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Nota histórica
O contrato de sociedade, disciplinado nos artigos 980º e seguintes do Código Civil é seguramente,
de entre os contratos em especial, aquele cuja estrutura se apresenta mais complexa, sendo ao mesmo
tempo, o que desempenha as funções mais vastas. Esta atual configuração do instituto tem por base
uma riquíssima evolução histórica, durante a qual se vieram a incorporar neste contrato elementos
provenientes de vários ordenamentos jurídicos. É discutida a forma pela qual o contrato de sociedade
tem origem no Direito Romano. A maioria da doutrina considera-o derivado do chamado consortium
ercto non cito, espécie de compropriedade solidária em que incorporariam os bens da herança quando
os herdeiros não requeriam a divisão hereditária. Deste instuto teria derivado a mais antiga forma de
sociedade no Direito Romano, a societas omnium bonorum.
Elementos e características qualificativas do contrato de sociedade
Conceito de sociedade
O artigo 980º do nosso Código Civil introduz o capítulo relativo à sociedade com uma definição
legal: “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir
com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica que não seja
de mera fruição, a fim de repartirem os lucros dessa atividade.” Neste âmbito regula-se
genericamente o contrato de sociedade, ainda que se deva referir que o nosso Direito admite que em
certas circunstâncias uma sociedade possa não resultar de um contrato, podendo ser instituída por
negócio unilateral como no caso das sociedades unipessoais (488º e 270º-A a 270º-G do CSC) ou até
por ato legislativo, como na hipótese de transformação de empresas públicas em sociedades
unipessoais. O objeto da nossa análise será, porém, apenas o contrato de sociedade, pelo que a ele
nos vamos restringir.
A definição de sociedade constante do artigo 980º parece-nos lacunosa por não incluir o elemento
organização, conformador de toda a atividade societária. Pires de Lima e Antunes Varela
argumentam no sentido de que o elemento organização se situa para além do simples aspeto negocial
que retrata a origem da sociedade e que o artigo 980º não dá uma definição de sociedade, mas do
contrato de sociedade. Menezes Leitão argumenta no sentido de que, sendo o contrato de sociedade
um contrato de execução duradoura, uma sua análise apenas no momento genético acaba por dar
uma visão totalmente falseada da figura. Se toda a execução contratual é exercida através de uma
organização, como o demonstram os artigos 985º e seguintes, esta tem necessariamente de constituir
um dos elementos do contrato.
Feita, porém, esta ressalva, o artigo 980º acaba por conseguir uma noção praticamente compreensiva
dos elementos que constituem o contrato de sociedade. Assim, nós tenderíamos a autonomizar
quatro elementos nesta figura:
a) O instrumento: contribuição com bens ou serviços;
Não pode haver qualquer dúvida relativamente à essencialidade das contribuições dos sócios,
enquanto elemento constitutivo do contrato de sociedade. Sem essa contribuição frustrar-se-ia
inclusive a possibilidade de surgirem outros elementos. Com efeito, se o fim do contrato de sociedade
é a obtenção de lucros e o lucro representa o aumento do valor do património no termo da atividade
social, ou dos seus ciclos periódicos, em relação aos elementos utilizados para produzi-lo, é óbvio
que a atribuição, por partes dos sócios, dos meios necessários ao exercício da atividade social,
constitui um elemento essencial do contrato.
É, no entanto, necessário precisar que essa essencialidade se verifica unicamente em relação à
assunção, por parte dos sócios, das obrigações de contribuir, não se exigindo para a constituição
do vínculo social que exista uma contribuição efetiva. Esta solução resulta claramente do artigo
980º, que apenas exige que “uma ou mais pessoas se obriguem a contribuir”. Não é assim a
sociedade um contrato real quoad constitutionem, uma vez que o elemento essencial deste contrato
é a obrigação dos sócios, e não a prestação efetiva de bens ou serviços por parte destes.
Esta obrigação tem como sujeito ativo, não os outros sócios individualmente considerados, mas
antes a sociedade enquanto entidade personificada. Isto porque as entradas dos sócios
destinam-se funcionalmente a possibilitar o exercício de uma empresa. Ora, no contrato de
sociedade esse exercício vem a ser prosseguido através de uma organização, e assim, o titular do
direito de crédito correspondente terá de ser a própria organização e, portanto, a sociedade enquanto
entidade jurídica. Em face destas considerações, Menezes Leitão considera desnecessário
autonomizar como requisito do contrato de sociedade a dotação a esta de um património
inicial – fundo comum – ao contrário do que tem sido referido por diversos autores. Com efeito,
se por esta afirmação se entende a atribuição do direito às entradas dos sócios, essa atribuição verifica-
se desde logo no próprio contrato, dada a necessária convergência das obrigações para a organização
através do qual se prossegue a atividade económica, sendo desnecessária a menção a este requisito.
b) O objeto: exercício em comum de uma atividade económica que não seja de mera fruição;
A simples verificação da existência de uma contribuição com bens e serviços por parte dos sócios
não individualiza suficientemente a sociedade em face dos outros contratos, dado a que as prestações
a que os sócios se vinculam encontram-se em outros tipos contratuais, por cujas normas, aliás se
regem (artigo 984º). O que caracteriza a sociedade é, no entanto, a funcionalização atribuída
a essas prestações que só se tornam relevantes em ordem à prossecução em comum de
determinada atividade. Essa atividade que os sócios se propõem exercer vem a constituir o segundo
elemento do contrato de sociedade, o chamado objeto social.
A referência legal a uma “atividade” implica a exigência de uma realização pré-ordenada de atos
com vista à obtenção de um fim. Não existe, portanto, sociedade quando as partes se propõem
praticar um único ato, como no caso da compra de um prédio em compropriedade para revenda com
lucro. As atividades a desenvolver pelos sócios podem ser as mais variadas, embora tenham de estar
previamente determinadas no contrato. Com efeito, o artigo 980º exige que a atividade a
desenvolver pelos sócios seja certa, pelo que se faltar essa determinação o contrato não pode
deixar de considerar-se nulo por indeterminabilidade do objeto (280º/1).
Porém para se falar em sociedade é ainda necessário:
Que essa atividade tenha conteúdo económico, não podendo este consistir na mera fruição:
é necessário referir que, representado a sociedade uma forma de exercício coletivo de uma
empresa, apenas poderão constituir seu objeto as atividades suscetíveis de criar riqueza.
Daí que as atividades a prosseguir pelos sócios tenham de ser atividades dinâmicas, dirigidas
à produção de lucros, ficando fora do seu objeto todas as formas de aproveitamento estático
dos bens, como é a mera fruição.
Que essa atividade seja exercida em comum pelos sócios: a exigência de que o exercício
dessa atividade se realize em comum pelos sócios pressupõe, por seu turno, dois elementos
– que os sócios assumam em conjunto o risco da sua atividade e que os sócios
concorram na direção da mesma atividade. A divisão do risco por todos os sócios
assume-se como uma característica essencial da prossecução em comum do objeto social,
sendo por essa razão nulo o pacto que exclua um sócio da sua participação nas perdas. Já a
exigência de uma direção comum para a atividade dos sócios vai implicar a autonomização
de um terceiro elemento integrante do tipo societário, o chamado elemento organização.