Nas revisões de 1989 e de 1997 chegou-se à redacção actual sob a epígrafe: Estado de Direito
Democrático – “A República Portuguesa é um Estado de Direito democrático, baseado na
soberania popular, no pluralismo de expressão e organização politica democráticas no respeito
e na garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e
interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural
e o aprofundamento da democracia participativa”.
Numa definição tão longa, está identificado o Estado das sociedades democráticas dos nossos
dias como Estado social e democrático de Direito. O principio da socialidade é um elemento
indissociável do Estado de Direito Democrático.
Na garantia dos direitos fundamentais vem sempre implicada a necessidade de toda uma
actuação positiva destinada, não apenas à sua protecção e ao reconhecimento do seu efeito
irradiante, mas também à criação das condições objectivas possibilitadoras de um exercício
efectivo em condições de igualdade real entre os seus titulares, o que, ao Estado se refere, não
apenas permite como até podemos exigir o desenvolvimento da correspondente acção politica
transformadora.
Por outro lado, a determinação do conteúdo dos direitos fundamentais não pode petrificar-se
segundo os padrões em dada época estabelecidos, antes devendo fazer-se à luz dos
Os Princípios Constitucionais Estruturantes – Daniel Lourenço
O principio do Estado de Direito desenvolve toda uma dimensão garantista que, para além da
protecção da liberdade individual, projecta exigências diferenciadas sobre a actuação do
Estado que, de alguma forma, possa afetar particulares.
Apesar da inevitável relativização que aí vem envolvida, a dignidade da pessoa humana não
pode ser considerada ilegitimamente afetada só pelos factos dos direitos fundamentais em
que se desenvolve e concretiza poderem ou deverem ser restringidos com vista à garantia de
outros valores igualmente dignos de protecção. Mas mesmo então, mesmo quando a restrição
se apresenta como constitucionalmente adequada ou necessária, o principio da dignidade da
pessoa humana adquire nova vitalidade enquanto referência e critério último da solução dessa
questão central em Estado de Direito que é a da composição equilibrada entre valores
igualmente dignos de tutela jurídica e que entram em tensão.
A pessoa, com a sua dignidade é, em si mesma, só por existir e ter sido criada à imagem de
Deus, entidade com valia intrínseca.
No Estado de Direito o conteúdo da dignidade da pessoa humana não pode ser determinado
como produto de definições ou preconceitos ideológicos particulares ou de ordenações
fechadas e abstractamente hierarquizadas de valores, por mais que se pretendam sustentados
ou deduzidos a partir de pretensas “verdades” morais, religiosas ou filosóficas.
Assim, quando a pessoa tenha de ser objecto de imposições estatais que afetam o seu direito
de autodeterminação, a dignidade da pessoa humana exige, pelo menos, que em tais
circunstâncias seja dada ao individuo a possibilidade de participar em condições de liberdade
e igualdade na formação da vontade na formação da vontade democrática; exige, por outro
lado, que as imposições que afectem a sua liberdade de autodeterminação não sejam
inigualitárias, arbitrárias , excessivas, desproporcionais ou desrazoáveis e exige , por outro
lado, que as imposições que afetem a sua liberdade de autodeterminação não sejam
inigualitárias, arbitrárias, excessivas, desproporcionais e desrazoáveis e exige, por último, que
não seja afeta ou esvaziado um núcleo mínimo de possibilidades de levar uma vida digna em
condições de liberdade e de autoconformação que vêm implicadas na necessátria
consideração do inidviduo como sujeito.
Quanto às funções que desempenha, além de ser a norma base do sistema constitucional, a
dignidade da pessoa humana desempenha uma função simbólica, uma função instrumental
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Em qualquer caso, independentemente dessa oscilação semântica, pode dizer-se que este
principio é, hoje, referência fundamental do controlo de actuação dos poderes públicos em
Estado de Direito, assumindo particularmente no âmbito dos limites aos direitos
fundamentais, o papel de principal instrumento de controlo da actuação restritiva da liberdade
individual e de chave sem a qual, integrada no recurso à metodologia de ponderação de bens,
não seria possível decifrar os complexos problemas que aí vêm sendo suscitados.
Se bem que o artigo 18º da Constituição não referia expressamente a proporcionalidade como
parâmetro do controlo (“devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”), a doutrina portuguesa fez
formalmente do principio de proporcionalidade o núcleo central dos requisitos materiais
exigidos às restrições aos direitos fundamentais e a jurisprudência constitucional adotou-o
com esse alcance.
Todos os 3 subprincípios têm de constar, basta que um seja violado para que o principio seja
como um todo violado – considera-se como um todo, o principio é desrespeitado.
O professor Reis Novais entende que não há 3 mas 5 princípios. Toma o principio da proibição
do excesso como o mais abrangente onde se integram diferentes elementos constitutivos,
entre os quais o da proporcionalidade. De facto, a ideia-chave é, aqui, a de que, num estado
baseado na dignidade da pessoa humana, as relações entre os particulares e o estado estão
sujeitas a um princípio basilar: a liberdade e a autonomia dos primeiros são a regra enquanto
que a ingerência estatal na liberdade dos cidadãos é a excepção e, como tal, limitada e de
validade condicionada ao preenchimento de requisitos pré-estabelecidos.
O professor Reis Novais prefere considerar a proibição do excesso, por força do seu
reconhecimento constitucional expresso no artigo 18, como principio base em que se integram
os diferentes elementos constitutivos em seguida abordados.
Por sua vez, a distinção terminológica entre proibição do excesso, como conceito mais
abrangente, e principio da proporcionalidade, como um dos seus elementos, permite separar,
com mais clareza, as diferentes fases do controlo em função da sua diferente natureza. Ou
seja, se os controlos de idoneidade e indispensabilidade, ainda que exigindo valorações e não
dispensando, por vezes, procedimentos de ponderação, são de natureza tendencialmente
objectiva e, enquanto tal, intersubjetivamente comprováveis, já os controlos respeitantes á
fase da proporcionalidade, ao momento da avaliação da referida justa medida, dependem
vitalmente de procedimentos de ponderação de bens, racionalmente acessíveis, mas de
avaliação essencialmente subjectiva.
tão ou mais eficaz que o utilizado para atingir o fim mas sensivelmente menos
agressivo – obrigação de recorrer ao maios mais suave para atingir o fim);
Principio da Proporcionalidade (sentido estrito) – trata-se de indagar acerca da
adequação (proporção) de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas
variáveis e comprováveis. Assim, quando se aprecia a proporcionalidade de uma
restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende
proteger ou prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente protegido que
resulta, em consequência, desvantajosamente afectado.
Principio da Razoabilidade – Avaliação da razoabilidade da imposição, dever ou
obrigação restritiva da liberdade na exclusiva perspectiva das suas consequências na
esfera pessoal daquele que é desvantajosamente afectado. Significa isto que uma
restrição de liberdade pode ser adequada ou, pelo menos, não desproporcional,
quando, em abstracto ou em concreto, se tem em conta a gravidade do sacrifício
imposto relacionada com a importância ou a premência da realização dos fins
prosseguidos e, todavia ela constituir, por si só, uma afetação inadmissível ou
intolerável do ponto de vista de quem a sofre e por razões essencialmente atinentes à
sua subjectividade. Basta que a medida em causa coloque os afectados, ou algum
deles, numa situação quantitativa ou qualitativamente desrazoável à lus dos ditames
da protecção da liberdade e autonomia individual do relacionamento estado/cidadão
em estado de Direito.
Principio da Determinabilidade (na dimensão da proibição do excesso) – Em Estado
de Direito baseado na dignidade da pessoa humana, o reconhecimento da
possibilidade de a autonomia e liberdade individuais poderem ser restringidas vem a
par da necessidade de o alcance e medida concretos das restrições, ainda que
baseadas em leis gerais e abstractas, serem determinados com suficiente precisão,
serem claramente reconhecidos e previsíveis. Tal é imposto por uma confluência de
exigências decorrentes de princípios próprios do Estado de Direito, como sejam a
reserva de lei, o principio da segurança jurídica ou da protecção da confiança e o
principio da proibição do excesso. A exigência da determinabilidade, clareza e
suficiente densidade das normas legais e, particularmente, das normas restritivas é,
em primeiro lugar, um fator de garantia de protecção da confiança e da segurança
jurídica, uma vez que o cidadão sío pode conformar autonomamente os próprios
planos de vida se souber com o que pode contar, qual a margem de acção que lhe está
garantida, o que pode legitimamente esperar das eventuais intervenções do Estado na
sua esfera pessoal.
O sentido jurídico de igualdade é tudo menos evidente, sendo mesmo um dos conceitos mais
complexos e nebulosos do Direito Constitucional.
A ideia de igualdade tem a sua origem remota na ética. Foi a ideia racionalista da igualdade de
todos perante a lei, essencial na luta contra os privilégios do Antigo Regime, que foi erguida
bem alto no constitucionalismo das revoluções e se transformou depois em postulado do
Estado de Direito Liberal. De então para cá, a igualdade não tem deixado de se enriquecer,
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como igual participação politica (sufrágio universal), como igualdade material (no estado
social) e pelo crescente reconhecimento das diferenças (no Estado pós-social).
O principio da igualdade perante a lei tem hoje a sua sede no artigo 13 da constituição de
1976, porém são múltiplas as referências feitas ao longo de toda a lei constitucional. Não é
difícil de perceber, por isso, que a igualdade atravessa todas as matérias constitucionais, a
começar pela dignidade da pessoa humana, de onde vem o eixo em torno do qual gira todo o
Estado de Direito (“igual dignidade”), a passar pelos direitos de liberdade e pelos direitos
sociais e a terminar nos princípios e nas regras respeitantes à organização do poder político.
Uma das razões pelas quais a igualdade se apresenta como um dos conceitos mais difíceis de
todos conta-se de a igualdade não existir verdadeiramente no âmbito do mundo real, mas
apenas no mundo da lógica e da matemática, bem como a tradicional ligação à ideia da justiça.
Em todo o caso, sabe-se que se trata de um conceito multidimensional, comparativo e
relacional, ou seja, que pressupõe sempre uma comparação, é um conceito histórico, relativo
e relacional que tem de ser construído atendendo aos valores constitucionais no seu conjunto.
A luta pela constituição e pelo Estado de Direito eram também uma luta pela segurança
jurídica, no sentido de um projecto de organização racional do Estado e da sua atuação que
mantivesse a esfera dos particulares, nomeadamente no domínio da sua actividade
económica, ao abrigo das arbitrariedades típicas de um exercício ilimitado dos poderes de
autoridade que caracterizavam o Estado Absoluto.
Os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por
parte do Estado, como, também, o direito a não ver frustradas as expectativas que
legitimamente foram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde
que, obviamente as expectativas sejam legitimas, haja indícios consistentes de que, de algum
modo, elas tenham sido estimuladas , geradas ou toleradas por comportamentos do próprio
Estado e os particulares não possam nem devam, razoavelmente, esperar alterações radicais
no curso do desenvolvimento legislativo normal.
Em contraponto, há que ter em conta que o legislador de Estado de Direito democrático está
igualmente vinculado à prossecução do interesse público e que, aí, tem de dispor de uma
ampla margem de conformação da ordem jurídica ordinária, incluindo, naturalmente, uma
possibilidade de alteração das leis em vigor, pois de outro modo, e pressupondo que os fins do
legislador são constitucionalmente legítimos, seria decisivamente posto em causa o próprio
mandato democrático que os eleitores conferiram aos governantes.
Só é possível uma análise real tendo em conta o caso concreto e todo o circunstancialismo
envolvente que permita concluir, com base no peso variável dos interesses em disputa, qual
dos princípios deve merecer prevalência.
Podem suscitar alguns problemas em relação à interpretação da lei no tempo questões como
as leis retroactivas, as leis retrospectivas e as leis aplicáveis só a situações jurídicas que se
venham a cumprir no futuro.
“[...] Uma norma retrospectiva é uma norma que prevê consequências jurídicas para situações
que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data (cf. o
Acórdão n.º 232/91, publicado nos Acórdãos citados, volume 19º, páginas 341 e seguintes).
Uma lei retrospectiva não levanta o problema da retroactividade da lei. Coloca, porém, como
se anotou - e semelhantemente ao que acontece com as leis retroactivas que não sejam leis
penais, nem leis restritivas de direitos liberdades e garantias - a questão da eventual violação
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do princípio da confiança, que vai ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo
2º da Constituição.
Mas essa violação só se verifica, se a lei atingir “de forma inadmissível, intolerável, arbitrária
ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a
comunidade e o direito têm que respeitar” (cf. Acórdão n.º 365/91, publicado nos Acórdãos
citados, volume 19º, páginas 143 e seguintes), ou seja, “a ideia de segurança, de certeza e de
previsibilidade da ordem jurídica" (cf. citado Acórdão n.º 232/91). E tal sucede, quando os
destinatários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas
que a lei afecte de forma "inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa”.
Nos dizeres do citado Acórdão n.º 232/91, “uma norma retrospectiva só deve ser havida por
constitucionalmente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação
jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou
demasiado acentuada [...]”.
“[...] Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das
expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de direito democrático e a
liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente
legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a licitude (senão mesmo o
dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais
acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam «tocadas» relações ou situações
que, até então, eram regidas de outra sorte.
Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que,
ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta [não]vai implicar, nas relações e situações
jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária,
demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não
poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do
ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos,
impor-se-á que actue o sub-princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está
implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá,
de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e
segurança que todos têm de respeitar.
Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam
materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas "que a sua cedência, quanto
a outros valores, não signifique sacrifício incomportável" (cfr. Acórdão n.º 365/91 no Diário da
República, 2ª Série, de 27 de Agosto de 1991), ou se não perspectivem como consistentes, não
se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático.[...]”.
De uma forma geral, pode dizer-se que o controlo da observância do principio da protecção da
confiança combina duas dimensões.
Em primeiro lugar, o interesse público prosseguido pelo legislador tem de superar o peso das
expectativas dos particulares na continuidade de um dado quadro legislativo e, na
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correspondente ponderação a que há que proceder, têm de ser tidas em conta, de um lado, a
legitimidade, solidez, relevância dessas expectativas e, com um sentido oposto, a importância
ou premência da realização do interesse público prosseguido pelo legislador. Em caso de
dúvida tenderá a prevalecer a opinião do legislador, dado que, a avaliação judicial do peso do
interesse público não pode ignorar a ampla margem de conformação que deve ser
reconhecida ao legislador em Estado de Direito Democrático. Em contrapartida, essa margem
de conformação será substancialmente reduzida se em causa estiverem, do lado dos
particulares, expectativas relacionadas com a salvaguarda dos direitos fundamentais, caso em
que o próprio legislador está constitucionalmente vinculado à respectiva observância.