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Tasso Assunção*
O mais deletério e execrável dos sentimentos, a inveja – definida pelo Dicionário Aurélio como
“desgosto ou pesar pelo bem ou felicidade de outrem”, ou como “desejo violento de possuir o bem
alheio” – encontra-se presente nos próprios fundamentos da estrutura psicológica de uma sociedade
aquisitiva, competitiva e violenta.
Dentre os sete pecados capitais, é a inveja a mais complexa das mazelas humanas, quase
sempre camuflada sob o manto de falsas acusações, calúnias, de racionalizações eivadas de
sutilezas ou de expedientes tão ou mais capciosos, mas sempre geradores de malefícios ou de
moléstias graves de caráter psicossomático.
Muito mais perniciosa a inveja se torna quando se revela de natureza doentia ou vinculada ao
distúrbio psicopático, condição em que o invejoso mórbido hostiliza sistematicamente, deprime-se
com o bem-estar de outrem, menospreza suas virtudes, deprecia suas qualidades, zomba de seus
méritos e se regozija com suas falhas.
O mais grave é que, como costuma se manter camuflada no subconsciente, como um espião
inimigo, raramente se pode desvendar seus métodos e tramoias, como se poderia fazer ao combater
um vírus mortal, de forma que as reações do alvo do invejoso apenas estimulam sua insídia e seu
apetite de desmancha-prazeres.
Tal é a natureza capciosa da inveja, que pode se desencadear contra quem o invejoso
aparentemente estima, mas, diante de seu status, instala-se cavilosamente, por meio de comparação,
constituindo, em verdade, em uma autoaversão gerada pela constatação ou suposição do invejoso de
que não pode se tornar igual ao outro.
É nessas situações que, ao retribuir algum bem recebido com o venenoso mal da perfídia e seus
sintomas, o invejoso desce ao nível da ingratidão, da traição e injustiça, já que, movido pelo egoísmo
e o ressentimento, sente-se o merecedor da conquista ou posição do outro, não atinando para a
própria incapacidade ou inércia.
Então, mostra-se capaz de boicotar, fofocar ou preparar armadilhas, a fim de prejudicar ou destruir
o outro, com o intuito de plantar a versão, ao menos hipocritamente para si mesmo, de que é melhor,
embora em seu íntimo sinta-se inferior, já que muitas vezes não percebe suas frustrações, burlando,
assim, as próprias angústias.
Neste ponto, convém assinalar a diferença entre a inveja e o esforço pela conquista do bem-estar,
quando a pessoa se empenha, com ética e moderação, por alcançar o objeto de desejo, aproveitando
as oportunidades e reformulando projetos ao se defrontar com o insucesso, sem o teor nocivo da
inveja pela vitória do outro.
Por esse ângulo, o indivíduo compreende que a vida não é uma competição, mas, antes, um
aprendizado de autossuperação, percebe que os fatos em si não derrotam ninguém, mas a forma
como se reage a eles, e se dispõe a amadurecer com as dificuldades, visto que estas são a melhor
escola psicológica e emocional.
Assim, a surpresa por alguma qualidade de outrem se apresenta em termos de apreciação digna e
generosa, quando não há lugar para a inveja destrutiva, mas para o incentivo e o estímulo ao
compromisso de adquirir novas virtudes, produzir melhores trabalhos, realizar mais conquistas, enfim,
aprimorar-se como ser humano.
No extremo oposto, o invejoso se deixa dominar pela compulsão de criticar e tentar minimizar o
bom êxito do próximo em qualquer atividade, por mais simples que seja, vangloriando-se
desmedidamente, numa tentativa de reduzir o mal-estar de seu desequilíbrio interior, enquanto
procura diminuir o outro por meio da crítica.
É por isso que os invejosos estão sempre criticando, escarnecendo e provocando aos que
invejam, ou, quando a patologia chega ao extremo, desejando-lhes os mais funestos infortúnios,
quando não o fazem indiretamente, difamando, denegrindo, desvalorizando, mas sempre se
certificando de que conseguem atingir o alvo.
Como não tem a capacidade ou a disposição para se esforçar por desenvolver os mesmos
atributos, ou por conquistar os mesmos bens do outro, a pessoa invejosa tenta destruí-los com
pensamentos, palavras e ações, num processo mórbido de difícil solução, já que quase sempre
encoberto por algum expediente capcioso.
O mais frequente instrumento da inveja, de natureza mais insidiosa que uma epidemia, a
maledicência se configura muitas vezes mais danosa que a agressão física, visto que ofende a
dignidade humana, macula reputações, arruína vidas.
Arma perniciosa, está ao alcance de todos os que guardam a maldade no coração, em qualquer
idade, quando instalam um tribunal espúrio, em que o réu se encontra sempre ausente e é
condenado de forma desleal, sem direito a defesa.
Nenhum ser humano pode se dizer imune a ela, sobretudo os que sobressaem em sua
capacidade produtiva e de realização, já que nada se apresenta mais prazeroso ao malevolente do
que apontar ou forjicar o desdouro dos que inveja.
Apesar de seus efeitos funestos, não implica nenhum comprometimento dos que a praticam, já
que se dissemina sob a forma de mexericos cujos autores muito raramente são identificados, donde
sua origem bastarda e seu caráter covarde.
Não atinam os que se comprazem em infamar a honra alheia que a malevolência consiste em
ação autofágica, uma vez que parte de um desajuste interior moralmente autodestrutivo em que
acabam por se envenenar com a própria má-fé.
Isso porque, ao se dispor a pensar e agir de forma maledicente, o malevolente põe em
funcionamento as camadas mais densas e inferiores de sua composição energética, expondo-se a
manifestações psicossomáticas e sociais deletérias.
Portanto, convém atentar para a qualidade das informações que correm à boca miúda, sua
veracidade, sua bondade ou maldade, bem como sua utilidade, para que não se alimentem nem se
validem boatos que não sejam de fato edificantes.