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Autocrítica ou anticomunismo?
20 de novembro de 2019
Revista Opera
É comum ouvirmos falar de forma genérica que “a esquerda tem que fazer uma
autocrítica dos seus erros passados”. Os autores dessa frase partem, no entanto, de
um pressuposto falso. Essa autocrítica não só existe, como desde a década de 1990 até
hoje é praticamente impossível se a rmar marxista sem citar os “erros do passado”. A
autocrítica, porém, parece nunca ter m. Como um el católico, quanto mais perdão
pedimos, mais pecados parecemos ter.
O nível de domínio ideológico dessa falsa concepção de “autocrítica” é tão grande que,
habitualmente, quando se necessita de um exemplo negativo para criticar um governo,
partido ou movimento de direita, o exemplo é buscado no nazifascismo ou em algum
país socialista. Jair Bolsonaro já foi comparado com Lênin, Hugo Chávez, Mao Tsé-Tung
e Fidel Castro. Na hagiogra a do mundo construída pelo liberalismo em que se conta:
“era uma vez um mundo feliz para sempre e democrático; um dia, porém, dois lobos
maus – o nazismo e o comunismo – tentaram devorar a Dona Democracia.” Mas o
liberalismo consegue derrotar os dois, e Fim da História!
Para compreendermos de verdade porque isso não tem nada a ver com autocrítica –
não passando de uma expressão do anticomunismo [1] – cabe buscar adentrar nos
fundamentos dessa ideologia caracterizando seus aspectos centrais, fundamentos
teóricos e seu balanço histórico da modernidade burguesa. Depois de feito esse
percurso, buscaremos pontuar o papel da falsi cação histórica, retirada dos horrores
da história dos comunistas do seu quadro histórico-concreto e pontuar a substancial
ignorância que existe na esquerda brasileira sobre produções recentes que derrubam
vários mitos da Guerra Fria. Terminado esse caminho, nalizamos com a conclusão.
O direito de voto também era negado aos trabalhadores. Immanuel Kant, Bernard
Mandeville, Barão de Montesquieu, Alexis de Tocqueville e muitos outros justi cavam,
a partir de diversos argumentos, a restrição ao direito de voto para os operários. Um
dos argumentos mais comuns era de que os operários são “instrumentos de trabalho
falantes”, “máquinas bípedes”. Em suma, seres despidos da razão e das luzes e
incapazes de participar do poder. Muitos pensadores liberais, como o Barão de
Montesquieu, ainda sublinhavam que a participação do povo nos negócios políticos
tinha potencial de criar o caos na República e ameaçar a propriedade privada
(LOSURDO, 2004. p. 15-60). Por falar em Tocqueville, é oportuno lembrar que o autor,
no seu clássico “A democracia na América”, de niu os EUA como um exemplo de
democracia a despeito da escravidão dos negros, o extermínio dos povos indígenas
peles vermelhas e as formas de segregação racial que enfrentavam os negros livres – a
democracia na América era democrática porque a raça dos senhores, os proprietários
brancos, desfrutava de um regime constitucional-representativo. (LOSURDO, 2006b, p.
83-86; TOCQUEVILLE, 2005).
Bobbio sabia que liberalismo e democracia não são convergentes e que essa última foi
uma construção das lutas do movimento operário; ao mesmo tempo, pensava o
liberalismo apagado da questão colonial e absolutizava uma certa visão da história do
liberalismo na realidade europeia – balanço histórico em si também miti cado[4].
Basta citar, por exemplo, a realidade colonial da Irlanda. Já a losofa alemã Hannah
Arendt, no seu clássico livro “As Origens do Totalitarismo” (ARENDT, [1949] 2012),
começa falando do imperialismo europeu na África e Ásia e mostra como instituições
totais, como o campo de concentração, foram uma criação da política colonial dos
Estados europeus. Eis que, misteriosamente, na terceira parte do seu livro, o
imperialismo colonial desaparece de cena e o totalitarismo diz respeito apenas ao
nazismo e a URSS (ARENDT, 2012, p. 415-611).
Progredindo nesse caminho, no seu livro “Sobre a revolução” (ARENDT, [1965] 2011,
p.92-158), a lósofa a rma que a Revolução Americana, ao contrário da Francesa,
garantiu a “liberdade” constituindo-se num processo revolucionário não violento que
nunca conheceu episódios como o terror jacobino. A Revolução Americana, por não ter
a questão social como centro, evitou os perigos totalitários presentes no pensamento
e na ação de uma tradição histórica que vai de Robespierre, Marx, Lênin e encontra seu
ápice em Stálin. O colonialismo interno dos EUA com a “marcha para o oeste” e o
extermínio dos peles vermelhas, a ampliação da escravidão, o regime de supremacia
racial e a ação imperialista dos EUA nos anos pós revolução – expropriação de
territórios do México, anexação do Havaí, neocolonialismo nas Filipinas,etc. – não têm
peso na construção teórico- losó ca e no balanço histórico da autora. Sai a análise
histórica, e assume o papel central a apologia.[5]
Os números fantásticos de mortos na URSS que sobem a cada ano sem o mínimo de
rigor cientí co são um bom exemplo desse tipo de mentira [13]. Números de presos e
mortos durante a repressão no período maoísta também são in ados – mesmo
fenômeno que já atinge o jacobinismo francês (LOSURDO, 2018, p. 22). Mas, se nesse
caso existe um falseamento a partir de uma base real (mortes realmente
aconteceram), em outros, a mentira caminha livre de qualquer lastro na realidade.
Podemos citar alguns exemplos: a) o mito de que Stálin con ava em Hitler e ele e a
direção do PCUS caram surpresos com a quebra do Pacto de não agressão germano-
soviético (Medvedev, 2006, p. 291); b) a existência de um suposto “Holodomor” contra
os ucrânios, mentira fundamental para aproximar soviéticos e nazistas (cada um com
sua “Solução nal”) (LOSURDO, 2010, p. 198); c) a fome planejada na China que
exterminou 90 milhões de camponeses (ARRIGHI, 2008, p. 375); e d) o antissemitismo
soviético como política de Estado (LOSURDO, 2010, p. 217).
Notas:
[1] – É importante negritar que esse debate não é uma escolástica acadêmica restrita
ao ambiente universitário. Na linguagem política de políticos pro ssionais, como
Fernando Haddad e Ciro Gomes (ambos candidatos a presidência em 2018, cando,
respectivamente, com o segundo e o terceiro lugar do pleito), nos meios de
comunicação chamados de “progressistas”, como a Revista Carta Capital e no jornal El
País e em meios de informação cada vez mais responsáveis pela “educação política” de
uma parcela da população, como canais no Youtube, a ideia de fugir de extremos
iguais, extrema direita e extrema esquerda, ambos violentos, autoritários e
antidemocráticos – o comunismo soviético, o representante por excelência da
“extrema esquerda” e o nazismo da “extrema direita” – é cada vez mais forte. Essa
ideologia tem íntima relação com a hagiogra a do liberalismo. Esperamos que ao nal
do texto o leitor perceba claramente essa relação.
[2] – “A escravidão não é algo que permaneça não obstante o sucesso das três
revoluções liberais; ao contrário, ela conhece o seu máximo desenvolvimento em
virtude desse sucesso: “o total da população escrava nas Américas somava
aproximadamente 330.000 no ano de 1700, chegou a quase três milhões no ano de
1800, até alcançar o pico de mais de 6 milhões nos anos 50 do séc. XIX” (LOSURDO,
2006. p. 47).”
[3] – Em 5 de junho de 1920, no Esboço inicial das Teses sobre a Questão Nacional e
Colonial, no II Congresso da Internacional Comunista, Lênin expressa em termos
teóricos o que, na prática, foi um elemento central (não sem contradições e erros) da
ação dos comunistas no século XX: “não só em toda propaganda e agitação dos
partidos comunistas – tanto da tribuna parlamentar como fora dela – devem ser
incansavelmente desmascaradas as constantes violações da igualdade das nações e
das garantias dos direitos das minorias nacionais em todos os Estados capitalistas, a
despeito das suas constituições ‘democráticas’ […]; Segundo, é necessário uma ajuda
direta de todos os partidos comunistas aos movimentos revolucionários nas nações
dependentes ou que não gozam de igualdade de direitos (por exemplo, na Irlanda,
entre os negros da América etc.) e nas colônias” (LÊNIN, 2017, p. 438).
[4] – Importante pontuar que posteriormente, já nos anos de 1970, Bobbio expressa
uma história mais crítica do liberalismo e reconhece suas cláusulas de exclusão e a
barbárie colonial. Exemplo disso é seu livro Política e Cultura, Editora Unesp, [1977]
2015. Mesmo assim, porém, em situações concretas, como na invasão de Granada,
Panamá e nos atos terroristas dos EUA contra a Nicarágua Sandinista, Bobbio manteve
silêncio e apoiou a primeira guerra [neocolonial] contra o Iraque. Esse último episódio
chocou bastante os alunos e seguidores de Bobbio dado sua imagem de “paci sta” e
defensor de uma ordem mundial baseada no direito internacional e não na força.
[5] – Não é demais lembrar que Alexis de Tocqueville, o famoso liberal francês, torna-
se uma das grandes referências teóricas de Hannah Arendt e é notória sua in uência
no livro “Sobre a Revolução”. Tocqueville, que dentre outras proezas, foi um defensor
total da conquista colonial francesa no Mabreg e da cruci cação colonial da China.
[8] – “Neste aspecto, é surpreendente como boa parte das éticas contemporâneas, tão
em voga nas academias, busca encontrar solução para os problemas da sociedade
contemporânea, a partir de pretensos princípios morais universalizáveis, sem
considerar a sua viabilidade junto à base econômica-material que move a sociedade
civil. Como se fosse possível construir-se valores morais justos sobre uma
infraestrutura injusta [e eu acrescendo: violenta]. É o caso das éticas discursivas de K.
Apel e J. Habermas e da teoria da justiça de Jonh Rawls” (VIEIRA, 2006, p. 16)
[9] – Churchill era um grande admirador de Mussolini, que chegara ao poder em Itália
em 1922. Saudava tanto o anticomunismo de Mussolini, quanto a sua forma autoritária
de organizar e disciplinar os italianos. Visitou a Itália em 1927 […] e encontrou-se com
Mussolini, sobre quem proferiu rasgados elogios numa conferência de imprensa […].
‘Se fosse italiano, estou seguro que estaria de todo o coração ao vosso lado, desde o
início até ao m, na vossa luta triunfante contra os apetites e paixões animalescas do
Leninismo’. E sobre as simpatias de Churchill pelos golpistas espanhóis escreve
Ponting: “todas as suas simpatias estavam com Franco e o lado nacionalista. […]
Descreveu o governo legítimo e a parte republicana como ‘um proletariado pobre e
atrasado que exige o derrube da Igreja, do Estado e da propriedade e a instalação dum
regime Comunista’. Contra eles erguiam-se ‘forças patrióticas, religiosas e burguesas,
sob o comando do exército […] em marcha para reestabelecer a ordem através da
instauração duma ditadura militar’” – CADIMA, Jorge. Nos 70 anos da vitória de 1945,
2015. Disponível no link: https://pcb.org.br/portal2/8195/nos-70-anos-da-vitoria-de-
1945/
[10] – “Na Índia, temos um governo hitleriano, ainda que camu ado em termos mais
brandos […] Hitler foi o pecado da Grã-Bretanha. Hitler é apenas uma resposta ao
imperialismo britânico” (GANDHI apud LOSURDO, 2010, P. 191).
[12] – Interessante destacar que as duas principais revoluções liberais hoje defendidas
pela burguesia, a Revolução Inglesa e a Americana, não são moralizadas por sua
violência ou elementos de barbárie, como a manutenção e ampliação da escravidão. O
olhar moralizador e de horror é reservado apenas às revoluções socialistas e
anticoloniais. Professor que sou, debatendo com colegas de pro ssão, quando
apresento a contra-história das revoluções liberais, a resposta que sempre escuto era
“isso era a ideologia da época”. Ou seja, a Revolução Americana, por exemplo, está
livre de qualquer juízo ético, político e moral, a nal, era “assim que se pensava no
período”.
[13] – Jean Salem (2008, p. 30-32) mostra como essa lógica se desenvolve na França.
Um cálculo que começa com 10 milhões de mortos na URSS e consegue,
tranquilamente, alcançar a casa dos 110 milhões de mortos já anos de 1970 (2008, p.
27).
[14] – As exceções, como as traduções de Domenico Losurdo e de Wendy Goldman,
apenas con rmam a regra.
Referências:
LOSURDO, Domenico. A luta de classes. Uma história política e losó ca. Boitempo
Editorial, São Paulo, 2015.
__________________. Stálin – uma história crítica de uma lenda negra. Editora Revan,
Rio de Janeiro, 2010.
MAGRI, Lucio. O alfaiate de Ulm – uma história possível do Partido Comunista Italiano.
Boitempo Editorial, São Paulo, 2014.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política – Volume I. Boitempo Editorial, São
Paulo, 2015.
ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. Companhia das Letras, São Paulo,
1987.
VIEIRA, Luiz Vicente. A Democracia com pés de Barro: O diagnóstico de uma crise que
mina as estruturas do Estado de direito. Editora UFPE, Recife, 2006.
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