Вы находитесь на странице: 1из 37

Currículo no

Ensino Médio:
entre o passado e o
futuro

BOLETIM 16
AGOSTO/SETEMBRO 2005
SUMÁRIO

PROPOSTA PEDAGÓGICA
CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO ................................................................ 03
Hildo Cezar Freire Montyuma

PGM 1
ORIGEM DO CURRÍCULO E A TRADIÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA .................................................................... 10
História do currículo e tradição escolar
Nereide Saviani

PGM 2
ORIGEM E NATUREZA DO CONHECIMENTO ......................................................................................................... 20
O trabalho é o princípio norteador do currículo
Hildo Cezar Freire Montysuma

PGM 3
CURRÍCULO CIENTÍFICO REFERENCIADO NOS PROBLEMAS DA COMUNIDADE ........................................ 26
A possibilidade de construção de uma escola com currículo científico, mas referenciado nos problemas da comunidade
Hildo Cezar Freire Montysuma

PGM 4
FORMAÇÃO CIENTÍFICA E PREPARAÇÃO DO PROFESSOR ................................................................................ 31
Ensino Médio e Educação Profissional
Profa. Lucia Helena Lodi

PGM 5
O “X” DA QUESTÃO É A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ......................................................................................... 33
Currículo e formação do professor
Hildo Cezar Freire Montysuma

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


2
PROPOSTA PEDAGÓGICA

Currículo no Ensino Médio: entre o passado e o futuro


Hildo Cezar Freire Montyuma

A proposta dos cinco programas desta série é desvelar algumas questões que encobrem a discussão
a respeito do currículo.

A intenção é retomar o debate, humanizando-o, apresentando-o como uma construção humana,


como um tema que envolve problemas do cotidiano, historicamente situados, e que diz respeito às
nossas vidas. Vamos discutir esse tema, portanto, numa abordagem bem diferente daquela que é
adotada pelas academias, quase sempre envolta no hermetismo de um linguajar extremamente
didático, tão distante da prática dos professores.

Pretendemos mostrar que a escola, como nós a conhecemos, não surgiu do “nada”, ela é resultante
de um processo de lutas intensas entre a burguesia revolucionária dos séculos XVI, XVII e XVIII e
a feudalidade decadente.

O papel histórico e social ao qual a escola se propunha era o de difundir, às amplas massas, a
ciência renascentista, em oposição aos dogmas medievais que atravancavam o desenvolvimento da
sociedade e representavam um obstáculo à consolidação do poder burguês, recém-inaugurado na
Europa.

Logo, a escola pública, gratuita, laica e para todos é uma bandeira política profundamente
comprometida com interesses de classes. Há pouco mais de 200 anos – se tomarmos como marco a
Revolução Francesa – a burguesia representava o novo e o progresso. Dessa forma, o currículo e o
modelo de escola por ela propostos eram revolucionários, porque estavam a serviço da estruturação
e da reprodução da nova forma de vida e de organização da produção.
E hoje? O que representa, para amplas parcelas do povo, esse modelo de sociedade erguida a partir
do poder burguês? O que dizer da miséria, da indigência, que atingem 20% da população
economicamente ativa no Brasil? E o desemprego em massa, de caráter estrutural, o que representa?

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


3
A questão fundamental é responder se a estrutura da sociedade em que vivemos é ou não
progressista, se deve ou não continuar se reproduzindo.

Ao responder a essas questões, nós somos obrigados a assumir posições de classes. Na medida em
que consideramos essa sociedade como progressista, estamos nos perfilando ao lado daqueles que
usufruem as benesses deste sistema. Mas, se por outro lado, dizemos que a proposta de organização
social apresentada pelos burgueses encontra-se historicamente ultrapassada, que não tem mais
contribuição a dar ao progresso da humanidade, estamos me colocando no campo dos que acreditam
que a essência da sociedade em que vivemos é injusta, dos que buscam, portanto, acabar com a
dominação de classes e erguer uma nova coletividade, baseada em novos valores, novas relações
econômicas e sociais.

Bem, mas o que tem a ver a escola com toda essa discussão de classes e de sociedade?

A alguns parágrafos atrás, dissemos que a escola surgiu como uma forma de luta burguesa para
enfrentar o poder feudal? Então? A idéia que propomos é justamente a de que a escola continue a
ser uma forma de luta. Uma vez que a escola estará sempre condicionada a interesses de classes, a
questão é saber: Qual é a minha classe? De que lado eu estou?

Resolver essa questão é fundamental para respondermos às questões seguintes:

· Que escola atende aos meus interesses – como classe e como indivíduo?

· Qual deve ser o currículo dessa escola? Ou, dito de outra maneira: o que os jovens, meninos e
meninas da minha classe devem aprender?

· Para que as meninas e os meninos devem aprender? O que eles vão fazer com esse aprendizado?

Como se pode perceber, a discussão sobre o caráter da escola e a sua proposta de currículo
extrapolam os muros das instituições de ensino e estão ligadas por elos inquebrantáveis às questões
inerentes às condições de vida, na atualidade, bem como à construção de um projeto de vida futura.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


4
Logo, a construção do currículo para o Ensino Médio não se esgota na dimensão estritamente
técnica, como nos querem fazer crer os defensores da pedagogia liberal. Ela vai além, e é por
princípio uma tarefa política de cada comunidade que deseja se apropriar e/ou retransmitir às novas
gerações os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.

Essa decisão política está condicionada, portanto, a um diagnóstico das condições de vida presentes
na atualidade, assim como sua evolução histórica. A partir dessa análise, nós teremos elementos
para projetar os objetivos futuros e os caminhos para atingi-los.

É no contexto da política que a escola e seu currículo adquirem significado, pois estarão a serviço
de um projeto comum, unificando o particular ao global, o individual ao coletivo, o concreto e o
abstrato.

Foi com base nestas reflexões que construímos essa série de cinco programas intitulada Currículo
do Ensino Médio: entre o passado e o futuro, que trata da construção no currículo para o Ensino
Médio.

A escola precisa romper o isolamento a que tem se confinado nos últimos anos e, para isso, é
preciso demonstrar sua praticidade, ajudar nosso povo a resolver seus problemas. Esse modelo de
escola, a respeito do qual tratamos nesta série do Salto para o Futuro/TV Escola, pressupõe o
rompimento de tabus, a quebra de paradigmas, para que se descortine o novo e se abrace o futuro.

Com esse espírito, a série Currículo no Ensino Médio: entre o passado e o futuro se propõe a
auxiliar nossos educadores nesta tarefa, que só poderá ser efetivada com a criatividade e a ousadia
dos professores e gestores no interior das escolas do Ensino Médio de nosso Brasil.

Temas que serão debatidos na série Currículo no Ensino Médio: entre o passado e o futuro, que será
apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 29 de agosto a 2 de setembro de 2005:

PGM 1 - Origem do currículo e a tradição escolar brasileira

Existe quase que uma unanimidade em torno da necessidade de mudar a forma e o conteúdo da

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


5
escola. Ocorre que, quando o debate sobre a mudança é pautado, seja na escola, seja pelos órgãos
gestores do sistema, a maioria dos envolvidos na discussão comporta-se como “alguém que está
sentindo dor (...) mas não consegue dizer que órgão está doendo, o que causou a dor e nem quando
ela começou”. Nessas circunstâncias, é sempre mais complicado determinar qual o remédio certo e
a dosagem correta para superar o sofrimento.

Assim, quando se pergunta – Por que mudar a escola? Em que medida essa mudança deve se dar e
em qual perspectiva? – recorre-se a um paliativo e, invariavelmente, erra-se na dose do remédio...
Ou, o que é mais comum, adota-se alguma panacéia como alternativa aos problemas da escola.

Para ajudar nessa discussão, o primeiro programa da série faz um diagnóstico em forma de reflexão
histórica, buscando identificar os elementos que determinaram o surgimento da escola moderna,
com os contornos e conteúdos predominantes hoje. A partir desta análise, procura-se responder se os
problemas que se colocavam para a escola no momento de seu surgimento continuam ou não atuais,
e em que medida se dá essa atualidade.

Essa reflexão servirá para nos posicionarmos sobre se devemos ou não proceder a uma mudança na
escola – e, conseqüentemente, no currículo – e qual a dimensão dessa mudança. Ou seja, qual o
remédio e qual a dosagem.

PGM 2 - Origem e natureza do conhecimento

Este segundo programa da série discute as circunstâncias materiais, sociais e históricas que
possibilitam o surgimento das idéias, vinculando pensamento à ação dos homens sobre a realidade
material e social, para superar suas dificuldades. Pretende-se mostrar que as idéias surgem como
síntese do processo de trabalho, aqui entendido como ação humana de transformação da natureza.

Isto posto, a escola, como lugar privilegiado de difusão de saberes científicos, só poderá cumprir
seu papel social se conseguir articular esses saberes aos problemas presentes na moderna sociedade
de alta tecnologia e grande miséria.

O conhecimento científico é abordado aqui como uma ferramenta histórica que possibilita ao
homem intervir criticamente na realidade e não como um fim em si, desvinculado da vida humana.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


6
PGM 3- Currículo científico referenciado nos problemas da comunidade

Neste terceiro programa, pretende-se articular a análise histórica feita no programa 1 e a abordagem
filosófica do programa 2, com a necessária tomada de posição em defesa da escola socialmente
referenciada, com um currículo engajado nos problemas locais e globais, e que articule teoria e
prática no contexto dos problemas da comunidade.

Também serão apresentados os elementos que possibilitam definir os passos para a realização do
diagnóstico da comunidade onde a escola está inserida, destacando esse exame como um dos
principais elementos para definir o projeto de currículo, bem como para determinar em que medida
se dará a articulação entre o saber cientifico historicamente construído e os problemas objetivos da
localidade onde a escola está situada.

Como toda construção curricular implica tomar decisões sobre que conhecimentos são relevantes
ensinar e aprender, esse processo de estudo da realidade, em torno da escola, nos oferecerá os
principais elementos para decidir o que sai e o que fica no currículo. O que é importante aprender
agora e o que pode esperar para depois.

Além da necessária discussão teórica que diz respeito a esse tema, são priorizados os elementos que
permitem aos professores determinar como fazer um diagnóstico que possibilite construir um
projeto de escola identificado com sua comunidade.

PGM 4 - Formação científica e preparação profissional

A necessidade de um currículo que articule trabalho, ciência e tecnologia.

O quarto programa discutirá a proposta do Ensino Médio Integrado como a alternativa curricular
nacional que mais se aproxima da idéia de um programa de estudos engajado aos problemas do
povo e que assegure aos alunos a apropriação da ciência articulada à formação profissional e
tecnológica, em articulação com a cultura e com as necessidades da comunidade onde a escola está
inserida.

A ênfase deste programa estará nas possibilidades que essa proposta cria em estabelecer ligações

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


7
entre as dimensões científicas, tecnológicas e culturais do currículo, fundamentando-o com a
política, de forma a possibilitar a compreensão dos problemas da sociedade, identificando suas
causas e possíveis soluções, tendo como referência a ciência e a tecnologia que se ensina e que se
aprende na escola.

PGM 5 - Currículo e formação do professor

O programa 5 trata da formação do professor, partindo das demandas do modelo de escola abordado
nos quatro programas anteriores, identificando as deficiências que podem ser superadas no âmbito
da escola e quais as tarefas que são próprias dos organismos gestores, como Secretarias de
Educação e o próprio MEC.

O encerramento da série aponta as perspectivas e os desafios a serem superados, nas formações


inicial e continuada dos professores, para assegurar que o novo currículo, comprometido com os
problemas sociais, seja assegurado em nosso país.

BIBLIOGRAFIA

BETTI, G. Escuela, educación y pedagogia en Gramsci. Trad. J. A. B. Barcelona, Martinez Roca S.


A., 1976.

FAZENDA, Ivani C.A. Interdisciplinaridade: Historia, teoria e Pesquisa. Campinas, SP, Papirus,
1994.

FAZENDA, Ivani C. A. Práticas interdisciplinares na escola, 6ª ed. São Paulo, Cortez, 1999.

FIORI, Giuseppe. A vida de Antonio Gramsci. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1979.

GONÇALVES, Carlos Luiz, PIMENTA, Selma Garrido, Revendo o ensino de 2º grau: propondo a
formação de professores. 2ª ed. São Paulo, Cortez, 1992. (Coleção Magistério 2º grau)

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.

___________. Cadernos do cárcere, vol. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos


conteúdos. São Paulo, Edições Loyola, 1984.

MANACORDA, Mario Alighiero, Marx e a pedagogia moderna, 4ª ed. Cortez: Autores Associados,
São Paulo, 1991.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


8
___________. História da educação: Da Antigüidade aos nossos dias. 4ª ed. São Paulo, 1995.

___________. El princípio educativo em Gramsci. Trad. Luis Legaz. Salamanca, Sigueme, 1977.

___________. Humanismo de Marx e industrialismo de Gramsci. Curitiba: UFPR. Palestra


proferida em 11/87. mimeo.

SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/método no


processo pedagógico. Campinas, SP., Autores Associados, 1994.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo, Cortez


Autores Associados, 1991.

VEIGA, Ilma Passos A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas,
SP., Papirus, 1995.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


9
PROGRAMA 1

ORIGEM DO CURRÍCULO E A TRADIÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA

História do currículo e tradição escolar 1


Nereide Saviani 2

Na literatura mais recente sobre currículo destacam-se obras dedicadas especialmente à pesquisa de
sua história. São estudos relativos à evolução do termo, a seu surgimento no vocabulário
pedagógico, aos diferentes significados a ele atribuídos, aos contextos de seu emprego, ao
desenvolvimento do pensamento curricular (teorias, tendências, normatizações).

A história do currículo constitui um campo específico de estudos e pesquisas, com objeto próprio.
Seu terreno de investigação inclui temas como: os esforços de elaboração e implementação do
currículo e de empreendimento de reformas curriculares; as tentativas de introdução de novas áreas
no currículo; as mudanças ocorridas na composição do currículo (o lugar, o papel e o valor relativo
de cada matéria). Embora seja possível estudar a evolução desta/s ou daquela/s disciplina/s na
história de um currículo determinado, cada disciplina tem, por sua vez, uma história relativamente
autônoma, com trajetória própria, envolvendo fatores específicos e sofrendo/exercendo influências
peculiares. Assim, a história das disciplinas escolares constitui-se, também, num campo específico
de estudos e pesquisas, cujo objetivo é investigar as “transformações ocorridas numa disciplina ao
longo do tempo”, identificando “fatores mais diretamente ligados às mudanças de conteúdo e de
métodos de ensino” (Santos, 1990, p. 21).

No Brasil (cf. Moreira, 1990), o debate sobre questões curriculares vem dos anos 1920-30, com as
reformas promovidas pelos pioneiros da Escola Nova. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais – INEP e o Programa de Assistência Brasileiro-Americana de Educação Elementar –
PABAEE destacam-se como veiculadores desse debate e responsáveis pela formação dos primeiros
especialistas em currículo. Nas décadas de 1950-60, a literatura especializada enfatiza preocupações
com problemas de currículo, principalmente nos cursos primário e secundário. Notam-se, no
período, o florescimento de experiências pedagógicas e o surgimento de classes e escolas
experimentais – extintas com o golpe de 1964. A partir da década de 1970, multiplicam-se as
medidas relacionadas com a elaboração de currículos por especialistas e com a introdução de
técnicos em Educação nas unidades escolares para orientar e supervisionar a implementação de

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


10
guias curriculares. Cria-se a habilitação Supervisão no curso de Pedagogia e são instalados os
primeiros cursos de pós-graduação em Supervisão e Currículo nas principais universidades do país.
É sobretudo a partir da década de 1980 que se intensifica o debate teórico sobre problemas
curriculares, com a crítica ao tecnicismo, empreendida principalmente por educadores e
pesquisadores identificados com a concepção de Educação Popular ou com a Pedagogia Histórico-
Crítica. Representantes dessas tendências chegam a assumir governos (municipais e estaduais),
desenvolvendo experiências de reorientação curricular e introduzindo temáticas relativas a currículo
em cursos de formação dos professores, em exercício.

Atualmente, as orientações curriculares para os diversos níveis de ensino e disciplinas escolares


consubstanciam-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN e nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN, elaborados nos anos de 1990 e complementados/modificados pelo MEC, já no
novo Governo Federal, a partir de 2003.

A compreensão dessa trajetória exige o estudo dos contextos cultural, social, político, econômico e
educacional de cada período e da situação do Brasil no quadro internacional. É a isso que vem se
dedicando boa parte dos estudos nesse campo.

De onde vem o termo currículo?

Se, como campo específico de estudos e pesquisas, a história do currículo é algo recente (meados do
século XX), o mesmo não se pode dizer do uso do termo no vocabulário pedagógico e do próprio
currículo como elemento constitutivo da educação escolar, enquanto conjunto das atividades
inerentes à vida da escola.

O currículo diz respeito à seleção, à seqüenciação e à dosagem de conteúdos da cultura a serem


desenvolvidos em situações de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a história do currículo se
confunde com a história da própria escola. Desde sua mais remota origem, na Antigüidade, essa
instituição define-se pelo lugar onde se ensina algo a alguém, onde se difunde o saber considerado
necessário e passível de ser ensinado (e aprendido) de forma sistematizada. O estudo da escola em
diferentes períodos permite a apreensão dos conteúdos ensinados e dos modos como se procedia a
esse ensino. Ou seja, é possível depreender seu currículo, mesmo se tratando de épocas e situações
em que esse termo ainda não era conhecido.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


11
Segundo o Oxford English Dictionary (citado por Hamilton, 1991, p. 205), o primeiro registro que
dele se constata é o de um atestado de graduação outorgado, em 1663, a um mestre da Universidade
de Glasgow, Escócia. Acredita-se que é nessa época que o termo latino curriculum (que significa
movimento progressivo ou carreira) passa a ser adotado com a conotação de “totalidade estrutural”
e “integridade seqüencial”, buscando indicar unidade dos estudos a serem seguidos e concluídos.
Assim, seu emprego na educação escolar associa-se, desde o início, às idéias de unidade, ordem e
seqüência de um curso, num clima marcado por aspirações a se imprimir maior rigor à organização
do ensino, implicando a exigência de formalização, que envolve plano, método, controle. Aí,
também, estão presentes as idéias de regularidade e centralidade inerentes ao princípio de disciplina
– no sentido de “regra de vida” – como elemento de coesão da escola. Nesse contexto, o ensino
obedeceria a um plano rígido, no qual estariam previstas as normas de conduta do estudante e as
responsabilidades do professor, dentre as quais a de avaliar os progressos de cada aluno nos estudos
e o cumprimento das normas estabelecidas. Representando todo esse conjunto, o currículo seria o
nome dado ao certificado de conclusão do curso, com o registro da avaliação de cada estudante.

Dessa conotação inicial (registro da vida estudantil, carreira), o termo currículo evolui no sentido de
indicar – ainda segundo Hamilton (1991, p. 204) – o conjunto dos novos traços da escola da época,
sintetizados em medidas de refinamento do conteúdo e dos métodos pedagógicos (daí, a noção de
currículo) e de aperfeiçoamento da vigilância dos estudantes (daí, a necessidade de seu
agrupamento, dando origem ao termo classe no vocabulário pedagógico). No âmbito dessa segunda
finalidade, associa-se a currículo a expressão disciplina escolar, mas, inicialmente – e durante muito
tempo – , usada no sentido de norma de convivência e conduta, conjunto de mecanismos punitivos
para a manutenção da ordem estabelecida.

A história das disciplinas escolares revela ser muito recente o emprego dessa expressão como
componente do currículo (matéria ou conteúdo do ensino). Sua propagação, segundo Chervel (1990,
pp. 178-180), inicia-se, no caso da França, com a preocupação de renovar o ensino primário e
secundário e liga-se à idéia de “ginástica intelectual”, numa perspectiva de, ao contrário da
inculcação, buscar-se “disciplinar a inteligência das crianças”. Refere-se, pois à disciplina do
espírito, evoluindo no sentido de “matéria de ensino suscetível de servir de exercício intelectual”.
Para o autor, mesmo com as mudanças notadas na evolução do uso da expressão, a noção de
disciplina escolar sempre sugeriu – e até hoje sugere – “(...) um modo de disciplinar o espírito”,
ditando-lhe regras de abordagem dos “diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


12
arte”.

Enquanto parte integrante de currículos, as disciplinas escolares estão sujeitas às contingências de


sua elaboração e execução. Mas, ao mesmo tempo, têm suas particularidades, chegando até a
interferir na história do currículo.

A organização curricular

A evolução dos sentidos atribuídos ao termo currículo e à expressão disciplina escolar resulta, hoje,
na visão da organização curricular como amplo e complexo conjunto de prescrições e realizações,
imbuído do caráter de processo, em âmbitos diversos e com relações e implicações as mais
variadas.

Numa perspectiva histórica, o currículo compreende conhecimentos, idéias, hábitos, valores,


convicções, teorias, técnicas, recursos, artefatos, procedimentos, símbolos, competências,
habilidades etc., dispostos em conjuntos de matérias/disciplinas escolares e respectivos programas,
com indicações de atividades/experiências para sua consolidação e avaliação. Há quem o considere
mera transposição dos saberes/fazeres de referência para a sala de aula, mas é sabido que o modo
como os elementos culturais são organizados em situações escolares apresenta certa singularidade,
que constitui um tipo peculiar de saber – o saber escolar. Na prática, o currículo tem se revelado
uma espécie de reinvenção da cultura.

Estudos sobre a história do currículo e a história das disciplinas escolares demonstram que a
produção e veiculação do saber escolar seguem trajetórias sinuosas e tumultuadas, num processo de
lutas de diversas dimensões. Enquanto seleção de elementos da cultura, a definição dos contornos
de um currículo é sempre uma, dentre muitas escolhas possíveis. Assim, a elaboração e a
implementação do currículo resultam de processos conflituosos, com decisões necessariamente
negociadas. Negociação, no caso, diz respeito a relações políticas, de poder, de persuasão, de
pressão, envolvendo conflitos e acordos (explícitos ou tácitos) entre partes que proclamam e
defendem interesses diversos, às vezes antagônicos. E a principal negociação é a que ocorre na
relação pedagógica propriamente dita, quando professores/as redefinem a programação, segundo as
peculiaridades de cada turma, nas condições (possibilidades e limites, seus e dos alunos/as) para
desenvolvê-la e vão freqüentemente alterando-a, a partir do modo como os discentes a ela

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


13
respondem.

A organização curricular consiste, portanto, no conjunto de atividades desenvolvidas pela escola, na


distribuição das disciplinas/áreas de estudo (as matérias, ou componentes curriculares), por série,
grau, nível, modalidade de ensino e respectiva carga-horária – aquilo que se convencionou chamar
de “grade curricular”. Compreende também os programas, que dispõem os conteúdos básicos de
cada componente e as indicações metodológicas para seu desenvolvimento. Por conseguinte, a
organização curricular supõe a organização do trabalho pedagógico. Isto quer dizer que o saber
escolar, organizado e disposto especificamente para fins de ensino-aprendizagem, compreende não
só aspectos ligados à seleção dos conteúdos, mas também os referentes a métodos, procedimentos,
técnicas, recursos empregados na educação escolar. Consubstancia-se, pois, tanto no Currículo
quanto na Didática.

O Currículo na Ação

De acordo com Jose Gimeno Sacristán (1998) – pesquisador espanhol, estudioso de questões
curriculares e preocupado com problemas da escola pública – o currículo deve ser entendido como
processo, que envolve uma multiplicidade de relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que
vão da prescrição à ação, das decisões administrativas às práticas pedagógicas, na escola como
instituição e nas unidades escolares, especificamente.

Um dos principais aspectos a se considerar, quando se trata do currículo na ação, é a organização do


tempo e do espaço escolares, que diz respeito às condições de ensino-aprendizagem. Pólos
indissociáveis de um mesmo processo, o ensino e a aprendizagem precisam ser vistos nas suas
necessidades essenciais, que ultrapassam as paredes da sala de aula e os muros da escola. O tempo
de ensino supõe a formação (inicial e continuada) do professor e inclui o preparo, a execução e a
avaliação das atividades. O tempo de aprendizagem exige que se considerem os diferentes ritmos e
experiências, carecendo de diferentes oportunidades, para a devida mediação entre o que o aluno
consegue realizar sozinho e aquilo que exige a mediação pedagógica. Relacionados aos diferentes
tempos, há que se forjar os adequados espaços, com os imprescindíveis recursos.

O tratamento dispensado à relação tempo/espaço/recursos funciona como um “termômetro”, indica


a concepção de escola e trabalho pedagógico que alimenta as políticas educacionais adotadas,

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


14
fornece a dimensão de proximidade/distanciamento entre os objetivos educacionais proclamados e
os efetivamente perseguidos e realizados. Na lógica do mercado, a educação é tratada como
mercadoria, cujo valor se determina pelo tempo socialmente necessário para sua produção.
Predomina a busca por melhor relação custo/benefício, que se situa no menor dispêndio de tempo
possível, com o máximo de “eficiência”. A formação do professor é tão mais desejável quanto mais
breve, menos acadêmica. Aos alunos, prefere-se destinar cursos rápidos, em turmas grandes,
buscando-se o uso “racional” dos espaços e equipamentos. Medidas compensatórias são tomadas
para “recuperação” do tempo perdido. Numa visão de formação plena, ao contrário, as demandas
educacionais são infinitas e a tendência deve ser a de aumentar o tempo destinado ao acesso à
cultura, nas suas múltiplas manifestações – o que exige diversificação de espaços e recursos.

A tradição escolar

Palavras e expressões como currículo, grade curricular, atividades curriculares, matérias de estudo
ou matérias de ensino, disciplinas escolares, componentes curriculares, programas fazem parte da
rotina de quem atua com educação escolar. Seu emprego em textos, documentos diversos e no
discurso de educadores, nas mais diferentes situações, parece algo tão “natural” que raramente as
pessoas se dão conta da carga histórica e conceitual que cada termo comporta. No entanto, são
notórias as mudanças no conjunto das matérias que vêm compondo os currículos dos níveis, graus e
modalidades de ensino, na sua distribuição pelas séries, na sua carga horária, nos conteúdos e
métodos prescritos em seus programas. Mudam também as concepções, e isto nem sempre é tão
perceptível.
Em meio às mudanças, às vezes muito lentas e em descompasso com as transformações sociais,
observam-se elementos de permanência, num conjunto de concepções e práticas que constituem
uma espécie de tradição escolar. Para Goodson (1991, p. 16), a educação escolar consiste numa
conversão da cultura em “cultura escolar”, que ele chama (baseado em Hobsbawm) de “reinvenção
da cultura” ou “invenção da tradição”3. Assim, o resultado da construção do currículo torna-se uma
espécie de “herança a ser defendida”, cujas “definições devem construir-se e reconstruir-se com o
tempo” (Goodson, 1991, p.16).

As decisões sobre o currículo relacionam-se com: o tipo de ensino enfatizado (propedêutico, de


caráter “final”, politécnico); a formação que se quer privilegiar (humanista, científica, técnica,
integral); as necessidades a serem atendidas (do indivíduo e sua família, do mercado, do Estado, de

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


15
uma classe social). Dependendo das prioridades, diferenciam-se o caráter e a modalidade do
currículo e distinguem-se, também: as matérias, seu valor relativo e respectivos programas; a
destinação de recursos financeiros e materiais às atividades especificamente curriculares; as formas
e critérios de avaliação; as normas disciplinares; os modos de acompanhamento e controle das
unidades escolares; o lugar e o papel dos saberes elementares (a leitura, a escrita, o cálculo), bem
como o caráter e a freqüência das campanhas de alfabetização. São vários os fatores que
determinam a evolução de uma disciplina ou área de estudo, sua inclusão/exclusão e valor relativo
em currículos determinados, tais como as finalidades educacionais da sociedade (exigências do
regime sócio-político, da religião, da família, do mercado) e as específicas da escola. A eles se
associam: demandas por tipos diferentes de ensino; características e transformações sociais e
culturais dos públicos escolares; renovação/estabilidade do corpo docente; sistemática de avaliação
e seleção (provas, exames, vestibulares, concursos); condições materiais (construções escolares,
mobiliário, equipamentos) e recursos, com destaque para o livro didático. Entram em jogo, também,
interesses de grupos diversos da sociedade: ação e prestígio de lideranças intelectuais; exigências e
pleitos de professores e especialistas da educação; influência de centros acadêmicos de produção
teórica/técnica e de centros de formação de profissionais das várias áreas; interferências de
entidades culturais e associações de profissionais; política editorial de cada área.

Para refletir e debater ...

Algumas variações, e até mesmo dicotomias, ligadas à noção de currículo, merecem


aprofundamento e debate, no sentido de se buscar entender sua relação com as reformas curriculares
em curso. Tratando-se do currículo do Ensino Médio, torna-se importante destacar pelo menos duas:
currículo organizado por disciplinas versus currículo organizado em áreas de estudo; currículo
centrado em conhecimentos versus currículo centrado em capacidades/competências.

Para compreender o currículo e, principalmente, para elaborá-lo e implementá-lo de modo a


transformar o ensino, é preciso refletir sobre grandes questões, tais como:

• Que objetivos, no nível de que se trate, o ensino deve perseguir?

• O que ensinar, ou que valores, atitudes e conhecimentos estão implicados nos objetivos?

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


16
• Quem está autorizado a participar das decisões do conteúdo da escolaridade?

• Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado muitas outras coisas? Trata-se da justificativa do
conteúdo.

• Todos esses objetivos devem ser para todos os alunos/as ou somente para alguns deles?

• Quem tem melhor acesso às formas legítimas de conhecimento?

• Esses conhecimentos servem a quais interesses?

• Que processos incidem e transformam as decisões tomadas até que se tornem prática real?

• Como se transmite a cultura escolar nas aulas e como deveria se fazer? [Já que a forma de ensinar
não é neutra quanto ao conteúdo do ensino].

• Como inter-relacionar os conteúdos selecionados oferecendo um conjunto coerente para os


alunos/as?

• Com que recursos metodológicos, ou com que materiais ensinar?

• Que organização de grupos, professores/as, tempo e espaço convém adotar?

• Quem deve definir e controlar o que é êxito e o que é fracasso no ensino?

• Como saber se houve êxito ou não no ensino e quais conseqüências têm sobre o mesmo as formas
de avaliação dominantes?

• Como podem se mudar as práticas escolares relacionadas com esses temas?

(Gimeno Sacristan, 1998, pp. 124-125)

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


17
Concluindo...

Em síntese, as noções de currículo e de disciplinas escolares se ligam às idéias de controle do


processo pedagógico, estabelecimento de prioridades segundo as finalidades da educação (de
acordo com o público a que se destina e com os interesses em disputa), e ordenação, seqüenciação e
dosagem dos conteúdos do ensino.

A análise de sua história, do ponto de vista da evolução dos termos e das concepções e práticas, ao
mesmo tempo em que indica uma tradição conservadora, sinaliza a possibilidade de transformação,
por ser o currículo uma construção social, marcada por constante movimento de interesses e
perspectivas, entre sujeitos históricos que, ao se apropriarem dessa história, podem imprimir nela
outra marca e mudar seu rumo.

Bibiografia

CHERVEL, Andrès. A história das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação, n. 2, Porto Alegre, 1990.

GIMENO SACRISTÁN, Jose. “Currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise da prática?” In:
Gimeno Sacristan, J. e Pérez Gomes, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4ª ed. Porto Alegre:
Artmed, 1998. pp. 119-148.

GOODSON, Ivor P. La construcción del curriculum: possibilidades y ámbitos de investigación de la


historia del curriculum. Revista de Educación, Madrid, n. 295, 1991. (Historia del Curriculum I).

AMILTON, David. Origines de los términos educativos “classe” y “curriculum”. Revista de


Educación, Madrid, n. 295, 1991. (Historia del Curriculum I).
MOREIRA, Antonio Flavio B. Currículos e Programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1990.

SANTOS, Lucíola L. C. P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Teoria &
Educação, n. 2, Porto Alegre, 1990.

SAVIANI, Nereide. Saber Escolar, Currículo e Didática: problemas da unidade conteúdo / método
no processo pedagógico. 4ª ed. Campinas, Autores Associados, 2003a.

________________. Matriz curricular para o Ensino Médio na rede estadual/SP: o caráter


negociado da elaboração e da implementação do currículo. Revista de Educação, n. 20, pp. 21-25,
São Paulo, Apeoesp, 2005.

________________. “Currículo – um grande desafio para o professor. Revista de Educação, n. 16,


pp. 35-38, São Paulo, Apeoesp, 2003b.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


18
________________. “Bases legais e conceituais da reforma curricular do ensino médio no Estado
de São Paulo”. Revista de Educação, n. 11, pp. 14- 25, São Paulo, Apeoesp, set./2000.

________________. “Elaboração e Implementação do Currículo”. In: Revista do SINPEEM, n. 3,


São Paulo, fevereiro/1996a.

________________. “Parâmetros Curriculares Nacionais: o que dispõem para o ensino


fundamental?”. In: Anais do I CONED (Congresso Nacional de Educação), Belo Horizonte/MG,
1996b.

________________. “A conversão do conhecimento científico em Saber Escolar: uma luta


inglória?” In: Revista do SINPEEM, n. 2, São Paulo, fevereiro/1995a.

________________. “Currículos e Matérias Escolares: a importância de estudar sua história”. In:


Série IDÉIAS n. 26, São Paulo, FDE, 1995b.

Notas

1- Texto organizado especificamente para o programa da TV Escola – Salto para o


Futuro, a partir do livro (SAVIANI, N., 2003a, 4.ª ed.) e outros trabalhos da autora:
1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1998, 2000, 2003b, 2005.

2- Doutora em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP. Professora do


Mestrado em Educação da Universidade Católica de Santos – UNISANTOS.

3- “Entende-se por tradição inventada um conjunto de práticas, normalmente


governadas por normas aceitas aberta ou tacitamente, de natureza ritual ou
simbólica, que tentam divulgar certos valores e normas de comportamento por meio
da repetição, o que automaticamente implica continuidade com o passado.”
(Hobsbawm, citado por Goodson, 1991, p.16).

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


19
PROGRAMA 2

ORIGEM E NATUREZA DO CONHECIMENTO

O trabalho é o princípio norteador do currículo

Hildo Cezar Freire Montysuma 1

É comum observarmos, nas conversas dos professores, a preocupação com o conhecimento. Essa
preocupação apresenta-se, quase sempre, envolvida com os problemas relativos à aprendizagem dos
alunos, o que é natural, posto que o conhecimento é a matéria-prima com a qual lidam educadores e
alunos em seu cotidiano escolar. Mas o que é mesmo o conhecimento?

As idéias expostas neste texto se propõem a colaborar no sentido de esclarecer alguns aspectos
relevantes quanto ao tema.

Se observarmos a história da humanidade, confrontando-a com a história do conhecimento, veremos


que o saber científico que foi reunido e sistematizado ao longo dos tempos pelo homem tem sua
gênese no trabalho2. É no processo de transformação da natureza que surgem as idéias falsas e
verdadeiras, que dão origem às ações fracassadas e exitosas, respectivamente.

O saber científico nada mais é do que o registro das experiências bem sucedidas, e também dos
fracassos, bem como a representação abstrata da realidade material e do processo de transformação
da natureza.

São as condições materiais que produzem o homem e este, por sua vez, num processo dialéti-co,
altera e cria seu mundo material. O conhecimento é resultante desse movimento dialético.

Movido por necessidades materiais e subjetivas, o homem se lança na luta por modificar a natureza,
objetivando saciar suas necessidades básicas. Ocorre que, ao agir sobre a realidade material, ao
transformar a natureza, os seres humanos também sofrem alterações em sua fisiologia, anatomia e,
fundamentalmente, nas estruturas motoras e cognitivas. De todas essas mudanças, a mais
significativa é o registro mental das experiências, a impressão em nossas mentes dos fatos vividos
no processo de trabalho.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


20
Esse registro, que chamamos de memória, não pode ser confundido com o que ocorre com algumas
espécies de mamíferos, posto que, no caso dos animais, o que sucede é uma memo-rização
desconexa, fragmentária e pontual, ao passo que, no homem, trata-se de registros essencialmente
históricos, que se articulam com memórias de outras experiências, abrindo conexões para novas e
variadas articulações mentais.

É desse processo de tensão entre a necessidade humana que se afirma (tese), em oposição à ação
dos homens de transformação da natureza para
satisfação dessas necessidades (antítese), que
surge o conhecimento (síntese), como
possibilidade unicamente da espécie humana.

Se esse movimento pudesse ser representado


graficamente, o esquema que mais se
aproximaria desse processo seria o expresso na
figura ao lado. Como diria Engels, “(...) Da
mesma forma que a eletricidade e o magne-
tismo etc. se polarizam e se movem em virtude
de uma oposição, assim também se manifesta o
pensamento. Da mesma forma que, nos
primeiros, não é possível observar um processo unilateral, também quanto ao segundo não o é”
(Engels, 1979, p.131).

É importante destacar que todo o processo de trabalho e de produção de conhecimentos envolve


relações sociais que também têm fortes e importantes implicações na construção do pensamento. É
precisamente esse aspecto que a escola e o método científico proposto pela pedagogia tradicional
teimam em não reconhecer. Por isso, conhecimento e aplicabilidade, ciência e vida não se
conectam, caminham paralelamente.

O debate sobre currículo nas escolas e nas instâncias de gestão das secretarias de educação dos
estados deve procurar romper com a perspectiva do conhecimento como algo que se esgota em si e
construir um currículo em que o saber científico se articule com os problemas atuais, vinculando-o à
realidade individual e social, material e histórica dos alunos e da sociedade em que vivemos.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


21
É essa perspectiva que possibilita a articulação entre escola, trabalho, tecnologia e conhecimento,
resgatando o caráter científico da instituição escolar, rompendo, por um lado, com a dicotomia –
identificada e combatida por Gramsci – entre o saber “especializado demais” fundado no método
indutivo empirista, e por outro, com a ciência “desinteressada demais” fundada no racionalismo
cartesiano.

Com base nesta visão, é preciso que os problemas sociais sejam transpostos para dentro do
ambiente escolar e que sejam analisados e respondidos à luz das diversas ciências, uma vez que os
conhecimentos constituem-se em ferramenta para a resolução de problemas.

O papel da escola é, portanto, assegurar às novas gerações não apenas o domínio dos saberes
historicamente construídos, mas garantir-lhes a capacidade para manuseá-los e autonomia para
decidir em que circunstâncias sociais são ou não úteis, além de preparar nossos jovens para
prosseguir os estudos em outros níveis.

As reflexões sobre os problemas locais e globais que nossos alunos vivenciam devem ser o ponto de
partida e de chegada para a tomada de decisão sobre o que é importante que nossos alunos
aprendam na etapa final da educação básica.

Isso porque todo debate de currículo implica tomadas de decisões, uma vez que, no atual nível de
acúmulo da ciência, não cabe mais a proposta de um ensino enciclopédico, que proponha que os
alunos aprendam tudo que foi sistematizado pela humanidade como ciência. Não haveria tempo
nem espaço para tal proposta.

A construção do currículo pressupõe, portanto, priorizações, considerando o que é básico para a


vida. Ao enfatizar determinados conhecimentos, possibilita-se aprender outros conhecimentos e
quais os métodos de investigação próprios de cada campo da ciência, o que assegurará aos alunos
poder continuar aprendendo.

Considerando esses elementos, creio que todos professores deveriam decidir o que é relevante para
o aprendizado dos jovens a partir dos seguintes itens:

1. Diante dos problemas sociais e/ou dos problemas da maioria dos nossos alunos, que

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


22
conhecimentos, que habilidades e competências são importantes que eles aprendam, para lidar com
e responder a esses problemas?

2. Estes conhecimentos que propomos que sejam apropriados por nossos alunos, hoje, foram
construídos em que circunstâncias históricas? Eles se apresentavam como solução para quais
problemas, objetivamente?

3. Estes problemas relacionados ao item dois continuam presentes hoje?

4. Se a resposta ao item três for afirmativa, ou seja, se esses conhecimentos continuarem atuais,
cabe uma outra pergunta: Eles se apresentam com os mesmos contornos do contexto histórico de
sua produção inicial, ou agregaram outros elementos? Tornaram-se mais complexos?

Se a resposta a tudo isso for negativa, ou seja, se determinados conhecimentos e/ou competências
não servem para resolver problemas sociais e individuais, se os problemas que esses conhecimentos
se propuseram a resolver já foram historicamente superados, então esses tipos de conhecimento não
necessitam figurar no currículo de nossa escola, servem apenas para ocupar espaço, impedindo que
nossos jovens se potencializem para a vida em sociedade, que desenvolvam consciência crítica e
que exerçam plenamente a cidadania.

Essa afirmação se faz necessária porque o legado enciclopedista do currículo liberal nos impele a
querer que os alunos aprendam tudo ao mesmo tempo, que saiam de cada nível de ensino como
“especialistas”, o que pelo peso da tradição acaba se configurando na eleição do acessório como
principal e pondo em segundo plano o que é substantivo e fundamental.

O importante é dar ao currículo um caráter científico, articulando-o ao mundo moderno. Essa


articulação não pode ser confundida com a perspectiva de reprodução pura e simples do mun-do em
que vivemos, nem com a construção de uma sociedade “mais” justa – como os liberais vivem a
cantarolar em prosa e verso –, no entanto, preservando suas mazelas e injustiças.

Preparar nossos jovens para o mundo atual tem, na idéia aqui defendida, sentido transformador e
não de mera adaptação à sociedade já existente, marcada pela concentração de renda e miséria em
toda parte.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


23
A articulação do saber escolar com o mundo diz respeito à compreensão dos mecanismos de
funcionamento da sociedade atual e de quais as ferramentas efetivas para a sua transformação.

Trata-se, portanto, de arregaçar as mangas, erguer os braços e abraçar o futuro, que se constrói
desde já, edificando um projeto de currículo que possibilite a formação de consciências que
problematizem a realidade material e social, que discutam e apresentem soluções para os problemas
de nossa gente, que formem mulheres e homens comprometidos com as causas de nosso povo.
Queremos, por isso, uma escola científica, multifacetada como a vida, que articule ciência, política
e tecnologia, para desenvolver o Brasil e edificar uma sociedade verdadeiramente justa, com
distribuição de renda, paz e prosperidade. Esses são os ideais perseguidos por todos os
trabalhadores e homens de bem de nossa terra, que devem ser abraçados por nossas escolas.

Bibliografia

ARISMENDI, Alcira Legaspi. Pedagogía y Marxismo. Editora Nacional de Cuba, 1965.

BECKER, Fernando. A Epistemologia do Professor. Petrópolis, Vozes, 1993.

BICHARA, Ilka. A Gênese do Trabalho. In: Princípios nº 22. Ed. Anita Garibaldi, 1991.

CASTORINA, José Antônio et alli. Piaget-Vygotsky. Novas Contribuições para o debate. São
Paulo, Ática, 1996.

Centro de Estudos Angolano – MLPA. O que é a história da sociedade humana. In: História da
Angola. Argel – ARG, 1965.

ENGELS, Friedrich. O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem. São Paulo,


Global, 1990.

ENGELS, Friedrich e MARX, Karl. A Ideologia Alemã. 1º Capítulo, seguido das Teses sobre
Feuerbach. Tradução Sílvio Donizete Caldas. São Paulo, Editora Centauro, 2002.

ENGUITA, Mariano F. A Face Oculta da Escola, Educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre,
Editora Artes Médicas, 1989.

HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Coimbra, Portugal, editora Armênio Amado, 1987.

LUEDEMANN, Cecília da Silveira. Anton Makarenko – Vida e Obra – A pedagogia na revolução.


São Paulo, Expressões Populares, 2002.

MACHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia, Escola Unitária e Trabalho. São Paulo, Cortez
Editora, 1991.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da Escola do trabalho. São Paulo, Expressões Populares, 2000.

POLITZER, Georges. Princípios Fundamentais de Filosofia. Editora Hemus, 1983.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


24
PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. São Paulo, Cortez Editora, 1991.

Notas

1 – Coordenador do Ensino Médio da Secretaria de Estado de Educação do Acre.


Consultor desta série.

2 – Trabalho entendido como ação humana de transformação da natureza.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


25
PROGRAMA 3

CURRÍCULO CIENTÍFICO REFERENCIADO NOS PROBLEMAS DA


COMUNIDADE

A possibilidade de construção de uma escola com currículo científico, mas


referenciado nos problemas da comunidade

Hildo Cezar Freire Montysuma 1

A LDB, em seu Artigo 35, inciso IV, estabelece como uma das finalidades do Ensino Médio a
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Esse postulado legal abre caminho para a construção de um currículo que equilibre, de modo justo,
a formação científica universal e tecnológica e a preparação para o trabalho, articulada à formação
política e filosófica.

Apesar da possibilidade de construção desse currículo mais avançado estar objetivamente


estabelecida, pode-se dizer que, no geral, tem prevalecido, em nossas escolas, a tradição curricular
liberal enciclopédica na definição do que é importante que nossos alunos aprendam na etapa final
da educação básica.

O que se observa, nas propostas curriculares, são projetos de ensino e estudos que partem do nada
para lugar algum; as ciências são apresentadas como algo estranho ao nosso mundo e aos problemas
das pessoas.

Diante disto, o que é possível ser feito para construção de um projeto de currículo que seja
científico, sem ser diletante e estéril?

Primeiro, é preciso mudar o olhar em relação ao conhecimento científico. O que se convencionou


chamar de ciência é, em última instância, a síntese da ação humana para superar os problemas que
se impuseram ou se impõem à vida em todos os aspectos.

Logo, todo conhecimento científico representa uma ferramenta para a intervenção trans-formadora

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


26
na realidade, tem sentido prático e relevância social; por mais abstrato que se apresente, será sempre
resposta a algum problema que se colocou para a humanidade em algum momento, seja no campo
material, social ou espiritual. Qualquer postulado que não tiver esse caráter não se sustenta como
conhecimento incorporado ao legado cultural da humanidade.

Segundo: antes de definir o que os alunos precisam aprender, é preciso que as escolas tenham um
diagnóstico das condições de vida da população em sua volta.

O ponto de partida para a construção de qualquer projeto escolar deve ser o conhecimento que a
escola tem de seus alunos.

O perfil social, econômico e cultural dos estudantes e os problemas da comunidade, confron-tados


com as ciências, nos darão um elenco de saberes que são relevantes e urgentes àquela população.

Várias são as formas e os instrumentos que permitirão à escola traçar o perfil de seu alunado e sua
comunidade. Devem ser considerados, entre outros, os seguintes aspectos:

• Dados pessoais (idade, filiação, local de nascimento etc.);

• Dados socioeconômicos (levantar informações sobre a renda familiar, a situação de moradia, o


meio de transporte mais utilizado; verificar se o aluno é trabalhador, em que trabalha, qual o horário
etc.);

• Dados socioculturais (verificar se o aluno tem acesso a bens culturais, se é leitor, se pratica
esporte, se pertence a alguma associação, grêmio, grupos de defesa de minorias, ambientalistas
etc.);

• Dados sobre nível de proficiência dos alunos por série e turno (aprendizagem);

• Dados sobre a vida escolar (levantar informações que esclareçam se o aluno já foi reprovado, se já
desistiu, se já estudou em escola particular, se é proveniente de outra escola, de outra cidade, de
outra modalidade de ensino – supletivo, modular, educação a distância etc.);

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


27
• Se os pais são alfabetizados;

• Se o aluno mora com os pais;

• Condições de moradia;

• Infra-estrutura do bairro (ruas, saneamento, energia etc.).

Esse instrumento pode ser elaborado pelos próprios alunos, com o auxílio e a orientação de seus
professores (os alunos também podem ser envolvidos no processo de aplicação e de análise dos
resultados, o que configuraria uma situação de aprendizagem bastante significativa).

Elaboração de questionários, relatórios, relatos, fichas de registro de informações, ou de outros


instrumentos de avaliação, pelas comissões formadas por representantes de cada grupo e/ou
segmento pertencentes à comunidade escolar (alunos, pais, professores, equipe técnica,
coordenadores, diretores, equipe de apoio do trabalho escolar – serventes, vigilantes, secretário,
inspetores...), ou ainda qualquer outro instrumento criado pela escola, que pode ser tão eficaz
quanto o sugerido.

O fundamental, nesse processo, é que as escolas se apropriem de informações que as permitam


conhecer melhor os seus alunos, seus hábitos, suas preferências, seus projetos de vida para, com
base nessas informações, construir e organizar o seu currículo, definindo, inclusive, a parte
diversificada, que pode se concretizar em forma de projetos, módulos ou aprofundamento em uma
disciplina ou área, dentro da escola ou em outra instituição parceira. A idéia de desenvolvê-lo em
forma de projetos parece ser mais produtiva, uma vez que foge das atividades rotineiras e tem como
resultado um produto final, construído pelos alunos, o que dará maior significado às ciências.

De posse do diagnóstico, a escola elaborará uma lista de problemas vividos na comunidade, que
podem ser resolvidos com a contribuição científica dos diversos componentes curriculares, bem
como as habilidades e competências básicas que os alunos necessitam para a vida na sociedade
moderna e de que ainda não tenham se apropriado.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


28
Concluído o diagnóstico, o próximo passo é listar todos os conteúdos, habilidades e competências,
relacionando-os com cada problema, destacando os mais graves verificados na maioria dos alunos e
na comunidade.

A idéia é que os conhecimentos, as competências e habilidades construídos na escola possam se


converter em instrumento para a resolução dos problemas concretos da comunidade onde vivem os
alunos e que estes saberes possam ser confrontados com a vida real, tornando o bairro, ou o
município, um laboratório vivo, em que as verdades científicas sejam comprovadas.

Durante o processo de ensino-aprendizagem, o aluno deve adquirir abertura e sensibilidade para


identificar as relações existentes entre os conteúdos aprendidos na escola e a sua vida pessoal e
social, de modo a estabelecer uma relação ativa entre sujeito e objeto do conhecimento, que precisa
ser contextualizada, tirando o aluno da condição de espectador passivo, permitindo que o mesmo
passe a refletir, rever e interagir na construção de novos conhecimentos.

A escola deverá elaborar um projeto pedagógico, que discuta e exponha, de forma clara, valores
coletivos, delimitando prioridades, definindo os resultados. Assim, atuar para que os alunos possam
desenvolver capacidades de diferentes naturezas e, desse modo, construir suas identidades e seus
projetos de vida.

Bibliografia

DOMINGUES, D. (org.). A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo, Unesp,
1997.

EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo, Martins Fontes, 1990.

FAURE, E. Aprender a ser. Lisboa (Portugal), Livraria Bertrand, 1972.

FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar.


Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo, Cortez/Autores Associados,


1986.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 3. ed. Rio de Janeiro, Civilização


Brasileira, 1978.

________. Literatura e vida nacional. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

KOUDELA, I. D. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo, Perspectiva/Edusp, 1991.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


29
LIBÂNEO, J.C. Democratização da Escola Pública. São Paulo, Loyola, 1985.

SAVIANI, D. Educação do Senso Comum à Consciência Filosófica. São Paulo, Cortez/Autores


Associados, 1983.

___________. Escola e Democracia. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1983.

Nota

1 – Coordenador do Ensino Médio da SEE do Acre. Consultor dessa série.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


30
PROGRAMA 4

FORMAÇÃO CIENTÍFICA E PREPARAÇÃO PROFISSIONAL


Ensino Médio e Educação Profissional

Profa. Lucia Helena Lodi 1

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece que a educação deve
compreender os processos formativos que se iniciam na vida familiar, na convivência humana, e
que se desenvolvem, especialmente, nas instituições de ensino e no trabalho. O Ensino Médio –
última etapa da educação básica – tem por finalidade, entre outras, a preparação básica para o
trabalho, de modo que, atendida a formação geral do educando, o direcione para o exercício de
profissões técnicas (§2º, rt. 36).

No entanto, com a edição do Decreto n. 2.208/97, estabelecendo que a educação profissional


contaria com uma organização curricular própria e independente do Ensino Médio, a busca de uma
concepção unitária em termos de formação a ser alcançada por meio do Ensino Médio sofreu um
grave retrocesso.

A tempo, esse princípio basilar foi resgatado no Decreto nº 5.154/04, que instituiu a modalidade de
Ensino Médio integrado à educação profissional técnica de nível médio.

Em atendimento à nova legislação, ao Ministério da Educação cabe apoiar os sistemas estaduais de


ensino no processo de implantação dessa nova modalidade de formação. Para tanto, estão sendo
realizados debates com os dirigentes e técnicos das Secretarias Estaduais de Educação, colocando
em pauta questões como a concepção do Ensino Médio integrado, eixos da organização curricular e
plano de desenvolvimento.

O exame das condições atuais de oferta da educação média aos jovens impõe a necessidade de se
repensar essa modalidade de educação. De acordo com dados do Censo Escolar, em 2003 cerca de
7,7 milhões de jovens entre 15 e 19 anos foram matriculados na rede pública de Ensino Médio, o
que representa 42,7% da população nessa faixa etária. No entanto, do total de matrículas, apenas
9% foram efetuadas em cursos técnicos de nível médio. Ainda nesse mesmo ano, aproximadamente
2 milhões de jovens concluíram o Ensino Médio e, desses, 400 mil ingressaram no ensino superior.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


31
Dos 1,6 milhão restantes, somente 700 mil alunos cursaram o ensino técnico.

Sob a ótica da inserção desses jovens no mundo do trabalho, os dados existentes indicam a urgência
de revisão da política de educação básica em nosso país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) de 2001, a população entre 15 e 24 anos totaliza 34 milhões de pessoas
sendo que, desse universo, 55% estão fora da escola e 45% estão à margem do mercado de trabalho.

Diante desse quadro, a estruturação de uma nova modalidade de Ensino Médio integrado à
educação profissional deve ser vista como uma prioridade social e uma questão de cidadania. O
desafio é assegurar melhores condições de inserção profissional para os milhares de jovens egressos
do Ensino Fundamental.

A institucionalização dessa nova modalidade educacional implica romper com a dualidade


estrutural que historicamente separou o ensino propedêutico da formação profissional no Brasil.
Almeja-se com isso, a partir de uma profunda revisão de paradigmas e conceitos que envolvem a
questão, eliminar a indesejável oposição entre conhecimento geral e conhecimento específico.

Segundo a LDB, a educação profissional deve estar integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia. Trata-se, portanto, de um fator estratégico para o desenvolvimento
socioeconômico nacional, bem como para a redução das desigualdades regionais e sociais.

A oferta do Ensino Médio integrado à educação profissional deverá contribuir com a melhoria da
qualidade dessa etapa final da educação básica. Em termos curriculares, essa modalidade reunirá
conteúdos do Ensino Médio e da formação profissional que deverão ser trabalhados de forma
integrada durante todo o curso, assegurando o imprescindível diálogo entre teoria e prática.

Aos alunos será dada a oportunidade de concluir o Ensino Médio e, ao mesmo tempo, adquirir uma
formação específica para sua inclusão no mundo do trabalho. O Ensino Médio integrado
proporcionará melhores condições de cidadania, de trabalho e de inclusão social aos jovens e
adultos em busca de uma formação profissional de qualidade e de novos horizontes para suas vidas.

Nota

1- Diretora do Departamento de Políticas do Ensino Médio.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


32
PROGRAMA 5

O “X” DA QUESTÃO É A FORMAÇÃO DO PROFESSOR


Currículo e formação do professor

Hildo Cezar Freire Montysuma 1

No documento Orientações Curriculares do Ensino Médio, produzido pelo MEC para subsidiar os
debates do Fórum Curricular Nacional realizado no final de 2004, destaca no texto introdutório que
“O movimento de reorganização da escola deve estar sustentado no tripé: currículo, formação de
professores2 e gestão, a serem plenamente considerados” (LODI, Lúcia H. In: Orientações
Curriculares do Ensino Médio: MEC, 2004).

Essa recomendação não se dá ao acaso, surge como reflexo das queixas de professores e gestores
que, por todo o Brasil, reclamam do descompasso existente entre a formação dos professores e a
necessidade de construção de um novo currículo, que sustente a organização de uma escola
socialmente referenciada.

Esse desencontro é próprio do momento de transição que vive o Brasil na definição da política
curricular para a etapa final da educação básica. Como todo processo transitório, persistem
elementos velhos em contradição com o novo que surge.

Cabe destacar que o debate em torno do currículo sempre envolveu disputa de interesses de classes,
sendo a escola um instrumento para viabilização dos projetos das forças em disputa na sociedade.

Por isso, a escola e seu currículo têm papel estratégico para a construção e consolidação de qualquer
projeto.

A chamada Reforma do Ensino Médio, desencadeada com a edição do Parecer nº 15/98 e da


Resolução nº 03/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional, que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais, não está alheias a esses interesses, ao contrário, é a expressão e a
materialização de um determinado ponto de vista sobre o currículo que deve ser professado nas
escolas do Brasil.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


33
Em virtude do conteúdo expresso nestes dois documentos que fundamentam a Reforma, o termo
mais adequado para designar o que representa tal Reforma é reacomodação do projeto liberal, em
função do esgotamento da escola tradicional, que já não consegue se sintonizar com as mudanças e
avanços tecnológicos ocorridos nas forças produtivas e a necessidade insaciável de acúmulo de
capitais da indústria capitalista.

Por outro lado, à medida que a escola burguesa, enciclopedista, vai se mostrando saturada, cada vez
mais adquirem relevo e justeza as críticas dos trabalhadores a esse modelo de escolarização que,
pelo seu conteúdo, não pode ser assumido pelos planos burgueses de educação escolar.

Nesse quadro, o Parecer n° 15 e a Resolução n° 03 do CNE constituem-se, por um lado, em um


esforço de superação da escola tradicional enciclopédica e, por outro, de negação das alternativas de
escolarização resultantes da sistematização das lutas dos trabalhadores por educação e escolarização
fundamentadas nos seus interesses de classes.

Diante disso, a Reforma do Ensino Médio enfrenta duas grandes contradições para sua
implementação, a saber:

1. A presente Reforma parte da necessidade de formar cidadãos autônomos, versáteis e mais


instruídos3, objetivando a constituição de mão-de-obra compatível com as novas demandas de
mercado e de aumento do lucro das empresas. Contudo, esse pressuposto abre espaço para a
viabilização, no interior das escolas, de propostas de base proletária, que articulem trabalho, ciência,
tecnologia e política, na perspectiva da emancipação dos trabalhadores e, portanto, da ruptura com o
próprio capitalismo, que a atual proposta visa legitimar.

2. A outra contradição se dá no cenário da sala de aula, uma vez que os professores tiveram sua
formação docente fundamentada nos paradigmas tradicionais de docência, incompatíveis com a
lógica do mundo capitalista moderno. Esse talvez seja o maior e mais perigoso entrave para a
materialização da referida Reforma no país.

Uma política de formação docente não pode ignorar as tensões e as disputas que se estabelecem em
todas instâncias educacionais e que têm seu berço no seio da sociedade burguesa, dividida em
classes e marcada pela polarização entre uma minoria milionária, opulenta e improdutiva e a

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


34
maioria produtiva, explorada e miserável.

Nessa perspectiva, podemos dizer que a crítica (ou autocrítica) expressa nas DCN ao paradigma de
escola tradicional, que trata a ciência como se fosse um fim em si mesma, é justa, mas é insuficiente
na ótica das classes exploradas no capitalismo, porque tal crítica (neo)liberal limita a aplicação da
ciência à esfera da satisfação dos interesses do mercado e das aspirações do indivíduo.

A se considerar a ótica dos trabalhadores, é preciso colocar a escola a serviço das mudanças
estruturais no Brasil. Para tanto, deve-se assegurar aos jovens trabalhadores o domínio das ciências
e da tecnologia e a convicção de mudança.

A formação de professores deve perpassar estes conflitos, possibilitar aos docentes mergulhar nos
conflitos sociais para que decidam conscientemente de que lado irão se perfilar no processo de luta
de classes.

Nesse sentido, grande esforço deve ser feito pela sociedade, sindicatos e movimentos que atuam
pela emancipação dos trabalhadores, para assegurar, na reformulação dos cursos superiores de
licenciaturas, a constituição de um currículo que tenha sintonia com as aspirações populares, que
esteja conectado com as demandas da escola e da sociedade, e no qual a formação pedagógica e a
científica estejam em sintonia.

Além desses aspectos conceituais, que representam um grande entrave para a construção de novo
currículo, tanto na perspectiva conservadora quanto na transformadora, um problema objetivo se
coloca: trata-se da carência histórica de professores com a habilitação necessária nas disciplinas de
Matemática, Física, Química, Biologia, Língua Estrangeira e Arte, que são componentes
curriculares obrigatórios, e que só agora são objeto de políticas claramente definidas por parte do
Governo Federal, com adoção dos programas Pró Licenciatura e da Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores.

Estes programas, apesar de serem merecedores de destaque, por se tratar de esforço ministerial para
suprir a carência de professores – fato raro – são ainda insuficientes diante da demanda crescente
por matrícula no Ensino Médio. Essa circunstância nos remete à observação de que a formação de
professores em nível superior, apesar de ser respon-sabilidade das instituições de ensino superior,

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


35
portanto do Governo Federal, terá, ao menos em curto prazo, que ser assumida na maior parte, pelos
estados, para dar conta da demanda por Ensino Médio com o mínimo de qualidade. Mas como as
unidades federadas não possuem ainda uma linha de financiamento claramente definida para o
Ensino Médio, é de se presumir que na maior parte do país a formação de professores se esgote na
incapacidade de financiamento.

Como se vê, o debate sobre escola, currículo, conhecimento, tecnologia e cultura, mais do que
técnico, é fundamentalmente político e tem como ator principal o professor. Este deve estar no
centro das políticas de construção curricular, desde a escola até a esfera federal de Governo, sob
pena de qualquer proposta de escola, por melhor que seja, se esgotar antes mesmo de se
materializar.

Bibliografia

PARECER CEB/CNE Nº. 15/98 – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM).

RESOLUÇÃO CEB/CNE nº. 03/98 – institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio.

ENGUITA, M. F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Trad. Tomaz Tadeu
da Silva, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

FIORI, Giuseppe. A vida de Antonio Gramsci. Trad. Sérgio Lamarão, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979.

HEGEL, G.W.F. Coleção Os Pensadores. Consultoria; Paulo Eduardo Arantes, 2ª ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1980.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Valtensir Dutra, 15ª ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1979.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

___________. Cadernos do cárcere, vol. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.

___________. El princípio educativo em Gramsci. Trad. Luis Legaz. Salamanca: Sigueme, 1977.

MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomáz Tadeu da S. Currículo, Cultura e sociedade. Trad.
Maria Aparecida Batista, 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1995.

PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. Trad. José Severo de Camargo Pereira. 11ª ed. São
Paulo: Cortez, 1991.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


36
SARDELLA, Antônio. Curso de Química Completo. São Paulo: Cortez, 2003.

SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/método no


processo pedagógico. Campinas – SP: Autores Associados, 1994.

Notas

1 – Coordenador do Ensino Médio da SEE do Acre. Consultor dessa série.

2 – Grifo meu.

3 – Art. 4º - Resolução N° 03/98 – CEB/CNE, que institui as Diretrizes Curriculares


Nacionais para o Ensino Médio.

CURRÍCULO NO ENSINO MÉDIO: ENTRE O PASSADO E O FUTURO.


37

Вам также может понравиться