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O apriorismo de Kant ou a
realidade quadridimensional de Einstein?
Resumo: Afinal, é o espaço-tempo atributo do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si), como
quer Kant na Crítica da Razão Pura, ou o que há é o paradoxo de Einstein, defendido e
comprovado na Teoria da Relatividade Geral, de que o espaço e tempo são realidades
ontológicas e, portanto, estrutura dos objetos? É a orientação psicológica kantiana
insoluvelmente contrária à realidade proposta pela física einsteiniana, ou poderiam designar
uma busca conceitualmente compatível?
Abstract: After all, is the space-time attributed to the subject and not to the world (the thing
itself), as Kant wants in the Critique of Pure Reason, or what there is is the paradox of
Einstein, defended and verified in the General Theory of Relativity, that space and time are
ontological realities and therefore structure of objects? Is Kant’s psychological orientation
inextricably against the reality proposed by Einstein’s physics or could lead to a conceptually
compatible research?
Nosso objetivo neste artigo é confrontar o conceito de espaço e tempo trazido pela
doutrina de Immanuel Kant, com aquele adotado pelo paradigma científico expresso na Teoria
da Relatividade de Albert Einstein. Os temas espaço e tempo foram, e são amplamente
discutidos pela filosofia e pelas ciências. Platão, Aristóteles, Descartes, Malembranche,
Newton, Leibniz, Kant, Fiche, Hegel, e Einstein, só para citar os mais conhecidos gênios da
história do ocidente que discutiram e formularam questões sobre a matéria.
Para Isaac Newton (1642), o “espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação
com algo externo, permanece sempre semelhante e imóvel.” (Newton, 1996, fl. 24)
Filósofos e homens de ciência tendem cada vez mais a conceber o espaço como uma
espécie de “continente universal” dos corpos físicos. Segundo J. Ferrater Mora:
Analisadas estas propostas sobre o espaço, e aqui não se tem nenhuma pretensão em
esgotar o assunto, vamos agora nos ater um pouco sobre o tempo, que continua sendo um
verdadeiro mistério para a humanidade e um tema muito debatido pelos teólogos, filósofos e
cientistas.
Mas, afinal, o que é o tempo? Esta definitivamente não é uma demanda tão simples. E
a mesma questão foi feita a Santo Agostinho, ao que ele respondeu: “se ninguém mo
perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.
Segundo J. Ferrater Mora (2001) os hebreus e os gregos criaram conceitos até certo
ponto diferentes. Os hebreus eram fundamentalmente temporais, destacavam o “passar”, já os
gregos cultuavam um significado mais atemporal, de “estar” (presença, agora). Os gregos
reconheceram o tempo através das revoluções dos corpos celestes, dia-noite, as diversas horas
do dia, concebendo um tempo como uma série linear e repetível em ciclos, e tal série linear
como um conjunto de presentes.
A teoria clássica newtoniana deve seu grande sucesso por ser determinista, o que
significa afirmar que, conhecidas as condições físicas do sistema por ela descrito em um dado
instante, é possível conhecer exatamente o seu comportamento no futuro. (CEPA, 2012)
O filósofo da ciência Hans Reichenbach (1891) desenvolveu uma axiomática segundo
a qual o tempo e o espaço são particularidades de estrutura da ação causal dos fenômenos e,
entre outros autores, desenvolveu a tese de que o espaço-tempo é a matriz de toda realidade. É
o caso de Samuel Alexander, para quem não só o tempo e o espaço não são coisas indiferentes
aos processos reais, como também são o fundamento de tais processos, o que os engendra
realmente. (Mora, 2001)
2. Espaço e tempo em Kant
A questão que envolvia Kant era a seguinte: se a Física e a Matemática são possíveis
enquanto ciência, porque não a metafísica?
Buscando esta formulação, Kant propôs que o nosso conhecimento se divide em dois
ramos, a saber: o conhecimento através dos sentidos e o conhecimento através do intelecto.
Em a Estética Transcendental, de sua grandiosa obra A Crítica da Razão Pura (1781), a
sensibilidade é chamada de estética (aísthesis = sensação), sendo a faculdade que temos de
receber as sensações e de intuição, como o conhecimento imediato dos objetos dado pela
sensibilidade. Assim, as “intuições puras” e a priori, ou “formas da sensibilidade” são
somente duas: o espaço e o tempo.
Da mesma forma que Aristóteles, Kant também utiliza o termo “lugar” (Ort), no
sentido de introduzir o conceito de lugar transcendental (transzendentaler Ort).
Sem essa condição subjetiva humana, portanto, o espaço não significa nada.
Em seguida, o filho ilustre de um humilde artesão prussiano conclui que o tempo não é
algo que subsista por si mesmo ou que adere às coisas como determinação objetiva. O tempo
seria nada mais que uma condição subjetiva, a forma do sentido interno, isto é, do intuir a nós
mesmos e a nosso estado interno. É condição formal a priori de todos os fenômenos em geral,
assim como o espaço é forma pura de intuição interna, estando limitado apenas a fenômenos
externos. (Kant, 1996)
Em sua obra Compreender Kant, Oliver Dekens afirma que o espaço e o tempo, como
formas puras da intuição a priori, vão permitir construir ciências puras como a matemática, e
a parte pura de ciência empírica como o a física. Não concernem em nada às coisas em si e,
por sua dimensão subjetiva, são elementos bem reais da construção do conhecimento.
(Dekens, 2008)
Em síntese, como diz José Renato Salatiel (1996), em primeiro lugar, em Kant o
conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e,
segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do
mundo (da coisa-em-si). E complementa que espaço e tempo preexistem como faculdades do
sujeito - e, portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da experiência.
Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade
de qualquer experiência.
3. Espaço e tempo em Einstein
É sabido que Albert Einstein teve um longo e intenso envolvimento com a filosofia e
com os filósofos da ciência de seu tempo, como Ernst Mach, Moritz Schlick, Hans
Reichenbach e Ernst Cassirer, o que marcou seu modo de fazer e suas descobertas em Física.
Pensando que o espaço não passa de uma “coisa”, torna-se plausível que esta coisa
seja distorcida e curvada de alguma maneira. Nesta teoria, Einstein propôs que, próximo a
corpos gravitacionais, como por exemplo, a Terra, a Lua ou uma estrela, o próprio espaço-
tempo torna-se distorcido pela força gravitacional gerada por este corpo. Ele é curvado de tal
forma que o trajeto natural seguido por todos os objetos é qualquer trajeto que observamos.
(Stannard, 2011)
Conforme registra Renato Las Casas, o eclipse de 1919 ofereceria as condições ideais
para essa verificação da veracidade da curvatura do espaço-tempo submetido à gravidade,
quando o Sol eclipsado ficaria, visto da Terra, bem próximo a estrelas relativamente
brilhantes e poder-se-ia constatar a curvatura do espaço-tempo através do desvio da luz de
uma estrela ao passar próxima ao Sol, que deveria ser desviada, segundo Einstein, por 1,75
segundos de arco, desvio esse duas vezes maior que o previsto pela teoria de Newton.
Foram organizadas duas expedições científicas, uma veio para Sobral (CE) e outra se
dirigiu para a Ilha do Príncipe, na África. Estes dois lugares foram indicados pelos
astrônomos como os melhores pontos de observação do fenômeno. Em Sobral as condições
meteorológicas foram muito melhores. Aqui foram obtidas sete boas imagens do fenômeno.
No início de novembro a Royal Astronomical Society anunciou que os resultados obtidos
confirmavam a teoria de Einstein. (Las Casas, 1999)
Seguidos experimentos e pesquisas científicas durante todo o século XX comprovaram
os termos da Teoria da Relatividade.
4. Conclusão
Estamos aqui e ao fim, diante de uma antinomia. São o espaço e o tempo, como quer
Kant, preexistentes como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais -
quando eliminamos os objetos da experiência, ou o que ele denomina de uma forma de
intuição interna? Ou, conforme a Teoria da Relatividade Geral nos ensina, o espaço-tempo é
algo entrelaçado de maneira distinta em diferentes lugares, dependendo do campo
gravitacional e, portanto, é uma realidade quadridimensional subsistindo em si mesma? O
apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein?
Outra crítica que Kant direciona àqueles que afirmam a realidade absoluta e subsistente do
espaço e do tempo, aqui se incluindo os cientistas, é que estes “precisariam admitir dois não-
entes eternos infinitos subsistentes por si (espaço e tempo) que existem (mesmo sem serem
algo real) somente para abarcarem em si todo o real.” (Kant, 1996, p. 80)
Ao pretender transformar a metafísica em ciência, que achava ser possível aos moldes da
Física e da Matemática de sua época, Kant parece ter cometido um erro ao se apropriar dos
conceitos físicos newtonianos de espaço e tempo absolutos e transformá-los em estruturas da
sensibilidade do sujeito “conhecedor”.
No começo do séc. XX, dois filósofos e físicos, muito próximos a Einstein, já tomaram
parte desta discussão: Moritz Schlick (1882-1936) e Hans Reichenbach (1891-1953).
Teorias são livres invenções do pensamento, são livres construtos, mas devem se adaptar à
realidade à medida que nossa capacidade de experimentação for derrocando aquilo que era
tido como verdadeiro. A comprovação em 1919 da Teoria da Relatividade de Einstein e
inúmeras observações científicas comprobatórias póstumas, vêm trazer sérios problemas à
doutrina kantiana, trincando o alicerce da Estética Transcendental, primeiro mudando o
conceito de tempo para relativo e, depois, provando empiricamente que o espaço e o tempo,
ou melhor dizendo, o espaço-tempo é afetado pelo efeito gravitacional dos corpos massivos e,
portanto, entes externos ao sujeito.
Outra questão que poderia ainda ser levantada é: o efeito gravitacional dos corpos sobre o
espaço-tempo não existiria no universo antes da existência do sujeito e sua “estrutura pura de
sensibilidade”?
Antes de 1915, o espaço e o tempo eram considerados como um palco fixo e imutável,
hoje, com a teoria geral da relatividade, espaço-tempo são quantidades dinâmicas, afetando a
forma como os corpos se movem e as forças atuam e, portanto, algo real e externo ao sujeito.
(Hawking, 1988)
Assim, 1919 parece ter abalado os alicerces da doutrina do conhecimento sensível e suas
formas a priori - a Estética Transcendental - e lançar nuvens de desconfiança sobre as demais
teorias kantianas, e talvez não fosse temerário dizer, também sobre a forma moral da
“essência do imperativo categórico” – deves porque deves - de mesmas bases proféticas.
Mas 1919 quem sabe tenha feito ainda mais pela filosofia, ao expor que os filósofos
também podem se comportar como simples devotos ao seguir e idolatrar um pregador
metafísico, e que talvez... talvez, seguimentos da filosofia aparentemente com retóricas bem
estruturadas, nada mais signifiquem que uma seita.
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