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MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2012
BRUNA SIMÕES
Banca Examinadora
________________________
________________________
________________________
Aos meus queridos pais,
INTRODUÇÃO______________________________________________________________ 4
Consumidor_____________________________________________________ 64
CONCLUSÃO _____________________________________________________________125
1
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo uma análise da legitimidade ativa para a
defesa de direitos coletivos do consumidor, especialmente sobre a legitimidade da Defensoria
Pública. A dissertação pretende estudar quais os limites da Defensoria Pública na defesa
desses direitos, bem como o fundamento para a sua atuação.
Iniciaremos com um breve histórico do direito do consumidor no mundo para
posteriormente analisar o desenvolvimento e as disposições constitucionais e legais sobre a
matéria no direito brasileiro. Faremos uma diferenciação entre os direitos chamados de
coletivos latu sensu e a análise de algumas das disposições processuais específicas do
processo coletivo.
Será então analisado o papel da Defensoria Pública no Estado Democrático de
Direito e a sua importância para o efetivo acesso à justiça. Verificaremos as disposições legais
que regulamentam a Defensoria Pública e sua atuação, bem como o conceito de
hipossuficiência.
2
ABSTRACT
This work has as its purpose to analize the defense of the consumers rights by all
institutions, especially by the Public Defender. This dissertation intends to study the limits of
this defense by the Public Defender, as well as the foundation of its work.
We will initiate with a brief history of the consumers rights around the world to
then study the development and the constitutional dispositions of this subject in Brazilian law.
There will be pointed out the difference between the collective rights in its broad sense and
the analysis of some specific procedure disposals of the collective process.
We will show the importance of the Public Defense on the Democratic State
based on the Law and its roll on the access to justice. Then it will be studied the law that rules
the Public Defender institution and the concept of disadvantaged.
In the end we will analyze the hypothesis that the Public Defender may defend the
rights of the consumers and some depositions regarding diffuse rights, co-parties on a process
and the rights of the over debt consumers.
3
INTRODUÇÃO
4
1 – DIREITO DO CONSUMIDOR: BREVE HISTÓRICO
Para Tercio Sampaio Ferraz Jr, aquilo que denominamos direito é, na verdade, o
reconhecimento de ideais e que, não raras vezes, não coadunam com aquilo que verificamos
na conduta social. O autor defende ser o direito um conjunto de contradições e coerências
extremamente complicado para aqueles que não são estudiosos do tema.
Para o autor, o direito tem o condão de proteger a sociedade da arbitrariedade
estatal, mas, ao mesmo tempo, regulamenta a vida social e protege os mais desfavorecidos.
Entretanto, o direito ainda pode ser utilizado pelos detentores do poder como forma de
dominação social para fazer valer apenas aquilo que os convém. A dificuldade do linguajar do
direito e de suas normas e procedimentos o afastam do conhecimento geral, de forma que
apenas uma parcela da sociedade tem a possibilidade de real acesso ao direito e a todas as
suas entrelinhas.2
Na evolução da história do Direito, este passou a ser considerado uma ciência e
uma técnica destinadas a trazer paz social.3
1
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 6ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 1979, p. 2.
2
FERRAZ Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação, 3ª edição, São
Paulo, Atlas, 2001, p. 31-32.
3
IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito, 4ª edição, Rio de Janeiro, Rio, 1983, p. 15.
5
O jurisconsulto Celso, do período clássico do direito romano, formulou uma
definição de direito, citada por ULPIANO (Digesti, 1, 1, 1pr.), que ficou célebre: jus
est ars boni et aequi. Isto é: o direito é a arte do bem e do equilíbrio.4
4
FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, v. I, 3.ed. p. 63.
5
LOUREIRO Filho, Lair da Silva. Introdução ao Direito, 1. ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, p. 16.
6
ibidem, p. 17.
7
ibidem, p. 18.
8
ibidem, p. 15.
6
O Direito Romano, passou por três fases. A pré-clássica, em que as regras eram
aplicadas pelos jurisconsultos, que criavam a lei a ser aplicada de acordo com base nos
costumes e nas regras escritas existentes. A fase clássica, em que o papel principal era
desempenhado pelo pretor urbano, que interpretava as normas do ius civile. Na fase pós-
clássica o direito passa a ser elaborado quase exclusivamente pelo Estado, como ocorre nos
dias de hoje9.
Assim descreve José Carlos Moreira Alves:
9
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano, v. 1, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 86.
10
ibidem, p. 86-87.
11
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada: Teoria Geral das Ações Coletivas, 2.
ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 38-39.
7
Já o direito canônico era responsável por decidir questões do bem-estar das almas
e pressionava as cortes para aplicarem também o direito canônico a todas as disputas.12
A partir do Renascimento o direito foi perdendo seu caráter sagrado e ético e
passou a ser visto como algo técnico e que deveria seguir um sistema. A ascensão da
burguesia e a necessidade de criação de leis que se adequassem aos seus negócios separaram o
direito da religião e deram início ao direito moderno.13
Na Era Moderna, o direito passou a ser escrito e a teoria clássica da divisão dos
poderes da sociedade separou a política do direito. A neutralidade do Poder Judiciário e a lei
escrita como principal fonte do direito surgiu nessa época.
Na classificação elaborada por Norberto Bobbio14, com o Estado moderno surge a
mudança no modo de encarar a relação política, que anteriormente centrava-se na figura do
soberano, e agora considera o cidadão e seus direitos. Para o autor, os direitos do homem
surgem de uma inversão de perspectiva, entre o Estado e os cidadãos, e não mais entre súditos
e soberanos.
Reconhecendo com isso que os direitos do cidadão de um Estado cederão espaço
para o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, como na Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Bobbio15 classifica os direitos em quatro gerações: Primeira Geração
(representada pelos direitos civis; as primeiras liberdades exercidas contra o Estado), Segunda
Geração (representada pelos direitos políticos/sociais; direitos de participar do Estado),
Terceira Geração (econômicos, sociais e culturais; e a mais importante seria aquele
representado pelos movimentos ecológicos) e Quarta Geração (exemplificada pela pesquisa
biológica, defesa do patrimônio genético etc.).
Os direitos de Primeira Geração, também chamados de direitos individuais,
nasceram em decorrência da necessidade de autonomia e defesa que surgiu exatamente na
12
LOUREIRO Filho, Lair da Silva, op. cit., 18.
13
TIGAR, Mochael E., Lew, Madaleine R. O direito e a ascensão do capitalismo, 1. ed., Rio de Janeiro, Zahar
editores, 1978, p. 57.
14
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 10. ed., Rio de Janeiro, Campus, 2004.
15
ibidem, p. 62.
8
época da Revolução Francesa, em que os revolucionários queriam um freio para a atuação
estatal.16
A Segunda Geração de direitos humanos, também chamada de direitos sociais,
nasceu em razão da pobreza que assolou as cidades da Europa Ocidental. Os Estados, no
século XIX, passaram a interferir na dinâmica do trabalhador com o empregador, para garantir
minimamente seus direitos.17
Os direitos de Terceira Geração surgiram com a globalização e a superação do
isolamento entre os países.
Paulo Bonavides defende ainda os direitos de quarta geração:
16
BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 79.
17
ibidem, p. 62.
18
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25. ed., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 525.
19
FERRAZ, Antonio Augusto Camargo; MILARÉ, Édis; NERY Junior, Nery. A ação civil pública e a tutela
jurisdicional dos interesses difusos, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 75.
9
Assim, o direito do consumidor surge em decorrência da evolução das cidades, da
indústria e do comércio. O reconhecimento pela sociedade de que o consumidor estava
vulnerável em termos educacionais, informativos, materiais e legislativos ocasionou a criação
de uma legislação protetiva em diversos países do mundo.20
Nos próximos capítulos mostraremos, de forma concisa, a evolução do direito do
consumidor no mundo e no Brasil.
20
“A proteção do consumidor é um desfio da nossa era e representa, em todo o mundo, um dos temas mais atuais
do direito. Não é difícil explicar tão grande dimensão para um fenômeno jurídico totalmente desconhecido no
século passado e em boa parte deste. O homem do século XX vive em função de um modelo novo de
associativismo: a sociedade de consumo (mass consuption society ou Konsumgesellschaft), caracterizada por um
número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades
de acesso à justiça. São esses aspectos que marcam o nascimento e o desenvolvimento do Direito do Consumidor
como disciplina jurídica. A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios
aos seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro deste modelo, piorou em vez
de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em situação de relativo equilíbrio de poder de
barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou
comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, ‘dita
as regras’. E o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno (GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 6).
21
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor, 10. ed., ed. Atlas, São Paulo, 2010, p. 2.
22
ANTONIO, Klausner Eduardo. Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: Acesso e
Efetividade, 1. ed., Juruá, Curitiba, 2009, p. 38.
10
São também designados por sorteio os fiscais de mercado, cinco para o Pireu e cinco
para a cidade; as leis atribuem-lhes os encargos atinentes às mercadorias em geral, a
fim de que os produtos vendidos não contenham misturas nem sejam adulterados;
são também designados por sorteio os fiscais das medidas e os pesos em geral, a fim
de que os vendedores utilizem os corretos.23
23
ARISTÓTELES. Constituição de atenas. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 103-247.
24
ANTONIO, Klausner Eduardo, op. cit. p. 40.
25
RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Mauad, Rio de
Janeiro, 1998, p. 8.
11
momento, a não mais satisfazer as necessidades da sociedade, que precisava de outra forma de
tornar a relação entre os consumidores e fornecedores mais equitativa e justa.26
Com o desenvolvimento das indústrias, surgiram o consumo de massa, os
contratos de adesão e a sociedade capitalista. Com este desenvolvimento, as regras de direito
civil e comercial não bastavam para regular a sociedade, pois as relações de consumo
deixaram de ser entre pequenos comerciantes e os moradores da região para serem entre
grandes indústrias de conglomerados com um sem-número de pessoas:
Para José Geraldo Brito Filomeno, o movimento consumerista teria surgido com o
movimento sindical nos frigoríficos de Chicago, fundando-se a “Consumer League” em
1981.28
A sociedade de consumo se desenvolveu especialmente após a Segunda Guerra
Mundial nos países de primeiro mundo. Esse período foi denominado de época de ouro da
defesa do consumidor e foi protagonizado por dois importantes momentos: o discurso do
presidente Kennedy ao Congresso Nacional dos Estados Unidos e a criação da International
Organization of Consumers.29
Importante ressaltar que o desenvolvimento da tecnologia e dos transportes
colaborou muito para a massificação das relações. A tecnologia desenvolveu formas de
comunicação antes inexistentes entre países e os transportes passaram a permitir um
intercâmbio de mercadorias com uma velocidade e volume nunca antes vistos.
26
ANTONIO, Klausner Eduardo, op. cit., p. 41.
27
ibidem, p. 39.
28
FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 4.
29
SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor, Atlas, São Paulo, 2009, p. 22.
12
Na sociedade atual, globalizada pela internet, redes sociais e a possibilidade de o
consumidor comprar produtos e serviços em qualquer lugar do mundo sem sair de sua
residência, os países passaram a enfrentar o problema da internacionalização dos conflitos
entre consumidores e fornecedores.30
Com a massificação da sociedade e das relações entre os consumidores e as
empresas, torna-se necessária a mudança do trato entre os consumidores e fornecedores.31
30
“A vulneralibidade do consumidor diante do fornecedor é ainda mais evidente nas relações de consumo
internacional, que constituem um risco para este consumidor. Esse consumo possui especificações peculiares que
o tornam especialmente problemático quando presentes.”(KLAUSNER, Eduardo Antônio, op. cit.).
31
“Mudam-se também as estratégias de defesa dos indivíduos lesados. As lesões em massa produzem efeitos
individuais (os direitos subjetivos sobrevivem), mas o encaminhamento passa a ter de se estruturar coletivamente
– nisso residirá a sua força. Se o Sr. X reclama a uma entidade de defesa do consumidor a respeito da dificuldade
de “engatar a primeira” no seu carro, tem-se de pensar sempre que isso pode ser sinal de um problema
generalizado. Se o problema do Sr. X for encaminhado sob outra perspectiva, estaremos tratando o consumidor
como comprador convencional, sob uma ótica equivocada, como se o negócio tivesse sido realizado com um
fornecedor ocasional, e não com um ator da produção em massa. Mais: a grande empresa poderá até demonstrar
boa vontade em resolver a reclamação do nosso Sr. X, repassaria o ônus para os seus preços livres, para os
consumidores, e assim estaria reforçado o seu esquema lesivo à coletividade, em publicações de órgãos de defesa
do consumidor poderia até aparecer como uma empresa que resolve cem por cento das reclamações recebidas;
com isso, o “prejuízo” poderia ser contabilizado como inteligente estratégia de marketing.” (RIOS, Josué, op.
cit., p. 29).
32
FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 5-6.
13
consumer protection with a view to elaborating a set of general guidelines for
consumer protection, taking particularly into account the needs of the developing
countries, Recalling further General Assembly resolution 38/147 of 19 December
1983, Noting Economic and Social Council resolution 1984/63 of 26 July 1984:
33
Extraído do site das Nações Unidas, em http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm: “Considerando
a resolução econômica e social n° 62 de 1981 de 23 de julho de 1981, na qual o Conselho requereu ao Secretário
Geral da Organização para dar continuidade à consulta sobre o direito dos consumidores com o objetivo de
elaborar um conjunto de orientações para a proteção do consumidor, levando-se em consideração principalmente
as necessidades dos países em desenvolvimento, Considerando ainda a Resolução n° 38/147 da Assembleia
Geral de 19 de dezembro de 1983:
2 – Requer que o Secretário Geral divulgue referidas regras para os governos e demais partes interessadas;
3 – Requer a todas as organizações do Sistema das Nações Unidas que apliquem as regras gerais e documentos
relacionados em áreas específicas de relevância na proteção do direito do consumidor e que as distribuam para os
países.” (tradução livre)
34
idem.
14
1.1.3 Proteção ao consumidor nos Estados Unidos
35
SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 22.
36
Disponível em http://www.law.cornell.edu/wex/Antitrust
37
Disponível em http://www.fda.gov/RegulatoryInformation/Legislation/default.htm
38
“Proteção do Consumidor, um estudo comparativo internacional”, Fundação Getúlio Vargas, Núcleo de
Pesquisa e Publicações, disponível em bibliotecadigital.fgv.br. Acesso em 22 de fevereiro de 2012.
15
1.1.3.1 A Class Action Norte-Americana
a) economia processual
39
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. 1.ed., São Paulo. Saraiva, 2001.
40
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011, p.
59.
41
GIDI, Antonio. A Class Action como Instrumento de tutela coletiva dos direitos: Ações coletivas em uma
perspectiva comparada, Revista dos tribunais, São Paulo, 2007, p. 25.
42
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional, 2. ed., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 26.
43
GIDI, Antonio. op. cit., p. 26.
16
A ação coletiva viabiliza a tutela de um grande número de interesses individuais em
uma única ação. Embora o procedimento coletivo tenha um custo apenas
marginalmente superior ao de uma ação individual, a sentença coletiva tem um valor
geometricamente potencializador, de acordo com o número de membros do grupo. A
desproporção entre o baixo custo do processo e o alto valor da sentença faz com que
mesmo uma ação com uma pequena possibilidade de vitória seja economicamente
viável para o grupo, e extremamente perigosa para o réu. A situação de desigualdade
entre as partes persiste, mas agora de forma invertida; a empresa ré passa a estar em
situação de desvantagem: deixa de ser opressora para ser oprimida.44
Não obstante a desvantagem apontada, que decorre da própria natureza das coisas,
as ações coletivas são extremamente benéficas ao sistema, pois, além da economia e
celeridade processual, trazem a segurança jurídica por evitar decisões contraditórias.
b) acesso à justiça
As class actions são fundamentais para a efetivação do acesso à justiça. Por meio
delas demandas que dificilmente chegariam ao Poder Judiciário são propostas. Tal
importância é facilmente verificada nos casos, por exemplo, ligados ao direito do consumidor.
Muitas das regras estabelecidas para os fornecedores de produtos e serviços são
diariamente desrespeitadas sem que haja qualquer punição. Isto porque o prejuízo causado ao
consumidor é de pequena monta ou até mesmo imperceptível diretamente45.
Nessas hipóteses, apenas em raríssimos casos o consumidor irá buscar o
cumprimento da regra judicialmente porque economicamente inviável e a eventual
procedência na demanda não traria qualquer prejuízo ao réu.
Este cenário é alterado quando a demanda é proposta por um legitimado em favor
de centenas ou milhares de pessoas. Ainda que individualmente a demanda não seja eficiente,
coletivamente ela pressiona o réu a adotar as medidas adequadas.
Outros exemplos de acesso à justiça proporcionado pelas class actions são a
defesa de interesses de pessoas que dificilmente teriam condições de sequer conhecer o seu
44
GIDI, Antonio, op. cit., p. 28.
45
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro, um novo ramo do Direito processual,
São Paulo, Saraiva, 2003, p. 60.
17
direito, como o caso das crianças, e ainda a de interesses de pessoas que não podem enfrentar
diretamente o autor da conduta, como no caso de as ações trabalhistas.
Assim, é evidente que a utilização das class actions é de suma importância para
que haja um equilíbrio entre os indivíduos e o governo ou grandes empresas.
Há de se noticiar, no entanto, o entendimento de Takeshi Kojima de que estas
demandas servem apenas para tratar de forma coletiva um conflito que sempre foi coletivo.46
Ousamos discordar deste último posicionamento na medida em que os conflitos
podem ser tratados de forma individual e a utilização da demanda coletiva foi a opção dos
autores. Assim, no nosso entender, não se pode falar que o conflito sempre foi coletivo, pois,
se assim o fosse, não poderia existir a possibilidade de optar por não participar do resultado da
demanda (opt-out).
A existência das class actions ameaça a impunidade das empresas que, em razão
da alta lucratividade, deixam de cumprir as regras estabelecidas. Em razão da possibilidade de
punição, a class action estimula o cumprimento voluntário das regras e obrigações.
A sentença da class action pune ainda de forma coletiva, uma infração coletiva,
reforçando a autoridade dos Estados e colaborando na construção de políticas públicas.
A decisão em demanda coletiva dá ao Poder Judiciário a exata dimensão de sua
decisão, podendo ser avaliados pelo julgador todos os aspectos do conflito, trazendo uma
maior possibilidade de a sentença ser, de fato, benéfica à sociedade.
Este estímulo ao cumprimento voluntário das leis é denominado nos Estados
Unidos de derrence. Isto significa o estímulo ao cumprimento voluntário do direito através de
incentivos e punições.48
No Brasil, podemos citar como exemplo de derrence, as multas administrativas
que podem ser aplicadas nos termos dos artigos 55 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor.
46
Apud, GIDI, Antonio. op. cit., p. 33.
47
ibidem, p. 34.
48
GIDI, Antonio, op. cit., loc. cit.
18
A class action norte-americana deriva do instituto inglês denominado Bill of
Peace. Na Inglaterra, os tribunais de direito não permitiam o litisconsórcio voluntário fundado
somente nas questões comuns. Já o tribunal de equidade (que possuía a função de regular
situações que o direito não disciplinava de forma adequada) permitia a existência do
litisconsórcio facultativo.49
As cortes de equidade serviam para evitar a multiplicidade de procedimentos e
passaram a exigir que todos os interessados na lide interviessem no processo, sob pena de
extinção. A decisão vinculava todos os interessados.
Com o passar dos anos, verificou-se que esta obrigatoriedade de intervenção trazia
prejuízos às partes e à justiça. A intervenção de todos os interessados prejudicava o
andamento do processo, e a falta de intervenção impedia a prestação jurisdicional.
Para evitar esses inconvenientes, as cortes inglesas criaram o Bill of Peace ações
representativas para os casos em que o grupo era tão numeroso que o litisconsórcio fosse
impossível ou impraticável. Estas ações faziam coisa julgada erga omnes, vinculando todos os
membros do grupo.50
Os Estados Unidos, colônia da Inglaterra, adotaram o mesmo sistema jurídico dos
tribunais de direito e de equidade:
49
MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit., p. 31.
50
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 31.
51
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 58.
52
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. 1. ed. São Paulo. Saraiva, 2001, p. 124.
19
Nessa época, a doutrina e a jurisprudência conheciam três tipos de class actions,
dependendo do direito a ser tutelado e dos efeitos do julgamento: (a) a verdadeira class
action, em que o direito era absolutamente comum a todos da classe; (b) a class action
híbrida, em que o direito era comum em razão de várias demandas sobre a mesma matéria; e,
finalmente, a class action não autêntica, ou seja, quando uma questão comum de fato ou de
direito, afetando diversos direitos de várias pessoas que se reúnem para demandar.53
A sentença fazia coisa julgada somente para os membros da classe tanto na ação
denominada verdadeira como na híbrida. No caso da demanda não autêntica, a sentença
apenas teria efeitos para as partes intervenientes.
Somente com a edição da rule 23 as ações coletivas com pretensões indenizatórias
(class action for damages) foram permitidas nos Estados Unidos. Em 2005, a rule 23 sofreu
uma alteração, determinando a competência da Justiça federal para o julgamento de todas as
class actions de alto valor.54
No âmbito federal, a class action americana é regulada pela regra 23 do Federal
Rules of Civil Procedure. Por esta regra, para qualquer demanda deste tipo devem estar
presentes concomitantemente sete requisitos55:
53
ibidem, p. 27.
54
ibidem, p. 125.
55
ibidem, p. 30
56
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 70.
20
forma de assegurar uma adequada e justa defesa dos interesses e membros
ausentes. Na class action norte-americana, o efeito da sentença transitada
em julgado atinge todos os membros da classe, independentemente de seu
resultado. Por esta razão, é exigido que o representante tenha seu próprio e
individual interesse na lide, de forma que o resultado também o atinja. É de
fundamental importância a verificação de que não haja conflito de interesses
entre o representante e sua classe. Quando determinado que não há
adequada representação, pode ocorrer a intervenção de outro membro da
classe que seja moral e economicamente mais idôneo. A classe pode ser
ainda dividida em subclasses, cada qual com o seu representante. A
verificação da representatividade adequada é tão relevante que pode ser feita
inclusive após o trânsito em julgado da sentença.57
Importante ressaltar ainda que na class action, caso seja verificado que em algum
momento durante a demanda houve inadequação da atuação do representante, o indivíduo não
sofrerá os efeitos da coisa julgada e poderá rediscutir a matéria em novo processo.
Com a suspeita de inadequação do representante, este deverá depor em juízo e a
defesa procurará provas dessa inadequação. O representante deve conhecer profundamente os
fatos e documentos dos autos e não apenas aqueles relacionados com o seu direito. O
representante deve estar disposto a pagar as despesas do processo, que poderá vincular os
bens processuais.
A classe pode também figurar no polo passivo da demanda, situação em que será
nomeado um representante dos demais. O nomeado pode recusar o cargo, mas o juiz pode
mantê-lo.
57
Ibidem, p. 73
58
DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit. p. 125.
21
resolvida eficazmente por meio de ações individuais, não haveria motivos
para se processar a class action. Não há um número mínimo de associados.
Assim, nos casos em que as pretensões individuais sejam de pequeno valor, é muito
provável que o requisito seja considerado presente pelo juiz, uma vez que não é de
se esperar que todos os interessados queiram ou possam se envolver no litígio
individualmente ou em litisconsórcio. Se, ao contrário, o valor das pretensões
individuais justifica economicamente a propositura de ações individuais ou a
intervenção e o grupo não for muito numeroso, o litisconsórcio de todos os membros
do grupo será possível e o requisito não será considerado presente.59
Além das regras federais, os Estados possuem regras próprias paras as class
actions. Em alguns Estados são exigidos requisitos mais brandos para a propositura das
demandas, como a necessidade de se tratar de uma classe numerosa e a verificação de que a
via administrativa será mais célere que a individual.60
Preenchidos todos os requisitos, é emitido um class certification, que define os
limites da classe e o objeto da demanda, além de apontar o representante adequado. Este class
59
GIDI, Antonio. op. cit., p. 75.
60
DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 126.
22
certification permite que o autor prossiga com a demanda, sem ele o processo deverá seguir a
linha tradicional, ou seja, individual.
A verificação dos pressupostos de admissibilidade da class action, e
consequentemente, concessão dos certifications é realizada na primeira oportunidade após o
ajuizamento da demanda. O juiz ou tribunal pode designar uma audiência prévia para formar
seu convencimento sobre a conveniência da certificação. Existe ainda a possibilidade de em
uma ação individual, em que no decorrer do processo se verifique tratar de direito de classe,
seja requerida a certificação para prosseguir como demanda coletiva.61
A decisão de conceder ou não o certification é condicional e pode ser revogada a
qualquer momento em decorrência de fato superveniente. Contra tal decisão não há recurso,
pois pela legislação dos Estados Unidos apenas as sentenças estão sujeitas a recursos.
A negativa do certification por falta de representante adequado ou de advogado
suficientemente qualificado não impede a possibilidade de sua obtenção por outro
representante. Tanto o autor como o réu podem requerer o certification, assim como este pode
ser concedido de ofício pelo juiz.
Interessante notar que na class action americana a capacidade, a experiência na
matéria discutida nos autos, a reputação profissional e a dedicação do advogado do
representante também são fiscalizadas em razão da proteção dos interesses dos ausentes.
A jurisprudência costuma proibir que os associados sejam sócios ou associados da
firma que patrocina a causa. Com o tempo a jurisprudência americana passou a admitir que
associações promovessem a class action. No entanto, ainda não se pacificou o entendimento a
respeito da necessidade de a associação ter de demonstrar a existência de danos próprios ou se
basta que um de seus associados tenha sofrido. Em alguns casos tem se admitido a propositura
de class action por agências governamentais.
O direito americano ainda atribuiu o controle de cumprimento de determinadas
leis (consumidor, direitos civis etc.) aos próprios beneficiários, e não somente através do
controle estatal. Essa concepção deu origem ao private attorney general litigation, ações de
interesse social (que no Brasil seriam atribuídas ao Ministério Público) propostas diretamente
pelas pessoas que tiveram os seus direitos violados.
61
ibidem, p. 128-129.
23
O Ministério Público nos Estados Unidos não tem legitimidade para a defesa de
interesses difusos e coletivos.
A regra 23 do Federal Rules of Civil Procedure estabelece três espécies de class
action. São situações fáticas e jurídicas diferentes que são denominadas pressupostos de
desenvolvimento. Para desenvolver-se como uma class action é indispensável, além de
preencher os requisitos já explicitados, que a demanda se encaixe em uma das três hipóteses a
seguir62:
1. A demanda pode ser processada como class action se, além dos
preenchimentos dos requisitos, o ajuizamento de ações individuais por ou em
face de membros do grupo faça surgir o risco de que as respectivas sentenças
nelas proferidas imponham ao litigante contrário à classe comportamento
antagônico ou tais sentenças prejudiquem ou tornem extremamente difícil a
tutela dos direitos de parte dos membros da classe estranhos ao julgamento.
62
ibidem, p. 149.
63
GIDI, Antonio. op. cit., p. 146.
24
action não é admitido pedido de caráter patrimonial. Aproxima-se, portanto, da
ação civil pública para a proteção de direitos difusos.64
3. A última hipótese de class action em âmbito federal é considerada a mais
controvertida e a mais frequente. É denominada de class action for damages. O
fundamento da class action será o tribunal entender que as questões de direito e
de fato comuns aos componentes da classe ultrapassem as questões meramente
individuais e, neste caso, a class action constituirá uma tutela mais adequada
para o correto e eficaz deslinde da controvérsia. Para chegar a esta conclusão,
no caso concreto, o tribunal deverá analisar o interesse individual dos membros
do grupo no ajuizamento ou na defesa da demanda separadamente, a extensão
do conteúdo das demandas já ajuizadas por ou em face dos membros do grupo;
a conveniência da reunião das causas e a dificuldade do processamento da
demanda na forma de class action.65
Para todas as classes certificadas pela regra 23, alínea b1 ou b2, o tribunal deverá
direta e apropriadamente notificar a classe representada. Para qualquer classe
certificada pela regra 23, alínea b3, o tribunal deverá notificar diretamente a todos os
membros da classe da maneira mais apropriada possível diante das circunstâncias,
incluindo a notificação individual de todos os membros que puderem ser
identificados por um esforço razoável. A notificação deve ser clara e concisa, com
linguagem de fácil entendimento e conter: (i) a natureza da ação; (ii) a definição da
classe certificada; (iii) os pedidos da classe, questões ou defesas; (vi) que qualquer
pessoa da classe poderá atuar no processo mediante advogado se assim o quiser; (v)
que o tribunal excluirá da classe qualquer membro que solicitar a sua exclusão; (vi)
64
ibidem, p. 153.
65
Ibidem, p. 161.
66
DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 154.
25
o período e a forma para a solicitação da exclusão e; (vii) os efeitos vinculantes da
67
decisão nos membros da classe de acordo com a regra 23. (Tradução Livre)
67
Federal Rules Of Civil Procedure, Rule n° 23, C: (2) Notice. (A) For (b)(1) or (b)(2) Classes. For any class
certified under Rule 23(b)(1) or (b)(2), the court may direct appropriate notice to the class. (B) For (b)(3)
Classes. For any class certified under Rule 23(b)(3), the court must direct to class members the best notice that is
practicable under the circumstances, including individual notice to all members who can be identified through
reasonable effort. The notice must clearly and concisely state in plain, easily understood language: (i) the nature
of the action; (ii) the definition of the class certified; (iii) the class claims, issues, or defenses; (iv) that a class
member may enter an appearance through an attorney if the member so desires; (v) that the court will exclude
from the class any member who requests exclusion; (vi) the time and manner for requesting exclusion; and (vii)
the binding effect of a class judgment on members under Rule 23(c)(3).
68
DINAMARCO, Pedro da Silva. op. cit., p. 156.
69
GIDI, Antonio. op. cit. p. 231.
26
A class action americana, ao menos em tese, pode ter um representante da classe
como autor ou como réu na demanda. A defendant class action, ou seja, aquela em que a
classe é ré, é pouco comum nos tribunais americanos. Isto porque seria extremamente difícil a
caracterização da representação adequada, requisito fundamental para uma class action.
De todo modo, ao selecionar um representante para o réu, o juiz deverá verificar
se ele tem recursos suficientes para manter uma tutela adequada.70
No sistema norte-americano comum, grande parte da disputa judicial é realizada
fora dos tribunais, inclusive a produção de provas. Ao juiz caberia o papel de apenas dirigir o
encontro entre as partes e ao tribunal verificar quem está com a razão. Assim, o processo nos
Estados Unidos tem nítido caráter privatístico.
Entretanto, a tutela de interesses coletivos em geral trouxe a necessidade de
transformação do papel do juiz. A class action somente se torna um instrumento valioso se
acompanhado de adequado controle público.
O juiz, nas class actions, possui poderes considerados excepcionais para o sistema
americano. Os principais poderes do juiz na class action são: a análise de admissibilidade e de
adequada representação do processo; a possibilidade de determinar que uma demanda
individual se converta em class action, se assim exigir o interesse público; delimitar o objeto
da demanda ou cindi-la em diversos processos; adotar as medidas para evitar repetições
inúteis; determinar a intimação dos membros da classe; autorizar a desistência, renúncia e
transação, fixação de multas diárias para o cumprimento das decisões.71
A sentença na class action pode ser de obrigação de fazer e não fazer, com
sanções para o caso de inadimplemento ou condenação de reparação de danos, dependendo da
hipótese de cabimento.
Nos Estados Unidos é prevista a figura do fluid recovery, assim como no direito
brasileiro. Por esta forma de reparação de danos, n direito norte-americano, é fixado um valor
aproximado do prejuízo causado aos indivíduos não identificados e o valor é destinado a um
fundo de reparação do bem lesado.
No Brasil esta reparação de danos é prevista no artigo 100 do Código de Defesa
do Consumidor. Para que haja a possibilidade desta execução, deverão estar presentes três
70
ibidem, p. 390.
71
ibidem, pág. 129.
27
aspectos: a necessidade de sentença condenatória genérica em direitos individuais
homogêneos; o prazo de um ano contado do trânsito em julgado da sentença e por fim que a
situação de fato indique uma vantagem patrimonial para o condenado ponderando-se a
quantidade de execuções individuais realizadas e a extensão do dano causado.72
A coisa julgada na class action, conforme já explicitado acima, é uma exceção à
regra de que a coisa julgada é somente entre as partes litigantes no processo. O julgamento
favorável ou desfavorável à classe será diretamente eficaz a todos aqueles que o tribunal
declarar como integrantes do grupo.
Por fim, no direito norte-americano não há isenção de custas do processo, o que
significa que todo o valor gasto com o processo será custeado pelo autor. Não existindo
condenação em custas e honorários, tanto o advogado do auto como a recuperação do dinheiro
gasto com o processo serão ressarcidos com a condenação da outra parte ao pagamento de
indenização.73
O direito brasileiro tenta, de alguma forma, obter os mesmos parâmetros do
direito norte-americano no que se refere à legitimidade e ao processamento das ações
coletivas. É impossível traçar uma linha de comparação retilínea, porque de um lado um
sistema de commom Law e de outro civil Law. Nos Estados Unidos os problemas que surgem
no exame de uma ação coletiva são solucionados pelo próprio juiz. Este poder não faz parte
de nosso sistema jurídico. Não obstante as diferenças entre o sistema jurídico brasileiro e o
americano, é evidente que o direito brasileiro, no que tange à tutela coletiva, possui grande
influência do sistema norte-americano.
A class action for damages, já analisada, mostrou-se particularmente relevante
para a experiência brasileira, porque dela derivou nossa inspiração para a tutela coletiva de
interesses individuais homogêneos. Conforme ensina Ada Pelegrini Grinover: a prevalência
das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema da
class action for damages norte-americana, também o é no ordenamento brasileiro, que só
possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos:
72
RODRIGUES, Marcelo Abelha. “Ponderações sobre a Fluid Recovery do artigo 100 do CDC”. In MAZZEI,
Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 463-464.
73
ibidem, pág. 363.
28
Essa origem comum, como lembra Kazuo Watanabe, ao contrário da relação jurídica
base dos direitos coletivos stricto sensu, não é preexistente à lesão, e sim fruto da
própria lesão ao bem jurídico objeto do direito. Além disso, não significa,
necessariamente, uma unidade factual e temporal, bastando que os danos tenham
como causa fatos dotados de homogeneidade.74
O direito americano não possui previsões como as do art. 82, I, II e III do Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor ou do art. 5º, caput, da Lei da Ação Civil
Pública, legitimando o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e
entidades de órgãos da administração pública a propor ações coletivas em benefício
da comunidade. Isso seria, até certo ponto, incompatível com a ideologia
extremamente liberal, não paternalista e privatista em vigor nos Estados Unidos.75
74
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Coord. Ada Pellegrini
Grinover. 5. ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária: 1998, p. 626-629.
75
GIDI, Antonio. op.cit., p. 124.
29
O condenado depositaria o dinheiro da condenação neste fundo, cujo objetivo
seria a reparação do dano causado. Este fundo existe no direito brasileiro como o fundo de
defesa dos direitos difusos. E sua precisão está no artigo 100 do CDC.
Conforme explicitado acima, no direito brasileiro este fundo é residual, ou seja,
somente haverá a condenação para o fundo, no caso dos direitos individuais homogêneos,
caso o número de interessados’ em executar individualmente não represente o real dano
causado.76
No direito americano o fundo é o principal destinatário das condenações das ações
coletivas. No Brasil o fundo também recebe os valores decorrentes de indenizações pagas por
demandas de direitos difusos e coletivos stricto sensu.
76
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual, 1. ed., Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1990, p. 140.
77
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 9.
78
KLAUSNER, Eduardo Antonio. op. cit., pág. 71.
30
Artículo 51:
79
O artigo 51 da Constituição Espanhola pode ser visto pelo site http://pt.scribd.com/doc/2411565/Constitucion-
de-Espana. “Os poderes públicos garantirão a defesa dos consumidores e usuários, protegendo, mediante
procedimentos eficazes, a segurança, a saúde e os legítimos interesses econômicos destes. 3. Os poderes públicos
promoverão a informação e a educação dos consumidores e usuários, fomentarão sua organização e ouvirão a
estas organizações de consumidores nas questões que possam afetar a estes nos termos que a lei estabeleça
(tradução livre).
80
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 152.
81
Para mais informações, além dos artigos 60, 81 e 99, ver o site www.parlamento.pt.
31
Portugal não dispõe de um eficiente sistema processual de proteção aos interesses
difusos e, consequentemente, muitas vezes carece de um ente representativo permanente.
A principal forma de defesa de interesses coletivos em Portugal é a ação popular,
legitimando qualquer cidadão no gozo de seus direitos civis e políticos e as associações e
fundações defensoras do interesse em causa. Os titulares dos interesses em causa devem ser
intimados, podendo intervir no processo a título principal ou pedir sua exclusão dessa
representação para não estarem sujeitos aos efeitos da sentença.82
Existia um projeto de lei para dar legitimidade ao Ministério Público para a defesa
de interesses difusos, mas este foi rejeitado. Os principais defensores dos direitos coletivos
são as associações, que podem intervir inclusive na definição política no que se refere ao meio
ambiente e aos direitos dos consumidores.83
Na doutrina italiana existe ainda uma grande divergência entre a classificação dos
direitos coletivos. Não há a classificação dos chamados direitos individuais homogêneos, mas
apenas coletivos e difusos. Para alguns autores, a diferença entre direitos difusos e coletivos
está no fato de o direito coletivo se referir a um grupo organizado, semelhante à classificação
do direito coletivo no Brasil84.
Para outros, no entanto, o fundamental é a indivisibilidade do bem objeto do
interesse e sua utilização por uma pluralidade de pessoas. Os principais teóricos do direito
coletivo na Itália foram Mauro Cappelletti e Vincenzo Vigoriti.85
No direito italiano os direitos difusos e coletivos também podem ser classificados
como direito subjetivo semelhante ao direito individual, ou seja, conforme a doutrina
processual tradicional ou ainda como tertium genus, permitindo sua tutela pelo contencioso
administrativo no lugar da via jurisdicional tradicional86.
82
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 136.
83
DINAMARCO, op. cit., p. 32
84
ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 106.
85
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, 2ª edição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 103.
86
ESTAGAN, Joaquín Silguero apud. ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 107
32
Em razão das divergências conceituais, há certa dificuldade em efetivar esses
direitos, pois há divergência sobre a legitimidade ativa para o comparecimento em juízo ou
administrativamente para a defesa desses direitos87.
A jurisprudência italiana tem negado a efetividade do direito sob dois
fundamentos distintos: ou negam a jurisdição de qualquer juiz sobre a controvérsia pela
impropriedade absoluta da demanda quando o autor se afirma titular de um interesse que não
admite tutela; ou nega a legitimação para agir quando o autor ajuíza a ação, em nome próprio,
mas na defesa de um interesse alheio fora das hipóteses excepcionalmente admitidas.88
Em conclusão, no sistema italiano não há legislação específica ou apropriada para
as ações coletivas e a defesa dos interesses coletivos. Não há um microssistema similar ao
brasileiro, existindo apenas propostas doutrinárias para a solução do problema89.
Na França existe a necessidade de se enquadrarem os interesses coletivos no
sistema processual. No sistema processual francês, para o ajuizamento da demanda é
necessária a alegação de um direito, bem como de um interesse, legitimidade e capacidade. O
interesse deve ser legítimo, atual, pessoal e direto. Estas características dificultavam a
propositura de demandas por associações e sindicatos, pois todos estes requisitos também
eram necessários para o ajuizamento de demandas referentes a direitos coletivos90.
Em 1913 houve a primeira decisão de Corte Superior Francesa estabelecendo a
possibilidade de ajuizamento de demandas por sindicatos sempre que demonstrado o prejuízo
aos interesses coletivos da profissão que representavam. Tais pedidos, no entanto, não
poderiam ser confundidos com os direitos gerais, representados pelo Ministério Público.
Como o direito francês não distinguia claramente o direito coletivo do interesse geral, houve
em verdade uma restrição à tutela coletiva pelos entes sociais.
Na França, a tutela dos direitos coletivos pelas associações e sindicatos se dá tanto
na esfera cível como na esfera penal. O direito do consumidor é tratado de forma especial na
França, através da Lei do Comércio e Artesanato, que estabelece em seu artigo 46 que as
87
TOMMASEO, Ferruccio. Appunti di diritto processuale civile. 3ª edição, Torino, Giappichelli, 1995, p. 187.
88
MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela Inibitória (individual e coletiva), 2ª ed., São Paulo, Ed, Revista dos
Tribunais, São Paulo, 2000, p. 236.
89
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 54.
90
ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 111
33
associações que têm por objeto estatutário a defesa dos interesses dos consumidores podem,
se autorizadas para este fim, exercer perante todas as instituições as ações cíveis relativas aos
fatos que produzam um prejuízo direto ou indireto ao interesse coletivo dos consumidores.91
A legislação francesa ainda exige que a associação comprove um número mínimo
de 1.000 (mil) membros para a legitimidade de propor a demanda coletiva.92 É admitido ainda
o ressarcimento individual derivado de ações coletivas, bem como a defesa de outros
interesses coletivos, como o meio ambiente.
Como se vê, a defesa dos interesses coletivos na França está limitada à atuação das
associações, como parte civil, nas ações civis (action civile). Embora não haja norma
geral permissiva, a legislação francesa vem ampliando gradativamente as hipóteses
legais neste sentido.93
91
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 150-151.
92
Lei 546 de 1º de julho de 1972.
93
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. op. cit., p. 151.
94
ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit. p. 115
95
ibidem, p. 119.
34
perante a Jurisdição de Equidade. O Bill of Peace se desenvolveu a partir da ideia de interesse
comum, em que a coisa julgada abrangia o interesse de todos os membros de uma classe96.
Hoje na Inglaterra existem dois tipos de demanda coletiva: a primeira,
denominada de representative action, possibilita que um ou mais indivíduos possam
representar um grupo de que fazem parte para a defesa de um interesse comum. A coisa
julgada, nesta demanda, abrange os representantes e os representados.
A outra forma de demanda coletiva, denominada relator action, possibilita que
um indivíduo que não tem legitimidade para a defesa de um interesse difuso requeira ao
Procurador Geral do Ministério Público autorização para o ajuizamento da demanda97.
Em ambos os casos não há a possibilidade de reparação de danos individuais, mas
apenas o direcionamento da condenação a fundos de recuperação do bem lesado.98
A União Européia possui grande interesse em aumentar a proteção ao direito de
seus consumidores sem, entretanto, desrespeitar as grandes diferenças dos países que fazem
parte da comunidade. Três frentes são abordadas para a efetivação dessa proteção: a criação
de uma estrutura executiva, de uma estrutura judiciária e, finalmente, o estabelecimento de
regras mínimas a serem aplicadas em todos os países.99
Não obstante encontrarmos a proteção ao direito do consumidor em todos os
países da União Europeia, tal proteção ainda está voltada à proteção individual. A Europa
ainda não possui tradição em defesa de direitos de forma coletiva, existindo algumas
previsões esparsas nos ordenamentos.
96
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit. p. 38
97
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris
Editor, 1998, p. 140.
98
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. ibidem, p. 38-57.
99
SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 139.
35
Avançando mais ainda o relógio da história encontramos o nosso monumental
Código Comercial de 1950 – que de tão glorioso se recusa a morrer. Neste Código
dos comerciantes (lato sensu), corporativismo originário da idade medieval, por
exemplo, o art. 210, cujo teor é proteger o comprador dos vícios ocultos da coisa
vendida.100
O próprio Código Penal de 1940 (artigo 175) e o antigo Código Civil de 1916
continham discreta proteção do consumidor. Já a constituição de 1934 trouxe proteção à
economia popular, além da proibição da usura pelo Decreto-Lei n° 869 de 1938.
No Brasil, o processo de industrialização teve início no final do século XIX e teve
seu auge somente na década de 1970. Esta época foi chamada de “milagre brasileiro” em
razão do grande crescimento econômico alcançado.101
Esta época também marcou o início da proteção do consumidor no Brasil, e
começou a realmente ser discutida a futura legislação de proteção do consumidor, conforme
veremos a seguir.
100
AMARAL, Luiz Otávio. História do Direito do Consumidor no Brasil: 20 anos do Código de Defesa do
Consumidor. Estudos em Homenagem ao Prof. Geraldo Brito Filomeno. São Paulo, Atlas, 2010, p. 485.
101
RIOS, Josué. op. cit., p. 42.
102
RIOS, Josué. op. cit., p. 44.
36
relacionadas ao direito do consumidor, entre outras funções. Este órgão foi ainda fortalecido
pela Lei Estadual n° 1.903, que colocou como atribuições, ainda, o atendimento direto da
população e o ajuizamento de medidas judiciais em favor dos consumidores.103
Essas novas atribuições dadas ao órgão ficaram a cargo do Procon (Grupo
Executivo de Proteção ao Consumidor).
O Procon acabou influenciando a criação de órgãos semelhantes em outros
Estados da Federação:
É importante salientar que foram ouvidos os reclamos dos órgãos e entidades ligados
à área de defesa e proteção ao consumidor, não tendo sido fácil o caminho trilhado
pelo “movimento consumerista brasileiro” que, embora incipiente e atrasado com
relação ao do primeiro mundo, como já salientado linhas atrás, ganhou pertinácia. Já
ao ensejo do IV Encontro Nacional das Entidades de Defesa do Consumidor,
realizado em 1985 no Rio de Janeiro, tiraram-se propostas concretas no sentido de
incluírem, no texto constitucional então vigente (Emenda Constitucional n° 1, de
1969), mediante emenda, dispositivos claros a respeito da defesa do consumidor,
como dever do Estado e direito da população.104
103
ibidem, p. 48-49.
104
FILOMENO, José Geraldo Brito. op. cit., p. 8-9.
105
AMARAL, op. cit. p. 487.
106
Citamos o passo: “Art. 1º: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: ll - ao consumidor”.
37
encomendou um documento para juristas elaborarem uma primeira formulação de política
nacional de defesa do consumidor.
Segundo Luiz Otavio de Amaral, este documento preconizava que:
uma política efetiva de proteção aos direitos do consumidor não pode e não deve ser
entendida como uma ação contra as forças de produção e distribuição. Ela deve
representar, em verdade, uma salutar busca de equilíbrio de justiça social, com um
incisivo respeito aos direitos humanos e deve se dirigir, punitivamente, apenas
àqueles que violem estes ideais.107
107
op. cit., pág. 485.
108
AMARAL, Luiz Otávio, op. cit., p. 485.
38
consumidores; princípios e regras que definam a responsabilidade de produtores e
distribuidores. Que protejam os indivíduos contra práticas comerciais abusivas; que
reprimam as fraudes e abusos contra a própria saúde e segurança dos consumidores;
que, afinal, garantam a estes de modo eficaz, e sem onerosas controvérsias, o
ressarcimento devido.109
109
AMARAL, Luiz Otávio, op. cit., p. 485.
110
RIOS, Josué. op. cit. p. 64.
39
são fins em si mesmos, senão meios para fins mais justos e humanos: o bem-estar
social.111
111
AMARAL, Luiz Otávio. op. cit., p. 495.
112
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e Branco; GONET, Paulo Gustavo. Curso de
Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 13.
113
In Estado de Direito e Constituição, 4. ed., Saraiva, p. 18-19.
40
Durante um largo período de tempo, acreditava-se que a Constituição Federal
somente trazia regras gerais do Estado, que deveriam ser efetivadas através de normas
infraconstitucionais, ou seja, as leis ordinárias e complementares. Assim, era muito comum a
interpretação das normas relativas a determinado direito ser realizada somente através das leis
ordinárias e principais.
Entretanto, até mesmo em função da estabilidade política vivida pelo Brasil e a
concretização do Estado Democrático de Direito, paulatinamente esta forma de interpretação
do direito está sendo alterada114.
Hoje predomina o entendimento entre os juristas de que as normas devem sempre
ser interpretadas de acordo com a Constituição Federal e que os princípios estabelecidos na
Constituição não são de natureza programática, mas efetivos comandos com aplicabilidade
imediata.115
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet
Branco defendem até mesmo a existência de um princípio da interpretação conforme a
Constituição:
114
In A força normativa da constituição, tradução Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris
Editor, 2001, P. 13.
115
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; DUARTE, Francisco Carlos. Hermenêutica e Argumentação
Neoconstitucional, ed. Atlas, São Paulo, 2009, p. 22.
116
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e Branco; GONET, Paulo Gustavo. Curso de
Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 119.
41
No sentido da interpretação das leis conforme a Constituição Federal,
recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu:
42
FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação
em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não
resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de
“interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em
causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública
e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de
ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união
estável heteroafetiva. (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011
EMENT VOL-02607-01 PP-00001).117
117
Disponível no site www.stf.jus.br.
118
In A força normativa da constituição, tradução Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris
Editor, 2001.
119
NERY JR.,Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 8. ed., Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2004, p. 36.
43
Não foi por mero acaso que logo em seguida se manifestou de modo muito forte o
engajamento de parte da doutrina brasileira às propostas da escola instrumentalista e
às ondas renovatórias por ela posta em destaque, com preocupações pelo
atendimento aos portadores de pretensões de baixo valor econômico, pela tutela
coletiva – ao meio ambiente, aos consumidores ou a comunidades integradas em
grupos associativos – pela efetividade da tutela jurisdicional, pelos escopos sociais
do processo, pelo acesso à justiça como um valor a ser a todo custo postulado pela
ordem processual e, enfim, pela implantação de um sistema de processo justo e
équo.120
120
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.1, 6. ed., Malheiros, São Paulo,
2009, p. 287
121
MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit., p. 57.
122
CRETELLA JR., José. Enciclopédia Saraiva de Direito, n° 49, pág. 436-454, 1977.
44
correspondência), necessitando de uma atuação efetiva do Estado, exigindo dele
uma prestação positiva. Desde os primeiros momentos do entusiasmo revolucionário
de 1789, até os nossos dias, a idéia de liberdades públicas sofreu grande alteração.
Ao lado, portanto, das liberdades negativas (comportamentos garantidos, sem a
ingerência do Estado), convivem as liberdades positivas (obrigação do Estado de
123
comparecer para a prestação de certas tarefas).
123
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, 3. ed.,
Brasília, Corde, 2003, p.63.
124
In Direitos Humanos Fundamentais, teoria geral: comentários aos artigos 1° e 5° da Constituição da
República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 187-188.
45
O artigo 170 da Constituição Federal também prevê a defesa do consumidor, na
medida em que estabelece que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, na
livre iniciativa e assegurara a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Nos incisos que estabelecem quais são esses ditames, temos o inciso V, qual seja, a defesa do
consumidor:
O autor ainda afirma que a defesa do consumidor atende a uma dupla função:
125
Marques, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3. ed., São Paulo, RT, 2010, p.
66.
126
In Curso de direito constitucional Positivo, 31. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 262
46
mais do que o “ser” é a ambição de uma grande maioria de pessoas, que se satisfaz
127
mediante o consumo.
Por fim, no artigo 150, §5º, da Carta Magna, existe a previsão de que todas as
esferas de Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) devem esclarecer
seus consumidores sobre impostos que recaem sobre os produtos e serviços.
Nas disposições transitórias da Constituição Federal (artigo 48), existia a previsão
de ser elaborado um Código de Defesa do Consumidor, que hoje é a lei 8.078 de 1990.
Importante ressaltar ainda que a Constituição Federal trouxe a previsão da Defesa
dos Interesses Difusos e Coletivos.
Adolfo Mamoru Nihiyama defende que a previsão de proteção ao direito do
consumidor é clausula pétrea na Constituição Federal.128 Sendo considerada como cláusula
pétrea, qualquer emenda constitucional do Poder Constituinte reformador com a tendência de
abolir ou prejudicar os interesses do consumidor seria inconstitucional.
Assim, podemos afirmar que a defesa dos interesses difusos e coletivos e
especialmente a defesa dos direitos dos consumidores chegaram ao Brasil, efetivamente, com
a Constituição Federal de 1988.
A defesa do consumidor pelo Estado é de fundamental importância, e não
obstante as legislações que temos até hoje, resta claro que as relações de consumo ainda são
vistas como relações de particulares, quando na verdade deveriam ser vistas como exercício
de cidadania e, como tal, merecedoras de toda a proteção estatal:
127
ibidem, p. 263
128
A proteção do consumidor esta consagrada no art.5°, inciso XXXII, como um direito e garantia individual,
não podendo, portanto, ser abolida mediante Emenda Constitucional. A vedação abrange a pretensão de
modificar qualquer elemento conceitual da defesa do consumidor ou outro direito e garantia individual; basta
apenas que haja proposta de emenda que tenda a abolir aquele princípio (NIHIYAMA, Adolfo Mamoru. A
proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 131-132).
47
talvez seja mais producente fiscalizar a atuação dos parlamentares em matéria
relativa à defesa do consumidor; em lugar de integrarem órgãos de fiscalização ou
de defesa do consumidor, criados pelo Poder Executivo, mais importante é
cobrar/fiscalizar a atuação destes organismos.129
129
RIOS, Josué, op. cit., p. 37.
130
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 16.
131
ibidem, p. 17.
48
de interesses (de consumidores e fornecedores); coibição de abusos (praticados pelo mercado
de consumo); incentivo ao autocontrole (entre fornecedores e consumidores sem a intervenção
do Estado); conscientização dos fornecedores e consumidores (de seus direitos e deveres) e;
melhoria dos serviços públicos.
A vulnerabilidade é o princípio básico das relações de consumo. Este princípio
visa efetivação da garantia da igualdade entre consumidores e fornecedores. A
vulnerabilidade do consumidor pode ser técnica, jurídica e fática.
Assim ensina José Geraldo Brito Filomeno:
132
FILOMENO, José Geraldo Brito. op.cit., p. 74.
49
Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Balson Araújo,
133
Julgado em 07/07/2011).
50
O inciso IV do artigo 4° prevê ainda a necessidade de harmonização dos
interesses de consumidores e fornecedores. No entendimento de José Geraldo Brito Filomeno,
esta harmonização se dará especialmente por três grandes instrumentos.136
O primeiro instrumento seria, ao lado de outras técnicas de marketing, o
aperfeiçoamento dos Serviços de Atendimento ao Consumidor. Estes serviços estabelecem
uma relação entre o consumidor e o fornecedor que vai além do momento do consumo e
permitem que o consumidor tenha suas dúvidas e reclamações atendidas pelo próprio
fornecedor, sem a necessidade da intervenção de qualquer terceiros nessa relação.
Outro instrumento importante para esta harmonização seriam as convenções
coletivas de consumo, previstas no artigo 107 do CDC. Esta provisão tem como objetivo
dirimir conflitos tanto para os consumidores como para os fornecedores.
O último instrumento mencionado pelo doutrinador seria a efetiva prática de
recall. O recall chama os consumidores para o reparo de algum defeito ou vício no produto
adquirido. Esta prática está prevista no artigo 10 e parágrafos da lei n° 8.078/90.
João Batista de Almeida critica a redação do artigo 10 do CDC. Para o autor a
simples previsão do recall não é suficiente para impedir danos ao consumidor, pois o alerta
deve, necessariamente, ser seguido do reparo.137
O código apresenta ainda a obrigatoriedade de todos (Estados e fornecedores e
entidades privadas de defesa do consumidor) de educação e informação com relação aos
direitos do consumidor:
Não apenas a área privada está obrigada a prestar serviços eficientes e seguros ao
seu usuário. Também a área pública, oficial, deve ter o compromisso de prestar
serviços públicos igualmente seguros e eficientes, que não atentem contra a vida, a
saúde e a segurança do consumidor. Ante o reconhecimento da alta precariedade
com que são prestados os serviços públicos, notadamente os de transporte e saúde, é
feita recomendação aos governos no sentido de racionalizá-los e de melhorá-los, o
que se enquadra no objetivo maior de proteger o consumidor e melhorar-lhe a
qualidade de vida.138
136
Op. cit., p. 81-85
137
ALMEIDA, João Batista, op. cit, p. 97.
138
ALMEIDA, João Batista, op. cit, p. 21.
51
O artigo 5º do CDC traz a intervenção estatal para as relações de consumo.
Quanto à finalidade da intervenção estatal, como defende Cláudia Lima Marques:
Realizar o objetivo político de proteção dos consumidores não é tarefa fácil, assim
que os instrumentos para esta realização têm de ser vários e abrangentes,
assegurando desde o acesso à justiça (I) com uma defensoria pública (Estadual e da
União) ativa e demais formas de assistência jurídica, um Ministério Público atuante
e especializado (II), policiais e delegacias especializadas (III), organização e
manutenção dos importantes Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje estaduais,
federais, cíveis e criminais (IV), assim como apoio às associações de Defesa do
Consumidor (V), hoje reunidas no Fórum das Entidades Civis de Defesa do
Consumidor. 139
Este artigo prevê várias entidades e políticas públicas que deverão fomentar a
proteção do direito do consumidor no país. Evidentemente, o artigo não encerra as
possibilidades de política pública para a execução da Política Nacional do Direito do
Consumidor. Trata-se de rol exemplificativo.
Assim, explica José Geraldo Brito Filomeno:
139
Op. cit., p. 200.
140
Op. cit. p. 190.
52
1. 2.5 A tutela coletiva das relações de consumo
Embora o acesso à justiça pudesse ser um direito natural, os direitos naturais não
necessitavam de uma ação dos Estados para a sua proteção. Esses direitos eram
considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não
permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia
passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para
reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente.142
141
CAPPELLETTI; Mauro, GARTH; Bryant Garth. Acesso à justiça, tradução Ellen Gracie Northfleet, Sérgio
Antonio Fabris Editor, p. 26.
142
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais civeis e ação civil pública. Uma
nova sistematização da Teoria Geral do Processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 26.
53
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, no livro Acesso à justiça, já dispunham as
dificuldades de efetivação de direitos difusos do consumidor:
143
CAPPELLETTI; Mauro; GARTH, Bryant, op. cit., p. 26.
144
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit., p. 29.
54
tribunais ficam lotados de demandas semelhantes, sem que haja uma solução definitiva para o
caso, pois cada um que se sente lesado deve ajuizar demanda própria.
Outro fato de grande importância das ações coletivas é a garantia da igualdade e
da segurança jurídica:
As ações coletivas, por englobarem o direito de todos aqueles que poderiam ser
beneficiados individualmente, trazem uma só sentença, com o mesmo conteúdo para situações
idênticas, privilegiando a segurança jurídica.
As ações coletivas garantem ainda a igualdade das partes no processo, porque
embora formalmente esta sempre deva existir, o fato é que, na prática, em razão dos recursos
financeiros e materiais, há uma grande divergência entre os litigantes.146
As ações coletivas tiveram grande desenvolvimento a partir de seu surgimento na
Inglaterra e nos Estados Unidos.
Atualmente, existe uma nova forma de se ver o direito coletivo, como aquele que
ultrapassa a fronteira de um só país. Esta tem sido uma preocupação da União Europeia e uma
tendência mundial.147
145
ibidem, p. 35.
146
A possibilidade de os interesses e direitos lesados serem defendidos concomitantemente fez com que a
correlação de forças entre os litigantes seja redimensionada em benefício da parte individualmente fraca, mas
razoavelmente forte quando agrupada, levando por terra, assim, a política maquiavélica da divisão para reinar.
(MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, op. cit., p. 36)
147
KLAUSNER, Eduardo Antonio, op. cit., p. 43.
55
2 – A Tutela dos Direitos Metaindividuais do Consumidor e as Previsões
Legislativas
Pode-se afirmar que a Lei da Ação Civil Pública, antes mesmo do Código de
Defesa do Consumidor, já previa a possibilidade de as associações de direito do consumidor,
bem como os entes de direito público, obter a condenação dos fornecedores em dinheiro e à
obrigação de fazer.
Entretanto, esta lei não tratava especificamente dos casos de direito do
consumidor, e a matéria só foi realmente abordada com a entrada em vigor do Código148.
A importância da tutela metaindividual do consumidor reside, entre outras razões,
no fato de organizar os interesses de toda a coletividade e permitir a efetiva defesa dos
interesses do consumidor, seja no âmbito difuso, coletivo ou individual homogêneo.149
O artigo 2°, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor traz a previsão
da coletividade do consumo.150
Ao proteger a coletividade de consumidores, o Código privilegia a tutela coletiva
dos direitos.
Neste sentido, temos o entendimento de José Geraldo Brito Filomeno:
Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em
mora no parágrafo único do artigo 2° do Código do Consumidor é a universalidade,
conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou
categoria deles, e desde que relacionados a determinado produto ou serviço. Tal
perspectiva é extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna,
por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos,
beneficiando-se, assim, abstratamente, as referidas universalidades ou grupo de
consumidores aos devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter
148
FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit. p. 403.
149
Outra barreira se relaciona precisamente com a questão da reunião. As várias partes interessadas, mesmo
quanto lhes seja possível organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer da necessária informação ou
simplesmente serem incapaz de combinar uma estratégia comum (Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit.. pág.
27)
150
Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervido nas
relações de consumo (Código de Defesa do Consumidor, artigo 2º, § único).
56
a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis, circunstâncias essas
pormenorizadamente previstas a partir do artigo 81 e seguintes.151
151
FILOMENO, José Geraldo Brito, op. cit., p. 39.
152
BENJAMIN, Antonio Herman V., Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, 10. ed., v. 2, Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 1297.
57
Ao classificar esses direitos, o Código diferenciou os interesses verdadeiramente
coletivos daqueles que assumem a dimensão coletiva somente quanto ao modo de postular em
juízo.
(...) a fim de que a tutela dos interesses difusos se faça eficazmente, é preciso
prosseguir nessa linha evolutiva, tendente a reconhecer o interesse processual a
partir da necessidade de tutela a interesses legítimos e socialmente relevantes,
quando se trate de ações com finalidade metaindividual. Com isso se dispensará o
penoso recurso de se tentar aproximar os interesses difusos dos direitos subjetivos,
poupando-se, outrossim, as dificuldades ulteriores que soem advir das construções
jurídicas que se estabelecem a partir de analogia extensiva com categorias “afins”.153
153
MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op.cit., p.50
58
comum, seja em sentido oposto, a interesses públicos eventualmente fragmentados.
Em tal categoria, está em jogo ente diverso – numérica e qualitativamente – da mera
soma dos interesses individuais dos sujeitos envolvidos.154
Os direitos difusos, por serem caracterizados como aqueles em que os titulares são
indetermináveis, são aqueles referentes a toda coletividade. No caso do direito do consumidor,
podemos citar como hipóteses de violação do direito do consumidor a publicidade enganosa e
a colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde e
à segurança dos consumidores.155
154
BENJAMIN, Antonio Herman V., op. cit., p. 1300-1301.
155
WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 72.
156
Artigo 81, parágrafo único, II.
157
Op. cit., p. 1302-1303.
59
A transindividualidade do direito coletivo seria restrita na medida em que esta se
refere apenas aos membros do grupo ou categoria, e não a todas as pessoas como no direito
coletivo.
A determinabilidade dos sujeitos decorre justamente da transindividualidade
restrita, já que é possível identificar cada um dos membros do grupo ou categoria.
Além da possibilidade de determinação dos titulares do direito, é importante
ressaltar que estes podem abrir mão de seu direito individualmente, mas nunca do direito do
grupo. Outra característica importante dos direitos coletivos stricto sensu é a relação jurídica
base.
De acordo com Kazuo Watanabe:
158
ibidem, p. 73.
60
interesses individuais homogêneos, que só foi criada pela lei consumerista. Contudo,
o Supremo Tribunal Federal já enfrentou o tema e, adotando a dicção constitucional
em sentido mais amplo, posicionou-se a favor da legitimidade do Ministério Público
para propor ação civil pública para proteção dos mencionados direitos. Precedentes.
3. No presente caso, pelo objeto litigioso deduzido pelo Ministério Público (causa de
pedir e pedido), o que se tem é o pedido de tutela de um bem indivisível de todo um
grupo de consumidores, de tutela contra exigência dirigida globalmente a todos os
alunos: a suposta ilegalidade ou abusividade da prestação pecuniária para expedição
de diplomas ou de versão deste com padrão de qualidade superior, bem como o
pedido de condenação à obrigação de a União fiscalizar estas instituições de ensino.
Assim, atua o Ministério Público em defesa do direito indivisível de um grupo de
pessoas determináveis, ligadas por uma relação jurídica base, circunstâncias
caracterizadoras do interesse coletivo a que se refere o art. 81, parágrafo único, II, da
Lei n. 8.078/90. E o art. 129, inc. III, CR/88 é expresso ao conferir ao Parquet a
função institucional de promoção da ação civil pública para a proteção dos interesses
difusos e coletivos. 4. Já a pretensão ressarcitória, que, in casu, trata-se de típico
direito individual homogêneo, pretendida pelo recorrido por meio da ação civil
pública, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, justificar-se-ia
por dizer respeito à educação, interesse social relevante, mas sobretudo para evitar
as inumeráveis demandas judiciais (economia processual), que sobrecarregam o
Judiciário, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas. 5. É
patente a legitimidade ministerial, seja em razão da proteção contra eventual lesão
ao interesse coletivo dos consumidores, seja em decorrência da necessidade de
defesa de direitos individuais homogêneos com relevância social objetiva e capazes
de gerar inumeráveis demandas judiciais incongruentes. 6. Recurso especial não
provido. (STJ, Resp 1185867/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 12/11/2010).159
159
Disponível no site www.stj.jus.br.
61
2.1.3 Direitos Individuais Homogêneos.
Próxima ou imediata, como no caso de uma queda de avião, que vitimou diversas
pessoas; ou remota, mediata, no caso de um dano à saúde, imputado a um produto
potencialmente nocivo, que pode ter tido como causa próxima as condições pessoais
ou o uso inadequado do produto. Quanto mais remota for a causa, menos
homogêneos serão os direitos.161
A importância desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo direito positivo
nacional não existiria a possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com
natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da
massificação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A
160
ibidem, p. 76.
161
ibidem, p. 76.
162
ROCHA, Luciano Velasque. Ações Coletivas. O problema da legitimidade para agir, Rio de Janeiro,
Forense, 2007, p. 61.
163
In Tutela coletiva e sua efetividade, São Paulo, Método, 2006, p. 30.
62
ficção jurídica atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça
frente aos reclames da vida contemporânea.164
164
Op. cit., pág. 76.
165
Para mais informações: http://www.mpcon.org.br/site/portal/jurisprudencias_detalhe.asp?campo=2897.
166
Mais informações em www.pucsp.br/.../codigomodelo, acesso em 22 de fevereiro de 2012.
167
In Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed., São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2009, p. 47.
63
Mesmo existindo divergências sobre a classificação de direitos individuais
homogêneos, se direitos coletivos ou individuais tratados coletivamente, importante foi o seu
reconhecimento pelo legislador, possibilitando a sua defesa em juízo através das ações
coletivas.
168
DIDIER, Fredie Jr; ZANETI, Hermes Jr., Curso de Direito Processual Civil, v.4, Processo Coletivo, 4ª
edição, Salvador, 2009, p. 46.
64
Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do
denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos
coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do
Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade
Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os
instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de “propiciar sua
adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC). 6. Recurso especial provido para
determinar o prosseguimento da ação civil pública. (REsp 695.396/RS, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe
169
27/04/2011).
169
Disponível no site www.stj.jus.br.
170
GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 2.
65
2.2.1 Microssistema das Ações Coletivas
Os diplomas que regem as ações coletivas no Brasil devem ser considerados como
um todo, ou seja, os diplomas devem ser integrados formando um microssistema,
especialmente no que se refere aos dispositivos da Lei de Ação Civil Pública e do Código de
Defesa do Consumidor.
Embora estes dois diplomas acima citados sejam os mais importantes deste
microssistema, podemos citar ainda como componentes a Lei de Ação Popular, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, as disposições sobre Mandado de Segurança Coletivo e a Lei de
Improbidade Administrativa.
No sentido de que os diplomas legais que regem os direitos coletivos formam um
microssistema171, temos:
Note-se por ser uma característica pouco comum, que o microssistema coletivo tem
sua formação marcada pela reunião intercomunicante de vários diplomas,
diferenciando-se da maioria dos microssistemas que, em regra, recebem apenas
influência de normas gerais. Por exemplo, a Lei n° 8.245/91 (exemplo de diploma
extravagante nas relações entre locador e inquilino de imóveis) possui diálogo com o
Código Civil (CC), o Código de Processo Civil (CPC) e, obviamente, a Constituição
Federal (CF). Com efeito, a concepção do microssistema jurídico coletivo deve ser
ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do CDC e da LACP, mas de
todos os corpos legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual o diploma
que compõem o microssistema é apto a nutrir carências regulativas das demais
normas, pois, unidas, formam um sistema especialíssimo.172
Este microssistema significa que todas as normas a eles pertencentes devem ser
aplicadas a todos os processos que tratam de direitos coletivos. Neste sentido, podemos
defender, por exemplo, que a inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, do Código
de Defesa do Consumidor deve ser aplicada em qualquer espécie de processo coletivo, ainda
171
“O CDC não traz todas as disposições atinentes ao nosso processo coletivo e é importante para a finalidade
que atende o processo coletivo que busquemos integrar, no que existe de positivo, os diversos diplomas que
referem sobre as ações coletivas.”(DIDIER, Fredie Jr., ZENETI, Hermes Jr.,op.cit., p. 50).
172
MAZZEI, Rodrigo Reis. “Ação Popular e o microssistema da tutela coletiva”, In MANOEL Jr., Luiz
(Coord.), Ação popular – aspectos controvertidos e relevantes – 40 ano da Lei 4717/65. São Paulo, 2006.
66
que não se trate de matéria de direito do consumidor. A este microssistema serão aplicadas,
subsidiariamente, as normas do Código de Processo Civil. 173
Todo o desenvolvimento e a promulgação cada vez maior de legislações
privilegiando a defesa coletiva de direitos deram início a um movimento pelo reconhecimento
do Direito Processual Coletivo como um novo ramo do direito processual. Embora exista um
modelo ibero-americano de código de processo coletivo, este ainda não foi implantado no
Brasil.174
173
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 137-138.
174
GRINOVER, ADA Pellegrini. “Rumo a um Código Brasileiro de Processo Coletivos”, In: Processo Civil
Coletivo, Quartier Latin, São Paulo, 2005, p. 723.
175
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
67
estabelecida no artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor é funcional176, enquanto outros
defendem que a competência apenas territorial.177
Com todo o respeito às opiniões contrárias, parece-nos que se trata
verdadeiramente de competência funcional. Trata-se, no caso, de competência absoluta para o
local em que ocorreu o dano.
Uma inovação importante trazida pelo Código de Defesa do Consumidor foi a
possibilidade de sentença condenatória genérica (art. 97).
I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional,
aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
176
PIZZOL, Patricia Miranda. A Competência no processo civil. São Paulo, Malheiros, 2003.
177
JÚNIOR, Américo Bedé Freire. “Pontos nervosos da tutela coletiva: legitimação, competência e coisa
julgada”, In: Processo Civil Coletivo, Quartier Latin, São Paulo, 2005.
178
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro, um novo ramo do Direito
processual, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 374.
179
DIDIER JR, Fredie; ZANETTI JR, Hermes. op. cit., p. 356.
68
No caso de demandas tratando de direito individual homogêneo, o resultado da
demanda coletiva terá efeito erga omnes somente se julgada procedente, com o intuito de
beneficiar todas as vítimas do evento danoso. Trata-se de transporte in utilibus da coisa
180
julgada coletiva para o plano individual. O CDC prevê ainda que aquele que possui uma
demanda individual deverá pedir a suspensão desta para se beneficiar da demanda coletiva.
Por fim, existe um aspecto processual relevante no Código de Defesa do
Consumidor que não está em sua parte processual, mas dentro das regras de direito material
previstas no artigo 6º, VIII.
A inversão do ônus da prova é uma das características mais importantes da tutela
do direito do consumidor, seja ela individual ou coletiva.
A regra da distribuição do ônus da prova do CDC não segue a mesma sistemática
do Código de Processo Civil.
O artigo 333 do Código de Processo Civil estabelece que o ônus de afirmar e
provar se distribui entre as partes, de modo que cada uma é responsável por provar os fatos a
ser considerados pelo juiz.
O CDC, por outro lado, estabelece a possibilidade de inversão do ônus da prova
(art. 6º, VIII). Esta inversão é realizada pelo magistrado, levando em consideração dois
requisitos alternativamente: verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do
consumidor.
Note-se que a partícula “ou” bem esclarece que, a favor do consumidor, pode o juiz
inverter o ônus da prova quando apenas uma das duas hipóteses está presente no
caso. Não há qualquer outra exigência do CDC, sendo assim facultado ao juiz
inverter o ônus da prova inclusive quando esta prova é difícil mesmo para o
fornecedor, parte mais forte e expert na relação, pois o espírito do CDC é justamente
facilitar a defesa dos direitos dos consumidores e não o contrário, impondo provar o
que é, em verdade, o risco profissional ao – vulnerável e leigo consumidor.181
180
ibidem, p. 360.
181
MARQUES, Cláudia Lima. op. cit., p. 258.
69
inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser verossímil, quanto
o consumidor precisa ser hipossuficiente.”182
Parece-nos que o melhor entendimento é aquele que mais beneficia o consumidor,
ou seja, ficando comprovado um dos requisitos, seria possível a inversão do ônus da prova.
Para todo e qualquer processo, considerado em relação à lide que por meio dele
busca compor, cria a lei, explícita ou implicitamente, um esquema subjetivo
abstrato, um modelo ideal, que deve ser observado na formação do contraditório.
Esse esquema é definido pela indicação de determinadas situações jurídicas
subjetivas, às quais se costuma chamar de situações legitimantes.183
182
GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor 13/14, São
Paulo: RT, Jan-mar. 1995.
183
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aprimoramentos para um estudo sistemático da legitimação
extraordinária. Revista dos Tribunais, v. 404, p. 9-10.
70
extraordinária passiva), formula pedidos e requerimentos ao longo do procedimento,
recorre, etc. como parte que é, tem todos os ônus inerentes a essa condição, inclusive
o de realizar preparos de custas. Se o resultado do processo lhe for desfavorável,
arcará ele próprio com a obrigação final de pagar todas as despesas processuais e
honorários advocatícios da sucumbência.184
184
In Instituições de direito processual civil, v.2, 6. ed., Malheiros, São Paulo, 2009.
185
GUEDES, Clarissa Diniz. “A legitimidade ativa na ação civil pública e os princípios constitucionais”, In
MAZZEI, Rodrigo; Nolasco Rita Dias, Processo civil coletivo, p. 111.
186
SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade, Método, São Paulo, 2006.
187
WATANABE, Kazuo. “Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir”, In GRINOVER,
Ada Pellegrini, A tutela dos interesses difusos. São Paulo, Max Limonad, 1984.
71
individuais homogêneos, Sérgio Shimura também defende que a legitimidade é
extraordinária:
O legitimado não está defendendo direito alheio em nome próprio, porque não se
pode, rigorosamente, identificar o titular do direito. Não se cogitaria, por exemplo,
de ação judicial proposta pelos “lesados pela poluição”, pelos “consumidores de
propaganda enganosa”, como classe ou grupo de pessoas. A lei elegeu alguém para a
defesa de direitos porque seus titulares não podem fazê-lo individualmente. 188
De acordo com a classificação idealizada por José Carlos Barbosa Moreira e aceita
pela doutrina especializada, há duas espécies de legitimidade extraordinária: a
autônoma e a subordinada. A primeira caracteriza-se pela independência do
substituto em relação à pessoa que ordinariamente seria legitimada e em posição
análoga à que caberia a esta se estivesse em juízo. Já na subordinada, a presença do
legitimado ordinário (e eventualmente outra pessoa que detenha a legitimidade
extraordinária mais ampla para aquele processo) é essencial e uma vez por este
ajuizada a demanda, reconhece-se aos titulares de situações subjetivas diversas a
188
SHIMURA, Sérgio, op. cit.
189
“Ainda que proceda em parte esta argumentação (legitimação ordinária), em nosso atendimento, não se
explica satisfatoriamente a questão. Na verdade, identifica-se na ação civil pública ou coletiva a predominância
do fenômeno da Legitimação Extraordinária ou da Substituição Processual, pois este fenômeno processual só
não ocorreria se o titular da pretensão processual estivesse agindo apenas na defesa de interesse material que
ele alegasse ser dele próprio. Mas na ação civil pública ou coletiva, os legitimados ativos, ainda que ajam na
forma autônoma e possam também defender interesses próprios, na verdade estão a buscar em juízo mais que a
só proteção de interesses próprios”. (MAZZILLI, Hugo Nigro, A defesa dos interesses difusos em Juízo,
Saraiva, 17ª Edição, São Paulo, p. 61)
190
Op. cit., p. 425.
72
possibilidade de participarem dela, assumindo posições acessórias, ao lado do autor
ou do réu. No caso da ação civil pública, o substituto pode ajuizar a demanda, tendo
os mesmos ônus e deveres processuais de qualquer parte, respondendo inclusive
pelas eventuais custas e despesas processuais, apesar de não significar
necessariamente que ele possa realizar todas as atividades de parte, pois
ordinariamente ele não pode confessar, renunciar e em geral dispor sobre o direito
em discussão. Assim, trata-se de legitimidade extraordinária autônoma.191
191
Op. cit., p. 205-206.
192
Op. cit., p. 357
193
ROCHA, Luciano Velasque. Ações coletivas. O problema da legitimidade para agir. Rio de Janeiro, Forense,
2007, p. 132.
73
A classificação como legitimação autônoma para a condução do processo, de fato,
nos parece mais adequada no que se refere aos direitos coletivos e difusos. Com relação ao
direito individual homogêneo trata-se, de fato, de legitimação extraordinária. O direito
processual coletivo possui nuances e princípios que o afastam do processo civil comum.
Assim, a nosso ver, a aplicação de institutos tradicionais, como a legitimidade
extraordinária, não se adéquam satisfatoriamente ao estudo dos direitos coletivos.
Corroborando nosso entendimento temos:
Por fim, salientamos que Humberto Dalla Bernadino de Pinho195 defende que a
legitimidade é a legitimidade política, em razão do próprio interessado não ter legitimidade
para a propositura da demanda.
Importante ressaltar ainda que a legitimidade para as ações coletivas possuem
outras classificações.
A legitimidade ativa no Código de Defesa do Consumidor e nas ações coletivas é
considerada disjuntiva, concorrente e exclusiva.196 Disjuntiva em razão de os legitimados
poderem ajuizar a ação individualmente, ou seja, sem a presença dos demais. A legitimidade é
concorrente porque qualquer dos legitimados pode propor a demanda.
A legitimidade é ainda exclusiva, pois somente aqueles elencados na lei podem
propor as ações coletivas.
194
SPALDING, Alessandra Mendes. Legitimidade ativa nas ações coletivas, Juruá, Curitiba, 2006, p. 57.
195
In A Legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ações Civis Públicas: primeiras impressões e
questões controvertidas, disponível em
http://www.humbertodalla.pro.br/arquivos/a_legitimidade_da_dp_para_propor_acp.PDF. Acessado em 13 de
fevereiro de 2012.
196
ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., p. 501.
74
Por fim, atualmente, muitos doutrinadores como Ada Pellegrini Grinover, Antonio
197
Gidi , e Fredie Didier198 defendem que, além da legitimidade, o sistema brasileiro deveria
prever a representação adequada.
Vê-se daí que o ordenamento brasileiro não é infenso ao controle da legitimação ope
judicis, de modo que se pode afirmar que o modelo do direito comparado, que
atribui ao juiz o controle da “representatividade adequada” (Estados Unidos da
América, Código de Modelo para Ibero-América, Uruguai e Argentina), pode ser
tranquilamente adotado no Brasil, na ausência de norma impeditiva.199
197
“Apesar não estar expressamente previsto em lei, o juiz brasileiro não somente pode, como tem o dever de
avaliar a adequada representação dos interesses do grupo em juízo. Se o juiz detectar a eventual inadequação
do representante, em qualquer momento do processo, deverá proporcionar prazo e oportunidade para que o
autor inadequado seja substituído por outro, adequado. Caso contrário, o processo deve ser extinto sem
julgamento de mérito. Se o juiz, inadvertidamente, atingir o mérito da causa, a sentença coletiva não fará coisa
julgada material e a mesma ação coletiva poderá ser reproposta por qualquer legitimado. Esta proposta,
porém, não é de lege ferenda, mas de lege lata. Ou seja, é independente de reforma legislativa. Basta um juiz
competente e interessado” (GIDI, Antonio, op. cit., p. 117).
198
DIDIER, Fredie Jr; ZANETTI, Hermes Jr., op. cit., p. 208.
199
GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. p. 3-12.
200
DIDIER, Fredie Jr; ZANETTI, Hermes Jr, op. cit. p. 208.
75
Didier e Zaneti201 entendem que a representatividade adequada no direito brasileiro
hoje já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, mas com o nome de pertinência
temática.202
O direito brasileiro conferiu legitimidade para propor ação civil pública a entes que,
em virtude de sua posição na sociedade e de suas atribuições constitucionais,
201
ibidem, p. 208.
202
Mais informações no site ww.stf.jus.br, RE 195.056-1/PR.
203
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, op. cit., p. 201.
76
revelam-se, a princípio, capazes de superar todos os entraves à defesa de direitos
consolidados pelo Estado Democrático de Direito, denominados direitos
fundamentais de 3ª geração, sem que isso ocasione ofensa às garantias preexistentes,
conquistadas pelo Estado Liberal (direitos fundamentais de primeira geração) e pelo
Estado Social (direitos fundamentais de segunda geração). Ainda assim, a
necessidade de exercer o controle sobre a legitimidade das normas (constitucionais e
infraconstitucionais) que estabelecem a legitimação para agir é constantemente
ditada pelo contexto em que se insere o ordenamento e pelas circunstâncias de cada
hipótese concreta.204
204
SPALDING, Alessandra Mendes, op. cit., p. 115.
205
Artigo 5º, Lei 7.347/85: Art. 5º: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica,
à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como
litisconsortes de qualquer das partes.
§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou
outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
§ 4° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
77
O artigo 129, III, da Constituição Federal estabelece a propositura da ação civil
pública como uma das atribuições institucionais do Ministério Público. Desta forma,
evidenciando uma situação em que seja necessária a propositura da demanda, o Ministério
Público tem o dever de agir.
Não se admite, identificando uma hipótese em que deva agir, recuse-se a fazê-lo:
nesse sentido, sua ação é um dever. Com efeito, bem apontou Calamandrei que, se o
Ministério Público adverte ter sido violada a lei, não se admite que, por razões de
conveniência, se abstenha de acionar ou intervir para fazer com que se restabeleça a
ordem legal.206
§ 5° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos
Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua
conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
206
MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit, p. 81.
207
SPALDING, Alessandra Mendes. op. cit. P. 129.
78
Todavia, se os interesses ameaçados ou lesados guardam ligação com vários
Municípios, qualquer um deles poderá tomar a iniciativa da demanda. O mesmo
ocorre com os Estados, cuja atribuição mais significativa é relativa aos interesses
regionais, estaduais e interestaduais. Em linha de princípio, a União deverá se
preocupar com os interesses de âmbito nacional, mas nada obsta que adote a
iniciativa da tutela de interesses locais ou regionais, mormente na omissão dos
demais co-legitimados.208
208
WATANABE, Kazuo. op. cit., p. 94.
209
Mazzilli, Hugo Nigro. op. cit., p. 274.
79
regular prosseguimento – Recurso provido para este fim. (APL 7178363400 SP,
Relator(a): Rizzatto Nunes, Julgamento:13/08/2008, Órgão Julgador: 23ª Câmara de
210
Direito Privado, Publicação:20/08/2008).
210
Para mais informações, ver o site www.tj.sp.gov.br
211
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 3. ed., São Paulo, 1969.
212
REDENTI, Enrico. Diritto Processuale Civile, 2. ed., 1959-1954.
80
Por fim, temos a doutrina de Enrico Tullio Liebman213, em que o conceito de
legitimidade ad causam é uma condição da ação. Entretanto, para este doutrinador, condição
da ação é a condição de existência do processo, e não tem relação com a sentença de
procedência ou procedência do mérito.
Na teoria de Liebman214, a ação poderia existir mesmo quando o autor não tiver o
direito que pleitear o direito em juízo; mas só existirá quando o autor preencher determinadas
condições que permitam ao juiz julgar a causa. Estas condições seriam a possibilidade jurídica
do pedido, o interesse de agir e a legitimidade para a causa, ou seja, o autor e o réu são os
titulares do direito pleiteado na ação.
Esta teoria de Liebman é a adotada pelo Código de Processo Civil brasileiro, não
obstante criticada por alguns autores, como Celso Agrícola Barbi215 e Humberto Teodoro
Junior:
No caso dos direitos coletivos, aqueles que defendem que a legitimação é para a
condução autônoma do processo, a natureza jurídica da legitimidade não seria de condição da
ação, como para aqueles que defendem que a legitimidade é extraordinária ou ordinária.
Neste caso, a natureza jurídica seria de um conceito puramente processual, sem
qualquer ligação com o direito material. Isto significa afirmar que, ao contrário do que
213
LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di Diritto Processuale Civile, ristampa da 2. ed., 1966, v. 1, n° 14, p.42.
214
idem.
215
“É discutível o acerto dessa orientação, de um Código adotar uma teoria da ação, quando é sabido que
nenhuma das teorias até hoje construídas está isenta de críticas irrespondíveis. A construção de Liebman,
apesar de sua engenhosidade, não resiste a uma análise mais aprofundada. Basta apresentar a mesma crítica
que se fez à teoria civilista e à teoria de Chiovenda, com ligeiras modificações: quando o juiz, depois de ter sido
desenvolvida larga atividade jurisdicional, conclui que o autor não tem direito de ação, porque falta uma
daquelas três condições, como se explica a movimentação da maquina estatal por quem não tinha o direito de
ação?” (BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, 13. ed., Forense, p. 15)
216
TEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v.1, 51. ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p.
73.
81
acontece na legitimidade dos processos individuais, a legitimidade para os processos coletivos
não deriva de uma relação entre a parte legítima e o direito invocado, mas sim de uma escolha
do legislador sobre quem serão os legitimados.
217
In Processo Coletivo, 4. ed., Revista dos Tribunais.
218
MAZZILI, Hugo Nigro, op. cit.
219
PASSOS, José Joaquim Calmom,. Comentários ao Código de Processo Civil, 9. ed., v.3, Forense, Rio de
Janeiro, 2008.
82
A classificação da pertinência temática na doutrina não é pacífica. Gregório
Assagra de Almeida entende que a pertinência temática é condição da ação na modalidade
legitimidade:
220
ALMEIDA, Gregório Assagra, op. cit., p. 118.
83
700.206/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 9.3.2010, DJe
19.3.2010. Agravos regimentais improvidos.221
Parte da doutrina, como Miguel Reale, Adilson Abreu Dalari e Ives Gandra
226
Martins , entende ainda que a Constituição Federal apenas autorizou o Ministério Público a
221
AgRg no AgRg no REsp 1167377 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL 2009/0224774-9, Rel. Min Humberto Martins, DJE 03/05/2011.
222
Zavaski, Teori Albino, op. cit., p. 216.
223
ibidem, p. 217.
224
DIDIER, Fredie Jr., ZANETI, Hermes Jr., op. cit., p. 336
225
Op. cit., 219.
226
Apud. GODINHO, Robson Renault. “O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva do direito dos
idosos”, In MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin,
2005.
84
defender direitos difusos e indisponíveis. Para estes autores a defesa de direitos individuais
homogêneos é inconstitucional.227
Em nosso entendimento e coadunando com o já exposto neste trabalho, a
legitimidade do Ministério Público deve ser ampla, pois as legislações relacionadas a direitos
transindividuais devem ser interpretadas de forma ampliativa.228
O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo editou a
Súmula 07, estabelecendo a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses
individuais homogêneos. De acordo com o fundamento da súmula, o Ministério Público
estaria apto a atuar nos casos de direitos indisponíveis ou ainda nos casos em que seu objeto
abranja a sociedade como um todo. Três direitos principais foram destacados: quando houver
violação de direito constitucional, quando o número de lesados dificultar ou inviabilizar a
tutela de interesses individuais e, por último, quando a defesa dos interesses individuais
homogêneos tiver por objetivo, ainda que indireto, manter a ordem jurídica em vigor.229
Assim, entender pela limitação da atividade do Ministério Público, limitação não
expressa em lei, fere toda a lógica do sistema coletivo.
As associações possuem legitimidade para qualquer tipo de direito
transindividual, seja ele coletivo, difuso ou individual homogêneo. A lei estabelece apenas
dois requisitos para conferir legitimidade, a pertinência temática, ou seja, que o objeto da
demanda tenha fundamento nos objetivos da associação e que sua constituição tenha ocorrido
há mais de um ano. Conforme já afirmado neste trabalho, este requisito da pré-constituição
pode ser dispensado.
A legitimidade dos entes estatais, bem como da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, também deve vir acompanhada do respeito à territorialidade e da pertinência com
suas funções.
Com relação ao interesse de agir da Defensoria Pública, a problemática também
reside nas causas de interesse individual homogêneo. Este tópico será analisado no subtítulo
de grupos não vulneráveis economicamente.
227
GODINHO, Robson Renault. “O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva do direito dos idosos”, In
MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias, Processo Civil Coletivo, São Paulo, Quartier Latin, 2005.
228
Vide artigos 127 e 129, §1º da Constituição Federal, artigo 82 do CDC, artigo 5º da LACP e artigo 25 da
LOMP.
229
Ver mais informações no site http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/conselho_superior/sumulas
85
3 – Defensoria Pública e Legitimidade para Defesa de Interesses Coletivos de
Direito do Consumidor
230
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 136 e ainda SOUZA, José Augusto Garcia de. “A legitimidade da
defensoria pública à luz do princípio da generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos,
estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover.Saraiva, 2010, p. 327/328; MENDES, Aluisio Gonçalves de
Castro. “O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos e a Legitimidade da Defensoria Pública
para as Ações Coletivas”. In: A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, comemorando a Lei Federal
11.448 de 15 de janeiro de 2007, Rio de Janeiro, 2008, p. 61/62.
231
Por outro lado, a ampliação da legitimação à lei de Ação Civil Pública representa poderoso instrumento de
acesso à justiça, sendo louvável que as iniciativas das demandas que objetivam tutelar interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos sejam ampliadas ao maior número possível de legitimados, a fim de
que os chamados direitos fundamentais de terceira geração – os direitos de solidariedade – recebam efetiva e
adequada tutela.(Ada Pellegrini Grinover em parecer encomendado pela Associação Nacional de Defensoria
Públicas, http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/542_ADI3943_pareceradapellegrini.pdf).
86
Assim, sendo a Defensoria Pública entidade da administração direta sem
personalidade jurídica, sua legitimidade já estava prevista em lei, mesmo antes de ser
expressamente mencionada.
Pela legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de demandas
coletivas, antes mesmo da lei 11.448/2007:
87
Primeira Turma, DJe 19/3/10),a ação civil pública é o instrumento processual por
excelência para a sua defesa.
4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública
como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras
alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-
adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a
efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.
232
Recurso Especial n° 1196515/MG, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJE 02/02/2011.
233
Ver www.tjrj.jus.br.
88
Desta forma, concluímos pela legitimidade da Defensoria Pública para a proteção
dos direitos coletivos, especialmente os do consumidor, desde a entrada em vigor do Código
de Defesa do Consumidor.
Entendemos que o grande diferencial, e aquilo que justifica a defesa de direitos
coletivos pela Defensoria Pública, é justamente a proximidade com a população,
especialmente com as pessoas mais carentes e com maior dificuldade de levar suas demandas
para a justiça.
O grande objetivo da Defensoria Pública, a nosso ver, e conforme já ressaltado
neste trabalho, é o atendimento individual da população mais carente, no sentido de promover
o verdadeiro acesso à justiça.
Entretanto, ao notar-se um grande número de demandas sobre o mesmo tema, é
importante que a Defensoria Pública tenha a legitimidade para ajuizar as demandas coletivas
para que estas beneficiem até mesmo aqueles que sequer possuem conhecimento e condições
de chegar até o atendimento individual da Defensoria Pública.234
É inegável que a Defensoria Pública é o ente estatal com maior acesso aos grupos
menos favorecidos da sociedade e que, portanto, pode ajuizar demandas coletivas referentes a
temas caros a esta população e que sequer seriam conhecidos por outros legitimados,
inclusive no caso do Ministério Público.
Neste sentido, temos:
89
É dizer o hipossuficiente é titular do direito à proteção judiciária adequada
(CRFB/88, art. 5º, XXXV) de acordo com a natureza dos direitos que titulariza
(individuais ou enquanto integrantes da sociedade ou de um grupo), assim como tem
a seu dispor a instituição que foi criada para a defesa integral de todos os seus
interesses. Assim, se, em determinada hipótese, o processo coletivo revela-se o
instrumento mais adequado à proteção dos direitos e interesses dos necessitados
(embora não exclusivo destes), tem a Defensoria Pública legitimidade para sua
236
deflagração, na forma dos arts. 5º, XXXV e LXXIV, e 134 da Lei Maior.
Importante ressaltar que a previsão legal trazida pela lei 11.488/2007 está sendo
questionada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público através da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n° 3.943, cuja relatora é a Ministra Carmem Lúcia e aguarda
julgamento237.
Por esta Adin, a Conamp alega que a concessão da legitimidade para a Defensoria
Pública afetará as atribuições do Ministério Público e que: “a Defensoria Pública pode,
somente, atender aos necessitados que comprovarem individualmente, carência financeira”.
Afirma ainda o texto da Ação Direita de Inconstitucionalidade: “Aqueles que são
atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis,
portanto, não há possibilidade alguma de a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses
difusos, coletivos ou individuais.”
Com a devida vênia, discordamos do posicionamento adotado. Primeiro, as
atribuições do Ministério Público em nada seriam afetadas na medida em que, conforme visto
no item IV deste trabalho, a legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública é
concorrente.
Ademais, o próprio artigo 129 da Constituição Federal estabelece que a
legitimação do Ministério Público não é exclusiva.238 Sobre outro argumento utilizado, de que
somente caberia à Defensoria Pública o atendimento individual dos necessitados, assim se
manifestou Ada Pelegrini Grinover:
236
SOARES, Fabio da Costa. “Acesso do hipossuficiente à justiça: A Defensoria Pública e a tutela dos direitos
coletivos lato sensu dos necessitados”. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de (org.). Acesso à Justiça. Rios
de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p. 96.
237
Ver www.stf.jus.br.
238
Artigo 129, §1º, da Constituição Federal: a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas
neste artigo não impede a de terceiros, segundo o disposto nesta constituição e na lei.
90
Saliente-se, ainda, que a necessidade de comprovação da insuficiência de recursos se
aplica exclusivamente às demandas individuais, porquanto nas ações coletivas, esse,
resultará naturalmente do objeto da demanda – o pedido formulado. Bastará que haja
indícios de que parte ou boa parte dos assistidos seja necessitada. E, conforme
decidiu o TRF 2ª Região, nada há nos artigos 5º, LXXIV, e artigo 134 da CF que
indique que a defesa dos necessitados só possa ser individual. Seria até mesmo um
contrassenso a existência de um órgão que só pudesse defender os necessitados
individualmente, deixando à margem a defesa de lesões coletivas, socialmente muito
mais graves.239
A nova redação do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública, 240 determinada pela lei n°
11.448/2007, prevê expressamente a Defensoria Pública entre os legitimados para a
propositura da ação civil pública. Atende assim: a) a evolução da matéria,
democratizando a legitimação, conforme posicionamento aqui defendido; b) a
tendência jurisprudencial que se anunciava. Além disso, a redação do dispositivo
ficou mais clara. É norma louvável, que, além de prestigiar essa importantíssima
instituição, estimula a tutela de direitos coletivos, imprescindível para o correto
equacionamento da crise que assola o Poder Judiciário.
239
Op. cit., v.2, p. 82
240
DIDIER JR, Fredie ; ZANETI JR; Hermes, op. cit., p. 213
91
Evidentemente tal legitimidade deve ser analisada também sob o ponto de vista de pertinência
conforme os requisitos que serão analisados a seguir.
Portanto, parece-nos, superada a questão da legitimidade, devemos nos ater à
discussão da pertinência temática, conforme analisaremos a seguir.
Assim, a nosso ver, a Constituição, hoje, não admite outro modelo, patrocinado
pelo Estado, de prestação de assistência jurídica aos necessitados que não através da
Defensoria Pública.
241
BURGER, Adriana Fagundes; BALBINOT, Christine. “A Dimensão Coletiva da Atuação da Defensoria
Pública a partir do Reconhecimento de sua legitimidade ativa para a propositura de ações transindividuais. In: A
Defensoria Pública e os Processos Coletivos, ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 34.
242
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, ed. Saraiva, 2. ed., São Paulo, 2001, p. 376-
377.
92
O artigo 134 da Constituição Federal traz a Defensoria Pública como função
essencial à justiça, além de estabelecer, nos parágrafos 1º e 2º as garantias de inamovibilidade
e, no caso das Defensorias Públicas Estaduais, a independência funcional e administrativa.
Importante ressaltar que o papel da Defensoria Pública, como veremos a seguir,
não está adstrito a sua atuação perante o Poder Judiciário. O artigo 134 da Constituição
Federal, ao estabelecer que cabe à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em
todos os níveis, amplia seu espectro de atuação, de forma que lhe incumbe a orientação e a
defesa dos necessitados não apenas judicialmente, mas também extrajudicialmente.
A essencialidade da Defensoria Pública é destacada por Guilherme Braga Peña de
Moraes ao afirmar que: “através da assistência jurídica que desenvolve, corresponde a um
elo de ligação entre a sociedade e o Estado, sem estar vinculada a interesses políticos”.243
José Augusto Garcia de Souza afirma:
243
MOARES, Guilherme Braga Peña. Assistência Jurídica Defensoria Pública e o acesso à jurisdição no Estado
Democrático de Direito, ed. Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 1997, p. 42.
244
SOUZA, José Augusto Garcia de. “A Legitimidade da Defensoria Pública à luz do Princípio da
Generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover, Saraiva, 2010, p. 321.
93
É imprescindível para o efetivo acesso à justiça e a efetivação do princípio da
igualdade que a Defensoria Pública seja fortalecida e presente e que os Estados cumpram os
ditames constitucionais.
Com efeito, a assistência jurídica parece ser indispensável mesmo no conceito mais
restrito (formal) de acesso à justiça como possibilidade de se chegar ao Judiciário.
Uma vez que a exigência de pagamento de custas e honorários advocatícios tornaria
inviável o ajuizamento de ações pela maior parte da população de nosso país, que
não dispõe de condições financeiras para arcar com tais despesas. Isso sem contar
com a desinformação de tais pessoas, e de sua dificuldade até mesmo para
reconhecer a existência de um direito tutelável judicialmente.245
245
BRITO, Adriana. A Evolução da Defensoria Pública em Direção à Tutela Coletiva. A Defensoria Pública e
os Processo Coletivos, 2ª Tiragem, Lumen Júris, p. 2
94
Segundo os ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, deve-se distinguir o
direito à proteção jurídica e o direito de defesa. Para o autor, o direito à proteção jurídica é
246
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estudo sobre direitos fundamentais, 2. ed.,. Coimbra.
247
GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Assistência jurídica pública, direitos humanos e políticas sociais,
ed. Juruá, 2. ed.
95
O objetivo ou finalidade principal da Defensoria Pública é, portanto, garantir a
eficácia do princípio constitucional da igualdade material e não apenas formal.248
Constitucionalmente, a Defensoria Pública é o órgão do Estado responsável pela
efetivação da proteção jurídica da população carente. Sem proteção jurídica efetiva, não se
pode falar em dignidade da pessoa humana, pois, para sua existência, é imprescindível o
acesso à justiça.
Esta proteção efetiva deverá se dar no âmbito individual principalmente, mas sem
dúvida também em âmbito coletivo.
248
MORAES, Guilherme Braga Peña de. Assistência jurídica, defensoria pública e o acesso à jurisdição no
Estado democrático de direito, Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 1997, p. 43.
249
In Curso de Direito Constitucional Positivo, pág. 155.
96
processo da fundamentação normativa da validade, tal como processo da explicação
causal – que, de acordo com o conceito de causalidade, não pode levar a nenhum
termo, a nenhuma causa última –, fosse sem fim, a pergunta de como devemos atuar
permaneceria sem resposta, seria irrespondível. Consideramos um determinado
tratamento de um indivíduo como justo quando este tratamento corresponde a uma
norma tida por nós como justa. A questão de saber por que é que consideramos esta
norma como justa conduz, em última análise, a uma norma fundamental por nós
pressuposta que constitui o valor de justiça.250
250
KELSEN, Hans. O Problema da Justiça, Martins Fontes, pág. 15.
251
SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal
de 1988, Livraria do advogado, 9ª edição.
97
liberdades públicas em sentido amplo, impondo-se ao Estado uma atuação para a
proteção de certos grupos, classes ou categoria de pessoas.252
A dignidade da pessoa humana, como valor e não norma, somente pode ser
realmente protegida e efetiva se os cidadãos possuírem consciência de seus direitos e
maneiras de acesso à justiça.
Evidentemente não existe proteção de dignidade se o povo não possui condições
de lutar por seus direitos, seja por desconhecê-los, seja por não ter acesso ao Poder Judiciário.
É nesta medida que a Defensoria Pública é uma das maneiras de o Estado realizar a dignidade
da pessoa humana.
Sobre o caráter essencial de o indivíduo ser socialmente consciente e responsável
para a existência digna, temos:
Não se pode olvidar, neste contexto, que a dignidade da pessoa humana, na sua
condição de princípio fundamental e na sua relação com os direitos e deveres
fundamentais (sem prejuízo de assumir, também nesta perspectiva, a condição de
regra jurídica, impositiva ou proibitiva de determinadas condutas, por exemplo)
possui uma dupla dimensão (jurídica) objetiva e subjetiva, que, por sua vez, pelo
menos segundo a tradição jurídico-constitucional germânica, largamente difundida
também entre nós, guarda relação com os valores fundamentais de uma determinada
comunidade. Alias, os princípios e direitos fundamentais são, neste sentido,
expressão jurídico-constitucional (mediante incorporação ao direito positivo, na
condição de direito objetivo) de uma determinada ordem de valores comunitária, não
podendo ser reduzidos a direitos (posições subjetivas) individuais. Também por esta
razão, (mas não exclusivamente), é que a dignidade da pessoa, do indivíduo, é
sempre a dignidade do indivíduo socialmente situado e responsável, implicando
deveres fundamentais conexos e autônomos.253
252
NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do Consumidor, Atlas, 2. ed.
253
SARLET, Ingo Wolfgang, A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de
1988, 9. ed., Livraria do advogado, p. 86-87.
98
educar-se o povo em direitos, tarefa institucional da Defensoria Pública, conforme disposto no
artigo 4°, parágrafo 3°, da Lei complementar 80/90 que institui das Defensorias Públicas.254
A Defensoria Pública, além de função essencial à justiça, também está entre as
liberdades públicas positivas, conceito já tratado neste trabalho. Isto porque o efetivo acesso à
justiça só se dá com a atuação positiva do Estado na criação e no fortalecimento da
Defensoria Pública.
É evidente que não se pode falar em proteção e efetivação de dignidade sem o
acesso à justiça e este sem a Defensoria Pública.
Sobre a tarefa do Estado de promover por ações positivas temos:
254
Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: III – promover a difusão e a
conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico.
255
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 132-133.
99
Nos tempos primitivos toda a Justiça era gratuita já que aplicada por juízes
patriarcais. Em Roma, quando a justiça começou a ser remunerada, Constantino estabeleceu o
patrocínio gratuito dos necessitados256.
Assim, durante todo o desenvolvimento dos países e da sociedade foram mantidas
formas de proteção dos necessitados.
No Brasil, as ordenações Filipinas foram a origem na assistência judiciária, já que
o patrocínio por advogados dos necessitados foi criado em 1870 pelo Instituto dos Advogados
Brasileiros257. Durante muito tempo a assistência judiciária foi considerada como caridade, o
que, a nosso ver, é um equívoco.
Frise-se que, desde o início e até a constituição de 1988, a assistência era apenas
judiciária ou judicial, ou seja, se limitava à atuação no âmbito dos processos. Nos
ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryan Garth, esta defesa seria a primeira e a segunda
onda do acesso à justiça.258
Na primeira onda, os Estados proveram os mecanismos de defesa dos carentes por
advogados patrocinados pelo Estado.
A segunda onda seria a preocupação com o patrocínio das causas relacionadas aos
direitos difusos das partes desfavorecidas economicamente.
A terceira onda de acesso à justiça é justamente o que hoje prevê a Constituição
Federal.
O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa
“terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por
meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no
conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados
para processar e mesmo prevenir disputas na sociedade moderna. Nós denominamos
“o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em
abandonar as técnicas das duas primeiras ondas da reforma, mas tratá-las como
259
apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso.
256
GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa, op. cit., p. 28-29.
257
ibidem, p. 60/61.
258
CAPPELLETTI, Mauro; BRYAN Garth, op. cit.
259
Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. citada, p. 67-68.
100
O artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal estabelece que o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Tal
previsão trouxe grande alteração no âmbito à prestação de assistência judiciária.
Nas palavras de Barbosa Moreira:
A atual constituição inovou no trato jurídico da assistência social que, hoje, nos
termos das prescrições da Nossa Carta Maior, é caracterizada como política pública,
a ser implantada de modo descentralizado e democrático. A assistência jurídica, por
isso mesmo, recebeu novo tratamento na atual Constituição: primeiro porque passou
a ser atribuição do Estado prestá-la através das Defensorias Públicas da União,
Estados, Distrito Federal e até dos Territórios; segundo, porque assistência jurídica
tornou-se, por força do artigo 134 da Constituição Federal de 1988, uma das
mediações da assistência social e, por via reflexa, das nossas políticas públicas
(...).261
260
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de
nosso tempo in temas de direito processual civil, Saraiva, p. 356
261
GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa, op. cit., p. 77.
101
O artigo 4º da lei 1.060 de 1950 estabelece que terá direito à assistência judiciária
gratuita aquele que assim o declarar, mediante simples afirmação na própria petição inicial.
Para ser beneficiário do atendimento da Defensoria Pública, no entanto, é
necessária a realização de avaliação econômico-financeira, em que o cidadão deverá
comprovar sua renda familiar, bem como a existência de patrimônio móvel ou imóvel.
Os valores considerados para que o cidadão possa ser considerado usuário da
Defensoria Pública variam de acordo com cada Estado da Federação.
Apenas para exemplificar, no Estado de São Paulo, em regra, são atendidas
famílias que possuem renda familiar de até três salários mínimos mensais e não possuam bens
móveis ou imóveis em valor superior a 5.000 UFESP262. Já no Estado do Rio de Janeiro não
existe limitação de renda, mas a pessoa deverá comprovar a impossibilidade de arcar com os
custos de um advogado.
Ressalte-se que mesmo pessoas que não são atendidas por Defensoria Pública
podem ser beneficiárias da justiça gratuita, já que se trata de situações distintas.
O beneficiário da justiça gratuita pode ajuizar demanda sem o pagamento das
custas judiciais e honorários da parte contrária, mas nada impede que contratem advogados
particulares. Por outro lado, os usuários da Defensoria Pública devem comprovar ainda não
ser possível o pagamento de advogado.
Atualmente, existem na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que se
referem à assistência judiciária. Os Projetos de lei 540/2011 e 118/2011263 estabelecem,
respectivamente, a possibilidade de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita
no decorrer do processo e a inexigibilidade da declaração para aqueles que comprovem renda
inferior a dois salários mínimos.
Ambos os projetos aguardam análise das comissões temáticas e, na realidade, não
trazem grandes inovações, já que a assistência judiciária pode ser concedida no decorrer do
processo em razão do disposto no artigo 6° da lei 1.060/50.
No sentido de restringir o direito à assistência judiciária gratuita, existe ainda o
Projeto de Lei n° 717/2011264. Referido projeto estabelece a necessidade de comprovação de
262
Resolução n° 89 de 8 de agosto de 2008 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
263
Ver no site www.camara.gov.br.
264
Mais no site www.camara.gov.br
102
renda de até dois salários mínimos, isenção de imposto de renda ou ainda pertencer a algum
programa de transferência de renda do governo.
Nas demais hipóteses, o benefício da assistência judiciária seria concedido
parcialmente e o requerente deverá comprovar com documentos a sua renda e a
insuportabilidade dos custos processuais.
O projeto prevê um procedimento em apartado para a concessão da assistência
judiciária com a intimação da Fazenda Pública, ou daquele que suportará a isenção para
manifestação.
Por fim, o projeto estabelece que a comprovação de renda pode ser suprimida por
declaração assinada por Defensor Público de que a parte preenche os requisitos da lei.
Tal projeto em nada influencia o atendimento do cidadão pela Defensoria Pública,
uma vez que inexiste vinculação do atendimento pela Defensoria Pública com o benefício da
justiça gratuita, conforme acima explicitado.
A nosso ver, no entanto, uma vez aprovado nos termos em que se encontra,
padece de inconstitucionalidade, na medida em que traz uma limitação de renda que não
existe na Constituição Federal.
A norma do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal é uma norma de eficácia
plena, eis que não traz em seu bojo a necessidade da edição de qualquer outra norma. Para
José Afonso da Silva, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal são todos de
eficácia plena:
Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da
Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e a aplicabilidade
imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos,
sociais, de nacionalidade e políticos, de tal sorte que só em situação de absoluta
impossibilidade se há de decidir pela necessidade da normatividade ulterior de
aplicação. 265
265
Op. cit., pág. 467
103
estabelecer parâmetros rígidos e específicos para a concessão da assistência judiciária, fere o
direito constitucional do acesso à justiça e da assistência jurídica gratuita.
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar
a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando
o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
104
defensor Natural, entendemos que este artigo se aplica ao caso de qualquer demanda a ser
patrocinada pela Defensoria Pública, incluindo-se os casos de demandas coletivas.
A Defensoria Pública é dotada de três princípios institucionais, de acordo com o
artigo 3º da Lei 80/94. São a unidade, indivisibilidade e independência funcional. A unidade
significa que a Defensoria Pública representa um todo orgânico, permitindo que um Defensor
Público possa substituir o outro sem prejuízo da validade deste. A indivisibilidade impede que
a Defensoria Pública seja fracionada e a independência funcional permite que a Defensoria
Pública seja autônoma perante todos os outros órgãos estatais, podendo agir sem qualquer
interferência política.
A independência da Defensoria Pública em relação à interferência política está
expressa em diversos artigos da Lei complementar. O artigo 4°, parágrafo 2º da lei estabelece,
por exemplo, que as funções institucionais da Defensoria Pública poderão ser exercidas,
inclusive, em face de pessoas de direito público.
A independência da Defensoria Pública é fundamental para que seja atingido seu
objetivo constitucional de acesso à justiça, já que muitas das demandas da população mais
carente, sejam elas individuais ou coletivas, têm como réu justamente as pessoas de direito
público que falham ao prestar seus serviços266.
Pela redação dada à Lei 80/94 verifica-se que o legislador ordinário entende que a
defesa dos direitos individuais e dos coletivos pela Defensoria Pública possui a mesma
importância.
A lei complementar n° 80/94 estabelece ainda a organização da carreira da
Defensoria Pública dos Estados, Distrito Federal, Territórios e da União.
O artigo 4º, V, da Lei dispõe sobre a possibilidade de a Defensoria Pública atuar
em favor de pessoa jurídica. Este artigo está sendo questionado pela Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 4636267, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil. Defende o Conselho Federal da Ordem dos Advogados que a Defensoria Pública
apenas pode atuar em favor dos necessitados, ou seja, pessoas físicas que comprovem a
insuficiência de recursos. Em realidade, os artigos questionados por referida ação foram
trazidos pela Lei complementar n° 132/2009.
266
MORAES, Guilherme Braga Peña, op. cit. p. 46.
267
Ver www.stf.jus.br.
105
A mesma Ação Direita de Inconstitucionalidade questiona o parágrafo 6° do
artigo 4º da Lei 80/94. Tal dispositivo legal determina que a capacidade postulatória dos
Defensores Públicos decorre, exclusivamente, da posse no cargo. Este dispositivo esta sendo
impugnado com o fundamento de que os Defensores Públicos são essencialmente advogados,
e que, portanto, sua capacidade postulatória derivaria da inscrição dos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil.
Parece-nos que ambos os questionamentos não possuem embasamento jurídico.
Primeiramente porque pessoas jurídicas podem ser necessitadas economicamente, como nos
casos de associações sem fins lucrativos e empresas individuais. A Constituição Federal
garante o acesso de todos à justiça e excluir a possibilidade de atendimento das pessoas
jurídicas não coaduna com o mandamento constitucional.
Evidentemente esta autuação deve ser embasada pela razoabilidade e a aferição,
no caso concreto, que de fato se trata de pessoa jurídica sem condições de arcar com os custos
de advogado. Eventuais abusos por parte do Defensor Público do caso ou da pessoa física a
ser atendida deverão ser reprimidos pelo Poder Judiciário e a Corregedoria da Defensoria
Pública correspondente.
Com relação à capacidade postulatória, entendemos que, de fato, decorre da posse
do cargo de Defensor Público. A atuação dos Defensores Públicos em processos judiciais se
dá em decorrência da aprovação em concurso de provas e títulos, e não da inscrição na Ordem
dos Advogados do Brasil.
Não bastasse, ao Defensor Público é vedado o exercício da advocacia privada pela
Constituição Federal em seu artigo 135. A Defensoria Pública é uma carreira jurídica do
Estado com prerrogativas e deveres próprios, e não uma atividade autônoma como a dos
advogados. Assim, em nosso entendimento, melhor seria que, após a aprovação em concurso
público e posse no cargo os Defensores Públicos, tivessem sua inscrição na Ordem dos
Advogados do Brasil suspensa.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4636 está pendente de julgamento e
seu relator é o Ministro Gilmar Mendes Ferreira.
Conforme dito acima, a Lei complementar n° 132/2009 trouxe inúmeras
mudanças para a lei n° 80/94. Alterações estas há muito esperadas.
Além de ser a entidade que presta advocacia aos pobres, a Defensoria Pública
transformou-se em uma grande agência nacional de promoção da cidadania e dos
106
direitos humanos voltada para quem mais necessita de cidadania e direitos humanos.
Além disso, desmanchou-se de vez o exacerbado individualismo que sempre
acompanhou os caminhos da instituição, passando a prevalecer filosofia bem mais
solidarista.268
Por fim, os artigos 5º, b, artigo 16º, artigo 53º, b, artigo 63º e artigo 107º da Lei
Complementar n° 80/94 estabelecem a possibilidade de a Defensoria Publica atuar por meio
de núcleos especializados. Referidos núcleos, que são criados dentro do âmbito de cada
Defensoria Pública, são especializados em determinado assunto relacionado com as
atribuições funcionais da Defensoria Pública e possuem ênfase na atuação de formulação de
política pública e defesa de direitos coletivos lato sensu.
Esta previsão demonstra claramente a intenção do legislador ordinário de
fomentar a atuação coletiva pela Defensoria Pública.
O artigo 5°, inciso LXXIV, estabelece que o Estado prestará assistência jurídica
gratuita para aquele que comprovar insuficiência de recursos. Já o artigo 134 da Constituição
Federal estabelece que a Defensoria Pública será a instituição responsável pela orientação
jurídica dos necessitados, nos termos do artigo 5°, LXXIV.
Assim, discute-se na doutrina se o papel da Defensoria Pública na defesa dos
interesses dos necessitados se limitaria aos que possuem insuficiência de recursos
econômicos.
Ada Pellegrini Grinover entende que o papel da Defensoria ultrapassa a defesa
dos economicamente necessitados.
268
SOUSA, José Augusto Garcia de Sousa. “A legitimidade da Defensoria Pública à luz do Princípio da
Generosidade”. In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 323.
107
aos recursos econômicos, abrangendo recursos organizacionais, culturais e
sociais.269
269
GRINOVER, Ada Pellegrini. “Assistência judiciária e acesso à Justiça”, In Novas Tendências do Direito
Processual, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1996, p. 116.
270
Este artigo é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4636 proposta pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
108
3.3.1 Hipossuficiência Econômica
271
Para mais, ver o site http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/default.aspx?idPagina=3092.
272
Para mais, ver o site http://www.portaldpge.rj.gov.br/Portal/conteudo.php?id_conteudo=23.
109
vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou
273
inclusive do seu nível de desenvolvimento social e económico.
Assim, nota-se que nem mesmo no plano internacional há uma definição objetiva
de quem seriam os hipossuficientes econômicos a serem atendidos pela Defensoria Pública.
Muitos autores, entre os quais podemos citar Gregório Assagra de Almeida274 e
Teori Albino Zavaski275, entendem que a Defensoria Pública somente poderia atuar em favor
dos economicamente carentes, ou seja, que comprovem a insuficiência de recursos
financeiros.
Neste sentido, temos ainda a doutrina de José Geraldo Brito Filomeno:
273
Disponível em:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/100%20Regras%20de%20Acesso%20%C3%A0%20Justi%
C3%A7a.pdf.
274
ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit.
275
ZAVASKI, Teori Albino. op. cit.
276
Op. cit., p. 120.
110
3.3.2 Hipossuficiência Jurídica
A nomeação de Defensor Público como Curador Especial, sem que tal fato lhe retire
o direito ao recebimento de honorários advocatícios – uma vez que o munus público
do curador não se confunde com assistência judiciária –, que deverão ser adiantados
277
CÂMARA, Alexandre Freitas. “Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública: um
possível primeiro pequeno passo em direção a uma grande reforma”, In: A Defensoria Pública e os Processos
Coletivos, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 48.
278
GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 246.
111
pela parte autora, que, por sua vez, caso vença a demanda, poderá cobrá-los dos
réus. (REsp 957.422 – RS, d.j 13 de dezembro de 2007 - Inteligência do art. 9, II, c/c
19, § 2º, do CPC.)
279
BRITO, Adriana, op. cit., p. 17.
112
existem os que são necessitados no plano econômico, mas também existem os
necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são
socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os
usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas
públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio
ambiente etc.280
280
GRINOVER, Ada Pellegrini. “Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para propor Ação Civil
Pública”. Disponível em: www.anadep.org.br. Acesso em 14.02.2012.
113
para tanto? E se houver discordância entre o Juiz e o Defensor Público acerca da presença
deste requisito?”281
Parece-nos que a falta de uma definição objetiva dos parâmetros da necessidade
organizacional inviabiliza a atuação da Defensoria Pública.
A título de exemplo, não nos parece razoável que a Defensoria Pública possa, por
exemplo, defender coletiva ou individualmente os direitos de consumidores segurados de
planos de saúde de alto custo, ou ainda consumidores de carros de luxo ou apartamentos que
sequer possam ser financiados pelo sistema financeiro de habitação.
Adotando a ideia de defesa de hipossuficientes organizacionais, enquanto
consumidores, estes estariam na condição de vulneráveis e poderiam ser atendidos pela
Defensoria Pública. Ademais, este conceito, nos parece, se confunde com o conceito de
vulnerabilidade trazido pelo artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor. Ora, se a lei já
prevê um tratamento processual diferenciado para os consumidores em razão da
vulnerabilidade, não deve ser duplamente beneficiado pela mesma situação.
Assim, poderá ser beneficiado pela atuação da Defensoria Pública e pelo
tratamento diferenciado dado pelo Código de Defesa do Consumidor aquele que
concomitantemente estiver na situação de hipossuficiente econômico e for consumidor.
Desta forma, parece-nos mais correto que o conceito de hipossuficente a ser
adotado pela Defensoria Pública seja o econômico.
281
PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. “A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações
civis públicas: primeiras impressões e questões controvertidas”. In: A Defensoria pública e os processos
coletivos, Lumen Juris, 2009, p. 169.
282
MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade no
contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 115
114
Nos dias atuais esta vulnerabilidade é infinita, pois todos os dias novas técnicas
são descobertas e aplicadas em produtos e serviços.
A vulnerabilidade jurídica refere-se à ausência de assistência legal e da maior
dificuldade de levar a violação de seus direitos à justiça. Neste sentido:
283
ALMEIDA, João Batista de. op. cit., p. 26.
284
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Código de defesa do
consumidor, 3. ed., ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, p. 198.
115
o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do
CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto
ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial,
haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. Uma interpretação sistemática e
teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida
do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à
presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o
próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua
hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de
defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma,
prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige
destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de
vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às
atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista
quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa
jurídica. Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do
legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de
uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de
fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária.
Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de
vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele
negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de
armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de
fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma
mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em
determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido. (RMS
27.512/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
20/08/2009, DJe 23/09/2009).
116
forma de beneficiar o consumidor, exceto se, além de vulnerável, este também for
hipossuficiente.
117
Assim, considerando que a Constituição Federal atribui ao Estado a promoção, na
forma da lei, da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), reconhecendo a Defensoria
Pública como instituição essencial à função jurisdicional (art. 134), inconteste a
legitimidade para integrar o polo ativo em ações que visem à defesa de interesses
coletivos (fls. 614-615).
285
Mais no site www.ibge.gov.br
118
Defensoria Pública, respeitando sua missão constitucional de efetivação dos direitos
fundamentais, possui legitimidade para tal atuação.
Interessante ressaltar o posicionamento de Guilherme José Purvin Figueiredo286.
Para o autor, nos casos de demandas de direitos difusos, é possível a existência de conflitos
entre os direitos fundamentais e que, neste caso, a Defensoria Pública, como Instituição do
Estado, deve considerar o interesse deste.
O autor entende, por exemplo, que a Defensoria Pública não poderia defender o
direito à moradia em local destinado à preservação do meio ambiente. Entendemos da mesma
forma. Ao litigar em favor de direitos difusos, deve a Defensoria Pública sopesar os direitos
fundamentais de todos os lados, não atuando de forma simplista.
286
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Legitimidade Ativa da Defensoria Pública em Ações Civis Públicas.
Ed, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008.
287
MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli. Direitos do consumidor endividado,
Revista dos Tribunais, p. 14.
119
Nestes casos, trata-se de hipótese de hipossuficiente econômico, já que o
endividado, sem acesso à crédito, não tem condições de arcar com os custos processuais ou
com os honorários de advogados.
Conforme já explicitado no item sobre hipossuficiência econômica, não existe
uma definição legal objetiva e concreta estabelecendo quais seriam os parâmetros para se
classificar um hipossuficiente econômico. Assim, em nosso entendimento, os
superendividados se classificam como hipossuficientes econômicos e devem ser atendidos
pela Defensoria Pública.
verificando, então, que vários consumidores estão sofrendo lesão por parte de um
fornecedor, o defensor público convocará as partes interessadas, antes da propositura
de ação judicial, a fim de verificar a possibilidade de celebração do compromisso de
ajustamento. Celebrado o acordo, este terá eficácia de título executivo extrajudicial,
ou seja, permitirá, no caso de descumprimento de suas condições, o ajuizamento de
ação de execução, a qual também poderá ser promovida pela Defensoria Pública.288
288
CONSALTER, Rafaela.”Novas tendências da atuação da Defensoria Pública na defesa do consumidor
necessitado” In Direitos do consumidor endividado, RT, pág. 364.
120
Do ponto de vista coletivo a verificação do superendividamento pode dar enseja a
elaborações de termos de ajustamento de conduta para os credores para que estes
reestabeleçam o equilíbrio das relações contratuais com os consumidores.
3.7 Litisconsórcio
289
NERY JR.,Nelson; ANDRADE NERY; Rosa Maria. Código de Processo Civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 324.
290
JOÃO, Ivone Cristina de Souza João. Litisconsórcio e intervenção de terceiros na tutela coletiva (ênfase nas
relações de consumo e nos direitos individuais homogêneos), Fiuza, São Paulo, 2004, p. 85.
291
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituição de Direito Processual Civil, v. 2, 6. ed., Malheiros, São Paulo,
2009.
121
Sobre este litisconsórcio, assim ensina o Professor Candido Rangel Dinamarco:
Nos casos em que a lei dá legitimidade a mais de um sujeito para estar em juízo
como parte na defesa de interesse alheio (substituto processual – supra 548), admite-
se que ingressem novos legitimados, como litisconsortes ulteriores dos que
propuseram a demanda inicial. Esta intervenção não altera o objeto do processo,
porque todos eles são substitutos processuais de um substituído só e a demanda que
vêm sustentar é a mesma que já estava pendente desde a propositura da demanda
inicial. Por isso, não havendo tumultos de monta, aconselha-se maior liberdade de
sua admissão no processo. O único que ele tem a provar, além do que outros já
precisavam fazer, é a sua própria legitimidade.292
O litisconsórcio nas ações coletivas está expresso no artigo 5º, § 2º, da lei de Ação
Civil Pública. Já o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor prevê a legitimidade para a
ação civil pública como concorrente e disjuntiva. Isto significa dizer que cada legitimado
poderá ajuizar uma ação autônoma ou em litisconsórcio com os demais legitimados
Importante ressaltar que, para Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, o
litisconsórcio entre colegitimados ocorreria somente no momento do ajuizamento da
demanda, sob pena de ferir-se o princípio do juiz natural. Para estes autores, na junção de
demandas no caso de ingresso posterior de legitimado, este seria admitido como assistente
litisconsorcial e não como litisconsorte.293 Assim, admitido como assistente litisconsorcial, o
legitimado não estaria na mesma condição de litisconsorte, não podendo dispor da demanda
ou mesmo aditar o pedido inicial.294
Tanto o litisconsórcio como a assistência litisconsorcial são plenamente possíveis
com relação a outras Defensorias Públicas. Este litisconsórcio é facultativo. Entendemos, no
caso, que, com relação ao litisconsórcio entre Defensoria Pública, deve ser aplicada,
analogicamente, a mesma disposição do Ministério Público.
292
idem.
293
NERY JR, Nelson; ANDRADE NERY; Rosa Maria. op. cit., p. 326.
294
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit. p. 298.
122
O artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 5º, §5º da
Lei de Ação Civil Pública, admite a possibilidade entre os Ministério Públicos, o que, a nosso
ver, deve ser aplicado à Defensoria Pública.
O artigo 3° da lei complementar 80/90 estabelece que a Defensoria Pública tem
como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Por esta previsão, entende-se que a divisão da Defensoria Pública é apenas
administrativa, ou seja, para possibilitar o exercício de suas atribuições institucionais.
Assim, em verdade, a discussão sobre o litisconsórcio entre a Defensoria Pública
resume-se sobre quem representaria a Defensoria Pública, seja na justiça estadual, seja na
justiça federal.
As regras processuais sobre representação não se prestam a atender os casos de
representação de órgãos do Estado. No entendimento de Nelson Nery Junior, esta
representação seria denominada de representação institucional ou estrutural295.
Esta representação seria aferida com base nas normas organizadoras da
instituição. No entendimento do doutrinador citado, no caso do Ministério Público, não
existiria impedimento legal de que o Ministério Público Estadual intentasse demanda em
qualquer Estado da federação, bem como perante a justiça federal.
Propõe o autor que o ideal seja a obediência aos critérios de territorialidade, ou
seja, que o Ministério Público do Estado ajuíze demandas apenas no Estado e o federal nos
casos de competência da justiça federal.
Conforme já defendido acima, entendemos, portanto, que as mesmas regras
devem ser aplicadas à Defensoria Pública, de forma que a Defensoria Pública Estadual
poderia intentar demanda na Justiça Federal, bem como a Defensoria Pública da União
poderia ajuizar demanda frente à Justiça Estadual.
Este também é o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli:
295
Op. cit., p. 243.
123
e, por absurdo, seria impossível o litisconsórcio entre os próprios Estados-membros
e entre estes e a União.296
296
Op. cit., p. 303-304
124
CONCLUSÃO
126
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