Вы находитесь на странице: 1из 1

A gramática de Machado de Assis

Agamenon Magalhães Júnior Ensaísta, gramático e educador

Um aluno me perguntou se eu poderia analisar uma redação para que ele pudesse se
preparar para certo concurso. Fiz a análise e devolvi-lhe, fazendo algumas observações no
texto e dando-lhe alguns conselhos.
No dia seguinte, o mesmo aluno me procurou, me perguntando por que grifei certo
vocábulo. Eu lhe expliquei que a palavra “meio”, como “advérbio” é invariável (não se
flexiona em gênero e número), por isso a frase dele (“Elas estavam meias nervosas”) estava
errada; o correto seria “Elas estavam meio nervosas”.
Ele entendeu minha explicação, mas – notava-se – seu semblante ainda revelava
outra dúvida. Questionamento que ele tirou com mais duas perguntas: “Professor, a gente
– para escrever bem – deve imitar os grandes mestres, não é?” Com meu “sim”, fez a
segunda pergunta: “Por que Machado de Assis flexionou a palavra “meio”, mesmo quando
deveria deixá-la no masculino singular?” Em seguida, me mostrou uma folha com um
fragmento do livro de contos Relíquias de Casa Velha, de Machado de Assis, assim escrito:
“Carlota gostava muito de um tal Rodrigues (...). Sofreu muito, e ainda agora
anda meia triste”.
Para um aluno, realmente é difícil compreender gramática usando, em alguns casos, os
clássicos como exemplo. Sobre esse caso há dois aspectos importantes: na época em que
Machado de Assis escrevia, não existia uma padronização das regras gramaticais como existe
hoje. As vontades dos escritores (mesmo os muito bons) eram endossadas pela “liberdade” do
uso gramatical. O segundo ponto a ser dito é que Machado era leitor assíduo e admirador dos
escritores portugueses – em especial Camões e Garrett – que também flexionavam o advérbio
“meio” a gosto. Como se lê nos trechos “Uns caem meios mortos” (Os Lusíadas, de Camões) e
“Era esta a herança dos miseráveis, que ele sabia não escassearem na quase solitária
e meia arruinada Carteia (Eurico, o presbítero, de Alexandre Herculano).
Partindo dessas duas observações, Machado de Assis – em todos os seus nove
romances – ora flexionava a palavra, ora deixava-a como hoje a utilizamos, sempre no
masculino singular. Na obra-prima Memórias Póstumas de Brás Cubas, vê-se a intenção de
Machado em flexioná-la: “Os olhos chisparam e trocaram a expressão usual por
outra, meia doce e meia triste”. O autor usa a mesma estilística em Dom Casmurro, numa
frase pronunciada pela misteriosa Capitu: “Desculpe, que eu hoje estou meia maluca”. Ainda
no romance Dom Casmurro, o autor opta, noutra ocasião, pela inflexibilidade do vocábulo:
“A casa era uma loja de louça, escassa e pobre; tinha as portas meio cerradas”.
A obra de Machado é singular, tanto na forma quanto no conteúdo. A magia da palavra
de que ele fazia uso nascia não só da capacidade de observação humana, mas também do
pleno domínio das regras do idioma. Diga-se de passagem: dominava a gramática sem
subordinar-se a ela. Quando se percebe que hoje a norma culta do idioma não permite mais
essa liberdade, entende-se que a língua portuguesa é como qualquer organismo vivo: passível
de transformações.

Вам также может понравиться