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Hidráulica Transiente

Aplicada a Saneamento
Jose Goes Vasconcelos, Ph.D.

Primeira Versão
Brası́lia, DF
2

°
c José Goes Vasconcelos Neto
Sumário

1 Sobre este material 7

2 Conceitos Introdutórios 9
2.1 Classificações de escoamentos hidráulicos . . . . . . . . . . . . . 10
2.2 Derivação algébrica das equações de transientes em condutos fe-
chados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 Determinação da velocidade da onda acústica em condutos . . . . 13
2.4 Problema exemplo: Fechamento instantâneo de uma válvula em
um conduto horizontal e sem atrito . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4.1 Representação do problema no grid x-t . . . . . . . . . . 19
2.5 Efeito do ar em solução nos transientes hidráulicos . . . . . . . . 20
2.6 Pressões baixas e fenômeno da separação de coluna . . . . . . . . 22
2.7 Exercı́cios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Derivação das Equações Transientes 25


3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.2 Equações fundamentais do escoamento . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.3 Equações do escoamento em condutos fechados . . . . . . . . . . 28
3.3.1 Derivação da equação da continuidade para condutos fe-
chados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.3.2 Derivação da equação do momento para condutos fechados 31
3.3.3 Avaliação das equações encontradas . . . . . . . . . . . . 33
3.4 Equações de Saint-Venant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.4.1 Derivação da equação da continuidade . . . . . . . . . . . 35

3
SUMÁRIO 4

3.4.2 Derivação da equação do momento linear . . . . . . . . . 35


3.4.3 Formato Vetorial e Integral das Equações de Saint-Venant 37
3.4.4 Derivação das equações de Saint-Venant em forma primitiva 38
3.4.5 Equivalência das Formas das Equações de Saint-Venant . 39
3.4.6 Simplificações para as equações de Saint-Venant . . . . . 39
3.5 Sumário do Capı́tulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4 O Método da Coluna Rı́gida 42


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.2 Método da Coluna Rı́gida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.2.1 Derivação do Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.2.2 Soluções para o Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2.3 Método de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.2.4 Algoritmo geral do método . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.3 Exercı́cios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

5 O Método das Caracterı́sticas 48


5.1 MOC para Escoamento em Condutos Fechados . . . . . . . . . . 49
5.1.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para Es-
coamentos Pressurizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
5.1.2 Implementação do MOC em Modelos Numéricos . . . . . 51
5.1.3 Condições de Contorno Básicas para Condutos Fechados . 56
5.2 Conexões em adutoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
5.2.1 Conexões em série em adutoras . . . . . . . . . . . . . . 60
5.2.2 Junções de três ou mais condutos . . . . . . . . . . . . . 61
5.3 Exercı́cio Proposto: Modelo para o escoamento para o fechamento
de válvulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

6 Separação de coluna 66
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
6.2 Misturas de ar e água em condutos elásticos . . . . . . . . . . . . 67
6.2.1 Liberação de gases de solução . . . . . . . . . . . . . . . 67
6.2.2 Calculando efeitos do ar livre na velocidade da onda acústica 69
SUMÁRIO 5

6.3 Modelando o escoamento transiente considerando a presença de gás 71


6.3.1 Descrição do modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
6.3.2 Implementação do modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

7 Transientes Em Bombas 77
7.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.2 Descrição do problema proposto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.2.1 Descrição do evento de parada súbita de bombas . . . . . 79
7.2.2 Caracterı́sticas gerais do funcionamento de bombas . . . . 81
7.3 Cálculo transiente da parada de bombas . . . . . . . . . . . . . . 84
7.3.1 Variação da carga piezométrica . . . . . . . . . . . . . . . 84
7.3.2 Variação do torque da bomba . . . . . . . . . . . . . . . . 86
7.3.3 Solução pelo método de Newton-Raphson . . . . . . . . . 87
7.4 Start-up de sistemas de bombeamento . . . . . . . . . . . . . . . 90

8 Proteção Contra Transientes 92


8.1 Reduzindo a velocidade da onda acústica em condutos . . . . . . 93
8.2 Válvulas de Retenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
8.3 Válvulas de Alı́vio e By-pass em Elevatórias . . . . . . . . . . . . 94
8.4 Volantes de Inércia e Inversores de Freqüência . . . . . . . . . . . 97
8.5 Chaminés de equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
8.5.1 Cálculo de chaminés de equilı́brio pelo método de Parmakian 99
8.5.2 Cálculo de chaminés de equilı́brio por modelos numéricos. 103
8.6 Tanques Unidirecionais e Stand pipes . . . . . . . . . . . . . . . 105
8.7 Reservatórios de Ar Comprimido . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
8.7.1 Cálculo de reservatórios de ar comprimido pelo método de
Parmakian . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
8.7.2 Cálculo de reservatórios de ar comprimido usando mode-
los numéricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

9 MOC para Escoamento em Canais 115


9.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para Escoamen-
tos em Canais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
SUMÁRIO 6

9.2 Comportamento das Equações Caracterı́sticas para Escoamentos


em Canais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
9.2.1 Trajetória das caracterı́sticas e Invariantes de Riemann . . 117
9.2.2 Região de Influência e Domı́nio de Dependência . . . . . 119
9.2.3 Efeito do regime de escoamento na especificação das condições
de contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
9.3 Implementação do MOC para canais - Método Hartree . . . . . . 122
9.4 Condições de Contorno para Condutos Canais . . . . . . . . . . . 126
9.4.1 Vazão à montante predeterminada . . . . . . . . . . . . . 126
9.4.2 Saı́da de um reservatório de carga conhecida . . . . . . . 127
9.4.3 Profundidade de montante predeterminada . . . . . . . . 127
9.4.4 Obstrução à jusante do canal . . . . . . . . . . . . . . . . 127
9.4.5 Relação profundidade vazão conhecida a jusante . . . . . 128
Capı́tulo 1

Sobre este material

Muitas das vezes no decorrer dos investigações de campo, modelos re-


cursos de graduação em Engenharia Ci- duzidos em escala laboratorial e mo-
vil e Ambiental os tópicos relativos delos numéricos. O enfoque desse
à Hidráulica Transiente são quase que texto é dado principalmente em modelos
completamente omitidos. Tal é moti- numéricos, particularmente no método
vado por critérios de priorização e pelo da coluna rı́gida e no método das carac-
fato de que, por si só, a Hidráulica terı́sticas.
Transiente requer um curso à parte para
O texto abrange dez partes básicas
que os conteúdos possam ser introdu-
onde procura-se apresentar pontos fun-
zidos aos alunos. Após a graduação,
damentais necessários à compreensão
o engenheiro que trabalha no setor
da hidráulica transiente, a saber:
de saneamento depara-se com diversos
problemas práticos onde a dimensão
• Conceitos introdutórios básicos
tempo não pode ser desconsiderada da
análise sob pena de incorrer-se em er- • Derivação das equações básicas
ros importantes. Entre esses proble- do escoamento
mas exemplifica-se os casos em siste-
mas de bombeamento de água e esgotos, • O Método da Coluna Rı́gida
sistemas de macro-distribuição, com-
• O Método das Caracterı́sticas –
portamento de adutoras e interceptores,
MOC
variações bruscas de consumo, enfim di-
versos tipos de acidentes e falhas opera- • Condições de Contorno para o
cionais em sistemas de saneamento. Método das Caracterı́sticas
O estudo de problemas e fenômenos • Cavitação e Ar em Solução
hidráulicos onde o tempo é uma variável
vem se dando por meio de várias • Transientes em Bombas
ferramentas que incluem o uso de
• Atenuação de Transientes

7
CAPÍTULO 1. SOBRE ESTE MATERIAL 8

• Transientes em Canais Abertos tas computacionais que possam ajudar


na solução de problemas de hidráulica
• Aplicando Modelos do MOC para
e saneamento de caráter transiente.
problemas em Saneamento
Esperamos que o material seja inte-
Com esses tópicos, pretende-se dar ressante ao leitor.
um panorama geral ao leitor sobre diver-
sos temas relevantes para a Hidráulica
Brasilia, Fevereiro de 2008
Transiente. Pretende-se também dar
condições ao leitor que tenha alguma fa-
miliaridade em programação para que
o mesmo possa desenvolver ferramen- J. G. Vasconcelos
Capı́tulo 2

Conceitos Introdutórios

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


2.1 Classificações de escoamentos hidráulicos . . . . . . . . . . 10
2.2 Derivação algébrica das equações de transientes em con-
dutos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 Determinação da velocidade da onda acústica em condutos 13
2.4 Problema exemplo: Fechamento instantâneo de uma válvula
em um conduto horizontal e sem atrito . . . . . . . . . . . 17
2.4.1 Representação do problema no grid x-t . . . . . . . . 19
2.5 Efeito do ar em solução nos transientes hidráulicos . . . . . 20
2.6 Pressões baixas e fenômeno da separação de coluna . . . . 22
2.7 Exercı́cios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

Objetiva-se nesse capı́tulo apresentar conceitos introdutórios fundamentais a


Hidráulica Transiente. Entre os temas que são abordados nesse capı́tulo incluem-
se:

• Classificações de escoamentos hidráulicos

• Cálculo das pressões transientes com a derivação algébrica proposta por Jou-
kowski

• Fórmulas de cálculo para a velocidade da onda acústica e valores tı́picos em


diferentes materiais

• A redução no valor da velocidade da onda acústica como resultado do ar em


solução em condutos

• Cavitação em condutos e o desenvolvimento do fenômeno da separação de


coluna

9
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 10

2.1 Classificações de escoamentos hidráulicos

Problemas fı́sicos são solucionados num domı́nio de quadro dimensões: três di-
mensões fı́sicas e uma temporal. Em vários problemas de hidráulica, as três di-
mensões fı́sicas podem ser reduzidas a duas, e mesmo a apenas uma dimensão, o
que é o caso em condutos fechados e canais. Mesmo com essas simplificações, há
diversos tipos de classificações de escoamentos:

• Quanto a variação temporal: Permanente, Transiente e Oscilatório

• Quanto a mistura de partı́culas: Laminar e Turbulento

• Quanto ao fluido transportado: Unifásico e Multifásico

• Quanto ao contato com a atmosfera: Livre e Pressurizado

Muitas dessas definições já são conhecidas dos engenheiros civis e portanto não
serão aqui repetidas. Outras conceituações podem ser novas, tal como escoamen-
tos transientes e oscilatórios. Escoamentos são aqueles em que os parâmetros de
escoamento, como pressão, vazão, velocidade, etc. variam ao longo do tempo. Es-
coamentos Oscilatórios são um tipo de escoamento transiente onde os parâmetros
de escoamento repetem-se periodicamente no sistema. Esses tipos de escoamento
têm grande importância nos casos onde a freqüência de ocorrência do escoamento
oscilatório é coincidente com a freqüência natural de elementos do sistema. Esco-
amentos oscilatórios não fazem parte do escopo tratado nesse material.
No que tange aos Escoamentos Unifásicos, inclui-se nessa categoria escoamen-
tos com pequenas bolhas. Essas bolhas poderiam ser observadas na massa de água
nos casos onde ar sai de solução na massa lı́quida pela redução da pressão do es-
coamento, ou pelo desenvolvimento de condições de cavitação. Nessas condições
considera-se que o fluido tem um comportamento ”médio”em termos de módulo
de elasticidade. O tratamento desses fluidos pode-se dar com os mesmos tipos de
equações utilizados para água pura, diferentemente para os tipos de escoamentos
onde maiores quantidades de ar (por exemplo, no formato de bolsões) estão pre-
sentes. Escoamentos desse tipo, embora muito relevantes, não são abordados nesse
material. Para esse tipo de escoamentos, ao leitor recomenda-se os texto clássico
de [Wal69].
Em aplicações de saneamento, particularmente ligadas à Hidráulica Transiente,
consideram-se escoamentos do Turbulentos, Unifásico e Pressurizados, muito em-
bora escoamentos em canais (Regime Livre) também possam ser considerados.
Em algumas exemplos, os efeitos de bolsões de ar são considerados, mas várias
simplificações são feitas de forma a permitir que as ferramentas de escoamentos
unifásicos possam também ser utilizadas.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 11

2.2 Derivação algébrica das equações de transientes em


condutos fechados

Essa seção reproduz a derivação que resulta na equação de Joukowski, ou a equação


básica do transiente, ou equação do transiente potencial. Para a derivação dessas
equações considera-se uma situação restritiva, que não é representativa da maior
parte dos problemas reais. Um escoamento uniforme existe em um conduto fe-
chado, de comprimento L e com paredes absolutamente rı́gidas (sem nenhuma
elasticidade), com velocidade Vo . Nesse conduto, com declividade horizontal,
existe um reservatório de carga constante Ho a montante e uma válvula que des-
carrega para a atmosfera a jusante. Para referência, referir-se a Figura 2.1 (A).
Considera-se a compressibilidade do fluı́do nessa análise.

Figura 2.1: Ilustração do problema de fechamento brusco de uma válvula para


derivação da equação do transiente potencial. Adaptação de [WS93].

Em um determinado momento, a válvula fecha-se parcialmente, e como resul-


tado a velocidade do escoamento imediatamente a montante da válvula Vo cai para
Vo − ∆V . O impulso requerido para causar essa parada é obtido por uma elevação
da pressão em ∆p. Imediatamente após a primeira camada de fluido (imediata-
mente a montante da válvula parar) a camada subseqüente também irá desacelerar,
e também com incremento de pressão. Essas condições se propagam na forma de
uma onda de aumento de pressão que viaja desde a válvula até a extremidade de
montante do conduto fechado numa velocidade denominada velocidade da onda
acústica ou a, numericamente igual a velocidade do som no fluido. Essa onda
transmite o impulso na forma de incremento de pressão suficiente para causar a
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 12

parada completa do escoamento no conduto.


Deriva-se uma equação de conservação do momento na direção longitudinal
(referida como x) no volume de controle da Figura 2.1 (B), dentro do qual uma
frente de pressão move-se da direita para a esquerda com velocidade igual a a −
Vo devido a manobra parcial da válvula. A equação de conservação de momento
determina que a resultante das forças atuando no volume de controle na direção x
deve ser igual a taxa de variação temporal do momento na direção x no volume
de controle mais o balanço do fluxo de momento (que é o produto da vazão e da
velocidade) que sai menos o que entra no volume de controle.
A força de pressão transmitida desde a válvula para o fluido é dada por:

−∆pA (2.1)

sendo A a área da seção transversal do conduto. O sinal negativo é devido ao vetor


força estar se opondo a direção do escoamento.
O volume de lı́quido que teve o valor de momento alterado é numericamente
igual a A(a − Vo )∆t, e a taxa de variação do temporal do momento nesse volume
de controle é portanto dada por:
A(a − Vo )∆t
[(ρ + ∆ρ)(Vo + ∆V ) − ρVo ] (2.2)
∆t

O fluxo de momento que entra no volume de controle é dado por:

ρAVo2 (2.3)

O fluxo de momento que sai do volume de controle é dado por:

(ρ + ∆ρ)A(Vo − ∆V )2 (2.4)

Assim, escrevendo a equação de momento para a direção x no conduto, tem-se:

−∆pA = A(a−Vo )[(ρ+∆ρ)(Vo +∆V )−ρVo ]+(ρ+∆ρ)A(Vo −∆V )2 −ρAVo2


(2.5)
Já a equação da continuidade no volume de controle determina que em qualquer
instante o incremento no fluxo de massa deve refletir-se no num aumento na massa
de fluido no conduto. O volume de fluido que tem o valor do momento na direção
x alterado (A(a − Vo )∆t) é igual ao volume que sofre um aumento na densidade
∆ρ. Assim, o fluxo de massa entrando no volume de controle é dado por:

ρAVo (2.6)

Enquanto que o fluxo de massa que sai do volume de controle é dado por:

(ρ + ∆ρ)A(Vo − ∆V ) (2.7)
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 13

E assim a equação da continuidade pode ser expressa como

ρAVo − (ρ + ∆ρ)A(Vo − ∆V ) = A(a − Vo )[(ρ + ∆ρ) − ρ] (2.8)

Combinando as equações de momento e continuidade é possı́vel obter-se a


seguinte simplificação:
∆p = −ρa∆V (2.9)
e como ∆p = ρg∆H, sendo H a pressão piezométrica, pode-se escrever a ex-
pressão acima no formato:
−a∆V
∆H = (2.10)
g

No caso de uma parada total e instantânea do escoamento, ∆V = Vo e assim


∆H = −aVo /g. Se em um longo conduto é feito a manobra de uma válvula de
jusante por incrementos, os incrementos de pressão são somados na forma:
X X
∆p = ρa −∆V (2.11)
X aX
∆H = −∆V (2.12)
g

Equações 2.9 até 2.12 são referidas como Equações Básicas dos Transientes,
e são válidas na coordenada da válvula desde que não haja reflexões da onda de
pressão na extremidade oposta do sistema, portanto durante o intervalo inicial de
2L/a segundos. Essa equação é comumente referida como equação de Joukowski.

2.3 Determinação da velocidade da onda acústica em con-


dutos

Percebe-se rapidamente por inspeção às equações básicas do transiente potencial a


grande importância do parâmetro a, ou seja, da velocidade da onda acústica. Para
determinação da magnitude dessa velocidade, toma-se como referência o problema
apresentado na Figura 2.2.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 14

Figura 2.2: Esquema para determinação da velocidade da onda acústica.

Considere a situação onde a manobra da válvula de jusante tenha resultado


em uma parada completa e imediata do escoamento imediatamente a jusante da
mesma. A depender da forma que o conduto esteja ancorado, essa parada vai re-
sultar em um incremento no comprimento longitudinal no valor de ∆s. Vamos con-
siderar que esse aumento do comprimento dê-se ao longo do tempo em que a onda
de pressão viaja entre a válvula e o reservatório, portanto no intervalo de tempo de
L/a segundos. Assim, a velocidade média da válvula durante esse perı́odo pode
ser calculada como ∆sa/L. Dessa maneira, a variação real da velocidade de esco-
amento com o fechamento brusco da válvula foi de ∆sa/L − Vo .
Paralelamente a isso, durante o perı́odo inicial L/a, a massa de fluido que con-
tinua a entrar no conduto pelo reservatório é ρAVo L/a, massa essa que é acomo-
dada no conduto por uma de três possı́veis formas: a) aumento na seção transversal
do conduto; b) aumento da extensão do conduto ∆s; e c) aumento na densidade do
fluido. Assim:
L
ρAV o = ρL∆A + ρA∆s + LA∆ρ (2.13)
a
Fazendo uso da relação ∆V = ∆sa/L − Vo para eliminar Vo da expressão
acima, é possı́vel simplificar-se de forma a obter:
∆V ∆A ∆ρ
− = + (2.14)
a A ρ

Agora, fazendo uso da equação 2.9, chega-se a expressão para a velocidade da


onda acústica:
∆p
ρ
a2 = ∆A ∆ρ
(2.15)
A + ρ
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 15

No caso de uma adutora completamente ancorada (∆s = 0), a mesma ex-


pressão para a equação 2.15 seria obtida. A velocidade da onda acústica pode ser
expressa também em termos do módulo de elasticidade do fluido K, calculado
como
∆p ∆p
K= =− (2.16)
∆ρ/ρ ∆V /V
obtendo assim:
K
ρ
a2 = (2.17)
1 +K ∆A
A ∆p

Em casos onde as paredes dos condutos são praticamente inelásticas (como por
exemplo um túnel cavado em rocha), o valor de ∆A torna-se desprezı́vel, e com
isso:
K
a2 = (2.18)
ρ
que corresponde a velocidade da onda acústica de uma pequena perturbação em
um fluido de extensão infinita. Por outro lado, em condutos com paredes muito
elásticas (por exemplo, borracha), o 1 no denominador da equação 2.17 é pequeno
e portanto desprezı́vel, o que permite a simplificação para a expressão:
A ∆p
a2 = (2.19)
ρ ∆A

De maior interesse prático é a avaliação da velocidade da onda acústica em


condutos fechados de paredes relativamente delgadas (que é o caso da maioria das
aplicações em saneamento). Pode-se escrever a velocidade da onda acústica em
termos das propriedades do material que compõe as paredes do conduto a partir da
relação entre a variação da tensão de stress nas paredes do conduto, na forma:
∆Tf ∆pD
∆σ = = (2.20)
e 2e
onde e representa a espessura das paredes do conduto e Tf representa a força de
tensão na circunferência do conduto por unidade de comprimento. Para referência,
ver 2.3.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 16

Figura 2.3: Esquema para determinação da velocidade da onda acústica.

Dividindo a equação 2.20 pelo módulo de elasticidade do material das pa-


redes do conduto E (também conhecido como Módulo de Young), obtém-se a
deformação diametral unitária. A extensão no raio é obtida multiplicando a ex-
pressão resultante por D/2, que por sua vez, multiplicado por πD resulta no ganho
em área transversal ∆A:
∆pπD3
∆A = (2.21)
4eE
Utilizando essa expressão, pode-se escrever:
∆A D
= (2.22)
A∆p Ee

Levando esse resultado para a equação 2.17, chega-se a:


K
ρ
a2 = (2.23)
1 +K D
E e

onde expressa-se a velocidade da onda acústica em termos das caracterı́sticas do


conduto. A utilização dessas diferentes formas de cálculo para o valor da veloci-
dade da onda acústica é testada nos exercı́cios propostos ao fim desse capı́tulo.
Alguns valores tı́picos para a velocidade da onda acústica são apresentados na
tabela 2.1.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 17

Tabela 2.1: Valores tı́picos para a velocidade da onda acústica em escoamentos de


água pura de acordo com [Mon].

Material Faixa de valores de a


Aço 1150 a 1250 m/s
Ferro fundido 1000 a 1100 m/s
PVC 350 a 380 m/s
PEAD 220 a 360 m/s
Fibro-cimento 900 a 950 m/s

2.4 Problema exemplo: Fechamento instantâneo de uma


válvula em um conduto horizontal e sem atrito

Procura-se aqui exemplificar parte da discussão que foi apresentada até o momento.
Entre os problemas transientes mais simples inclui-se exemplos com condutos ho-
rizontais e sem atrito. Tomemos como exemplo o fechamento total e instantâneo de
uma válvula a jusante de um conduto com essas caracterı́sticas, que tem na extre-
midade de montante um reservatório de carga constante Ho . A figura 2.4 apresenta
um diagrama representativo para esse problema.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 18

Figura 2.4: Quatro fases de um problema de fechamento instantâneo de válvula a


jusante de um conduto horizontal e sem atrito. Adaptado de [WS93]

O fato de não haver dissipação de energia nesse problema (uma vez que o atrito
foi desprezado) faz com que o problema tenha um caráter cı́clico, com quatro fases
especı́ficas. Vamos analisar cada uma dessas fases.
Na primeira fase, que existe no intervalo de tempo 0 < T < L/a, o fechamento
instantâneo zera a vazão na válvula e gera uma onda na válvula que causa um
aumento na pressão piezométrica de H = a/gVo , sendo Vo a velocidade inicial no
conduto. Essa onda viaja de jusante para montante, com velocidade a. Adiante da
onda, os valores de pressão piezométrica e velocidade são (Ho , Vo ) e atrás da onda
(Ho + H, 0), respectivamente. Essa fase termina no momento em que a onda de
pressão chega ao reservatório.
A segunda fase existe no intervalo L/a < T < 2L/a. No reservatório, o
fato de haver condições de carga constante impõe que na extremidade ligada ao
reservatório a pressão permaneça no valor Ho . Assim, como a pressão no conduto é
maior (Ho +H), inicia-se um processo de reversão da direção da vazão no conduto,
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 19

ou seja, a vazão dá-se do conduto para o reservatório. O valor correspondente


da velocidade é V = gH/a, e numericamente igual ao valor de Vo , com sinal
revertido (prove!). Dessa forma, os valores de pressão piezométrica e velocidade
de escoamento atrás da segunda onda são (Ho , −Vo ), e à frente da onda (Ho +H, 0)
A terceira fase existe no intervalo 2L/a < T < 3L/a. A frente de reversão
de vazão chega a válvula, mas na válvula não é possı́vel haver velocidade de es-
coamento uma vez que a mesma encontra-se fechada. Assim há uma variação de
pressão negativa de H = −a/gVo sobre o valor que vinha se propagando a partir
do reservatório (Ho ). Essas condições de queda de pressão e parada de escoamento
se propagam em uma terceira onda a partir da válvula até o reservatório. Atrás da
onda, as condições de pressão piezométrica e velocidade são de (Ho − H, 0), en-
quanto que à frente da onda as condições são de (Ho , −Vo ).
A quarta e última fase existe no intervalo 3L/a < T < 4L/a. A frente de
baixa pressão chega no reservatório de carga constante. O fato de a pressão no
conduto ser menor que aquela no reservatório resulta numa admissão de vazão do
reservatório para o conduto. A velocidade corresponde a essa vazão é de V =
gH/a, mas agora de valor positivo. Essa onda de admissão de vazão propaga-se
do reservatório para a válvula, com velocidade a, sendo as condições de pressão
piezométrica e velocidade atrás e à frente da onda, respectivamente, de (Ho , Vo ) e
(Ho − H, 0).
Interessante perceber que, no momento que essa quarta onda chega à válvula,
as condições que resultaram na primeira etapa se repetem, e todo esse ciclo de
quatro fases torna a ocorrer. O problema tem esse caráter cı́clico porque foi des-
considerado as perdas por fricção, mas mesmo que as mesmas tivessem sido con-
sideradas o caráter periódico teria se mantido, com a diferença que as pressões
transientes decairiam com o tempo.

2.4.1 Representação do problema no grid x-t

É muito usual a representação de eventos transientes num gráfico denominado


gráfico de trajetórias, ou mais usualmente, gráfico x−t. Nesse gráfico representa-se
no eixo horizontal as coordenadas fı́sicas do conduto, e no eixo vertical a dimensão
do tempo. São traçadas no mesmo as trajetórias das ondas que ocorrem em um de-
terminado problema transiente. Tais trajetórias dividem regiões no gráfico x − t
que têm condições de escoamento (pressão, velocidade, etc.) em comum. A Figura
apresenta o gráfico x − t representativo do problema discutido nessa seção.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 20

Figura 2.5: Gráfico x − t ilustrando o problema de fechamento instantâneo de


válvula a jusante de um conduto horizontal e sem atrito. Adaptado de [WS93]

2.5 Efeito do ar em solução nos transientes hidráulicos

Um dos fatores mais importantes na determinação da intensidade dos transientes


em condutos fechados é o teor de ar ou outros fluidos em fase gasosa dispersos no
volume total de fluido contido no conduto. Conforme será demonstrado, mesmo
em casos onde esse conteúdo é bastante pequeno o impacto nos valores de pressão
transientes pode ser muito significativo.
Assumindo que num conduto fechado haja uma distribuição uniforme de bo-
lhas, o volume total de fluido em um conduto V é a soma do volume de liquido
Vliq e gasoso Vg , ou seja:
V = Vliq + Vg (2.24)
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 21

O módulo de elasticidade geral é calculado pela equação 2.16, e para cada uma
das fases pode separadamente obtido como:
∆p
Kliq = − (2.25)
∆Vliq /Vliq
∆p
Kg = − (2.26)
∆Vg /Vg

Combinando essas expressões com a equação 2.16, obtém-se


Kliq
K= (2.27)
1 + (Vg /V)(Kliq /Kg − 1)

Já a densidade média do lı́quido é dada como a soma ponderada


Vg Vliq
ρ = ρg + ρliq (2.28)
V V

É possı́vel desprezar o efeito da elasticidade dos condutos mesmo em casos


onde o teor de ar é muito baixo. Com isso, o valor da velocidade da onda acústica
para um fluido com ar disperso é calculado como sendo:
K
a2 = (2.29)
ρ
onde os valores de K e ρ são calculados pelas equações 2.27 e 2.28.
Para ilustrar o efeito do ar, considere um caso onde o módulo de elasticidade
da água e do ar sejam de 2.29 GP a e 0.142 M P a, e as densidades da água e do
ar sejam de 998 kg/m3 e 1.2 kg/m3 , respectivamente. Qual seria a velocidade da
onda acústica se a água tivesse 0.1% de volume em bolhas de ar?
A densidade média, pela equação 2.28, da mistura é de 997 kg/m3 , não muito
diferente do valor da água pura. Já o módulo de elasticidade médio da mistura é de
0.132 GP a, ou seja, 17 vezes inferior àquele da água pura, muito embora haja uma
porcentagem muito baixa de ar. Usando a equação 2.29, o valor da velocidade da
onda acústica é de 363 m/s. A velocidade da onda acústica para água pura pode
chegar em condutos metálicos a valores entre 1000 e 1400 m/s. A presença dessa
pequena fração de ar em solução pode então reduzir o valor do transiente potencial
a valores de 3 a 4 abaixo daquele obtido para água pura.
É importante considerar, contudo, que em condições de alta pressão o volume
do ar presente em condutos pode decrescer de maneira significativa, o que torna-
ria a elasticidade dos condutos novamente importante na análise. Assumindo um
comportamento elástico do conduto e a compressibilidade do ar, em um processo
isotérmico, então a velocidade da onda acústica pode ser assim representada:
Kliq
2 ρ
a = Kliq D
(2.30)
mRT Kliq
1+ Ee + p ( p − 1)
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 22

onde m é a massa do ar em solução, R é a constante do ar e T a temperatura


absoluta do ar. A Figura

Figura 2.6: Gráfico ilustrando o efeito do volume de ar na redução da velocidade


da onda acústica a. Adaptado de [WS93]

2.6 Pressões baixas e fenômeno da separação de coluna

Alguns fenômenos observados no decorrer de eventos transientes em condutos fe-


chados são muito importantes na análise, tal como é o caso da separação de coluna
causada pela baixa de pressão durante eventos transiente. Define-se separação de
coluna como a formação de bolsões de ar ou água em forma gasosa dentro dos
condutos, o que causa uma quebra de continuidade ou separação na massa de água.
Embora a causa para a separação de coluna seja a queda na pressão, duas fontes
de fase gasosa existem no conduto. A primeira é o próprio ar em solução, que
aumenta de volume a partir da queda de pressão, conforme discussão na seção
anterior. Se a pressão da água continua a cair e chega ao ponto da pressão de vapor,
cavitação ocorre e determinada quantidade de água em formato gasoso aparecerá
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 23

no conduto.
O aparecimento de cavidades de ar/água gasosa pode ocorrer em longas ex-
tensões do conduto, como decorrência da queda de pressão generalizada no sis-
tema. Tal é muitas vezes referido como cavitação distribuı́da. Em outras ocasiões,
o mesmo ponto onde a pressão baixa foi gerada é o local onde esses bolsões apa-
recem. Tal seria o caso do problema exemplo sobre o fechamento instantâneo de
válvula, na terceira fase, imediatamente na região da válvula. Finalmente, em ca-
sos onde há a saı́da de ar em solução, esses bolhas de ar tendem a se acumular nas
partes elevadas do conduto.
Em termos do escoamento, a velocidade de escoamento tende a acelerar quando
a água passa na região da cavidade, e desacelerar imediatamente depois. Dessa
forma, a tendência é que, uma vez que a pressão torne a subir, a coluna de mon-
tante alcance a coluna de jusante. Se a diferença entre a velocidade de montante
para jusante no bolsão é de ∆V no momento em que o bolsão desaparece, a pressão
piezométrica subirá subitamente de a∆V /2g, o que pode resultar na ruptura da li-
nha.
É de certa maneira óbvio mencionar, mas outra preocupação de projetistas em
eventos transientes onde a pressão é menor que a atmosférica é que não haja co-
lapso das paredes do conduto. Assim, especialmente para materiais elásticos como
o aço, recomenda-se uma espessura relativa e/D mı́nima para que não ocorra o
colapso durante eventos onde ocorra cavitação distribuı́da na linha.
CAPÍTULO 2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS 24

2.7 Exercı́cios Propostos

1. Calcule a velocidade da onda acústica em um conduto de aço (E=207 GP a)


de 2 m de diâmetro, espessura da chapa de 20 mm, considerando que o
módulo de elasticidade da água para essas condições seja de K=2.24 GP a

2. Para a adutora do problema anterior, escoamento água a 1 m/s, calcule o


transiente potencial resultante da parada imediata do escoamento. Calcule a
mudança na tensão nas paredes do conduto e a porcentagem de mudança da
seção transversal da área ∆A/A .

3. Num conduto escoando água a 3 m/s, onde a velocidade da onda acústica


seja de 981 m/s, calcula a variação percentual de volume e a mudança na
densidade da água caso haja uma parada instantânea no escoamento

4. Um conduto de cobre tem seu escoamento parado instantaneamente, gerando


um aumento de pressão de 100 m.c.a. Caso esse conduto esteja ancorado em
apenas uma das extremidades, encontre o volume armazenado num intervalo
de tempo L/a devido ao: a) aumento de área transversal; b) aumento do
comprimento do conduto; c) elasticidade da água. Dados Diâmetro =13,41
mm, espessura das paredes 1,24 mm, comprimento conduto 102,0 metros,
Ecobre =120 GPa e K=2,24 GPa.

5. Ensaio de campo de medição de velocidade de onda acústica. Uma adutora


de 300 m de comprimento e 25 mm de diâmetro está completamente preen-
chida de água com velocidade zero (sem vazão). Injeta-se muito lentamente
na adutora um pistão que reduz o volume útil da adutora em 160 cm3 . Nesse
processo, a pressão inicial do sistema passa de 700 kP a para 1400 kP a.
Determine a velocidade da onda acústica para essa adutora. Assuma o valor
de K=2,24 GPa.

6. Determinando em campo a espessura de um conduto: Uma linha de aço


(Eaco = 2, 07 · 107 GPa) com diâmetro de 0,305 m e comprimento de 305
m armazena água (K=2,24 GPa) com pressão inicial de 6, 895 · 104 Pa. Um
volume de 10,15 L é lentamente injetado e resulta num aumento de pressão
de 6, 895 · 105 Pa. Qual é a espessura das paredes desse conduto?

7. Considere o problema exemplo apresentado nesse capı́tulo. Considere Ho =


200 m, Vo = 0.98 m, a = 1200 m/s, L = 1200 m. A válvula fecha-se
imediatamente quanto T=0 s e reabre quando T=8 s. Plote H(t) na válvula, e
V(t) num ponto no meio da adutora, distante 600 m da válvula.

8. Modifique o problema exemplo apresentado nesse capı́tulo para uma condição


onde a válvula esteja inicialmente fechada e abra-se instantaneamente. Como
varia a velocidade nesse problema? Qual a razão dessa incongruência?
Capı́tulo 3

Derivação das Equações


Transientes

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.2 Equações fundamentais do escoamento . . . . . . . . . . . 27
3.3 Equações do escoamento em condutos fechados . . . . . . . 28
3.3.1 Derivação da equação da continuidade para condutos
fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.3.2 Derivação da equação do momento para condutos fe-
chados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.3.3 Avaliação das equações encontradas . . . . . . . . . . 33
3.4 Equações de Saint-Venant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.4.1 Derivação da equação da continuidade . . . . . . . . . 35
3.4.2 Derivação da equação do momento linear . . . . . . . 35
3.4.3 Formato Vetorial e Integral das Equações de Saint-
Venant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.4.4 Derivação das equações de Saint-Venant em forma pri-
mitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.4.5 Equivalência das Formas das Equações de Saint-Venant 39
3.4.6 Simplificações para as equações de Saint-Venant . . . 39
3.5 Sumário do Capı́tulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

3.1 Introdução

Esse capı́tulo tem por objetivo apresentar a derivação das equações transientes para
a Hidráulica de Forma Geral. Toda a discussão começa com a construção de um

25
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 26

Modelo Matemático, freqüentemente baseado em leis de conservação de massa,


momento linear, momento angular, energia, etc.. Tais leis podem ser expressas
por meio de um sistemas de equações diferenciais parciais ou por relações inte-
grais. A construção desses modelos freqüentemente requer a introdução de algu-
mas simplificações nos fenômenos fı́sicos para permitir que tais equações possam
ser propostas.
Nesse capı́tulo retorna-se aos conceitos de Mecânica dos Fluidos, onde as
equações de escoamentos tridimensionais são derivadas. Em seguida apresenta-
se o desenvolvimento das equações transientes para escoamentos unidimensionais
em condutos fechados. Finalmente apresentam-se a derivação das equações uni-
dimensionais para escoamentos em regime livre, conhecidas como equações de
Saint-Venant.
Muitas vezes as equações diferenciais desses modelos matemáticos são muito
complicadas para que soluções analı́ticas sejam obtidas. Dessa forma, surge a
alternativa solucionar o problema com o uso de uma Solução Numérica, entre as
quais a implementação matemática do Método das Caracterı́sticas se inclui. Dois
requerimentos existem para o desenvolvimento de uma solução numérica:

• Promover uma Discretização do problema

• Adoção de um Esquema Numéricos

Discretizar é, em essência, abdicar de descrever o comportamento do pro-


blema em qualquer localização e/ou instante da simulação. Em contraste, enquanto
soluções analı́ticas resultam em equações que podem ser aplicados a quaisquer va-
lores de x, y, z, t (ou outras variáveis independentes), soluções discretas só apre-
sentam a solução do problema para um número finito de locais no espaço/tempo da
simulação. As técnicas de discretização incluem a representação de um domı́nio
contı́nuo no espaço tempo por meio de nós, elementos, volumes, entre outros.
À medida que se aumenta discretização do problema (p.ex., incluem-se mais nós
para na simulação), intuitiva espera-se que a solução aproxime-se de uma solução
analı́tica (caso essa exista), e em última análise, do comportamento fı́sico do sis-
tema.
A depender do tipo de representação discreta a ser utilizado, diferentes Esque-
mas Numéricos podem ser utilizados. Esses esquemas partem de teorias da Ma-
temática que permitem para avaliar numericamente derivadas parciais ou integrais
que surgem na solução dos Modelos Matemáticos em um espaço/tempo discreti-
zado. No contexto desse material dois Esquemas Numéricos serão discutidos: o
Método das Diferenças Finitas (MDF), usado nos modelos construı́dos métodos
das caracterı́sticas, e o Método dos Volumes Finitos (MVF).
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 27

3.2 Equações fundamentais do escoamento

As bases teóricas do estudo de escoamentos hidráulicos estão firmadas nos con-


ceitos das leis de conservação. Em essência, massa, momento linear e energia são
grandezas fı́sicas que devem se conservar num problema de escoamento. Tal afir-
mativa está baseada no princı́pio de conservação da matéria de Lavoisier, e nas três
leis de mecânica clássica propostas por Newton. As duas leis da termodinâmica,
relacionando estados de energia e trabalho e o conceito de entropia do sistema,
também são utilizadas nesses tipos de derivações
As derivações das equações do escoamento estão presentes em boa parte dos
livros da área de mecânica dos fluidos, não sendo a intenção aqui a repetição dessas
derivações. Entre as três grandezas fı́sicas disponı́veis para se modelar escoamen-
tos (massa, momento linear e energia) na maioria das vezes prefere-se trabalhar
com as duas primeiras, uma vez o balanço de momento linear é geralmente mais
fácil de ser feito do que o balanço de energia.
Assim é que, na raiz das equações de escoamentos está sempre a representação,
em um volume de controle, das equações de conservação de massa e momento
linear. Baseando-se nas derivações apresentadas por [Tor01] Escrevendo a equação
de conservação de massa, chega-se em:
Z Z Z Z Z

ρ dV = − ~n · (ρ~u) dΩ (3.1)
∂t V Ω

Onde ρ é a densidade do fluido, V é o volume de controle arbitrário (e de dimensões


fixas), Ω é a superfı́cie que contém o volume de controle, ~n é o vetor (nx , ny , nz )
que aponta no sentido normal ao elemento dΩ da superfı́cie e ~u é o vetor de velo-
cidade do escoamento com componentes nos eixos coordenados (u, v, w).
Aplicando-se o teorema de Gauss, a equação da continuidade em formato di-
ferencial pode ser obtida:
Z Z Z Z Z Z

ρ dV = − ∇ · (ρ~u) dV
∂t V V
Z Z Z h i
∂ρ
+ ∇ · (ρ~u) dV = 0 (3.2)
V ∂t
∂ρ
+ ∇ · (ρ~u) = 0
∂t

Já na conservação do momento linear, chega-se na seguinte equação vetorial:


Z Z Z Z Z Z Z Z
∂ £ ¤
ρ~u dV = − ~u(~n ·ρ~u)+p~n +~n ·Π dΩ+ ρ~g dV (3.3)
∂t V Ω V

Onde p é a pressão, ~g é o vetor de forças de atuam no volume (por exemplo, peso),


CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 28

e Π é a matriz dos tensores cisalhantes no escoamento:


 xx 
τ τ xy τ xz
Π = τ yx τ yy τ yz  (3.4)
τ zx τ zy τ zz

De forma similar ao promovido com a equação da continuidade, a derivação


da forma diferencial da equação geral do escoamento resulta em:


(ρ~u) + ∇ · (ρ~u ⊗ ~u + p I − Π) = ρ~g (3.5)
∂t
 2 
u uv uw
~u ⊗ ~u =  vu v 2 vw  (3.6)
wu wv w2
 
1 0 0
I = 0 1 0 (3.7)
0 0 1

Em cima dessas equações gerais é que se introduzem simplificações que per-


mitem a construção de modelos matemáticos para o escoamento. A partir des-
sas equações e usando relações constitutivas podem ser derivadas as equações es-
pecı́ficas do escoamento para condutos fechados e escoamentos a superfı́cie livre.
Tal é realizado nas seções a seguir.

3.3 Equações do escoamento em condutos fechados

O desenvolvimento das equações de escoamento em condutos fechados apresen-


tado nessa seção segue o apresentado no livro de [WS93]. Nesse momento, é
importante que tenhamos aqui algumas caracterı́sticas que são especialmente im-
portantes para a descrição desses tipos de escoamento:

• Embora qualquer escoamento tenha caracterı́sticas tridimensionais, esse tipo


de escoamento tem uma dimensão que é dominante sobre as demais, que é
o comprimento da tubulação. Assim é que não se considera a existência
de um escoamento nas direções transversais ao conduto. Isso permite uma
significativa simplificação na derivação das equações do escoamento uma
vez que consideramos apenas a equação do momento na direção longitudinal
do escoamento

• Na derivação das equações, considera-se que o volume de controle tem o for-


mato do conduto. Contudo, o volume de controle pode alterar as dimensões
em resposta a variação das pressões internas ao escoamento.
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 29

3.3.1 Derivação da equação da continuidade para condutos fechados

Tem-se agora um volume de controle fixo com relação a um tubo onde um esco-
amento unidimensional ocorre. O volume de controle move-se na direção trans-
versal do escoamento com velocidade u na coordenada x. As paredes do condutos
aumentam ou diminuem de dimensão de acordo com a pressão interna ao con-
duto.A Figura 3.1 apresenta um esquema dessa configuração. Com isso, a equação
da continuidade para esse elemento do escoamento é
∂ D0
− (ρA(V − u))δx = (ρAδx) (3.8)
∂x Dt
Onde: ρ é a densidade da água, A é a área da seção transversal do conduto, δx é o
comprimento do volume de controle e a diferencial D0 /Dt é dada por

D0 ∂ ∂
= +u (3.9)
Dt ∂t ∂x
Sendo a taxa de crescimento do comprimento do volume de controle δx igual a:

D0 ∂u
(δx) = δx (3.10)
Dt ∂x

Figura 3.1: Diagrama para a derivação da equação da continuidade para condutos


fechados. Adaptado de [WS93].
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 30

Assim, expandindo e simplificando a equação 3.8, e usando os resultados obti-


dos para a derivada total D0 /Dt tem-se os desenvolvimentos:

D0 D0 ∂
δx (ρA) + ρA (δx) + (ρA(V − u))δx = 0
Dt Dt ∂x
D0 ∂u ∂ ∂
(ρA) + ρA + (ρAV ) − + (ρAu) = 0
Dt ∂x ∂x ∂x
∂ ∂ ∂u ∂ ∂
(ρA) + u (ρA) + ρA + (ρAV ) − (ρAu) = 0 (3.11)
∂t ∂x ∂x ∂x ∂x
∂ ∂
(ρA) + (ρAV ) = 0
∂t ∂x
∂ ∂ ∂
(ρA) + V (ρA) + ρA (V ) = 0
∂t ∂x ∂x

Os dois primeiros termos da equação representam a variação do termo ρA com


respeito ao movimento da partı́cula de água V . Podemos escrever esse termo como
uma derivada total da forma:
∂ ∂ D
(ρA) + V (ρA) = (ρA) = ρȦ + Aρ̇ (3.12)
∂t ∂x Dt
Onde o ponto sobre a variável denota uma derivada total. Com isso, podemos
escrever a equação 3.11 de uma forma compacta:

ρ̇ Ȧ ∂V
+ + =0 (3.13)
ρ A ∂x

Contudo, o mais usual é escrever as equações do escoamento em termos de


pressão ou carga piezométrica ao invés de usar a densidade da água, mesmo porque
essa densidade tem uma magnitude de variação baixa em comparação, e pratica-
mente as preocupações estão na capacidade dos condutos de resistirem a pressões.
O primeiro termo da equação 3.13 lida com a compressibilidade do fluido. É ne-
cessário para a conversão para pressão p o uso do conceito de módulo de elastici-
dade da água. Com essa substituição desprezam-se o efeitos termodinâmicos, mas
dada a baixa compressibilidade da água tal transformação é adequada:
ρ̇ ṗ
= (3.14)
ρ K
Onde K é o módulo de elasticidade da água.
O segundo termo da equação 3.13 lida com a elasticidade das paredes do con-
duto. Se o conduto for prismático, como é o caso da imensa maioria dos condutos
usados em escoamentos pressurizados, podemos escrever então ∂A/∂x = 0 e as-
sim a variação da área é função apenas da variação da pressão na forma:
dA
Ȧ = ṗ (3.15)
dp
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 31

Assim, com essas transformações, pode-se reescrever a equação 3.13 encon-


trando:
ṗ ³ K dA ´ ∂V
1+ + =0 (3.16)
K A dp ∂x

Nesse ponto, pode-se introduzir a expressão do valor da velocidade da onda


acústica em condutos fechados, denominada a. No livro de [WS93] é feita a
demonstração dessa expressão, que não é reproduzida aqui. Mas pode-se escre-
ver a na forma:
K/ρ
a2 = (3.17)
1 + (K/A)(∆A/∆p)

Combinando as duas últimas equações, chega-se nas expressões das equações


de continuidade mais amplamente divulgada (em termos de pressão e da carga
piezométrica):

∂V
ṗ + ρa2 =0
∂x
(3.18)
a2 ∂V
Ḣ + =0
g ∂x

Para valores baixos no número de Mach (M = V /a ¿ 1), que é freqüente-


mente o caso, pode-se desconsiderar a diferencial total e escrever:

∂p ∂V
+ ρa2 =0
∂t ∂x
∂H a2 ∂V
+ =0 (3.19)
∂t g ∂x
a2
Ht + Vx = 0
g
Sendo a última equação utilizou-se uma forma mais compacta de representação de
diferenciação, onde um subscrito x ou t é a representação da derivada parcial nas
dimensões correspondentes.

3.3.2 Derivação da equação do momento para condutos fechados

A equação de momento é baseada na segunda lei de Newton, por onde a soma


das forças deve ser balanceada pela variação na quantidade de movimento, ou seja
P
F = d(mV )/dt. Num escoamento, três forças são predominantes e conside-
radas na derivação da equação do momento: a componente do peso do lı́quido na
direção do escoamento, atrito com as paredes e força decorrente da pressão do es-
coamento. Para referência, ver o diagrama de forças e variáveis apresentado na
Figura 3.2.
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 32

Figura 3.2: Diagrama para a derivação da equação do momento linear para condu-
tos fechados. Adaptado de [WS93].

Para um volume de controle fixo e que não há aumento de volume, pode-se
escrever a segunda lei de Newton da seguinte forma:
³ δx ´
pA − [pA + (pA)x δx] + p + px Ax δx − τo πDδx − ρgAδx sin α = ρAδxV̇
2
(3.20)
Em que τo é a tensão de atrito cisalhante. Assumindo que o comprimento δx é
pequeno, pode-se eliminar os termos em que aparecem δx2 , o que permite, após
simplificação, escrever a equação acima na forma:

ρAV̇ + px A + τo πD + ρgA sin α = 0 (3.21)

Promove-se agora um desenvolvimento dos termos que aparecem na equação


3.21. Primeiramente, com relação à tensão de atrito cisalhante, representamos a
mesma com o fator de atrito de Darcy-Weisbach, assumindo que esse fator de atrito
não é influenciado pelo fato do escoamento ser transiente. Assim:

ρf L V 2
∆p = (3.22)
D 2
Num escoamento permanente, forças de pressão são compensadas por atrito:

πD2
∆p = τo πDL (3.23)
4
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 33

O que permite escrever após combinação:

ρf V |V |
τo = (3.24)
8

Já o diferencial total da velocidade V̇ pode ser escrito como:

V̇ = Vt + V Vx (3.25)

Levando essa expressão para V̇ , fazendo a substituição de τo para o termo


dependente de f e promovendo simplificações, chega-se a fórmula:

px V |V |
Vt + V Vx + + g sin α + f =0 (3.26)
ρ 2D

Da mesma forma que o feito anteriormente para a derivação da equação da


continuidade, pode-se desprezar o termo V Vx para o caso de escoamentos com
baixos números de Mach, o que resulta em:

px V |V |
Vt + + g sin α + f =0 (3.27)
ρ 2D

Outra forma comum de expressar a equação de momento é usando a carga


piezométrica no lugar da pressão (avaliado no centro da seção transversal do con-
duto). Como pode se conhece de hidráulica, a carga piezométrica é relacionada
com a pressão na forma:
p = ρg(H − z) (3.28)
Onde de é uma distância o centro do conduto a um datum arbitrário (ver figura
3.2). Fazendo a derivação de px tem-se:

px = ρg(Hx − zx ) = ρg(Hx − sin α) (3.29)

Nessa derivação desprezou-se o variação da densidade em x em comparação


com a variação da carga piezométrica ou de z, o que é uma hipótese válida para
escoamentos com água. Levando-se a equação acima para a equação 3.27, chega-se
em:
V |V |
Vt + gHx + f =0 (3.30)
2D

3.3.3 Avaliação das equações encontradas

Considerando o ponto de partida para o cálculo de equações para o escoamento em


condutos fechados, pode-se dizer que atingiu-se um grau de simplicidade bastante
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 34

razoável. Representando essas equações em termos da velocidade e da pressão


piezométrica, tem-se:

a2
Ht + Vx = 0
g (3.31)
V |V |
Vt + gHx + f =0
2D

Embora aparentemente simples, esse sistema de equações tem uma solução


numérica complicada pelo fato das equações serem diferenciais parciais. Não há
solução analı́tica para essas equações, e soluções numéricas para EDP’s não se
tornaram populares até o advento das técnicas de Dinâmica dos Fluidos Compu-
tacional. Para superar essas dificuldades a estratégia primeiramente utilizada para
solução do escoamento foi a transformação das equações acima num formato ca-
racterı́stico. Essa transformação é apresentada no próximo capı́tulo.

3.4 Equações de Saint-Venant

Apresenta-se agora as derivações de um dos tipos de escoamento bidimensionais


com superfı́cie livre. Diferentemente do promovido para condutos pressurizados
(equações 3.31), diferentes sistemas de equações para descrição desse tipo de es-
coamento foram desenvolvidos ao longo dos tempo. As equações de Saint-Venant
foram derivados no século XIX para descrição do escoamento em rios.
Como em qualquer um dos desenvolvimentos de equações para escoamento,
essas equações assumem diversas hipóteses simplificadoras:

• As acelerações verticais e laterais são desprezı́veis – distribuição de pressões


hidrostática na seção transversal do escoamento

• A profundidade de escoamento é pequena comparada com o comprimento de


onda do canal → Velocidade de propagação de ondas = celeridade =(gA/T )0.5

• A declividade θ do canal é baixa, e assim cos2 θ ≈ 1, e sin θ ≈ tan θ ≈ So

• O fundo do canal é estável, elevações do fundo não se alteram com o tempo


(transporte sedimentos)

• Velocidades transversais ao escoamento são desprezı́veis

• Uma tensão de atrito média e que não se altera pelo caráter transiente do
escoamento é aplicável
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 35

Figura 3.3: Diagrama para a derivação da continuidade para as equações de Saint-


Venant. Adaptado de [Stu01].

3.4.1 Derivação da equação da continuidade

Essa equação representa a conservação de massa em um volume de controle em


uma seção transversal do rio. A derivação apresentada aqui é baseada na apresen-
tada por [Stu01]. O que essa equação expressa em essência é o fato que a diferença
entre o volume de água que entra e sai do controle de volume tem que ser corres-
pondente ao aumento de volume no volume de controle. Assim:

∂Q ∂A
∆x∆t − qL ∆x∆t = −∆x ∆t (3.32)
∂x ∂t
Onde qL é a contribuição lateral de vazão por unidade de comprimento longitudinal
do rio. Simplificando e levando ∆x, ∆t → 0, chega-se a forma conhecida da
equação de Saint-Venant:
At + Qx = qL (3.33)

3.4.2 Derivação da equação do momento linear

Como no caso dos condutos fechados, essa equação representa em essência a se-
gunda lei de Newton. Também como no caso de condutos fechados, são três forças
que predominantemente atuam no controle de volume: força causada pela pressão,
peso e força de atrito. Representando a conservação do momento linear na direção
do escoamento, obtém-se:
Z Z
∂h i ∂ h i
Fpx + Fgx − Fsx = ρvx dA ∆x + ρvx2 dA ∆x − ρql ∆xVL cos φ
∂t A ∂x A
(3.34)
Onde: Fpx é a componente longitudinal da força de pressão, Fgx força de peso
na direção do escoamento, Fsx é a força de atrito, vx é a velocidade (pontual)
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 36

Figura 3.4: Diagrama para a derivação do momento para as equações de Saint-


Venant. Adaptado de [Stu01].

longitudinal do escoamento, VL é a velocidade de escoamento da contribuição do


escoamento e φ é o ângulo entre o escoamento principal e a contribuição lateral.
Para referência consultar a Figura 3.4.
Inicia-se agora a simplificação da equação 3.4.2. Primeiramente, expressamos
a força de pressão assumindo a hipótese hidrostática de escoamento, considerando
que a força de pressão é Fpx = Fp1 − Fp2 :

∂ ∂h
Fpx = − (γhc A)∆x = −γA ∆x (3.35)
∂x ∂x
Onde: hc é a profundidade do centróide da seção, γ é o peso especı́fico da água e
h é a profundidade do escoamento.
Com relação a componente do peso Fgx , assumindo que a declividade do canal
é pequena, pode-se escrever:

Fgx = γA∆xSo (3.36)

Onde So é a declividade do canal.


Com relação ao termo de atrito Fgx , assumindo que a declividade do canal é
pequena, pode-se escrever:
Fsx = τo P ∆x (3.37)
Onde P é o perı́metro molhado do canal.
O primeiro termo do lado esquerdo da equação 3.4.2, que representa a taxa de
variação do momento linear no controle de volume pode ser simplificado no sentido
de eliminar a velocidade pontual vx para representar a velocidade em termos do
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 37

valor médio da seção transversal (denominada de u), resultando em:


Z
∂h i ∂
ρvx dA ∆x = ρ [uA]∆x (3.38)
∂t A ∂t

O segundo termo do lado esquerdo da equação 3.4.2, que representa o balanço


do fluxo convectivo do momento linear no controle de volume também pode ser
simplificado também no sentido de eliminar a velocidade pontual vx e representar
o escoamento com a velocidade média u. Nesse caso inclui-se o coeficiente de
correção de correção de momento de Boussinesq na forma:
Z
1
β= 2 v 2 dA (3.39)
u A A x
resultando em: Z
∂ h i ∂
ρvx2 dA ∆x = [βρu2 A]∆x (3.40)
∂x A ∂t

Finalmente, após esses desenvolvimentos, substitui-se na equação as expressões


obtidas nas equações 3.35, 3.36, 3.37, 3.38 e 3.40 para obter, após simplificações:

∂Q ∂ ³ Q2 ´ ∂
+ β + (ghc A) = gA(So − Sf ) + qL VL cos(φ) (3.41)
∂t ∂x A ∂x
E, no caso de canais prismáticos (onde β ≈ 1) e sem contribuições laterais (usando
a notação compacta):
³ Q2 ´
Qt + + ghc A = gA(So − Sf ) (3.42)
A x

Onde Q e A são a vazão e área de escoamento da seção transversal e Sf é a decli-


vidade da linha de energia do escoamento.

3.4.3 Formato Vetorial e Integral das Equações de Saint-Venant

O sistema caracterizado pelas equações 3.33 e 3.42 (ou 3.41) pode ser representado
em formato vetorial:
~ t + F~x (U
U ~ ) = S(
~ U~) (3.43a)
· ¸ " # · ¸
~ A ~ ~ Q ~ ~ 0
U= , F (U ) = Q2 , S(U ) = (3.43b)
Q A + gAhc
gA(So − Sf )

Integrando-se as equações por meio de uma integral de linha em uma trajetória


±∆x, ±∆t, chega-se a expressão
I Z
U~ dx − F~ (U )dt = S(U )dΩ (3.44)

CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 38

O sistema caracterizado pelas equações 3.43 ou 3.44 constituem a Forma Con-


servativa das equações de Saint-Venant. Elas têm essa denominação porque foram
derivadas diretamente do balanço de massa e momento no volume de controle do
rio. Mas não é a única forma de expressão das mesmas. De acordo com [CJV80],
a depender do tipo de problema a ser resolvido, outras formas de representar essa
equação podem ser mais atrativas. Uma dessas formulações alternativas é apresen-
tada a seguir.

3.4.4 Derivação das equações de Saint-Venant em forma primitiva

As equações de Saint-Venant, quando expressas de forma a usar como variáveis


dependentes a profundidade h e velocidade de escoamento u, estão em sua Forma
Primitiva. Toma-se como referência as Figuras 3.3 e 3.4 para essa derivação. Re-
interpretando as derivadas parciais das 3.33 e 3.42, tem-se para a o termo At :
∂A ∂A ∂h ∂h
= =B (3.45)
∂t ∂h ∂t ∂t
Onde B é a largura da superfı́cie livre do escoamento. Para reescrever o termo
Qx usa-se a regra da cadeia para Q = Au e chega-se a Qx = uAx + Aux . O
primeiro termo requer consideração especial já que a derivada Ax pode ser tanto
devido a variação da área decorrente de um aumento de largura do canal quanto a
um aumento de profundidade. Assim, obtém-se para Ax :
∂A ∂A ¯¯ ∂h
= ¯ +B (3.46)
∂x ∂x h=const ∂x
Em canais prismáticos, o primeiro termo do lado direito da equação é nulo, e assim:
Assim, obtém-se para Ax :
∂A ∂h
=B (3.47)
∂x ∂x
E o termo Qx torna-se:
∂Q ∂h ∂u
= uB +A (3.48)
∂x ∂x ∂x

Com isso, a equação da continuidade para um canal prismático torna-se em


variáveis primitivas (após divisão por B):
∂h ∂h A ∂u
+u + =0 (3.49)
∂t ∂x B ∂x

Já para a obtenção da equação do momento em formato primitivo a partir da


equação 3.42, faz-se uso de procedimentos similares que o leitor é encorajado a
fazer a tı́tulo de exercı́cio:
∂u ∂u ∂h
+u +g = g(So − Sf ) (3.50)
∂t ∂x ∂x
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 39

3.4.5 Equivalência das Formas das Equações de Saint-Venant

Há algumas perguntas pertinente que o leitor deve estar se fazendo nesse ponto.
São essas formas das equações completamente equivalentes? Como saber qual
forma de equação escolher para a solução do problema?
As equações de Saint-Venant têm essa diversidade pela forma parte pelas di-
ferentes naturezas dos problemas aos quais elas são aplicadas. Esses problemas
incluem a simulação de ondas de cheias em rios (com e sem inundação de planı́cies
de alagamento), o enchimento de canais de irrigação, enchimento de condutos fe-
chados, comportamento da drenagem pluvial durante eventos extremos, entre ou-
tros. Conforme coloca [CJV80], algumas das formas das equações são preferidas a
outras a depender da variação da largura dos canais e da magnitude da declividade
do leito So .
Apesar de serem derivadas matematicamente uma da outra, as formas conser-
vativa e primitiva são matematicamente equivalentes se e apenas se as primeiras
derivadas das grandezas h, u, A, Q são contı́nuas em todo o domı́nio de solução.
Tal exclui automaticamente escoamentos descontı́nuos com superfı́cie livre, tais
como ressaltos hidráulicos. Nessas condições onde descontinuidades aparecem,
relações diferenciais não são definidas no espaço para todo e qualquer ponto do
domı́nio de solução, ou seja, não são definidos termos do tipo ∂/∂x.
Nesses casos, apenas as relações integrais é que podem ser aplicadas, relações
essas que são obtidas diretamente das leis de conservação (equações 3.1 e 3.3).
Soluções para essas condições de escoamento descontı́nuo devem ser baseadas na
integração das equações 3.1 e 3.3, requerimento esse que tem impacto direto na
escolha da solução numérica a ser aplicada.
O que ocorre se essa precaução é desconsiderada? Nesse caso se espera que
haja um erro na previsão dos escoamentos descontı́nuos, particularmente na velo-
cidade da propagação das ondas de choque (outro nome para ressaltos hidráulicos)
em canais. Conforme demonstrado por [VW05], quando um problema onde uma
descontinuidade aparece é resolvido com o uso da forma primitiva das equações
de Saint-Venant, a propagação de uma onda de choque dá-se em uma velocidade
inferior àquela que seria obtida caso a forma conservativa tivesse sido aplicada nos
cálculos. A Figura 3.5 demonstra esse resultado.

3.4.6 Simplificações para as equações de Saint-Venant

Em vários livros de hidráulica são propostas simplificações para as equações de


Saint-Venant que são em muitos casos justificáveis a depender do tipo de condições
que se está simulando. [CJV80] apresenta um exemplo que é o caso de um rio onde
a velocidade de escoamento duplica de 1 para 2 m/s no curso de 3 horas (mudança
considerada rápida), e ao longo dos 10 km de extensão do mesmo a velocidade
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 40

Figura 3.5: Comparação da propagação de uma onda de choque em um canal circu-


lar causado por uma elevação súbita da profundidade de escoamento a montante.
Dados do problema: diâmetro canal 1,0 m, comprimento 100 m, profundidade
inicial 0,30 m, declividade horizontal, velocidade inicial 0 m/s (condições quies-
centes). Adaptado de [VW05].

muda de 1.5 m/s para 1.0 m/s devido a um alargamento do rio. Os termos de
aceleração local e aceleração convectiva da equação de momento primitiva (∂u/∂t
e u∂u/∂x, respectivamente) são da ordem de:

1m/s 0.5m/s
≈ 0.92 · 10−4 m/s2 e 1.5m/s ≈ 0.75 · 10−4 m/s2
3.3600s 10000m

Assumindo que é um trecho de cabeceira do rio, onde tanto a declividade do


rio quanto a inclinação da linha de energia é da ordem de 10−3 , os termos gSo
e gSf ambos são duas ordens de magnitude superior (10−2 m/s2 ) aos termos da
aceleração. Essa caracterı́stica foi uma das que motivou o desenvolvimento de
simplificações nas equações de Saint-Venant onde os termos de aceleração local e
convectiva fossem desconsiderados. Tal procedimento gerou os modelos de esco-
amento denominados Modelos de Onda Difusiva. Outras alternativas simplificam
ainda mais as equações e desprezam também o termo g∂h/∂x. Os modelos base-
ados nessa alternativa são denominados de Modelos de Onda Cinemática.
Ambos modelos são aplicáveis apenas em condições de declividade elevada e
em casos onde não há ocorrência de ressaltos hidráulicos. Caso efeitos de remanso
sejam importantes, a Modelos de Onda Cinemática não são aplicáveis. Ao lei-
tor interessado nesse assunto sugere-se consultar [CJV80, CMM88, Stu01] entre
outros.
CAPÍTULO 3. DERIVAÇÃO DAS EQUAÇÕES TRANSIENTES 41

3.5 Sumário do Capı́tulo

Nesse capı́tulo as formulações matemáticas que embasam dois diferentes proble-


mas de escoamento foram exploradas. O primeiro foi o problema de escoamento
em condutos pressurizados e o segundo o escoamento em rios e canais e condutos
em regime livre de forma geral. Foi mostrado que todas os problemas têm raı́zes
nas equações de escoamento tridimensionais, e todos os problemas são caracteriza-
dos por variações do escoamento com o tempo, ou seja, escoamentos transientes.
Capı́tulo 4

O Método da Coluna Rı́gida

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.2 Método da Coluna Rı́gida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.2.1 Derivação do Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.2.2 Soluções para o Método . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2.3 Método de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.2.4 Algoritmo geral do método . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.3 Exercı́cios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

4.1 Introdução

Pelo apresentado no capı́tulo anterior pode-se perceber que os modelos matemáticos


para a simulação de escoamentos hidráulicos requerem o uso de integração de vo-
lumes de controle ou a solução de equações diferenciais parciais. Quando se pensa
no desenvolvimento de soluções para a descrição desses tipos de escoamento, é
preciso colocar que as ferramentas matemáticas e os recursos,particularmente com-
putacionais, eram inexistentes ou muito limitados até bem pouco tempo.
A medida que tais ferramentas e recursos computacionais foram sendo dispo-
nilizados, as formas de análise de escoamentos foram também se diversificando.
Entre as alternativas que hoje se dispõe para a solução de escoamentos, pode-se
listar:

1. Simplificações introduzidas no modelo matemático de forma que equações


diferenciais parciais possam tornar-se diferenciais totais, de forma que pos-
sam ser resolvidas usando as técnicas apresentadas nos capı́tulos anterio-

42
CAPÍTULO 4. O MÉTODO DA COLUNA RÍGIDA 43

res. Um exemplo é o desenvolvimento do método da coluna rı́gida para a


descrição de escoamentos em condutos fechados

2. Simplificações introduzidas no modelo matemático de forma a ser possı́vel


a obtenção de soluções analı́ticas para o escoamento. Um exemplo disso são
os métodos para determinação de remansos em reservatórios por meio de
simplificações feitas na equação de Saint-Venant. São geralmente soluções
que não incorporam a dimensão tempo na análise, aplicáveis portanto apenas
a escoamentos permanentes

3. Análise caracterı́stica das equações de escoamento de forma a permitir que o


sistema de EDP’s seja convertido em um sistema de EDO’s válidos em parte
do domı́nio computacional. Essa alternativa é a base dos modelos numéricos
para condutos fechados e canais baseados no método das caracterı́sticas

4. Solução numérica das equações diferenciais dos escoamentos através de adoção


de um domı́nio de solução onde o contı́nuo é representado por meio de valo-
res discretizado avaliados nós. A representação das derivadas parciais é feita
com o uso de Séries de Taylor e fazem uso da teoria da dinâmica dos flui-
dos computacional (CFD). Tais alternativas são amplamente utilizadas nas
soluções construı́das com o Método de Diferenças Finitas

5. Solução numérica das equações de escoamento, também com a adoção de


um domı́nio de solução discretizado, mas nesse caso em células ou volumes
computacionais. Entre esses métodos, que também fazem o uso das teoria
da dinâmica dos fluidos computacional, inclui-se o Método dos Volumes
Finitos, sendo atualmente uma das formas mais avançadas para a solução de
escoamentos.

6. Análise com o uso de modelos reduzidos: Fora do escopo da modelagem


numérica, mas componente vital para análise de escoamentos. Modelos re-
duzidos vêm sendo usados há bastante tempo para estudos de escoamen-
tos hidráulicos, sendo aperfeiçoados com adoção de novas tecnologias de
medição de dados experimentais. Embora em muitos casos a construção de
modelos reduzidos seja bastante complexa e dispendiosa, em certos casos
tais modelos são imprescindı́veis para a análise. O uso conjunto de modelos
reduzidos e numéricos vêm sendo bastante importante na reavaliação e na
melhoria da compreensão sobre escoamentos hidráulicos. Modelos reduzi-
dos, contudo, não são incluı́dos nessa discussão.

Nesse capı́tulo opta-se por uma abordagem da solução numérica mais simples
é apresentada: o Método da Coluna Rı́gida para escoamentos pressurizados. Ao
iniciar-se essa discussão, alguns conceitos precisam ser introduzidos, conceitos que
continuam a ser introduzidos na abordagem dos dois métodos acima referidos.
CAPÍTULO 4. O MÉTODO DA COLUNA RÍGIDA 44

Figura 4.1: Diagrama para a derivação do Método da Coluna Rı́gida. Adaptado de


[WS93].

4.2 Método da Coluna Rı́gida

O Método da Coluna Rı́gida é provavelmente o mais simples método de análise


de problemas de escoamento transientes. Esse método introduz simplificações no
sistema de equações diferenciais parciais do escoamento pressurizado no sentido
de transformar o sistema em apenas uma única equação diferencial ordinária. Esse
método tem sua aplicabilidade restrita a problemas transientes onde a variação das
condições do escoamento, tal como nı́veis de reservatórios, aberturas de válvulas,
aumento de demanda, são bastante graduais, ou seja ocorrem em perı́odos muito
maiores que o tempo de viagem da onda acústica na adutora L/a.

4.2.1 Derivação do Método

Tomando como referência a Figura 4.1 e a equação 3.27 que descreve a variação
do momento linear no conduto como ponto de partida:

px V |V |
Vt + + g sin α + f =0
ρ 2D

O Método da Coluna Rı́gida despreza o aumento de armazenagem no conduto


CAPÍTULO 4. O MÉTODO DA COLUNA RÍGIDA 45

em decorrência das alterações de pressão gradual, o que implica na total incom-


pressibilidade da água e na completa rigidez das paredes do conduto. Com isso,
a velocidade da onda acústica do escoamento a, calculada por meio da equação
3.17, torna-se infinita. Sendo a carga piezométrica H = p/γ + z e sin α = dz/dx,
pode-se reescrever a equação do momento para um volume de controle infinitesi-
mal como:
1 ∂V ∂H V |V |
+ +f =0 (4.1)
g ∂t ∂x 2gD
Em se desconsiderando a capacidade de armazenamento no conduto e com
isso fazendo a → ∞, o resultado é que a velocidade é idêntica em toda a extensão
do conduto fechado em qualquer instante t. Por outro lado, pode-se representar
de forma discreta a diferencial ∂H/∂x = Hm − Hj /L sendo Hm , Hj as alturas
piezométricas à montante e a jusante no conduto, e L a distância entre esses pon-
tos. Com esses desenvolvimentos, a equação do momento torna-se uma equação
diferencial ordinária na forma:
L dV L V |V |
+ Hm − Hj + f =0 (4.2)
g dt D 2g

Se fosse incluı́do na equação acima a contribuição decorrente de perdas locali-


zadas no conduto, tal como no caso de válvulas, curvas, registros, etc., a equação
seria modificada para:
L dV ³ L ´ V |V |
− Hm + Hj + f + Keq =0 (4.3)
g dt D 2g
Onde Keq corresponde ao coeficiente de perda de carga localizado representativo
das perdas localizadas presentes no conduto fechado. É interessante perceber nas
equações acima que a elevação do conduto z não está representada, nem nos pontos
limites do conduto m, j nem nos intermediários.

4.2.2 Soluções para o Método

Os valores de carga piezométrica Hm e Hj podem ser função do tempo, mas num


caso simplificado onde esses valores fossem constantes, é possı́vel determinar uma
solução analı́tica para a equação 4.3 na forma:
r
2g(Hm − Hj ) ³ t q ´
Vpipe (t) = tanh 2g(Hm − Hj )R (4.4)
R 2L
Onde os termos de perda de carga foram agrupados no termo R = f L/D + Keq . A
equação acima informa para todo e qualquer valor do tempo t qual é a velocidade
no conduto.
O problema, contudo, é que raramente as pressões piezométricas em problemas
como esse permanecem constantes ao longo do tempo. Por essa razão, a solução
CAPÍTULO 4. O MÉTODO DA COLUNA RÍGIDA 46

analı́tica apresentada acima não se aplica e uma solução numérica precisa ser im-
plementada. Os detalhes dessa implementação são discutidos a seguir.
Numericamente, a solução da equação 4.3 é simplesmente uma aplicação dos
métodos anteriormente discutidos para a solução de Equações Diferenciais Or-
dinárias. Dois métodos são comumente usados, sendo o primeiro o método de
Euler e o segundo a famı́lia de métodos de Runge-Kutta, especificamente o de 4a
ordem. Opta-se aqui por apresentar em linhas gerais o Método de Euler, pela sua
simplicidade maior facilidade de implementação.

4.2.3 Método de Euler

A base matemática para o método de Euler é a aproximação por séries de Taylor


da função f (t) no ponto t1 , dado que se conhece tudo acerca da função f (t) no
ponto t0 . Se a função f é contı́nua entre os pontos t0 e t1 e f (t) tem uma variação
suficientemente gradual entre os pontos podemos aproximar:

∆t2 00 ∆t3 000


f (t1 ) = f (t0 ) + ∆t f 0 (t0 ) + f (t0 ) + f (t0 ) + ... (4.5)
2! 3!
Onde ∆t é a distância entre os pontos t0 e t1 . Se ∆t é pequeno, pode-se desconsi-
derar termos que contém esse termo com expoente 2 ou mais, resultando em:

f (t1 ) = f (t0 ) + ∆tf 0 (t0 ) + Erro (4.6)

Essa expressão permite determinar o valor da atualização da variável ∆f =


f (t1 ) − f (t0 )
∆f = f (t1 ) − f (t0 ) = ∆tf 0 (t0 ) + Erro (4.7)

Onde o termo Erro é da ordem do maior termo negligenciado pela aproximação


2
acima, ou seja ∆t 00
2! f (t0 ). O objetivo aqui, é bom reiterar, é como descrever o com-
portamento da função f ao longo do tempo. A equação 4.6 é um método para cal-
cular aproximadamente o essa função. Esse método, que está entre os mais simples
métodos para solução numérica de EDO’s, é conhecido como método de Euler. A
simplicidade é tal que em planilhas eletrônicas (tal como o Excel ou OpenOffice)
podem servir de ferramenta para implementar o modelo.
No caso da equação 4.3, pode-se isolar o termo diferencial, obtendo:

dV gh L V |V | i
= Hm − Hj + (f + Keq ) (4.8)
dt L D 2g

Após um passo de tempo ∆t, o valor correspondente ∆V é:

gh L V |V | i
∆V = ∆t Hm − Hj + (f + Keq ) (4.9)
L D 2g
CAPÍTULO 4. O MÉTODO DA COLUNA RÍGIDA 47

Percebe-se a similaridade da expressão anterior e da equação 4.7. Assim, para


o cálculo do valor atualizado, após o passo de tempo ∆t, da velocidade do escoa-
mento na adutora é:
V (t1 ) = V (t0 + ∆t) = V (t0 ) + ∆V (4.10)
gh L V |V | i
V (t1 ) = V (t0 ) + ∆t Hm − Hj + (f + Keq ) (4.11)
L D 2g

4.2.4 Algoritmo geral do método

O algoritmo de um modelo numérico para a solução de escoamentos transientes


pelo método da coluna rı́gida deve seguir os seguintes passos:

0. Ler dados sobre problema: L, D, material, Tsim, dT, etc.

1. Definir cargas piezométricas iniciais a montante e jusante do


conduto (Hm e Hj)

2. T=0

3. Enquanto T<Tsim
3.1. Calcular o valor de fricção f
3.2. Calcular (se aplicável) novo valor de K_eq
3.3. Calcular dV/dT - Método de Euler
3.4. Atualizar valores de Hm e Hj
3.5. Escrever resultados (T, V, Hm, Hj)
3.6. T=T+dT

4. Fim dos cálculos

Além de reservatórios com carga variável, outras condições de contorno devem


ser consideradas em análises transientes. Algumas dessas condições são conside-
radas em dois exercı́cios propostos: a) manobras em válvulas em adutoras; e b)
Inı́cio de bombas com inversor de freqüência.

4.3 Exercı́cios Propostos


1. Derive uma expressão para o tempo que levaria para o escoamento aumentar
de vazão de zero até um valor Q usando as hipóteses do Método da Coluna
Rı́gida e assumindo que R = 0
2. Implemente planilha para a equação 4.3 de forma que o termo Keq seja de-
pendente do tempo. Com isso simule o efeito da manobra de uma válvula
posicionada ao término da adutora cuja abertura varie com o tempo.
3. Proponha um algoritmo para a solução do problema dos três reservatórios
usando o método da coluna rı́gida.
Capı́tulo 5

O Método das Caracterı́sticas

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


5.1 MOC para Escoamento em Condutos Fechados . . . . . . 49
5.1.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para
Escoamentos Pressurizados . . . . . . . . . . . . . . 49
5.1.2 Implementação do MOC em Modelos Numéricos . . . 51
5.1.3 Condições de Contorno Básicas para Condutos Fechados 56
5.2 Conexões em adutoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
5.2.1 Conexões em série em adutoras . . . . . . . . . . . . 60
5.2.2 Junções de três ou mais condutos . . . . . . . . . . . 61
5.3 Exercı́cio Proposto: Modelo para o escoamento para o fe-
chamento de válvulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

O Método das Caracterı́sticas – MOC – é uma técnica matemática proposta


pelo matemático Bernhard Riemann (1826-1866). O objetivo é determinar linhas
no domı́nio de solução de problemas onde equações diferenciais parciais se dege-
neram em equações diferenciais ordinárias, que são muito mais simples de serem
solucionadas. O processo de determinação dessas linhas, que pode ser denominado
Análise Caracterı́stica, são obtidas informações importantes acerca do comporta-
mento do sistema de equações diferenciais sendo solucionado.
Entre a derivação desse método e sua ampla utilização para a solução de proble-
mas de escoamento hidráulico houve um intervalo de várias décadas. A popularização
dessa técnica deu-se em grande medida devido o surgimento de computadores e
da implementação numérica da técnica. A principal utilização desse método para
solução de escoamentos hidráulicos está na simulação de escoamentos em condu-
tos pressurizados.
A utilização do MOC para canais abertos é limitada a casos onde não existe
descontinuidades nas soluções. Contudo, essa técnica é fundamental para a determinação
das condições de escoamento nas fronteiras desses escoamentos, denominado também

48
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 49

de solução das condições de contorno. Essa técnica de solução dos do contorno


é aplicável também em modelos baseados nas equações de Saint-Venant e nas
equações de águas rasas. A aplicação do MOC a problemas de escoamentos em
rios e canais é incluı́da em um capı́tulo subseqüente nesse material.

5.1 MOC para Escoamento em Condutos Fechados

O primeiro passo para a utilização do Método das Caracterı́sticas para condutos


fechados está na execução da análise caracterı́stica do problema. Há duas for-
mas pela qual tal análise pode ser promovida. A primeira das formas é através
da combinação linear das EDP’s do escoamento, utilizando de teoria baseada em
cálculo diferencial. A segunda forma é através da construção de uma versão quasi-
linear das EDP’s com subseqüente utilização de técnicas de algebra linear. Com o
objetivo de simplificar as abordagens, a primeira dessas técnicas é utilizada para as
derivações das forma caracterı́stica das equações de escoamento nesse capı́tulo.
Esses escoamentos têm uma vasta aplicação prática, dado o grande número de
condições de escoamento onde a vazão altera-se ao longo do tempo. De particular
preocupação são as alterações nas pressões do escoamento decorrentes da alteração
da vazão observadas em escoamentos transientes. Um grande número de proble-
mas operacionais, tais como rupturas de adutoras, danos estruturais causados pela
interação fluido-estrutura, colapsos de adutoras, entre outros são causados por es-
coamentos transientes. Nesse sentido, dispositivos de proteção contra transientes
são colocados em adutoras e condutos fechados para mitigar e evitar esses efeitos
adversos.
O objetivo desse capı́tulo não é o de fornecer ao leitor todos os elementos
para a análise de problemas transientes em condutos fechados. Para esse sentido
recomenda-se os excelentes livros de [Tul89], [WS93], entre outros. Um referência
clássica, usada para o dimensionamento de alguns tipos de dispositivos de proteção
contra pressões transientes, é o livro de [Par63]. O objetivo proposto aqui é dar uma
noção da aplicação do método das caracterı́sticas para escoamentos em condutos
fechados e das construção de modelos baseados nessa técnicas de análise de es-
coamentos. Em um capı́tulo adiante o tema de proteção contra transientes volta é
retomado.

5.1.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para Escoa-


mentos Pressurizados

Apresenta-se aqui a derivação das equações caracterı́sticas de escoamento em con-


dutos pressurizados apresentada por [WS93]. Inicialmente, identifica-se as equações
de momento e continuidade de escoamentos em condutos (equações 3.30 e 3.19)
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 50

como L1 e L2 respectivamente:

V |V |
L1 = Vt + gHx + f =0
2D
(5.1)
a2
L2 = Ht + Vx = 0
g

A idéia é fazer uma combinação linear entre as equações L1 e L2 que re-


sulte em um sistema de EDO’s. Assim, propõe-se escrever:

L1 + λL2 = 0 (5.2)

Onde λ é um termo desconhecido que transforma a equação acima em EDO’s.


Desenvolvendo a partir dessa soma, pode-se escrever:

V |V | a2
(Vt + gHx + f ) + λ(Ht + Vx ) = 0 (5.3)
2D g

Agrupando-se os termos de carga piezométrica e de velocidade:

a2 λ g V |V |
(Vt + Vx ) + λ(Ht + Hx ) + f =0 (5.4)
g λ 2D

Como em geral tanto a carga piezométrica quanto a velocidade são dependentes


tanto do tempo t quanto da coordenada x, usando a teoria do cálculo diferencial,
pode-se escrever:

dH ∂H ∂H dx dx
= + = Ht + Hx
dt ∂t ∂x dt dt (5.5)
dV ∂V ∂V dx dx
= + = Vt + Vx
dt ∂t ∂x dt dt

Percebe-se por inspeção nas equações 5.4 e 5.5 que se:

dx a2 λ g
= = (5.6)
dt g λ
então a equação 5.4 pode ser escrita como a seguinte EDO:

dV dH V |V |
+λ +f =0 (5.7)
dt dt 2D

Para concluir a derivação da forma caracterı́stica das equações diferenciais de


escoamento em regime pressurizado precisamos de encontrar o valor de λ que
satisfaça a equação 5.6:
g
a2 λ2 = g 2 ⇒ λ = ± (5.8)
a
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 51

O que resulta no domı́nio de validade para a equação 5.7:

dx
= ±a (5.9)
dt
Sendo que esse domı́nio é denominado Linhas Caracterı́sticas, que no caso do
problema de escoamentos em condutos fechados correspondem a velocidade em
que pulsos de pressão são transmitidos nesses escoamentos.
Sumarizando a estratégia delineada acima, tem-se:
Uma combinação linear das equações de escoamento em condutos pressuriza-
dos permite inferir que desde que a soma da equação de momento com o produto
de ±g/a vezes a equação da continuidade resulta em um par de equações diferen-
ciais ordinárias, que são válidas apenas nas linhas caracterı́sticas dx/dt = ±a.
Matematicamente, pode-se assim escrever as equações denominadas C+ e C−
na forma:
Equação C+:
dV g dH V |V |
+ +f =0 (5.10)
dt a dt 2D
dx
= +a (5.11)
dt
Equação C–:
dV g dH V |V |
− +f =0 (5.12)
dt a dt 2D
dx
= −a (5.13)
dt
A partir dessas equações é necessário promover-se a solução numérica das mes-
mas. A estratégia dessa solução é apresentada a seguir.

5.1.2 Implementação do MOC em Modelos Numéricos

Modelos numérico-computacionais para condutos fechados baseados no MOC di-


videm o problema em duas partes fundamentais:

1. Nós internos de cálculo, para o qual as expressões algébricas derivadas a


partir das equações de escoamento em formato caracterı́stico são usadas para
determinar os valores dos parâmetros de escoamento nos pontos internos aos
condutos;

2. Condições de contorno, que representam tudo mais que existe no problema,


tal como válvulas, reduções, junções, bombas, dispositivos de proteção con-
tra transientes, etc.
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 52

Figura 5.1: Grid de solução para problemas de escoamento com apenas um con-
duto utilizando o MOC para escoamentos pressurizados.

O cálculo dos nós internos, que é feito pelo Método das Caracterı́sticas, é uma
das duas partes fundamentais que precisam ser tratadas em modelos numéricos. A
discussão a seguir detalha como é feito esse tipo de cálculo, sendo que a sub-seção
seguinte trata de condições de contornos básicas para problemas de escoamentos
em condutos.
Para a solução numérica das equações 5.10 a 5.13 é necessário utilizar uma
discretização do problema nos moldes utilizados no capı́tulo anterior para o Método
da Onda Cinemática. É feita uma divisão do domı́nio de solução (por exemplo,
uma adutora) em N divisões, o que resulta em N + 1 nós onde o problema deve
ser resolvido. Desses nós, os de extremidade devem ser calculados como parte das
condições de contorno do problema. Para a solução das duas incógnitas H e V nos
nós interiores, é necessário resolver as equações 5.10 e 5.12.
Utiliza-se na solução por modelos numéricos um grid (ou plano) de solução
numérica x − t. Como no caso anterior, o tamanho do passo de tempo é dado
em função da discretização espacial e das condições do problema. Nesse caso,
as informações necessárias para determinar o passo de tempo são o número de
pontos a ser utilizado na discretização (e assim o valor de ∆x), e a velocidade de
propagação da onda acústica no conduto fechado. De acordo com as equações 5.11
e 5.13, o passo de tempo deve ser ∆t = ∆x/a. Em muitas vezes, considera-se o
valor de a constante na análise do escoamento, o que permite concluir que as li-
nhas caracterı́sticas formam trajetórias retilı́neas no domı́nio de solução, conforme
ilustrado na Figura 5.1.
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 53

Tomando como referência a Figura 5.1, a solução do problema de escoamento


em condutos fechados em um ponto P no interior do domı́nio de solução x − t
decorre desse ponto ser cortado por duas linhas caracterı́sticas: uma C+, originária
do ponto A e outra C− originária do ponto B. Duas equações são aplicáveis, uma
equação 5.10 que é válida na trajetória C+, portanto nos pontos A e P e outra
equação 5.12, válida na trajetória C−, portanto nos pontos B e P .
Para cada uma das equações é necessário promover-se uma integração para a
obtenção de uma equação algébrica, para daı́ isolar e resolver para as incógnitas.
Nesse ponto, seguindo o desenvolvimento apresentado por [WS93], opta-se por
trabalhar com as variáveis H e Q em substituição a V , muito embora a derivação
pudesse ser promovida utilizando a velocidade. Sendo A a área transversal do
conduto, essa alteração resulta em:
Equação C+:
dQ gA dH Q|Q| dx
+ +f =0 para = +a (5.14)
dt a dt 2DA dt
Equação C-:
dQ gA dH Q|Q| dx
− +f =0 para = −a (5.15)
dt a dt 2DA dt
Promovendo a integração da equação 5.14, multiplica-se inicialmente a mesma
adt dt dx
por Ag , e integra-se, levando em consideração que a gA = gA .
Z HP Z QP Z xP
a f
dH + dQ + Q|Q| dx = 0 (5.16)
HA gA QA 2gDA2 xA

O que permite escrever:


Z xP
a f
HP − HA + (QP − QA ) + Q|Q| dx = 0 (5.17)
gA 2gDA2 xA

A avaliação do termo da equação com a integral em x é a mais complicada


porque não se conhece a priori como é a variação de Q ao longo de x. Utilizando-
se as técnicas de integração por partes e a regra da cadeia, pode-se escrever:
Z xP ¯xP Z xP ¯xP Z xP
¯ ¯
Q|Q| dx = Q2 x¯ − x dQ2 = Q2 x¯ − 2 xQ dQ (5.18)
xA xA xA xA xA

Usando integração numérica (regra dos trapézios de Simpson) para avaliar-se nu-
mericamente a expressão acima, tem-se
¯x Z xP hx Q + x Q i
2 ¯ P P P A A
Q x¯ − 2 xQ dQ ≈ Q2P xP − Q2A xA − 2 (QP − QA )
xA xA 2
¯xP Z xP
¯
Q2 x¯ − 2 xQ dQ ≈ QP |QA |(xP − xA ) = QP |QA |∆x
xA xA
(5.19)
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 54

Levando esse resultado para a equação 5.17, chega-se na expressão algébrica


da equação C+:
a f ∆x
HP − HA + (QP − QA ) + QP |QA | = 0 (5.20)
gA 2gDA2

Desenvolvimento similar, que o leitor é incentivado a promover, permite trans-


formar a equação C− e chegar a expressão algébrica na forma:
a f ∆x
HP − HB − (QP − QB ) − QP |QB | = 0 (5.21)
gA 2gDA2

Dois termos comuns aparecem nas equações 5.20 e 5.21 que são constantes
para os diferentes pontos do problema . O primeiro termo é denominado de im-
pedância do conduto fechado B:
a
B= (5.22)
gA

É possı́vel reconhecer o termo de impedância na derivação promovida por Jou-


kowski para o pico de pressão transiente (ou Transiente potencial) em adutoras
horizontais rı́gidas e sem fricção:
a a
∆H = − ∆V = − ∆Q = −B∆Q (5.23)
g gA

O segundo termo comum das equações 5.20 e 5.21 é um termo de resistência:


f ∆x
R= (5.24)
2gDA2

Esse termo de fricção f pode ser constante ou alternativamente ser ajustado


de acordo com o número de Reynolds local no escoamento. Esse termo também
pode ser afetado pelas condições transientes do escoamento, muito embora essa
influência não seja discutida nessa material.
Introduzindo-se os termos comuns de impedância e resistência nas equações
algébricas de escoamento, chegamos finalmente as expressões:

HP = HA − B(QP − QA ) − RQP |QA | = 0 (5.25)

HP = HB + B(QP − QB ) + RQP |QB | = 0 (5.26)

Ressalta-se aqui que os valores nos pontos A e B para carga piezométrica e


para a vazão são conhecidos seja pelas condições iniciais do problema ou pelas
condições impostas no contorno. Assim, para as duas equações acima, há apenas
duas incógnitas a serem resolvidas, HP e QP .
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 55

É importante também ressaltar que, dado que o escoamento permanente e uni-


forme é um caso especial das equações de escoamento transiente, essas equações
devem ser satisfeitas. Nessas condições o termo da impedância desaparece pois
QA = QP = QB , e as equações 5.25 e 5.26 são reduzidas às expressões da perda
de carga pela fórmula de Darcy-Weisbach entre os pontos (A, P ) e (P, B).
Uma forma ainda mais prática para ser implementada em um programa com-
putacional é proposta por [WS93]. Considerando que o escoamento é conhecido
no passo de tempo anterior nos pontos A e B, generaliza-se para qualquer ponto i,
(com pontos vizinhos (i − 1) e (i + 1)) as seguintes variáveis:

CP = Hi−1 + BQi−1 BP = B + R|Qi−1 | (5.27)

CM = Hi+1 − BQi+1 BM = B + R|Qi+1 | (5.28)

De forma a escrever as equações caracterı́sticas na forma compacta:

C+ : Hi = CP − BP Qi (5.29)

C− : Hi = CM + BM Qi (5.30)

Ao eliminar Qi das equações, tem-se uma expressão para Hi :


CP BM + CM BP
Hi = (5.31)
BP + BM

Ou, eliminando-se Hi para achar uma expressão de Qi , tem-se:


CP − CM
Qi = (5.32)
BP + BM

Num código computacional, os valores de CP , CM , BP e BM são computados


para cada um dos nos internos i a partir dos valores iniciais dos nós vizinhos ou
dos valores de contorno obtidos no passo de tempo anterior.
Nesse ponto o leitor pode perceber a razão da grande aceitação e popularidade
do Método das Caracterı́sticas. Partiu-se de um sistema de EDP’s, passou-se por
um sistema de EDO’s, e por meio de uma integração numérica chegou-se a um par
de expressões algébricas que descreve as variações do escoamento em termos de
variáveis medidas num passo de tempo anterior.
Normalmente, o processo de solução para as equações de escoamento podem
tanto ser por meio de esquemas explı́citos como por esquemas implı́citos. A van-
tagem teórica dos últimos é a possibilidade de usar passos de tempo superiores a
dx/a sem que houvesse problemas de instabilidade na solução. Contudo, conforme
demonstrado por [WS93], esquemas implı́citos só fornecem resultados coerentes
quando o passo de tempo é exatamente aquele esperado de um esquema explı́cito
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 56

de solução, ou seja dx/a. Assim, dado que não há nenhuma vantagem em utilizar-
se um esquema implı́cito de solução, a maior parte dos modelos para solução do
escoamento é construı́do com esquemas explı́citos.
Contudo, o desenvolvimento apresentado ainda é insuficiente para a solução de
problemas práticos de escoamentos. É necessário incluir os efeitos das condições
de contorno nos cálculos. Essas condições de contorno podem ser de diversos tipos
tais como reservatórios de nı́vel fixo ou variado, válvulas, pontos de encontro entre
diferentes condutos, bombas centrı́fugas, além dos dispositivos de proteção contra
transientes hidráulicos. Algumas das condições dessas contorno são apresentadas
a seguir.

5.1.3 Condições de Contorno Básicas para Condutos Fechados

Nos contornos do problema, apenas uma linha caracterı́stica influencia no cálculo


do escoamento. Usando a figura 5.2 como referência, no caso de uma fronteira de
montante ao escoamento, tal como no caso de um reservatório que abastece uma
adutora, apenas uma linha C− que parte de um ponto a montante A no passo de
tempo anterior irá ser considerado no cálculo do escoamento no ponto P 1. Para
que seja possı́vel resolver o escoamento nesse local, uma outra equação deve ser
especificada naquela localização. Tal equação deve refletir as condições que o
contorno fı́sico impõe ao problema.
No caso de uma válvula a jusante dessa linha, apenas uma linha do tipo C+ que
parte do ponto B chega a fronteira do problema no ponto P 2. Similarmente, uma
outra equação deve ser especificada naquele local para que seja possı́vel resolver o
escoamento naquele ponto.

Figura 5.2: Grid de solução do MOC para escoamentos pressurizados nas frontei-
ras do problema de montante e jusante.
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 57

Reservatório de montante

Vamos dizer que existe um reservatório de montante no problema de carga cons-


tante H1 . Nessas condições, sabe-se qual é a carga piezométrica nesse ponto, sendo
essa a condição fı́sica que o contorno impõe ao problema (H(t) = H1). A partir
dessa expressão, é preciso determinar a outra variável no local, que é a vazão que
sai desse reservatório. Assim, aplicando-se a equação 5.30 (trajetória C−), tem-se
H1 − CM
Q1 = (5.33)
BM

Nesse problema simplificado a carga do reservatório não é alterada com a vazão


que sai do reservatório Q1 , o que é uma hipótese adequada apenas no caso quando
o volume do reservatório é muito maior do que o volume de água que sai do mesmo
no perı́odo de análise. Para a produção de uma condição de contorno que tenha uma
aplicação mais genérica, pode-se considerar a alteração do nı́vel do reservatório.
Uma alternativa é escrever as equações caracterı́stica e de continuidade e combina-
las para obter:
H1 − CM
Q1 =
BM
(5.34)
∆t
H1 = H1old − Q1
Ares

Onde H1old refere-se ao valor de carga no reservatório no passo de tempo anterior,


e Ares refere-se a área em planta do reservatório. Combinando as duas expressões
obtém-se uma expressão para a carga H1

H1old BM Ares + CM ∆t
H1 = (5.35)
BM Ares + ∆t

Uma vez obtido o valor de H1 , substitui-se na equação caracterı́stica C− e


encontra-se o valor para Q1 .

Bomba centrı́fuga à montante - Operação Normal

Bombas centrı́fugas são um exemplo de condição onde existe uma relação prede-
terminada entre as variáveis de carga e a vazão, no caso definida pela curva da
bomba. Seguindo o exemplo apresentado por [WS93], sendo uma determinada
uma curva de bomba descrita pela relação:

H1 = HS + Q1 (A1 + A2 Q1 ) (5.36)

Onde HS é a altura de shut-off da bomba e A1, A2 são coeficientes constantes (nor-


malmente negativos). Combinando a curva da bomba com a equação caracterı́stica
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 58

é possı́vel determinar-se qual a vazão que a bomba irá prover:


1 h p i
Q1 = BM − A1 − (BM − A1 )2 + 4A2 (CM − HS ) (5.37)
2A2

A substituição do valor encontrado para Q1 na curva da bomba permite de-


terminar qual a carga piezométrica na mesma. É importante ressaltar que essa
equação é válida apenas para bombas operando em condições normais dentro do
primeiro quadrante, ou seja, Q1 > 0 e H1 > 0. Caso haja uma falha no sistema de
bombeamento decorrente, por exemplo, da falta de energia elétrica, é necessário
promover-se uma análise especı́fica que considere, por exemplo, o efeito atenuante
da inércia rotacional do conjunto motor-bomba no transitório. Mais detalhes sobre
o funcionamento de bombas operando fora da região de projeto são apresentados
em capı́tulo subseqüente.

Extremidade de jusante bloqueada

Essa é provavelmente a condição de contorno mais simples, onde é estipulado que


o valor de VN S = QN S = 0, sendo o ı́ndice N S referente ao último nó do sistema.
Juntando essa equação com a equação caracterı́stica C+, obtém-se:
HN S = CP − BP QN S
(5.38)
HN S = CP = HN S−1 + B QN S−1

Válvulas e Orifı́cios

Para o cálculo desses dois tipos de condição de contorno, é necessário obter informações
acerca do escoamento nas condições de escoamento prévias ao escoamento transi-
ente, ou seja, quando em regime permanente e uniforme.
De forma genérica, pode-se escrever que a perda de energia através de uma
válvula é dada por:
V2 K Q2N S
∆H = K = (5.39)
2g A 2g
Fundamental aqui é a relação entre a perda de carga piezométrica e a vazão. Ou-
tra forma de expressar essa relação pode ser usada, por meio de uma equação de
orifı́cio: p
QN S = Cd AG 2g∆H (5.40)
Onde o produto Cd AG refere-se ao produto do coeficiente de descarga da válvula
e a área de abertura da mesma. Em condições permanentes de escoamento, como
por exemplo quando a válvula está completamente aberta e descarregando para a
atmosfera, ambas expressões podem ser escritas como:
Vo2 Ko Q2
Ho = Ko = 2 o (5.41)
2g A 2g
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 59
p
Qo = (Cd AG )o 2gHo (5.42)
Onde o ı́ndice o refere-se as condições de escoamento permanentes. Agora introduz-
se um coeficiente adimensional τ que expressa o grau de relação entre uma abertura
qualquer da válvula e a abertura especificada nas condições permanentes:
r r
Cd AG Ho Ko
τ= = = (5.43)
(Cd AG )o H K

onde K refere-se ao coeficiente de perda de carga localizada. Para o caso onde o


escoamento é permanente, τ = 1, sendo que para o caso onde a válvula está com-
pletamente fechada τ = 0. Quando se considera para a condição permanente que
a válvula encontra-se parcialmente fechada, o valor de τ pode superar a unidade.
Para uma válvula descarregando para a atmosfera, o valor de ∆H coincide com
a carga no último nó de escoamento, HN S . É possı́vel assim escrever uma relação
genérica entre a vazão no último nó e a carga no mesmo utilizando τ :
Qo p
QN S = √ τ HN S (5.44)
Ho

Combinando a equação caracterı́stica C+ com a equação 5.44, o resultado é:


p
QN S = −BP Cv + (BP Cv )2 + 2Cv CP (5.45)

Onde o coeficiente Cv é dado por (Qo τ )2 /2Ho . Obtido o valor de QN S , o mesmo


é utilizado para se encontrar o valor de HN S na equação 5.44 ou na equação 5.29.
Para se obter o valor de K ou Cd AG de válvulas parcialmente abertas é ne-
cessária consultar catálogos de fabricantes das mesmas, ou literatura especializada.
Referência indicadas incluem o livro de [Tul89] ou [WS93]. Em um programa
computacional para modelar o comportamento de um sistema em que há um fecha-
mento de uma válvula, os valores de τ podem ser expressos em termos do tempo
por meio de uma função ou em forma tabular.
O caso de um orifı́cio é uma versão simplificada do problema de válvulas ou
registros no sentido que τ = 1. Excetuando o valor constate de τ , as equações
anteriores podem ser aplicadas sem qualquer modificação.
Para o caso onde a válvula descarrega a vazão em outro conduto, é necessário
fazer modificações nessas equações para incluir as caracterı́sticas de impedância
e pressão a jusante da válvula. Em condições permanentes, a vazão na válvula é
calculada por:
q
Qo
Q1,N S = Q2,1 = Qv = √ τ (H1,N S − H2,1 ) (5.46)
Ho
q
Qv = −Cv (BP1 + BM2 ) + Cv2 (BP1 + BM2 )2 + 2Cv (CP1 − CM2 ) (5.47)
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 60

O ı́ndice duplo refere-se ao número da adutora, seguido pelo número do nó na


adutora. No caso do escoamento dar-se em direção oposta (do conduto 2 para o 1):
q
Qo
Q1,N S = Q2,1 = Qv = − √ τ (H2,1 − H1,N S ) (5.48)
Ho
q
Qv = Cv (BP1 + BM2 ) − Cv2 (BP1 + BM2 )2 − 2Cv (CP1 − CM2 ) (5.49)

Finalmente, para o caso de uma válvula estar diretamente conectada a um re-


servatório de carga igual a Hb , no caso de CP1 > Hb , a vazão é calculada como:
q
Qv = −Cv BP1 + (Cv BP1 )2 + 2Cv (CP1 − Hb ) (5.50)

e no caso contrário:
q
Qv = Cv BP1 + (Cv BP1 )2 − 2Cv (CP1 − Hb ) (5.51)

5.2 Conexões em adutoras

5.2.1 Conexões em série em adutoras

No caso de uma associação em série onde haja mudança de caracterı́sticas dos


condutos, tal com mudança no diâmetro, espessura do material, rugosidade, etc. é
necessário considerações adicionais no cálculo transiente.
Em tais condições a velocidade de propagação da onda acústica é diferente
em cada adutora na ligação em série. Contudo, para que seja possı́vel o cálculo
computacional é necessário que haja uniformidade do passo de tempo ∆t. Para
que isso seja possı́vel, é necessário adequar-se o tamanho da discretização em cada
adutora de forma que:
∆x1 ∆x2 ∆xn
∆t = = = ... = (5.52)
a1 a2 an
onde ai é a velocidade da onda acústica em cada adutora e ∆xi é a distância entre
dois nós de cálculo, igual ao comprimento da adutora Li dividido pelo número de
nós na adutora NSi . Nesse processo é comumente aceitável pequeno ajustes nos
valores de ai de forma a comportar o requerimento de um número inteiro de nós
de cálculo na adutora NSi .
Além da necessidade de ajustar-se a discretização do problema de forma a
comportar um passo de tempo comum nos cálculos, é necessário tratar cada ponto
de conexão como uma condição de contorno no problema. Figura 5.3 ilustra um
exemplo para o caso onde há uma conexão em série de adutoras de mesmo diâmetro
mas espessuras diferentes.
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 61

Figura 5.3: Condição de contorno - ligação em série de adutoras de espessuras


diferentes.

Existem no ponto de conexão quatro incógnitas para serem solucionadas, que


são as vazões e pressões em cada um dos nós de conexão. Existem disponı́veis
duas equações para a solução do problema, que são as equações caracterı́sticas
C+ e C− que chegam ao nó de cálculo. As outras duas equações requeridas para
a solução do problema advém de considerar-se que a pressão piezométrica é a
mesma em cada lado da conexão H1,N S = H2,1 e que a vazão é a mesma nos dois
lados Q1,N S = Q2,1 .
Com essa consideração, a equação da vazão na junção será dada por:
CP,1 − CM,2
Q1,N S = Q2,1 = (5.53)
BP,1 + BM,2

e para a determinação dos valores de pressão, aplica-se as equações 5.29 ou 5.30.

5.2.2 Junções de três ou mais condutos

Uma conexão de mais de 3 condutos em um nó de cálculo é outro componente que


requer considerações especiais no desenvolvimento da análise transiente. Consi-
dere uma junção com n condutos ligados, onde pode haver também uma certa
entrada ou saı́da de vazão Qn , como no caso por exemplo de haver consumo de
água naquele nó.
Para esse cálculo existem 2n incógnitas, que são as vazões e pressões de cada
um dos condutos no ponto de ligação na junção. Existem também n equações
caracterı́sticas disponı́veis para o cálculo. Assume-se, como no caso da ligação
em série de adutoras, que as pressões piezométricas são idênticas em cada uma
dos pontos de conexão (por exemplo H1,N S = H2,N S = H3,1 = H4,1 ), e isso
permite obter mais n − 1 equações para o cálculo. A última equação necessária
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 62

para os cálculos é a equação da continuidade na junção, onde a soma das vazões


instantâneas dos condutos ligados ao nó mais o consumo de vazão no nó Qn devem
ser balanceados e igual a zero:
X X
Qjun = Qinst + Qn = 0 (5.54)
onde o valor de Qn pode ser zero.
Para exemplificar como é feito a solução desses tipos de junção, considere o
caso da Figura 5.4 onde existem 4 condutos ligados, sendo que dois desses condu-
tos (1 e 2) estão ligados na extremidade de jusante (nós N S1 , e N S2 ) enquanto os
condutos 3 e 4 estão ligados pela extremidade de montante.

Figura 5.4: Junção de quatro condutos. Repare que os condutos 1 e 2 estão ligados
a junção pelas extremidade de jusante, e os condutos 3 e 4 pela extremidade de
montante. Tal se reflete nas equações caracterı́sticas que chegam à junção.

Aplicando-se as equações 5.29 ou 5.30 para cada um dos condutos ligados,


podemos expressar as equações caracterı́sticas na forma:
CP1 H
Q1,N S = − (5.55)
BP1 BP1
CP2 H
Q2,N S = − (5.56)
BP2 BP2
CM3 H
−Q3,1 = − (5.57)
BM3 BM3
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 63

CM4 H
−Q4,1 = − (5.58)
BM4 BM4
onde H é o valorP
da carga piezométrica na junção. A soma das expressões acima
resulta no termo Qinst da equação 5.54, ou seja:
X X X ³X X ´
Qinst = CPi /BPi + CMi /BMi −H 1/BPi + 1/BMi (5.59)
i i i i

Substituindo a expressão obtida na condição de igualdade de pressão nos nós


da adutora ligados a junção, chega-se a expressão:

H = Cn + Bn Qn (5.60)

onde P P
CPi /BPi
iP + i CMi /BMi
Cn = P (5.61)
i 1/BPi + i 1/BMi
e
1
Bn = P P (5.62)
i 1/BPi + i 1/BMi

Com o valor de H conhecido, os valores de vazão para os trechos de extremi-


dade podem ser calculados.

5.3 Exercı́cio Proposto: Modelo para o escoamento para


o fechamento de válvulas

Sugerimos aqui a aplicação dos conhecimentos a criação de um programa computa-


cional ou planilha para solução de um problema de escoamento em um reservatório
sendo esvaziado por meio de uma adutora. Os dados do problema seguem abaixo:

1. Comprimento da adutora: L=500 m

2. Diâmetro da adutora: D=1.128 m

3. Velocidade da onda acústica: a=500 m/s

4. Material adutora: Ferro fundido, coeficiente de fricção assumido de 0.012

5. Adutora horizontal

6. Montante: Reservatório de carga piezométrica constante igual a 50 m acima


do eixo da adutora

7. Jusante: Redução e válvula de abertura variável com o tempo, coeficiente de


perda de carga quando totalmente aberta Ko = 200.
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 64

É requerido a simulação do escoamento até o término do escoamento transi-


ente. Quatro condições são propostas nesse problema:

1. Abertura gradual da válvula: τ (s) = 1 − ( t−10


10 )
0.5 com o tempo t dado em

segundos
t 0.5
2. Fechamento gradual da válvula: τ (s) = 1 − ( 10 ) com o tempo t dado em
segundos

3. Abertura abrupta da válvula: τ (t = 0) = 0 e τ (t = ∆t) = 1

4. Fechamento abrupta da válvula: τ (t = 0) = 1 e τ (t = ∆t) = 0

No caso do leitor desejar criar um programa computacional, para exemplificar


e facilitar o trabalho, coloca-se uma parte de um código do MOC produzido pelo
autor. Conforme pode ser observado, o código (escrito em PASCAL) é apenas
referente ao cálculos dos nós internos, sendo necessário escrever o código para a
leitura dos dados de entrada, as condições de contorno e os dados de saı́da. Essa
parte do código deverá ser escrita tomando por base a teoria apresentada nesse
capı́tulo.

//#########################################################
// BLOCO DE DEFINIÇÃO DE VARIÁVEIS E CALC. REG. PERMANENTE
//#########################################################
g:=9.806;
a:=1000;
Long:=1000; //comprimento da adutora
Diam:=1; //diametro da adutora
f:=0.012; //fixo, mas poderia depender do Reynolds
Tmax:=10; //calculo por 10 segundos
N:=50; //considerar 50 nos de calculo
Hres:=100; //carga reservatorio de montante
CDAO:=0.62 *(Pi/4)*sqr(Diam); //coef. descarga valvula inicial
TauInit:=1.0 //coeficiente de abertura inicial valvula;
TauFinal:=0 //coeficiente de abertura final valvula;
TimeValve:=0.1 //tempo de abertura da valvula;
eValve:=1; //expoente abertura valvula;

Nsec:=N+1;
if N>4 then Np:=round(N/4) else Np:=1;
R:=f*Long/(2*g*exp(5*ln(Diam))*sqr(Pi/4)*N);
B:=a/(g*sqr(Diam)*Pi/4);
dT:=Long/(a*N);
Kmax:=round(0.5*Tmax/dT)+1;
Qo:=sqrt(2*g*sqr(CDAO)*Hres/(R*N*2*g*sqr(CDAO)+1))
for i:=1 to Nsec do Q[i]:=Qo;
for i:=1 to Nsec do H[i]:=Hres - (i-1)*R*sqr(Qo);
CAPÍTULO 5. O MÉTODO DAS CARACTERÍSTICAS 65

//############################################################
// BLOCO DE LEITURA DE DADOS DO PROBLEMA
//############################################################
Nsec:=N+1; //N e’ o numero de trechos da adutora
T:=0;
R:=f*Long/(2*g*exp(5*ln(Diam))*sqr(Pi/4)*N);
B:=a/(g*sqr(Diam)*Pi/4);
dT:=Long/(a*N);
while T<Tsimulacao do
begin
for i2:=2 to 3 do
begin
i:=i2;
while i<=N do
begin
CP:=H[i-1]+Q[i-1]*B;
CM:=H[i+1]-Q[i+1]*B;
BP:=B + R*Abs(Q[i-1]);
BM:=B + R*Abs(Q[i+1]);

H[i]:=(CP*BM+CM*BP)/(BP+BM);
Q[i]:=(H[i]-CM)/BM;
i:=i+2;
end;
end;
//#######################################################
//BLOCO DE CALCULO DAS CONDIÇÕES DE CONTORNO
//#######################################################
//Reservatorio de Montante
H[1]:=Hres;
Q[1]:=(H[1] - H[2] + B*Q[2])/(B + R*abs(Q[2]));

//Valvula de Jusante
begin
if T<TimeValve then Tau:=TauInit - (TauInit - TauFinal)*exp(eValve*ln(T/TimeValve))
else Tau:=TauFinal;
CV:=sqr(Tau)*CVP;
CP:=Hpoint[N] + Q[N]*B;
BP:=B + R*abs(Q[N]);
Q[Nsec]:=-CV*BP + sqrt(sqr(CV)*sqr(BP)+CV*CP*2);
H[Nsec]:=CP - BP*Q[Nsec];
end;

//######################################################
//BLOCO DE IMPRESSÃO DOS RESULTADOS NO PASSO DE TEMPO
//#######################################################
//depende da forma desejada: tela/arquivo/banco de dados

T:=T+ 2* dT
end
Capı́tulo 6

Separação de coluna

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
6.2 Misturas de ar e água em condutos elásticos . . . . . . . . . 67
6.2.1 Liberação de gases de solução . . . . . . . . . . . . . 67
6.2.2 Calculando efeitos do ar livre na velocidade da onda
acústica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
6.3 Modelando o escoamento transiente considerando a presença
de gás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
6.3.1 Descrição do modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
6.3.2 Implementação do modelo . . . . . . . . . . . . . . . 75

6.1 Introdução

Eventos transientes onde a pressão piezométrica cai abaixo da pressão de vapor


do fluido são também causa de preocupação para o engenheiro. Primeiramente,
condutos que experimentam esse tipo de condição devem ser capazes de tolerar
pressões nesses valores sem que haja o colapso (fechamento) das paredes. Tal
problema pode ser evitado na maior parte dos casos com uma escolha dos materiais
dos condutos que tolerem pressões próximas ao vácuo sem que haja o colapso.
Outro problema durante eventos transientes resultado da baixa pressão é a
formação de cavidades no lı́quido compostas por ar ou água em estado gasoso.
Uma eventual recuperação da pressão resulta no fechamento ou colapso dessas
cavidades, gerando pulsos de pressão de elevada magnitude. Essas pressões decor-
rentes desse fechamento podem causar a ruptura das paredes do conduto.
A intenção desse capı́tulo é detalhar os fenômenos relacionados a separação de
coluna, bem como os efeitos da separação de coluna na análise transiente. Um dos

66
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 67

efeitos estudados é a relação entre os volume de ar na mistura e a velocidade da


onda acústica. Pretende-se também expor as bases que fundamentam um modelo
numérico simplificado que permite simular esses tipos de eventos com razoável
precisão. A discussão aqui apresentada é em essência aquela apresentada por
[WS93]. Esse modelo numérico é considerado um significativo aperfeiçoamento
ao modelo apresentado anteriormente para cálculo de nós internos.

6.2 Misturas de ar e água em condutos elásticos

6.2.1 Liberação de gases de solução

A água, como a maioria dos lı́quidos, tem uma certa quantidade de gases dissolvi-
dos em solução. Embora em frações muito baixas, a água escoando em condutos
fechados também pode apresentar uma quantidade de ar livre (não em solução).
A massa de um determinado gás no volume de um lı́quido é calculada pela lei de
Henry, presente nos livros de Quı́mica. Por essa lei, a concentração de um gás
dissolvido em um solvente é diretamente proporcional a pressão parcial do gás
quando a temperatura permanece constante. A constante de proporcionalidade é
denominada coeficiente de solubilidade ou coeficiente de absorção de Bunsen. Em
formato algébrico, essa relação pode ser expressa como:

Vg0 p∗
= S ∗s (6.1)
V po

onde S é o coeficiente de solubilidade, p∗s é a pressão absoluta de saturação do gás


dissolvido, p∗o é a pressão absoluta de referência, V é o volume de lı́quido e Vg0 é
o volume de gás nas condições de pressão de referência (por exemplo, em pressão
atmosférica). Os valores de S para diversos gases à temperatura 25o C são:

• Ar: 0.0184

• Nitrogênio: 0.0143

• Oxigênio: 0.0283

• Gás carbônico: 0.759

A equação 6.1 reflete uma situação de equilı́brio, e no caso de haver mudanças


na pressão do gás para outro valor (digamos para um valor p∗ ), teoricamente
espera-se que haja uma variação no volume de gás de S(p∗s −p∗ )/p∗o . Em condições
reais, contudo, a variação do volume de gás em solução durante mudanças de
pressão obedece a condições mais complexas que não são refletidas pela lei de
Henry. A quantidade de gás que sai em solução depende de uma variedade de
parâmetros, que inclui o número, tamanho e distribuição de núcleos de coalescência
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 68

sólidos na massa de água, grau de agitação do lı́quido, área de contato entre bo-
lhas de gás e a água, entre outros parâmetros de menor importância. Levando
em consideração todas essas incertezas na análise, pode-se propor uma abordagem
mais simplificada para refletir os efeitos da mudança de pressão na massa de ar
livre:
ṁ = CK (p∗s − p∗ ) (6.2)
onde ṁ é a taxa de variação da massa de ar liberada de solução com o tempo e CK
um coeficiente que depende de S e dos demais parâmetros acima relacionados.
Em que pese a validade teórica dessa discussão, em termos práticos a variação
da quantidade de gás em solução decorrente de um processo de queda de pressão
pode não ser tão significativa na análise quanto pode ser antecipado. [WS93] apre-
senta uma série de resultados experimentais conduzidos por Zielke e colaborado-
res onde estudou-se processos de queda de pressão em escoamentos turbulentos de
água. Promovendo-se em escoamentos uma queda de pressão de 200 kP a para 10
kP a (de 20.4 para 1.02 m.c.a.) apenas 10% da quantidade esperada de gás que
deveria sair de solução de fato saiu. A formação de novas bolhas de ar mostrou-se
controlada pela disponibilidade de núcleos de coalescência.
A isso tudo soma-se a incerteza na quantidade de ar livre que existe em con-
dutos. Com isso, uma hipótese normalmente adotada em termos pragmáticos é
considerar que qualquer que seja a massa de ar livre no inı́cio de um evento transi-
ente essa massa será mantida no decorrer do evento transiente. Mesmo que a massa
seja constante, o volume ocupado pelo ar altera-se durante o evento transiente uma
vez que as pressões variam ao longo do tempo.
A presença de ar livre não afeta outro fenômeno esperado durante eventos tran-
sientes de baixa pressão, que é a vaporização da água. Mesmo as bolhas de ar livre
podem conter determinada quantidade de vapor de água. A pressão do gás p∗ é
nesses casos calculados pela lei de Dalton, onde a soma das pressões parciais dos
gases é igual a soma da mistura dos gases. Assim, se p∗g é a pressão absoluta do ar
livre e p∗v é a pressão absoluta do vapor de água na temperatura do lı́quido, então:

p∗ = p∗g + p∗v (6.3)

No caso em que a massa de ar na mistura é baixa, condição que é assumida na


discussão desse capı́tulo, a derivação das equações de massa, momento e energia
considera que o fluido pode ser tratado como uma massa homogênea de água e
pequenas bolhas, considerada de comportamento unifásico. Essas movem-se com
a velocidade da água, não havendo assim velocidade relativa entre as duas fases.
Define-se uma variável α que descreve a relação entre o volume de ar livre e o
volume de lı́quido na mistura:
Vg
α= (6.4)
V
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 69

Recordando da lei dos gases:


p∗g = Mg Rg T (6.5)
onde Rg é constante do gás, Mg a massa do gás, define-se uma variável m = Mg V
que é a massa de ar em um determinado volume de lı́quido. Nessas condições, a
lei dos gases juntamente com a equação 6.4 resulta em:
mRg T
α= (6.6)
p∗g

6.2.2 Calculando efeitos do ar livre na velocidade da onda acústica

Recordando a expressão para a velocidade da onda acústica a em condutos elásticos


transportando fluidos sem presença de gases (equação 2.17):
K
2 ρ
a = K ∆A
1 + A ∆p

Para o cálculo da velocidade da onda acústica da mistura a0 é necessário a


inclusão dos efeitos do gás livre. Isso requer apenas que o valor de ρ e K sejam
aqueles resultantes da mistura de ar e água. A densidade média é calculada como
sendo:
ρm = ρg α + ρl (1 − α) (6.7)
onde ρg e ρl referem-se as densidades do ar livre e da água. Já o módulo de elasti-
cidade da mistura é dado por:
Kliq Kliq
K= ≈ (6.8)
1 + (Vg /V)(Kliq /Kg − 1) 1 + α(Kliq /Kg )
onde incluiu-se a simplificação que a relação Kliq /Kg À 1. Substituindo-se na
equação 2.17 os resultados das equações 6.7 e 6.8 e após alguma algebra, chega-se
a expressão:
a2
a2m = ³ ´ (6.9)
2
(1 − α) 1 + αρl a /pg ∗

Considerando que a quantidade 1 − α ≈ 1, a expressão acima pode ser simpli-


ficada para:
a2
a2m = (6.10)
1 + αρl a2 /p∗g

Finalmente, α pode ser eliminado da expressão acima uma vez que existe uma
relação inversa entre essa variável e a pressão p∗g (equação 6.6):

a2
a2m = (6.11)
1 + mρl Rg T a2 /p∗2
g
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 70

Para ilustrar o efeito combinado da pressão piezométrica absoluta Ha∗ e da


quantidade inicial de ar na magnitude da onda acústica, apresentam-se as Figuras
6.1 e 6.2. O teor de ar referenciado nas figuras corresponde às condições de pressão
atmosférica. Percebe-se que mesmo para teores relativamente elevados de ar livre,
um aumento na pressão do escoamento eleva a velocidade da onda acústica aos
patamares esperados no caso onde não há presença de gás.

Figura 6.1: Velocidade da onda acústica para diferentes misturas de ar e água e


conduto com (K/E)(D/e) = 0.263. Adaptado de [WS93]
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 71

Figura 6.2: Velocidade da onda acústica para diferentes misturas de ar e água e


conduto com (K/E)(D/e) = 1.00. Adaptado de [WS93]

6.3 Modelando o escoamento transiente considerando a


presença de gás

A derivação das equações transientes considerando a presença de gás pode seguir


por duas alternativas. A primeira delas baseia-se na construção de novas equações
diferenciais parciais que consideram ambas fases misturadas. Tais equações po-
dem ser transformadas pelo método das caracterı́sticas em equações diferenciais
ordinárias, tal como feito anteriormente para as equações de massa e momento para
a água. Contudo, ao invés de termos linhas caracterı́sticas propagando-se linear-
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 72

mente no domı́nio x − t, tem-se linhas curvas nesse espaço uma vez que tanto V
quanto am variam ao longo do espaço devido as variações de pressão. Isso impos-
sibilita o uso de passos de tempo pre-estabelecidos, dificultando o procedimento
de solução.
A segunda alternativa, que é apresentada nesse material, aplica uma hipótese
muito mais simples onde bolsões de gás são acumulados nos pontos computacio-
nais, e faz-se o aumento ou redução do volume desses bolsões de ar a depender
da variação das pressões nesse local. Tal modelo é denominado Discrete Free-Gas
Cavity Model por [WS93], e as linhas gerais desse modelo são apresentadas a se-
guir. Esse modelo apresenta bons resultados desde que a quantidade de ar livre seja
pequena, hipótese razoável para as aplicações em saneamento

6.3.1 Descrição do modelo

Considera-se nesse modelo que entre dois nós de cálculo existe água pura (sem
presença de gás). Cada um dos nós computacionais tem uma determinada quan-
tidade de gás, e tal configuração resulta numa propagação da onda acústica que
aproxima-se dos valores que seriam obtidos com uma mistura homogênea de ar
livre e água. Um esquema do modelo pode ser observado na Figura 6.3.

Figura 6.3: Esquema do modelo para simulação de escoamentos transientes consi-


derando ar livre. Adaptado de [WS93]
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 73

Se o fluido possui uma fração de ar αo em uma pressão de referência, a lei dos


gases pode ser usada para escrever:

Mg Rg T = p∗g αV = p∗o αo V (6.12)

Por conveniência, expressa-se a pressão do ar livre na água em termos da linha


piezométrica, na forma:
p∗g = ρl g(H − z − Hv ) (6.13)
onde H representa a carga piezométrica e z é a distância da adutora ao datum de
referência. Hv é a pressão de vapor relativa calculada como Hv = p∗v /ρl g − Hb ,
sendo Hb a pressão barométrica. Como o volume em uma seção de cálculo é
constante, as duas relações anteriores podem ser usadas para determinar o volume
de ar livre nas condições iniciais e para cada um dos passos de tempo, na forma:
p∗o αo V
Vg0 = (6.14)
p∗g

Para um determinado problema, a quantidades C1 = p∗o αo V e C3 = p∗o αo V/ρl g


são constantes, e com isso pode-se escrever:
C1 /ρl g C3
Vg0 = = (6.15)
H − z − Hv H − z − Hv

Figura 6.4: Grid do MOC para simulação de escoamentos transientes considerando


ar livre. Adaptado de [WS93]
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 74

Conforme pode ser observado na Figura 6.4, existem duas equações carac-
terı́sticas para serem resolvidas no nó computacional:

C+ : H = CP − BP QPu (6.16)

C− : H = CM − BM QP (6.17)

É importante notar que nessas equações caracterı́sticas os valores QPu e QP


são distintos, embora a pressão no nó seja a mesma. A continuidade local nesse
ponto é calculada como uma expressão da taxa de variação com o tempo do bolsão
de ar no nó computacional:
dVg
= −(Qentrada − Qsaida ) (6.18)
dt

É necessário promover-se uma integração numérica da equação acima para que


a mesma seja incluı́da na solução. Assim:

Vg0 − Vg = −2∆t(Qentrada − Qsaida ) (6.19)

onde Vg0 é o volume de ar após o intervalo 2∆t.


A estimativa dos valores de Qentrada e Qsaida deve ser baseada nos valores de
vazão à montante e a jusante do nó ao longo do intervalo de tempo 2∆t. Assim o
valor Qentrada deve ser ponderado a partir dos valores QPu e Qu , enquanto Qsaida
deve ser ponderado a partir dos valores Q e QP . Esse fator de ponderação ψ é
calculado como ψ = ∆t0 /2∆t, e deve estar entre os valores 0.5 < ψ < 1.
Dessa forma, a evolução do volume de ar livre no nó de cálculo será:
h i
Vg0 = Vg + 2∆t ψ(QP − QPu ) + (1 − ψ)(Q − Qu ) (6.20)

Se for adotado a recomendação dada no livro de [WS93] para o valor ψ = 0.5,


a expressão acima torna-se:
h i
Vg0 = Vg + ∆t (QP − QPu ) + (Q − Qu ) (6.21)

Levando as equações 6.15, 6.16 e 6.17 para a equação 6.20, o resultado é a


equação quadrática:

(H − z − Hv )2 + 2B1 (H − z − Hv ) − C4 = 0 (6.22)

onde
C3 BM BP B2
C4 = (6.23)
∆tψ
A variável B1 é calculada como sendo:
z + Hv
B1 = −B2 (BP CM + CP BM ) + B2 BP BM Bv + (6.24)
2
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 75

onde B2 e Bv são definidos como:


1
B2 = (6.25)
2(BM + BP )
Vg
2∆t + (1 − ψ)(Q − Qu )
Bv = (6.26)
ψ
A equação 6.22 apresenta duas soluções:
³ p ´
H − z − Hv = −B1 1 + 1 + BB se B1 < 0 (6.27)
³ p ´
H − z − Hv = −B1 1 + 1 − BB se B1 > 0 (6.28)
C4
onde BB = B12

Contudo, essa solução pode ser instável para cálculo computacional se o valor
de |BB | ¿ 1, por exemplo |BB | < 0.001. Nesse caso, o valor dentro da raiz
quadrada é muito próximo a unidade, o que leva ao comportamento errático da
solução. Nesse caso, aplica-se uma linearização das equações, resultando em:
C4
H − z − Hv = −2B1 − se B1 < 0 (6.29)
2B1
C4
H − z − Hv = se B1 > 0 (6.30)
2B1
Esse extenso procedimento de cálculo pode ser resumido nos seguintes passos:

• Parte-se de valores conhecidos: Qu , Q, CM , BM , CP , BP , Vg , ∆t, Hv e


do valor da distância do datum ao nó de cálculo z;

• Calcula-se as variáveis auxiliares C1 , C3 , B2 , Bv , C4 e B1 , nessa seqüência;

• Calcula-se o valor de H, observando-se o sinal de B1 e a magnitude de


C4 /B12 , utilizando-se uma das equações de 6.27 até 6.30

• Leva-se o valor de H para as equações 6.16 e 6.17 de forma a obter os valores


QPu e QP , respectivamente.

• Atualizar o valor do volume da cavidade Vg

6.3.2 Implementação do modelo

Uma versão do módulo de cálculo dos nós internos do modelo GCAV apresentado
por [WS93] e traduzido à linguagem Object PASCAL pelo autor é apresentada
abaixo como um apoio àquele leitor que deseje implementar esse programa com-
putacional:
CAPÍTULO 6. SEPARAÇÃO DE COLUNA 76

{*****************************************************************************}
{Calculo dos nos internos - refazer para cada passo de tempo}
{*****************************************************************************}
T:= T+2*dT;
for i2:=2 to 3 do
begin
i:=i2;
while i<=N do
begin
Quo:=Qu[i];
Qo:=Q[i];
Ho:=H[i];
CP:=H[i-1]+Q[i-1]*B;
CM:=H[i+1]-Qu[i+1]*B;
BP:=B + R*abs(Q[i-1]);
BM:=B + R*abs(Qu[i+1]);
B2:=0.5/(BP+BM);
C4:=RTM[i]*0.5/(dT*PSI)*BM*BP/(BM+BP);
BV:=((1-PSI)*(Qo-Quo)+Vcav[i]*0.5/dT)/PSI;
B1:=-B2*(BP*CM + CP*BM)+B2*BP*BM*BV + (EL[i]+Hv)/2;
if BV<0 then BV:=0;
Hvapp:=(BP*CM+CP*BM)/(BP+BM);
if Vcav[i]>0 then
begin
if B1<>0 then
begin
BB:=C4/sqr(B1);
//Checar se a linearizacao eh necessaria
if BB<0.001 then
if B1<0 then H[i]:=EL[i]+Hv-B1*2-C4/(2*B1)
else H[i]:=EL[i]+Hv+C4/(2*B1)
else
if B1<0 then H[i]:=EL[i]+Hv-B1*(1+sqrt(1+BB))
else H[i]:=EL[i]+Hv-B1*(1-sqrt(1+BB))
end
else H[i]:=EL[i]+Hv+sqrt(C4);
end;
Qu[i]:=(CP-H[i])/BP;
Q[i]:=(H[i]-CM)/BM;
if (Hvapp<Hv+EL[i]) and (Hvap[i]>Hv+EL[i]) then
begin
dtt:=(HV+EL[i]-Hvapp)/(Ho-Hvapp)*dT*2;
Vcav[i]:=Vcav[i]+dtt*PSI*(Qpoint[i]-Qu[i]);
end
else
Vcav[i]:=Vcav[i]+2*dT*(PSI*(Qpoint[i] - Qu[i])+(1-PSI)*(Qo-Quo));
// Use lei dos gases para calcular o volume dos gases se a cavidade desaparece
// quando a presao aumenta
if Vcav[i]<=0 then Vcav[i]:=RTM[i]/(Hpoint[i]-EL[i]-HV);
Hvap[i]:=Hvapp;
i:=i+2;
end;
end; // Fim dos calculos dos nos pares ou impares
Capı́tulo 7

Transientes Em Bombas

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


7.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.2 Descrição do problema proposto . . . . . . . . . . . . . . . 78
7.2.1 Descrição do evento de parada súbita de bombas . . . 79
7.2.2 Caracterı́sticas gerais do funcionamento de bombas . . 81
7.3 Cálculo transiente da parada de bombas . . . . . . . . . . 84
7.3.1 Variação da carga piezométrica . . . . . . . . . . . . . 84
7.3.2 Variação do torque da bomba . . . . . . . . . . . . . . 86
7.3.3 Solução pelo método de Newton-Raphson . . . . . . . 87
7.4 Start-up de sistemas de bombeamento . . . . . . . . . . . . 90

7.1 Introdução

Para a área de saneamento, uma das grandes preocupações no projeto e operação


de sistemas no que tange a efeitos transientes é relacionado a parada ou partida de
bombas. Quando essas operações são realizadas de maneira bem gradual, minimizam-
se as sobre-pressões que o sistema de recalque pode experimentar. Nesses ca-
sos, as formulações apresentadas para o tratamento de condição de contorno de
bombeamento, apresentadas anteriormente (ver por exemplo a equação 5.37 e dis-
cussão relacionada). Mas na eventual falha do sistema de bombeamento devido
a interrupção no abastecimento de energia, não é possı́vel garantir que haja uma
parada gradual no sistema.
Para essas situações é necessário entender com mais detalhes os eventos num
sistema de bombeamento durante uma eventual falha no fornecimento de energia.
É importante entender, por exemplo:

77
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 78

• Como é o funcionamento de uma bomba fora da região de trabalho.


• Como o fechamento de uma válvula concomitantemente com a falha no for-
necimento de energia afeta os cálculos
• Como esses cálculos são modificados no caso de sistemas de bombeamento
complexos (bombas em série e em paralelo)
• Como o rápido inı́cio de um sistema de bombeamento

Esse capı́tulo contextualiza o problema detalhado de transientes em sistemas


de bombeamento apresentando o mesmo em sua forma mais simples. Esse pro-
blema contém uma bomba isolada ligada a uma linha de recalque por meio de uma
válvula de retenção. A partir da compreensão do funcionamento desse problema,
apresenta-se brevemente como tal problema poderia ser estendido para os casos de
bombas idênticas em paralelo.

7.2 Descrição do problema proposto

Deseja-se analisar um caso de parada súbita de um sistema de bombeamento em


decorrência da interrupção no abastecimento de energia elétrica. O sistema conta
com uma bomba que possui uma válvula pneumática imediatamente a jusante, pro-
gramada para fechar a linha de recalque na eventualidade de faltar energia elétrica,
fechamento este que pode ser descrito através de uma relação τ (t). O esquema
desse problema é apresentado na Figura 7.1

Figura 7.1: Esquema do problema transiente de parada de bombas proposto.

O problema é composto por quatro elementos fundamentais: a linha de sucção,


a bomba, a válvula e a linha de recalque. Todos esses elementos interagem de
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 79

forma dinâmica em uma parada súbita do sistema. Três pontos significativos po-
dem ser selecionados entre esses quatro elementos: ponto a, entre a linha de sucção
e a bomba; ponto b entre a bomba e a válvula; ponto c entre a válvula e a tubulação
de recalque.
As equações básicas por trás desse problema são:

1. Equação de balanço de pressão através da bomba:

Ha = H + Hb (7.1)

onde H é a pressão piezométrica conferida pela bomba ao sistema.

2. Continuidade de vazão, assumindo desprezı́vel a capacidade de armazena-


mento entre os pontos a e c, e consequentemente:

Qa = Qb = Qc (7.2)

3. Relações homólogas das bombas: Assume-se que seja válido que a variação
da vazão e pressão piezométrica da bomba dê-se em termos da rotação das
bombas de acordo com as expressões:
H1 H2 Q1 Q2 T1 T2
2 = 2 = 2 = 2 (7.3)
N1 N2 N1 N2 N1 N2

onde N é a rotação das bombas, T o torque no eixo do motor e os subscritos


1 e 2 referem-se a duas rotações distintas.

7.2.1 Descrição do evento de parada súbita de bombas

Os eventos que seguem a interrupção do abastecimento de energia a uma bomba


podem ser enumerados na seguinte seqüencia:

1. A falta de energia energia no motor elétrico resulta em uma queda na pressão


e vazão na bomba, que (assume-se) possam ser descritas de acordo com as
relações homólogas;

2. A queda de pressão causa uma desaceleração no escoamento na linha de


recalque. Eventualmente a velocidade do escoamento anula-se e a vazão
reverte-se;

3. Se a linha de recalque contar com alguma válvula de retenção na saı́da da


bomba, logo após a reversão de vazão na válvula de retenção a mesma se
fechará, causando um pulso de pressão. A vazão na bomba passa a ser zero
nesse caso;
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 80

4. Caso não haja válvula de retenção, a vazão revertida passará pela bomba no
sentido à linha de sucção;

5. Paralelamente à desaceleração da vazão, a velocidade angular do rotor da


bomba decai em uma taxa que depende da inércia rotacional do impelidor
da bomba, incluindo a massa lı́quida no mesmo, e da inércia do conjunto ro-
dante do motor elétrico. Em alguns casos a bomba conta com um mecanismo
que impede o rotor da bomba gire em sentido invertido (trava Ratchet).

São definidas quatro Zonas de Operação da bomba a partir dos valores de vazão
e rotação da bomba durante o evento transiente:

• Zona Normal: Tanto a vazão do sistema quanto a rotação do rotor têm valores
positivos;

• Zona de Dissipação: A vazão do sistema encontra-se revertida, mas o rotor


ainda gira em direção positiva;

• Zona de Dissipação Revertida: A vazão do sistema está positiva, mas o rotor


já começou a girar em direção oposta;

• Zona de Turbina: Tanto a vazão do sistema quanto a rotação do motor estão


em sentido negativo. É um funcionamento análogo ao de uma turbina.

O aspecto transiente do problema reflete-se em diferentes pontos. Primeira-


mente, a interrupção da energia fará com que haja variação de H, Q e T levando a
condições de operação distantes daquelas esperadas em escoamento permanente. O
conhecimento detalhado das caracterı́sticas de funcionamento das bombas nessas
condições é portanto necessário.
Em segundo lugar, o conjunto rodante, composto pelo rotor da bomba e a massa
de água dentro do rotor, possui certa inércia rotacional que impede que a mudança
extremamente rápida da rotação. É preciso considerar essa inércia durante o evento
transiente, uma vez que isso pode amortecer em certa medida os efeitos negativos
da sobre-pressão.
Finalmente, a queda na pressão da bomba cria uma onda de baixa pressão na
linha de recalque. Já a linha de sucção experimenta um acréscimo de pressão
devido a parada da sucção da bomba. Em ambos os casos essas linhas respondem
dinamicamente a esse estı́mulo transiente, que afetam como o escoamento ocorrerá
no sistema. A consideração de todos esses aspectos é fundamental para que o
problema apresentado possa ser propriamente tratado, e tal é feito na discussão a
seguir.
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 81

7.2.2 Caracterı́sticas gerais do funcionamento de bombas

Em condições normais, a bomba está na rotação nominal projetada, e apresenta


vazão positiva (quando a vazão dá-se do flange de sucção para o flange de recal-
que), a pressão piezométrica H conferida ao sistema maior que zero e o torque
do motor é maior que zero. Para a análise do comportamento da bomba à me-
dida que a rotação varia, [WS93] diz ser conveniente designar algumas variáveis
adimensionais:
H T Q N
h= β= v= α= (7.4)
HR TR QR NR
onde o subscrito R designa as condições de referência, para as quais a bomba
opera normalmente. Com isso, as relações homólogas podem ser representadas em
termos adimensionais como sendo:
h v h v
2
= 2
= (7.5)
α α β α

Assim, de acordo com as relações homólogas, a curva de pressão/vazão da


bomba para qualquer valor da rotação α pode ser obtida plotando os valores de
h/α2 contra os valores de v/α. Em termos computacionais, contudo, tal designação
não é adequada porque é possı́vel que os valores de α assumam valor zero. Essas
dificuldades podem ser superadas por se a representação das variáveis é feita por
meio de duas funções WH (x) e WB (x), definidas como:

h
WH (x) = (7.6)
α2 + v2
β
WB (x) = (7.7)
α2 + v 2
onde:
v
x = π + tan−1 (7.8)
α
A variável x permite representar todas as condições de vazão e rotação nas
quatro Zonas de Operação possı́veis durante eventos transientes. Para cada um
desses valores de x atribui-se um determinado valor de pressão piezométrica e
torque (representados em termos de h e β).
Os valores das funções WH (x) e WB (x) podem ser obtidas direta ou indire-
tamente por meio das curvas caracterı́sticas supridas pelos fabricantes e pelo uso
das relações homólogas. Esses valores, contudo, são supridos normalmente apenas
para as condições da Zona Normal de operação (valores de x entre π e 3π/2).
Para completar os valores das funções WH (x) e WB (x) em outros valores de
x aplica-se um procedimento que deve ser visto com uma certa cautela. As curvas
dessas funções tendem a apresentar o mesmo formato para bombas com valores
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 82


similares de rotação especı́fica, definida como Ns = N Q/H 0.75 . Experimentos
foram feitos por Hollander com três bombas tipos de bombas, cada uma com valor
de rotação especı́fica caracterı́stica de outros modelos comerciais de bombas (Ns =
25, Ns = 147 e Ns = 261, usando unidades SI). Esses valores tabulados são
apresentados na Figura 7.3. Um exemplo desses dados de WH e WB , para o caso
de Ns = 25, é plotado na figura 7.2.

Figura 7.2: Gráfico das funções WH (x) e WB (x) para o caso onde Ns = 25 .
Adaptado de [WS93].
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 83

Figura 7.3: Valores tabulados de WH (x) e WB (x) para x entre 0 e 2π, em interva-
los de π/44, para três valores de rotação especı́fica. Adaptado de [WS93].

Em que pese que não haja qualquer garantia que tal procedimento resulte em
valores precisos para WH (x) e WB (x) para qualquer que seja a bomba operando
fora do regime normal, são esses os valores usados por base na construção de pro-
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 84

gramas transientes que levam em consideração a parada súbita de sistemas de bom-


beamento. Tal fato demanda assim que os resultados sejam vistos com uma certa
cautela. Bombas com valores de rotação especı́fica diferentes devem ter valores de
WH (x) e WB (x) estimados com a partir dos valores apresentados nas tabelas da
Figura 7.3.
No que tange à estimativa dos valores de inércia do impelidor, da massa de água
no mesmo, e do conjunto rodante do motor, tal informação pode ser obtida com
o fabricante do modelo de bomba em questão. No caso de estudos preliminares
onde ainda não seja conhecido que tipo de bomba será utilizado, os resultados
apresentados por Thorley, obtidos a partir de regressão linear usando dados de
fabricantes, podem ser utilizados nessa estimativa. Nesse caso, a inércia total a ser
considerada nos cálculos é dada por:

I = Ip + Im (7.9)

onde Ip é a inércia do conjunto impelidor e água no rotor,calculado como sendo:


³ P ´0.9556
Ip = 1.5(10)7 (7.10)
N3
Onde P é a potência transferida do motor à bomba em kilowatts em condições nor-
mais de operação e N é a rotação da bomba (em RPM) nessas mesmas condições.
Já a inércia do conjunto rodante do motor Im é calculado como
³ P ´1.48
Im = 118 (7.11)
N
onde P e N como definidos anteriormente para Ip .

7.3 Cálculo transiente da parada de bombas

7.3.1 Variação da carga piezométrica

Tomando como referência a Figura 7.1, podemos definir uma equação caracterı́stica
C+ entre a linha de sucção e o flange de entrada da bomba, na forma:

Fa = Ha − CP + BP Q = 0 (7.12)

Da mesma forma, uma equação C− entre o flange de saı́da da válvula e a


entrada da linha de recalque pode ser escrita na forma:

Fc = Hc − CM + BM Q = 0 (7.13)

O valor da pressão piezométrica no flange de saı́da da bomba Hb e a saı́da da


válvula Hc são relacionados por uma expressão de perda de carga localizada, na
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 85

forma:
Q|Q|
F 3 = Hb − Hc − =0 (7.14)
2Cv
onde Cv = QR τ 2 /(2∆Ho ), sendo ∆Ho a perda de carga na válvula quando a
vazão é Qo e τ = 1.
Da equação 7.1, e utilizando as relação adimensionais para a carga piezométrica,
pode-se escrever a relação entre a pressão entre o flange de entrada e saı́da da
bomba:
H = Hb − Ha = HR h = HR (α2 + v 2 )WH (7.15)

Utilizando as equações 7.12,7.13 e 7.14 na equação 7.15, chega-se a expressão:


v|v|∆Ho
FH = CP − CM − vQR (BP + BM ) − + HR (α2 + v 2 )WH = 0 (7.16)
τ2

A expressão acima tem duas incógnitas (α e v), sendo as demais variáveis co-
nhecidas de passo de tempo anterior. A avaliação de WH contudo é complicada
pelo fato de não haver uma expressão para essa função. Por exemplo, são apresen-
tados na Figura 7.3 os valores de WH para apenas 89 pontos, igualmente espaçados
em intervalor de π/44, entre 0 e 2π. Se se conhece o valor x onde a função WH
deve ser calculada, a aproximação por uma linha reta de dois pontos subseqüentes
(jπ/44 e (j + 1)π/44) fornece resultados com precisão suficiente. Se os dados da
Figura 7.3 são utilizados, os detalhes desse procedimento são os seguintes:

1. Determinar o valor inicial de α e v de forma a calcular o valor de x pela


equação 7.8
2. Calcular as coordenadas discretas (j, j + 1) da Figura 7.3 que correspondem
ao intervalo que contém x
v
x π + tan−1 α
j= +1= +1 (7.17)
π/44 π/44

3. Aproximar a função WH (x) no intervalo (j, j + 1) por uma linha reta, na


forma:
WH (x) = A0 + A1 x (7.18)
Onde:
WH (j + 1) − WH (j)
A1 = A0 = WH (j + 1) − A1 .jπ/44 (7.19)
π/44

Com esse procedimento para avaliar o valor de WH , a expressão resultante para


representar a variação da pressão durante o evento de parada da bomba é:
v|v|∆Ho
FH = CP − CM − vQR (BP + BM ) − + HR (α2 + v 2 )(A0 + A1 x) = 0
τ2
(7.20)
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 86

Como no caso da equação 7.16, há apenas duas incógnitas na expressão, que são
os valores de α e v. Uma outra equação precisa ser derivada para a solução desse
problema, e tal é feito a partir da expressão da variação do torque da bomba com a
variação da rotação.

7.3.2 Variação do torque da bomba

O torque do motor elétrico na bomba é definido como:

T = γQH/(ηω) (7.21)

onde γ é o peso especı́fico, η o rendimento hidráulico da bomba e ω a velocidade


angular do eixo do motor, em radianos por segundo. A variação da velocidade ro-
tacional depende do desequilı́brio de torque aplicado na bomba, através da relação:

dω W Rg2 dω
T = −I =− (7.22)
dt g dt
onde I é o momento de inércia rotacional do conjunto, W é o peso do conjunto
rodante e Rg o raio de giração do conjunto, e dω/dt a aceleração angular.
Por outro lado, pode-se escrever:
2π T0 T0
ω = NR α βo = β= (7.23)
60 TR TR

A integração da equação 7.22 e o uso das equações acima permite escrever:


N R π α − α0
β = −I − β0 (7.24)
TR 30 ∆t
onde os subscritos 0 referem-se a valores da velocidade e torque adimensionais
dois passos de tempo anteriores (t − 2∆t), que correspondem a última ocasião em
que a condição de contorno foi calculada.
Definindo um termo constante CT na forma:
NR π
CT = I (7.25)
TR 30∆t
é possı́vel reescrever a equação 7.24 utilizando a fórmula para WB (x) de forma a
obter:
FT = β + β0 − CT (α0 − α) (7.26)
FT = WB (x)(α2 + v 2 ) + β0 − CT (α0 − α) (7.27)

Como no caso de WH (x), os valores de WB (x) não são disponı́veis de forma


contı́nua, mas podem ser calculados, por exemplo, a partir da aproximação linear
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 87

de dois pontos subseqüentes na Figura 7.3. Para essa linearização, segue-se um


procedimento análogo àquele apresentado para WH , ou seja:

WB (x) = B0 + B1 x (7.28)

Onde:
WB (j + 1) − WB (j)
B1 = B0 = WB (j + 1) − B1 .jπ/44 (7.29)
π/44

Tal procedimento finalmente resulta na equação:

FT = (B0 + B1 x)(α2 + v 2 ) + β0 − CT (α0 − α) (7.30)

onde as únicas incógnitas são α e v. A equação 7.30 juntamente com a equação


7.20 são solucionadas, e a partir dos valores conhecidos de α e v calculam-se os
valores de rotação e vazão no sistema. A partir desses valores todos os valores de
pressão e perda de carga no sistema podem ser determinados.
As equações 7.30 e 7.20 constituem um sistema de duas equações eminen-
temente não lineares. O procedimento de solução adotado para a solução das
mesmas é baseado em um processo iterativo conhecido como método de Newton-
Raphson. Embora de conhecimento daquele leitor familiarizado com técnicas de
cálculo numérico, o mesmo pode ser desconhecido por outros. Apresenta-se a se-
guir um breve resumo acerca da utilização desse método.

7.3.3 Solução pelo método de Newton-Raphson

O método de Newton-Raphson é um dos métodos mais eficientes e rápidos para a


localização de raı́zes de equações. O método parte de um valor estimado para a
raiz do problema xk em uma determinada iteração k. A relação iterativa utilizada
pelo método de Newton-Raphson é

f (xk )
xk+1 = xk −
f 0 (xk )

onde o subscrito k refere-se a iteração de cálculo.


CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 88

Figura 7.4: Exemplo de aplicação do método de Newton-Raphson. Adaptado de


http://en.wikipedia.org

Conforme visto na Figura 7.4, o valor de f (xk ) para a primeira iteração k = 1


não é necessariamente igual a zero, mas busca-se com o conhecimento dos valores
de xk , f (xk ) e o valor numérico da derivada f 0 (xk ) localizar um novo valor xk+1
que tenha um valor de f (xk+1 ) mais próximo a raiz do problema. A iterações vão
prosseguindo até que o valor de f (xk ) esteja suficientemente próximo a zero.
Por exemplo, vamos usar o método de Newton-Raphson para a solução de um
problema hidráulico não-linear, que é o cálculo da profundidade conjugada de um
ressalto: q
h2 1h i
= 1 + 8 Fr21 − 1
h1 2
onde os subscritos 1 e 2 definem as condições de profundidade h e número de
Froude Fr a montante e jusante do ressalto respectivamente. Sabendo da profun-
didade no ponto 2, pretende-se calcular o valor da mesma no ponto 1. Reescreve-
se √ √ a eliminar o número de Froude. Assim, fazendo Fr =
a equação de forma
V / gh1 = Q/(Lh1 gh1 ), tem-se a função:

h2 1 ³ Q2 ´0.5
− 1+8 2 3 + 0.5 = 0
h1 2 L h1 g
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 89

A derivada da função acima em termos de h1 é igual a:


s
2 L2 h1 3 g + 8. Q2 2 2
6 Q − h2 2h 3g
L h1 g
L 1
f 0 (h1 ) = s
L2 h1 3 g + 8. Q2 2 4
L h1 g
L2 h1 3 g

Assim, a partir de um valor assumido de xk , calcula-se os valores numéricos de


f (xk ) e f 0 (xk ) com as expressões obtidas e leva-se na relação iterativa do método
xk+1 = xk − ff0(x k)
(xk ) . Testa-se se o valor da função f (xk ) está suficientemente perto
do zero, e caso não esteja repete-se o procedimento.
Essa mesma lógica pode ser aplicada na solução de sistemas de equações não
lineares com duas variáveis. Nesse caso, ao invés de diferenciais simples é ne-
cessário o uso de diferenciais parciais em termos de cada uma das variáveis que
procura-se solucionar. De acordo com [WS93], para o caso das funções FH e FT
das equações 7.30 e 7.20, tal pode ser expresso na forma:

∂FH ∂FH
FH + ∆v + ∆α = 0
∂v ∂α (7.31)
∂FT ∂FT
FT + ∆v + ∆α = 0
∂v ∂α

As derivadas parciais de FH e FT podem ser escritas na forma:

∂FH 2|v|∆Ho h ³ ´i
−1 v
= −QR (BP + BM ) − + H R 2v A0 + A1 π + tan + HR A1 α
∂v τ2 α
∂FH h ³ v ´i
= HR 2α A0 + A1 π + tan−1 − HR A1 v
∂α α
∂FT h ³ v ´i
= 2v B0 + B1 π + tan−1 + B1 α
∂v α
∂FT h ³ v ´i
= 2α B0 + B1 π + tan−1 + B1 v + CT
∂α α
(7.32)

Em todas essas expressões é necessário uma primeira estimativa para o cálculo


iterativo das raı́zes de α e v. Para tanto, [WS93] sugere que sejam utilizados os
valores para essas variáveis obtidos a partir dos últimos cálculos, o primeiro 2
passos de tempo anteriores (subscrito 0), e o segundo 4 passos de tempo anteriores
(subscrito 00), na forma αinicial = 2α0 − α00 e vinicial = 2v0 − v00 .
Com valores estimados de α e v, tem-se condições de calcular numericamente
os valores de FH , FT e de suas derivadas parciais definidas pela equação 7.32.
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 90

Nesse ponto, isola-se os valores de ∆α e ∆v da equação 7.32, se forma a obter:


FT /(∂FT /∂v) − FH /(∂FH /∂v)
∆α =
(∂FH /∂α)/(∂FH /∂v) − (∂FT /∂α)/(∂FT /∂v)
(7.33)
FH (∂FH /∂α)
∆v = − − ∆α
(∂FH /∂v) (∂FH /∂v)

Os valores ∆α e ∆v correspondem à distância entre o valor de nossa estima-


tiva inicial para essas variáveis e os valores dessas mesmas variáveis na iteração
seguinte, ou seja:
αnovo = α + ∆α
(7.34)
vnovo = v + ∆v

Com esses valores novos de α e v, calculam-se os novos valores para FH , FT


e respectivas derivadas parciais definidas pela equação 7.32. Com esses valores,
novas correções ∆α e ∆v são obtidas. Essas correções permitem uma nova e me-
lhor estimativa para α e v. Esse processo iterativo continua até que essas correções
tornem-se muito pequenas, por exemplo, da ordem de 0,0001.
Esse procedimento é requerido para o cálculo dessa condição de contorno, por-
tanto a cada 2 passos de tempo. Embora relativamente complexo, trata-se de ”ape-
nas”a associação de uma bomba e uma adutora. Para os casos comuns em sanea-
mento em que faz-se de associação em paralelo de bombas, o sistema de equações
lineares cresce em 2 equações para cada uma bomba adicional colocada em para-
lelo.
Contudo, algumas simplificações importantes são possı́veis de ser introduzidas
para o caso em que hajam n bombas em paralelo que sejam idênticas. Nesse caso,
é possı́vel transformar o sistema em uma única bomba equivalente. Utiliza-se a
vazão do sistema como a soma das vazões QR de uma bomba isolada, ou QReq =
nQR . Os demais parâmetros NR , HR , TR , W Rg2 e ∆H0 são considerados como
os de uma unidade isolada.

7.4 Start-up de sistemas de bombeamento

As condições transientes relacionadas ao inı́cio de bombeamento são compara-


tivamente mais amenas no que tange a problemas de sobre-pressões transientes.
Nessas condições admite-se uma simplificação no sistema de equações 7.30 e 7.20
seja introduzida, simplificando o cálculo da variável α na forma:
t
α = NR max(1, ) (7.35)
Ts
onde t é o tempo após o inı́cio da bomba e Ts o tempo requerido para a bomba
atingir a rotação nominal NR .
CAPÍTULO 7. TRANSIENTES EM BOMBAS 91

Com isso, as equações não-lineares passam a ter solucionadas apenas para o


valor de v, sendo o valor de α especificado de acordo com a relação acima. Isso
permite que outras técnicas mais simples, tal como o método da Posição Falsa, tal
como explicado por [PFTV89], para achar os valores de v. Com valores de α e v
definidos, os demais parâmetros do escoamento podem ser determinados.
.
Capı́tulo 8

Proteção Contra Transientes

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


8.1 Reduzindo a velocidade da onda acústica em condutos . . . 93
8.2 Válvulas de Retenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
8.3 Válvulas de Alı́vio e By-pass em Elevatórias . . . . . . . . . 94
8.4 Volantes de Inércia e Inversores de Freqüência . . . . . . . 97
8.5 Chaminés de equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
8.5.1 Cálculo de chaminés de equilı́brio pelo método de Par-
makian . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
8.5.2 Cálculo de chaminés de equilı́brio por modelos numéricos.103
8.6 Tanques Unidirecionais e Stand pipes . . . . . . . . . . . . 105
8.7 Reservatórios de Ar Comprimido . . . . . . . . . . . . . . 106
8.7.1 Cálculo de reservatórios de ar comprimido pelo método
de Parmakian . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
8.7.2 Cálculo de reservatórios de ar comprimido usando mo-
delos numéricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

Em termos práticos, o projeto e a análise da operação de adutoras e outros sis-


temas de saneamento sujeitos a efeitos transientes deve incorporar a possibilidade
de sobre-pressões transientes. Nesses casos, é necessário verificar se a capacidade
de resistência dos condutos nesses locais é compatı́vel com os nı́veis de sobre e
sub-pressão antecipados na análise transiente.
Muito freqüentemente, a capacidade resistiva dos condutos é superada, e pode
haver duas alternativas para essas situações. A primeira é a seleção de outra alter-
nativa de material ou classe de conduto com maior tolerância a pressões elevadas.
Outra alternativa é a instalação de mecanismos que visam reduzir a intensidade
da variação de pressão transiente. Uma análise técnica e econômica geralmente é
requerida para que a configuração ideal seja alcançada, e é possı́vel que diversos
mecanismos tenham que ser considerados simultaneamente nessa análise.

92
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 93

Esse capı́tulo tem o objetivo de apresentar em linhas gerais alguns dispositi-


vos de proteção contra transientes. Entre os assuntos abordados inclui-se critérios
básicos de dimensionamento, descrição de como esses dispositivos atuam durante
eventos transientes, e como incluir o efeito desses dispositivos em modelos com-
putacionais baseados no método das caracterı́sticas.
Em situações reais, na busca de minimizar os custos entre dispositivos de
proteção contra transientes e o custo dos materiais que compõe a adutora, é ne-
cessário o uso de mais de um tipo de dispositivo de proteção contra transientes.
Nesse caso os critérios de dimensionamento aqui apresentados não são diretamente
aplicáveis, uma vez que tenderiam a superestimar as dimensões desses dispositivos.
Para essas condições é necessário o uso de um modelo numérico/computacional,
exemplificado pelos programas baseados no Método das Caracterı́sticas. Nesses
programas, cada um desses dispositivos é representado como sendo condições de
contorno, e as interações entre esses dispositivos podem ser representadas de forma
adequada.

8.1 Reduzindo a velocidade da onda acústica em condutos

Uma das formas de controle de pressões transientes elevadas é conseguir reduzir


a velocidade da onda acústica nesses sistemas. As formas para redução da velo-
cidade de onda acústica baseiam-se no aumento da capacidade de armazenamento
na seção transversal do conduto durante eventos transientes. Condutos de aço ou
ferro fundido têm pouca elasticidade, o que resulta em um grande aumento na ve-
locidade da onda acústica. Condutos mais flexı́veis, tais como aqueles feitos de
PVC, PEAD entre outros, têm velocidade de onda acústica bem menor que aquelas
de condutos metálicos, e sobre pressões transientes muito menores.
Há duas formas para conseguir a redução da velocidade da onda elástica, e
a primeira é a colocação de um conduto de menor calibre e com paredes muito
elásticas dentro do conduto de paredes metálicas. De acordo com [WS93], essa
alternativa foi concebida na década de 1950, e patenteada na França.
A outra alternativa apontada por [WS93] é a injeção de pequenas bolhas de
ar no escoamento. Embora possa parecer controversa, e desaconselhada por al-
guns autores, essa alternativa permitiria reduzir sensivelmente a velocidade da onda
acústica. Alguns cuidados devem ser tomados nesse tipo de alternativa, como ga-
rantir que sejam admitidas pequenas bolhas, de forma que não haja velocidade re-
lativa entre ar e água no escoamento (drift flux). É também necessário a instalação
de ventosas para eliminação de ar em pontos altos, onde pode haver formação de
bolsões, de forma a evitar perdas de carga localizadas.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 94

8.2 Válvulas de Retenção

Conforme já mencionado, existe um grande enfoque na mitigação de transientes


causados pela falha em sistemas de bombeamento decorrente de interrupção no
suprimento de energia elétrica. Em elevatórias, normalmente utiliza-se algum tipo
de válvula de retenção a jusante da bomba de forma a impedir que haja retorno do
escoamento e que a bomba gire em direção contrária a de projeto.
Idealmente a válvula deveria fechar no momento em que a velocidade do es-
coamento atingisse zero, mas em realidade tal não é observado. Em válvulas de
retenção reais, no momento em que há o fechamento já existe alguma velocidade
reversa. Essa velocidade é cresce com o valor da desaceleração média da coluna
de água.
Num levantamento produzido por Thorley, e apresentado por [WS93], válvulas
de retenção apresentaram valores de velocidade de reversão de 0.2 m/s até 2 m/s.
Esse comportamento é muito dependente do tamanho da válvula, do tipo e calibração
do sistema de molas, entre outros fatores. A obtenção do comportamento dinâmico
dessas válvulas deve ser tentada junto aos fabricantes da mesma.

8.3 Válvulas de Alı́vio e By-pass em Elevatórias

Um dos procedimentos comumente adotados em elevatórias na falta de energia


elétrica é fazer o fechamento de uma válvula de controle a jusante da elevatória
para tentar reduzir mais gradualmente a vazão no sistema de recalque. Mesmo com
esses procedimentos, é possı́vel que haja a formação de pressões baixas a jusante
da válvula, com possibilidade de desenvolvimento de cavitação. Esses bolsões de
água vaporizada, ao colapsarem, podem gerar picos de pressão capazes de danificar
o sistema de recalque.
Para evitar que tal condição ocorra uma alternativa adotada é o de colocar
um sistema de by-pass na estação de recalque. Tal sistema é composto de uma
tubulação de menor calibre que a tubulação do sistema adutor, e liga o reservatório
de sucção à linha de recalque, imediatamente após a válvula de controle. Nessa
linha também existe uma válvula de retenção, que se abre caso a pressão no re-
servatório de sucção seja superior ao da linha de recalque. Um esquema dessa
configuração é apresentado na Figura 8.1 (A). Essa é uma configuração que é reco-
mendada no caso de adutoras longas, onde não há muita preocupação no que tange
a reversão do escoamento.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 95

Figura 8.1: Esquemas de by-pass em elevatórias. Adaptado de [WS93]

Outra configuração possı́vel no caso de haver apenas uma válvula de retenção


a jusante das bombas é a instalação de uma linha de by-pass na estação de re-
calque que possua uma válvula de alı́vio, também denominada de válvula ante-
cipadora de golpe. Um esquema dessa configuração é apresentado na Figura 8.1
(B). Essa válvula deve ser aberta certo tempo após a falha nas bombas, e deve fe-
char lentamente de forma a evitar outro evento transiente. Outras variações dessa
configuração incluem a descarga da válvula para a atmosfera, mas nesse caso o
fator que determina o funcionamento das mesmas é a pressão na linha ter atingido
um determinado valor crı́tico.
A única forma de calcular-se com razoável precisão os efeitos do posiciona-
mento desses tipos de dispositivos em sistemas é por meio de modelos numéricos.
O tratamento em modelos numéricos das linhas de by-pass com válvulas de alı́vio
ou antecipadoras de golpe deve ser de forma análoga a uma junção com três ligações,
com a diferença que uma delas só torna-se ativa a partir de determinado valor de
pressão na junção. Uma simplificação válida é tratar a linha de by-pass para o re-
servatório por meio de uma equação que descreva a perda de energia entre a junção
e o reservatório. Assim, nessa junção, existem quatro incógnitas a serem resolvidas
(vazão em cada um dos condutos e pressão no nó), e há também quatro equações
disponı́veis: duas equações caracterı́sticas que chegam à junção, equação da conti-
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 96

nuidade e equação da energia entre a junção e o trecho com a válvula de alı́vio até
o reservatório de sucção. Em seu livro, [Tul89] apresenta o seguinte procedimento
para esse cálculo:

Equação C+:HPN V = CP − BQPN V


Equação C-:HPN V = CM − BQP D
Continuidade:QPN V = QP V + QP D (8.1)
QP V 2
Energia Válvula:HPN V = HRSU C + Kl
2gA2v

onde: QPN V é a vazão a montante da junção, QP D é a vazão a jusante da junção


na linha principal, QP V é a vazão do by-pass, HPN V é a pressão na junção,
HRSU C é a cota piezométrica no reservatório de sucção, Av é a área da seção
transversal da linha de derivação e finalmente Kl é o coeficiente de perda localizada
na linha derivação (da válvula, e incluindo perdas por atrito no conduto f L/D, caso
relevante). Um esquema dessa configuração é apresentado na Figura 8.2.

Figura 8.2: Esquema da análise de mitigação de transientes de pressão usando


válvula de alı́vio. Adaptado de [Tul89]

Após alguma álgebra, chega-se a uma expressão quadrática para o cálculo da


pressão piezométrica no nó:
Kl
C3 = ± (8.2)
2gA2v
B2
C4 = −CP − CM − (8.3)
4C3
B 2 HRSU C
C5 = 0.25(CP + CM )2 + (8.4)
4C3
p
HPN V = 0.5(−C4 ± C42 − 4C5) (8.5)
No cálculo de HPN V , quando o escoamento dá-se da junção para o reservatório
(HPN V > HRSU C ) o valor de C3 da equação 8.2 deve ser positivo, e o sinal da
raiz quadrada na equação 8.5 negativo. Caso contrário, considerar −C3 e o sinal
do termo da raiz quadrada positivo.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 97

É importante considerar que durante os eventos transientes o coeficiente da


válvula Kl deve ser majorado como conseqüência do estrangulamento causado
pela mesma. Para maior detalhamento nesse tópico sugere-se consultar [Tul89].

8.4 Volantes de Inércia e Inversores de Freqüência

Volantes de inércia são uma alternativa simples para a mitigação de transientes


em elevatórias. A idéia é a de aumentar a inércia rotacional das bombas, e com
isso reduzir a desaceleração da rotação das bombas no evento de falta de energia.
Embora simples, tais alternativas nem sempre são adotadas porque resultam em
motores elétricos de maior porte. Essas soluções, por outro lado, podem ser atrati-
vas em sistemas de bombeamento de alta vazão e pequenas alturas manométricas,
onde a preocupação com a reversão da vazão é mais reduzida. Para considerar-se o
efeito desses dispositivos na análise transiente é necessário promover a análise em
um modelo numérico baseado no MOC.
Inversores de freqüência podem ajudar, ainda que de forma limitada, a mitigar
transientes de pressão esperados durante o aumento de pressão piezométrica na
etapa de acionamento de bombas. Mesmo na parada programada de sistemas de
bombeamento, a redução mais gradual da vazão também pode mitigar os problemas
de sobre-pressões excessivas na parada do escoamento. Tais dispositivos, contudo,
não garantem proteção contra transientes em caso de falha no fornecimento de
energia, uma vez que nesse caso não haverá controle nenhum sobre a velocidade de
desligamento da bomba. Em outras palavras, a inclusão de inversores de freqüência
não descarta a instalação de dispositivos de proteção contra transientes.

8.5 Chaminés de equilı́brio

São tanques que apresentam diâmetros iguais ou maiores do que o conduto princi-
pal, diretamente conectados a estes e abertos à atmosfera. A inércia da massa de
água contida nesses tanques ajuda a minimizar o pulsos de sobre-pressão na linha
transiente. Em casos onde ocorram sub-pressões, o volume de água contido nesses
tanques é utilizado na linha adutora de forma a evitar ou minimizar a ocorrência de
sub-pressões e conseqüentemente a separação de coluna.
As dimensões transversais dessas chaminés podem ser variáveis, sendo comum
a adoção de chaminés com maior área na base e menores na parte superior. Essas
chaminés devem ser projetadas de forma a não admitirem que haja extravasamento
da vazão na parte superior da mesma. Deve-se garantir também um volume mı́nimo
de água nesses dispositivos de forma a evitar que o nı́vel da água na chaminé em
eventos de sub-pressão caia demais. A preocupação é garantir que o nı́vel de água
esteja sempre acima da geratriz superior do conduto, impedindo assim que ocorra
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 98

a entrada de ar no conduto.
Em termos de aplicação, essas chaminés são instaladas em pontos altos inter-
mediários nos condutos ou em pontos onde há quebra de uma declividade positiva
acentuada para uma mais suave. Em ambas situações é necessário que a linha pi-
ezométrica não esteja muito elevada. Caso contrário é necessário que a dimensão
vertical das chaminés seja muito elevada, o que poderia inviabilizar a aplicação
dessa alternativa.
No caso de condutos curtos ou de velocidade de escoamento baixa, onde as
perdas por fricção podem ser desprezadas, é possı́vel fazer o cálculo das oscilações
de carga piezométrica nessas chaminés de forma expedita. Por exemplo, consi-
dere uma situação como a apresentada na Figura 8.3. Nesse problema, um conduto
com extensão, diâmetro e área transversal de L, D e A respectivamente, trans-
porta uma vazão Qo = π/4D2 V . A linha está ligada a montante a um reser-
vatório com carga igual a Ho, e na extremidade de jusante existe uma chaminé
de equilı́brio de área transversal F , após a qual há uma válvula de controle de
vazão. A linha piezométrica, referida como HGL, está horizontal em decorrência
da desconsideração das perdas por fricção.

Figura 8.3: Esquema de uma chaminé de equilı́brio. Adaptado de [Par63]

A situação mais extrema para sobre-pressões corresponderia ao caso onde há o


fechamento instantâneo da válvula a jusante do conduto. Conforme demonstrado
por [Par63], a aplicação da equação da continuidade e da conservação de momento
no conduto horizontal leva a uma expressão da coordenada S em função do tempo
t na forma: s
Qo F L Ag
S(t) = sin t (8.6)
F Ag FL
Dessa forma, a pressão piezométrica máxima na linha seria de:
s
Qo F L
Sm = (8.7)
F Ag
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 99

É importante recordar que esse valor de S(t) é relativo ao nı́vel estático da


chaminé. O tempo requerido para que o valor máximo de pressão na chaminé
ocorra é de: s
π FL
T = (8.8)
2 Ag

Dois fatores, contudo, impedem que a análise apresentada anteriormente possa


ser aplicada na maioria dos problemas práticos. Primeiramente, é comum adotar
uma ligação entre o conduto e as chaminés em diâmetros mais reduzidos. Isso
permite que as dimensões do tanque possam ser reduzidas, mas resultam em uma
menor mitigação dos efeitos transientes. E em segundo lugar, a não consideração
da fricção nos condutos tende a gerar super-dimensionamento das chaminés.
Para considerar essas variáveis na análise, há duas possibilidades. A primeira é
fazer o dimensionamento das chaminés usando um modelo numérico, baseado por
exemplo no MOC. Outra alternativa é o uso dos gráficos propostos por Parmakian
[Par63], e apresentados nas Figuras 8.5 e 8.6. Vamos começar a explicação pela
alternativa gráfica.

8.5.1 Cálculo de chaminés de equilı́brio pelo método de Parmakian

Para ter um exemplo de aplicação da Figura 8.5, considere o problema apresen-


tado na Figura 8.4. No primeiro caso, vamos considerar que o único elemento de
proteção da linha é a chaminé de equilı́brio. Na base da ligação da chaminé, um
diâmetro restringe a entrada, sendo a velocidade de água admitida na chaminé defi-
nida como V 2 com respectiva perda de carga localizada de HF 2. A linha adutora,
de comprimento L e diâmetro D, nas condições de vazão de operação Qo resulta
em uma perda de carga de HF 1.

Figura 8.4: Esquema de uma chaminé de equilı́brio. Adaptado de [Par63]

Assume-se que na eventual interrupção do fornecimento de energia a pressão


CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 100

da bomba caia quase instantaneamente, gerando o fechamento imediato da válvula


de retenção. Com isso, nesse momento a vazão alimentando a linha de adutora será
exclusivamente fornecida pela chaminé de equilı́brio. Primeiramente calcula-se a
variável adimensional bo , na forma:
s
HF 1 Fg
bo = (8.9)
Qo L/A

Depois, assume-se um determinado valor para o diâmetro de conexão da cha-


miné, e com isso calcula-se qual a perda de carga HF 2 nesse orifı́cio associada à
vazão Qo. Com a taxa de estrangulamento HF 2/HF 1 e o valor de bo , entra-se
no gráfico da Figura 8.5 e determina-se SA /HF 1, e com isso encontra-se o valor
da sub-pressão na chaminé considerada. Caso o valor de SA aproxime-se excessi-
vamente da geratriz do conduto, é necessário alterar algum parâmetro no cálculo,
tal como os valores do diâmetro de ligação, e por conseguinte de HF 2, ou mesmo
alterar o valor da área transversal da chaminé F .
Podemos usar a mesma configuração da 8.4 para explicar como usar o gráfico
da Figura 8.6. Nesse caso, vamos considerar um inı́cio rápido de uma elevatória,
agora com vazão Qe. Nos momentos iniciais do escoamento, a inércia da linha adu-
tora impede que o volume de água bombeada que passa pela válvula de retenção
seja acomodado na adutora. Com isso, assume-se que durante esse perı́odo a cha-
miné servirá como reservatório até que a diferença de pressão resulte no movi-
mento da água na adutora. O procedimento de cálculo é bastante similar ao caso
da parada das bombas. Inicia-se pelo cálculo da variável adimensional b:
s
HF 1 Fg
b= (8.10)
Qe L/A

Novamente assume-se um determinado valor para o diâmetro de conexão da


chaminé, e com isso calcula-se qual a perda de carga HF 2 nesse orifı́cio associada
à vazão Qe. Com a taxa de estrangulamento HF 2/HF 1 e o valor de b, entra-
se no gráfico da Figura 8.6 e determina-se SB /HF 1, e com isso encontra-se o
valor da sobre-pressão na chaminé considerada. Caso o valor de SB aproxime-
se excessivamente do nı́vel de extravasamento geratriz do conduto, é necessário
alterar os valores de HF 2, da área transversal da chaminé F ou aumentar a altura
da chaminé.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 101

Figura 8.5: Gráfico de cálculo de sobre-pressão em chaminés de equilı́brio decor-


rente de parada súbita de escoamento em sistemas de bombeamento. Traduzido e
adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 102

Figura 8.6: Gráfico de cálculo de sub-pressão em chaminés de equilı́brio decor-


rente de inı́cio súbito de escoamento em sistemas de bombeamento. Traduzido e
adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 103

8.5.2 Cálculo de chaminés de equilı́brio por modelos numéricos.

A outra alternativa para o cálculo dos efeitos de chaminés de equilı́brio é base-


ado em métodos numéricos, como o Método das Caracterı́sticas. Nesse tipo de
alternativa, os dispositivos de proteção contra transientes são tratados como sendo
condições de contorno. Vamos considerar primeiramente o caso onde a chaminé
de equilı́brio não possui restrição de entrada, e assim despreza-se a perda de carga
na entrada de água da chaminé. Essa configuração está ilustrada na Figura 8.7.

Figura 8.7: Esquema de uma chaminé de equilı́brio. Adaptado de [Tul89]

São quatro incógnitas a serem solucionadas: pressão na chaminé, vazão à mon-


tante e à jusante da chaminé e a vazão admitida na chaminé. Quatro equações
também são disponı́veis para o problema:

Equação C+:HPN T = CP − B · QPN T (8.11)


Equação C-:HPN T = CM − B · QP D (8.12)
Continuidade:QPN T = QP T + QP D (8.13)

Cont. chaminé:HPN T = XLP T + QT (8.14)
At
onde: QPN T é a vazão a montante da junção, QP D é a vazão a jusante da junção
na linha principal, QP T é a vazão que entra na chaminé, HPN T é a pressão pi-
ezométrica na junção, Z(N T ) é a distância entre o eixo da adutora e o datum,
XP LT é o nı́vel de água na chaminé (medido do eixo da adutora), QT é a vazão
que entrou na chaminé no ultimo passo de tempo ∆t e At é a área transversal da
chaminé (que pode ser variável). A aproximação da equação 8.14, embora simples,
requer para ser válida pequenos passos de tempo ∆t.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 104

Como demonstrado por [Tul89], essas equações resultam numa expressão para
QPN T na forma:
C1 + C3
QPN T = onde:
2 + C2
2At
C1 = (CP − Z(N T ) − XLT ) − QT
∆t (8.15)
2At B
C2 =
∆t
CP − CM
C3 =
B
onde XLT é o nı́vel de água na chaminé no passo de tempo anterior. Com o valor
de QPN V conhecido, determina-se as demais variáveis de cálculo.
No caso onde a chaminé de equilı́brio apresenta uma restrição no diâmetro de
entrada, o valor da linha piezométrica na adutora no local onde a chaminé está
ligada não é coincidente com o nı́vel de água na chaminé. Com isso, pode-se
derivar uma equação de energia entre o nó de montante e a chaminé na forma:
Kl
HPN T = XP LT + Z(N T ) ± QP T 2 (8.16)
2gA2
onde Kl é o coeficiente de perda localizada baseado na área do conduto A. Tal
poderia também ser baseada na área da chaminé ou do orifı́cio de conexão. O
valor positivo para o termo com Kl deve ser usado quando a vazão é admitida na
chaminé, e negativa no caso contrário. Os valores de Kl também podem diferir
para escoamentos entrando ou saindo da chaminé, o que seria o caso se a entrada
na chaminé tivesse borda reentrante.

Figura 8.8: Esquema de uma chaminé de equilı́brio com restrição de admissão de


água. Adaptado de [Tul89]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 105

De acordo com [Tul89], o valor da pressão no nó de montante pode ser calcu-
lada pela expressão:
¡ p ¢
HPN T = 0.5 −C4 ± C42 − 4C5 onde: (8.17)
B2
C4 = −CP − CM ± (8.18)
4C3
B 2 (XLT + Z(N T ))
C5 = 0.25(CP + CM )2 ± (8.19)
4C3
Kl
C3 = ± (8.20)
2gA2

Para vazão entrando na chaminé, equações 8.17 e 8.18 devem usar sinal nega-
tivo, enquanto as equações 8.19 e 8.20 devem ter sinal positivo. Esses sinais são
opostos quando a vazão sai da chaminé. Com o valor de HPN T conhecido, os va-
lores das demais variáveis de cálculo da chaminé de equilı́brio podem ser obtidos
nas equações 8.25, 8.26, 8.27 e 8.16.

8.6 Tanques Unidirecionais e Stand pipes

Tanques unidirecionais são dispositivos que se tem funcionamento similar à cha-


minés de equilı́brio, exceto pelo fato que na ligação destes com os condutos há
uma chaminé de equilı́brio que bloqueia a ligação quando a pressão no conduto é
maior que no tanque. Assim, na prática, esses dispositivos são úteis somente na
fase de sub-pressão transiente, alimentando o conduto com vazão e evitando assim
que condições de separação de coluna ocorram na linha.
Em termos de dimensão transversal são similares às chaminés de equilı́brio,
mas podem ter altura muito menor uma vez que não precisam de estar mais altos
que a linha piezométrica. Portanto, têm aplicação bastante ampla particularmente
em sistemas de recalque de água. O mesmo não se pode dizer de recalque de
esgotos porque há a possibilidade de materiais sólidos transportados nos mesmos
causarem obstrução na válvula de retenção, impossibilitando assim a vedação com-
pleta desses tanques.
Em termos de locação nos condutos, esses tanques são instalados em pontos
altos intermediários nos condutos ou em pontos onde há quebra de de uma decli-
vidade positiva acentuada para uma mais suave. São freqüentemente usados em
associação com reservatórios de ar comprimido.
Em termos de dimensionamento, não existe uma fórmula expedita ou gráfica
para dimensionamento desses tanques, sendo necessário portanto o uso de mo-
delos numéricos. Esses modelos consideram o funcionamento desses tanques da
mesma forma como chaminés de equilı́brio com restrição de admissão, com a
diferença que o dispositivo só atua na condição em que XLT > HP (N T ).
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 106

Uma preocupação no dimensionamento desses tanques é evitar que os mesmos


esvaziem-se por completo, admitindo ar na tubulação.

8.7 Reservatórios de Ar Comprimido

Reservatórios de ar comprimido, também denominados acumuladores ou câmaras


de ar, são dispositivos de proteção transiente que são muito aplicados, particular-
mente em elevatórias. A utilização desses tipos de dispositivos remonta desde o
final do século XIX, e diferentes variações desses dispositivos foram desenvolvi-
das desde então.
A colocação desses dispositivos visa a proteção da linha de recalque contra
extremos de pressão. Esses reservatórios se caracterizam por serem fechados à at-
mosfera, contendo ar pressurizado na parte superior e água na parte inferior. Entre
as variedades desses reservatórios, citam-se:

• Reservatório com contato direto ar-água: O fato de haver contato direto en-
tre as diferentes fases requer que tais reservatórios tenham compressores de
ar acoplados para garantir que a massa de ar é mantida, uma vez que há a
tendência do ar ser absorvido em solução pela água;
• Reservatório com membrana elastomérica: A membrana garante a separação
entre as fases, prescindindo portanto de um compressor de ar. Contudo há o
risco de acúmulo de bolhas de ar na parte inferior da membrana, onde deveria
haver apenas água. Caso esse condição persista, o reservatório pneumático
deixa de trabalhar como um e começa a se assemelhar a uma válvula de
alı́vio. Portanto, na instalação desse tipo de reservatório deve-se colocar
uma ventosa ou procurar fazer uma ligação com a adutora que procure evitar
que haja captura de bolhas de ar;
• Reservatório com bolas pressurizadas: Semelhante a configuração anterior,
exceto que a massa de ar é presa em bolas dentro do reservatório, e o mesmo
é preenchido totalmente com água. A colocação de uma ventosa no topo
desse reservatório impede que o ar que porventura entre no reservatório se
acumule.

Reservatórios de ar comprimido são colocados normalmente a jusante das válvulas


de retenção que separam as bombas da adutora. Nessas instalações é comum
também utilizar válvulas de alı́vio ou antecipadoras de golpe, de forma a impedir
que a pressões excedam determinado limite que poderia danificar os reservatórios.
Dada a grande compressibilidade do ar, o volume e pressão do mesmo variam
durante eventos transientes. É comumente aceito que o ar ou gás obedecer uma
relação politrópica reversı́vel:
Ha Vn = constante (8.21)
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 107

onde Ha é a pressão piezométrica absoluta da massa de ar, V é o volume de ar


e n é o coeficiente politrópico. Para processos adiabáticos considera-se n =1,4,
enquanto para processos isotérmicos considera-se n =1,0. Para aplicações em
reservatórios de ar comprimido considera-se o uso de um valor intermediário para
n, na ordem de 1,2.
Como no caso de chaminés de equilı́brio, há também duas alternativas que
podem ser usadas para o dimensionamento de reservatórios de ar comprimido. A
primeira é fazer o dimensionamento das chaminés usando um modelo numérico,
baseado, por exemplo, no MOC. Outra alternativa é o uso dos gráficos propostos
por Parmakian [Par63], e apresentados nas Figuras 8.9, 8.10, 8.11 e 8.12. Vamos
começar a explicação pela alternativa gráfica.

8.7.1 Cálculo de reservatórios de ar comprimido pelo método de Par-


makian

O método proposto por Parmakian [Par63] é aplicado ao dimensionamento de


reservatórios de ar comprimido em linhas de recalque que possuam válvulas de
retenção. O método considera que a mitigação dos efeitos transientes dar-se-á ape-
nas pelo reservatório de ar comprimido sendo dimensionado. As hipóteses princi-
pais do método são:

1. O reservatório de ar comprimido deve estar próximo a bomba

2. A válvula de retenção fecha-se imediatamente após a interrupção no forne-


cimento de energia

3. A relação politrópica (equação 8.21) é válida, com coeficiente n=1,2

4. Assume-se que há um orifı́cio de ligação entre o reservatório e a linha de


recalque do tipo apresentado na Figura 8.13, onde a perda de carga da as-
sociada a uma vazão de água de dentro do reservatório para a adutora seja
2,5 vezes menor que a perda de carga para a vazão no sentido inverso. Essas
perdas de carga incluem eventuais perdas nos condutos de ligação entre o
reservatório e a linha de recalque.

Para iniciar o dimensionamento da linha de recalque determina-se Ho∗ , que é


o desnı́vel piezométrico absoluto entre os reservatórios de montante e jusante em
condições estáticas (vazão zero).

Ho∗ = Hgeo + Hv (8.22)

onde Hgeo é o desnı́vel entre reservatórios e Hv é a pressão piezométrica de vapor.


Considerando que em condições permanentes a linha piezométrica terá uma velo-
cidade de escoamento de Vo , e sendo a a velocidade da onda acústica, calcula-se o
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 108

parâmetro adimensional ρ∗ :
aVo
ρ∗ = (8.23)
gHo∗
O outro parâmetro necessário para a aplicação do método é a determinação
de um coeficiente K, sendo que KHo∗ corresponde a perda de carga total desde a
adutora até o reservatório de ar comprimido. Para o dimensionamento do valor de
K, pode-se considerar a recomendação prática de [Mon] pelo qual deve-se evitar
que a velocidade na linha de ligação ou no orifı́cio excedam valores de 7 m/s.
Com o valor de K pre-selecionado , determina-se qual dos gráficos apresen-
tados nas Figuras 8.9, 8.10, 8.11 e 8.12 deverá ser usados no dimensionamento.
Esses gráficos apresentam os valores máximos e mı́nimos de pressão piezométrica
normalizada por Ho∗ para um ponto adjacente a bomba (linhas sólidas) e para um
ponto a 50% do comprimento da adutora (linhas tracejadas).
Com isso, procura-se ao longo das curvas que correspondam ao valor calcu-
lado/interpolado de ρ∗ qual o ponto no eixo 2Co a/(Qo L) que satisfaz aos valores
de desejados para as pressões máximas e mı́nimas nas proximidades da bomba e
a 50% do comprimento da adutora. A variável Co é a única incógnita, e corres-
ponde ao volume de ar que é necessário na câmara de ar. Esse volume, contudo,
corresponde apenas ao volume de ar, sendo portanto menor que o volume total
do reservatório. Um volume suficientemente grande de água precisa ser incluı́do
para evitar que ar seja admitido na adutora quando as pressões atingirem os valores
mı́nimos. Usando a relação politrópica, o volume do reservatório Vres.ar pode ser
calculado como: ³ H ∗ ´1/1,2
o
Vres.ar = Co ∗ (8.24)
Hmin

onde Hmin é a pressão piezométrica mı́nima absoluta adjacente à bomba, calculada
no passo anterior.
O procedimento finaliza-se aqui no caso de reservatórios com bolsa elastomérica
ou com bolas de ar comprimido. No caso onde esteja seja haja o contato direto entre
ar e água, conforme explicado anteriormente, há a perda de ar e portanto é possı́vel
que haja uma variação no volume de ar no reservatório mesmo em situações de
escoamento permanente. Nesses casos, em termos operacionais, a prática é ad-
mitir que o volume de ar possa variar em uma faixa operacional de tolerância,
conforme ilustrado na Figura 8.13. Fora dessa faixa, sob pena de não haver a ne-
cessária proteção contra eventuais transientes, é necessário um procedimento de
parada emergencial da elevatória.
Para considerar essa faixa operacional no dimensionamento do reservatório,
soma-se ao volume calculado Co o volume de ar de uma faixa de tolerância ∆h.
Assim o novo volume de ar será Co0 = Co + ∆hAres , sendo que Ares é (no caso
da Figura 8.13) dada por π/4Dres com Dres o diâmetro do reservatório de ar com-
primido. Com o novo volume de ar, a último etapa é calcular o novo volume total
do reservatório de ar comprimido usando a equação 8.24.
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 109

Figura 8.9: Gráfico para dimensionamento de reservatórios de ar comprimido, fator


de perda localizada K=0. Traduzido e adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 110

Figura 8.10: Gráfico para dimensionamento de reservatórios de ar comprimido,


fator de perda localizada K=0.3. Traduzido e adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 111

Figura 8.11: Gráfico para dimensionamento de reservatórios de ar comprimido,


fator de perda localizada K=0.5. Traduzido e adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 112

Figura 8.12: Gráfico para dimensionamento de reservatórios de ar comprimido,


fator de perda localizada K=0.7. Traduzido e adaptado de [Par63]
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 113

Figura 8.13: Nı́veis operacionais e de emergência na operação de reservatórios de


ar comprimido. Traduzido e adaptado de [Par63]

8.7.2 Cálculo de reservatórios de ar comprimido usando modelos numéricos

O dimensionamento de reservatórios de ar comprimido usando métodos numéricos


pode ser feito seguindo as mesmas linhas gerais apresentadas anteriormente para
chaminés de equilı́brio. A diferença fundamental é que inclui-se na análise a
relação politrópica reversı́vel. Esses reservatórios são considerados condições de
contorno, cujas variáveis a serem resolvidas a cada passo de tempo são: as vazões
nos trechos de montante e jusante, a vazão que entra no reservatório de ar compri-
mido, a pressão piezométrica nesse local, e o volume de ar.
Disponı́veis para a solução dessas incógnitas são duas equações caracterı́sticas,
CAPÍTULO 8. PROTEÇÃO CONTRA TRANSIENTES 114

continuidade na junção e a relação politrópica:

Equação C+:HPN T = CP − B · QPN T (8.25)


Equação C-:HPN T = CM − B · QP D (8.26)
Continuidade:QPN T = QP T + QP D (8.27)

A relação politrópica pode ser escrita para esse problema como sendo

[HPN T + Hb − Z(N T )][V OL − 0.5∆t(QP T + QT )]n = constante (8.28)

A partir da solução desse problema, o valor do volume de ar no reservatório


pode ser atualizado pela expressão:

V OL = V OLanterior − 0.5∆t(QP T + QT ) (8.29)

onde o sinal é negativo uma vez que, em havendo admissão de vazão de água no
reservatório, o volume de ar diminui.

Figura 8.14: Esquema de reservatório de ar comprimido. Adaptado de [Tul89]

.
Capı́tulo 9

MOC para Escoamento em


Canais

Conteúdo abordado nesse capı́tulo


9.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para Es-
coamentos em Canais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
9.2 Comportamento das Equações Caracterı́sticas para Esco-
amentos em Canais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
9.2.1 Trajetória das caracterı́sticas e Invariantes de Riemann 117
9.2.2 Região de Influência e Domı́nio de Dependência . . . 119
9.2.3 Efeito do regime de escoamento na especificação das
condições de contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
9.3 Implementação do MOC para canais - Método Hartree . . 122
9.4 Condições de Contorno para Condutos Canais . . . . . . . 126
9.4.1 Vazão à montante predeterminada . . . . . . . . . . . 126
9.4.2 Saı́da de um reservatório de carga conhecida . . . . . 127
9.4.3 Profundidade de montante predeterminada . . . . . . 127
9.4.4 Obstrução à jusante do canal . . . . . . . . . . . . . . 127
9.4.5 Relação profundidade vazão conhecida a jusante . . . 128

A estratégia do MOC de combinar linearmente as equações de conservação de


forma a determinar em que condições essas equações degeneram em ODE’s pode
ser adotada para a solução de escoamentos em canais. A utilização do método
das caracterı́sticas em canais abertos esteja limitada a escoamentos onde não há
a presença de descontinuidades. Mesmo assim, a análise caracterı́stica dessas
equações permite obter informações importantes acerca da propagação de ondas
no escoamento. Outra importante razão para entendermos o método das carac-
terı́sticas para canais está no cálculo das condições de contorno, que devem ser
calculadas considerando o efeitos das equações caracterı́sticas.

115
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 116

9.1 Derivação da Forma Caracterı́stica das Equações para


Escoamentos em Canais

A derivação da forma caracterı́stica das equações de Saint-Venant (sem contribuição


de vazão lateral) parte da expressão das mesmas na forma primitiva. Assim, a
equação da continuidade é expressa por:
A
L1 = ht + u hx + ux = 0 (9.1)
B
E a equação do momento:

L2 = ut + u ux + ghx = g(So − Sf ) (9.2)

Como no caso dos condutos fechados, é preciso encontrar uma combinação


linear L1 + λL2 que resulte em um sistema de equações diferenciais ordinárias.
Nesse caso, dois valores de λ atingem esse resultado:
s
A c
λ=± =± (9.3)
Bg g

Sendo A a área do escoamento, B a largura da superfı́cie livre e c é a velocidade


de propagação de ondas superficiais em canais, conhecida com celeridade.
Nesse caso, pode-se desenvolver a soma das equações para obter:

L1 + λL2 ⇒
s s
A A A
ht + u hx + ux ± (ut + u ux + ghx ) = ± g(So − Sf )
B Bg Bg
r s r s
³ Ag ´ A³ Ag ´ A
ht + u hx ± hx ± ut + u ux + ux = ± g(So − Sf )
B Bg B Bg
(9.4)

Essa equação pode ser simplificada utilizando a expressão da celeridade, e


depois agrupando as derivadas parciais, para assim obter um par de equações na
forma: ³ ´ c³ ´
ht + (u + c) hx + ut + (u + c)ux = c(So − Sf ) (9.5)
g
³ ´ c³ ´
− ht + (u − c)hx + ut + (u − c)ux = c(So − Sf ) (9.6)
g

As variáveis de velocidade e profundidade são dependentes tanto da coorde-


nada x quanto do tempo, o que permite escrever:
dh ∂h ∂h dx
= + (9.7)
dt ∂t ∂x dt
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 117

du ∂u ∂u dx
= + (9.8)
dt ∂t ∂x dt
Por inspeção nas equações 9.5 e 9.6, e utilizando a relação acima, é possı́vel
transformar as derivadas parciais em derivadas totais se:
dh dx
= ht + (u + c) hx ⇐⇒ =u+c
dt dt (9.9)
du dx
= ut + (u + c) ux ⇐⇒ =u+c
dt dt
dh dx
= ht + (u − c) hx ⇐⇒ =u−c
dt dt (9.10)
du dx
= ut + (u − c) ux ⇐⇒ =u−c
dt dt
E, optando-se por resolver o problema apenas nas trajetórias (ou linhas) ca-
racterı́sticas dx/dt = u ± c, chega-se no forma caracterı́stica das equações de
Saint-Venant:
Equação C1:
du g dh
+ = g(So − Sf )
dt c dt (9.11)
dx
=u+c
dt

Equação C2:
du g dh
− = g(So − Sf )
dt c dt (9.12)
dx
=u−c
dt

Nota-se aqui que optou-se por nomear as linhas caracterı́sticas de C1 e C2 para


distinguir daquelas obtidas com o MOC para condutos fechados.

9.2 Comportamento das Equações Caracterı́sticas para


Escoamentos em Canais

9.2.1 Trajetória das caracterı́sticas e Invariantes de Riemann

É interessante notar que, no caso de escoamentos supercrı́ticos, quando a veloci-


dade de escoamento u é superior a celeridade c, ambas linhas caracterı́sticas têm
trajetórias com inclinação de mesmo sinal, como ilustrado na Figura 9.1. Isso afeta
sobremaneira a fórmula de cálculo para as condições de contorno de escoamentos
em canais.
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 118

Figura 9.1: Trajetórias caracterı́sticas obtidas para as equações de escoamento


em canais. Condição (a) corresponde a um escoamento subcrı́tico; Condição (b)
corresponde a um escoamento supercrı́tico com escoamento vindo de montante;
Condição (c) corresponde a um escoamento supercrı́tico com escoamento vindo de
jusante.

Um fato interessante ilustrado na Figura 9.1 é o formato curvilı́neo das tra-


jetórias (ou linhas) caracterı́sticas, diferentemente das correspondentes para o
escoamento pressurizado. A razão para esse fato é que os tanto os valores de ve-
locidade u quanto os de celeridade c se alteram no espaço e no tempo em canais.
No caso do escoamento pressurizado, a velocidade da onda acústica a mantém-se
razoavelmente constante ao longo do domı́nio de solução. O fato das trajetórias se-
rem curvas colocam dificuldades adicionais no procedimento de solução numéricas
das equações.
No caso das trajetórias caracterı́sticas em escoamentos pressurizados, os pul-
sos de pressão trafegavam no plano x − t através das linhas caracterı́sticas. Para
o escoamento em canais, informações sobre o escoamento também trafegam nas
linhas caracterı́sticas, informações essas que estão no formato de equações sobre
o escoamento. Para ilustrar esse fato, vamos detalhar √ o caso de um canal retangu-
lar, onde a celeridade pode ser representada por c = gh o que permite escrever
dh/dt = (2c/g)dc/dt. Nesse caso, a forma caracterı́sticas das equações de escoa-
mento em canais pode ser transformada em:
Equação C1:

d(u + 2c) dx
= g(So − Sf ) para =u+c (9.13)
dt dt

Equação C2:

d(u − 2c) dx
= g(So − Sf ) para =u−c (9.14)
dt dt

Essas equações indicam que a soma ou a subtração entre a velocidade e duas


vezes a celeridade alteram de valor ao longo do tempo de acordo com o ganho ou
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 119

a perda de energia por meio da declividade do canal So ou a perda por atrito Sf .


Para o caso ainda mais particular de um canal de seção retangular, leito horizontal
e com fricção muito pequena, as equações caracterı́sticas se tornam:
Equação C1:

d(u + 2c) dx
= 0 ∴ (u + 2c) = constante para =u+c (9.15)
dt dt

Equação C2:

d(u − 2c) dx
= 0 ∴ (u − 2c) = constante para =u−c (9.16)
dt dt

Esses valores constantes para (u+2c) e (u−2c) são também conhecidos como
Invariantes de Riemann.
Nesse exemplo mais simplificado, pode-se perceber claramente o mecanismo
como se dá a transmissão de informações acerca das condições de escoamento de
um ponto para outro no plano x − t. Essa transmissão de informações é o que,
em última análise, determina o escoamento em um ponto do canal no futuro. Por
exemplo, vamos supor que o escoamento na Figura 9.1(a) pudesse ser calculado
com as equações 9.15 e 9.16. Para então determinar-se as condições de escoamento
no ponto P , duas equações deveriam ser consideradas:

(uB − 2cB ) = (uP − 2cP ) (uA + 2cA ) = (uP + 2cP ) (9.17)

Onde as incógnitas são a velocidade e a profundidade do escoamento no ponto P .

9.2.2 Região de Influência e Domı́nio de Dependência

Baseado nessa discussão é que dois conceitos importantes precisam ser introduzi-
dos, que são os conceitos de Região de Influência e Domı́nio de Dependência.
Esses conceitos são fundamentais para a compreensão acerca das efeitos das condições
iniciais e de contorno, e em que condições as mesmas são importantes na análise.
Tomando a Figura 9.2 como referência, define-se Região de Influência como
a região no plano x − t afetada pelas condições de escoamento em um determinado
ponto P . Essa influência dá-se devido a propagação das trajetórias caracterı́sticas
C1 e C2, que transmitem informações acerca das condições de escoamento no
ponto P para o resto do domı́nio de solução do problema. Na Figura 9.2 pode
ser percebido que à medida que o tempo avança a região de influência do ponto P
aumenta.
Domı́nio de Dependência de ponto P é a região no plano x − t que consegue
influir no comportamento do escoamento no ponto P . Conforme ilustrado na Fi-
gura 9.3, qualquer ponto fora dessa região não tem influência sobre as condições
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 120

Figura 9.2: Região de influência de um ponto P no escoamento subcrı́tico em um


canal.

de escoamento no ponto P . A região compreendida pelos pontos A, B e P contém


todos os pontos atravessados por linhas caracterı́sticas que, direta e indiretamente
nas condições do escoamento no ponto P .

Figura 9.3: Domı́nio de dependência de um ponto P no escoamento subcrı́tico em


um canal.

9.2.3 Efeito do regime de escoamento na especificação das condições


de contorno

Para problemas de escoamento em canais há considerações adicionais acerca de


condições iniciais e de contorno do escoamento. Tais observações decorrem do
comportamento da transmissão de informações sobre o escoamento no plano x − t,
particularmente nas diferenças entre escoamentos supercrı́ticos e subcrı́ticos.
Recordando o caso dos escoamentos pressurizados, as linhas caracterı́sticas são
praticamente retas e cada uma dos tipos de caracterı́sticas (C+ e C−) transmitem
informações (em forma de equações) que se propagam no plano x − t com decli-
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 121

vidades de sinais opostos dx/dt = ±a. Como uma caracterı́stica sempre chega
a cada um das fronteiras do problema (condições de contorno montante/jusante),
apenas uma equação adicional é requerida para o escoamento ser resolvido naquela
fronteira.
No caso de um escoamento subcrı́tico em canais, os diferentes tipos de linhas
caracterı́sticas C1 e C2 têm inclinações com sinais opostos como no caso do es-
coamento pressurizado. E como no caso do escoamento pressurizado, apenas uma
outra equação precisa ser especificada na fronteira para a solução do problema.
Em um escoamento supercrı́tico com velocidade positiva (fluxo de montante
para jusante) duas caracterı́sticas se originam na fronteira de montante do escoa-
mento, ao mesmo tempo que duas caracterı́sticas chegam à fronteira de jusante,
como ilustrado na Figura 9.4.

Figura 9.4: Configuração das trajetórias caracterı́sticas nas proximidades das fron-
teiras de um canal em regime supercrı́tico.

No cálculo da condição de contorno de montante (ponto A), duas equações


devem ser especificadas uma vez que não existe influência do escoamento à ju-
sante no que ocorre nesse ponto. Já para a condição de contorno de jusante (ponto
B), as duas equações para solução do escoamento naquele local são advindas das
linhas caracterı́sticas. Nesse ponto, o escoamento é totalmente controlado pelas
condições de montante. Toda essa discussão é consistente com as caracterı́sticas
de escoamentos em regime supercrı́tico.
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 122

9.3 Implementação do MOC para canais - Método Har-


tree

No que tange as técnicas de solução numérica, como no caso dos condutos fecha-
dos, há opções de esquemas explı́citos e implı́citos. Como no caso dos condutos
fechados, faz-se aqui a opção pode esquemas explı́citos. Tal é motivado pela maior
simplicidade de implementação, e pelo fato de que o uso do MOC para o cálculo
do escoamento em canais não é uma técnica tão difundida que justifique a adoção
de alternativas mais sofisticadas de solução.
O fato de as trajetórias caracterı́sticas serem curvilı́neas impacta de forma sig-
nificativa a forma de solução dos problemas. Vamos assumir que é desejado fixar-
se um espaçamento contı́nuo entre nós onde é desejado determinar-se as condições
de escoamento, uma estratégia similar àquela adotada para o Método da Onda Ci-
nemática. Em função das condições locais do escoamento, a inclinação das li-
nhas caracterı́sticas varia ao longo do tempo e do espaço. Isso faz com que as
intersecções entre linhas C1 e C2, que definem os locais onde o escoamento poder
ser calculado por meio de aplicação de ambas equações, não apresentem regula-
ridade tanto no espaço quanto no tempo. A partir desses pontos irregularmente
distribuı́dos é que novas caracterı́sticas devem ser traçadas para a resolver-se o es-
coamento à medida que o tempo avança. Essa falta de regularidade dificulta o uso
desse tipo de estratégia para solução numérica do problema de escoamento.

Figura 9.5: As intersecções entre linhas caracterı́sticas C1 e C2 são irregularmente


distribuı́das no tempo e no espaço.

Outra estratégia, que é a que se adota aqui, é o Método Hartree para o cálculo
das equações do MOC para escoamento em canais. O método baseia-se em fixar-se
pontos regulares no espaço, e definir um passo de tempo comum para o cálculo do
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 123

Figura 9.6: O Método Hartree para solução de escoamentos em canais.

escoamento que não viole a estabilidade dos cálculos (Condição de Courant). Uma
breve discussão acerca da condição de Courant é feita a seguir.
A partir do ponto onde os valores devem ser calculados, duas caracterı́sticas são
projetadas na direção negativa do tempo, no sentido onde os dados do escoamento
são conhecidos. As coordenadas dos pontos R e S no eixo x de onde partem as
caracterı́sticas que chegam ao ponto P são inicialmente incógnitas do problema a
serem resolvidas, juntamente com os parâmetros de escoamento no ponto P . Se
conhecermos as coordenadas dos pontos R e S, os dados do escoamento nesse local
(para o traçado das caracterı́sticas) são obtidos por meio de interpolação usando os
dados conhecidos nos pontos A, B e C.
As quatro equações algébricas requeridas para a solução desse problema sur-
gem da integração das equações do caracterı́sticas do escoamento. Promovendo-se
a integração ao longo do tempo das equações 9.11 e 9.12 chega-se a:
g
uP − uR + (hP − hR ) = g(So − Sf,R )∆t (9.18)
cR

xP − xR = (uR + cR )∆t (9.19)


g
uP − uS − (hP − hS ) = g(So − Sf,S )∆t (9.20)
cR
xP − xS = (uS − cS )∆t (9.21)
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 124

Para estimar as condições do escoamento nos pontos R e S é preciso fazer uma


interpolação. Aqui assume-se que o escoamento é subcrı́tico (consistente com a
Figura 9.6) e usa-se interpolação linear, tal como exposto por [WS93] e [Stu01].
Seguindo a demonstração apresentada por esses autores, estima-se a velocidade uR
a partir da equação da trajetória integrada entre P e R (equação 9.19):
uC − uR xP − xR ∆t
= = (uR + cR ) = r(uR + cR ) (9.22)
uC − uA ∆x ∆x
Onde r∆t/∆x. Similarmente, a celeridade cR é obtida pela interpolação:

cC − cR xP − xR ∆t
= = (uR + cR ) = r(uR + cR ) (9.23)
cC − cA ∆x ∆x

Usando as equações anteriores para isolar os termos desconhecidos uR e cR ,


chega-se as expressões:

uC + r (−uC cA + cC uA )
uR = (9.24)
1 + r(uC − uA + cC − cA )

cC + r uR (cA − cC )
cR = (9.25)
1 + r(cC − cA )

Com os valores de uR e cR obtidos pela interpolação descrita acima, pode-se


determinar os demais parâmetros do escoamento nesse ponto. Com isso, o valor da
declividade da linha de energia no ponto R, Sf,R pode ser estimado por exemplo
pela fórmula de Manning:
n2 uR |uR |
Sf,R := 4/3
(9.26)
RR
Onde RR corresponde ao raio hidráulico no ponto R.
De forma análoga, os valores de uS , cS e Sf,S podem ser obtidos por interpolação
a partir da equação da trajetória integrada entre P e S (equação 9.21):

uC + r (uB cc − uC cB )
uS = (9.27)
1 + r(uB − uC + cC − cB )

cC + r uS (cC − cB )
cS = (9.28)
1 + r(cC − cB )
n2 uS |uS |
Sf,S := 4/3
(9.29)
RS

Determinado-se os valores de u e c para os pontos R, S de onde partem as


caracterı́sticas que chegam ao ponto P , subtrai-se a equação 9.20 da equação 9.18
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 125

para eliminar a variável uP e chegar-se a uma expressão direta para a profundidade


hP :
" #
1 hu − u i
R S
hP = hS cR + hR cS + cR cS − (Sf,R − Sf,S )∆t (9.30)
cR + cS g

Determinado o valor de hP , o valor da velocidade uP é dado por:


³h − h ´
P R
uP = uR − g − g(Sf,R − So )∆t (9.31)
cR
O valor do passo de tempo computacional deve obedecer a restrição dada pela
Condição de Courant. Essa condição é similar àquela importa no Método da Onda
Cinemática para o tamanho do passo computacional. Em essência, essa condição
estabelece que para esquemas explı́citos (como esse apresentado) a velocidade
máxima de uma caracterı́stica de um elemento do grid numérico ∆x/∆t deve ser
igual ou superar a velocidade fı́sica da propagação das informações no problema
real, dada pelo máximo valor da soma |u| + c avaliado nos nós da discretização.
Nesse sentido, define-se um adimensional denominado número de Courant:
|u| + c
Cr = (9.32)
∆x/∆t
Que deve ser, em esquemas explı́citos, menor ou igual a 1. Formalmente expressa,
a Condição de Courant (também conhecida como Regra CFL) determina que a es-
tabilidade e convergência de qualquer esquema explı́cito está condicionada ao fato
do domı́nio de dependência numérico conter o domı́nio de dependência analı́tico.
Essa seqüencia de cálculos deve ser promovida para cada ponto P de forma
a obter as condições de escoamento para o passo de tempo computacional sub-
seqüente. Uma fraqueza do método recai no fato da interpolação tender a causar
o fenômeno de Difusão Numérica dos resultados. Esse fenômeno é caracterizado
pela difusão de caráter estritamente numérico de feições mais ı́ngremes do escoa-
mento, tal como uma onda de cheia bastante intensa. Tal pode ser mitigado com o
uso de interpolações de segunda ordem ou de uma discretização espacial mais de-
talhada, mas não há uma solução definitiva para esse tipo de problema. Outro fator
de causa de difusão numérica é o uso de um número de Courant para a simulação
bem menor que 1.
Por outro lado, convém relembrar que a exposição da solução por MOC do es-
coamento em canais tem um caráter mais de interesse geral do que prático. Como
principal limitação do MOC para canais cita-se a incapacidade de solucionar es-
coamentos que apresentem descontinuidades, tal como ressaltos hidráulicos. Por-
tanto, a ênfase em métodos de solução será dados a esquemas baseados na teoria de
solução de EDP’s por meio da Dinâmica dos Fluidos Computacional. Tal contudo
está fora do escopo desse material.
Procura-se agora discutir sobre as formas de cálculo das condições de contorno
utilizando o método das caracterı́sticas em problemas de escoamento em canais.
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 126

9.4 Condições de Contorno para Condutos Canais

De forma geral, não há a mesma variedade de tipos de condições de contorno em


escoamentos em canais como se observa em escoamentos em condutos fechados.
Entre as condições de montante para canais, incluem-se aporte de vazão predeter-
minado, saı́da de um reservatório de nı́vel conhecido e a opção de predeterminar
a profundidade do escoamento a montante. A jusante, as condições apresentadas
aqui incluem a colocação de um bloqueio total ao escoamento, e condições onde
há uma relação profundidade-vazão predefinida.

9.4.1 Vazão à montante predeterminada

O lançamento de uma determinada quantidade de vazão a montante de um canal


pode ser considerada como tipo de condição de contorno bem próxima de uma
condição observada em problemas práticos. Alguns cuidados devem ser tomados
quando utilizando essa alternativa pois ela envolve a solução de três equações para
o escoamento a montante, ao invés das duas equações normalmente utilizadas no
cálculo de condições de contorno.
Primeiramente, variar-se a vazão que chega a um canal precisa ser melhor defi-
nida. Uma pergunta inicial é se a vazão chega a um canal ou chega a uma estrutura
de admissão de água que está a montante do canal. Nesse caso, há que se conside-
rar que a caixa acumulará parte do volume de água que entrará no canal, sendo que
outra a parte irá entrar no canal. Para determinar essa partição do volume de água,
ou mais precisamente da variação dessa nova incógnita (a carga piezométrica na
estrutura de montante), uma outra equação precisa ser aplicada. A escolha é geral-
mente utilizar uma equação que expresse a perda de carga entre a caixa e o canal.
Juntamente com a equação da continuidade de água entre a caixa e o canal, e uma
equação caracterı́stica o problema pode ser resolvido.
Numa situação mais simples, mas nem sempre tão realista, não haveria uma
estrutura a montante do canal, e a vazão entraria diretamente no canal. Essa vazão
seria exclusivamente função do tempo, ou Q(t). A solução do problema deve vir
da aplicação das equações 9.20 com a obtenção dos valores de uS , cS , hS e Sf,S .
Para a solução também usa-se o fato que a o produto da área do canal (função da
profundidade h1 ) e com a velocidade tem que igualar a vazão predeterminada, ou
seja Q(t) = A(h1 )u1 .
Em qualquer dos dois casos, a solução tem a forma de um sistema de equações
não lineares. A depender da relação A(h1 ) pode ser possı́vel obter uma expressão
direta para uma das incógnitas (h1 ou u1 ). Por outro lado, geometrias comumente
aplicadas em canais (como seções circulares) levam a expressões que dificultam
esse tipo de simplificação. O caso deve ser tratado particularmente para cada tipo
de problema.
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 127

9.4.2 Saı́da de um reservatório de carga conhecida

Esse tipo de condição de contorno, apresentada por [Stu01], é bastante simples de


ser utilizada. Vamos dizer que o canal é abastecido a montante por um reservatório
com carga piezométrica conhecida e igual a Ho . Desconsiderando-se as perdas
de carga na saı́da desse reservatório, pode-se escrever entre o mesmo e a primeira
célula do canal a equação de Bernoulli entre os dois pontos:
u21
Ho = h 1 + (9.33)
2g

Unindo essa equação com a equação C2 resulta numa expressão direta para a
velocidade no ponto a montante:
" r #
2 ³ gHo ´
u1 = cS −1 + 1 + + KS (9.34)
cS cS

Onde KS = uS + gh cS −g(Sf,S −So )∆t. A partir do valor de u1 , calcula-se o valor


S

de h1 utilizando a equação 9.20 ou a equação de Bernoulli apresentada acima.

9.4.3 Profundidade de montante predeterminada

Predefinir a profundidade de água a montante de um canal ao longo do tempo é


considerada uma condição de contorno em certa medida artificial. De fato, como
é possı́vel de ”fixar”uma determinada profundidade de escoamento sem que isso
implique em também predefinir o regime de escoamento desse canal? Em outras
palavras, a mesma profundidade pode estar ligada a regimes de escoamentos sub
e supercrı́tico. No caso subcrı́tico, a variação do nı́vel de a montante correspon-
derá a um valor de velocidade de escoamento, e a solução requer simplesmente a
aplicação da equação 9.20 sendo conhecido o valor de hP .
Mas, por outro lado, se o escoamento é supercrı́tico, ou o canal pode sustentar
esse tipo de escoamento pela declividade que apresenta, duas condições de escoa-
mento devem ser impostas a montante, então não será suficiente apenas predefinir-
se a vazão. Essa condição pode não ser possı́vel de se prever a priori, e forçar
um comportamento subcrı́tico pode levar o modelo a apresentar resultados impre-
visı́veis. Assim, fixar a profundidade de montante de um canal ao longo do tempo
não deve ser uma aplicada de uma forma geral sem bastante cuidado e critério nos
resultados obtidos.

9.4.4 Obstrução à jusante do canal

Esse tipo de condição de contorno é também bastante simples, provavelmente a


mais simples das condições de jusante em problemas de canais. Basicamente é
CAPÍTULO 9. MOC PARA ESCOAMENTO EM CANAIS 128

a solução da equação 9.18 considerando uN S = 0, onde N S corresponde ao


número de nós do canal. Nesse caso, como nos anteriores, é requerido a prévia
determinação dos valores de uR , cR , hr .

9.4.5 Relação profundidade vazão conhecida a jusante

Esse tipo de condição de contorno é também relativamente simples de se adotar


em modelagem de canais, e ao mesmo tempo são comumente presentes. Exemplos
incluem situações onde há descarga livre do canal (gerando escoamento crı́tico)
ou medidores de vazão de regime crı́tico como vertedores, calhas Parshall, entre
outros.
Nesses casos, pode ser escrever a vazão de saı́da do canal em termos da carga
piezométrica, ou seja QN S = f (hN S ). Ao mesmo tempo, a área do escoamento
também é função da profundidade, e o produto QN S = A(hN S ) uN S .
Para a solução do problema, utiliza-se a equação 9.18 juntamente com a relação
entre Q e h para o último dos nós de escoamento. Isso consiste num sistema de duas
equações não lineares, que para se encontrar as raı́zes deve ser requerer, no caso
de um canal com seção transversal de geometria complexa, um método iterativo
tal como bissecção. Em casos com seção transversal de geometria simples, uma
expressão direta pode ser derivada.
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