e (iii) palavras como
caninha e copeiro, formadas por concatenação de um morfema a uma raiz, situação
em que o significado da palavra é arbitrário e a leitura é dada na enciclopédia, sem
transparência semântica. Os resultados indicaram maior atividade ocular (fixações
e movimentos sacádicos) na condição com morfemas com leitura composicional do
que nas condições com pseudomorfemas e com morfemas que determinam leitura
arbitrária. Ao contrário do que se realizou no estudo que se reporta no presente
artigo, Maia, Lemle & França (op. cit.) não testaram, no entanto, o processamento
de pseudopalavras nem compararam a leitura de palavras mono e polimorfêmicas.
França, Lemle, Gesualdi, Cagy & Infantosi (2008), por outro lado, compararam
palavras mono e polimorfêmicas em um estudo de acesso lexical estimulado por
priming auditivo com aferição de potenciais cerebrais relacionados a eventos (ERP),
2
O modelo Affix-stripping será mais tarde revisado por Taft (1994), passando a admitir que as
operações de decomposição do modo default possam ser atenuadas pela sua frequência.
marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 145
3
Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ,
em 2009, sob a orientação de Marcus Maia e co-orientação de Aniela I. França.
146 jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense
4
Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, em
2010, sob a orientação de Miriam Lemle, com co-orientação de Marcus Maia.
marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 147
através das quais as palavras são computadas. A Lista 1 é formada pelas unidades
sobre as quais a sintaxe opera no nível sublexical, a saber, traços morfossintáticos
e previsões para a inserção de raízes. A Lista 2 é o vocabulário, onde se fornecem
as formas fonológicas para os nós terminais da sintaxe/morfologia e se apresen-
tam as conexões entre os traços fonológicos e sintáticos. A Lista 3, conhecida com
Enciclopédia, é responsável pela listagem das raízes específicas em um dado domínio
sintático. Trata-se, portanto, de um modelo que propõe um mecanismo gerativo
único – a mesma sintaxe supralexical atua no nível sublexical. Nesse sentido, estu-
dos como os quatro trabalhos sobre o português brasileiro, resenhados acima, que
apresentam diferentes tipos de evidências experimentais (rastreamento ocular, EEG,
priming encoberto, priming aberto), demonstrando o papel significativo da morfo-
logia no reconhecimento de palavras, têm encontrado, no modelo da Morfologia
Distribuída, um quadro teórico adequado para explicar os seus achados.
No presente estudo, dá-se mais um passo, no lado comportamental desse
programa de pesquisa, registrando-se tempos de fixação e movimentação sacádica
na leitura de palavras isoladas, distribuídas em quatro grupos: palavras e pseudo-
palavras mono e polimorfêmicas, em experimento de rastreamento ocular com
tarefa de decisão lexical.
2.500
2.600
2.000 2.150
2.030
1.500 MONO
1.600
POLI
1.000
500
0
PALAVRA PSEUDO
Gráfico 1: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os
monomorfêmicos.
2.500 2.620
1.500 MONO
1.640
POLI
1.000
500
0
PALAVRA PSEUDO
Gráfico 2: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os
monomorfêmicos.
0
PALAVRA PSEUDO
5 5,73
4,77
4
4,11 MONO
3,84
3
POLI
2
0
PALAVRA PSEUDO
Tabela Geral: TFD (ms.), FC (fixações) e Decisão Lexical (S/N), por palavra.
Decisão Decisão
Stimuli Eye tracking Lexical Stimuli Eye tracking Lexical
Listas (%) Listas (%)
TFD TFD
FC S N FC S N
(ms.) (ms.)
Alcachofra 2.030 4,6 29 3 Chelonabe 1.830 4,6 7 25
Md: 1.640 3,84 94,53 5,47 Md: 2.074 4,77 14,84 85,16
Md: 2.145 4,11 98,44 1,56 Md: 2.616 5,73 42,97 57,03
PM 94,53 5,47
PP 98,44 1,56
NM 14,84 85,16
NP 42,97 57,03
3. CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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Apresento, neste capítulo, a pesquisa desenvolvida por mim e por meus orientan-
dos no NEALP – Núcleo de Estudos em Aquisição da Linguagem e Psicolinguística – da
Universidade Federal de Juiz de Fora. A pesquisa em psicolinguística teve início em 2003,
quando cheguei à UFJF, como bolsista PRODOC/CAPES. Em 2006, foi criado o Grupo
de Pesquisa em Aquisição e Processamento da Linguagem, cadastrado no Diretório
de Grupo de Pesquisa do CNPq. Em 2007, junto com a criação do Programa de Pós-
Graduação em Linguística1, foi constituído o NEALP, que, desde 2009, conta com mais
uma pesquisadora e orientadora – a Professora Luciana Teixeira, da mesma Universidade.
Ao longo desse percurso, temos uma tese de doutorado concluída e várias em anda-
mento; treze dissertações concluídas e várias em andamento; ainda, mais de dezessete
bolsistas de Iniciação Científica já passaram pelo NEALP. Recentemente, a chegada de
mais uma pesquisadora – Professora Mercedes Marcilese – veio fortalecer a equipe.
Os primeiros trabalhos focalizaram a aquisição lexical, particularmente, identifi-
cação de nomes e adjetivos por crianças brasileiras. Foram investigadas propriedades
prosódicas, morfofonológicas e sintáticas de sintagmas determinantes contendo
itens das categorias N(ome) e ADJ(etivo). Paulatinamente, a pesquisa foi se voltando
também para o processamento adulto, investigando o acesso lexical. Como será
visto, a prosódia foi ganhando papel de relevo na pesquisa.
O capítulo desenvolve-se da seguinte forma: na próxima seção, faço um levan-
tamento de problemas que os elementos das categorias lexicais N(ome) e ADJ(etivo)
podem apresentar tanto para a criança adquirindo o português brasileiro (PB), quanto
para o adulto processando essa língua. Na seção seguinte, apresento o referencial
teórico que norteia nossa pesquisa. Nas seções 3 e 4, serão vistos os trabalhos de-
senvolvidos, referentes à aquisição e ao processamento adulto, respectivamente2 .
1
O PPG Linguística da UFJF nasceu da área de concentração em Linguística do antigo PPG Letras,
curso criado em 1989.
2
Os estudos apresentados nessas e em outras seções do artigo obtiveram aprovação do Comitê
de Ética em Pesquisa com Humanos da UFJF e tiveram fomento do CNPq, FAPEMIG e CAPES.
156 a interface sintaxe-prosódia no processamento...
1. NOMES E ADJETIVOS NO PB
3
Baker (2003) diverge dessa proposta, defendendo que ADJ é uma categoria distinta, presente nas
línguas naturais estudadas. Para isso, apresenta uma série de argumentos de natureza morfossintática.
O autor considera que o sistema de traços que define as categorias lexicais não está bem integrado
ao framework gerativista, já que os traços categoriais e seus valores pouco ou nada interagem com
princípios ou com o modo de funcionamento do sistema como um todo.
maria cristina name 157
com alteração ou não de sentido (Neves, 1999). Além dos casos de “deslizamento”
semântico de uma categoria a outra, como visto acima, há também homófonos de
categorias distintas (p.ex., barata – N ou ADJ; segura – ADJ ou V).
Dessa forma, não parece haver um padrão fônico ou posicional que seja sufi-
cientemente robusto para permitir a distinção entre nomes e adjetivos no portu-
guês. Assim sendo, um modelo de aquisição de língua que considere unicamente
informações presentes nos enunciados linguísticos não conseguiria dar conta da
identificação desses elementos e de sua classificação nas categorias lexicais N e
ADJ pela criança. Porém, a hipótese inatista sozinha não explica como a criança
adquire a língua de seu meio. Veremos, na próxima seção, que a conciliação entre
teoria linguística e modelo de processamento pode ajudar a resolver esse impasse.
Uma fonte de informação passível de ser explorada pela criança diz respeito à
distribuição estrutural, i.e., a posição constante de determinados itens na estrutura
de sintagmas e orações. Itens funcionais tendem a aparecer na fronteira de um sin-
tagma, ao passo que itens lexicais costumam aparecer na fronteira oposta, revelando
uma distribuição complementar. No inglês, Waxman e colaboradores (Waxman,
1999; Balaban & Waxman, 1997) encontraram evidências de que a apresentação
de um objeto acompanhada de sua nomeação a partir de um DP (Det. + N) facilita
a categorização do objeto por bebês americanos, ao passo que a apresentação de
objeto acompanhada de estímulo não linguístico, ou ainda sem nenhuma apresen-
tação verbal não leva à categorização.
Em português, determinantes ocorrem na fronteira esquerda, seguidos de nomes,
mas também podem ser seguidos de adjetivos, como já vimos. A questão, então, é se
isso dificultaria o mapeamento da palavra imediatamente após o determinante como N
por crianças adquirindo o PB. Almeida (2007; Almeida, Silva & Name, 2006) apresentou
maria cristina name 159
outras crianças, dessa vez adicionando sufixos nos adjetivos (“uma flor/coisa faposa”).
As crianças não tiveram dificuldade em relacionar o novo adjetivo à propriedade do
objeto, mesmo na condição Nome Vago. Assim, a marca morfofonológica caracte-
rística da categoria ADJ parece facilitar a identificação de elementos dessa categoria.
No processamento adulto, Lawall (2008; Lawall & Name, 2010, 2008a, 2008b)
avaliou o peso da posição do item no DP, focalizando o contraste direto entre elementos
temporariamente ambíguos podendo pertencer às categorias N ou ADJ. Em tarefa de
leitura automonitorada, adultos reconhecem como N o item imediatamente após D,
privilegiando a ordem canônica do PB. Sentenças contendo, p.ex., “um deserto planeta”
foram lidas mais lentamente do que aquelas contendo “um planeta deserto”, sugerindo
um efeito de garden path, i.e., “deserto” foi tomado por N no primeiro DP e, diante de
“planeta”, o leitor teve de replanejar a estrutura sintática. Tal efeito parece ser sensível
à frequência do adjetivo em posição anteposta. Alguns adjetivos, como “brilhante” em
“um brilhante relógio”, não levaram a um tempo de leitura significativamente maior.
O uso de pistas prosódicas no processamento adulto tem sido foco de vários
estudos, sobretudo a partir do texto seminal de Fodor (2002) destacando sua impor-
tância para a área. Diversos trabalhos, em diferentes línguas, discutem a informação
prosódica no processamento de sentenças (para revisão, ver Maia & Finger, 2005).
Araújo (2012) avaliou o papel da prosódia na desambiguação de sentenças Garden
Path. Manipulando os contornos prosódicos dos segmentos, a autora criou condições
experimentais que apresentavam ou não incongruência entre a estrutura sintática e a
prosódica. Por exemplo, a sentença “Enquanto a mulher acordava os filhos faziam seu café”
foi apresentada aos participantes da atividade com o contorno prosódico congruente:
162 a interface sintaxe-prosódia no processamento...
ou incongruente:
b) Enquanto a mulher acordava os filhos (I) faziam seu café
Alves (2010; Alves & Name, 2009; 2010) também focalizou a fronteira de sintagma
fonológico, investigando seu papel na restrição do acesso lexical, comparando-a com
fronteira de palavra prosódica. Com base em Christophe e colaboradores (2004), para
o francês, o autor preparou um experimento de decisão lexical com adultos, em que
uma palavra concorrente à palavra alvo poderia ser temporariamente ativada se uma
dada fronteira prosódica não fosse suficiente para bloqueá-la. Vejamos os exemplos:
g) 1. O jornalista citou [o gol ω final] ϕ marcado por Ronaldo nesse jogo. (golfe)
2. O jornalista citou [o gol ω roubado] ϕ com que o time ganhou a Copa.
(*golr...)
Nas sentenças (1), a palavra alvo gol é seguida por uma fronteira prosódica e uma
palavra iniciada pela sílaba “fi”. Se essas fronteiras não demarcarem claramente o final
de palavra, o acesso à palavra alvo “gol” pode ser afetado pela competição da palavra
“golfe”. Como controle, foram criadas as sentenças (2), em que nenhuma palavra do
português é formada pela junção da palavra alvo e a sílaba inicial da palavra seguinte.
Alves verificou que a palavra alvo foi rapidamente acessada nas condições
(g.2) e (h.2), em que não havia palavra competidora, assim como na condição
(h.1). A fronteira de sintagma fonológico após a palavra alvo parece ter bloqueado
o acesso à sua concorrente, que não foi ativada e, portanto, não atrasou a decisão
lexical. Por outro lado, foi verificado um tempo de resposta alto para a condição
(g.1), sugerindo que a fronteira de palavra prosódica não teria impedido a ativação
da palavra competidora, atrasando o acesso à palavra alvo.
No que se refere ao processamento adulto, portanto, nossas pesquisas apon-
tam que, em tarefa de leitura automonitorada, adultos reconhecem como N o item
imediatamente após D, privilegiando a ordem canônica do PB (Lawall, 2008; Lawall
& Name, 2010; 2008a,2008b). Mas a prosódia parece ser uma fonte de informação
robusta quando acessível. Diante de sentenças temporariamente ambíguas, em que
um elemento (a) pode ser tomado como complemento do verbo da oração relativa ou
sujeito da principal; (b) pode pertencer a diferentes categorias lexicais; ou (c) pode
ativar mais de um item no léxico mental, propriedades tais como duração vocálica,
intensidade e frequência fundamental, relativas a fronteiras prosódicas (de sintagma
fonológico e entoacional), são usadas por falantes nativos do PB na desambiguação
(Alves & Name, 2009, 2010; Araújo, 2012; Name & Silva, 2009; Silva, 2009; Silva &
Name, 2012). Vale a pena ressaltar que algumas dessas atividades foram aplicadas a
aprendizes adultos do PB como língua estrangeira, que não foram capazes de usar
tais pistas prosódicas (Araújo, Silva & Name, 2012; Name & Silva, 2009).
164 a interface sintaxe-prosódia no processamento...
PARA CONCLUIR
Neste capítulo, apresentei a pesquisa que vem sendo desenvolvida por mim e
meus orientandos, desde antes da constituição do NEALP, relativa à aquisição lexical
por crianças brasileiras e ao reconhecimento lexical e processamento sintático por
falantes/ouvintes adultos brasileiros. Nosso foco foi os elementos das categorias
lexicais N e ADJ por apresentarem uma série de características que poderiam
dificultar sua aquisição/reconhecimento. De modo geral, vimos que a ordem dos
constituintes (no DP ou na sentença), marcas morfofonológicas e determinadas
fronteiras prosódicas (de sintagma fonológico e de sintagma entoacional) parecem
ser informações robustas usadas por crianças e adultos brasileiros nessas tarefas.
Além dos já apresentados, outros estudos conduzidos no NEALP contribuem
para um melhor entendimento do processo de aquisição lexical e do processamento
adulto. Quanto ao primeiro, alguns trabalhos investigam a sensibilidade de bebês
aos determinantes do PB e seu papel na identificação de categorias lexicais, assim
como a sensibilidade à ocorrência de dependências não adjacentes no âmbito do DP
(Faria, 2005; em andamento; Laguardia, em andamento; Teixeira, 2012; Teixeira, em
andamento; Uchôa, em andamento; Name, Shi & Koulaguina, 2011). Em relação ao
segundo, aprofundamos o papel da prosódia no parsing, investigando em que medida
essa informação pode ser usada por falantes/ouvintes nativos nas etapas iniciais do
processamento linguístico (Araújo, 2012; em andamento; Silva, em andamento).
É importante ressaltar a pesquisa conduzida por Luciana Teixeira e suas orien-
tandas no NEALP desde 2009. Inicialmente, a pesquisadora deu continuidade à sua
tese de doutorado, investigando o papel da marca morfofonológica de gênero do
adjetivo para o estabelecimento da referência definida (Costa, 2010; Costa & Teixeira,
2011; 2012; Teixeira, 2009; 2011). Atualmente, focaliza a relação língua e Teoria da
Mente, avaliando em que medida crianças são capazes de conduzir um raciocínio
de primeira/segunda ordem, com base em sentenças completivas e em sentenças
sem encaixamento sintático, minimizando as demandas cognitivas e linguísticas que
possam afetar a capacidade dessas crianças de conduzirem esse raciocínio (Alves,
2011; Silva, 2012, em andamento; Silva, Almeida & Teixeira, 2012). Ainda, a entrada
da Professora Mercedes Marcilese para o quadro de docentes da Universidade, do
PPG Linguística e do NEALP vem fortalecer a equipe e ampliar as frentes de pesquisa.
A pesquisa psicolinguística no NEALP, portanto, explora a interface entre língua
e sistemas de desempenho, entendendo a aquisição e o processamento de uma
língua como processos contínuos, dependentes tanto de propriedades inerentes às
línguas naturais quanto de habilidades perceptuais e computacionais, linguísticas e
não linguísticas da mente humana (Name & Teixeira, 2012).
maria cristina name 165
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maria cristina name 167
1. INTRODUÇÃO1
There are many organism internal factors, […], that impose practical
limits on the usage of the [linguistic] system. For example, lung capa-
city imposes limits on the length of actual spoken sentences, whereas
working memory imposes limits on the complexity of sentences if they
are to be understandable.
1
A pesquisa relatada neste artigo obteve financiamento da FAPEMIG – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais.
170 aspectos atencionais da linguagem
Eric joga futebol na quadra do clube. Eric joga futebol na quadra do clube.
Phillip pediu a Eric para irem Eric pediu a Phillip para irem
juntos para o treino. juntos para o treino.
Phillip pegou Eric de carro depois do jantar. Eric pegou Phillip de carro depois do jantar.
Ele joga futebol há dez anos. Ele joga futebol há dez anos
Outro candidato natural para a investigação das relações entre língua e memória e
atenção é o nosso alvo: o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um dos problemas de de-
senvolvimento mais prevalentes na infância, atingido aproximadamente 10% das crianças
em idade escolar. A presença do transtorno frequentemente prejudica o desempenho
escolar das crianças portadoras e habitualmente cria dificuldades de integração e socia-
lização que geram prejuízos não só escolares, mas também para a vida afetiva da criança.
maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 175
Segundo Swanson et al. (2000:45), nos Estados Unidos, onde estatísticas mais
precisas estão disponíveis, cerca 6% dos meninos e 1.5% das meninas receberam
esse diagnóstico na década de 1990. Apesar da falta de números precisos, também
no Brasil, o TDAH é, sem dúvida, um dos transtornos mais frequentes.
O TDAH é, em geral, diagnosticado a partir dos 6 ou 7 anos de idade, quando
os sintomas do transtorno muitas vezes começam a atrapalhar a vida escolar e
social da criança. O diagnóstico é essencialmente clínico, realizado com base nos
critérios de diagnósticos, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV TR), e no relato das pessoas que convivem de maneira próxima
com as crianças, como pais e professores. É comum haver melhora ou até desapa-
recimento dos sintomas do TDAH na idade adulta, mas eles podem se estender por
toda a vida do paciente.
Segundo o DSM-IV, duas classes de sintomas devem ser levadas em consideração
na avaliação da criança: 1. sintomas de inatenção e 2. de hiperatividade/impulsividade.
Para cada classe, são listados 9 sintomas, mostrados no quadro abaixo.
Inatenção Hiperatividade
Parece não escutar a fala que lhe é dirigida Corre ou sobe nas coisas nos momentos
inapropriados
Tem dificuldade em organizar tarefas Está sempre ativo, parece ter muita energia
É distraído por estímulos estranhos ao que Tem dificuldade de esperar seu turno de fala
está fazendo no momento
2
O tratamento padrão atualmente é o uso de drogas estimulantes, sobretudo a Ritalina, ao lado
de psicoterapia.
maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 177
Além do mais, segundo Tannock (2005: 47), como esse tipo de teste baseia-se
preferencialmente em unidades curtas, como palavras e sentenças, é possível que
sejam insensíveis a problemas de processamento textual e discursivo. É possível,
portanto, que um bom desempenho nos testes mascare outros problemas linguísti-
cos, assim como é possível que um mau desempenho possa ser indicativo de outros
problemas que não propriamente linguísticos.
A segunda linha de investigação volta-se para as capacidades pragmáticas das
crianças, por exemplo, estudando as suas produções de textos narrativos (Renz,
Lorch, Milich, Lemberger & Bodner, 2003; Purvis & Tannock, 1997; Kim & Lee, 2009).
Muitos trabalhos chegaram à conclusão de que narrativas produzidas por crianças
com TDAH indicam que elas têm dificuldade em organizar globalmente os textos,
assim como apresentam mais disfluências, ambiguidades e um menor índice de
automonitoração e reparo de erros do que nas narrativas produzidas por crianças
com desenvolvimento normal.
Em resumo, os trabalhos citados são unânimes em afirmar que crianças com
TDAH apresentam mais problemas pragmáticos do que com aspectos estruturais
da língua. É interessante notar que os textos da criança com TDAH são sempre des-
critos como “ambíguos e disfluentes” (Tannock, 2005), porém a maioria deles não
detalha o que se quer dizer por disfluência. A disfluência é descrita apenas como uma
dificuldade de manter o tópico e de organizar apropriadamente um texto, quer oral,
quer escrito. É de se esperar que a falta de habilidade com algum aspecto estrutural
da linguagem seja, em um exame detalhado, responsável por essas características.
Nas tentativas de descrição dos padrões linguísticos de crianças com TDAH,
falta, com frequência, relacionar os padrões encontrados às causas do TDAH. Isto é,
a depender do que provocaria o transtorno, poderíamos traçar hipóteses sobre como
a língua iria se comportar. Infelizmente, as causas do TDAH não foram ainda esta-
belecidas com precisão e, apesar de haver trabalhos relacionando o transtorno com
funcionamentos de áreas específicas cerebrais (especialmente os lobos pré-frontais),
ainda não é possível ligar TDAH com danos cerebrais ou com condições neurológicas
bem estabelecidas (Lobo & Lima, 2007). O que temos são dois modelos psicológicos
que creditam o transtorno a problemas com o módulo executivo central, responsável
por manter a atenção e pela memória de trabalho. Os modelos divergem porque um
deles propõe que o transtorno é gerado por uma dificuldade de inibição de distrações
(Barkley, 1997), enquanto o outro acredita que uma capacidade diminuída da memória de
trabalho é a fonte do problema (Rapport et al., 2008) (Rapport et al., Working memory
as a core deficit in ADHD: Preliminary findings and implications, 2008). Cada modelo
permite fazer previsões diferentes sobre como o TDAH se refletiria na língua. Mas,
antes de tentarmos essas previsões, é importante dar uma olhada mais cuidadosa em
cada modelo. Mas, antes, precisamos definir melhor atenção e os módulos envolvidos.
178 aspectos atencionais da linguagem
longo de uma tarefa. São especialmente necessárias quando temos de manter o foco
em uma atividade repetitiva ou monótona, por um tempo razoavelmente prolongado.
4. MATERIAIS E MÉTODOS
3
Ambda é a sigla para Ambulatório de Déficit de Atenção, uma clínica especializada, formada por
psiquiatras, neurologistas, psicólogos e fonoaudiólogos que atendem apenas pacientes com suspeita
de TDAH no Hospital das Clínicas da UFMG.
4
A escolha dessa faixa etária justifica-se pelo diagnóstico de TDAH só poder ser feito com certeza
a partir dos 7 anos de idade e também para garantir que os participantes já estivessem alfabetizados e
familiarizados com o tipo de tarefa que lhes foi solicitada.
182 aspectos atencionais da linguagem
Cada participante realizou, então, quatro tarefas: 1. contou uma história após
ter visto todos os quadrinhos que a compõem; 2. contou uma história ao mesmo
tempo em que ia vendo os quadrinhos que a compõem; 3. desenvolveu o final de
uma história, a partir da apresentação de um filme curto de animação; e 4. produziu
uma narrativa de cunho autobiográfico.
A distinção na execução das tarefas 1 e 2 teve o objetivo de possibilitar a ob-
servação tanto de um processamento global, na perspectiva da apresentação pelo
participante de um produto final, quanto de aspectos do processamento online da
produção de uma história. Como já informado, os quadrinhos que compõem cada
uma das histórias estão dispostos em sequência, em uma apresentação de Power
Point. Nas duas tarefas, os sujeitos tiveram o controle, por meio do teclado do
computador, para passarem de um quadrinho ao seguinte, à medida que sentiram
que estavam prontos relativamente à compreensão do conteúdo dos quadrinhos.
O tempo gasto pelos sujeitos para compreensão de cada quadrinho não foi consi-
derado nesta pesquisa.
5. RESULTADOS
Figura 1: Tamanho médio das narrativas por grupo. Crianças com TDAH produziram nar-
rativas significativamente mais curtas.
Dada essa diferença no tamanho médio das narrativas, para sabermos se existe com-
portamento distinto entre os dois grupos na escolha de uma ou outra forma referencial,
foi preciso, então, comparar o emprego de diferentes formas referenciais proporcional-
mente ao número de palavras utilizadas por cada grupo de sujeitos em suas narrativas.
Figura 2: O discurso das crianças com TDAH tem menor densidade de expressões de con-
teúdo em geral, comparado com o grupo controle.
184 aspectos atencionais da linguagem
Figura 3: Crianças com TDAH utilizam mais pronomes e menos expressões nominais do que
crianças com desenvolvimento típico.
Uma ilustração pode ser bastante útil para deixar claro quais diferenças en-
contramos. Uma das tarefas solicitadas às crianças era a contar uma história em
quadrinhos simultaneamente a sua leitura. O fragmento inicial dessa história é
apresentado em seguida:
maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 185
Os dois primeiros excertos abaixo são a transcrição da história como contada por
duas crianças com TDAH, enquanto o terceiro fragmento é de uma criança de mesma
idade com desenvolvimento típico. As expressões referenciais estão em negrito.
Compare-se a opção por pronomes e descrições nominais entre os dois grupos,
especialmente no que diz respeito à introdução de referentes, além da mudança
de tópico.
Exemplo 1 (Criança com TDAH):
não não? o chico bento ele está vendo o ::: o moço (__) (4,0) aí ele vai
(1,5) pra fazer alguma coisa e vai pegar:: (...) uma laranja (2,0) e aí o moço
acorda e:: (...) pega ele (…) e :::: (...) e pega ele aqui :: ele está descendo
ele pra ele não pegar as sua laranjas (1,5) e joga lá no :: (2,0) chão outro
menino também tenta pegar uma laranja (…) vai pro pomar (...) aí :: ele
descobre que ele está indo e pega ele (__) chão o outro também tenta
mas (___) (___) (___) (...) e ele serra a:: perna (23,0) o chico bento
lança uma corda para ver se consegue pega::r (...) uma laranja (…) aí ele
acorda e (2,0) puxa a corda (2,0) (___) (__)(_______) tenta pegar
(...) uma laranja mas o cachorro começa aí ele chama o cachorro e o
cachorro começa a correr atrás dele (1,5)
os menino tava tentando pegar umas frutas na árvore e ele não deixava
que ele tava dormindo (...) que se caí na cabeça dele a fruta ele tava
dormindo ele corto a escada que ele tentou ai o menino pegou uma
cadeira tentou ir (...) com carrim de rolimã e o menino amarrado sobe
a corda tentando tipo pular assim pra pegar a fruta (...) e o outro tentou
pegar também subir na galha mas ele empurrou ele ele foi pra longe...
186 aspectos atencionais da linguagem
o chico bento vê:: o:: dono (...) dum pê de goiaba durmindo ele (...) é está:
planejando ir pegar a goiaba ele vai indo (1,5) eh em em silêncio(...) ele dá
um salto pra pegar uma goiaba (...) ele (...) é agarrado por um::(...) por
uma bengala e não consegue ir e o:: Moço (...) parece que está acordado
e:: (...) joga ele para longe com a bengala (2,0) aí vem outro menino
querendo pegar a goiaba ele (1,5) também salta para tentar pegar (...)
o:: dono do pomar agarra ele pelo pé e joga ele longe ao mesmo instante
já vai vindo outro garoto com a perna de pau tentando pegar a goiaba
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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PROCESSAMENTO DA CORREFERÊNCIA
EM APRENDIZES DE FRANCÊS COMO L2
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFPB (PROLING/UFPB). E-mail:
luisagadelha@gmail.com.
2
Coordenador do Laboratório de Processamento Lingüístico da UFPB (LAPROL-UFPB). E-mail:
leitaomm@cchla.ufpb.br.
192 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
INTRODUÇÃO
3
Convém lembrar que a classificação de bilinguismo é bastante polêmica na literatura; neste
trabalho, quando nos referimos a bilíngues, falamos daqueles que adquiriram as duas línguas na infância,
e não de aprendizes tardios.
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 195
2. Nome repetido
Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o carro
no feirão.
3. Pronome nulo
Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam Ø no feirão.
4. Hipônimo
Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o chevete
no feirão.
5. Hiperônimo
Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o veículo
no feirão.
4
Estamos usando o termo anáfora neste texto com o sentido mais genérico: termo que retoma
um antecedente, ou seja, é sinônimo de retomada anafórica, e não como é utilizado de forma mais espe-
cífica na teoria da ligação, relacionada ao gerativismo, em que anáfora diz respeito apenas a reflexivos
e recíprocos que retomam um antecedente intrassentencialmente.
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 197
Por isso, a correferência com nomes repetidos requer processos mentais adicio-
nais, sobrecarregando e retardando o processamento, o que acarreta na chamada
Penalidade do Nome Repetido (Gordon & Chan, 1995; Gordon & Hendrick, 1998;
Chambers & Smyth, 1998). A Penalidade do Nome Repetido foi verificada em diver-
sos experimentos de leitura automonitorada, na posição de sujeito, em voz ativa
e passiva, motivo pelo qual os autores postularam que o sujeito não precisa ter o
papel de agente para sofrer penalidade do nome repetido (Gordon & Chan, 1995).
Como resume Kleiber,
5
l’emploi du nom propre [...] en deuxième mention fait opérer un calcul plus important, puisqu’il
oblige à réeffectuer l’opération déjà réalisée par la première mention du nom propre et que cette opéra-
tion est ici plus coûteuse que celle du pronom, dans la mesure où elle ne tient pas compte du résultat
référentiel déjà obtenu par la première mention du nom propre. (Tradução livre dos autores)
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 199
1.b. A robin ate the fruit. The wet little bird seemed very satisfied.
Um pardal comeu a fruta. O pequeno pássaro molhado pareceu bem
satisfeito.
1.c. A robin ate the fruit. The bird seemed very satisfied.
Um pardal comeu a fruta. O pássaro pareceu bem satisfeito.
Almor (2008), por meio de dois experimentos de decisão lexical, testou a ILH
na linguagem falada. Neste estudo, Almor controlou o foco do antecedente que,
segundo a Teoria da Centralização, facilita a correferência. Além das sentenças
experimentais, havia sentenças distratoras, algumas das quais traziam uma não
palavra, embora foneticamente possível no inglês, como sujeito da oração. Assim,
os participantes, após ouvirem as sentenças, deveriam julgar o mais rapidamente
possível se o sujeito da oração era ou não uma palavra do inglês. Juntos, os resultados
dos dois experimentos mostraram que o foco, de fato, facilita o processamento da
correferência, indicaram que a Penalidade do Nome Repetido não é um fenômeno
específico da leitura, mas afeta, também, a compreensão da linguagem falada, e
confirmaram a Hipótese da Carga Informacional.
A ILH (Hipótese da Carga Informacional) também explica os resultados obtidos
por Leitão (2005), em que pronomes foram processados mais rapidamente que
nomes repetidos e hiperônimos foram processados mais rapidamente que hipôni-
mos em português brasileiro. Os resultados encontrados por Leitão referem-se a
pronomes e nomes repetidos testados não só na posição de sujeito, mas também
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 201
6
en utilisant un nom répété, on constate un allongement des temps de lecture. Cette augmentation
des temps de lecture pour les noms répétés est connu sous l’appellation dite de “pénalité de nom répété”
(Gordon et al. 1993), dont l’effet indiquerait que l’établissement du centre d’attention (i.e.: le Focus de
discours) à l’aide d’une expression référentielle explicite – et non anaphorique comme un nom répété – est
finalement peu naturel et tend à rompre la cohérence locale du discours. (Tradução livre dos autores)
204 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
constituintes que fazem parte da sentença, o que pode interferir nos resultados.
Por isso, é difícil argumentar que as médias de tempos de leitura referem-se apenas
à correferência, pois sabemos que outros fatores podem estar envolvidos. Ao frag-
mentar as sentenças, temos uma medida mais precisa e exata, medindo apenas os
tempos de leitura dos segmentos críticos – no caso de estudo do processamento
da correferência, esses segmentos correspondem à retomada anafórica.
Além disso, Gerlomini também argumenta que a Penalidade do Nome Repetido
só ocorre na posição de sujeito, porém os experimentos realizados por Chambers
& Smyth (1998) e Leitão (2005) demonstram que tal penalidade ocorre também
na posição de objeto quando há paralelismo entre antecedente e retomada, o que
não ocorre nas estruturas testadas por Gerlomini.
Como vimos nesta seção, diversos estudos em várias línguas têm confirmado
a Penalidade do Nome Repetido e a Hipótese da Carga Informacional, com exceção
dos estudos de Gelormini no espanhol, talvez pelos motivos já acima explicitados.
Argumentamos que, devido a questões metodológicas, tais estudos não indicaram a
Penalidade do Nome Repetido, fenômeno que, segundo a Teoria da Centralização e a
ILH, deveria ser universal, ou seja, ocorrer em todas as línguas, com falantes nativos
e sem patologias. Quanto ao estudo de Cho, a Penalidade do Nome Repetido parece
não se aplicar apenas aos aprendizes de L2, talvez pelo fato de outros fatores influen-
ciarem no processamento, como a memória de trabalho, como explicaremos adiante.
(que aceitam o pronome nulo), como espanhol e italiano, e mostraram que as po-
pulações bilíngues comportam-se como falantes monolíngues e acabam utilizando
o pronome aberto em contextos que requerem o pronome nulo.
O estudo de Cho (2010), com falantes nativos do coreano e aprendizes de L2 com
alto nível de proficiência (near-native), parece dar suporte à Hipótese da Interface, e
também à Hipótese da Estrutura Rasa, pois os resultados mostraram que o proces-
samento de pronomes em uma L2 pode impor um maior custo de processamento
do que se pensava, mesmo com sujeitos com alto nível de proficiência. Pronomes
em inglês são simples, e não há dúvidas de que os aprendizes deste estudo tenham
adquirido a representação gramatical necessária do sistema pronominal inglês. Os
resultados apoiam a Hipótese da Interface no sentido em que o processamento online
em aprendizes de L2 pode requerer um custo extra. As diferenças no processamento
da L2 neste estudo não são explicadas por uma incompleta aquisição da gramática
alvo, sugerindo que as dificuldades se dão mais no nível do processamento do que
no nível representacional (Sorace, 2006).
7
Younger L2 learners are expected to depend more on procedural memory and less on declarative
memory than older learners. Moreover, the strong practice effects of procedural memory learning lead
to the prediction that, in addition to age of exposure, an increasing amount of experience (i.e., practice)
with a language should lead to better learning of grammatical rules in procedural memory, which in
turn should result in higher proficiency in the language. (Tradução livre dos autores)
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 213
Nesse quesito, Foucart parece discordar dos demais teóricos citados nesta seção,
uma vez que os modelos que apresentamos nas seções anteriores são unânimes ao
afirmar que sujeitos expostos a uma segunda língua em idade tardia, isto é, após a
puberdade, jamais atingirão o nível de processamento de um nativo, mesmo que,
aparentemente, em estudos off-line, pareçam fazê-lo.
Marinis, Roberts, Felser & Clahsen (2005) aplicaram um experimento com o
propósito de investigar se falantes nativos e aprendizes de L2 fazem uso de lacunas
intermediárias durante o processamento de estruturas qu (wh-dependencies). O
estudo de leitura automonitorada com sentenças envolvendo wh-dependencies de
longa distância foi feito com falantes nativos de inglês e aprendizes com os seguin-
tes idiomas como língua nativa: chinês, japonês, alemão e grego. Para determinar a
proficiência em inglês dos aprendizes, todos os sujeitos fizeram o Oxford Placement
Test (OPT; Allen, 1992), e apenas aprendizes com níveis acima do intermediário
(aprendizes cujo acerto seja de 145/200 ou acima disso) foram incluídos no estudo.
Os resultados indicaram que todos os grupos de participantes tiveram um grande
índice de acerto nas respostas relativas à compreensão das sentenças, o que de-
monstra que os participantes estavam prestando atenção à tarefa e que leram as
sentenças corretamente. Porém, os resultados também sugerem que aprendizes de
L2 subusam informações sintáticas durante o processamento da L2, se comparados
com falantes nativos. Por fim, os autores concluem que
8
At later stages of processing, this influence from L1 seems to disappear. As is usually the case in
bilingual studies, we might expect that once learners’ proficiency increases, processing will be native-
-like independently of the position of the adjective or of the native language. This assumption requires
further investigation. (Tradução livre dos autores)
216 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
9
The observed dissociation between the learners’ comprehension abilities and on-line sentence
processing shows that although learners are able to comprehend sentences containing long wh-extrac-
tions, they do not use native-like, phrase structure-based processing mechanisms in order to achieve
this goal. (Tradução livre dos autores)
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 217
10
Brain system that provides temporary storage and manipulation of the information necessary
for such complex cognitive tasks as language comprehension, learning, and reasoning. (Tradução livre
dos autores)
11
Those mechanisms or processes that are involved in the control, regulation, and active mainte-
nance of task-relevant information in the service of complex cognition. (Tradução livre dos autores)
218 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
Além do mais, assume-se que essa relação seria mais forte em níveis
básicos de proficiência nos quais os processos controlados envolvidos
na produção de L2 predominam. Também assume-se que à medida que
os aprendizes avançam no desenvolvimento contínuo da L2, processos
controlados seriam gradualmente automatizados e menos controle (da
memória de trabalho) seria solicitado durante a produção da L2 em níveis
mais avançados de proficiência13 (Finardi, 2008, p. 379).
Embora não seja o nosso foco estudar a produção, e sim o processamento lin-
guístico na compreensão, observamos que ambos os estudos, de Wessheimer (2008)
e Finardi (2009), caminham na mesma direção, demonstrando que aprendizes de
níveis mais básicos agem por meio de processos controlados, sobrecarregando a
memória de trabalho, e aprendizes de níveis avançados comportam-se de maneira
semelhante aos nativos, automatizando os processos de produção da linguagem.
Podemos estender esses resultados ao Modelo Declarativo-Procedural, afirmando
que os aprendizes de níveis mais básicos, ao agirem por meio de processos contro-
lados, sobrecarregam o uso da memória declarativa, deixando de lado o sistema de
memória procedural. À medida que avançam o nível de proficiência, os dois sistemas
de memória voltam a equilibrar-se, automatizando os processos.
Frenck-Mestre (2002) observa que medidas on-line obtidas durante a leitura
de sentenças revelam um atraso no processamento para leitores não nativos. Para
o autor, uma das causas dessa relativa lentidão é a possível falta de automaticidade,
como já postulado por outros autores. Porém, Frenck-Mestre aplicou experimentos
12
Limitations in working memory capacity are also assumed to be more related to control than to
automatic processes. (Tradução livre dos autores)
13
Moreover, it assumed that this relationship would be stronger in basic proficiency levels in which
the controlled processes involved in L2 speaking predominated. It was also assumed that as learners
advanced in the L2 development continuum, controlled processes would be gradually automatized and
less control (from working memory) would be required during L2 speaking in more advanced proficiency
levels. (Tradução livre dos autores)
luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 219
com eye-tracking e argumenta, também, que o aumento dos tempos de leitura para
leitores não nativos proficientes é o fato de eles possuírem uma tendência a rele-
rem as sentenças. Esses resultados foram observados informalmente, em diversos
experimentos envolvendo numerosas estruturas sintáticas (Frenck-Mestre, 1998;
Frenck-Mestre & Pynter, 1995, 1997). O autor propõe que talvez seja o fato da “re-
leitura” dos segmentos em estudos de leitura automonitorada, mais do que falta de
automaticidade no processamento, a razão principal para tempos de leituras mais
lentos reportados em tais estudos. O processo de releitura se faz necessário porque,
apesar de uma boa proficiência em L2, os aprendizes não fazem uma análise sintática
completa durante a primeira leitura da sentença. Uma outra alternativa é que essa
tendência de reler pode ser um resíduo de dificuldades anteriores experienciadas na
leitura da L2. Ou seja, em um primeiro estágio, reler pode ser necessário devido a
poucas habilidades, como acesso lexical, codificação ortográfica e análise sintática.
Mais tarde, o aprendiz pode reter esse hábito, apesar de ele não ser mais necessário.
Observando os estudos citados acima, podemos notar que todos parecem
seguir um mesmo caminho, qual seja: os aprendizes diferem, em algum grau, dos
nativos, no momento do processamento linguístico. As Hipóteses da Estrutura
Rasa e da Interface, bem como o Modelo Declarativo-Procedural, dão explicações
consistentes e racionais sobre o fenômeno, com exceção do estudo de Foucart, que
argumenta que aprendizes podem, sim, se comportar como nativos. No entanto,
lembramos que o estudo que Foucart realizou foi feito com experimentos offline,
que não capturam o processamento no momento reflexo, e sim reflexivo. Quanto
ao estudo de Frenck-Mestre, seriam necessários mais experimentos utilizando o
monitoramento ocular para verificar a sua hipótese de releitura, pois a maior parte
dos estudos descritos aqui utilizaram a técnica de leitura automonitorada.
Podemos relacionar, ainda, os estudos realizados com sujeitos com patologia, apre-
sentados na seção 1.1, com os estudos realizados com o processamento de aprendizes de
L2, particularmente no que diz respeito à sobrecarga de memória de trabalho. Ambos
os fenômenos parecem ocorrer pelos mesmos motivos. Os resultados dos estudos de
Almor (1999) e Albuquerque (2008), realizados com sujeitos com Demência do Tipo
Alzheimer e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, respectivamente,
parecem estar intimamente relacionados, sobretudo com os resultados do estudo de
Cho (2010), realizado com falantes nativos de coreano e aprendizes de inglês, pois,
em todos eles, os sujeitos, sejam portadores de patologias, sejam aprendizes de L2,
parecem facilitar a correferência ao realizá-la com a retomada na forma de nome
repetido, e dificultá-la quando a retomada é feita na forma de pronome, contrariando
os efeitos de estudos realizados com sujeitos sem patologias e em sua língua materna.
O modelo de Ullman adéqua-se bem às pesquisas desempenhadas com aprendizes e,
talvez, fosse uma alternativa para explicar, também, os estudos feitos com portadores
220 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
2. EXPERIMENTO
MÉTODO
Participantes
Participaram 30 sujeitos voluntários, de idade entre 20 e 35 anos, de ambos os
sexos (8 homens e 22 mulheres), todos falantes nativos de português brasileiro e
aprendizes de francês, sendo 9 sujeitos classificados no nível iniciante, 10 no nível
intermediário e 11 no nível avançado. A maior parte dos sujeitos de nível iniciante e
intermediário são ou foram estudantes de língua francesa em instituições de ensino
(Aliança Francesa, Yázigi, curso de línguas da UFPB etc.) e grande parte dos sujeitos
de proficiência de nível avançado já moraram na França e/ou são professores de
francês das referidas instituições.
Material
O material consistiu em 10 conjuntos de sentenças experimentais, mais 20
conjuntos de frases distratoras, todas em francês. Essa proporção se deve a uma
convenção utilizada na metodologia da Psicolinguística, em que o número de
sentenças distratoras deve ser, no mínimo, o dobro do número de sentenças ex-
perimentais. Cada conjunto experimental possui duas sentenças, divididas em três
segmentos, cada, conforme os exemplos a seguir. A retomada anafórica ocorre na
segunda sentença, na posição de sujeito, retomando o sujeito da primeira sentença.
Exemplo de sentenças experimentais:
1. Nome repetido (NR): Luce / regarde / la télé. / Luce / est / assise.
Luce / assiste / televisão. / Luce / está / sentada.
Procedimento
O conjunto de frases experimentais foi elaborado no modo do quadrado latino,
em que cada sujeito tem acesso a todas as dez frases, sendo cinco com um tipo de
retomada anafórica, e cinco com o outro tipo. Assim, cada participante é exposto
a todas as condições, sem repetições de frases.
Antes de iniciar o experimento, os participantes foram orientados e fizeram um
teste para se habituar à tarefa. Em seguida, os participantes foram instruídos a ler
as sentenças da maneira mais natural possível, pressionando uma tecla ao término
da leitura de cada segmento. Ao final das sentenças, há uma pergunta relativa ao
que foi lido, e o participante deve pressionar a tecla OUI (SIM) ou NON (NÃO). Os
sujeitos que não possuíam certificado submeteram-se aos exames DELF/DALF, con-
forme já foi explicitado. Cada sujeito foi testado individualmente e o experimento
durou cerca de 15 minutos.
RESULTADOS
Foram analisados os tempos de leitura do quarto segmento – o segmento da
retomada anafórica – das sentenças experimentais. Os gráficos a seguir mostram
as médias dos tempos de leitura das retomadas anafóricas na forma de pronome
e de nome repetido para os três grupos de proficiência (iniciante, intermediário e
avançado) e o p, o valor obtido a partir da análise estatística.
Figura 1: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes
de nível iniciante (p < 0,4185).
224 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
Figura 2: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes
de nível intermediário (p < 0,0048).
Figura 3: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes
de nível avançado (p < 0,0487).
dizes intermediários, obtemos o valor t(8) = 3,86 e p < 0,0048, o que mostra que
há uma diferença estatisticamente significativa quanto ao processamento dos dois
tipos de retomada anafórica. O grupo de aprendizes intermediários processou mais
rapidamente os nomes repetidos em detrimento dos pronomes. Já com o terceiro
grupo, de aprendizes avançados, obtemos o valor t(8) = 2,32, p < 0,048), o que indica
que esse grupo processa mais facilmente os pronomes em detrimento dos nomes
repetidos. Também foram medidos os tempos de resposta às perguntas relativas
às sentenças experimentais, conforme a Figura 4 a seguir.
Discussão
Inicialmente, a análise dos dados mostra-nos que o teste de proficiência foi
eficaz, uma vez que encontramos resultados diferentes para cada grupo de sujeitos.
O primeiro grupo, de iniciantes (nível A1-A2), não demonstrou diferença esta-
tisticamente significativa no processamento dos dois tipos de retomada anafórica
226 processamento da correferência em aprendizes de francês como l2
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ANEXO
1. INTRODUÇÃO
1
Trata-se do Summer Seminar in Psychology and Linguistics, organizado na Cornell University, de
18 de junho a 10 de agosto de 1951, (2) da publicação do livro Language and Communication, de George
Miller e (3) da publicação do artigo The problem of serial order in behavior, de Karl Lashley.
mailce borges mota | daniela brito de jesus 237
3. MÉTODO
4.2 RESULTADOS
Como pode ser visto na tabela 1, nas tarefas linguística e não linguística de me-
mória declarativa, todas as comparações entre os grupos experimentais e controle
apresentaram diferenças significativas para a tarefa de Nomeação de Figuras no
que diz respeito ao tempo de reação. Por outro lado, nenhuma das comparações
apresentou diferença significativa para a tarefa de Reconhecimento de Figuras. Os
resultados na variável acurácia para as tarefas de memória declarativa mostraram
que houve diferenças significativas nas comparações entre os grupos de alta e
baixa proficiência na L2 e entre os grupos Alta (proficiência) e Mono (monolín-
gues), na tarefa de Nomeação de Figuras. Também foram encontradas diferenças
significativas nas comparações entre os grupos Alta/Baixa e Alta/Mono na tarefa
de Reconhecimento de Figuras.
2
Para a descrição detalhada das tarefas utilizadas, bem como do design do estudo e o piloto
realizado, ver Jesus (2012).
244 a relação entre sistemas de memória e linguagem
Sistema de Tipo de TR AC
Tarefa
Memória Tarefa
Comparação p-valor Estatística p-valor
Sistema de Tipo de TR AC
Tarefa
Memória Tarefa Comparação p-valor Estatística p-valor
Nota. Ling = Linguística; N-Ling = não linguística; GA = gramática artificial; TRS = tempo de reação
serial; TR = tempo de reação; AC = Acurácia.
N = 40
mailce borges mota | daniela brito de jesus 245
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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248 a relação entre sistemas de memória e linguagem
Augusto Buchweitz
(Pós-Graduação em Letras-Linguística; Pós-Graduação em Medicina-
Neurociências e Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul)
Robert A. Mason
(Center for Cognitive Brain Imaging,
Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University)
Lêda M. B. Tomitch
(Programa de Pós-Graduação em Inglês,
Universidade Federal de Santa Catarina)
O CÉREBRO BILÍNGUE
A COMPREENSÃO AUDITIVA
METODOLOGIA
Participantes
Idade de aquisição
Proficiência
Estímulo
Procedimentos de pesquisa
Conectividade funcional
X y Z
GFIE -40 20 -2 9
GFID 42 12 26 6
GTMD 54 -36 0 8
A correlação entre a ativação para cada par de regiões de interesse foi computada
apenas nas imagens que pertenciam a cada condição experimental, subtraídas da
condição de linha de base (fixação). Portanto, a correlação reflete a interação entre
a ativação de duas áreas enquanto o participante executava cada uma das tarefas.
A transformação Z de Fisher foi utilizada para os coeficientes de correlação obtidos
para cada participante antes do cálculo das médias e da análise estatística.
RESULTADOS
Figura 1: Mapas de áreas de ativação na rede neural da linguagem em L1 e L2; p < 0,001
sem correção para múltiplas comparações; T = 4,02; limiar mínimo de voxels ativos no
cluster = 20. Elipses anteriores ressaltam a ativação do giro frontal inferior esquerdo em
inglês e português. Elipses posteriores (menores) ressaltam a ativação dos giros temporal
posterior e superior esquerdos em inglês e português. Os mapas de ativação sugerem a
semelhança entre as áreas recrutadas em inglês e português. A comparação direta entre
os dois contrastes acima não mostrou diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05,
com correção de erros por família de testes).
Coordenada MNI
Lobo e centroide Cluster T
x y Z
Frontal
Temporal
Coordenada MNI
Lobo e centroide Cluster T
x y Z
Ocipital
p < 0,001 sem correção para comparações múltiplas; T = 4,02; cluster = número de voxels ativos; limiar
mínimo de voxels ativos no cluster = 20; valor de T e coordenadas MNI são para os picos de ativação em
cada cluster apenas (Automated Anatomical Labeling (AAL);(Tzourio-Mazoyer et al., 2002)).
Coordenada MNI
Lobo e centroide Cluster T
x y Z
Frontal
Coordenada MNI
Lobo e centroide Cluster T
x y Z
Temporal
Ocipital
Figura 2: Aumento na conectividade funcional nas regiões frontais e temporais da rede neural
da linguagem (comparação L2 e L1). O aumento na conectividade funcional foi observado
na comparação da correlação entre os escores Z para os pares de áreas descritos acima em
L2 em comparação com a correlação destes escores em L1; (*) = p < 0,05; (**) = p < 0,01.
G = giro; M = médio; T = temporal; F = frontal; D = direito; E = esquerdo.
DISCUSSÃO
Uma das maneiras que o cérebro dos bilíngues tardios incluídos neste estudo
adapta-se à maior demanda computacional da compreensão em língua estrangeira é
por meio de um aumento na sincronização da ativação neural das áreas da linguagem.
O achado principal deste estudo, de que há um aumento na sincronização entre as
áreas da rede da linguagem em L2, sugere um mecanismo cognitivo de adaptação
ao processo de compreensão de linguagem em L2 por bilíngues tardios, que subjaz
a habilidade dos bilíngues tardios (mas proficientes) de manter o mesmo nível de
compreensão em L1 e L2.
augusto buchweitz et al. 263
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INTRODUÇÃO
1
Neste capítulo, seguiremos Myers-Scotton (2002), Grosjean (2008) e Grosjean (2010) ao usar-
mos a denominação “bilíngue” em referência a indivíduos que são usuários de duas ou mais línguas no
desempenho de suas necessidades comunicativas, independentemente do grau de proficiência em cada
uma dessas línguas.
268 a avaliação de habilidades linguísticas em l2
2
O primeiro par (1a e 1b) ilustra construções ditransitivas, o segundo par (2a e 2b) ilustra cons-
truções causativas ou de ação induzida e o terceiro par (3a e 3b) ilustra construções resultativas (onde
o sentido é que a casa tornou-se amarela como resultado da pintura). Trata-se de construções que
expressam estrutura argumental amplamente investigadas nos estudos linguísticos (cf. Goldberg, 1995).
ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 273
usuário de línguas não maternas. Tal como apontado por Daller (2011), há evidências
de que a habilidade linguística (inferida como proficiência) compreende uma vari-
ável que afeta os processos cognitivos subjacentes ao planejamento de enunciados
e a recuperação lexical, assim como potencialmente o tipo e a direcionalidade de
influências translinguísticas no desempenho linguístico de bilíngues. A questão da
medição de níveis de habilidade ou proficiência vem ao encontro, ainda, do objetivo
de que os resultados obtidos em pesquisa com bilíngues possam ser comparáveis.
Este objetivo, tal como enfatizado por Grosjean (1998, 2008), depende da existência
de dispositivos que permitam uma identificação tão explícita e clara quanto possível
dos perfis críticos dos sujeitos de pesquisa, sendo o nível de habilidade linguística
em L2 um perfil crítico de alta relevância, ao lado da idade de início de aquisição das
línguas, preferências de língua para uso em contextos específicos, perfis cognitivos
e aspectos da trajetória de aprendizagem e de socialização via L1 e L2.
Um instrumento de medição de habilidades linguísticas cujo uso tem sido im-
plementado nos estudos de nosso grupo é o Vocabulary Levels Test (VLT), ou teste
de níveis de vocabulário (Nation, 1990). O VLT é um teste publicado para uso local
por professores e escolas que busca gerar inferências sobre a dimensão do léxico
mental em língua inglesa e tem por fundamento o estabelecimento de níveis relacio-
nados a estratos de frequência típica de ocorrência lexemas recorrentes em corpora
geral desta língua. Por ter sido o usuário e o aprendiz do par linguístico português
do Brasil (L1) e inglês (L2) o foco da pesquisa desenvolvida por nosso grupo até o
presente momento, o emprego de um teste capaz de diagnosticar níveis de habi-
lidade linguística no inglês como L2 configura-se como nossa realidade imediata.
A adoção e o estudo da viabilidade do VLT no contexto da pesquisa em nosso
laboratório se dão por um conjunto de razões. A primeira delas é de ordem prática:
a praticidade e rapidez de administração e apuração de resultados deste teste. Cabe
mencionar que um dos objetivos primeiros dos empreendimentos de elaboração
de instrumentos psicométricos semelhantes para fins de pesquisa é a obtenção de
instrumentos rápidos e simples na aplicação, mas confiáveis3 . A segunda razão diz
respeito à flexibilidade de adaptação do teste e sua metodologia, tal como apontado
por Schmitt, Schmitt & Clapham (2001), o que o torna um instrumento convidativo
3
Baterias de testes altamente padronizadas utilizadas para fins educacionais e ocupacionais,
tais como o Test of English as a Foreign Language (TOEFL) (cf. http://www.toeflgoanywhere.org/) e
o International English Language Testing System (IELTS) (cf. http://www.ielts.org/), além de serem
propriedade intelectual cujo uso é pago, empregam metodologias complexas de administração (que pode
ter a duração total de várias horas) e apuração, o que provavelmente não as torna as mais interessantes
para as necessidades de laboratórios de pesquisa experimental.
ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 275
Tal como relatado em Nation (1990) e em Schmitt, Schmitt & Clapham (2001),
o Vocabulary Levels Test (VLT) é um instrumento que veio ocupar, à época de sua
publicação, uma lacuna existente entre os dispositivos psicométricos para segun-
da língua no tocante ao exame específico da amplitude do conhecimento lexical.
Planejado originalmente como um instrumento de fácil utilização por um público
alvo de professores interessados no diagnóstico de necessidades de desenvolvimento
do vocabulário de aprendizes de inglês como língua estrangeira (cf. Nation, 1990),
o VLT tem como base a noção de que a aprendizagem e capacidade de ativação de
itens lexicais cuja ocorrência se dá com frequência progressivamente menor em um
corpus geral do inglês são um índice do conhecimento lexical de um sujeito.
276 a avaliação de habilidades linguísticas em l2
Assim, tal como seu próprio nome indica, a versão original do VLT é organizada
em cinco níveis. Em cada um desses cinco níveis, são apresentados seis blocos com-
postos por seis lexemas e três possibilidades de definição de três dos lexemas do
bloco (usualmente por meio de possíveis sinônimos). Os lexemas da versão original
do teste distribuem-se na razão de 3 substantivos por cada 2 verbos e para cada
1 adjetivo, sendo a mesma distribuição por classes morfossintáticas mantida em
outras versões disponíveis na literatura (cf. Schmitt, Schmitt & Clapham, 2001). A
tarefa do sujeito é, para cada bloco, associar quais três dos seis lexemas encaixam-se
em relação de sinonímia com as definições fornecidas. Totalizam-se, portanto, 36
itens por nível (180 no total do teste), sendo 50% deles distratores. Na apuração,
confere-se um ponto a cada associação correta, gerando-se, portanto, um máximo
de 18 pontos por nível. O ponto de corte recomendado na versão original de cada
nível é igual a 13 pontos. Caso um sujeito obtenha uma pontuação menor ou igual a
12 em um nível, seu resultado final de classificação será aquele nível. Isso se deve ao
fato de que, segundo Nation (1990), uma pontuação de 12 em um total de 18 indica
que aproximadamente um terço das palavras daquele nível não são conhecidas
pelo sujeito, o que tornaria um programa instrucional visando ao desenvolvimento
de capacidades equivalentes àquele nível o recomendável. O VLT configura-se,
portanto, como tarefa de associação de palavras, o que constitui um procedimento
válido para a averiguação de conhecimento semântico em monolíngues e bilíngues
adultos, porém não por crianças, tal como demonstrado por Cremer et al. (2011). A
Figura 1 abaixo apresenta um modelo da tarefa nos moldes do VLT4 .
Figura 1: Tarefa nos moldes do VLT (Schmitt, Schmitt & Clapham, 2001, p. 58).
4
No texto de instruções da Figura 1 lê-se, em inglês, “Você deve escolher a palavra correta que vai
com cada significado. Escreva o número daquela palavra próximo ao seu significado”. Frente à constância
do procedimento, as instruções do VLT são geralmente apresentadas uma única vez, antes de um exemplo
de tarefa respondida.
ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 277
Os itens do primeiro nível do VLT contemplam o campo das 2000 palavras mais
frequentes do inglês, tido como suficiente para a comunicação oral elementar. No
nível seguinte, desce-se o limiar de frequência para o nível de 3000 palavras, tido
como o mínimo para que um usuário do inglês consiga desempenhar tarefas simples
que envolvam a leitura de textos autênticos. O terceiro nível desce ainda mais o
limiar de frequência, contemplando em seus itens exemplares que se situam entre
as 5000 palavras mais frequentes e equivalendo ao nível no qual se espera que o
usuário do inglês como L2 consiga extrair informações de textos autênticos com
razoável facilidade, ainda que realizando inferências sobre o sentido de palavras. Na
versão originalmente publicada em Nation (1990), o quarto nível é uma seção que
avalia o conhecimento de vocabulário da comunicação em ambientes científicos
e acadêmicos, tendo sido montado a partir de corpus específico de fontes desse
domínio discursivo. Esta seção reflete a motivação educacional da elaboração do
teste, uma vez que ela se justifica como um diagnóstico necessário para progra-
mas de ensino do inglês destinados a estudantes de nível universitário. O quinto e
último nível abaixa substantivamente o limiar de frequência dentro de um corpus
geral, atingindo as 10.000 palavras. Nesse nível, espera-se que o sujeito seja capaz
de desempenhar tarefas comunicativas diversas que sejam compatíveis com as
práticas sociais de universitários.
Há alguns estudos publicados sobre variantes do VLT que atestam a sua valida-
de geral. Além da exploração proposta por Schmitt, Schmitt & Clapham (2001) de
versões alternativas dentro dos mesmos moldes do original publicado em Nation
(1990), Laufer & Nation (1999) exploraram uma ampliação do VLT que inclui a ca-
pacidade reprodução escrita de itens vocabulares. Entretanto, até onde vai nosso
conhecimento, há apenas um estudo que examina a validade de uma versão do
VLT para uma população específica: o estudo de Beglar & Hunt (1999), envolvendo
aprendizes do inglês falantes do japonês como L1. Todos esses estudos confirma-
ram a validade geral do VLT no tocante a sua adequação ao construto subjacente
(conhecimento lexical) e sua capacidade descriminatória.
Não obstante, nossa preocupação com questões relativas à validação do VLT
para uma população específica, em nosso caso, uma amostra da população universi-
tária brasileira, permanecia em função de duas razões principais. Em primeiro lugar,
preocupávamo-nos de que o nível definido como vocabulário de nível universitário
não fosse suficientemente descriminador. Esse nível apresenta exemplares de itens
lexicais com clara origem latina, o que os tornaria potencialmente transparentes
278 a avaliação de habilidades linguísticas em l2
para o falante do português do Brasil e de outras línguas românicas5 . Por outro lado,
preocupávamos igualmente com a grande dispersão dos dados comportamentais por
grupo de sujeitos nos estudos nos quais utilizamos o VLT, o que nos deixava dúvidas
sobre a manutenção do ponto de corte proposta na versão original do teste. Essas
dúvidas foram fomentadas por julgarmos pertinente suspeitar que, com as possibili-
dades de acesso a línguas estrangeiras (e em especial à língua inglesa) resultantes da
ampliação do acesso a mídias veiculadas pelas novas tecnologias, o perfil de habilida-
des do aprendiz de L2 atual pode ter se diferenciado do perfil típico do fim dos anos
80 e 90, época dos principais estudos sobre o VLT publicados. Essas preocupações
motivaram-nos a dar início ao estudo sistemático sobre os pontos de corte do VLT,
assim como de sua validade como instrumento psicométrico adequado para a agenda
de pesquisa com bilíngues desenvolvida no Laboratório de Psicolinguística da UFMG.
Passemos, então, ao relato de resultados preliminares deste trabalho em andamento.
5
O estudo de Schmitt, Schmitt & Clapham (2001) envolveu a testagem de 801 sujeitos usuários
do inglês como L2., sendo 11 deles brasileiros, testados no Brasil, em uma escola de idiomas privada.
Além dos 11 sujeitos brasileiros, foram sujeitos deste estudo 306 falantes do espanhol. Este trabalho faz
menção à possível facilidade do nível quatro (ou vocabulário acadêmico) para os falantes do português
e do espanhol. Entretanto, o estudo não explorou extensivamente a especificidades dos falantes desta
família linguística em particular, já que seu objetivo era justamente a avaliação da validade global das
variantes do teste nele propostas (cujos itens eram diferentes daqueles do estudo ora relatado).
ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 279
Tabela 3.2: Estatística descritiva das notas obtidas pelos sujeitos nos 5 níveis do teste.
Da tabela 3.2 percebemos que tanto a média quanto a mediana das notas obtidas
pelos sujeitos foi maior no nível 1 do teste. Observamos ainda que a média e mediana
das notas obtidas no nível 4 foram superiores às obtidas no nível 3. Isso se deve ao fato
de que o nível 4 do teste compreende algumas palavras inglesas que têm origem no
latim, ou seja, a mesma origem da língua portuguesa. Dessa forma, essas palavras são
mais facilmente assimiladas pelos sujeitos que têm o português como língua materna.
As proporções estimadas, dada a amostra, para cada nível do teste VLT são
apresentadas na Tabela 3.3.
Classificação Final n %
Nível 1 45 31,7%
Nível 2 12 8,5%
Nível 3 52 36,6%
Nível 4 7 4,9%
Nível 5 26 18,3%
Da tabela 3.3 observamos que a maior parte dos sujeitos foram classificados
no nível 3. O nível 4, ou seja, o nível desenhado para contemplar o conhecimento
de vocabulário acadêmico, parece não ser relevante para a classificação do sujeito,
uma vez que praticamente todos aqueles que obtiveram pontuação suficiente nesse
nível também conseguiram pontuação para serem classificados no nível 5. O nível
2 também apresenta um padrão semelhante: embora mais sujeitos tenham sido
classificados nesse nível, 12 pessoas, a grande maioria que conseguiu pontuação para
se classificar no nível 2 também conseguiu pontuação para se classificar no nível 3.
Caso cada nível do teste seja apropriado para medir o que se propõe, classificar
os indivíduos numa escala ordinal, o número esperado de indivíduos classificados em
um determinado nível e que obteriam pontuação suficiente para serem classificados
no nível seguinte seria zero. A Tabela 3.3 mostra que o nível 4, de fato, deve ser
olhado com mais cuidado, pois 16.9% dos indivíduos que não conseguiram pontuação
suficiente no nível 3 e, portanto, teriam classificação final nesse nível, conseguiram
pontuação suficiente para se classificar no nível 4. Isto parece indicar que o nível
4 não é adequado como classificador. Ainda percebemos que 4,2% dos sujeitos
obtiveram pontuação suficiente no nível 2, porém foram classificados no nível 1.
282 a avaliação de habilidades linguísticas em l2
Tabela 3.4: Número de sujeitos não classificados em um nível e classificados no nível ime-
diatamente superior.
ni • c
nij
P( N i1 = ni1 , N i 2 = ni 2 ,..., N i 4 = ni 4 ) = c ∏p ij
∏n !
j =1
ij
j =1
Tabela 3.5: Número de sujeitos classificados em cada nível, dado o ponto de corte.
1 0 1 10 26 105 142
2 0 1 13 27 101 142
3 1 3 14 28 96 142
4 1 5 21 27 88 142
5 7 4 30 25 76 142
6 10 3 38 19 72 142
7 15 4 37 19 67 142
8 19 7 37 18 61 142
9 27 3 43 18 51 142
10 32 5 48 12 45 142
11 36 7 52 9 38 142
12 40 10 54 8 30 142
13 45 12 52 7 26 142
14 58 11 50 4 19 142
15 66 11 47 2 16 142
16 81 11 36 2 12 142
17 99 9 28 0 6 142
18 117 7 17 0 1 142
pontos de corte dos testes no que diz respeito à classificação dos sujeitos, teremos
as seguintes hipóteses a serem testadas:
H 0 : p aj = pbj = p j j = 1,...,4
H 1 : j : p aj pbj
Tabela 3.6: Níveis de significância dos testes de razão de verossimilhança para igualdade
de proporções para pares de pontos de corte.
Ponto de Corte A
9 10 11 12 13 14 15
0,00 TRV
9
1,00 P-valor
j = P ( = j ) (3.1)
18
j = P( = j, = i)
i =1
18
j = P( = j = i) P( = i ) (3.2)
i =1
não temos nenhuma informação sobre qual dos valores entre 1 e 18 deve ser colocado
como ponto de corte. A segunda possibilidade, que denominaremos Priori 2, assume
que não temos, a princípio, nenhuma preferência sobre pontos de corte entre 9 e 15,
mas que pontos de corte abaixo de 9 e acima de 15 são muito pouco prováveis. Essa
segunda possibilidade parece-nos bastante mais verossímil e é ela que utilizamos para
estimar as probabilidades finais de classificação dos indivíduos nos níveis do VLT, mas
apresentamos os resultados usando as duas possibilidades a título de comparação.
Uma vez definidos os valores das probabilidades em (4.2), podemos calcular os
valores de j . Ou seja, para cada distribuição de probabilidade dos pontos de corte
N, vamos encontrar a probabilidade de um sujeito ser classificado em cada um dos
5 níveis do teste. As probabilidades estimadas consideradas as duas distribuições a
priori são apresentadas Tabela 3.7.
1 0367361 0,483S84
2 0,047917 0,053470
3 0,215972 0,263416
4 0,044444 0,007814
5 0324306 0,191716
Classificação na Percentual de
Auto-Avaliação Classificações
1 0,099
2 0,148
3 0,268
4 0,345
5 0,148
O resultado da estatística TRV foi igual a 54,814, com um p-valor < 0,000. Logo,
podemos concluir que, dada a amostra, a distribuição de classificação proveniente
da autoclassificação dos sujeitos difere da distribuição de classificação esperada.
Com o intuito de encontrar o ponto de corte mais adequado ao teste VLT, nesta
seção vamos obter as probabilidades de ocorrência dos pontos de corte, dada a
amostra observada de classificação dos informantes. Ou seja, buscaremos obter a
distribuição a posteriori dos pontos de corte. Essa distribuição leva em consideração
a distribuição a priori dos pontos de corte que é atualizada pela amostra observada
por meio do Teorema de Bayes (ver, por exemplo, Ross, 2007). Essa distribuição a
posteriori será obtida considerando os 5 níveis de classificação do teste. O ponto de
corte mais apropriado será estimado por meio do valor mais provável da distribuição
a posteriori dos pontos de corte.
288 a avaliação de habilidades linguísticas em l2
1 0,000
2 0,000
3 0,005
4 0,003
5 0,001
6 0,001
7 0,001
8 0,137
9 0,122
10 0,117
11 0,109
12 0,110
13 0,158
14 0,231
15 0,002
16 0,000
17 0,000
4. CONCLUSÃO
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1
Doutora em Psicologia (UFRGS).
2
Doutor em Psicologia (UFRGS).
3
Doutoranda do PPG em Psicologia da UFRGS.
4
Professora Adjunta do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e
da Personalidade e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS. Coordenadora do Neurocog
e do Curso de Especialização em Neuropsicologia da UFRGS e Vice-Coordenadora do Ambulatório de
Neuropsicologia do HCPA. Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) e da
Sociedade Latinoamericana de Neuropsicologia (SLAN). Contatos: Instituto de Psicologia, Programa de
Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Rua Ramiro Barcelos,
2600. Porto Alegre – RS. Brasil. Fone: 55-51-33085341. E-mails: jerusafs@yahoo.com.br; jerusafsalles@
gmail.com. Web sites: http://www.psicologia.ufrgs.br; http://www.ufrgs.br/neurocog; http://www.
ufrgs.br/pgpsicologia.
294 núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)
5
SOA, ou Stimulus Onset Asynchrony, é o intervalo de tempo que decorre entre o início da apre-
sentação do prime e o início da apresentação do alvo.
298 núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)
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Anexos
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