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Revista Jurídica Virtual

Brasília, vol. 1, n. 5, Setembro 1999

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ESTRUTURA JUDICIÁRIA BRASILEIRA

Ives Gandra da Silva Martins Filho


Subprocurador-Geral do Trabalho
Assessor Especial da Casa Civil da Presidência da República
Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília

Introdução

Quando se fala em Reforma do Poder Judiciário, com vistas à sua modernização e aperfeiçoamento, de tal
modo que a prestação jurisdicional seja mais acessível a todos, rápida, barata e com satisfatório nível de
resultado na solução das demandas judiciais, não se deve esquecer a experiência do passado.

O serviço que a História presta ao cientista social é o de ser o seu laboratório de pesquisas. Enquanto o físico
pode reproduzir em laboratório as experiências que confirmem ou refutem suas teses, o legislador não pode,
para verificar o acerto de sua concepção sobre determinado modo de conduta social, editar a norma em
caráter experimental. O impacto na vida de milhões de pessoas, se a concepção não estiver respaldada pela
adequada captação da realidade social, será enorme, nociva e de difícil reparação posterior.

Daí a necessidade de se aproveitar as lições do passado, verificando quais os modelos que deram certo e os
que se mostraram inadequados para organizar a vida em sociedade. É evidente que somente o conhecimento
da História não é suficiente para se garantir a perfeição relativa da legislação editada, mas é elemento
fundamental para se evitar muitos erros de avaliação. Isto porque o conhecimento do passado é de extrema
importância para se compreender o presente. Esse é o serviço que a História presta ao legislador.

Tendo em vista essa premissa básica, o estudo que ora se faz da evolução da estrutura judiciária
brasileira, visa, na sua singeleza, trazer à memória as origens das instituições judiciárias que ora existem no
Brasil, desde as suas mais remotas matrizes portuguesas, para que se conheçam as razões que levaram
nossos antepassados a optarem por esta ou aquela forma de organizar a distribuição da Justiça no Brasil.

2) A ESTRUTURA JUDICIÁRIA COLONIAL

Matrizes Portuguesas

Nas origens do Reino Português, a administração da Justiça era função do rei. Em muitos documentos e leis
da época, a Justiça é considerada a primeira responsabilidade do rei. Como, na Idade Média, a corte real era
ambulante, o rei trazia consigo juízes que o auxiliavam na função judicante. Esses juízes recebiam o nome de
ouvidores do cível e ouvidores do crime, conforme a matéria de especialização que julgavam, e passaram
a compor o que se denominou de Casa da Justiça da Corte.

Para apreciar as causas cíveis e criminais, as matrizes normativas básicas utilizadas pelos ouvidores eram:

Lex Romana Wisigothorum – direito comum dos povos germânicos;


Privilégios – direitos assegurados aos nobres pelos reis;
Forais – leis particulares locais, asseguradas pelos reis.
Com a expansão do reino pela reconquista do território da península ibérica aos mouros, e a
uniformização das normas legais, consolidadas nas Ordenações do Reino (Afonsinas de 1480,
Manoelinas de 1520 e Filipinas de 1603), foram surgindo outras figuras para exercerem a função
judicante e aplicarem as diversas formas normativas:
juízes da terra (ou juízes ordinários) – eleitos pela comunidade, não sendo letrados, que apreciavam
as causas em que se aplicavam os forais, isto é, o direito local, e cuja jurisdição era simbolizada pelo
bastão vermelho que empunhavam (2 por cidade).
juízes de fora (figura criada em 1352) – nomeados pelo rei dentre bacharéis letrados, com a finalidade
de serem o suporte do rei nas localidades, garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino.
juízes de órfãos – com a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as
questões sucessórias a eles ligados.
provedores – colocados acima dos juízes de órfãos, para o cuidado geral dos órfãos, instituições de
caridade (hospitais e irmandades) e legitimação de testamentos (feitos, naquela época, verbalmente, o
que gerava muitos problemas).
corregedores – nomeados pelo rei, com função primordialmente investigatória e recursal,
inspecionando, em visitas às cidades e vilas que integravam sua comarca, como se dava a
administração da Justiça, julgando as causas em que os próprios juízes estivessem implicados.
desembargadores - magistrados de 2ª instância, que apreciavam as apelações e os recursos de
suplicação (para obter a clemência real). Recebiam tal nome porque despachavam ("desembargavam")
diretamente com o rei as petições formuladas pelos particulares em questões de graça e de justiça,
preparando e executando as deciões régias. Aos poucos, os reis foram lhes conferindo autoridade para
tomar, em seu nome, as decisões sobre tais matérias, passando a constituir o Desembargo do Paço.

Quando a Casa de Justiça da Corte passou a constituir um tribunal de apelação com a denominação de Casa
da Suplicação, foi formada por duas Mesas, uma do Cível e outra do Crime, sendo esta última o
Desembargo do Paço (denominado então de "Casinha"), que julgava as apelações nas causas criminais em
que a pena aplicada fosse a de morte e para as quais se postulava a clemência régia. A partir de 1521, o
Desembargo do Paço tornou-se corte independente e especial, e, em 1532, foi criada a Mesa de
Consciência e Ordens para a resolução dos casos jurídicos e administrativos referentes às ordens militar-
religiosas, que tinham foro privilegiado (Ordens de Cristo, de Avis e de Santiago). Acabou exorbitando sua
função, para julgar as causas eclesiásticas envolvendo os clérigos do Reino.

A Casa da Suplicação tornou-se a Corte Suprema para Portugal e para as Colônias, com a instituição dos
Tribunais de Relação como cortes de 2ª instância (foram sendo criadas as Relações do Porto, para Portugal,
da Bahia, para o Brasil, e de Goa, para a Índia). Assim, a Casa da Suplicação passou a ser o intérprete
máximo do direito português, constituindo suas decisões assentos que deveriam ser acolhidos pelas
instâncias inferiores como jurisprudência vinculante.

As instâncias recursais variavam conforme o valor da causa, podendo haver apelação direta para a
Relação se o valor da causa ultrapassasse o que o Corregedor ou o Provedor pudessem decidir como
instância última. Essa é a origem do instituto da alçada como limite valorativo para revisão de determinada
decisão.

b) Primórdios da Justiça no Brasil


Quando Martim Afonso de Sousa desembarcou no Brasil, em 1530, com a primeira expedição colonizadora,
veio com amplos poderes, incluindo os judiciais e policiais. O mesmo ocorreu com os donatários das
capitanias hereditárias, o que logo demonstrou ser desaconselhável, em face do arbítrio com que a função
judicial era exercida por alguns.

A instalação, com Tomé de Sousa, de um Governo-Geral no Brasil, em 1549, foi o marco inicial da
estruturação do Judiciário brasileiro, uma vez que trouxe consigo o Desembargador Pero Borges para
desempenhar a função de Ouvidor-Geral, encarregando-se da administração da Justiça.

Assim, originariamente, a administração da Justiça, no Brasil, fazia-se através do Ouvidor-Geral, que


ficava na Bahia, ao qual se poderia recorrer das decisões dos ouvidores das comarcas, em cada capitania,
que cuidavam da solução das contendas jurídicas nas vilas.

Como, no entanto, as funções judiciais eram, nesses primórdios, confundidas com as funções administrativas
e policiais, temos também exercendo atividades jurisdicionais nas comarcas, durante o período colonial, os
chanceleres, contadores e vereadores que compunham os Conselhos ou Câmaras Municipais. As figuras
dos corregedores, provedores, juízes ordinários e juízes de fora, próprias da Justiça Portuguesa, começaram a
aparecer no Brasil, na medida em que a colonização foi se ampliando, exigindo uma estrutura burocrática e
administrativa mais sofisticada.

Na Bahia, surgiu a figura dos juízes do povo, eleitos pela população local, que perdurou de 1644 até 1713.
Outra figura com jurisdição restrita era a dos almotacés, que julgavam as causas relativas a obras e
construções, cabendo de sua decisão recurso para os ouvidores da comarca (extintos por Lei de 26 de agosto
de 1830).

Em cada comarca, o corregedor passou a ser a autoridade judiciária superior sobre ouvidores e demais
juízes. No entanto, esse sistema monocrático de estruturação judiciária demonstrou seu ponto fraco no
abuso de poder com que se administrava a Justiça em muitas capitanias e na própria sede do governo-geral.

c) Primeiros Tribunais Brasileiros

Para diminuir os poderes dos ouvidores no Brasil, decidiu Filipe II, como monarca da União Ibérica de
Portugal e Espanha, dar à Justiça na colônia um órgão colegiado, instituindo, assim, um Tribunal de Relação
no Brasil. Essa é a origem da Relação da Bahia, criada em 1587, mas instalada efetivamente apenas em
1609. Como a nova forma de administração colegiada da Justiça feria os interesses dos governadores-gerais,
que tinham maior controle sobre os ouvidores, conseguiram estes a supressão da Relação em 1626. No
entanto, a colegialidade já era uma conquista irreversível como elemento de segurança do jurisdicionado na
revisão dos julgados singulares. Assim, em 1652 é reinstalada a Relação da Bahia, como Corte Superior
Brasileira.

A influência dos donatários das capitanias também se fazia sentir sobre os ouvidores em suas comarcas,
razão pela qual também se fez mister afastar essa ingerência indevida do poder administrativo sobre o poder
judicial. Assim, por Alvará de 24 de março de 1708, deixou-se claro que os ouvidores das capitanias eram
juízes da coroa e não dos donatários.

Com o fito de desafogar o excesso de processos que comprometiam o bom funcionamento da Relação da
Bahia, foi criada em 1734 a Relação do Rio de Janeiro, que só foi efetivamente instalada em 1751. Era
composta por 10 desembargadores, divididos em 4 Câmaras de 2 ou 3 juízes. Antes de começar a sessão,
celebrava-se Missa, pedindo luzes a Deus para que as decisões a serem tomadas fossem presididas pelo
ideal de Justiça.

No período do Vice-Reinado, as dificuldades de acesso das províncias mais distantes do Norte, para fazerem
chegar os recursos para a Relação da Bahia, deu azo à instituição de um órgão recursal colegiado de nível
inferior às Relações: em 1758 foi criada a Junta de Justiça do Pará, presidida pelo governador da província
e composta pelo ouvidor, intendente, um juiz de fora e 3 vereadores, adotando uma forma processual sumária.
A partir de 1765, passaram a ser criadas outras juntas semelhantes, para os lugares mais distantes da
colônia.

Assim, aos poucos, foi se estruturando a Justiça no Brasil, através da criação de Cortes de Justiça
responsáveis pela revisão das sentenças dos magistrados singulares de 1º grau.

O novo modelo, que assegurava um melhor julgamento da causa em primeira instância, em face da
consciência de que a sentença seria revista por um órgão superior colegiado, trouxe, no entanto, a
deficiência do distanciamento dos fatos, registrados nos autos, mas sem que o magistrado superior tivesse
ouvido as testemunhas, o que dificulta a perfeita captação do efetivamente ocorrido. A verdade dos autos
passa a ser a realidade, ainda que os depoimentos testemunhais não tenham sido perfeitamente retratados
nos registros feitos nos autos.

Chama a atenção, dentre as normas de caráter processual editadas logo no início do período imperial, a Lei
de 31 de março de 1824, que recomendava aos juízes que fundamentassem suas sentenças, o que mostra
que antes da independência, a discricionariedade na administração da Justiça foi nota característica da
magistratura colonial.

d) Juizados Especiais

A partir do século XVII, começam a funcionar no Brasil tribunais e juizados especializados, concedendo-se
privilégio de foro para determinadas matérias e pessoas:

Juntas Militares e Conselhos de Guerra – para julgar os crimes militares e crimes conexos;

Juntas da Fazenda – para apreciar as questões alfandegárias, tributárias e fiscais;

Juntas do Comércio – para apreciar as questões econômicas, envolvendo também a agricultura,


navegação, indústria e comércio.

e) Estrutura Judiciária Brasileira no Final do Período Colonial


A Justiça Brasileira, no fim do período colonial, possuía seus magistrados e tribunais próprios, mas com as
instâncias recursais derradeiras instaladas em Portugal, estruturando-se da seguinte forma:

JUSTIÇA BRASILEIRA NO PERÍODO COLONIAL

1ª Juiz de Juiz de paz para os lugares com mais de 20 famílias, decidindo verbalmente
Instância Vintena pequenas causas cíveis, sem direito a apelação ou agravo (nomeado por um
ano pela Câmara Municipal)

Juiz Eleito na localidade, para as causas comuns.


Ordinário

Juiz de Fora Nomeado pelo rei, para garantir a aplicação das leis gerais (substituía o
ouvidor da comarca).

2ª Relação da Fundada em 1609, como tribunal de apelação (de 1609 a 1758, teve 168
Instância Bahia desembargadores)

Relação do Fundada em 1751, como tribunal de apelação


Rio de
Janeiro

3ª Casa da Tribunal supremo de uniformização da interpretação do direito português, em


Instância Suplicação Lisboa.

Desembargo Originariamente fazia parte da Casa da Suplicação, para despachar as


do Paço matérias reservadas ao rei, tornou-se corte autônoma em 1521, como tribunal
de graça para clemência nos casos de penas de morte e outras.

Mesa da Para as questões relativas às ordens religiosas e de consciência do rei


Consciência (instância única).
e Ordens

Com a vinda da família real ao Brasil em 1808, a Relação do Rio de Janeiro foi transformada em Casa da
Suplicação para todo o Reino, com 23 desembargadores (Alvará de 10 de maio de 1808), criando-se, então,
as Relações do Maranhão, em 1812, e de Pernambuco, em 1821.

Como órgãos superiores das jurisdições especializadas, foram instituídos nessa época:

Conselho Supremo Militar (Alvará de 1 de abril de 1808);

Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens (Alvará de 22 de abril de 1808);

Juiz Conservador da Nação Britânica (Decreto de 4 de maio de 1808), como garantia de foro
privilegiado para os súditos ingleses, sendo exercido por um juiz brasileiro, mas eleito pelos ingleses
residentes no Brasil e aprovado pelo embaixador britânico (foi mantido após a independência brasileira,
como parte do tratado de reconhecimento da independência pela Inglaterra, sendo extinto pela Lei de 7
de dezembro de 1831);

Intendente Geral de Polícia (Alvará de 10 de maio de 1808), com jurisdição sobre os juízes criminais,
que recorriam para ele, podendo prender e soltar presos para investigação;

Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas, Navegação do Estado e Domínios Ultramarinos


(Decreto de 23 de agosto de 1808).

3) A ESTRUTURA JUDICIÁRIA IMPERIAL

O Poder Judicial na Constituição de 1824

A Constituição Imperial de 1824 deu nova feição à Justiça Brasileira, elevando-a, pelo constitucionalismo
montesquiano, a um dos Poderes do Estado (Poder Judicial – Título VI) e estruturando-a da seguinte forma:
Justiça Brasileira no Período Imperial

1ª Juízes de Paz Para conciliação prévia das contendas cíveis e, pela Lei de 15 de outubro
Instância de 1827, para instrução inicial das criminais, sendo eleitos em cada distrito.

Juízes de Para julgamento das contendas cíveis e crimes, sendo nomeados pelo
Direito Imperador.

2ª Tribunais de Para julgamento dos recursos das sentenças (revisão das decisões)
Instância Relação
(Provinciais)

3ª Supremo Para revista de determinadas causas e solução dos conflitos de jurisdição


Instância Tribunal de entre Relações Provinciais.
Justiça

O Supremo Tribunal de Justiça foi efetivamente criado pela Lei de 18 de setembro de 1828, compondo-se
de 17 Ministros (ao mesmo tempo em que foi extinta a Casa da Suplicação, o Desembargo do Paço e a
Mesa da Consciência e Ordens).

A Constituição de 1824 não contemplou qualquer sistema semelhante aos modelos atuais de controle
de constitucionalidade. A influência francesa ensejou que se outorgasse ao Poder Legislativo a atribuição de
"fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las", bem como "velar na guarda da Constituição" (art. 15, n.
8º e 9º).

Assim, o problema criado foi o de se atribuir a função uniformizadora da interpretação da lei à Assembléia
Legislativa, que não o exerceu, levando o Conselho de Estado (instituído pela Lei de 23 de novembro de
1841) a ser o órgão interpretativo da lei, quando deveria ser o Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, o Supremo Tribunal de Justiça se limitava a apreciar os recursos de revista que lhe eram oferecidos,
com base exclusiva em nulidade manifesta ou injustiça notória no julgamento da causa pelas instâncias
inferiores. Tratava-se, na verdade, de uma Corte de distribuição de Justiça e não de um tribunal de
uniformização de jurisprudência, já que seus julgados não vinculavam os Tribunais de Relação das Províncias.

Além disso, os juízes não tinham a garantia de inamovibilidade, o que levou o Imperador, em 1850, a
determinar a aposentadoria compulsória de juízes que inocentaram traficantes de escravos.

b) A instituição do Tribunal do Júri

Com a promulgação do Código Criminal, de 16 de dezembro de 1830, no qual, apesar dos acirrados debates,
manteve-se mantida a pena de morte, foi instituído, para o julgamento dos crimes em geral, o Conselho do
Júri (ou Juízo de Jurados), inspirado no modelo inglês.

Na realidade, a figura do Tribunal do Júri teve sua origem na Lei de 18 de junho de 1822, sobre os crimes
de imprensa, tendo sido estendido para os demais crimes com o Código Criminal.

O Conselho do Júri se desdobrava em Júri da Acusação (para decidir sobre a pronúncia do acusado, tendo
sido abolido esse júri prévio pela Lei 261, de 1841) e Júri do Julgamento. Era presidido por um juiz criminal
e composto por jurados eleitos pela Câmara Municipal dentre 60 jurados nas capitais e 30 jurados nas cidades
e vilas.

Apesar da previsão na Constituição de 1824, a instituição do Tribunal do Júri nunca foi estendida para o cível.
Com o Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, restou consagrada a instituição.

c) A Universalização da Judicatura no Período Regencial

O período regencial do Império, durante a menoridade de D. Pedro II, foi marcado pela extinção das antigas
figuras dos ouvidores, corregedores e chanceleres como magistrados (Decreto de 5 de dezembro de 1832),
universalizando-se a figura do juiz como magistrado de 1ª instância, em suas diversas modalidades:

Juiz Municipal – escolhido pelo presidente da Província, dentre os nomes constantes de uma lista
tríplice eleita pela Câmara Municipal, em substituição da antiga figura do juiz ordinário local.
Juiz de Paz – eleito pela população da cidade ou vila, para mandato de 4 anos, teve seu poder
aumentado no período regencial, para incluir o próprio julgamento das questões penais de pequena
monta (restringindo-se, posteriormente, seus poderes pela Lei 261, de 1841).

Juiz de Direito – nomeado pelo Imperador, em substituição à também vetusta figura do juiz de fora,
recebeu poderes especiais durante a regência, para atuar como chefe de polícia (perdendo essa função
pela Lei 261, de 1841).

Os poderes especiais concedidos aos juízes de paz e juízes de direito durante o período regencial em matéria
criminal foram devidos aos fortes distúrbios da ordem pública ocorridos então.

d) Os Tribunais do Comércio

Com a promulgação do Código Comercial pela Lei 556, de 25 de junho de 1850, determinava-se a criação
dos Tribunais do Comércio no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, como foro privilegiado para os
comerciantes. Seriam presididos por um magistrado letrado e por comerciantes deputados. Apreciariam
originariamente ou em grau recursal as causas mercantis, que também podiam ser apreciadas originariamente
pelos juízes do comércio. Tiveram vida curta os tribunais comerciais, uma vez que o Decreto 2.342, de 6 de
agosto de 1873, veio a retirar-lhes sua função judicante, deixando-os como simples órgãos administrativos de
registro de atos comerciais.

Em 1873, pelo Decreto 2.342, foram criados mais 7 Tribunais de Relação, ficando assim distribuída a
jurisdição de 2ª instância da Justiça Comum Imperial (todas as novas Relações foram instaladas ao longo de
1874):

Relação da Corte (Rio de Janeiro e Espírito Santo) – 17 desembargadores


Relação da Bahia (incluindo Sergipe) – 11 desembargadores
Relação de Pernambuco (incluindo Paraíba e Alagoas) – 11 desembargadores
Relação do Maranhão (incluindo o Piauí) – 7 desembargadores
Relação de São Paulo (incluindo Paraná) – 7 desembargadores
Relação de Minas Gerais – 7 desembargadores
Relação do Rio Grande do Sul (incluindo Santa Catarina) – 7 desembargadores
Relação do Pará (incluindo Amazonas) – 7 desembargadores
Relação do Ceará (incluindo Rio Grande do Norte) – 7 desembargadores
Relação do Mato Grosso – 5 desembargadores
Relação de Goiás – 5 desembargadores

4) ESTRUTURA JUDICIÁRIA REPUBLICANA


O Poder Judiciário na Constituição de 1891

A característica principal da primeira Constituição Republicana foi a do estabelecimento da dualidade da


Justiça Comum, instituindo a Justiça Federal para apreciar as causas em que a União fosse parte. Mas não
só. Todas as questões de natureza constitucional seriam da competência dos juízes federais, que poderiam
declarar a inconstitucionalidade das leis nos casos concretos, surgindo, assim, o controle difuso de
constitucionalidade das leis em nosso país.

O Supremo Tribunal de Justiça passava a Supremo Tribunal Federal, composto por 15 Ministros. Passou a
ter função uniformizadora da jurisprudência em matéria de direito constitucional e federal através da
emenda constitucional de 3 de setembro de 1926, reparando-se, assim, o equívoco do sistema judiciário
imperial, que não fora corrigido com a promulgação da Carta Magna Republicana em 1891.

O regime republicano inaugurou a adoção do controle judicial de constitucionalidade das leis para a
realidade brasileira. A influência do Direito Norte-Americano foi decisiva para a consolidação do modelo
difuso, consagrado já na chamada Constituição Provisória de 1890 (art. 58, § 1º, a e b) e confirmada pela
Constituição de 1891, pelo qual qualquer juiz ou tribunal poderia, no caso concreto, afastar a aplicação de lei,
por considerá-la inconstitucional.

A Constituição de 1891 previu a instituição dos Tribunais Federais, mas estes nunca chegaram a ser criados
durante a República Velha, pela qual perdurou nossa primeira carta política. Assim, pelo Decreto 3.084, de 5
de novembro de 1898, surgiram apenas os juízes federais, sendo sua lotação por Estado distribuída da
seguinte forma: 1 juiz seccional, 3 juízes substitutos e 3 juízes suplentes.

Os Tribunais de Relação das Províncias passavam a Tribunais de Justiça dos Estados (19 Tribunais), como
órgãos de cúpula da Justiça Comum Estadual, ostentando, inicialmente, as mais variadas denominações:

Tribunais de Justiça dos Estados

Instalação Nome original do tribunal

09/03/1891 Corte de Apelação do Distrito Federal

04/06/1891 Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

19/06/1891 Superior Tribunal de Justiça do Pará

15/07/1891 Tribunal da Relação do Estado do Rio de Janeiro

01/08/1891 Superior Tribunal de Justiça do Paraná

01/10/1891 Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina

01/10/1891 Superior Tribunal de Justiça do Piauí

10/10/1891 Superior Tribunal de Justiça do Mato Grosso

08/12/1891 Tribunal de Justiça de São Paulo

16/12/1891 Tribunal da Relação do Estado de Minas Gerais

08/03/1892 Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

01/06/1892 Superior Tribunal de Justiça de Alagoas

01/07/1892 Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

12/07/1892 Tribunal da Relação do Ceará

08/08/1892 Tribunal de Apelação e Revista da Bahia

04/11/1892 Superior Tribunal de Justiça do Amazonas

29/12/1892 Superior Tribunal de Justiça do Sergipe


01/01/1893 Superior Tribunal de Justiça de Goiás

23/02/1893 Supremo Tribunal de Justiça da Paraíba do Norte

A República manteve os juízes de direito (que no Rio Grande do Sul eram denominados de Juízes de
comarca), os juízes municipais (denominados em alguns Estados como juízes distritais), os tribunais do
júri e os juízes de paz (que continuavam sendo eletivos).

Aos magistrados eram garantidas, pela Constituição de 1891, a vitaliciedade e a irredutibilidade de


vencimentos, o que também reparava os abusos do tempo do Império contra magistrados que discordassem
das políticas governamentais.

O Poder Judiciário na Constituição de 1934

A Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao Poder e que deu fim à República Velha, teve como um de
seus frutos imediatos a instituição da Justiça Eleitoral, através da promulgação do Código Eleitoral pelo
Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, pois uma das reclamações de maior peso contra o sistema
político anterior era a da facilidade com que se davam as manipulações eleitorais, uma vez que a
"fiscalização" era das próprias autoridades estaduais e municipais.

Assim, já em 20 de maio de 1932 era instalado o Tribunal Superior Eleitoral, integrando a Justiça Eleitoral
também os Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados e o juízes eleitorais. Essa estrutura viria a ser
referendada pela Constituição de 1934 como ramo especializado do Poder Judiciário, juntamente com a
Justiça Militar. Os anseios da Revolução Constitucionalista de 1932, que levantaram São Paulo contra o
regime autoritário de Vargas, obtinham sucesso com a nova Carta Política.

A Justiça do Trabalho então criada ficava fora do Poder Judiciário, cujas garantias da magistratura passavam
a ser, além da vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, a da inamovibilidade. No caso dos magistrados
trabalhistas, a existência da representação classista temporária impedia a extensão dessas garantias a seus
membros.

O Supremo Tribunal Federal, que teve sua composição diminuída para 11 ministros pelo Decreto 19.656, de 3
de fevereiro de 1931, passou, com a Constituição de 1934, a ser denominado de Corte Suprema.

A Constituição de 1934 introduziu profundas e significativas alterações no sistema de controle de


constitucionalidade brasileiro. Por um lado manteve, no art. 76, III, b e c, as disposições contidas na
Constituição de 1891, e por outro, o constituinte determinou que a declaração de inconstitucionalidade
somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade de membros dos tribunais. Consagrou, outrossim, a
competência do Senado Federal para suspender a execução de qualquer lei ou ato declarado inconstitucional
pelo Poder Judiciário, emprestando efeito erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal. Introduziu, por
outro lado, a figura da representação interventiva para fins de intervenção federal nos Estados.

Pela Lei 244, de 11 de setembro de 1936, era instituído, no âmbito da Justiça Militar o Tribunal de Segurança
Nacional, com sede no Distrito Federal, para funcionar em estado de guerra ou de grave comoção intestina,
julgando militares e civis que atentassem contra a segurança do Estado.
O Poder Judiciário na Constituição de 1937

A Carta Política de 1937, imposta por Getúlio Vargas, com o fechamento do Congresso para a instituição do
"Estado Novo", alterou substancialmente a atividade do Poder Judiciário, na medida em que extinguiu a
Justiça Federal e a Justiça Eleitoral.

A Carta de 1937 revelou-se um retrocesso no que tange ao sistema de controle de constitucionalidade.


Embora não tenha introduzido qualquer modificação formal no texto constitucional que tratava do modelo
difuso de controle (art. 101, III, b e c), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando,
no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma
lei, poderia o Presidente da República submeter novamente ao Parlamento a lei declarada inconstitucional.
Confirmada a validade da lei por dois terços de votos em cada uma das Casas da assembléia, tornava-se
insubsistente a decisão do Tribunal.

Não bastasse tanto, o Chefe do Poder Executivo deixou claro que a atividade de controle de
constitucionalidade das leis, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, não seria respeitada pelo governo, se
este considerasse que a decisão do STF contrariasse o interesse nacional (Decreto-Lei 1.564, de 5 de
setembro de 1939, cassando declaração de inconstitucionalidade de lei tributária proferida pelo STF). Assim,
essa atividade de controle de constitucionalidade existiria, na realidade, apenas no papel, como, de resto, a
própria estrutura legal que pretendia legitimar o governo.
O Poder Judiciário nas Constituições de 1946 e 1967

A Constituição democrática de 1946 veio a restabelecer a Justiça Federal, indo além: criou o Tribunal
Federal de Recursos, como instância revisional das sentenças prolatadas pelos juízes federais, composto
por 9 ministros (arts. 103-105). O Ato Institucional nº 2, de 1965, elevaria esse número para 13. O Tribunal foi
regulamentado pela Lei nº 33, de 13 de maio de 1947, sendo efetivamente instalado em 23 de junho de 1947.

Restabelecida também a Justiça Eleitoral, como instituição responsável não apenas pelo julgamento das
contendas eleitorais, mas como organizadora dos pleitos (arts. 109-121), teve a Constituição de 1946 o mérito
de trazer para o seio do Poder Judiciário a Justiça do Trabalho, transformando seus Conselhos em Tribunais
(arts. 122-123). Completando o quadro das Justiças Especiais, ficou mantida a Justiça Militar como foro
especial para os militares (arts. 106-108), cujos órgãos de base passaram a ser as auditorias militares.

A grande novidade da Carta Magna de 1946, no campo do controle de constitucionalidade das leis, foi a
introduzida pela Emenda Constitucional nº 16/65, com a instituição da ação direta de inconstitucionalidade
contra a lei em tese, adotando-se o controle concentrado, mas sem dispensar o controle difuso nos casos
concretos.

A Constituição autoritária de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 1, de 1969, frutos do Regime Militar
implantado pela Revolução de 1964, mantiveram a estrutura básica do Poder Judiciário.

O Ato Institucional nº 5, de 1968, que conferiu ao Chefe do Poder Executivo Federal poderes quase
ilimitados, permitiu que pudesse demitir, remover, aposentar ou colocar em disponibilidade os magistrados,
sendo suspensas as garantias constitucionais da vitaliciedade e inamovibilidade . O Ato Institucional nº
6, que se lhe seguiu, atingiu diretamente o Supremo Tribunal Federal, reduzindo de 16 para 11 o número de
seus ministros.

Com a Emenda nº 7/77 (outorgada depois do fechamento do Congresso, através do "Pacote de Abril"), houve
a criação do Conselho Nacional da Magistratura, como órgão disciplinar, competindo-lhe receber
reclamações contra membros dos Tribunais e sendo-lhe facultado avocar processo disciplinares contra juízes
de primeiro grau. Essa mesma emenda introduziu a figura da avocatória: poder dado ao Supremo Tribunal
Federal, por solicitação do Procurador-Geral da República, de avocar toda e qualquer causa em curso perante
qualquer órgão judicante. Uma vez avocada, cabia ao STF processá-la e julgá-la como se fosse questão de
sua competência originária.

O Poder Judiciário na Constituição de 1988

A maior inovação da Constituição de 1988 quanto à estruturação do Poder Judiciário foi a criação do Superior
Tribunal de Justiça como Corte de uniformização de jurisprudência em torno da legislação federal, permitindo
que o Supremo Tribunal Federal pudesse assumir feições de Corte Constitucional, como guardião maior da
Constituição.

O STJ, que surgiu da transformação do TFR em tribunal superior, passou a ser o órgão de cúpula da Justiça
Comum, tanto Estadual quanto Federal, ao lado do TST, TSE e STM nas Justiças Especializadas.

Adotou-se, como sistemática recursal no âmbito do STJ e STF, a orientação segundo a qual o STJ apenas
aprecia a questão infra-constitucional debatida na decisão do TRF ou do TJ. Se houver matéria constitucional
envolvida, a parte deverá interpor, simultaneamente, recurso especial para o STJ e recurso extraordinário
para o STF, aguardando a apreciação do primeiro para, só então, discutir a matéria constitucional. O modelo
tem suas deficiências, na medida em que exige a interposição antecipada de recurso que, possivelmente,
poderá não ser necessário, se a questão for resolvida com a correta exegese apenas da legislação infra-
constitucional.

Os juizados especiais, cíveis e criminais, para pequenas causas (causas cíveis de menor complexidade e
infrações penais de menor potencial ofensivo) foi inovação da Carta Política de 88 que se vai tornando
realidade, com a implementação do ideal de melhor acesso à Justiça. O simplificação do procedimento que
neles se verifica, com dispensa de advogados, promoção da conciliação e revisão por turma de juízes de 1º
instância, contribui para a generalização desse modelo rápido e barato de composição de conflitos em
sociedade.

Justiça Comum Brasileira no Período Republicano

1ª Juízes de Para as causas criminais, cíveis e comerciais (Justiça Estadual).


Instância Direito

Juízes Para as causas em que a União for parte (tributárias, administrativas, e


Federais previdenciárias).

2ª Tribunais Para julgar as apelações das sentenças (reexame do direito e dos fatos).
Instância de Justiça

Tribunais Criados pela Constituição de 1988 para julgar as apelações na Justiça Federal.
Regionais
Federais
3ª Superior Criado pela Constituição de 1988 (mediante transformação do antigo Tribunal
Instância Tribunal Federal de Recursos) para uniformização da jurisprudência em torno da lei federal
de Justiça (tanto na Justiça Estadual quanto na Federal).

4ª Supremo Para interpretação e resguardo da Constituição (desde a Constituição de 1891 até


Instância Tribunal a de 1988, também atuava como órgão uniformizador da jurisprudência federal).
Federal

A complexa estrutura judiciária brasileira, com a possibilidade, na prática, de qualquer demanda ser alçada ao
Supremo Tribunal Federal, torna a Justiça Brasileira, no seu conjunto, extremamente lenta, com infindáveis
instâncias decisórias, o que está a exigir uma simplificação que passa, necessariamente, pela redução dos
recursos cabíveis, com a fixação de alçadas e previsão de pressupostos recursais mais restritivos quanto ao
acesso aos Tribunais Superiores.

O elemento simplificador e aglutinador de demandas que se encontra na Carta Política de 1988 é o relativo às
ações coletivas: o mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX) e a ação civil pública (CF, art. 129,
III), para defesa de interesses difusos e coletivos. Trata-se do fenômeno da coletivização do processo, que
permite a extensão da decisão de uma demanda a todos os afetados pela mesma causa.

Em matéria de controle de constitucionalidade das leis, a Emenda nº 3/93 introduziu o instituto da ação
declaratória de constitucionalidade como valioso instrumento de solução rápida das controvérsias
constitucionais, intentanda pelo governo quando pairar dúvidas sobre as medidas provisórias que edite.

5) Justiça do trabalho

Fase Embrionária:

Império: As causas relativas a prestação de serviços eram apreciadas pela Justiça Comum, pelo rito
sumaríssimo (Leis de 1830, 1837 e 1842 e Regulamento de 1850), sendo que as causas trabalhistas no
âmbito rural eram dirimidas pelos juízes de paz (Decreto de 1879).

República:

Instituição dos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem , no âmbito dos sindicatos (Decreto
1.637, de 1907), que não chegaram a ser efetivamente implementados;

Instituição, em São Paulo, do Patronato Agrícola (Lei Estadual 1.299-A, de 1911), para prestar assistência
judiciária aos trabalhadores rurais na cobrança de salários, e dos Tribunais Rurais (Lei Estadual 1.869, de
1922), para apreciar as controvérsias relativas aos contratos de locação de serviços rurais com imigrantes
estrangeiros;

Fase Administrativa:

O núcleo básico da futura Justiça do Trabalho se encontra no Conselho Nacional do Trabalho, criado pelo
Decreto 16.027, de 1923, no âmbito do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, para funcionar
tanto como órgão consultivo em matéria laboral, quanto como instância recursal em matéria previdenciária e
trabalhista, esta última em relação às demissões de empregados nas empresas públicas.

Com a subida de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 30, foi criado o Ministério do Trabalho
(Decreto 19.433, de 1930) e foram instituídas, com representação paritária das categorias profissional e
econômica, as:

Comissões Mistas de Conciliação (Decreto 21.396, de 1932), para solução dos conflitos coletivos de
trabalho; e

Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto 22.132, de 1932), para dirimir os conflitos individuais
de trabalho.

A Constituição de 1934 foi a primeira a prever expressamente a existência da Justiça do Trabalho, mas fora
do Poder Judiciário (art. 122), dando azo às controvérsias entre os Professores Waldemar Ferreira e Oliveira
Viana, no momento da regulamentação do dispositivo constitucional, quanto à representação classista e a
outorga de poder normativo à Justiça do Trabalho, rejeitadas pelo primeiro.

A Constituição de 1937 adotou claramente o modelo corporativista da Justiça do Trabalho, defendido por
Oliveira Viana, mas ainda com caráter administrativo (art. 139), sendo efetivamente instalada em 1º de maio
de 1941, com a seguinte estrutura:

Órgãos Localização

Conselho Nacional do Com sede em Brasília, no Ministério do Trabalho


Trabalho

8 Conselhos Regionais do No Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia,
Trabalho Pernambuco, Ceará e Pará

36 Juntas de Conciliação e Nas capitais e principais cidades brasileiras


Julgamento

Fase Judiciária:

A Constituição de 1946 promoveu a integração da Justiça do trabalho dentro do Poder Judiciário (art. 94,
V), transformando o Conselho Nacional do Trabalho em Tribunal Superior do Trabalho e os Conselhos
Regionais em Tribunais Regionais do Trabalho (art. 122).

A Constituição de 1988 veio a ampliar a estrutura judiciária trabalhista, ao prever a criação de, no mínimo,
um TRT por Estado, o que resultou na ampliação substancial do modelo original de 1941:

TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

Região Estados Sede Criação Juízes

1º Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1941 54 (36 togados)

2º São Paulo (Grande São Paulo) São Paulo 1941 64 (42 togados)

3º Minas Gerais Belo Horizonte 1941 36 (24 togados)

4º Rio Grande do Sul Porto Alegre 1941 36 (24 togados)

5º Bahia Salvador 1941 29 (19 togados)

6º Pernambuco Recife 1941 18 (12 togados)

7º Ceará Fortaleza 1941 8 (6 togados)

8º Pará e Amapá Belém 1941 23 (15 togados)

9º Paraná Curitiba 1975 28 (18 togados)

10º Distrito Federal e Tocantins Brasília 1981 17 (11 togados)

11º Amazonas e Roraima Manaus 1981 8 (6 togados)

12º Santa Catarina Florianópolis 1981 18 (12 togados)

13º Paraíba João Pessoa 1985 8 (6 togados)

14º Rondônia e Acre Porto Velho 1986 8 (6 togados)

15º São Paulo (interior e litoral) Campinas 1986 36 (24 togados)

16º Maranhão São Luís 1988 8 (6 togados)


17º Espírito Santo Vitória 1989 8 (6 togados)

18º Goiás Goiânia 1989 8 (6 togados)

19º Alagoas Maceió 1991 8 (6 togados)

20º Sergipe Aracaju 1991 8 (6 togados)

21º Rio Grande do Norte Natal 1991 8 (6 togados)

22º Piauí Teresina 1991 8 (6 togados)

23º Mato Grosso Cuiabá 1992 8 (6 togados)

24º Mato Grosso do Sul Campo Grande 1992 8 (6 togados)

A estrutura judiciária trabalhista de primeira instância comporta, atualmente, 4.507 juízes (2.289 togados e
2.218 classistas), distribuídos em 1.109 Juntas de Conciliação e Julgamento em todo o país.

A evolução da prestação jurisdicional trabalhista em termos quantitativos pode ser avaliada através do
seguinte quadro gráfico, que mostra como este ramo do Judiciário recebe e julga mais da metade de toda a
demanda judicial do Poder Judiciário brasileiro:

Processos solucionados pela Justiça do Trabalho

ANO TST TRTs JCJs ANO TST TRTs JCJs

1941 148 1.790 8.086 1970 7.803 26.154 430.795

1942 400 2.698 21.042 1971 6.586 22.471 347.389

1943 546 3.266 26.402 1972 7.845 23.403 308.542

1944 867 3.161 34.688 1973 8.994 25.650 324.555

1945 1.137 3.364 39.195 1974 8.261 29.342 386.936

1946 1.869 4.037 59.680 1975 9.248 33.529 402.902

1947 1.850 4.377 67.263 1976 11.723 36.766 404.380

1948 2.076 4.229 54.811 1977 13.387 38.994 452.248

1949 2.054 4.801 63.926 1978 12.265 39.283 477.386

1950 2.403 5.019 66.065 1979 11.706 43.613 546.727

1951 2.368 5.248 78.049 1980 13.915 50.720 609.881

1952 1.886 6.496 74.557 1981 15.372 51.148 657.826

1953 2.286 6.868 97.386 1982 14.474 63.219 653.392

1954 3.694 6.796 80.958 1983 16.085 71.368 670.972

1955 6.229 5.638 88.786 1984 16.726 87.787 737.370

1956 3.743 7.145 100.500 1985 23.010 90.144 744.221

1957 4.492 7.863 140.089 1986 21.304 85.719 728.463

1958 5.490 9.710 127.528 1987 21.178 96.372 837.714


1959 6.450 10.581 133.686 1988 17.600 106.832 828.077

1960 7.190 11.765 124.347 1989 23.812 117.741 950.742

1961 8.450 12.832 147.435 1990 20.473 129.379 1.053.237

1962 7.779 12.347 167.314 1991 24.713 149.217 1.263.492

1963 7.930 13.586 248.697 1992 28.447 174.418 1.337.986

1964 9.561 16.829 271.792 1993 35.938 272.271 1.507.955

1965 9.868 15.758 305.852 1994 44.695 346.248 1.676.186

1966 9.053 17.896 293.817 1995 56.033 358.832 1.705.052

1967 8.442 15.864 378.293 1996 57.863 358.427 1.861.253

1968 6.855 15.804 405.201 1997 87.607 411.545 1.922.367

1969 5.872 24.952 474.492 1998 111.814 413.502 1.928.632

Fonte: Relatórios Gerais da Justiça do Trabalho, de 1951 a 1998.

6) Justiça Militar

A Justiça Militar, existente em nosso país desde os tempos da Colônia, como foro privilegiado dos membros
das Forças Armadas, foi mantida pela Constituição de 1891, mas fora do Poder Judiciário, composta pelo
Supremo Tribunal Militar como órgão de cúpula e pelos Conselhos de Justiça, como organismos de 1ª
instância (compostos de um auditor e 4 juízes militares).

A Constituição de 1934 integrou a Justiça Militar ao Poder Judiciário. Durante o regimke de exceção do
Estado Novo (1937-1945), contou com o Tribunal de Segurança Nacional entre seus órgãos (suprimido
pela Constituição de 1946). O novo período de exceção, decorrente do Regime Militar que assumiu o
comando do país pela Revolução de 31 de março (1964-1985), foi marcado por uma ampliação da
competência da Justiça Militar, para abranger os civis envolvidos em questões de Segurança Nacional,
voltando, após a Carta Magna de 1988, a ficar limitada basicamente aos militares.

O Superior Tribunal Militar, como seu órgão de cúpula, é composto por 15 ministros, assim distribuídos,
quanto a suas origens: 4 generais, 3 almirantes, 3 brigadeiros, 3 advogados, 1 auditor-militar e 1
procurador. Pela extrema especialização da matéria, o número de processos julgados pelo STM é pequeno,
como se pode verificar do quadro abaixo:

Superior Tribunal Militar

Ano Processos Julgados Ano Processos Julgados

1991 593 1995 532

1992 469 1996 527

1993 536 1997 550

1994 454 1998 528

Fonte: BNDPJ – Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário/STF

As auditorias militares, como órgãos colegiados de 1ª instância da Justiça Militar, apresentaram, no ano de
1998, o seguinte quadro de processos julgados por suas Circunscrições Judiciárias Militares - CJM:

Justiça Militar Federal - 1998


CJM Unidade da Federação Auditorias Juízes Processos
Auditores Julgados

1ª Espírito Santo e Rio de Janeiro 6 10 129*

2ª São Paulo 2 4 32

3ª Rio Grande do Sul 3 5 66

4ª Minas Gerais 1 2 14

5ª Paraná e Santa Catarina 1 2 20

6ª Bahia e Sergipe 1 1 17

7ª Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e 1 2 17


Alagoas

8ª Paraná, Amazonas e Maranhão 1 2 14

9ª Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia 1 2 19

10ª Ceará e Piauí 1 2 9

11ª Distrito Federal, Goiás e Tocantins 1 2 67

12ª Amazonas, Acre e Roraima 1 2 44

Total 21 36 448

*Não estão incluídos os processos julgados pela 4ª Auditoria Militar/1ª CMJ - Fonte: BNDPJ – Banco Nacional
de Dados do Poder Judiciário/STF

7) Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral, em termos de constituição, é a mais "especial" das Justiças Especializadas, uma vez que
seus órgãos possuem uma composição idêntica para todos os Estados, independentemente do tamanho do
eleitorado, e seus juízes atuam concomitantemente com outras atividades.

Assim, todos os Tribunais Eleitorais, incluindo o TSE, são compostos de 7 membros, dos quais 5 oriundos da
magistratura (que continuam exercendo suas atividades normais nos seus Tribunais de origem) e 2 oriundos
da advocacia (e que continuam exercendo-a, sem necessidade de afastamento), com mandatos temporários.
Funciona-se, assim, com uma composição mínima e com atividades em horário posterior ao das sessões das
demais Cortes (geralmente iniciando suas sessões no final da tarde), tendo em vista o caráter sazonal das
demandas, que aumentam nos anos eleitorais e na proximidade dos pleitos.

Composição dos Tribunais Eleitorais

TSE 3 Ministros do STF 2 Ministros do STJ 2 Advogados

TREs 2 Desembargadores do TJ 1 Juiz do TRF 2 Juizes de Direito 2 Advogados

O quadro abaixo, relativo aos processos julgados pelo TSE após a promulgação da Constituição de 1988,
permite visualizar as demandas à Justiça Eleitoral em ano de "entre-safra" e em ano eleitoral:

Tribunal Superior Eleitoral

Ano Processos Julgados Ano Processos Julgados

1989 1.572 1994 1.610


1990 1.775 1995 2.099

1991 948 1996 3.267

1992 2.379 1997 1.215

1993 1.200 1998 3.226

Fonte: BNDPJ – Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário/STF

Quanto aos Tribunais Regionais Eleitorais, pode-se verificar o nível de demanda por Estado, através da
tabela abaixo, relativa ao ano de 1998:

TRIBUNAIS REGIONAIS ELEITORAIS - 1998

Eetado Processos Julgados Estado Processos Julgado

Acre 420 Paraíba 1.706

Alagoas 286 Paraná 1.273

Amapá 336 Pernambuco 2.492

Amazonas - Piauí 990

Bahia 1.126 Rio de Janeiro -

Ceará 726 Rio Grande Norte 490

Distrito Federal 1.234 Rio Grande do Sul 967

Espírito Santo - Rondônia 662

Goiás - Roraima 486

Maranhão 1.303 Santa Catarina 1.100

Mato Grosso 1.061 São Paulo 5.207

Mato Grosso Sul 478 Sergipe 610

Minas Gerais 3.532 Tocantins 463

Pará 935 Total

Fonte: BNDPJ – Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário/STF (Os dados não constantes do quadro
referem-se a Tribunais que não forneceram ao STF seus dados estatísticos).

8) JUSTIÇA FEDERAL

A Justiça Federal, com a Constituição de 1988, passou a contar, como órgãos de 2ª instância, com os
Tribunais Regionais Federais, assim distribuídos:

TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

REGIÃO SEDE JUÍZES ABRANGÊNCIA

1ª Brasília 18 Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Tocantins, Maranhão,
Região Mato Grosso, Pará, Amapá, Rondônia, Amazonas, Roraima e Acre

2ª Rio de 23 Rio de Janeiro e Espírito Santo


Região Janeiro
3ª São 27 São Paulo e Mato Grosso do Sul
Região Paulo

4ª Porto 23 Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná


Região Alegre

5ª Recife 10 Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará


Região

A Justiça Federal de 1ª Instância conta, atualmente, com um total de 610 juízes, distribuídos em 395 varas
federais.

Quanto ao desempenho da Justiça Federal, as estatísticas abaixo elencadas (relativas apenas ao período
posterior à Constituição de 1988, quando constituído o STJ), demonstram o crescente aumento das
demandas.

PROCESSOS SOLUCIONADOS PELA JUSTIÇA FEDERAL

ANO STJ TRFs Varas ANO STJ TRFs Varas

1989 3.711 22.765 129.896 1994 43.032 188.411 410.013

1990 11.742 89.335 172.068 1995 62.332 196.171 345.606

1991 19.267 85.356 271.740 1996 77.629 202.428 377.562

1992 31.428 124.609 422.981 1997 102.054 213.253 413.272

1993 35.105 162.670 328.733 1998 101.467 253.107 475.037

Fonte: Relatórios Estatísticos do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Federal, de 1998.

9) JUSTIÇA ESTADUAL

O crescimento das apelações interpostas para os Tribunais de Justiça de alguns Estados levou à criação dos
Tribunais de Alçada, que podem ser exclusivos para matéria cível ou criminal. Assim, os recursos em
demandas cíveis até determinado valor ou criminais em relação a determinadas penas não são recorríveis
para o Tribunal de Justiça do Estado, mas ficam restritos ao âmbito dos Tribunais de Alçada Cível ou Criminal.

Um quadro panorâmico da Justiça Estadual pode ser visualizado da seguinte forma, incluindo o número de
processos julgados no ano de 1998:
Justiça Estadual - 1998

ESTADO Desembargadores Julgados Juízes Julgados


no TJ no 1º grau

SÃO PAULO 323 (191 de Alçada) 87.133 1.345 2.318.668

RIO DE JANEIRO 145 45.306 515 241.892

RIO GRANDE DO SUL 123 - 605 823.123

MINAS GERAIS 93 (50 de Alçada) 13.507 696 536.632

PARANÁ 84 (49 de Alçada) 10.344 437 186.528

BAHIA 30 6.463 361 11.044

DISTRITO FEDERAL 29 9.075 153 90.081

PERNAMBUCO 27 4.618 337 73.695

SANTA CATARINA 27 16.197 258 296.522

PARÁ 25 - 137 -

CEARÁ 23 - 330 -

ESPÍRITO SANTO 21 - 212 23.550

MATO GROSSO SUL 21 6.369 97 57.019

GOIÁS 20 10.174 196 80.606

MARANHÃO 20 2.180 194 23.951

MATO GROSSO 20 5.719 119 56.097

PARAÍBA 15 4.508 171 70.587

RIO GRANDE NORTE 15 - 113 -

AMAZONAS 14 - 128 -

PIAUÍ 13 1.631 132 17.473

RONDÔNIA 11 2.434 78 64.117

TOCANTINS 11 - 72 4.659

ALAGOAS 10 1.075 137 11.449

SERGIPE 10 2.253 94 40.645

ACRE 8 412 28 25.489

AMAPÁ 7 484 47 18.413

RORAIMA 7 378 15 -

TOTAL 1.152 230.260 7.007 4.938.083

Fonte: BNDPJ – Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário/STF (Os dados não constantes do quadro
referem-se a Tribunais que não forneceram ao STF seus dados estatísticos).
A constituição de juizados especiais em todo o Brasil, generalizando o modelo simplificado de célere de
julgamento das pequenas causas, pode ser visualizado através do seguinte quadro:

Juizados Especiais - 1998

Unidade da Juizados Processos Unidade da Juizados Processos


Federação Especiais julgados Federação Especiais julgados

São Paul 1.123 584.166 Rondônia 30 25.422

Rio Grande Sul 218 259.612 Acre 29 15.130

Rio de Janeiro 212 120.168 Maranhão 26 1.009

Paraná 102 41.117 Distrito Federal 22 14.935

Mato Grosso 97 20.484 Pernambuco 21 -


Sul

Bahia 82 63.104 Alagoas 19 -

Paraíba 74 - Minas Gerais 13 238.386

Rio Grande 68 34.128 Sergipe 12 16.291


Norte

Mato Grosso 57 25.092 Amapá 9 8.694

Ceará 40 36.120 Piauí 9 10.550

Pará 38 - Santa Catarina 9 29.142

Goiás 34 37.868 Tocantins 9 5.230

Espírito Santo 31 - Roraima 6 -

Amazonas 30 6.661 Total 2.420 1.593.309

Fonte: BNDPJ – Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário/STF (Os dados não constantes do quadro
referem-se a Tribunais que não forneceram ao STF seus dados estatísticos).

10) Cconclusão

Algumas conclusões práticas podem ser tiradas desta breve excursão pela história do desenvolvimento da
Justiça Brasileira:

a) Estando o direito brasileiro ligado à tradição romano-germânica de direito codificado, fruto da


elaboração parlamentar, não se justifica a busca da legitimação direta do magistrado pelo voto popular,
própria da tradição anglo-americana de direito costumeiro, onde é o juiz que explicita o ordenamento
jurídico. Assim, o sistema eletivo dos magistrados locais (afora os juízes de paz, que exercem apenas
jurisdição voluntária) já não se coaduna com a aplicação de um direito eminentemente federal, por
magistrados dos quais se espera que sejam intérpretes das leis votadas pelo Congresso Nacional e não
criadores de uma nova ordem jurídica.

b) A federalização do direito brasileiro, nas matérias de maior relevância, somada à seleção dos candidatos
à magistratura através de concurso público, faz do moderno juiz de direito verdadeiro juiz de fora dos
tempos antigos, responsável pela garantia de aplicação do direito geral nas localidades do reino. Isto porque a
estruturação da carreira em várias entrâncias, a começar das menores cidades do Estado até sua capital,
torna o juiz recém nomeado um alienígena na localidade em que iniciará sua carreira, organizando sua vida
nessa nova cidade, inicialmente como um corpo a ela estranho, mas também por isso, mais capaz de julgar
com a isenção própria de quem deve amoldar os costumes locais à lei geral, unificando e otimizando os
padrões de convívio social.

c) A especialização da Justiça como reflexo da crescente especialização dos ramos do conhecimento


humano, tornando impossível o domínio concentrado por qualquer profissional, é realidade que não admite
reversão para um modelo unificado de Justiça Comum. A tendência natural é a de que, além da Justiça do
Trabalho, Eleitoral e Militar, outros ramos especializados venham paulatinamente a surgir, como a Justiça
Fiscal, Agrária, Administrativa ou Previdenciária, permitindo uma melhor apreciação das demandas, por
juízes que detenham um conhecimento profundo desses ramos do Direito norteados por princípios próprios e
distintos.

d) A necessidade de um aperfeiçoamento técnico das decisões, somada à exigência de uma Justiça mais
barata e rápida, acessível assim aos pobres, torna fundamental a extinção da representação classista na
Justiça do Trabalho. Tal medida representaria uma economia anual aos cofres públicos da ordem de 120
milhões de reais. Economia que se impõe, na medida em que a atuação dos juízes classistas é totalmente
despicienda no contexto atual. Com efeito, os juízes classistas, por não terem formação jurídica, carecem de
conhecimento teórico para discutirem questões processuais que estão umbilicalmente ligadas às questões de
direito material discutidas nos processos trabalhistas. E por terem conhecimento apenas do ramo profissional
de que são oriundos, não podem efetivamente trazer qualquer experiência prática (que o próprio juiz togado já
não tenha) para resolver os problemas próprios de outros ramos profissionais.

e) A crescente demanda que chega ao Judiciário, afogando os órgãos judicantes, de modo a comprometer a
celeridade e qualidade da prestação jurisdicional, está a exigir que se prestigiem mais as formas alternativas
de composição dos conflitos sociais, tais como a conciliação, mediação e arbitragem, de modo a que se
tornem (as duas primeiras) condição prévia ao ajuizamento da ação, tal como originariamente previsto na
Constituição de Império e vivenciada desde os juízes de paz do período colonial.

f) O volume desproporcionado de recursos que atolam as Cortes Superiores, caracterizado pela repetitividade
das questões (as estatísticas têm mostrado que quase 90% dos recursos apreciados pelos Tribunais
Superiores são sobre questões já decididas), aponta para a urgente necessidade da adoção do efeito
vinculante para as decisões dos Tribunais Superiores. É de se destacar que o efeito vinculante constitui
elemento de democratização do acesso do cidadão aos Tribunais Superiores, na medida em que as decisões
dessas Cortes se espraiam pelas instâncias inferiores, fazendo com que o império da lei, tal como interpretada
pelas instâncias superioras, já surta efeito imediatamente, sem que o cidadão postulante tenha que percorrer
todo o longo caminho para chegar a obter um pronunciamento definitivo dessas Cortes, que, de antemão, já
sabe que lhe será favorável, em face da jurisprudência existente. Aproveitando o dito popular, não é preciso
que Maomé suba à montanha, já que a montanha pode vir a Maomé.

g) Também visando ao desafogamento das Cortes Superiores, mister se faz a adoção de fórmula que permita
às instâncias de caráter extraordinário a seleção das causas que irão julgar, conforme critério de
transcendência política, social, econômica ou jurídica da questão, aplicando-se às demais causas de
natureza semelhante a jurisprudência então firmada pelas Cortes Superiores. Seria o retorno da fórmula da
argüição de relevância do período da Carta Magna de 1967, mas em versão simplificada, sem necessidade
de justificação específica em cada processo sobre os motivos pelos quais não será examinado. Essa fórmula
se justifica, na medida em que a garantia do duplo grau de jurisdição constitui salvaguarda do cidadão quanto
à administração da Justiça, enquanto a existência de Cortes Superiores de uniformização de jurisprudência
constituem salvaguarda do Estado Federal, de aplicação e respeito indistinto, em todas as unidades da
federação, do direito federal. Daí que, à semelhança da Corte Suprema americana, deve caber ao STF, por
exemplo, a seleção das questões que irá apreciar efetivamente, em face de sua relevância. Do contrário, o
excesso de processos de caráter repetitivo e sem maior significado impedirá o exame profundo e célere das
questões de maior importância para a nação.

h) Analisando a evolução do sistema pátrio de controle de constitucionalidades das leis, que nasceu em sua
modalidade difusa e concreta, para depois evoluir para o modelo misto, com a admissão também do controle
concentrado e abstrato, quer através da ADIn, quer através da ADC, verifica-se a necessidade de seu
aperfeiçoamento, pela previsão de forma que conjugue a concentração com a concretude, o que seria
possível através de instituto como o incidente de inconstitucionalidade. Nele, a parte interessada em que
seja dirimida controvérsia sobre a constitucionalidade da lei que rege a matéria em debate pode ter acesso
imediato ao STF. Tal instituto não guarda relação com a antiga avocatória, uma vez que esta era deflagrada
pelo STF, enquanto o novo instituto seria ofertado ao cidadão, para rápido acesso à Suprema Corte. O
incidente apresenta vantagens em relação à ADIn e à ADC, na medida em que traz ao STF a questão da
constitucionalidade da lei em caso concreto e não apenas abstratamente, permitindo que o STF dissolva a
dúvida existente já nos alvores da controvérsia, sem esperar que esta se agudize pela demora na ascensão
do processo até a Suprema Corte.

i) A fórmula adotada pela Justiça do Trabalho, de apreciação concentrada de toda a matéria de direito –
constitucional e federal – pelo TST, através do recurso de revista, deve ser estendida para o STJ, de modo a
simplificar o modelo existente: em vez da parte interpor, simultaneamente, recurso especial e recurso
extraordinário contra decisão de TRF ou TJ, poderia veicular também no recurso especial eventual questão
constitucional, que seria levada ao STF, caso a decisão do STJ seja contrária à Constituição. Isso simplificaria
sobremaneira o sistema recursal na Justiça Comum, contribuindo para a celeridade na administração da
Justiça.

O Poder Judiciário do Terceiro Milênio deverá ser caracterizado, pois, pela qualidade técnica de suas
decisões (Justiça Social efetiva), baixo custo de sua estrutura (Acessível na prática a todos), celeridade na
prestação jurisdicional (Justiça certa mas tardia equivale a Injustiça) e concentração de demandas
(Coletivização do processo). Para tanto, mister se faz que sua estrutura seja modernizada de modo a fazer,
efetivamente, do Poder Judiciário pilar da cidadania, pelo respeito à Lei.

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Revista Jurídica Virtual

Brasília, vol. 1, n. 5, Setembro 1999

Do Positivismo Jurídico à Democracia em Kelsen

José Levi Mello do Amaral Júnior


Professor de Direito Constitucional da PUC/RS
jose.levi@uol.com.br

"Uma democracia sem valores converte-se facilmente


num totalitarismo aberto ou dissimulado"
João Paulo II

Sumário

1. Introdução 2. O conceito de Direito em Kelsen 3. O jogo democrático em Kelsen 4. Cruzando o limiar da


democracia kelseniana 5. Notas 6. Referências bibliográficas

1. Introdução

Hans Kelsen, provavelmente o maior jurista do século XX, tem recebido toda sorte de interpretações e
críticas. Afinal, sua vasta e singularmente articulada obra é alvo dos mais sérios debates doutrinários das
últimas décadas. Analisar o conceito de Direito em Kelsen, bem como seus reflexos na concepção de
democracia proposta pelo mesmo autor, é o objeto do presente estudo.

Para isso, iniciaremos enfrentando o conceito de Direito em Kelsen; a seguir, estudaremos o modelo
democrático por ele defendido; à guisa de conclusão, enfocaremos a forma pela qual a concepção de Direito
exposta determina a teoria kelseniana de Estado democrático, a fim de precisar a influência daquele conceito
sobre a dinâmica do jogo democrático tal qual proposto pelo jurista austríaco.

2. O conceito de Direito em Kelsen

O dissenso e o embate ideológico marcam, profundamente, a sociedade contemporânea (01). A conciliação


das diferentes inclinações político-ideológicas da sociedade contemporânea, precisamente, é a tarefa
empreendida pelo positivismo jurídico (02).

O positivismo jurídico tem sua sistematização clássica na "escola alemã de direito público", de Laband e
Gerber. Para seus adeptos, o Direito é um sistema pleno, sem lacunas e autônomo (03), dentro do qual não há
espaço para juízos de valor, morais ou políticos (04). Enquanto o jusnaturalismo pauta o Direito pela justiça
das suas normas, e o realismo define o Direito pela eficácia daquelas, o positivismo faz o Direito depender da
validade dos seus comandos normativos (05): "norma jurídica não é a norma justa ou a norma eficaz, é a
norma válida" (06). Essa concepção do jurídico teve sua mais elaborada formulação na obra de Kelsen.

Em Kelsen, o Direito apresenta-se como um sistema normativo — formado por normas válidas e coercitivas
—, que funciona como um "esquema de interpretação" a conferir sentido jurídico aos atos humanos (07).
Assim, uma conduta humana é juridicamente relevante se coincide com o conteúdo de uma norma válida (08).

A pretensão dessa concepção de Direito é descrever o Direito como ele é, não dizer como ele deveria ser
(09). Para melhor compreender a construção, importa analisar algumas das categorias com que trabalha
Kelsen.

Norma jurídica. A norma jurídica é um dever-ser e o ato humano ao qual ela atribui significado é um ser (10).
Esse ato será conforme o Direito se coincidir, em seu conteúdo, com o conteúdo da norma. O conteúdo da
norma pode ser um comandar, um permitir e um conferir competência (11). Eventual divergência entre o ato e
o conteúdo da norma implica em uma sanção socialmente organizada (12).

Validade. Para incidir nos fatos da vida e atribuir-lhes efeitos jurídicos, a norma precisa ser válida. Para
Kelsen, a validade é a qualidade da norma que: (1) existe juridicamente (13), isto é, (2) pertence a um
ordenamento jurídico (14), (3) posto que criada segundo o modo prescrito por outra norma do sistema (15), (4)
de forma a obrigar os homens a se comportarem segundo o conteúdo normativo (16). Portanto, uma norma
existe e obriga na medida em que foi produzida conforme o prescrito em uma norma superior (17). Cria-se,
assim, uma "cadeia normativa" de normas postas (18). Para que esse encadeamento não caia no infinito,
Kelsen pressupõe uma norma hipotética que, pretensamente, fecha o sistema: a norma fundamental.

Norma fundamental. Para completar o projeto positivista, Kelsen não pode fechar o seu sistema normativo
com um dado fático ou moral (19). O próprio Direito deve fundar o sistema normativo. Chega-se, assim, à
norma fundamental, uma norma jurídica hipotética, não posta mas pressuposta, que funciona como
fundamento de validade último de todo o sistema normativo kelseniano (20), assim podendo ser enunciada:
"devemos obedecer às ordens do autor da Constituição" (21), qualquer que seja o conteúdo desta
Constituição (22).

Em Kelsen, não interessa ao Direito se uma norma é verdadeira ou falsa, boa ou má, mas tão-somente se ela
é válida ou inválida (23). O único juízo de valor admitido por Kelsen é a compatibilidade das condutas
humanas às normas, e destas com as normas superiores (24).

Essa concepção de Direito é aplicada por Kelsen em sua teoria do Estado. Em verdade, para o jurista
austríaco, Estado e Direito se confundem (25). Essa construção terá implicações marcantes na concepção
kelseniana de democracia — e de Estado democrático —, a qual também restará, pretensamente, esvaziada
de juízos axiológicos.

3. O jogo democrático em Kelsen

A democracia concebida por Kelsen funda-se em "dois postulados da nossa razão prática" (26): liberdade e
igualdade (27).

No momento em que o homem se organiza em sociedade, paulatinamente configura-se um aparato estatal


que disciplinará as relações dos homens entre si e destes com o Estado. Surge, então, um poder que
comandará o indivíduo e a sociedade. Ora, sendo a liberdade ínsita a cada ser humano, devemos ser
comandados por nós mesmos (28). Portanto, para Kelsen, o homem é livre na medida em que participa da
formação da vontade do Estado (29). De qualquer forma, "...mesmo que a vontade geral seja realizada
diretamente pelo povo, o indivíduo é livre só por um momento, isto é, durante a votação, mas apenas se
votou com a maioria e não com a minoria vencida" (30).

Assim, Kelsen afirma que "o cidadão só é livre através da vontade geral e de que, por conseguinte, ao ser
obrigado a obedecer ele está sendo obrigado a ser livre" (31). Surge, aqui, um dos dramas do modelo: a
vontade geral vale objetivamente, isto é, independe da vontade daqueles que se lhe submetem (32). Esta
realidade fica ainda mais evidente quando o votante muda de opinião, uma vez que tal câmbio não traz
qualquer conseqüência jurídica (33). Ademais, deve-se lembrar que a maioria das pessoas já nasce numa
ordem estatal preexistente, isto é, para cuja criação e configuração não concorreu (34). Por tudo isso, a
exigência de uma maioria absoluta para tomada de decisão representa uma aproximação maior com a idéia
de liberdade (35).

A pretensão do sistema é que a maioria represente também a minoria, isto é, a vontade da maioria seria
expressão da vontade geral. Mas isso é mera ficção (36). A minoria conserva seus ideais, devendo ter a sua
disposição meios de influir na vontade da maioria. Caso contrário, cedo ou tarde renunciará à participação
meramente formal; em isso acontecendo, a maioria desnatura-se, uma vez que só há maioria se houver uma
minoria...(37) E, não havendo contraposição entre maioria e minoria, não há democracia!

Ganha relevo, então, a questão da proteção da minoria. "Esta proteção da minoria é a função essencial dos
chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos
por todas as modernas constituições das democracias parlamentares" (38). Em Kelsen, a proteção da minoria
através da garantia das liberdades públicas, será desempenhada por uma jurisdição constitucional (39).

Os conflitos sociais, intensos no ocaso do século XIX, foram conduzidos para dentro do parlamento. Supera-
se a democracia liberal, onde não havia partidos políticos e o consensus em torno da ordem liberal vigente era
mantido pelo voto censitário (40). Até então, por força das instituições liberais, as demandas populares eram
mantidas distantes do Parlamento, uma vez que esse era composto exclusivamente por políticos fechados
com a ordem liberal vigente (41).

Fazendo forte crítica ao marxismo — que, em última análise, propugnava pela revolução social por meio da
força —, Kelsen defenderá uma democracia com sufrágio universal (42) e realizada por meio dos partidos
políticos. Esses são aclamados como "um dos elementos mais importantes da democracia real" (43). É por
meio deles que os homens de mesma opinião se agrupam para influir sobre a gestão dos negócios públicos
(44); é através deles que os conflitos sociais harmonizam-se no embate pacífico do jogo político-partidário
típico dos parlamentos modernos (45).

Ainda assim a democracia é sujeita a equívocos. Em alguns dos seus trabalhos (46), Kelsen adverte sobre a
possibilidade de equívocos ratificados pelo regime democrático; exemplifica referindo a passagem evangélica
de "Cristo-Rei" (Jo. 18, 28-40):

"O capítulo XVIII do Evangelho de São João descreve o julgamento de Jesus. Esta história
simples, com suas palavras singelas, é uma das composições mais sublimes da literatura
mundial, e, sem pretendê-lo, transforma-se num trágico símbolo do antagonismo entre
absolutismo e relativismo [segundo o próprio Kelsen, símbolo trágico, também, da democracia
— nota nossa — cf. Kelsen, A Essência..., pág. 107].

"Foi na época da Páscoa que Jesus, acusado de pretender-se Filho de Deus e Rei dos Judeus,
foi levado a Pilatos, o delegado romano. E Pilatos, não vendo nele mais que um pobre diabo,
perguntou ironicamente: ‘Então és tu o rei dos judeus’? Mas Jesus tomou a questão com muita
seriedade e, no ardor de sua missão divina, respondeu: ‘Tu o dizes. Sou rei. Nasci e vim ao
mundo para dar testemunho da verdade. Todo o que está do lado da verdade ouve a minha
voz’. Pilatos perguntou então: ‘O que é a verdade’? E poque ele, o cético relativista, não sabia
o que era a verdade, a verdade absoluta na qual este homem acreditava, procedeu — com
muita coerência — de forma democrática, delegando a decisão ao voto popular. Segundo o
Evangelho, foi ter novamente com os judeus e disse-lhes: ‘Não encontro nele crime algum. Mas
é costume que eu, pela Páscoa, vos solte um prisioneiro. Quereis, pois, que eu vos solte o rei
dos judeus’? Então gritaram todos novamente, dizendo-lhe: ‘Não este, mas Barrabás’.
Acrescenta o evangelho: ‘Ora, Barrabás era um ladrão’.

"Para os que crêem que o filho de Deus e Rei dos judeus seja testemunha da verdade absoluta,
este plebiscito é sem dúvida um forte argumento contra a democracia. E nós, cientistas
políticos, temos de aceitar este argumento. Mas com uma condição apenas: que nós tenhamos
tanta certeza de nossa verdade política, a ponto de defendê-la, se necessário, com sangue e
lágrimas — que nós tenhamos tanta certeza de nossa verdade quanto tinha, de sua verdade, o
filho de Deus" (47).

Kelsen, um relativista declarado, não vê com bons olhos a verdade absoluta anunciada por Jesus Cristo ("Eu
sou o Caminho, a Verdade e a Vida" — Jo. 14, 6). Não obstante, o próprio Kelsen defende a sua verdade
como absoluta: o relativismo ("...que nós tenhamos tanta certeza de nossa verdade política a ponto de
defendê-la, se necessário, com sangue e lágrimas — que nós tenhamos tanta certeza de nossa verdade
quanto tinha, de sua verdade, o filho de Deus" — texto supra).

Vale mencionar o contraponto desenvolvido por Gustavo Zagrebelsky. Kelsen apresenta Pilatos como
paradigma de democrata: o cético relativista que vai buscar a verdade na maioria popular (48). Zagrebelsky
busca demonstrar que, em verdade, o democrata é Jesus. Para isso, propõe três concepções de democracia:
a dogmática, a cética e a crítica (49). A primeira remete ao absolutismo filosófico e a segunda ao relativismo.
A terceira — que o jurista italiano defende — visa uma busca orientada para o melhor, numa criteriosa reflexão
acerca das diversas possibilidades políticas (50).

A multidão enfurecida, bradando "Crucifica-o!", é, justamente, o contrário do que pressupõe a democracia


crítica — sem instituições ou procedimentos, totalitária, instável, emotiva, extremista e manipulável (51). Para
Zagrebelsky, Jesus Cristo é o verdadeiro amigo da democracia — da democracia crítica —, uma vez que, se
anuncia uma verdade eterna e universal, não a impõe mas deseja que os homens, no uso livre da sua razão,
a alcancem pelo diálogo, pela tolerância e pela reflexão constantes (52). Diga-se mais: o uso pleno e
criterioso da razão humana, invariavelmente, aponta para essa "Verdade" (53).

4. Cruzando o limiar da democracia kelseniana

Apesar da própria advertência, Kelsen mantém seu modelo democrático fundado tão-somente na liberdade e
na igualdade. Segue fiel ao seu relativismo filosófico, manifestado em sua concepção de Direito — e, como
visto, de Estado —, o qual é, coerentemente, mantido em sua teoria acerca da democracia. Afinal, para
Kelsen, a adoção de qualquer verdade axiológica seria uma atitude autocrática (54).

É este relativismo kelseniano que não poucos criticam (55). No entanto, ao contrário do que muitos afirmam
apressadamente, este relativismo não foi o único responsável pela bancarrota do modelo democrático alemão
pós-1919. O Partido Nazista possuía garantias institucionais para participar do jogo político; afinal, não
existiam valores pautando a disputa eleitoral, a não ser a liberdade. De toda sorte, uma vez no poder, o
nacional-socialismo poderia ter tido escrutinada sua constitucionalidade à luz da doutrina kelseniana, uma vez
que eliminou a liberdade. E não se trata, aqui, de aferir a inconstitucionalidade recorrendo a parâmetros
suprapositivos. A liberdade era, sim, valor inerente ao modelo democrático então imperante (56).

Não obstante, a História nos mostra que o Judiciário alemão acabou por referendar o totalitarismo de Hitler,
não porque o modelo de Direito e de democracia de Kelsen aclamava o Nazismo (57) — muito pelo contrário
—, mas porque passava à margem do valor maior que rege as relações humanas, isto é, a dignidade da
pessoa humana.

É dessa dignidade, ínsita a todo ser humano, que derivam os direitos fundamentais, aí incluída a liberdade.
Mas, se a liberdade ignora sua real origem — a dignidade da pessoa humana —, pode degenerar-se em uma
liberdade egoísta (58), apta a corromper o mais elaborado modelo democrático (59). Apenas a liberdade que
respeita os demais direitos fundamentais é capaz de realizar, em todo seu esplendor, o ser humano e permitir
o convívio social harmônico.

5. Notas

(01) "Com a Reforma, há uma cisão na cosmovisão ocidental. No mesmo espaço geográfico, encontram-se
agora indivíduos com visões de mundo e valores diversos. Não há mais valores ‘objetivos’, que recebam a
adesão generalizada. O dissenso em relação aos valores fez com que estes fossem relegados à esfera
privada, tornando todo juízo avaliativo apenas a expressão de uma preferência subjetiva. A modernidade traz
à luz a sociedade pluralista, aquela onde impera, para utilizar a expressão de Weber, ‘o politeísmo de valores’.
Nesse contexto, o apelo à justiça, entendida como qualquer qualidade ético-política que torne uma norma
merecedora de obediência, é fator de insegurança na identificação do jurídico, na medida em que os valores,
formadores do âmbito moral da vida social, carecem de um conteúdo objetivo" (Barzotto, Luis Fernando.
Positivismo jurídico contemporâneo, São Leopoldo: UNISINOS, 1999, págs. 13-14).

(02) A sociedade medieval já era uma sociedade pluralista; ocorre que cada grupo ou estamento dessa
sociedade regia-se por um estatuto jurídico próprio. É com a formação do Estado moderno que esses
diferentes grupos se submetem a uma mesma ordem jurídica, uma ordem jurídica monista, uma vez que
emanada de um Estado que monopoliza a produção do Direito (cf. Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico:
lições de filosofia do direito, São Paulo: Ícone, 1995, pág. 27). "Nesse novo mundo, o direito positivo torna-se
o principal meio de integração social e a única garantia do indivíduo contra o poder estatal" (Barzotto, op. cit.,
pág. 138).

(03) "...as normas positivas podem ter lacunas, porém o Direito — ou, mais exatamente, o ordenamento
jurídico — não" (Araújo, José Estévez. La crisis del estado de derecho liberal — Schimitt en Weimar,
Barcelona: Ariel: 1989, pág. 74).

(04) Cf. Araújo, op. cit., págs. 74-76.

(05) Cf. Barzotto, op. cit., págs. 19-20. "Norma válida é aquela que pertence ao sistema por ter sido produzida
de acordo com outras normas válidas do sistema" (Barzotto, op. cit., pág. 139).

(06) Barzotto, op. cit., pág. 20.

(07) Cf. Kelsen, Hans. Teoria pura do direito, São Paulo: Martins Fontes, 1998, pág. 4.

(08) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 5.

(09) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 1. A esse respeito, Dworkin aduz que, em regra, os juristas
sabem o que é o Direito, compreendem, com clareza, o que as normas "querem" expressar. No entanto, as
controvérsias jurídicas afloram e se acirram na medida em que os intérpretes do Direito tentam fazer valer as
suas concepções de como deveria ser o Direito, não raro atribuindo interpretações dissonantes do significado
claro e literal da norma (cf. Dworkin, Ronald. O império do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 1999, pág. 11 e
ss).

(10) A distinção ser e dever-ser, segundo o próprio Kelsen, "é um dado imediato da nossa consciência", não
podendo ser mais aprofundada (cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 6).

(11) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 6.

(12) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 71. É esse dado — a presença de um sistema coercitivo
socialmente organizado — que, para Kelsen, distingue Direito e Moral (cf. Kelsen, op. cit., pág. 71).
(13) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 36.

(14) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 37.

(15) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 37. A conformidade entre a norma inferior criada e a norma superior de criação
(regularidade) é verificada por três critérios: (1) observância do procedimento de feitura (processo legislativo);
(2) elaboração pela autoridade competente, e (3) compatibilidade entre o conteúdo da norma inferior ao
conteúdo da norma superior — cf. Kelsen, Hans. La garanzia giurisdizionale della costituzione (La giustizia
costituzionale), in La giustizia costituzionale. Milano: Giuffrè, 1981, pág. 153. É de observar que o próprio
Kelsen admite, expressamente, a verificação da compatibilidade material entre norma superior e inferior:
"Se o direito positivo conhece uma específica forma constitucional, distinta da forma da lei ordinária, nada se
opõe a que essa venha a ser utilizada também para a adoção de normas que não se confundem com a
Constituição em sentido estrito e, antes de tudo, de normas que regulam não apenas a formação, mas o
conteúdo das leis. Chega-se, assim, à noção de Constituição em sentido lato, que encontramos quando as
constituições modernas contêm não apenas regras sobre órgãos e procedimentos legislativos, mas também
um elenco de direitos fundamentais dos indivíduos ou liberdades individuais. Desse modo — no sentido
originário senão exclusivo dessa práxis — a Constituição traça princípios, diretivas e limites ao conteúdo das
leis futuras" (Kelsen, La garanzia..., pág. 153). De qualquer forma, como se verá a seguir, Kelsen não admite
questionar o acerto ou o desacerto do conteúdo material das normas; o que importa é que haja
compatibilidade entre as normas do sistema.

(16) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 39.

(17) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 40.

(18) Cf. Barzotto, op. cit., pág. 40.

(19) "Kelsen não pode recorrer a uma instância moral para alcançar uma fundamentação do direito positivo,
uma vez que, para ele, recorrer a uma norma moral acarretaria uma ‘moralização’ do fenômeno jurídico. Ele
não pode recorrer também a uma norma fundamental fática, devido à estrita separação que mantém entre as
esferas do ser e do dever ser" (Barzotto, op. cit., págs. 40-41).

(20) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 224 e ss. Essa pretensão de Kelsen — fundar o Direito no
próprio Direito — é o que Luís Fernando Barzotto chamou, em sua tese de doutorado, "projeto positivista" (cf.
Barzotto, op. cit., pág. 31). Ocorre que o próprio Kelsen acaba abrindo uma "fratura sistemática" (cf. Barzotto,
op. cit., pág. 62) em sua teoria: "Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando
a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma
que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que — como costuma dizer-se —
não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente). Um mínimo de
eficácia (como sói dizer-se) é a condição de sua vigência" (Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 12). Ora,
"a relação da norma fundamental com o plano fático é incoerente. Com efeito, a norma fundamental, ao
instituir a eficácia como condição suficiente da validade das normas singulares, leva ao paradoxo da perda da
sua própria normatividade, uma vez que ela se limita a reproduzir a realidade de fato: ela afirma a validade de
normas que já são obedecidas e retira a validade das normas que não são mais obedecidas. Assim, a
formulação clássica, ‘devemos obedecer às normas emanadas do primeiro constituinte’, se tornaria mais exata
se rezasse: ‘devemos obedecer às normas eficazes emanadas do constituinte’. Mas assim, ela se torna
supérflua, como visto acima: por que há necessidade de uma norma que manda obedecer alguém que já é
obedecido? A inclusão da eficácia na norma fundamental é, deste modo, uma solução insatisfatória para as
relações entre validade e eficácia. Uma solução que está longe de salvar a coerência do sistema, pois um
intruso (o fato) é sempre um intruso, ainda que ocupe o lugar de honra no sistema (a norma fundamental)"
(Barzotto, op. cit., pág. 66).

(21) Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 227. Vale dizer, as ordens do constituinte autor da primeira
Constituição histórica (cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 227).

(22) "Aqui permanece fora de questão qual seja o conteúdo que tem esta Constituição e a ordem jurídica
estadual erigida com base nela, se esta ordem é justa ou injusta; e também não importa a questão de saber
se esta ordem jurídica efetivamente garante uma relativa situação de paz dentro da comunidade por ela
constituída. Na pressuposição da norma fundamental não é afirmado qualquer valor transcendente ao Direito
positivo" (Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 227).

(23) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 21.

(24) Cf. Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 19. "A resposta à questão de saber se, de acordo com o Direito
vigente, um assassino deve ser punido com a pena capital, e, assim, se a pena de morte para o homicida é
valiosa com esse Direito, pode e deve verificar-se sem ter em conta se aquele que deve dar a resposta aprova
ou desaprova a pena de morte. Então, e somente então, é objetivo esse juízo de valor" (Kelsen, Teoria pura do
direito..., pág. 23).

(25) "Do ponto de vista de um positivismo jurídico coerente, o Direito, precisamente como o Estado, não pode
ser concebido senão como uma ordem coerciva de conduta humana — com o que nada se afirma sobre o seu
valor moral ou de Justiça. E, então, o Estado pode ser juridicamente apreendido como sendo o próprio
Direito — nada mais, nada menos" (Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 353). "O Estado não é pois, nem
pessoa distinta do Direito, nem poder que está atrás do Direito garantindo-o, mas sim o Estado é o próprio
Direito" (Araújo, op. cit., pág. 100).

(26) Cf. Kelsen, Hans. A essência e o valor da democracia , in A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993,
pág. 27.

(27) "É a própria natureza que, exigindo liberdade, se rebela contra a sociedade. O peso da vontade alheia,
imposto pela vida em sociedade, parece tanto mais opressivo quanto mais diretamente se exprime no homem
o sentimento primitivo do próprio valor. (...) Da idéia de que somos — idealmente — iguais, pode-se deduzir
que ninguém deve mandar em ninguém. Mas a experiência ensina que, se quisermos ser realmente todos
iguais, deveremos deixar-nos comandar. Por isso a ideologia política não renuncia a unir liberdade com
igualdade. A síntese desses dois princípios é justamente a característica da democracia" (Kelsen, op. cit., pág.
27). "Sem a fé das massas no poder e na missão divina do ditador, nenhuma ditadura pode resistir por muito
tempo ao indestrutível anseio de liberdade, e esta terminará sempre por levar a melhor sobre aquela" (Kelsen,
Hans. O problema do parlamentarismo, in A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993, pág. 134).

(28) Cf. Kelsen. A essência..., pág. 28. "A liberdade natural transforma-se em liberdade social ou política. É
politicamente livre aquele que está submetido, sim, mas à vontade própria e não alheia" (Kelsen. A essência...,
pág. 28). Para Kelsen, "a democracia contenta-se com uma simples aproximação do conceito originário de
liberdade" (Kelsen. O problema..., pág. 127). "A democracia, no plano da idéia, é uma forma de Estado e de
sociedade em que a vontade geral, ou, sem tantas metáforas, a ordem social, é realizada por quem está
submetido a essa ordem, isto é, pelo povo" (Kelsen. A essência..., pág. 35).

(29) É de notar que Kelsen iguala um típico direito fundamental — a liberdade — com o direito político de
votar. O próprio Kelsen o reconhece: "os direitos políticos — isto é, a liberdade — reduzem-se a um simples
direito de voto" (Kelsen. A essência..., pág. 43). Merece crítica tal entendimento. Os direitos fundamentais, ou
liberdades públicas (poderes de agir perante o Estado e a sociedade) decorrem da dignidade da pessoa
humana, independentemente de qualquer intermediação, seja do Estado, seja da sociedade; por sua vez, os
direitos políticos (participação na formação da vontade geral — cf. Kelsen, A essência..., pág. 37), dependem
da inserção da pessoa humana em um Estado que a reconheça como seu nacional, isto é, os direitos políticos
decorrem da nacionalidade. É de destacar que Kelsen já defendia a desvinculação entre direitos políticos e
nacionalidade em face do progressivo reconhecimento da igualdade entre o elemento pátrio e o estrangeiro
(Kelsen, A essência..., pág. 38).

(30) Kelsen, A essência..., pág. 29. Vale lembrar o que é a vontade geral: "...é a razão, a voz da razão que os
homens ouvem sobre o interesse geral, quando se despem do interesse privado e não estão sob a influência
de associações particulares [livres, portanto, das pressões de partidos políticos e lobbies — nota nossa]"
(Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo, 3ª edição, São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 47). De
qualquer forma, se em Rosseau, defensor ferrenho da democracia direta, os partidos políticos são
condenados, em Kelsen, como se verá a seguir, eles passam a ser aclamados como os principais atores do
jogo político (Kelsen, A essência..., pág. 39).

(31) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 34.

(32) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 30.

(33) Cf. Kelsen, A essência..., págs. 30-31.

(34) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 31.

(35) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 31. "...se nem todos os indivíduos são livres, pelo menos o seu maior
número o é" (Kelsen, A essência..., pág. 32).

(36) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 69.

(37) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 70. "Portanto, seria melhor dar a tal princípio [princípio majoritário — nota
nossa] o nome de princípio majoritário-minoritário, uma vez que ele organiza o conjunto dos indivíduos em
apenas dois grupos essenciais, maioria e minoria, oferecendo a possibilidade de um compromisso na
formação da vontade geral, depois de ter preparado esta última integração obrigando ao compromisso acima
mencionado, que é a única coisa que pode permitir a formação tanto do grupo da maioria quanto do grupo da
minoria: relegar a segundo plano o que separa os elementos a serem unidos, em favor daquilo que une"
(Kelsen, A essência..., pág. 70).

(38) Kelsen, A essência..., pág. 67.

(39) Kelsen. La garanzia..., pág. 202. "Enquanto assegura a formação constitucional das leis e em particular a
constitucionalidade material das mesmas, esta [a jurisdição constitucional — nota nossa] é um meio de
proteção eficaz da minoria contra os abusos da maioria. O domínio desta última é suportável apenas se
exercido de modo regular" (...) "A essência da democracia reside não mais na onipotência da maioria mas no
constante compromisso entre os grupos que a maioria e a minoria representam no parlamento, e, portanto, na
paz social, a justiça constitucional surge como instrumento apto a realizar esta idéia". Vale lembrar a polêmica
entre Kelsen e Carl Schimitt sobre quem deveria proteger a Constituição. Para Schimitt, tal função deve tocar
ao Chefe de Estado (La defensa de la Constitución. Barcelona: Editorial Labor, 1931); para Kelsen, como visto,
a proteção da Constituição deve caber a uma jurisdição constitucional (vide, em especial, o trabalho Chi
dev’essere il custode della Costituzione? in La giustizia costituzionale. Milano: Giuffrè, 1981, pág. 229 e ss.,
elaborado em reposta à crítica de Carl Schimitt).

(40) Voto censitário "é a restrição do direito de voto àquelas pessoas que pudessem comprovar determinadas
exigências indicativas de situação de independência econômica (ou propriedade de imóveis, ou determinada
renda anual, ou recolhimento de impostos, etc...)" (Souza Jr., Cezar Saldanha. O consensus no estado
democrático ocidental, tese de doutorado. São Paulo: USP, 1984, pág. 161).

(41) O intuito do voto censitário era "afastar do sufrágio aquelas camadas sociais que não tendo nada a
perder, pudessem, de um modo ou de outro, desviar o comportamento do Estado dos rígidos padrões do
figurino liberal" (Souza Jr., op. cit., pág. 161).

(42) Em verdade, os políticos socialistas não queriam o sufrágio universal: queriam fazer valer sua ideologia
política pela revolução (cf. Ferreira Filho, op. cit., pág. 83). O Estado Social Contemporâneo e o voto universal
(mecanismo esse que acabou de vez com o Estado Liberal — cf. Ferreira Filho, op. cit., pág. 84) não foram
talhados por políticos socialistas, mas por políticos conservadores pragmáticos, cientes de que se não
fizessem concessões seriam alijados do poder (cf. Souza Jr., op. cit., pág. 208 e ss.).

(43) Kelsen, A essência..., págs. 38-39.

(44) Cf. Kelsen, A essência..., pág. 39. "Os impulsos provenientes dos partidos políticos são como numerosas
fontes subterrâneas que alimentam um rio que só sai à superfície na assembléia popular ou no parlamento,
para depois correr em leito único do lado de cá" (Kelsen, A essência..., pág. 39).

(45) "...a democracia é o ponto de equilíbrio para o qual sempre deverá voltar o pêndulo político, que oscila
para a direita e para a esquerda. E se, como sustenta a crítica feroz que o marxismo faz à democracia
burguesa, o elemento decisivo é representado pelas relações reais das forças sociais, então a forma
democrática parlamentar, com seu princípio majoritário-minoritário que constitui uma divisão essencial em dois
campos, será expressão ‘verdadeira’ da sociedade hoje dividida em duas classes essenciais. E, se há uma
forma política que ofereça a possibilidade de resolver pacificamente esse conflito de classes, deplorável mas
inegável, sem levá-lo a uma catástrofe pela via cruenta da revolução, essa forma só pode ser a da democracia
parlamentar, cuja ideologia é, sim, a liberdade, não alcançável na realidade social, mas cuja realidade é a paz"
(Kelsen, A essência..., pág. 78). É de destacar, ainda, a clareza com que Kelsen percebeu um dos maiores
equívocos do marxismo: a exclusão de toda e qualquer classe social que não seja a dos proletários; o
exclusionismo marxista também foi enfrentado pela Doutrina Social da Igreja: "Enquanto o marxismo defendia
que somente extremando as contradições sociais, através do embate violento, seria possível chegar à sua
solução, as lutas que conduziram ao derrube do marxismo insistem com tenácia em tentar todas as vias de
negociação, do diálogo, do testemunho da verdade, fazendo apelo à consciência do adversário e procurando
despertar nele o sentido da dignidade humana comum" (João Paulo II, Papa. Centesimus annus, São Paulo:
Edições Paulinas, 1991, pág. 45); "A Igreja está consciente hoje mais do que nunca de que a sua mensagem
social encontrará credibilidade primeiro no testemunho das obras e só depois na sua coerência e lógica
interna. Desta convicção provém também a sua opção preferencial pelos pobres, que nunca será exclusiva
nem discriminatória relativamente aos outros grupos" (João Paulo II, op. cit., pág. 104). É dentro do
parlamento que, permanentemente, são harmonizados os interesse conflitantes decorrentes do pluralismo das
sociedades modernas (a propósito, Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional alemão, tradução de
Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Fabris, 1998, pág. 29).

(46) Kelsen trata do tema em, pelo menos, três trabalhos: A essência e o valor da democracia (in A
democracia..., pág. 107), Fundamentos da democracia (in A democracia..., págs. 203-204) e Absolutismo e
relativismo na filosofia e na política (in A democracia..., págs. 356-357).

(47) Kelsen, Absolutismo..., págs. 356-357.

(48) Cf. Kelsen, Absolutismo..., pág. 356.

(49) Cf. Zagrebelsky, Gustavo. La Crucifixión e la democracia. Barcelona: Ariel, págs. 8-9.

(50) Cf. Zagrebelsky, op. cit., pág. 9.

(51) Cf. Zagrebelsky, op. cit., pág. 120.

(52) Cf. Zagrebelsky, op. cit., pág. 121. Importante registrar as palavras finais de Zagrebelsky: "A estas alturas,
próximo do final, devemos restabelecer a justiça a respeito de Hans Kelsen. Sua reflexão sobre o processo de
Jesus, como ‘caso’ da democracia e a interpretação em sentido democrático da figura de Pilatos, foram
mostradas, aqui, como o produto de um profundo mal-entendido. Mas o conjunto de sua reflexão sobre os
problemas da democracia não coincide, de forma alguma, com a democracia cética e instrumental, tal como
aquela e esta interpretação poderiam dar a entender. Ao contrário, a democracia crítica é uma idéia que reflete
perfeitamente sua concepção. Aqui apenas temos de tomar nota da existência de uma contradição e de um
erro que não tiram a validade de um pensamento que constitui uma referência da teoria contemporânea da
democracia" (Zagrebelsky, op. cit., pág. 120).

(53) Cf. João Paulo II, Papa. Fides et ratio. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999, pág. 28 e ss.

(54) "A tolerância, os direitos das minorias, a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento, tão
característicos da democracia, não têm lugar num sistema político baseado na crença em valores absolutos"
(Kelsen, Absolutismo..., pág. 355).

(55) "...o liberalismo almejava um conceito autônomo de direito precisamente para subtrair o direito do arbítrio
estatal. O direito é um instrumento de garantia do cidadão contra o poder. O conceito de validade garante que
somente obedecendo ao direito o poder é capaz de criar direito. Mas, instado pelos fatos a tratar do conceito
de eficácia, o positivismo termina por introduzir um critério de juridicidade altamente instável: toda norma
eficaz é uma norma jurídica. O direito fica, assim, submetido às vicissitudes do poder. Mas se toda
normatividade que se impõe for considerada jurídica, o positivismo termina por trair a missão que o liberalismo
lhe confiou, de libertar o direito do domínio da força" (Barzotto, op. cit., pág. 143). Foi precisamente por esta
falha no sistema que o nacional-socialismo penetrou e subverteu as instituições alemãs de Weimar.

(56) Se era valor positivo, a liberdade poderia servir como parâmetro apto a ensejar declaração de
inconstitucionalidade material (a propósito, o próprio Kelsen: La garanzia..., pág. 188 e ss.).

(57) De qualquer forma, Kelsen não nega caráter jurídico aos Estados totalitários: "Segundo o Direito dos
Estados totalitários, o governo tem poder para encerrar em campos de concentração, forçar a quaisquer
trabalhos e até matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável. Podemos condenar com a maior
veemência tais medidas, mas o que não podemos é considerá-las como fora da ordem jurídica desses
Estados" (Kelsen, Teoria pura do direito..., pág. 44).

(58) "Se não se aceita a perspectiva do dom de si mesmo, poderá subsistir sempre o perigo de uma liberdade
egoísta. Perigo contra o qual Kant lutou; e, nessa linha, alinharam-se Max Scheler e todos aqueles que,
depois dele, compartilharam a sua ética dos valores" (João Paulo II, Papa. Cruzando o limiar da esperança, 2ª
edição, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, pág. 188).

(59) "Em nome do princípio democrático não se pode questionar a dignidade inalienável de todo ser humano"
(João Paulo II, Papa. Mensagem dirigida a parlamentares brasileiros em visita à Santa Sé em 1997). "Uma
democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história
demonstra" (João Paulo II, Papa. Centesimus..., pág. 85).

6. Referências bibliográficas

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ZAGREBELSKY, Gustavo. La crucifixión y la democracia. Barcelona: Ariel, 1996.


Revista Jurídica Virtual

Brasília, vol. 1, n. 5, Setembro 1999

CONSTITUIÇÃO EX MACHINA

Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia


Professora auxiliar das Faculdades de Direito da Universidade Católica Portuguesa e da
Universidade de Lisboa.

"A Constituição que aqui se refere não é simplesmente o documento. Só pode ser, como na
concepção aristotélica, uma ideia ou um conjunto de ideias que fundam um sistema político e
uma sociedade em geral e que, pela sua simples presença, qualifica uma sociedade e o seu
sistema político como uma entidade coesa."

H. MARK ROELFS (apud Howard Gillman, The Constítution Besieged, The Rise and Demise of Lochner Era,
Duke University Press, 1939, p. 19)

Há em cada um de nós - juristas e não juristas - a ideia, mais ou menos clara e mais ou menos
consciencializada, de que a justiça se confunde com os tribunais, esse "espaço simbolicamente fechado"
onde, através de um julgamento, se traça o destino de alguém.

Aí, resguardado do mundo por quatro paredes, como que a convocar um outro mundo daquele separado, a
justiça ou o sentido, simultaneamente necessário e possível, da convivência humana, destrui-se e reconstrui-
se por intermédio do juiz. E aquele cujos comportamentos são avaliados e é alvo de julgamento sente na sua
vida os efeitos desse sentido em que a justiça se consome, bem como, por um inultrapassável e incontrolável
reflexo de espelhos, os que com ele se identificam socialmente.

Não surpreende, por isso, que a tarefa de julgar tenha sido a primeira função do monarca. A própria palavra
"rei" deriva, acreditar na asserção antiga, medieva, dessa missão do juiz que ao monarca se pedia - rex a
recte judicando ou rei por lhe competir julgar rectamente - e a designação de Estado de Justiça, atribuída pela
doutrina moderna ao Estado medieval, tenha aí inspiração e permanente justificação. Dizer o direito e cumpri-
lo, não podendo ficar dele, sob pena de perder a razão de reinar - legem servare hoc est regnare - era a
superior tarefa régia. O poder do monarca confundia-se com o exercício da função mais autêntica do direito,
aquela a que se apela sempre, nos momentos de crise, conflito, ruptura e superação: a função do juiz. "O rei é
o juiz e o nome de rei é um nome de juiz".

Realizar o direito ou, usando a terminologia da época, "fazer justiça" era, no período medieval, a missão por
excelência do governante, o que convertia o poder régio num instrumento de concórdia e paz, a paz do rei
(Könisgsfriede) e conduzia à necessária coincidência do poder com o direito.

Atribuindo ao poder a natureza de pactuado juramento de fidelidade, na tradição germânica, e consagração


régia, na tradição cristã -, o seu exercício diluía-se numa reciprocidade, remetida claramente no momento da
violação: se o rei jura não violar os direitos e liberdades do povo e este jura obedecer-lhe, na condição de
aquele cumprir o prometido, a desobediência do povo é o resultado necessário da falta do rei à palavra dada.
A desobediência do povo ao rei não é, por isso, unilateral, antes resultado da fidelidade por cumprida. E tão-
pouco é unilateral o poder de mando do rei, antes consequência do consentimento dado pelo povo.

Na complexidade material de direitos e deveres em que a sociedade medieval se enredava, qualquer


violação, viesse de que lado viesse, traduzia uma ruptura de fidelidade jurada, uma quebra da paz, e, se
resultasse de actuação régia, e determinava a perda do direito à obediência do povo, porque "só o rei fiel tem
súditos fieis". Que o mesmo vale por dizer que o direito se apresentava como ponto de encontro dos deveres
de fidelidade de ambas as partes. A ideia de vinculação do rei ao direito, a necessidade de uma vivência sob o
direito, que na tradição germânica significava que o rei "dizia" o direito criado pela colectividade e na tradição
cristã que a validade da acção regia decorria da sua conformidade com o direito divino e com a consciência
jurídica da colectividade, forjada na mundividência cristã (teoria da mediação popular do poder de S. Tomás de
Aquino), subjazia, assim, à concepção sócio-política medieval.

Mas a indeterminação jurídica, no âmbito da qual o monarca vivia e actuava, permitia facilmente confundir a
estrita vinculação teórica ao direito com as maiores arbitrariedades praticadas na realidade quotidiana. Com
efeito, é mais simples descobrir em abstracto a ideia de limitação do que encontrar no concreto o próprio limite.

Os efeitos da confusão a que se alude foram dolorosamente conhecidos na evolução histórica, em particular
nos excessos do absolutismo régio do período do despotismo esclarecido. O direito e o poder diluíram-se na
figura do rei. O rei tornou-se lex animata, a própria imagem do direito e, logo, do poder, personificação que
paradigmaticamente ficou para a História com a orgulhosa afirmação de Luís XIV de França: "L’État c’est moi".

Ora, quando a ordem aleatória ou arbitrária do subjectivismo puro se dissolve no acto que se pretende justiça,
o "escândalo por excelência" nasce. Toca-se a essência da verdadeira injustiça, que mais não é do que o
resultado de um acto que se espera seja de justiça.

O "escândalo" produzido pelo despotismo esclarecido foi de tal intensidade que gerou uma revolução.

Para esconjurar, os revolucionários procuraram desesperadamente o estabelecimento específico, na realidade


concreta, de limites ao exercício do poder régio, para que não mais se voltasse a ignorar ou a fingir ignorar a
ideia teórica de limitação que o direito encerra, para que a sociedade interiorizasse que o direito funciona
como uma vincularão externa do poder político, um meio de legitimação deste. Procuraram que o direito fosse
não só o fundamento e critério de actuação do poder, como garantia de um concreto agir. E julgaram ter
atingido esse objectivo através de documentos formais - Declarações de Direitos e, em particular,
Constituições escritas.

A declaração de independência americana, de 1776, redigida por Thomas Jefferson, sob influência de John
Locke e Jean Jacques Rousseau, ficou para a História como o primeiro documento a reconhecer direitos
naturais e inalienáveis do Homem - "todos os homens nascem iguais" e "são dotados de certos direitos
inalienáveis" - e a configurá-los como limites do exercício do poder. E a selar condignamente a revolução
americana, precavendo-se contra retrocessos políticos, onze dos treze novos Estados aprovaram
Constituições escritas (1776-84). Anos volvidos, nasce o Estado federal por intermédio da Constituição de
1787 e da aprovação de um conjunto de direitos individuais invioláveis - 10 primeiros aditamentos (1791) - ,
ainda hoje em vigor como parte integrante da Constituição.

Com a revolução francesa, em 1789, os valores liberais ganham inusitado vigor na Europa continental. A luta,
coroada de êxito, contra o absolutismo régio e a materialização dos limites ao poder em textos jurídico-
políticos fundamentais, difundiram-se rapidamente, potenciando novas revoluções.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa é formalmente justificada com a necessidade de
evidenciar a existência destes direitos, porque "as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos
governos" são a "ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem". Antes mesmo de
regularem a organização e o funcionamento dos órgãos estaduais, os revolucionários apressaram-se, por
isso, a circunscrever áreas de autonomia individual aos cidadãos, fixando condições de igualdade do seu
exercício. A pretensão francesa é ambiciosa: "queremos fazer uma declaração para todos os homens, para
todos os tempos e para todos os países; queremos fazer uma declaração ao mundo", afirma a Assembleia ao
aprovar a referida Declaração.

Acaba de fechar-se uma porta da História da humanidade e abre-se uma outra para um mundo do qual
parecia não haver retorno, só aperfeiçoamentos. Limites para o Estado e garantia para o cidadão ou, noutra
perspectiva, proibição para o Estado e liberdade para o cidadão, as declarações de direitos são o marco
fundamental de uma nova era.

Enganar-se-ia, porém, quem pensasse que, com as declarações de direitos, as revoluções liberais criaram
uma formula absolutamente original.

Com efeito, são conhecidos os "'Bill of Rights" ingleses, de raízes medievais – "Magna Carta" (1215),
"Confirmatio Chartorum" (1297) - , renovados e ampliados no período moderno – "Petition of Rights" (1628),
"Habeas Corpus Act" (1679), "Bill of Rights" (1689) - , diplomas que se seguiram a reivindicações específicas
de grupos sociais poderosos. E conhecidos são também outros fundamentais documentos europeus de
garantia de direitos - "Bula Áurea" húngara (1222), o "privilégio geral" de Aragão (1264), a "paz de Fexhe" do
principado eclesiástico de Liège (1316) - , para não falar das cartas de liberdade concedidas pelos monarcas
antigos aos habitantes de certas cidades, desde a Itãlia a Portugal, passando pela França e pela Espanha.

A inovação das revoluções liberais não está, pois, no facto de terem formalmente reconhecido a existência de
direitos dos indivíduos perante o poder. A inovação está, de uma lado, no fundamento jusnaturalista dado a
tais direitos - estes nascem porque os homens, pelo simples facto de o serem, são detentores de direitos. De
outro lado, na natureza política destes direitos - há a pretensão de os institucionalizar numa Constituição,
como garantias fundamentais de um particular modo de construir o poder em sociedade e de, num
"continuum", legitimar a sua acção.

Ao participarem do momento constituinte do Estado, assumirem-se como fundamento e limite do poder


estadual, as Constituições escritas tornam-se lugares privilegiados de justiça, a sua expressão mesma, isto é,
volvem-se, à imagem dos tribunais, em 'espaços simbolicamente fechados' nos quais se traça não já o
destino de um homem mas de uma sociedade inteira. E, também à imagem dos tribunais, deseja-se
ostensivamente que as Constituições sejam pertença de um modo separado do quotidiano, um mundo
transcendente e inacessível.

Daí o movimento de sacralização da ideia de Constituição e a crença inconfessada nas suas potencialidades,
no período posterior ás revoluções liberais. O Brasil não ficou alheio a este movimento e partilhou dessa
crença em especial com a "Constituição de 1824, na qual D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal, foi procurar
inspiração para a Carta Constitucional portuguesa de 1826.

Mas estava ainda reservada à cultura ocidental a descoberta de que, só por si, a Constituição não é uma
fórmula mâgica que soluciona as injustiças na vida social. A coberto dela, podiam mesmo cometer-se as
maiores atrocidades, com direito a ombrear as de Torquemada.

A perversão da Constituição foi levada a efeito no actual século XX, desde logo na Alemanha nazi. O Estado
Constitucional permitiu na realidade um Estado de opressão, um verdadeiro antro de violência. O processo
que a tal conduziu é digno do discurso kafkiano, enquanto espelha o disfuncionamento da justiça. Não, porém,
ao nível dos labirínticos meios de acesso de um indivíduo a um julgamento imparcial, como no verdadeiro
universo de Kafka, mas ao nível de uma descida aos infernos por parte de uma sociedade que, em busca da
justiça, hipotecou a racionalidade e se perdeu em ininteligíveis meandros de conflitualidade, manipulada por
mão de mestre - Hitler. Um processo por onde longinquamente, embora, ecoa a "longa e fascinante história"
do poder versus liberdade e que, exagerando o primeiro termo, absorveu o segundo, transformando a
Constituição escrita - Constituição de Weimar - numa folha de papel e os direitos individuais nela reconhecidos
em palavras ocas ou sem sentido.

E a ciência do direito deu cobertura a esta evolução, permitindo a identificação do poder e da justiça com a lei
em vigor.

Veiculada pela escola gradualista de Viena, com Kelsen e Merkl a autonomizarem o modelo jurídico de todo
sentido transcendente e ético, preocupados com a explicação pura e simples de como funciona o direito na
sociedade, a identificação do poder e da justiça com a lei eliminou do mundo jurídico o problema da
legitimidade do poder. A lei passa a encontrar a sua coerência interna, a sua justiça intrínseca, no simples
facto de ser norma reguladora de comportamentos humanos, divorciando-se de conteúdos ou adaptando-se a
todos os que cumpram o desígnio regulador. A Constituição, a lei das leis, não foge a lógica e perde o sentido
mágico, simultaneamente inquietante, que adquirira nas revoluções liberais.

Tudo confluiu para subverter o Estado laboriosamente estruturado por sobre direitos de igualdade e liberdade,
tornando-o numa casca apodrecida de um fruto que estiolou.

Era então necessário voltar a dar ao Estado o sumo apetecido, reconstruindo-o como Estado de Direito
Material.

Dos pontos de vista teórico e prático, o Estado nascido com a Revolução liberal continha um outro perigo,
ainda não mencionado e sobre o qual importa reflectir também.

Na realidade, o Estado liberal foi alicerçado sobre a harmonia de dois princípios: o democrático, de natureza
política, cuja raízes se encontram nas teses de Jean Jacques Rousseau, e o princípio liberal, garantístico, de
natureza jurídica, fundado nas concepções de John Locke e Montesquieu. Ora o perigo reside na
possibilidade de desequilíbrio dos dois princípios pela acentuação do princípio democrático, a qual abre
caminho à ilimitação do poder.

Para Jean Jacques Rousseau, a vontade geral é infalível infalibilidade transtorna a lei na própria expressão de
justiça "a lei não é injusta porque ninguém é injusto consigo mesmo". Como o princípio da vida política reside
na vontade do povo soberano e esta, sendo infalível, não conhece limites, a Constituição, como qualquer lei,
pode ser alterada - "um povo é sempre senhor de mudar as leis, mesmo as melhores; porque se gosta de
fazer mal a si mesmo, quem haverá direito de lho impedir?", interroga Rosseau. Na sua pureza, a princípio
democrático leva aos mesmos resultados de poder régio absoluto, ou seja, a ilimitação do poder.

O perigo que o princípio democrático da Constituição contém pode, no entanto, ser afastado pelo princípio
liberal, de garantia, enquanto traça ao poder político o caminho da limitação, desde logo através da modelação
do direito de resistir à tirania, teorizado por Locke como "'direito de apelar ao céu", e do princípio da separação
de poderes - não só dividir para enfraquecer, como ainda dividir para permitir o controlo mútuo dos poderes,
particularmente o controlo judicial, fundado no princípio da independência, o qual pode julgar a própria lei -
juízo sobre a constitucionalidade da lei. A tensão entre os princípios democrático e liberal tem, assim, de
conviver no seio da Constituição, procurando o ponto óptimo de equilíbrio que permita à sociedade evoluir
sem põr em causa os direitos e liberdades individuais reconhecidos como fundamentais.

Seja, porém, como for, a verdade é que, pelo esvaziamento do Estado de Direito ou pela acentuação do
princípio democrático, os Estados Constitucionais conheceram os horrores da guerra.

E, conhecendo-os, não admira que as suas preocupações políticas se centrassem, no final desta, há pouco
mais de cinquenta anos, em unir esforços, a nível internacional, para impedir que a humanidade voltasse a
conhecer e viver o genocídio em massa e o flagelo da violência por que tinha passado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é, neste contexto, um marco fundamental seja na construção do
Estado de Direito Material seja na procura de conciliação dos princípios democráticos, de liberdade do
cidadão, e garantístico, de limitação do poder do Estado, seja ainda no controlo institucional efectivo da acção
etadual através dos tribunais.

A ânsia do Homem por um mundo melhor sobe um novo degrau. A justiça tende a identificar-se agora com o
compromisso, tendencialmete universal, de reconhecimento de direitos fundamentais entendidos como
"mínimo ético", à maneira de Jellinek, um compromisso de vida social e política harmoniosa e pacífica.
Sintomaticamente, aparece de novo "simbolicamente fechada", agora num texto de natureza universal -
Declaração Universal de Direitos - e, num regresso às origens, alia-se aos tribunais, volvidos em guardiões
desse texto. Envolvidos numa onda de amizade, capaz de criar uma jurisdição de âmbito internacional, os
tribunais readquirem, em conjugação com os textos que defendem, o protagonismo essencial da justiça.

Funcionando como uma língua comum entre os povos, um novo esperanto agregando as sociedades políticas
por sobre profundas clivagens e diversidades culturais, que legitimam interpretações as mais variadas do
mesmo direito fundamental, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem vindo, no entanto, a gerar
movimentos que, cada um na sua área, suscitam a perplexidade e desenvolvem momentos de perversão.
Tentemos analisá-los.

Em primeiro lugar, a Declaração Universal potencia uma particular sensibilidade universal contra a injustiça,
mobilizando os povos na luta contra a opressão, a fome, a tortura, a doença, o analfabetismo. Ora estas
ondas de solidariedade pela defesa e promoção da dignidade humana, sendo, em si mesmas, de louvar,
promovem, porém, a ingerência de poderes estrangeiros na política dos povos, o que produz um efeito
paradoxal e irônico: em vez de eliminar a violência, intensifica-a, em vez de extirpar a opressão do homem
pelo homem, cria uma mod"dade diferente dessa mesma opressao, em vez de uniformizar formas de pensar e
compreender o valor dignidade humana, acentua a marginalização e a exclusão social.

Em segundo lugar, a Declaração Universal contribui para aumentar a consciencialização dos direitos
humanos, mas essa maior consciência, dando origem a uma verdadeira escalada de direitos fundamentais,
nem sempre tem se revelado benéfica para o bem que mais se pretende proteger: a dignidade humana.

É que o aumento em quantidade dos direitos fundamentais não tem sido acompanhados por uma sua maior
qualidade, realidade que tem conduzido à banalização dos direitos e, ainda, ao esvaziamento do seu peso e
importância políticos.

Quando, por exemplo, uma classe com grande capacidade de mobilização e projecção sócio-económica,
como a dos pilotos aéreos ou dos portos, reivindica aumentos salariais de 2% e 3% usando da mesma
veemência com que um grupo diminuto de desempregados de uma empresa falida exige o pão para si e para
os seus filhos, gera-se a indistinção de direitos, perde-se o sentido das prioridades na sua satisfação,
porquanto tudo aparece no mesmo plano de fundamentalidade jurídico-constitucional. E, voltando-se o feitiço
contra o feiticeiro, a reivindicação dos pilotos é aceita mais depressa do que a do pequeno grupo de
desempregados, com o que os direitos fundamentais se neutralizam num desrespeito flagrante â Constituição.

Mas a pan-fundamentalização de direitos é ainda capaz de dar origem a um outro fenômeno, não menos
angustiante.

Na verdade, o progressivo aumento dos direitos fundamentais, particularmente na área social, volvidos em
elementos "constitutivos" de uma certa forma de viver numa sociedade pacífica e justa, transforma o Estado
Constitucional em Estado de Justíça Total e o indivíduo em mero sujeito de direitos perante o Estado.
Centro reivindicativo de um destino melhor para o qual não necessita de desenvolver um esforço próprio,
autônomo, de aperfeiçoamento ou de ultrapassagem da situação de "desgraça" em que se encontra, porque o
Estado tudo resolve, o indivíduo adquire uma posição passiva, degrada-se, e tende a perder o que mais
importa preservar : a sua dignidade. Porque - não se esqueça - , é através da capacidade de agir e de
permanentemente se maravilhar com o que faz , na constante ultrapassagem dos limites por si conhecidos,
que o homem se assume plenamente na sua condição humana, como Pascal tão bem soube sintetizar -
"1’homme passe infiniment 1’homme".

Mas a tarefa gigantesca que o Estado social desenvolve neste afã de pretensamente se converter em Estado
de Justiça Total, por força do desmedido aumento dos direitos fundamentais, acaba também, numa outra via,
por empobrecer o Homem, na sua dimensão ética, espiritual.

Efectivamente, a assunção estadual das prestações sociais, fundando-se na solidariedade institucionalizada,


impessoal, longínqua, sem rosto humano, obnubila ou faz esquecer a ideia de solidariedade pessoalizada, de
quem está próximo, a solidariedade que enriquece quem a exercita, pela densificação dos laços
intersubjectivos. Assiste-se ao paradoxo de ver a sociedade sensibilizar-se com a fome no Ruanda e a
violência fundamentalista na Argélia, com a violação da lei na Indonésia e a destruição provocada pelo
maremoto nas praias de Papua, Nova Guiné, solidarizar-se com a desgraça longínqua que entra portas
adentro através dos sofisticados meios tecnológicos dos "media", e ficar absolutamente indiferente perante
quem dorme no vão da escada que diariamente se sobe ou a violência privada a que quotidianamente se
assiste desrespeito total da norma que todos os dias se testemunha.

Cinqüenta anos volvidos sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem com uma experiência
acumulada, até por vivências culturais anteriores já aqui mencionadas, as pausas de reflexão são apetecidas,
particularmente num tempo tão cadenciado delas.

Ora, nesta pausa de reflexão, talvez o que, em face do inquietante quadro traçado, me pareça de importância
evidenciar seja o facto de, ao longo dos tempos, consciente ou inconscientemente, o Homem sentir a
necessidade de construir a ideia de justiça num espaço fechado e elevado, com o seu "quê" de inacessível,
seja o de um rei-juiz, seja o de uma Constituição enquanto garante de um projecto de sociedade harmônica e
pacífica, seja, fmalmente, o de uma Declaração Universal de Direitos que consagra, num esforço unificador, o
sentido convivente mais profundo, qual mínimo denominador comum da sociedade humana.

E ao colocar nesse mundo fechado, elevado e inacessível, a ideia de justiça, as suas imagens materiais - rei,
Constituição, Declaração Universal de Direitos - adquirem transcendência, transformam-se em fórmulas
mágicas, que, uma vez invocadas ou secionadas, de imediato desencadeiam meios institucionais de
composição dos conflitos, de apaziguamento das angústias, de restabelecimento das destruições resultantes
de calamidades naturais que atingem de forma desigual e, logo, discriminatória e injusta, a humanidade.
Fórmulas mágicas que, ao exercerem a justiça em nome da sociedade, dão a entender que a justiça só existe
porque elas existem. Dão a entender, noutra perspectiva, que, na realidade do quotidiano, o indivíduo nada
tem que ver com a justiça.

Mas se em certo sentido é correcto o que se concluiu, porquanto a existência de meios institucionalizados de
exercer a justiça - formalização da justiça - correspondeu a um decisivo passo em frente no caminho do
progresso civilizacional, deixando para trás as acções de "vindicta privata", não menos correcto é também que
a responsabilidade última pelo conteúdo mesmo da justiça e seu exercício efectivo - justiça material - pertence
a todos e cada indivíduo, membro da sociedade, sendo essa responsabilidade indeclinável e inalienável.

Aliás, nos momentos decisivos de ruptura ou de crise, sempre que a injustiça prolifera de forma gritante e
intolerável na sociedade, o Homem tem sabido assumir, como se viu já, as suas responsabilidades.
Chamando a si o poder originário de traçar o seu próprio destino, dá forma "constitutivamente" a um sentido
de justiça - chame-se-lhe poder político, Constituição ou Declaração de Direitos - , bem como institucionaliza
meios de a efectivar. O drama está em que, criados esses meios, e provada sua eficácia, passam os mesmos
a ser deificados, instalando-se no indivíduo e na sociedade a sensação confortável de que podem descansar
neles. Deixam, por isso, de preocupar-se directamente com a resolução dos problemas sociais, porque uma -
instituição, acabada de criar, irá ter a responsabilidade de, em seu nome, os resolver. E, ao despreocuparem-
se, não exercem vigilância sobre sua acção, desresponsabilizando-se pelo agir social, permitindo o
desenvolvimento larvar de formas de injustiça quer por degeneração da instituição criada quer porque seta se
vai tornando incapaz de lhes dar adequada resposta, formas de injustiça que tenderão a proliferar com rapidez
da erva daninha no roseiral, quando faltam os cuidados atentos do jardineiro.

A consciência destes factos obriga a ter permanentemente presente que o ideal de justiça por que todos
ansiamos é uma tarefa que nunca se deve dar por finda, uma tarefa por natureza inacabada, que se constrói
dia-a-dia, por intermédio do indivíduo e da sociedade, de todos e cada um de nós, agindo de forma
empenhada e responsável.

Se o século XX foi o tempo do rufar dos tambores dos direitos fundamentais, o final do milénio e o século que
se aproxima é o tempo da responsabilidade ou, noutra perspectiva, o da descoberta dos direitos/deveres. Não
porém no sentido de desenvolver a ideia de desformalização justiça, geradora na sociedade civil de fórmulas
paralelas das institucionais milícias privadas ou outras , num retrocesso indesejável a mecanismos de
"vindicta privada", mas no sentido de aperfeiçoamento contínuo das instituições constitucionais, sobre as
quais a sociedade mostrou cosensualmente querer edificar o seu futuro.

A vinculação positiva da sociedade, seja nacional seja internacional, à ideia de justiça há-de ser o resultado de
uma conduta diária, responsável, de todos e cada um, uma conduta que não esgote em reivindicações de
direitos, susceptíveis de fechar o homem sobre si próprio, isolando-o dos outros, antes desenvolva, ao lado
dos direitos, uma cultura de deveres e de responsabilidade, que estreite a tessitura social numa permanente
reivindicação de equilíbrios.

A renovação ética e cívica por intermédio do exercício diário da responsabilidade - responsabilidade vem
etmologicamente de res + spendeo e significa comprometer-se perante alguém - , poderá ser o melhor
antídoto para, reforçando e aprofundando a solidariedade, inventando soluções e remédios, manter viva na
sociedade aquilo que lhe é essencial, a Justiça.

É, aliás, a ideia de uma sociedade solidária fundada na co-responsabilidade de todos por um destino comum
que a Constituição quotidianamente convoca e não admira que seja como o repositório da herança e do
imaginário de um povo.

A Constituição brasileira de 1988, cujos 10 anos aqui se comemoram, não foge à regra. Ela é referência
específica de uma certa forma de governar em nome de todos e a cultura da responsabilidade que lhe subjaz
não só deve mobilizar a sociedade para a vigilãneia dos limites que ela impõe - constituição como garantia ou
vinculação - , como a deve mobilizar em redor de uma ideia de realização- Constituição como tarefa ou
intenção - , exigindo respostas, coerentes e sérias, e obrigando os governantes a abandonar visões sectoriais
ou parcelares dos problemas e encará-los como um todo, pois só nessa medida a solução encontrada será
constitucional.

Além disso, e porque a Constituição ou o direito que nela se contém é uma realidade cultural, o exercício
legítimo do poder na procura das soluções correctas deve resultar da descoberta de respostas antigas,
fundacionais, à luz das novas vivências sociais e culturais. A leitura interpretativa da Constituição não inclui o
poder de' diariamente a rever, sob pena de, com isso, se estar a retirar à Constituição o papel de instrumento
fundamental, em vigor até que o povo a altere, de acordo com os mecanismos constitucionais próprios. Mas já
inclui e exige um espírito próprio de raciocínio (reasoning spirit) capaz de, sem forçar consensos para
respostas que aos olhos de quem exerce o poder são as melhores, reinventar as soluções encontradas no
momento constituinte, na qual o compromisso social último se alicerçou e no qual permanentemente procura
alimento.

É neste quadro que a ponderação dos bens constitucionalmente consagrados ganha sentido e encontra
compreensão. Em primeiro lugar, até porque implica comparação, seja num plano sincrônico - hierarquização -
seja num plano diacrônico - , essa ponderação deve ser fruto de uma visão global da Constituição. Em
segundo lugar, funcionalizada embora pela resolução das questões que a realidade diariamente coloca, essa
ponderação deve ser entendida de acordo com as respostas dadas no momento fundacional ou constituinte do
Estado, culturalmente reinventadas. Por outras palavras, a evolução histórica, econõmica e social, não altera
o sentido da Constituição, mas esta tem de ser construída à luz do presente, o que significa que, sem se
adulterar, a Constituição dá respostas a realidades inexistentes e, mesmo, impensáveis no momento de sua
aprovação.

A temática da ponderação dos bens constitucionalmente consagrados deve ser encarada de diferentes
quadrantes, consoante as situações jurídico-constitucionais presentes, bem como os protagonistas principais
de cada uma das referidas situações.

Assim, elencam-se três distintas modalidades de compreensão desta temática consoante as situações: a
ponderação dos bens constitucionalmente consagrados em estado de defesa ou de sítio, geradora de um
direito de necessidade constitucional, a ponderação de bens constitucionalmente consagrados em estado de
necessidade administrativa e, finalmente, a ponderação de bens constitucionalmente consagrados em
situações de normalidade constitucional.

De outro lado, distinguem-se três modalidades de compreensão da temática, tendo presente a intervenção de
cada um dos titulares do poder estadual unitário, de acordo com o princípio da separação de poderes, ou seja,
ponderação de bens constitucionalmente consagrados pelo legislativo, pelo executivo e pelo judicial.
Cruzando o resultado dos dois critérios utilizados, multiplicam-se os centenários de compreensão do tema,
particulares e complexidade específica. cada um com as suas "nuances" particulares e complexidade
específica.

Na impossibilidade, dada a exiguidade de tempo, de problematizar com profundidade o tema e dar notícia dos
seus diferentes cambiantes, vou limitar-me a traçar as coordenadas e as pistas de reflexão que poderão ser
desenvolvidas no debate que se seguir a esta minha intervenção

Como qualquer modelo normativo, a Constituição é uma construção social da realidade, destinada a
racionalizar as relações intersubjectivas e a sustentar particulares concepções de poder. Ao impor uma ordem
justa que substitui a desordem ou a injustiça anteriores, a Constituição começa por identificar o titular do
poder para, de seguida, distinguir na sociedade o que é importante do que é insignificante, o que é valioso do
que não tem valor, o normal do anormal.

A partir daqui, o titular legitimo do poder elege os princípios jurídicos específicos que protegem os bens
identificados como importantes e valiosos, normaliza os processos ou caminhos de actuação considerados
bons e naturais - exercício legítimo do poder - criando um discurso interno próprio por onde ecoam as lutas
econômicas, sociais e políticas.

Ora, a delimitação deste discurso, a Constituição hipotiza, em regra, situações de desordem social
generalizada, situações de excepção à normalidade que justificam comportamentos dos poderes públicos
contrários às normas fundamentais vigentes em situações normais.

Neste contexto, a Constituição brasileira regula os estado de defesa e estado de sítio, dedicando-lhes todo o
capítulo I do título V, a que sugestivamente chama "Da defesa do Estado e das instituições democráticas". E
digo sugestivamente porque é realmente a "alma" do Estado que, nas situações de estado de defesa e de
estado de sítio, está em perigo e é preciso salvar. Por isso o estado de defesa e o estado de sítío, enquanto
estados constitucionais de excepção à normalidade, apareçam ligados ao todo social ou pelo menos, a parte
dele, obrigando a recolocar o princípio que é essência mesma da sociedade política, de natureza fundacional,
o da dialéctica entre autoridade e liberdade.

Os estados de excepção constitucional, assim ligados a situações de crise, geram aquilo a que os
constitucionalistas chamam o direito de necessidade constitucional.

Com efeito, nestas situações, o exercício das funções constitucionalmente previstas pelos poderes públicos
revela-se insuficiente para fazer face às necessidades colectivas emergentes, exigindo-se-lhes o recurso a
meios extraordinários de acção. Mas ao relevarem directamente da Constituição, os estados de excepção não
traduzem uma ideia de ruptura da norma fundamental, antes envolvem uma ideia de garantia da sua
manutenção. Pode afirmar-se que as medidas a tomar no período de excepção se destinam a salvaguardar a
Constituição em sentido institucional; são globalmente impostas pela ideia de direito contida na Constituição,
sendo, por isso, e apesar das restrições de direitos fundamentais que em regra acamtam, condição de
existência das instituições livres.

Não pode, pois, falar-se de uma Constituição para o estado de normalidade e de uma Constituição para os
estados de necessidade ou excepção, mas já é indispensável falar, dentro da mesma Constituição, de uma
ponderação de bens para as situações de normalidade constitucional e de uma ponderação de bens
específica dos estados de excepção.

A "necessidade" configurada na realidade dos factos e verificada pelos órgãos constitucionais competentes
abre, assim, o período de excepçao, por natureza temporário, e serve de base última de legitimação dos
poderes extraordinários exercidos pelos poderes públicos. Vale isto por dizer que a concreta realidade dos
factos é determinante essencial da intensidade das restrições dos direitos fundamentais, bem como das
medidas a tomar e da sua própria duração, além de consubstanciar o objectivo último dessas medidas: o
regresso à normalidade. A abertura aos factos pertence aqui à natureza das coisas, pela impossibilidade de
"codificação constitucional integral do estado de excepção", apesar das cautelas que constitucionalmente
rodeiam o exercício do direito de necessidade: princípio da típicídade dos pressupostos do estado de defesa e
do estado de sítio (artigos 136º e 137º da Constituição), princípio da intangibilidade de certos direitos
fundamentais, nomeadamente os direitos à vida integridade física (artigos 136º e 139º da Constituição),
princípio da proporcionalidade, que impõe, entre outras realidades, que o estado de defesa e o estado de sítio
só possam ser declarados para superar situações de excepção, a intensidade da suspensão dos direitos
resulte do que é estritamente necessário às circunstâncias e que tenha a duração necessária à
ultrapassagem da excepcíonalidade da situação (artigo 136º, 138º e 139º da Constituição), princípio da
fiscalização das medidas tomadas em estado de defesa e em estado de sítio (artigo 140º), princípio da
responsabilidade, civil e criminal, dos autores, dos executores e dos agentes (artigo 141º da Constituição).
Abertura aos factos que se mostra decisiva na ponderação dos bens constitucionalmente consagrados,
porquanto esta será fruto de uma análise contextualizada, uma vez que o número e intensidade das restrições
aos direitos fundamentais depende dos circunstancialismos concretamente verificados.

Declarados os estados constitucionais de excepção, os poderes públicos, nomeadamente o legislativo e o


executivo, desenvolvem a sua acção nos parâmetros definidos pela respectiva declaração, sendo essa acção
objecto de fiscalização judicial, igualmente na base desses parãmetros.

Diferentemente se coloca o problema quando as autoridades públicas administrativas se confrontam com


situações de estado de necessidade não enquadradas no exercício do direito constitucional de excepção.

Na verdade, o Direito Administrativo, cuja trave mestra é o princípio da legalidade, conhece também o estado
de necessidade, que assenta na máxima contrária: necessitas legem non habet. Este justifica a suspensão da
legalidade ordinária sem que as autoridades públicas sejam obrigadas a abandonar ípso factu a subordinação
ao direito - quod non est licitum in lege necessitas facit licitum.

O estado de necessidade administrativa é reconhecido nos diferentes ordenamentos jurídicos onde tem vindo
a ser teorizado. Anda normalmente ligado a calamidades naturais, a situações de greve prolongada,
insurreições, manifestações que degeneram em desordem social generalizada, ainda que localizada
territorialmente, e justificam a tomada de medidas administrativas sem que a lei previamente as defina ou
mesmo havendo determinação legal expressa em contrário. Costuma dizer-se que o estado de necessidade
dita as suas próprias leis ou ainda que o estado de necessidade é uma norma "vazia de conteúdo material",
"puramente atributiva de competência" cuja aplicação, por isso, deve ser muito restritiva.

São normalmente três os pressupostos apontados pela doutrina para a verificação do estado de necessidade
administrativa: a excepcionalidade da situação, caracterizada pela desarticulação social inconciliável com o
uso dos poderes públicos normais; a urgência ou natureza inadiável das actuações administrativas, medida
pelo perigo ou ameaça de perigo em que está a prossecução de determinado interesse público e, finalmente,
a natureza imperiosa do interesse público susceptível de sacrificar o interesse de legalidade. No contexto
constitucional, o princípio da legalidade da Administração só pode ser preterido se um interesse, de igual
modo constitucionalmente garantido, se prefigurar na factualidade concreta, interesse imperioso que, por isso
mesmo, se tem de entender como sendo de valia superior ao interesse que o princípio da legalidade visa
salvaguardar.

A questão, neste momento, presente é a de saber qual a relação entre a ponderação dos bens
constitucionalmente consagrados e o estado de necessidade administrativa. A resposta é essa: aquela
ponderação intervém no estado de necessidade administrativa em dois momentos. Em primeiro lugar, no da
fixação dos pressupostos do estado de necessidade. Em segundo lugar, no da modelação das medidas
administrativas a tomar no seu âmbito.

No âmbito da fixação dos pressupostos porque o interesse da legalidade administrativa, sendo constitucional,
só pode ser arrecadado por força de um outro interesse de natureza constitucional, só pode ser arredado por
força de um outro interesse de natureza constitucional, tornado, em termos comparativos, mais relevante. No
momento da modelação das medidas administrativas, porque, falhando a mediação do legislador ordinário, a
licitude destas deve resultar directamente da Constituição.

As autoridades administrativas devem expressar os valores constitucionais, na sua ponderação relativa e na


escala de prioridades que a Constituição garante, em cada medida que tomarem no ãmbito do estado de
necessidade. A discricionariedade administrativa aproxima-se da discricionariedade legislativa. É mais ampla
e mais aberta que a tradicional discricionariedade administrativa, pois, faltando a lei, faltam os fins nela
fixados, não podendo a Administração nortear-se por eles.

Mas nem por isso a discricionariedade que a Administração exerce em estado de necessidade se confunde
com a que o legislador dispõe. E não se confunde porque os factos e a ultrapassagem da normalidade que os
caracteriza é o pano de fundo da acção administrativa, condicionando-a por dentro, limitando-a, o que não se
verifica no âmbito da acção legislativa exercida normalmente. Acresce, por outro lado, que a excepcionalidade
do estado de necessidade, ao colocar a Administração na directa dependência da Constituição, determina a
sujeição desta ao princípio da restrição das medidas ao mínimo e indispensável, princípio que assim pontua a
acção administrativa constitucionalmente.

Uma nota final para a ponderação dos bens constitucionalmente consagrados em situação de normalidade, a
qual, paradoxalmente, não é ainda alheia ao conceito de necessidade.

Os factos geradores de estado de necessidade, por definição factos que legitimam actuações à margem da
lei, devem ser analisados em paralelo com os que justificam a alteração da lei vigente. Há uma
interdependência entre a elaboração do conceito de necessidacle como critério de derrogação da norma e sua
representação como requisito indispensável da própria actividade legislativa, concretamente a justificação
para a alteração da ordem jurídica.

Em qualquer dos casos, é a pressão dos factos que demanda uma diferente compreensão do ordenamento
jurídico: na primeira, a necessidade configura-se como excepção perante a lei vigente, demandando a criação
de uma medida excepcional; no segundo, a necessidade configura-se como normalidade perante a lei vigente
e demanda a alteração desta.

A alteração da lei em vigor exigida pelas circunstâncias factuais é, em clima de normalidade, movida ainda
pela necessidade, uma necessidade avaliada em função dos bens constitucionalmente consagrados.

Simultaneamente tarefa e garantia, intenção e vinculação, a Constituição se, de um lado, força a acção,
porque contém um projecto que urge realizar, de outro restringe, porque contém um repositório de valores
intocáveis que e decisivo preservar. Nesse processo de intenção e de tensão, compre aos poderes executivo
e legislativo, de acordo com o programa aprovado nas eleições, compreender e dar resposta, de modo
imaginativo, ao projecto de realização que emana da ponderação relativa dos bens constitucionalmente
consagrados. Por seu turno, às autoridades administrativas impõe-se-lhes desenvolver, articuladamente e de
modo adequado, as opções legalmente definidas, no quadro do ordenamento jurídico, em qualquer caso,
também, compreender a Constituição através da lei, como tarefa e vinculação.

Para o judicial, porém, a Constituição não se apresenta como tarefa ou projecto a realizar. Antes como
garantia de que, nessa realização, os valores fundamentais da sociedade não são afectados. Isto sem prejuízo
de o judicial garantir também os projectos legitimamente vertidos em lei, enquanto sanciona a violação desta.
O que o judicial não pode é condicionar ou interferir directamente nas escolhas políticas feitas pelo legislador,
desde que permitidas constitucionalmente. Para o judicial, em suma, avaliar os valores constitucionalmente
consagrados não significa apreendê-los como motor de uma acção ou iniciativa para a acção e sim como
bens que, na sua correlatividade e complexidade, globalmente considerados, não podem ser lesados pela
acção política ou legislativa. Daí que, para manter no quadro da autoridade legítima, o judicial não possa fazer
interferir nessa avaliação as preferências políticas pessoais de seus juizes.

Os princípios constitucionais da separação de poderes, da independência judicial, bem como os direitos


fundamentais devem ser interpretados pelo judicial como expressão simples de realidades jurídicas, como pre-
compreensões dessas mesmas realidades e não como modelos de acção política.

A tarefa atribuída aos juizes pela Constituição é uma tarefa que estes devem empreender como juristas,
técnicos do direito, não como políticos. Por outras palavras, a ponderação dos bens constitucionalmente
consagrados é, para o judicial, a ponderação de um instrumentarium conceptual tecnico-jurídico, e não, como
acontece com o legislativo, a ponderação de formas de pensar com vida própria.

Em conclusão, os diferentes poderes do Estado devem, na estreita medida das suas tarefas, empreender, de
modo responsável, a ponderação dos bens constitucionalmente consagrados, num esforço de reivindicação
permanente das soluções aprovadas em consenso no momento fundacional, tendo presente que essa
ponderação só é possível na unidade interpretativa da Constituição. Porque a legitimidade do mais ínfimo acto
do poder estadual resulta de este ser a imagem da Constituição como um todo e, logo, da ponderação de
bens que nela se contém.

E permitam-me que termine com uma metáfora antropomórfica da Constituição, recordando Fernando Pessoa,
esse grande poeta da língua portuguesa, num poema recentemente interpretado por Maria Bethânia:

"Para ser grande, sê inteiro: nada

teu exagera ou exclui.

Sé todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim, cada lago, a lua toda

Brilha, porque alta vive."

(do poema "Para ser grande" - Ricardo Reis)


Revista Jurídica Virtual

Brasília, vol. 1, n. 5, Setembro 1999

POLITICAL AND CONSTITUTIONAL ASPECTS OF AFFIRMATIVE ACTION IN THE UNITED STATES

Ellis Katz
Professor da Temple University - EUA.

I am amazed by how quickly the affirmative action controversy has spread to so many countries throughout the
word. In the United States, we have been struggling with a affirmative action for almost thirty years, and while
we have hardly been successful in resolving all the complicated issues, I thought that a survey of the American
experience might be useful. Today, I would like to explore a bit of the history of affirmative action in the United
States, and then turn to an evaluation of the arguments that are involved in this continuing debate.

Like Brazil, the United States has a history of slavery. During the seventeenth and eighteenth centuries, slavery
existed through the North American colonies. After independence, however, slavery was quickly eliminated in
the northern states. But in the southern states, slavery became a way of life, pervading the social and
economic fabric. With the election of Abraham Lincoln as President in 1860, the southern states attempted to
secede from the Union and establish their own independence confederacy of slave holding states. The results
was the terrible and bloody civil war of 1861-1865.

With the northern victory in the war, the Constitution was amended to forever forbid "slavery" anywhere in the
United States. Three years later the Constitution was further amended to provide that no state shall "deny to
any person... the equal protection of the laws" - an attempt to make sure that the southern states treated their
newly free black citizens the same as they treated their white citizens. While the amendments successfully
ended slavery as an institution, a series of decisions by the United States Supreme Court severely limited the
power of the federal government to protect the rights of the newly free blacks and permitted the southern states
to adopt a policy of racial segregation though which blacks were assigned to a grossly inferior status in those
states.

For our purposes, the most important of these Supreme Court decisions is Plessy v. Ferguson. The case
involved a Louisiana statute that required blacks to ride in separate railroad cars from whites. The plaintiff
argued that such state laws violated the new equal protection clause of the Constitution. The Supreme Court
disagreed, holding that legal ciassifications based on race did not violate the equal protection clause so long as
the facilities provided for each race were basically equal - the infamous "separate but equal" doctrine. Following
the Plessy decision, the southern states adopted laws requiring racial segregation in transportation, housing,
theaters and restaurants, and most importantly, in education. Thus by the turn of the century, the southern
states were able to consign blacks to a separate, and inferior place in society. This was the state of affairs untill
1954 when in Brown v. Board of Education, the practice of racial segregation and, ultimately, gave impetus to
affirmative action.

In Brown v. Board of Educatíon the Court was called upon to reconsider its Plessy decision. In its Brown
opinion, the Court held that separate facilities in education could never be equal because state required
segregation did an injury to young black children, making them feel inferior and unworthy of being full members
of the larger society.

The Brown decision required that southern states dismantle their racially segregated school system and
provide education on a non discriminatory basis "with all deliberate speed". There was, of course, great
opposition to this decision in the southern states, and, at first, the federal courts seemed to accept their
delaying. But by 1968, the Court grew impatient with the slow progress towards desegregation. In Green v.
County School Board the Court held that "the burden on a school board today is to come forward with a plan
(for desegregation) that promises realistically to work, and promises realisticaily to work now." In other words, it
was the obligation of the school district to come up with a plan that promised to achieved desegregation, and
the validity of that plan was to be judged by the results it actually achieved, not on good intentions, but on
results. And how is one to judge results? By the actual number of black and white children attending school
together, of course. Three years later, the Court specifically upheld the use of racial quotas as a measure of
school desegregation. In other words, if a school district contained fifty percent white children and fifty percent
black children, then it was assumed that the district did not achieve desegregation until every school building,
even every classroom, approached a 50-50 racial composition. This affirmative obligation to achieve racial
desegregation came into effect only when there had been a constitutional violation, only when the school
district had been operating under a governmentaly sanctioned system of racial segregation - what we refer to
as segregation de jure. But in the absence of some state action that causes racial segregation, there is no
constitutional violation and therefore, no obligation to desegregate.

Affirmative action programs in private employment governmental contracting have different roots from the
school desegregation effort, but have come to much the same results - that there must be a finding of illegal
discrimination before quotas and the other accountrements of affirmative action come into effect.

The Civil Rights Act (CRA) of 1964 brought the full force of the federal government to bear upon racial (and
other) discrimination by private employers. While the general intent of the 1964 law was fairly clear the question
of what constituted discrimination was not nearly so well defined. Obviously, the law forbad intentional
discrimination in the hiring or promotion of employees. But what about hiring or promotion practices that, while
nondiscriminatory on their face, had a differential impact upon blacks and white. In Griggs v. Duke Power
Company (1971), the U.S Supreme Court ruled that two general intelligence tests used by the company to
recruit employees violated the Civil Rights Act because white applicants did substantially better on the tests
than did black applicants. And since test scores were the major criterion on which hiring decision were made,
then it was little wonder that the Duke Power Company was almost an all-white enterprise. The Court did not
rule out the use of all such tests, but made it clear that "if an employment practice which operates to exclude
Negroes cannot be shown to be related to job performance, the practice is prohibited". And under this tests, the
burden was on the employer to show that the employment qualification was necessary to job performance. As a
practical matter, this burden of proof was almost impossible for employer to meet, so that whenever a business
was found to have only a small number of black employees, it was assumed that its employment practices
violated the Civil Rights Act. And what is the remedy for such a violation? Title VII of the statute specifically
authorizes courts to use quotas as a measure of compliance with the law once a finding of discrimination has
been made. Thus, the situation in employment became much the same as in public education. Once there was
a finding of illegal discrimination, then racial quotas are a perfectly appropriate way to bring the offending body
into compliance. But it is important to note that quotas are appropriate only as a remedy for illegal
discrimination. I have not addressed the use of racial quotas in the absence of a finding of past illegal
discrimination.

Affirmative action programs in the awarding of governmental contracts have their basis in federal, state and
local legislation that require a certain percentage of governmental contracts be awarded to minority-owned
enterprises. For example, a 1977 federal law required that tem percent of all federal construction contracts be
set aside for minority contractors. The law was upheld in Fullilove v. Klutznick (1980) over objections that such
racial references violated the equal protection clause of the Fourteenth Amendment. The Court reasoned that
the past history of racial discrimination in the construction trade was ample justification for racial references
and quotas. Thus, in governmental contracting, as in public education and employment, past discrimination
triggers racial preferences and quotas.

But what about the situation in which there is no past history of segregation, one in which the school, the
employer or the government agency simply desires to implement a policy of affirmative action, complete with
racial preference and quotas? The U.S Supreme Court first addressed that question in Regents of the
University of Califomia v. Bakke in 1978.

The Bakke Case involved a new program of the Medical School of the University of California, which, in order
to achieve a more diversified student body, set aside sixteen admissions for blacks students, even though they
might have scored lower on admissions tests than did white applicants. Allan Bakker, a white applicant who had
been denied admission even though he had higher test scores than several of the black students who had
been admitted under the special set aside program, challenged the program as violative of the equal protection
clause, claiming that he had been discriminated against because of his race. The Supreme Court was very
badly divided. Four justices voted to uphold the set aside program, maintaining that racial ciassifications did not
violated violate the Constitution unless they discriminated against blacks. Four other justices voted to invalidate
the University of California’s program, and made it clear that they would vote to invalidate any program that
gave a racial preference. The deciding vote was cast by Justice Powell, who, while voting against the
University of California’s program, state that he would uphold programs of affirmative action that, in the name of
diversifying the student body, took the race of the applicants into consideration, but was not the sole criteria on
which admission decision were made.

By the 1980s, all forms of affírmative action came under increasing attack. Both presidents Ronald Reagan
and George Bush made modest efforts to limit affirmative action programs, but their real impact was their
appointment of four justices to the U.S Supreme Court which grew increasingly hostile to racial preferences
and quotas. For example, in 1989, the Supreme Court invalidated a program of the City of Richmond, Virginia
that set aside thirty percent of city contracts to minority-owned businesses. The Court reasoned that because
there was no evidence that the City of Richmond had ever discriminated against minority-owned enterprises in
the past, laws that gave black-owned businesses preference over white-owned ones violated the equal
protection clause of the Fourteenth Amendment. And in Hopwood v. Texas (1996), the Court let stand a
decision by a U.S District Court that had invalidated all affirmative action efforts by the University of Texas.

Even more important perhaps, is Proposition 209 enacted into law by California voters in 1996. The initiative
prohibits the use of "race, sex, color, ethnicity, or national origin as a criterion for either discriminating against,
or national origin as a criterion for either, discriminating against, or grating preferential treatment to, any
individual or group in the operation of the state's system of public education, or public contracting", thus
eliminating all affirmative action efforts by state agencies. The impact of Proposition 209 in California has been
enormous and the number of blacks in higher education and the number of state and local contracts awarded to
black owned business have already been reduced substantially. Today, at least twenty states are considering
Proposition 20-type legislation.

Affirmative action has become increasingly controversial in the United States and clearly the political mood of
the country has become more skeptical of racial preferences and quotas. Whatever the future of affirmative
action as public policy in the United States, let me conclude by presenting and evaluating some of the major
arguments for and against it.

First, perhaps the strongest argument against affirmative action is that it judges people on the basis of their
race, rather than on the basis of their individual merits. But an argument can be made that race has always
been a factor in evaluating individuals. In fact, I maintain that race continues to be important in evaluating
individuals for employment, admission to universities and the awarding of business contracts. Racism has
been, and continues to be a powerful force in American society. I believe that in the absence of a substantial
governmental presence to counter the racism that is built into the fabric of America, blacks, and perhaps other
minorities, would continue to suffer discrimination. Given this perspective, I would prefer to see race as a factor
that advantages, rather than disadvantages traditionally underprivileged groups.

Second, it is sometimes argued that racial preferences and quotas mean that we are forced to hire, and admit
to our universities, unqualified individuals. Frankly, there is nothing in the history of affirmative action to
suggest that this is true. Minorities hired under special recruitment programs, or admitted to universities must,
in all causes, be qualified. If the argument were modified to claim that less qualified individuals may be hired or
admitted, the arguments might have more truth to it. But, even if individuals are less qualified, they are, none
the less, qualified to perform the job or to succeed at a university. In fact, one study examined the success rates
of those admitted to medical school under the University of California's special admission program and found
that the special admission students had a slightly higher graduation rate than students admitted as part of the
general pool of applicants. Furthermore, "qualifications" are often unrelated to job or university performance. In
Griggs v. Duke Power Company, for example, the Supreme Court found that the tests of general intelligence
used by Duke Power Company to recruit employees were totally unrelated to actual job performance. They
served only the function of screening out black aplicants. It is only reasonable, I believe, that "qualifications"
must be demonstrably related to job performance or success at the university before they can be used to judge
individuals.

Third, some claim that affirmative action programs have created a schism between whites and blacks and, in
fact, increases white resentment and black rage. There may be some logic to this argument but public opinion
data suggests that both white resentment and black rage have actually decreased over the past third years or
so. More specifically, a 1995 poll found that 53 percents of Americans (both white and black) favored affirmative
action. While there can be no doubt that affirmative action, especially the use of quotas, has increased tensions
between blacks and whites, there is nothing to indicate that it has led to racial lines impossible.

Fourth, some argue that affirmative action has actually injured blacks by making them question their sense of
self worth. According to this argument, blacks must lift themselves by their bootstraps and "earn" whatever
they achieve. I am not really in a position to evaluate this argument, but is seems to me that whites are more
likely to question the "worth" of blacks that have achieved success, believing that they obtained their positions
because of policies of racial preference rather than by their own merit. There may be some truth to this, but it is
a result to white resentment rather than of black insecurity. In any event, according to public opinion polls,
blacks continue to favor affirrnative action, perhaps believing that white racism would prevent them from rising
by their own efforts and merit.

Finally, let me offer one argument in favor of affirmative action. Throughout American history, blacks have been
marginalized to the fringes of American society, creating what one commentator has called "social dynamite".
This is a dangerous situation, threatening our domestic peace, prosperity and tranquility. In my view, it is
imperative to create a large black middle class with a substantial stake in society. Simply put, affirmative action
is probably the quickest way to integrate blacks into the mainstream of American society. Affirmative action may
be troubling and inconsistent with American individualism, but it is in my interest as a middle class white
American for blacks to have the same stake in the social order as I do. As Abraham Lincoln said almost 140
years ago, we cannot exist as a society "half slave and half free". Affirmative action, I believe, is necessary for
my well-being as well as for the well-being of millions of marginalized blacks Americans.

Many of my colleagues in the United States disagree with my history and evaluation of affirmative action. I am
sure that many of you will disagree as well. I have tried to be provocative, and hope that I have provoked you
into offering some questions and comments. Thanks you for allowing me to share these thoughts with you
today.
Revista Jurídica Virtual

Brasília, vol. 1, n. 5, Setembro 1999

Trabalho Educativo pode ser trabalho Produtivo?

Marisa Tiemann
Procuradora Regional do Trabalho, junto à PRT/9ª Região
Bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito de Curitiba
Licenciatura Plena em Pedagogia pela UFPr

Direitos humanos fundamentais. Direitos sociais do trabalhador. Trabalho subordinado e trabalho produtivo.
Trabalho do menor. Direitos do empregado menor, entre 16 e 18 anos de idade. Contrato de trabalho do menor
aprendiz. Aprendizagem metódica de um ofício. Trabalho educativo - inferências legais a partir do art. 68 do
ECA. Crítica ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 469-B, de 1.995, que dispõe sobre o Programa
Especial de Trabalho Educativo à luz do direito internacional; à luz do direito constitucional; à luz do Direito do
Trabalho; à luz da LDB - Lei 9394/96; à luz do ECA, Lei 8069/90. Trabalho educativo - necessidade ou
realidade. Perspectivas de um trabalho educativo na faixa etária de até 18 anos, sem inserção no mercado de
trabalho. Perspectivas de um trabalho educativo na faixa etária de 14 a 18 anos, com inserção no mercado de
trabalho. Alterações no ECA. Proposta de Projeto de Lei para regulamentar o trabalho educativo no âmbito das
instituições sociais.Proposta de Projeto de Lei para regulamentar o contrato especial de trabalho com
formação educativa.

Direitos Humanos Fundamentais(1):

Ultrapassados quase dezoito séculos da era cristã a humanidade conseguia, precisamente em 1789,
estabelecer, por escrito, os princípios mínimos - fundamentais -- para o respeito a dignidade do ser humano.
Nasciam com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em França, e as demais que a ela se
seguiram na Europa e nos Estados Americanos as primeiras letras de direito positivo de tamanha abrangência
e universalidade que foram transpostas para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, em
1948.

A Declaração de França de 1.789 reconhecia em seu preâmbulo que há "direitos naturais, inalienáveis e
sagrados do homem" a serem consolidados num pacto social a partir do que se legitima o surgimento de uma
sociedade, cuja preservação exige que o Poder Político seja exercido com a supremacia do Direito, espelhado
na Constituição, na lei das leis.

Dentre os ideais da Revolução Francesa destacava-se a necessidade de estabelecer um "um governo de leis
e não um governo de homens" (Constituição de Massachussets - EUA) pois os povos da Europa e da América
estavam a repudiar o arbítrio e o abuso de poder dos governantes. Surge o Estado de Direito significando que
o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo que exprime o justo. E, este o conceito de
justo estaria inspirado em Montesquieu "as leis são as relações necessárias que derivam da natureza das
coisas". E, também na lição de Rousseau, na célebre fórmula do Contrato Social "a lei é a expressão da
vontade geral", afastando a idéia de que possa advir da vontade arbitrária do legislador, mas sim que
represente a participação de todos, ou seja, leve em conta o interesse geral.

As declarações de direito contém, pois, os direitos naturais e as limitações destes para a vida em sociedade.
As declarações de direito constituíram tanto na Europa como nos Estados Americanos o embrião das
respectivas Constituições Políticas. O principal conteúdo destas declarações de direitos fora o de que existe
um conjunto de regras mínimas de que os seres humanos necessitam para um convívio numa sociedade
organizada e em prol do interesse de todos.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1.789, já consagrava em seus primeiros artigos:

"art. 1º - Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum"

"art. 2º - A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e


imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão.

"art. 4º - A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que
asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites
apenas podem ser determinados por lei"

"art. 6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,
pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para
todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e
igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua
capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos"

"art. 12º - A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta
força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem
é confiada;

"art. 15º - A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida
a separação dos poderes não tem Constituição.

Na declaração de direitos revelou-se a conquista definitiva do conceito de liberdade. Para assegurar os


direitos humanos fundamentais destinados a defender a natureza do ser humano o primeiro princípio a ser
declarado e respeitado é o da liberdade em todos os seus matizes: direito à vida, direito de ir e vir, direito à
segurança, direito a liberdade de pensamento e expressão; direito de propriedade (dispor dos bens) e seus
corolários a presunção de inocência, a legalidade criminal e a legalidade processual.

E nela, revelou-se, também, um dos princípios fundamentais da organização política embasado na igualdade
de todos perante a lei, a isonomia. Nos artigos 1º e 6º se constata a idéia de que o direito deve ser aplicado
de forma uniforme a todos, sem qualquer distinção. De conseqüência consagra-se o princípio da legalidade,
observados os limites da lei para o exercício do poder; inscrito numa Constituição que institua um governo não
arbitrário, organizado segundo normas que não possa alterar, limitado pelo respeito aos direitos naturais e
imprescritíveis do Homem e garantido pela separação dos poderes, dividindo o exercício do poder segundo a
fórmula preconizada por Montesquieu; com a existência de uma força pública que é a garantia dos direitos do
Homem e do Cidadão.

Nascia, aí, a primeira geração dos direitos humanos e fundamentais, também denominada de liberdades
públicas; permanecem nas Constituições dos povos mais evoluídos como inerentes à defesa da dignidade do
ser humano e, no Brasil, foi cunhada na Constituição com a expressão direitos e garantias individuais. São os
direitos e garantias concentrados nos setenta e sete incisos do art.5º, da CF/88.

Ao final da primeira guerra mundial reinava um sentimento de que a paz mundial dependia da harmonia social,
havendo um ambiente propício para a construção dos rudimentos de um direito social. Assim, em 25 de janeiro
de 1919 instalou-se a Conferência de Paz e dela surgiu o Tratado de Versailles que trouxe em seu bojo a
criação da OIT- Organização Internacional do Trabalho. A Parte XIII do Tratado, inicia por reconhecer em seu
preâmbulo que "a Sociedade das Nações tem por objetivo estabelecer a paz universal e que tal paz não pode
ser fundada senão sobre a base da justiça social".

A criação da OIT constituiu o prenúncio de uma ação legislativa internacional sobre as questões de trabalho
sob a tríplice justificação: política (assegurar bases sólidas para a paz universal), humanitária (existência de
condições de trabalho que despertam injustiça, miséria e privações) e econômica (o argumento inicial da
concorrência internacional como obstáculo para a melhoria das condições sociais em escala nacional).

E, ali, no art. 427 do Tratado de Versailles (1919) estava consagrado o princípio segundo o qual as Altas
Partes contratantes reconhecem que "existem métodos e princípios para a regulamentação das condições de
trabalho" que todas as comunidades devem esforçar-se em aplicar. Dentre esses métodos e princípios
exsurgem com importância especial e urgente:

art. 1º - O princípio diretivo antes enunciado de que o trabalho não há de ser considerado como
mercadoria ou artigo de comércio;

art. 4º - A adoção da jornada de oito horas;


art. 5º A adoção de um descanso semanal de vinte e quatro horas, sempre que possível aos
domingos;

art. 6º a supressão do trabalho das crianças e a obrigação de impor aos trabalhos dos menores
de ambos os sexos as limitações necessárias para permitir-lhes continuar sua instrução e
assegurar seu desenvolvimento físico;

art.7º - O princípio do salário igual, sem distinção de sexo, para um trabalho de igual valor.

Nascia, então, a segunda geração de direitos, denominados, direitos sociais e econômicos, sendo
consagrados com a criação da OIT um rol de direitos do trabalhador, tidos por fundamentais e obrigatórios
para todos os estados signatários do Tratado. "Um tratado internacional de remarcado relevo consagrava,
assim, o Direito do Trabalho como um novo ramo da ciência jurídica."

De 1919 até 1939 quando eclodiu a segunda grande guerra a OIT havia adotado 67 convenções e 66
recomendações sobre os principais temas do Direito do Trabalho e da Previdência Social. O Brasil já ratificou,
na área de trabalho infantil, as seguintes Convenções:

- Convenção n. 5 - sobre a idade mínima (indústria) 1919;

- Convenção n. 6 - sobre o trabalho noturno dos adolescentes ( indústria) 1919;

- Convenção n. 7 - sobre a idade mínima (trabalho marítimo); 1920 (denunciada com a ratificação da
Convenção n. 58);

- Convenção n. 16 - sobre exame médico dos adolescentes (trabalho marítimo), 1921;

- Convenção n. 58 - sobre idade mínima (trabalho marítimo), 1936;

Em, 10 de dezembro de 1.948 a Assembléia Geral das Nações Unidas - ONU aprovava a Declaração
Universal dos Direitos do Homem consagrando os direitos e liberdades fundamentais cuja observância
universal e efetiva deve constituir ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações além de
consistir em objetivo de cada indivíduo e de cada órgão da sociedade. Somaram-se nesta declaração as duas
grandes gerações de direitos fundamentais, os individuais e os sociais.

Além de especificar e detalhar o direito a liberdade e a igualdade que constituíram a base dos direitos
fundamentais individuais a Declaração Universal dos Direitos do Homem trouxe artigos específicos aos
direitos sociais que ora se transcreve:

Artigo XXIII

1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a
que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus
interesse.

Artigo XXIV

Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho
e a férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV

Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,


nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e


do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. (......)

Artigo XXVII

1.Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. (.....).

O Brasil também incorporou a segunda geração de direitos em sua Constituição de 1.988, bastando examinar
o que dispõe o Capítulo "Dos Direitos Sociais" (arts. 6º, 7º e 8º) e o Título "Da ordem social".

Necessário dizer, também, que tal incorporação está expressa no preâmbulo da Carta Magna em vigor, onde
se lê que ao instituir um Estado Democrático a nação brasileira está "a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social".

Para a construção de um Estado Democrático de Direito o Brasil, consignou. ainda em sua Carta Suprema, a
adoção dos princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa (art. 1º) e, estipulou como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; erradicação da pobreza e a da marginalização e a redução das desigualdades sociais e
regionais; a promoção do bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. (art. 2º).

E, no art. 6º há a explícita enunciação dos direitos sociais instituídos e garantidos pela Constituição em vigor:

"Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a


previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição"

Como se vê, a nação brasileira fez, na Constituição Federal de 1.988, uma opção clara pela incorporação dos
direitos individuais e sociais mínimos assegurados pelas sociedades modernas e pelos povos evoluídos.

Direitos Sociais do Trabalhador

O Direito do Trabalho surgiu de dois pressupostos interligados: de um lado a liberdade, ou direito de trabalhar
e de outro a necessidade de impor limites à liberdade de contratar, pelo poder de polícia do Estado.

Ao final da primeira guerra mundial existia uma panorama favorável a construção dos direitos sociais e
econômicos. Prevalecera, anteriormente, a consagração dos direitos individuais, com acirrado liberalismo
econômico tido como a livre iniciativa do empresário ante a concorrência de mercado. O Estado não podia
intervir posto que predominava a interpretação de que seu papel era apenas o de assegurar que todos eram
livres para contratar, o que foi cunhado pela história como o período do "laissez-faire". Nesse contexto, o
trabalho virou uma mercadoria, como outra qualquer, sujeita a lei da oferta e da procura. Com a
industrialização surgiu uma massa de desempregados e, sem nenhum limite pelo poder de polícia do Estado,
os salários foram aviltados até a miséria, crianças desde quatro e cinco anos foram utilizadas como mão-de-
obra; mulheres foram exploradas em trabalhos insalubres e penosos; homens foram submetidos a jornada
extenuantes.

Em, 1802, o Moral and Health Act, de Robert Peel, na Inglaterra proibia o trabalhado de menores por mais de
12 (doze) horas por dia, bem como o trabalho noturno. Uma lei francesa de 1841 proibia o trabalho nas
fábricas e manufaturas de menores de oito anos, o que comprova a afirmação de que havia, no início do
século XIX, nas fábricas de tecidos, crianças de quatro e cinco anos trabalhando. A Constituição da França de
1848 introduziu o Direito do Trabalho, e já proibia a "marchandagem" ou seja a venda do trabalho humano
como mercadoria.

Como vimos, o Tratado de Versailles consagrou a essência do Direito do Trabalho, já em seu artigo primeiro,
ao declarar que o trabalho não é uma mercadoria; o que significa dizer, em última instância que nas relações
entre empregado e empregador deve respeitar-se o ser humano, como sujeito de direitos e obrigações não
apenas como detentor de força física ou intelectual colocada à disposição de outrem. Afinal, é como sujeito de
direitos que um ser humano se torna cidadão e só como tal pode ter respeitada sua dignidade de pessoa
humana.

Para atingir esse desiderato, ou seja, de que a parte economicamente mais forte na relação de trabalho
respeite as regras mínimas que não ofendam a dignidade do trabalhador as normas de Direito do Trabalho são
revestidas de coercibilidade, ou seja, são normas cogentes, de ordem pública, da quais não pode abrir mão o
trabalhador, seu sindicato, ou qualquer dos poderes públicos, executivo, legislativo ou judiciário. Uma vez
infringidas pelo empregador cabe a aplicação de sanções, multas de competência da fiscalização entregue
aos agentes do Ministério do Trabalho.

Tais normas são as de direito internacional, já consagradas pelos Tratados internacionais de que o Brasil é
signatário, as normas da OIT ratificadas pelo Brasil, e o conjunto de regras mínimas estabelecidas nos art.6º,
7º e 8º na Constituição Federal de 1.988, as definidas na Consolidação das Leis do Trabalho e toda a
legislação esparsa..

Urge afirmar, pois, que os direitos elencados no art. 7º da CF/88 nada mais são do que a conquista de
duzentos anos de evolução da humanidade iniciando pela consagração do direito à dignidade do ser humano
e, prosseguindo com as conquistas dos últimos cem anos relativas aos direitos sociais dos cidadãos, à vida, à
educação, à saúde e ao trabalho.

As vantagens trabalhistas no art. 7º da Constituição Federal, tais como: direito a uma jornada máxima de oito
horas de trabalho, a férias remuneradas, a descanso de 24 horas, preferentemente aos domingos, direito a um
meio ambiente de trabalho saudável com redução dos riscos do trabalho insalubre, perigoso e penoso; a
proibição do trabalho infantil, do menor de 16 anos; a proibição de trabalho insalubre, perigoso penoso e
noturno aos menores de 18 anos são hoje, reconhecidamente, direitos naturais e inalienáveis que têm por
base a natureza e dignidade do ser humano, sua constituição física, o respeito a pessoa em desenvolvimento
no caso do menor, ou adolescente, os limites físicos, psicológicos do ser humano, são, também, reconhecidas
internacionalmente. Logo, existe aí, um mínimo, também imutável, fundamental, não sujeito a restrição, ou
negociação, de direitos indisponíveis que cabe respeitar, no campo social.

E, porque é assim?. Porque, surgiu essa proteção ao trabalho humano subordinado?. Por que "O trabalho é o
próprio trabalhador. Daí por que, como disse COUTURE, na relação jurídica do trabalho está em jogo a mais
nobre das substâncias do direito: a substância humana. O salário não é apenas o preço da força de trabalho:
é o meio de subsistência de um ser humano, a quem a sociedade não pode negar o direito a uma existência
digna" (3)

O trabalho é uma "expressão da personalidade humana, como atributo do ‘ser’ e qualificado na sua forma de
dependência. O sujeito da relação emprega não só as suas energias físicas, que não são por si mesmas um
objeto descartável do ente humano, mas investe a própria pessoa humana, como fonte permanente da qual
emanam aquelas energias. É este aspecto do trabalho dependente - que não tem sido suficientemente
destacado pela doutrina --- que singulariza o contrato de trabalho. Sob esse aspecto, podemos dizer que
enquanto os contratos de direito comum giram em torno de coisas, de bens, de patrimônio, o contrato de
trabalho apanha a própria pessoa, envolvendo-a na sua essência humana". (2)

Quer dizer que quando o sujeito do contrato de trabalho emprega suas energias físicas e mentais, sua força e
capacidade de trabalho em prol da produção e lucratividade de outrem, investe também toda a própria pessoa
humana, como fonte donde emanam tais atributos. A capacidade física, mental, psiquíca do trabalhador não
podem ser vistas como objeto descartável do ser humano, mormente num trabalho subordinado. É, pois, a
integridade da essência humana, que o Direito do Trabalho visa a proteger, criando limites e impondo
condições a sua utilização no regime de trabalho subordinado.

Fez-se necessário fazer toda essa digressão passando pelos direitos e garantias individuais e resumindo a
evolução das conquistas pelos direitos sociais alcançadas no limiar do terceiro milênio, para relembrar que se
os Estados soberanos optaram por limitar a autonomia dos particulares é porque os abusos foram imensos,
como revela a história, quando examina o período denominado "a questão social". Como rememora Amauri
Mascaro Nascimento, alguns dados são extremamente significativos, citando que "Georges Duveu escreve
que no século passado, na França, os mineiros passavam 12 horas no fundo das minas; nas fábricas de
alfinetes o normal era o trabalho durante 14 ou 15 horas; nas tecelagens também. É conhecida a luta, na
Inglaterra, pelas 8 horas, inspirando mesmo, as letras de uma canção de protesto social: Eight hours to work/
eight hours to play/ eight hours to sleep/ eight shillings a day". (4)

Em resumo, todas as conquistas sociais foram fruto de muito sacrifício, de trabalho em condições de miséria e
indignidade, e extremado abuso e exploração das condições físicas e psicológicas do ser humano, com
jornadas diárias extenuantes para crianças e mulheres que chegaram a ser chamadas de "torturas"; salários
infames cunhando a expressão de "salário de fome", e desproteção total diante de acidentes do trabalho e
riscos sociais como a doença, o desemprego. "Daí a necessidade de alterar o sistema jurídico liberal por meio
de uma corrente legislativa que, adaptando-se à realidade social, impedisse que os princípios da liberdade
contratual e da autonomia da vontade, que pressupunham a igualdade entre os contratantes (inexistente no
contrato de trabalho) se transformassem em fato de agravamento do desequilíbrio entre o Capital e o Trabalho
e de perturbação da ordem social" (3)

"... o quadro dramático da exploração humana, que o início do do processo de desenvolvimento acarretou, não
é mais tolerável nos dias que correm. A elevação do valor ético do trabalho humano, através de um longo e
penoso esforço contra a desumanização da economia, é uma conquista definitiva da civilização. A revolução
industrial há de se processar, hoje, por outros métodos" (3)

Este estudo não visa a enunciar quais seriam estes outros métodos, nem seria nossa pretensão adentrar
numa seara da qual não se domina. Contudo, se para alguns o Direito do Trabalho representa uma parcela de
peso, rotulado por encargos sociais, para a economia subdesenvolvida (e seu percentual não é tão grande
quanto se pensa ou divulga) urge contorná-lo com outros mecanismos políticos e econômicos sugeridos por
cientistas políticos, sociais e econômicos, encontráveis nos artigos de revistas especializadas, tais como:
envolver outros segmentos da sociedade (grandes fortunas) e a comunidade internacional no financiamento
desse crescimento; exigir o comprometimento social das multinacionais que se instalam no país; sem falar na
minimização dos efeitos dos demais elementos que coarctam para o recrudescimento das dificuldades (juros a
patamares inaceitáveis, por exemplo).

Evidentemente que, é preciso manter um vigoroso Direito do Trabalho principalmente porque não se pode
negociar com a saúde do trabalhador e o Estado terá sempre que custear o resultado dos infortúnios, que não
souber coibir. Assim, cabe tutelar para que um cidadão saia de casa para trabalhar, por exemplo na
construção de uma usina hidroelétrica, ou no parque industrial de uma grande indústria e não venha a morrer
em virtude de acidente no trabalho. Não se pode imaginar que um trabalhador vá contribuir para a construção
de bens comerciais e/ou industriais e venha a perder um dedo, ou ter amputado um braço ou uma perna. Não
se pode pretender que um adolescente saia de casa, deixe a escola, para assumir no mercado de trabalho a
produção de carvão vegetal, de açúcar e álcool, a extração de pedras, sal, a tecelagem, a produção de tijolos
ou cerâmicas, ou até mesmo a digitação em computadores e venha a adquirir nesse ambiente de trabalho os
seus efeitos nocivos à saúde, tais como artrose da coluna vertebral, lesões por esforços repetitivos; ferimentos
traumáticas por corte com instrumentos de trabalho; fadiga crônica, queimaduras, desidratação; problemas
respiratórios, auditivos, mutilações, dentre outros males, por não possuir idade cronológica para se adaptar a
um trabalho penoso, insalubre ou perigoso, mormente quando ausentes o fornecimento dos equipamentos de
proteção coletiva e individual adequados.

Trabalho Subordinado e Trabalho Produtivo

Já enunciou-se linhas acima que o Direito do Trabalho tutela o trabalho subordinado, posto que há outras
relações em que não há essa linha diferencial de tutela. Não são regidos pelas leis trabalhistas os contratos
dos empreiteiros, que se comprometem com o resultado de uma certa obra (art. 1237 C.Civil), os contratos
dos autônomos que por meio da locação de serviços ou prestação de serviços se comprometem em realizar
um serviço em certo tempo, por preço acertado, e trabalham ao modo, conta e risco próprios (art. 1216
C.Civil), de que são exemplos típicos os profissionais liberais, artistas, empreiteiros de obras, representantes
comerciais, dentre outros. O autônomo não está subordinado às ordens emanadas do poder diretivo do
tomador dos serviços e, sendo, portanto independente, trabalha quando quiser, como quiser e segundo os
critérios que determinar para entregar os resultados do objeto contratado.

O Direito do Trabalho, ao contrário, tutela o trabalho subordinado realizado por empregados. A CLT considera
empregado, toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual, a empregador, sob a
dependência hierárquica deste e mediante salário. E, considera empregador, a empresa (pessoa física ou
jurídica) que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviços.
Trata-se, pois, de um contrato em que se pretende contar com a prestação de serviços de uma determinada e
específica pessoa (pessoalidade) que exerce atividade permanente e continuada (não eventual) sob
dependência, ou seja, observando o poder diretivo do empregador, as regras e cláusulas contratuais e as
ordens de quando, onde e de que modo deve agir (subordinação hierárquica); mediante um salário
(onerosidade), trabalho este prestado para uma empresa, ou seja, em prol de terceiros, que assumem os
riscos da atividade econômica e que operam no mercado, predominantemente, com fins lucrativos.

Saliente-se, por fim que, mesmo que não haja um acordo de vontades expresso, que não exista um contrato
de trabalho formal, haverá uma relação de emprego. Toda vez que houver prestação de trabalho subordinado,
sem oposição do tomador dos serviços, caracteriza-se o vínculo entre empregado e empregador, de forma
tácita, atraindo a tutela do Direito do Trabalho (art. 442, da CLT).

Não é demasia, para o presente trabalho conceituar trabalho. Do Vocabulário Jurídico "De Plácido e Silva"
extrai-se que:

Trabalho em sentido genérico é "todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de realizar ou fazer
qualquer coisa"

No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho não é simplesmente tomado nesta acepção física: é toda
ação, ou todo esforço, ou todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas, ou sejam
corporais, dirigidas com um fim econômico, isto é, para produzir uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de
uma avaliação, ou apreciação monetária. Assim, qualquer que seja a sua natureza, e qualquer que seja o
esforço que o produz, o trabalho se reputa sempre um bem de ordem econômica, juridicamente protegido.

Por esta razão, indicando o trabalho uma atividade produtiva, qualquer fato capaz de injustamente impedi-lo,
ou que seja causa de uma inatividade, de que resulte prejuízo, ou perda, para o trabalhador, dá motivo à justa
indenização. No cômputo dessa indenização, pois, o trabalho é compreendido como qualquer espécie de
atividade, de que se possa gerar um utilidade, ou um bem econômico"

Pois bem, o "o conceito jurídico de trabalho supõe que este ‘se apresenta como objeto de uma prestação
devida ou realizada por um sujeito em favor de outro’. Tal ocorre quando 1.uma atividade humana é
desenvolvida pela própria pessoa física; 2.essa atividade se destina à criação de um bem materialmente
avaliável; 3.surja de relação por meio da qual um sujeito presta, ou se obriga a prestar, a própria força de
trabalho em fvor de outro sujeito, em troca de uma retribuição". (3).

É esse trabalho subordinado, sob dependência e em prol da lucratividade de outrem, que recebe a tutela do
Direito do Trabalho. Tem como finalidade limitar e definir as condições aceitáveis em que a energia do
empregado possa ser entregue mediante retribuição, e minimizar as disparidades econômicas e sociais de
modo a coibir no trabalhador a convicção de estar sendo explorado. Como um bem econômico, uma utilidade
suscetível de ser mensurada economicamente é natural sujeitar aquele que o recusa, após contratá-lo, a
indenizar o empregado. Como também é o trabalho mote da subsistência digna, mister que na sua ausência,
seja pelo simples desemprego, seja por motivo de doença ou acidente de trabalho o Estado o defenda com o
seguro social. É a chamada tutela do hiposuficiente. É atribuir aos desiguais, tratamento desigual, de forma a
atingir a um equilíbrio de forças entre capital e trabalho.

Trabalho do Menor

No decorrer do estudo vimos que no início do século passado nasceram, com a revolução industrial, as
primeiras preocupações com a proibição e tutela do trabalho do menor. Sucessivamente reduziram-se as
horas de trabalho, e a idade mínima para o ingresso no trabalho e fixaram-se as proibições de atividades com
prejuízo da saúde física da pessoa em desenvolvimento.

São inúmeros os fundamentos que exigem uma proteção especial do trabalho do menor. Os de ordem física
justificam a proibição de trabalho noturno, insalubre, perigoso ou penoso de forma a assegurar seu
desenvolvimento natural e para que não seja exposto a riscos de acidente ou doença do trabalho; de ordem
cultural a fim de permitir que o menor adquira a instrução e capacitação adequada a competir no mercado de
trabalho; de ordem moral para que seja afastado de ambientes prejudiciais à sua moralidade. e de segurança
à pessoa em desenvolvimento para que não seja exposto a riscos de acidente do trabalho.

Conveniente pontuar que, inobstante o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha procurado evitar o uso do
vocábulo menor, no âmbito do Direito do Trabalho tal palavra nada tem de negativo. Tanto assim, que a própria
Constituição Federal dela se apropria quando quer diferenciar o trabalho do adulto do trabalho do menor.
Portanto, neste estudo, a utilização da palavra menor terá sempre o mesmo significado que a palavra
adolescente.
O Brasil, recentemente, com a Emenda Constitucional 20/98, alterou a redação do art. 7º, inciso XIII para
proibir expressamente o trabalho de menor de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de menor aprendiz. Já
desde o advento da CLT é proibido o trabalho de menores de 18(dezoito) anos em trabalho noturno, insalubre,
perigoso ou penoso, ou que prejudique sua freqüência à escola.

A nova redação do inciso, do artigo 7º, da CF/88 aprovada em 15.12.1988, com a EC 20/98, ficou assim
expressa:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de


qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos;

A alteração é introduzida a bom tempo, eis que por várias vezes o Congresso Nacional não pode referendar a
Convenção 138 da OIT que prescreve a idade mínima para ingresso no trabalho aos 15 anos e sua
progressiva ampliação, para 16 anos, em razão do nível do desenvolvimento do país signatário. A Convenção
138 da OIT é a Convenção sobre a Idade Mínima, de 1.973, que visou fixar um instrumento geral sobre a
matéria, que substitua gradualmente os atuais instrumentos, aplicáveis a limitados setores econômicos.

Em seu artigo 1º, a Convenção 138 da OIT, preconiza:

"Todo País-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política
nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade
mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento
físico e mental do jovem".

Anote-se que já estava na pauta do Programa Nacional de Direitos Humanos (1.996) do Ministério da Justiça a
ratificação da Convenção 138/OIT como meta de curto prazo. Com efeito, se o Brasil quiser comercializar seu
produtos no mercado globalizado, mister que comprove, perante a comunidade internacional que não explora
mão-de-obra infantil ou de adolescentes. Os organismos internacionais e os instrumentadores do capitalismo
já têm consciência da gravidade dessa exploração, pois destruída a infância estará abortado o cidadão e com
ele, o ser humano produtivo, consumidor e propagador de riquezas.

A inserção precoce dos menores no mercado de trabalho, justificada pela legenda de que "melhor no trabalho
do que na rua" é fruto de uma visão retrógrada e distorcida da sociedade, do mercado de trabalho e do papel
mínimo do Estado, previsto na Constituição. Em verdade as conseqüências da inserção precoce dos menores
de 16 anos no trabalho são devastadoras e alarmantes.

Os informes dos organismos internacionais (IPEC - OIT), e não oficiais como as ONGs demonstram que
trabalham e produzem em igualdade de condições ao trabalhador adulto, e em determinadas funções (no
trabalho rural) em condições de maior produtividade, com salários menores. Aqueles que trabalham mais cedo
têm um desenvolvimento cultural e educacional, quantitativamente menor do que seus pais atingiram na idade
adulta. Os dados também informam que, quanto mais cedo iniciam o trabalho, quando adultos, têm a
tendência de permanecer com iguais ou piores salários do que os de seus pais.

Outros aspectos necessitam ser examinados: ao admitir menores o mercado de trabalho está ocupando
vagas, já escassas, que poderiam ser destinadas a seus pais, ou a outros empregados adultos. Quando
sofrem acidentes do trabalho têm suprimida sua integridade física em tenra idade e com drásticos
comprometimentos sociais, desde a necessária recapacitação para o seu retorno ao mercado do trabalho, em
gastos com a previdência, sem falar em sua readequação na vida social. Por fim, suprime das crianças e
adolescentes a melhor fase da vida e o seu direito inviolável de brincar e ter acesso a todo o conhecimento
científico disponível na sociedade.

Do ponto de vista do empregador constituem os menores um grupo de trabalhadores dóceis, extremamente


produtivos, nunca fazem greve, e desconhecem a legislação social mínima. Tamanha inocência e ausência de
noção de cidadania e dos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal facilita sua inserção no
mercado sem o respectivo registro em CTPS e de conseqüência sem o reconhecimento de todos os direitos
sociais e previdenciários. Como, em geral, não possuem registro, ou quando trabalham formalmente são
registrados em funções subalternas, dificilmente têm acesso ao salário da categoria, denominado, piso
salarial.
Inobstante tão graves males, subsiste, no país, uma massa de trabalhadores menores, em total desrespeito ao
que determina a Constituição, que emprestam sua energia, seu potencial humano para a construção da
lucratividade de terceiros sem nenhum comprometimento social, seja com o reconhecimento dos direitos
individuais sociais indisponíveis, seja com o aporte aos órgãos competentes dos recolhimentos trabalhistas e
previdenciários.

Do ponto de vista da Drª Ruth Beatriz Vilela que já esteve à frente da Secretaria de Fiscalização do Trabalho,
do Ministério do Trabalho, as raízes do trabalho infantil, podem ser assim descritas:

"Países como o Brasil, cujo padrão de desenvolvimento apresenta uma distribuição de renda injusta, com
desigualdades regionais muito profundas e onde existe um contingente de famílias em situação de extrema
pobreza associada às precárias condições da escola pública a que seus filhos têm acesso, acarreta a
necessidade, por parte dessas famílias, de utilizar o trabalho precoce de seus filhos"

"Paralelamente à situação de pobreza em que vive significativa parcela da população do país, o fator cultural
contribui, embora de forma menos preponderante, para justificar a utilização de mão-de-obra infantil. Pela
cultura da valorização do trabalho, mesmo o precoce passa a ser visto como a grande alternativa para atenuar
a carência das crianças, prevenir a sua possível delinqüência e viabilizar sua incipiente cidadania. Qualquer
iniciativa que venha ampará-las, ocupando-as e retirando-as das ruas e dos riscos da ociosidade passa a ser
considerada como positiva, até mesmo aquelas executadas em condições que podem comprometer seu
desenvolvimento físico e psicológico. Com isso, os próprios pais são levados a pensar que o trabalho, para os
filhos pequenos, representa uma alternativa preferível ao ócio e até mesmo à escola".

Direitos do Trabalhador Menor


Entre 16 e 18 Anos de Idade:

Estabelecido, pois, que o menor atinge aos dezesseis anos a capacidade para o trabalho, vejamos de que
forma trata a legislação brasileira o direito do trabalhador adolescente.

Em primeiro lugar cumpre dizer que, na data da alteração da Constituição Federal, muitos menores entre 14 e
16 anos incompletos foram encontrados trabalhando. Para estes, como forma de minimizar as conseqüências
do rompimento brusco do trabalho, por vezes, a única fonte de renda deles, e da própria família, foi
assegurada a permanência no emprego, em razão da norma anterior.

Outrossim, é preciso mencionar que, inobstante a idade mínima para o trabalho seja a de dezesseis anos, o
emprego dessa mão-de-obra de forma ilícita de qualquer forma é tutelado. É que, em qualquer hipótese o
trabalho prestado a outrem, ou seja executado com o consentimento do empregador, inobstante sua
anulabilidade, produz efeitos, porquanto não podem ser devolvidas as energias despendidas pelo empregado.
Assim, encontrado menor de 16 anos trabalhando cabe à fiscalização do trabalho multar o empregador e
retirar o menor do trabalho. Mas, não podendo devolver-se as partes ao "status quo ante", sem prejuízo da
atividade já desempenhada pelo trabalhador, devem ser pagos todos os consectários legais decorrentes,
como se relação de emprego tivesse havido. (art. 444, c/c art. 9º da CLT).

Importa frizar, também, aqui, que recentemente, o artigo 203 do Código Penal foi alterado pela Lei 9.777 de 29
de dezembro de 1998 (DOU, 30.12.98), estabelecendo-se que quem frustar direito trabalhista, mediante
fraude ou violência, incorrerá em crime, sendo majorada a pena que é agora de Detenção de um ano a dois
anos e multa, além da pena correspondente à violência. Ao artigo foi acrescido o § 2º, com a seguinte
redação: "A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou mental".

A regra basilar orienta no sentido de que os direitos sociais do trabalhador adolescentes são idênticos ao do
trabalhador adulto. E, assim o é, em face do respeito aos princípios fundamentais da igualdade de todos
perante a lei, da dignidade do ser humano; da não discriminação. Logo, além de fazer jus à gama de direitos
elencados no art. 7º da CF/88, está protegido com toda uma regulamentação especial.

Os primeiros direitos, ou seja, os direitos sociais de qualquer trabalhador brasileiro, inclusive do adolescente
na faixa etária de 16 a 18 anos, são: relação de emprego protegida pela anotação da CTPS - carteira de
trabalho e previdência social; recolhimentos a razão de 8% sobre a remuneração para o FGTS, e multa de
40% em razão de dispensa sem justa causa (art. 10 ADCT); seguro-desemprego; salário-mínimo; piso salarial
da categoria; irredutibilidade salarial salvo negociação coletiva; participação nos lucros; 13º salário; jornada de
oito horas; repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos; férias anuais remuneradas com
pelo menos um terço a mais do que o salário normal; licença à gestante com duração de 120 dias; estabilidade
da gestante desde a gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, ADCT); licença-paternidade; aviso prévio;
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
Ao empregado adolescente, na faixa de 16 a 18 anos são ainda asseguradas, as seguintes condições de
trabalho, em razão de se tratar de pessoa em desenvolvimento:

Art. 7º, inciso XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Art. 7º, inciso XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do
trabalhador portador de deficiência;

Art. 7º, inciso XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os
profissionais respectivos.

Já a Consolidação das Leis do Trabalho contém outra gama de regras protetivas aos interesses do
adolescente-empregado:

A CTPS - carteira de trabalho e previdência social do adolescente-emrpegado deve ser anotada pelo
empregador, assim entendido, o beneficiário dos serviços (tomador), já que o registro por terceiros, mesmo
entidades filantrópicas, é proibido pela legislação (CF, art. 7º e seus incisos; CLT, art.s 2º, c/c 3º, 9º, 442, 443,
444 e Enunciado 331, do E. TST).

Ao adolescente é proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre, tanto no âmbito urbano como no âmbito
rural (CF, art. 7º, inciso XXXIII; ECA art. 67, I, e II; CLT art. 405, I; Lei 5889/73, art. 8º e, Decreto 73.626/74, art.
12).

O trabalho noturno é aquele prestado das 22 h de um dia às 5h do dia seguinte para o trabalho urbano (CLT,
art.73, §2º). Para o trabalhador rural, é aquele prestado das 20h de um dia à 4h do dia seguinte, na pecuária,
e das 21 h de um dia às 5 h do dia seguinte, na agricultura (Lei 5589/73, art. 7º e Decreto 73626/74, art. 11,
parágrafo único).

O trabalho insalubre é aquele prestado em condições que expõe o trablhador a agentes nocivos à saúde,
acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de
exposição aos seus efeitos (CLT, art.189, e Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e suas Norma
Regulamentares relativas à segurança e medicina do trabalho.

O trabalho perigoso é aquele que implique contato com inflamáveis, explosivos, energia elétrica de alta tensão
ou em atividades que coloquem em risco a integridade física do empregado (CLT, arts.193 e 405, I, NR-16 da
Portaria 3214/78; Lei 7369/85).

É vedado o trabalho penoso, que exige maior esforço físico ou que se realize em condições extremamente
desagradáveis. Especificamente é proibido ao adolescente e à mulher qualquer atividade que demande força
muscular superior a 20 (vinte) quilos , para o trabalho contínuo, e 25 (vinte e cinco) quilos, para o trabalho
ocasional (CLT, art. 405, §5º, c/c art. 390).

Considera-se, ainda prejudicial à saúde e à moralidade do adolescente o trabalho prestado nos locais
mencionados no art. 405, §3º da CLT, tais como: trabalho em boates, cabarés, venda de bebidas alcoólicas, na
produção, entrega ou venda de impressos contrários aos valores éticos e sociais da pessoa, da família. É
dever do empregador, nos termos do art. 425, da CLT, velar pela observância dos bons costumes e da
decência pública no âmbito do estabelecimento que empregue adolescente, bem como é dever de seus
responsáveis legais (pais, mães, tutores) afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente seu tempo
de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à saúde e constituição física ou prejudiquem a sua
formação moral (CLT, art. 424; ECA , art. 67, III).

Os responsáveis legais pelo adolescente tem a faculdade de obter a rescisão de seu contrato de trabalho, se
comprovarem ser prejudicial a sua saúde e a sua moral (CLT, art. 408).

Quanto à remuneração o adolescente-empregado, mensalista, com jornada de 220 horas mensais, deverá
receber valores iguais ou superiores ao salário-mínimo, ou ainda, fará jus ao piso normativo da categoria
profissional (piso salarial da categoria fixado em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho). Se a jornada for
reduzida, isto é, com menos de oito horas diárias, deverá receber o correspondente as horas trabalhadas com
base no salário-hora igual ou superior ao salário-mínimo-hora ou piso normativo-hora, com expressa menção
dessa condição na CTPS (CLT, arts. 58, 64, 65 e 76).

A jornada do adolescente-empregado é a mesma do empregado adulto, sendo equivalente ao máximo de oito


horas diárias, não podendo ultrapassar 220 horas mensais. Se o adolescente for empregado em mais de um
estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão somadas, a ponto de impedir que sua jornada seja
superior a oito horas diárias (CLT, art. 414).

É vedada a prorrogação habitual, da duração normal diária do trabalho do adolescente, na forma do art. 413,
caput, da CLT. Essa prorrogação é admitida por motivo de força maior se o trabalho do adolescente for
imprescindível ao funcionamento do estabelecimento, em até quatro horas por dia, com comunicação por
escrito ao Ministério do Trabalho, em 48 horas (CLT, art.413, II) sendo válida apenas enquanto perdurar o
motivo excepcional.

O adolescente-empregado pode firmar acordo de compensação de jornada, entendida esta, como aquela que
prorrogue a jornada de oito horas em até, no máximo duas horas diárias, para abolir o trabalho nos sábados e,
desde que não ultrapassada a jornada semanal de 220 horas e haja previsão em Acordo ou Convenção
Coletiva de Trabalho

Enfim, a jornada de trabalho do adolescente-empregado haverá de ser aquela que, observa os limites da lei
(oito horas ao dia, e 44 horas semanais), e desde que não prejudique sua freqüência à escola (CLT, art. 413, I,
c/c art. 427, e ECA, art. 67, IV).

O adolescente-empregado pode firmar recibo de pagamento (semanal, mensal), exceto o recibo de quitação
final. O recebido de quitação final relativo a extinção do contrato de trabalho (CLT, art. 439) somente terá
validade se for assinado por seu responsável legal (pai, mãe, tutor). De qualquer forma, se o adolescente-
empregado houver trabalhado por mais de um ano o recibo de quitação final somente terá validade se
homologado pela respectiva entidade sindical e, na omissão ou ausência desta, pela DRT e demais
autoridades competentes. (CLT, art. 477).

Contra o menor de 18 anos não corre a prescrição do direito de ação quanto a créditos trabalhistas
decorrentes de contrato de trabalho havido com ou sem registro em CTPS, tanto no âmbito rural, quanto
urbano. Somente a partir do momento em que o adolescente completa 18 anos é que começa a fluir o prazo
estabelecido pelo art. 7º, XXIX, "a" e "b" da Constituição Federal e art. 440 da CLT.

Relativamente às férias, ainda, não pode o adolescente fracionar o gozo de férias, ou seja, estas deverão
corresponder sempre a um período de 30 dias consecutivos (CLT, art. 134, § 2º). Os adolescentes têm, ainda,
o direito de fazer coincidir o período de suas férias no trabalho com as férias escolares (CLT, art. 136,§2º). É
facultado ao adolescente converter 1/3 das férias, ou seja, usufruir apenas 20 dias, e converter os restantes 10
dias em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes (CLT, art.
143).

De modo que, atendidos os princípios da igualdade de todos perante a lei, da dignidade do ser humano, da
não discriminação, quando houver contrato de trabalho ou relação de emprego com o adolescente na faixa de
16 a 18 anos, este terá idênticos direitos a de qualquer trabalhador adulto. E, ainda, em respeito a sua
condição de pessoa em desenvolvimento haverá o empregador que conciliar os direitos sociais elencados na
Constituição Federal, com as regras da CLT e do ECA protetivas do trabalhador adolescente.

Contrato de Trabalho do Menor Aprendiz


Aprendizagem Metódica de um Ofício

A par de poder ser contratado como empregado, nas mesmas condições do adulto, a legislação prescreve,
ainda, uma modalidade especial de contrato, a qual, por força do dispositivo constitucional já antes
comentado, permite a inserção no trabalho, a partir de 14 anos, na condição de menor aprendiz.

O contrato de trabalho do menor aprendiz é uma modalidade especial de contrato de trabalho regulada pelos
artigos 80 e 429 a 433 da CLT e demais regulamentação especial, que está a cargo do chamado Sistema "S" -
Senai, Senac.

O art. 80, parágrafo único, da CLT dispõe que considera-se aprendiz o menor sujeito à formação profissional
metódica do ofício em que exerça o seu trabalho.

Com a Emenda Constitucional nº 20/98 que deu nova redação ao artigo 7º, inciso XXXIII, ficou restrita a faixa
etária dos menores entre 14 (quatorze) a 18(dezoito) anos incompletos.

Os requisitos de validade do contrato de aprendizagem são:

a) - termo de contrato de trabalho escrito com anuência do responsável legal pelo adolescente;

b )- anotação do contrato de menor aprendiz na CTPS (CLT, art. 29, c/c art.. 429);
c )- registro do termo do contrato de aprendizagem no Ministério do Trabalho, solicitado no prazo de 30 dias,
por meio de requerimento acompanhado do certificado de aprendizagem, obtido na matrícula no SENAC e
SENAI;

d) - idade do adolescente entre 14 e 18 anos (art. 7º, inciso XXXIII da CF/88, c/c EC 20/98);

e) - conclusão pelo adolescente da 4ª série do ensino fundamental (1º grau) ou que o mesmo possua
conhecimentos mínimos essenciais para a preparação profissional;

f) - que a atividade objeto da aprendizagem esteja relacionada na Portaria 43/53, alterada pela Portaria
1055/64 e portarias posteriores;

g) - que se obedeçam as regras de proteção ao trabalho do menor previstas na CLT e no eCA;

h) - o contrato terá duração correspondente ao do curso, ou seja. o tempo necessário para a aprendizagem,
não podendo ultrapassar três anos.

A aprendizagem, segundo a CLT, pode ocorrer de duas formas:

a) - a realizada por meio do SENAC e SENAI (CLT, arts. 80, 429 a 433, Decreto 31546/52, e Portarias do MTb
43/53 e 1055/54 e portarias posteriores.

b) - a realizada na própria empresa desde que haja planejamento, supervisão e adequação dos cursos pelo
SENAI e SENAC (Portaria 127/56, do MTb) quando não exisitirem vagas nos cursos ministrados por essas
entidades, ou quando inexistirem cursos na localidade.

Quanto ao salário, o menor aprendiz, na primeira metade da duração máxima prevista para o aprendizado, o
salário nunca será inferior a meio salário mínimo. Para a segunda metade do contrato será de no mínimo 2/3
do salário mínimo (art. 80, caput, da CLT).

Há quotas mínimas de contrato de menor aprendiz que as empresas devem observar. Os estabelecimentos
industriais são obrigados a empregar e matricular nos cursos do SENAI número de aprendizes equivalent a
5% no mínimo e 15% no máximo dos operários existentes em cada estabelecimetno e cujos ofícios
demandem formação profissional, na forma do art. 429 da CLT.

Os estabelecimentos comerciais com mais de nove empregados são obrigados a empregar e matricular no
SENAC até o limite de 10% do total de empregados de todas as categorias em serviço no estabelecimento, na
forma do art. 1º, do Decreto-Lei 8622/46.

Em comentando esses dispositivos em confronto com a realidade há que observar-se que estão em
descompasso com a necessidade as exigências de que apenas SENAC e SENAI podem participar do contrato
de menor aprendiz, eis que estão atendendo em número insuficiente as empresas industrias e comerciais;
podendo ser perfeitamente estendidos a outras autarquias em regime especial, tais como SESC, SESI,
SENAR além das escolas técnicas e as escolas oficiais, reconhecidas pelo MEC, com regular
profissionalização.

Além disso, urge que se estendam as quotas mínimas para todos os estabelecimentos empresariais e que as
autarquias especiais destinem parte obrigatória de seus orçamentos para o atendimento dos adolescentes-
carentes. É que, com efeito, o sistema como se encontra é extremamente elitista, pois exige que o
adolescente esteja com a idade cronológica equivalente a idade escolar, exige pagamento de matrícula para
os cursos profissionalizantes; além de exigir como pré-condição uma escolaridade e formação incompatíveis
com a condição de menores-carentes ou oriundos de lares de famílias de baixa renda.

Tem havido parcerias entre o desembolso dos recursos do FAT, através do PLANFOR, por meio de Convênios
entre as Secretarias de Trabalho Estaduais e os Escritórios Regionais do SENAC e SENAI, para o
desenvolvimento de programas profissionalizantes pelo Sistema "S" para adolescentes-carentes, como uma
solução bastante eficiente e abrangente. Todavia, pode-se reconhecer que a mesma é insuficiente, até porque
não sistematizada para todo o país, e sim fruto de um arrojado, dinâmico e construtivo empenho do Ministério
Público do Trabalho, por sua Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, no Paraná, no sentido de
regularizar o trabalho do adolescente, diante da legislação como posta.

O Ministério Público do Trabalho, por suas Procuradorias Regionais, em todo o país, como se vislumbra no
Relatório das "Atividades do Ministério Público do Trabalho na Erradicação do Trabalho Infantil e na
Regularização do Trabalho do Adolescente" tem exigido o cumprimento das cotas de menores aprendizes no
âmbito de seus estados, perante os empregadores da área do comércio e indústria. Como a economia vem se
desenvolvendo amplamente na área de serviços, faz-se necessário, até por isonomia de tratamento que estas
também sejam chamadas a observar as cotas de menores-aprendizes, sendo também urgente uma alteração
legislativa, nesse sentido.

Uma peculiaridade valiosa do contrato especial do menor aprendiz é a possibilidade de o adolescente, quando
da conclusão do contrato ou ao atingir 18 anos de idade, de ser efetivamente aproveitado pela empresa em
que desenvolveu o aprendizado. Outra vantagem do sistema é a de que nessa modalidade contratual o menor
tem a efetiva possibilidade de aprendizagem de um ofício, posto que todo o processo de formação técnica e
prática e acompanhado, na parte teórica por professores especializados e na parte prática por profissionais da
área, os chamados mestres do ofício.

Por outro lado, mister que se reconheça que as necessidades do mercado estão mais voltadas para um
profissional polivalente, da mesma forma que a própria orientação que emerge da nova LDB é no sentido de
educar para um saber constante, posto que a previsão é de que cada trabalhador irá mudar de ramo
profissional, pelo menos, três vezes em sua vida ativa. De modo que outras formas de trabalho educativo, ou
de aprendizagem profissional estão sendo requeridas.

Conquanto a inequívoca contribuição que a modalidade de aprendizagem instituída pelo contrato de menor
aprendiz pode oferecer a essa clientela, inegável, por outro lado, que o Sistema "S", responsável pela parcela
de formação teórica, no programa do menor aprendiz, ainda que ampliado, ou que plenamente exigido em
suas atribuições, não é suficiente para atender toda a gama de adolescentes, ociosos, ou aguardando
colocação no mercado de trabalho, ou nela empregados de forma irregular.

Trabalho Educativo
Inferências legais a partir do art. 68 do ECA

Com fulcro no que dispõe o art. 68 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente aguarda-se o advento de
Lei que virá a regulamentar o que se denomina de trabalho educativo. O presente estudo visa a contribuir
para que alguma inovação seja trazida em benefício dos trabalhadores adolescentes e da qualificação da
mão-de-obra necessária ao mercado de trabalho.

Antes de adentrar especificamente no tema, é imprescindível enfatizar que além do que dispõe a Constituição
do país, o Brasil promulgou, com vigência a partir de 1990, a Convenção sobre os direitos da Criança, da
ONU, também conhecida como Convenção de Nova York porque ali firmada.

No artigo 1º, da Convenção, criança é conceituada como todo ser humano com menos de dezoito anos de
idade.

Nesta convenção internacional a ONU não recomenda em nenhum artigo o acesso das crianças ao trabalho.
Ao contrário o art. 28 reconhece o direito da criança à ampla educação e capacitação profissional; o artigo 24
reconhece o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e serviços de saúde; o artigo 27
reconhece:

art. 27 - 1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a um nível de vida


adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

2. Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de


propiciar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condições de vida
necessárias ao desenvolvimento da criança.

3. Os Estados-Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades,


adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela
criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e
programas de apoiso, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestutário e à
habitação.

Não é demasia, citar alguns incisos do artigo que assegura o direito à educação:

Art. 28 - 1. Os Estados-Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela


possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão
especialmente:
a)- tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos;

b)-estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas inclusive o


ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e
adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de
assistência financeira em caso de necessidade.

c)- tonar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e por todos os meios
adequados:

d)- tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponívies e acessíveis a


todas as crianças;

e)- adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução do índice de
evasão escolar.

A Constituição Federal, a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto da Criança e do
Adolescente em nada destoam destes princípios norteadores e dessa valiosa intenção de promover o
desenvolvimento da personalidade, das aptidões e da capacidade mental e física da criança em todo o seu
potencial, de modo a que possa competir no mercado de trabalho em igualdade de condições e formar-se
como cidadão.

No Brasil, no capítulo "Da Ordem Social" a Constituição insere uma seção específica "Da assistência Social"
onde prescreve no artigo 203 que a assistência social será prestada a quem dela necessitar e tem por
objetivos dentre outros:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; dentre outras.

No artigo seguinte, 204 da CF/88 estabelece que as ações governamentais na área de assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, não descartando a colaboração de outras
entidades beneficientes e de assistência social.

No capítulo próprio "Da família, da criança, do adolescente e do idoso", destaca-se a regra que se aplica,
precipuamente, ao adolescente: que prescreve:

art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

§3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso ao trabalhador adolescente à escola.

Deflui, pois, da norma constitucional que a opção do legislador Constituinte brasileiro foi, com absoluta
prioridade, pela educação, profissionalização e saúde do menor e em qualquer hipótese pela garantia do
trabalhador adolescente à escola e aos direitos previdenciários e trabalhistas. E, quando se trata de
adolescentes carentes a opção foi pela assistência social com amparo e promoção da integração ao mercado
de trabalho.

Portanto, o Brasil acompanhando a orientação das nações organizadas e dos povos mais evoluídos escolheu
como objetivos do Estado a plena valorização da criança e do adolescente e a prioridade pela sua educação e
profissionalização. Não é demasia, repisar, que inexiste texto de lei assegurando ao adolescente o direito ao
trabalho. Este, é tolerado aos menores entre 16 e 18 anos por se tratar de país em desenvolvimento e de
economia com distribuição desigual de rendas.

É dentro deste quadro jurídico que se busca repensar a validade e necessidade de um Programa de Trabalho
Educativo, iniciando-se pela imprescindível regulamentação do artigo 68 do ECA - Estatuto da Criança e do
Adolescente, estatuído nos seguintes termos:

Diz o artigo 68 do ECA:

art. 68 - O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de
entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao
adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular
remunerada.

§1º - Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas
relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto
produtivo.

§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na


venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.

Da leitura do dispositivo em comento é possível inferir, com certa neutralidade:

1) - Quanto a clientela a ser atingida: A clientela que se pretende atingir com o programa de trabalho educativo
é, em geral, aquela oriunda de famílias de baixa renda, (menos de cinco salários mínimos), constituída de
crianças ou adolescentes, sendo criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade, na forma do art. 2º, do ECA. Tratam-se de crianças ou adolescentes cuja
escolaridade não está compatível com a idade cronológica e cuja família não tem condições de lhe
proporcionar reforço escolar e ainda necessita que os menores auxiliem na complementação de renda. Por
vezes pode atingir menores oriundos de famílias desagregadas, de pais desempregados, os chamados
"menores de rua" e, inclusive, os menores infratores.

1) - Quanto a responsabilidade pelo desenvolvimento do trabalho educativo: a responsabilidade pelo


planejamento e realização de um programa de trabalho educativo é das instituições sócio-educativas, sejam
elas escolas, entidades de assistência social exclusivamente públicas ou governamentais, sejam as
organizações não governamentais - ONGs, sem fins lucrativos.

2) - Quanto ao objetivo do programa: O objetivo do programa como sobressai da norma é o de propiciar


capacitação para o trabalho. Portanto, trata-se de um programa de ensino, profissionalizante, quiçá, que vise
o desenvolvimento de algumas aptidões específicas para uma determinado trabalho. Sempre com a finalidade
de permitir o acesso do adolescente a alguma tarefa ou atividade que servirá como noção preparatória para a
aquisição de uma capacitação para o trabalho. O objetivo do programa de trabalho educativo não é oferecer
ou intermediar emprego para o adolescente.

3) - Quanto ao modo de seu desenvolvimento: Ao exigir que predominará a exigência pedagógica, quer
significar que, o desenvolvimento de aptidões e habilidades prevalecem sobre o aspecto produtivo, na
realização das atividades.

O art. 62 do ECA, conceitua a aprendizagem como a formação técnico-profissional ministrada segundo as


diretrizes e bases da legilação de educação em vigor. Assim, o Programa visa que o adolescente, sob a tutela
de uma entidade de assistência social governamental ou de uma ONG, esteja submetido a alguma atividade
profissionalizante, realizando uma etapa de sua formação pedagógica. Na verdade o programa de trabalho
educativo está a pressupor que o adolescente freqüente seu curso regular de formação de 1º ou 2º grau e,
além disso, permaneça, em contra-turno escolar, sob a tutela assistencial, sob o manto do poder público ou de
uma entidade não-governamental numa espécie de escola, preferencialmente realizando uma tarefa que
prepare para um posto no mercado de trabalho.

4) - Quanto à natureza do programa: é eminentemente educativa, de formação, de complementação da


formação e capacitação profissional. O parágrafo segundo mais deixa claro o intuito da norma. Vale dizer, não
é proibido produzir alguma coisa, realizar uma tarefa. Todavia, o valor advindo da venda de produto, em geral
manufaturado, não descaracteriza o trabalho educativo. Isto porque, não se está trabalhando numa linha de
produção, com finalidade lucrativa.

O E. Professor de Direito do Trabalho na USP e UNESP e Juiz do Trabalho (aposentado) Dr. Oris de Oliveira,
estudioso do assunto, já assentou, que trabalho educativo, para o adolescente, consoante o art. 68 e
parágrafos do ECA pode ser conceituado como o trabalho:

a) - em que há exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do


educando;

b) - do qual resulta produção;

c) - em que as exigências pedagógicas (a) prevalecem sobre as da produção (b);

d) - do qual se aufere remuneração, que não desfigura ou descaracteriza o caráter educativo

Definido o trabalho educativo, percebe-se que o próprio termo complexo que o designa deixa a
desejar porque gramaticalmente trabalho aparece como substantivo, algo substancial, principal
ao qual a educação se acopla como simples adjetivo, como acessório. Já se afirmou, com
razão: o substantivo é a educação que na sua dinâmica global pode e deve envolver a
dimensão trabalho.

Há, tantas modalidades de trabalho quantas possam enquadrar-se em sua conceituação.


Brevitatis causa, sem maiores detalhes, apontam-se algumas delas:

a) - trabalho no clássico contrato de aprendizagem, que se executa numa relação de emprego;

b) - o estágio, fora da relação de emprego;

c) - as atividades profissionalizantes de uma cooperativa-escola;

d) -as atividades das escolas-produção;

e) - as atividades de um processo de reciclagem ou

f) - de uma re-qualificação profissional

Com efeito, as modalidades apontadas se descaracterizam se forem realizadas fora de uma


ótica de trabalho educativo.

Em suma, para o Professor ORIS de OLIVEIRA o "ideal seria que educação para e pelo trabalho estivessem
associadas. Quando, porém a entidade educadora só repassa conhecimentos teóricos(o que é, por exemplo,
muito comum em entidades de ensino de terceiro grau) há apenas educação para o trabalho. Neste caso o
educando primeiro aprende para depois trabalhar. (...) A educação pelo trabalho se caracteriza quando o
próprio trabalho é um dos instrumentos do processo educativo como um todo." Para concluir que "O trabalho
educativo deverá, pois, realizar-se sempre em ensino regular, em instituições especializadas ou no ambiente
de trabalho. "Em síntese - formação técnico profissional (em todas as suas etapas) e trabalho educativo não
são termos dicotômicos."

Numa leitura menos amena, seria possível afirmar que o melhor exemplo de trabalho educativo é aquele
realizado pelos médicos-residentes nos hospitais escola, ou aqueles realizados pelos bacharéis em direito nos
escritórios modelos, ou na defensoria pública. Ocorre que, para transpor com fidelidade esse modelo para
toda e qualquer área do conhecimento, com razoável qualidade, seria necessário que as ONGs e instituições
sociais fossem dotadas das melhores oficinas e laboratórios, com docentes de primeira linha, para realizarem
um trabalho educativo voltado para a formação técnico profissional sob as diretrizes e base da LDB. Isto em
verdade é uma utopia, porque sequer os melhores Colégios particulares ofertam tal qualidade de ensino, em
virtude do alto custo. O que se tem de mais assemelhado, com uma proposta de tamanha envergadura, no
país, são as escolas técnicas que se tornaram absolutamente elitistas.

Veja-se um pouco da realidade que foi possível de ser operacionalizada pelas instituições sociais, ou ONGS
que acolhem menores e tentam realizar um trabalho educativo.

1) - Quanto à clientela: atendem crianças e adolescentes oriundos de famílias de baixa renda, pais
desempregados, em geral menores carentes de escolaridade inadequada à idade cronológica.
2) - Quanto ao objetivo: O objetivo tem sido desvirtuado porque muitas entidades tornaram-se meramente
assistencialistas. Muitas limitam-se a reunir as crianças/adolescentes que ali permanecem em horário de
contra-turno escolar, apenas para evitar que se reunam nas ruas, recebendo uma merenda, ou alguma noção
do mundo do trabalho. Não há adoção de um currículo mínimo de aprendizado, ou de preparação para o
primeiro emprego. Outras, embora ofereçam algum tipo de reforço escolar, sem grande sistematização, após
um curto período que varia de um mês a um semestre e, na seqüência, promovem a inserção do menor no
trabalho em identidade de condições com o empregado reconhecido pela CLT, porém sem todos e cada um
dos direitos destes, sequer com a anotação em CTPS e/ou vinculação ao regime do INSS.

3) - Quanto à natureza do programa: Para um país de imensas desigualdades sociais, o fato de famílias de
baixa renda poderem deixar crianças a partir dos sete aos 14 anos em entidades sociais, no horário de contra-
turno escolar (creches em geral funcionam das 7:00 às 17:00/18:00horas), constitui uma benção, já que o
ensino fundamental, ou dito de 1ª a 8ª série, não ultrapassa hoje, uma carga horária de quatro horas diárias.
Se neste local, ainda tiverem atividades como horta, banda, algumas oficinas de costura, tecelagem,
marcenaria, etc... e ali receberem um complemento nutricional, é evidente que, estar-se-á contribuindo para
um futuro melhor desta criança. Ocorre que muitas destas oficinas funcionam em locais com atividades
insalubres ou com máquinas perigosas, haja vista, a utilização de tintas tóxicas em tecelagens, a lida com
fornos de alta temperatura na feitura de pães e confeitos, além da utilização de serras fitas sem qualquer
proteção, gerando a possibilidade de mutilação das crianças, e do contacto com poeiras tóxicas para seu
desenvolvimento.

Por vezes, tais oficinas, se transformam em verdadeiros regimes de produção, obrigando os pequenos a
realizarem em tempo definido a confecção de uma quantidade de produtos, de cuja venda, se apropria a
instituição para a reposição de insumos e para a manutenção da entidade e da própria condição de carência
dos menores.

Já com relação aos adolescentes, embora haja uma espécie de complementação de ensino em contra-turno
escolar, em geral, são inseridos precocemente no trabalho, servindo tais instituições sociais, para que os pais
busquem nelas uma possibilidade de mercado de trabalho para os filhos, sem qualquer preparo prévio, sem
qualquer profissionalização.

4) -Quanto a forma de desenvolvimento do programa: O programa preconiza, em princípio, que a entidade


assistencial funcione como um laboratório de aprendizagem, onde haja uma carga horária mínima de
conteúdo de ensino, associando-se o aprendizado prático com a introdução de atividades em oficinas. Caso a
entidade não possa organizar essa oficina, poderia se servir das empresas, para que a parte prática do
aprendizado fosse desenvolvida dentro das fábricas, usinas, mercados, administração pública, etc... Ocorre
que, na prática, tais entidades adquiriram um cunho eminentemente assistencialista, devido aos parcos
recursos públicos e privados que lhes são destinados, ficando ao encargo do Pároco da cidade, ou mesmo à
Senhora Primeira Dama do Município, ou a um conjunto de cidadãos voluntários providenciar inclusive a
doação de um local, para reunir estas crianças/adolescentes para oportunizar-lhes alguma segurança, melhor
nutrição, alguma saúde, ficando a educação relegada apenas ao controle da freqüência no ensino regular (1º
ou 2º graus).

Por outro lado, com a inserção dos menores no trabalho, não há o desenvolvimento de uma parceria sadia,
destinada apenas a obtenção de recursos das empresas privadas, para a continuidade de tais projetos, ou o
aproveitamento de setores destas como laboratórios de experiências de trabalho, mas sim, a exploração dos
meninos e meninas, como mão-de-obra barata. Meninos adoecem, no trabalho, e não têm vinculação à
Previdência (INSS); meninas engravidam sem os benefícios da assistência social para si e para o nascituro; o
tempo de serviço prestado, dos 14 aos 18 anos, não é computado para fins de futura aposentadoria.

5) - Quanto às conseqüências do desvio de finalidade: Há desvio da finalidade da instituição social; há


desrespeito aos direitos sociais mínimos do trabalhador adolescente; há riscos de acidentes com mutilações,
riscos ergonômicos, riscos físicos por exposição a temperaturas elevadas, a choques elétricos, a ferimentos
pelo uso de ferramentas cortantes, intoxicação por tintas e corantes, dentre outros. Há desrepeito ao art. 227
da CF/88 e dos dispositivos do art. 6º e 7º da CF/88, sem falar em que cria uma odiosa discriminação em
relação ao trabalhador menor assistido, com o trabalhador menor regularmente empregado, a quem são
assegurados todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Constitui, em última análise a exploração de uma
mão-de-obra barata pelos empregadores, e em um desvirtuamento das finalidades das entidades sociais que
ainda se apropriam de parte da bolsa do menor, para manter a própria instituição, em uma total inversão de
valores, onde o menor tem que trabalhar para se auto-manter e auto-preservar sua condição de sub-cidadão.

Apenas para dar alguns exemplo: há pequenas cidades do interior dos Estados da Federação em que todo o
comércio local, funcionava com menores oriundos dessas instituições sociais; em outro caso, as empresas
metalúrgicas, moveleiras e do comércio da cidade se utilizavam de um grande contingente de adolescentes, e
em apenas dois anos haviam ocorrido 100 acidentes do trabalho, inclusive com mutilações dos menores; nos
casos em que a inserção ocorre no âmbito da administração pública direta ou indireta, os menores são
ocupados em atividades subalternas, como office-boys, carteiros, e até mesmo em serviços de limpeza.

Pois bem, em suma, a leitura do artigo 68, com a redação em vigor, permite, sem qualquer contestação as
conclusões acima. Por outro lado o contexto em que se encontram as entidades assistenciais pode bem ser
observado pelos que estão atentos ao desenvolvimento de suas atividades, e vem retratado em muitos artigos
já publicados em revistas jurídicas (LTr,vol.63. pág.459/463, abril/99) nas Revistas do Ministério Público do
Trabalho, em especial a de nº 14, e no Relatório das Atividades do Ministério Público do Trabalho, na
erradicação do Trabalho Infantil e na Regularização do Trabalho do Adolescente, para 1988/1999.

Portanto, urge que se avance. Que se contribua para a construção de um programa mais justo, igualitário,
produtivo e que não traga prejuízos as crianças e adolescentes.

Projeto de Lei sobre


Programa Especial de Trabalho Educativo:

Sabe-se que tramita perante o Congresso Nacional, Projeto de Lei visando a regulamentação de um
"Programa de Trabalho Educativo". Partindo do disposto do exame introdutório acima exposto quanto a leitura
que se pode dar ao artigo 68 do ECA e, considerando a realidade encontrada nas instituições sociais, como
antes posta, far-se-á uma análise crítica ao Projeto. A análise do Projeto de Lei sobre o Programa de Trabalho
Educativo far-se-á sob o ponto de vista da legislação internacional; sob o ponto de vista da Constituição
Federal; sob o ponto de vista do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente; LDB- Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e a luz do Direito do Trabalho.

a) - Sob o ponto de vista do direito internacional:

O Projeto de Lei preconiza que as atividades do programa de trabalho educativo serão realizadas em
empresas e órgãos públicos (art. 5º); que a jornada de trabalho educativo terá duração máxima de quatro
horas diurnas (art. 9º, §1º); que será anotado na CTPS do adolescente um contrato de trabalho em regime
especial (art.8º,II). O programa tem por objetivo a formação pré-profissional ou pré-aprendizagem (art. 2º) e
"assegurar ao adolescente que dele participa condições de iniciação ao trabalho e de capacitação profissional
para o exercício de atividade regular remunerada". O programa se destina a adolescentes na faixa entre 14 a
16 anos de idade (art.3º).

Sob o ponto de vista do direito internacional, incorporado pela legislação brasileira. O projeto está em
descompasso com toda a legislação internacional de proteção à criança e ao adolescente. Representa um
atraso, um retrocesso, em face do que preconiza o arcabouço da legislação internacional, ainda que se trate
de implementar medidas tendentes a minimizar as desigualdades sociais, tão presentes em nosso país.

Foi necessário transpor para este estudo as principais letras das Declarações de Direitos e Tratados
Internacionais que versam sobre a criança e o adolescente e a responsabilidade pelo seu desenvolvimento,
educação, saúde e profissionalização para que se pudesse concluir agora que os instrumentos internacionais
não preconizam que o adolescente tenha direito ao trabalho. Tanto a legislação internacional como a nacional
estão voltadas para a proteção do direito à ampla educação, incluindo-se nesta o acesso ao conhecimento
científico mais moderno e avançado. As estatísticas do IBGE demonstram: quanto mais cedo no trabalho,
menos anos de permanência na escola e de preparo técnico-profissional

A principal crítica que se pode fazer ao programa, neste aspecto é a de que faz clara opção pela inserção
precoce do menor no trabalho pois, apesar de referir-se a pré-profissionalização relegou toda a sua
realização, basicamente, ao período de trabalho produtivo realizado em prol das empresas privadas ou órgãos
públicos. Donde se infere que a idéia-raíz do programa é que exigindo do adolescente-carente sua
permanência no trabalho por quatro horas diárias e controlando sua freqüência ao curso de ensino regular,
seja 1º ou 2º grau, estará resolvida pela sociedade, pelo Estado, em colaboração com a iniciativa privada,
toda a questão da evasão escolar, da reduzida quantidade de adolescentes no ensino de 2º grau, enfim, o
problema do "menor de rua", do "menor abandonado", de classes sociais mais baixas, etc... e, suprindo assim
toda sua carência, capacidade de raciocínio e capacitação para tomada de decisões.

Fundamentalmente, está sendo negado o direito a igualdade de tratamento aos adolescentes. Enquanto aos
menores carentes se reserva o trabalho educativo, como preconizado no projeto, aos menores não-carentes
são asseguradas escolas particulares com amplo acesso ao conhecimento científico atualizado com as mais
modernas técnicas e métodos; aprendizado especializado em cursos profissionalizantes e escolas técnicas,
dentre outros.

Parte-se do pressuposto de que inserindo-o no mercado de trabalho antes, estará o adolescente, com o
emprego seguro, quando adulto. Outro engano e, severo, para não dizer perverso.

Não há garantia de emprego para o adolescente inserido no "trabalho educativo" tanto na empresa, quanto
menos nos órgãos públicos. O projeto não prescreve nenhuma obrigatoriedade nesse sentido. Por certo, o
empresário irá substituir, os adolescentes dóceis, produtivos, ensinados a corresponder às expectativas
empresarias nas oficinas das casas de assistência social, com salários irrisórios, quando estes atingirem
dezoito anos, por novos adolescentes, e não, por empregados adultos a quem são assegurados o piso da
categoria, e todos os direitos sociais e trabalhistas.

O que se está afirmando é que o Projeto não oferece nenhuma garantia entre participar o adolescente de um
programa de trabalho educativo -- cujo propósito único e palpável é o de exigir que o adolescente freqüente o
ensino regular (ensino fundamental ou de 1º grau, e de 2º grau) e permaneça outras quatro horas trabalhando
em empresas ou órgãos públicos --- e, sua imediata absorção pelo mercado de trabalho, quando atingir 18
anos.

Já quanto a possibilidade de o trabalho educativo ser realizado em órgão públicos a solução é ainda mais
perversa. Ao atingir 18 (dezoito) anos o trabalhador é dispensado do programa de trabalho educativo e
somente terá acesso definitivo a cargo ou emprego público mediante aprovação prévia em concurso público,
de provas e títulos, consoante exigência constitucional (art. 37, II, CF/88). O programa de trabalho educativo,
mais aqui, também não apresenta as bases mínimas necessárias a assegurar que o adolescente carente
possa competir, em igualdade de condições com o adolescente não-carente, a partir dos 18 anos, para o
acesso a uma vaga num concurso público.

Não há nenhuma segurança quanto a permanência do adolescente, após concluído o período de trabalho
educativo, como empregado da empresa contratante, ou mesmo em qualquer outro posto do mercado de
trabalho; muito menos num órgão público.

Em última instância, estaria malferido o direito à liberdade, o direito a igualdade social. A proposta como
tramita, parte da idéia de que retirando o menor carente da rua e oportunizando-lhe um posto de trabalho, no
programa de trabalho educativo estar-se-ia assegurando-lhe condições para sua subsistência e de sua
família, e preparando sua futura inserção no mercado de trabalho. Olvida que, a verdadeira formação, a real
preparação para o trabalho está no acesso amplo, irrestrito ao conhecimento técnico-científico mais moderno
e atualizado, como forma de aprender a pensar.

O direito à educação, profissionalização é corolário do direito à liberdade, à vida, à uma existência digna.
Constitui uma inversão de valores colocar o adolescente como responsável pela sua própria subsistência, ou
de sua família. Esta responsabilidade é a do adulto, e ele próprio já se depara com imensas dificuldades de
conquistar um mínimo para sua sobrevivência digna. A Convenção da ONU pelos direitos da criança,
preconiza exatamente o contrário. Cabe aos pais, representantes legais, ajudados pelo Estado, de acordo
com suas possibilidades e meios financeiros, propiciar as condições de vida necessárias ao desenvolvimento
da criança. Logo, aqui estaria malferido o direito à liberdade, no seu reduto, mais sagrado, o acesso à
educação plena.

Talvez, o único mérito do projeto é o de propor que o contrato de trabalho educativo se realize em apenas
quatro horas de inserção no trabalho produtivo. Pelo menos tem a determinação de definir uma jornada de
trabalho mínima. Isto porque, como ensina o Prof. Oris de Oliveira:

"Na elaboração jurídica do trabalho educativo do adolescente, sejam quais forem as suas
modalidades, seja qual for a natureza jurídica da relação, devem ser respeitadas as
denominadas "normas genéricas de proteção": - respeito à idade mínima, proibição de
trabalhos insalubres, perigosos, penosos, noturnos, , prejudiciais ao desenvolvimento físico,
moral e social, compatibilidade escola-trabalho. Esta última merece especial consideração
porque com uma jornada de oito horas, precedida e seguida de deslocamentos casa-local de
trabalho e vice-versa, interrrompida pelo intervalo da refeição, dificilmente se consegue esta
compatibilização não só de horários, mas sobretudo com a escolaridade diurna (os efeitos
precários do aproveitamento do estudo noturno são notórios), com uma escolaridade que
permita acesso, permanência e sucesso na escola."

Por outro lado, não resolve de todo o problema, pois ao relegar ao Educador da entidade gestora, ampla
liberdade para organizar o "plano das atividades" permite a este, preencher todo o outro turno com atividades
curriculares, o que conflitaria com a prevalência de permanência no ensino regular, pela manhã, como
referido. Além disso, é um mito achar que quem estuda de noite e trabalha de dia, não prospera em sua
formação. É preciso avaliar, cada caso, de per si, e determinar sua adequação, se for o caso.

b) - Sob o ponto de vista da Constituição Federal.

Quanto à idade mínima, mister salientar que o Projeto já está adequado a recente Emenda Constitucional nº
20/98, de dezembro/98, que deu nova redação ao art. 7º, inciso XXXIII da CF/88, ficando assim redigido:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de


qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos;

O Projeto tramita com o artigo 3º determinando que o programa de trabalho educativo se destina ao
adolescente entre catorze e dezoito anos incompletos. E, no art. 8º determina que as empresas ou órgãos
públicos ao contratarem o adolescente anotarão na CTPS o regime especial do contrato de trabalho educativo.

Pois bem, a nova redação do inciso constitucional é de interpretação literal, coibindo qualquer contrato de
trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de menor aprendiz. Uma modalidade conhecida de
aprendizagem é o contrato de trabalho do menor aprendiz. Porque efetivamente regula e definida em regras
jurídicas claras, ninguém tem dúvidas de que o dispositivo constitucional está a ela dirigido. Pois bem, diante
disso o contrato de menor aprendiz deve iniciar-se agora aos 14 anos, fazendo-se a devida adequação na
leitura do art. 80 da CLT.

Havendo uma regulamentação adequada, com justificativa amparada na realidade do país, no novo paradigma
introduzido pela LDB, e realizando efetiva formação profissional permito-me concluir que é possível uma
modalidade de aprendizagem em regime de trabalho educativo, a partir dos 14 anos de idade.

Ainda assim, o Projeto ofende a Constituição, pois afronta toda a gama de direitos sociais elencados no art. 7º
da CF/88 c/c o art. 227, II que asseguram a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas a todo
adolescente empregado, ao reduzir qualitativa e quantitativamente direitos, violando principalmente o disposto
no art. 7º, inciso XXX quanto à proibição de diferenças de salários por motivo de idade. Ao mesmo tempo em
que, o projeto não oferece nenhuma contrapartida eficiente e adequada a melhoria do nível de preparação do
adolescente.

Traduzindo-se, o que se pretende afirmar é que, trabalhando o adolescente numa empresa, estará realizada a
condição de empregado (art. 442, CLT), e ainda que preste quatro horas de serviço fará jus aos direitos
sociais elencados no art. 7º da CF/88, e aos previdenciários do regime geral da previdência, apenas que
proporcionalmente a jornada trabalhada. Faz jus a RSR, 13º salário, férias de 30 dias; FGTS, INSS, seguro
desemprego, etc. e nada disso está prescrito no projeto. Ao contrário este retira todos os direitos já
assegurados pela Constituição Federal ao adolescente-empregado, na faixa de 16 a 18 anos. Sendo
modalidade de contrato de trabalho, alguém deve se responsabilizar pelos encargos trabalhistas e
previdenciários, seja a entidade assistencial, seja o contratante da atividade em modalidade de trabalho
educativo, seja ainda, o próprio Estado.

A segunda inconstitucionalidade é que o Projeto investe contra o artigo 203, incisos II e III, que assegura ao
adolescente carente a promoção de sua integração ao mercado de trabalho. A interpretação que se pode
extrair do contexto é a de que está a prescrever que as instituições assistenciais dotem os adolescentes-
carentes de condições de participar do mercado de trabalho em paridade de condições. O dispositivo não
desafia outra interpretação senão a de que tem por finalidade determinar que um dos papéis do Estado é o de
suprir aquilo que os pais, a família não puderam proporcionar, visando a inteira capacitação do adolescente,
comparado com a média da população, permitindo sua integração futura ao mercado de trabalho em
condições de competitividade.

Prescreve que, mesmo a título de assistência social, o Estado proveja quanto a capacitação e educação do
cidadão, exige que o papel institucional da assistência social seja o de complementar a formação e não o de
cadastrar menores para sua inserção no mercado de trabalho. Dir-se-ia, mas o Estado não obteve êxito em
fazê-lo com os adultos, pois há um volume considerável da população em condições de miserabilidade, ou
carente. Ocorre que, a legislação determina que a criança e o adolescente devem ser as prioridades,
consoante se lê no art. 4º do ECA, seja na proteção e socorro; seja nos serviços públicos, seja na formulação
de políticas públicas, seja na destinação privilegiada de recursos públicos.

A terceira inconstitucionalidade é quanto aos art. 205/206 da Constituição Federal que ao assegurar o direito à
educação como dever do Estado e da família, determina que será ministrada com base nos princípios da
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; sendo dever do Estado a gratuidade e
obrigatoriedade do ensino fundamental, mesmo para os que não tiveram acesso na idade própria e
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio. Donde, colocar para trabalhar um
menor carente, porque está em descompasso nos estudos, é aumentar esse abismo social, e impedir que lhe
sejam dadas as condições para retomar a condição de participar em igualdade de condições do ensino
fundamental e médio.

c) - Sob o ponto de vista do Direito do Trabalho.

Retornamos no tempo, no mínimo cem anos. O Projeto traz proposta retrógrada, porque torna o trabalho
humano, e o que é mais perverso, o trabalho do adolescente, mera mercadoria. O adolescente não se torna
sujeito de direitos, mas sim, mero objeto de mercancia, posto que a entidade assistencial, fica na posição de
mera intermediadora de mão-de-obra, cadastrando os adolescentes, e colocando-os a disposição de
empresas, órgãos públicos e associações, sem assegurar-lhe os direitos sociais e previdenciários em
igualdade de condições ao trabalhador adolescente, previsto no art. 7º, inciso XXXIII da CF/88. (Não tem
direito ao piso salarial da categoria, tem férias de 20 dias apenas, não faz jus a FGTS, INSS, seguro
desemprego, etc...)

No sistema capitalista vigente no país, toda empresa produtiva visa lucros, e o trabalho é um dos elementos
de produção. É através do trabalho que o empresário produz bens ou serviços para comercializar no mercado
e auferir lucros que remuneram a prestação dos serviços e continuidade da atividade produtiva. É da natureza
intrínseca da empresa, no sistema capitalista vigente no país, a sua produtividade, com vistas a lucratividade.

Portanto, sendo a empresa, ambiente por natureza de realização de trabalho produtivo e de finalidade
lucrativa é incompatível com sua natureza e finalidade pretender-se que nela se realize apenas trabalho
educativo. Daí justificar-se o título do presente: Trabalho Educativo pode (ou não) realizar-se em regime de
Trabalho Produtivo.

Mais aqui, retorna-se ao art. 68, § 1º do ECA. O caput do artigo 68 é de clareza solar, no sentido de que o
trabalho será exercido a cargo de entidades assistenciais sem fins lucrativos. Nada mais claro, posto que o
objetivo é amparar o menor carente, assistido. Tanto numa empresa, como num órgão público, não há, em
princípio, ambiente propício para o desenvolvimento do trabalho educativo, observada a exigência já posta na
legislação do Adolescente: de que haja na atividade, prevalência das exigências pedagógicas ao aspecto
produtivo, priorizando-se o desenvolvimento pessoal e social do educando.

Seria presunção ingênua aceitar que o empresário vá condescender com uma produção reduzida, menos
produtiva em quantidade ou qualidade do adolescente, em comparação com a de qualquer outro empregado.
O ambiente da empresa é por definição o local da produção, onde o elemento trabalho é cobrado com regras
claras quanto a sua produtividade, eficiência. A desídia é punida como justa causa. As faltas são punidas com
perda do direito a remuneração do domingo (dia de folga remunerada) e redução dos dias de férias. Ademais o
Projeto não prescreve que nesta nova modalidade de contrato de trabalho o empregador estará destituído do
seu poder diretivo, de comando hierárquico, de estabelecer regras, ordens, comandos e exigir o seu
cumprimento posto que esse é o traço característico do contrato de trabalho subordinado. Vale dizer, qualquer
contrato de trabalho "em regime especial" não derroga a CLT, em direitos e deveres de empregado e
empregador.

Refoge à lógica primária, a luz dos princípios e regras do Direito do Trabalho, pensar-se uma empresa com
2%, 5% ou até 10% de empregados adolescentes em regime de trabalho educativo, ou seja, menos
produtivos, ou até, improdutivos, porque estaria respeitando o desenvolvimento pessoal e social do educando.
Uma empresa que pudesse dar-se a este luxo estaria com as portas fechadas no atual mercado competitivo e
globalizante.

Portanto, na prática, tais adolescentes suprirão postos de trabalho efetivo e imprescindível nas empresas.
Dizer como prevê o projeto no §2º do art. 5º que o adolescente em regime de trabalho educativo não ocupará
lugar de um empregado na execução das atividades normais de fim ou de meio é mera falácia. Isto porque, ao
empresário é assegurado o direito de dirigir a empresa, porque é quem assume os riscos da atividade
econômica, portanto tem o direito de exigir produção. E, ademais, nenhuma empresa competitiva vai possuir
espaços ociosos, postos de trabalho desocupados (mesas, computadores, espaços na linha de produção),
aguardando os adolescentes em regime de trabalho educativo, gastando luz, pessoal de controle, material e
equipamento ocioso,etc.

Impossível não prever que o adolescente irá, mesmo nesse regime, ocupar um lugar de um empregado efetivo
da empresa. Aliás, é bom que assim o seja, até para que possa ser considerado um empregado, por inteiro, e
não um sub-empregado. É disto que o adolescente precisa: ingressar no seu primeiro emprego, sendo
considerado como um verdadeiro empregado, mas sob o manto de cidadão em pleno desenvolvimento, com
direito a "proteções especiais e prioridade absoluta".

A limitação da taxa de ocupação de menores em regime de trabalho educativo a 10% do total de empregados
efetivos da empresa, como prescreve o art. 15º do Projeto é pífia. Bastaria que uma empresa com 1.000 (hum
mil) empregados contasse com cem adolescentes, sendo cinquenta pela manhã, e cinquenta pela tarde, o que
seria suficiente para deixar todo um setor produtivo da empresa a cargo exclusivamente dos menores-
carentes, utilizados como mão-de-obra barata. No mínimo haveria de explicitar que tal exigência seria para
cada setor da empresa.

De conseqüência, inserir o adolescente na organização produtiva, a título de trabalho educativo, ainda que por
quatro, ou mais horas, por dia, seria exigir dele a produção equivalente a de um empregado normal, no mesmo
período de tempo, sem a contraprestação do mesmo salário e dos mesmos direitos sociais e previdenciários,
o que fere comezinhos princípios de direito. O trabalho, como visto, linhas atrás, é um bem economicamente
valorável.

O Programa transposto para os sistemas produtivos das empresas não resistiria ao disposto no artigo 9º da
CLT; "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação". O adolescente, ainda que, em quatro horas,
produziria igual a qualquer outro empregado, e faria jus, no mínimo, a todos os direitos sociais e
previdenciários assegurados pela Constituição e legislação esparsa. Violado estaria o princípio da isonomia
viabilizando o ajuizamento de reclamatória trabalhista autorizando o Poder Judiciário a reparar a injustiça com
a condenação ao pagamento das verbas que assegurem paridade de tratamento, em igualdade de condições,
ainda que proporcionais às quatro horas trabalhadas. Ex: piso salarial da categoria proporcional; férias de 30
dias, 13º salários; FGTS, seguro desemprego e INSS com seus consectários; estabilidade da gestante, do
acidentado.

Urge que se recomende a extirpação dessa proposta, para que nenhuma empresa possa utilizar-se dos
adolescentes como mão-de-obra barata, sonegando-lhe os direitos sociais que a CF/88 assegura a todos em
igualdade de condições. A inconstitucionalidade é flagrante. É perverso sustentar-se que o adolescente
carente necessita trabalhar nestas condições, enquanto os adolescentes de classe média freqüentam escolas
particulares, cursos técnicos-profissionalizantes, cursos de complementação de formação: língua estrangeira,
computação, etc... Ou mesmo que, possam ter tratamento diferenciado, dentre outros adolescentes que
necessitam ingressar cedo no mercado de trabalho, mas que tenham assegurados todos os direitos sociais
trabalhistas e previdenciários.

Já existe um contrato de trabalho especial, de natureza semelhante com finalidade e modo de execução muito
superiores, como é o contrato de trabalho do menor aprendiz, examinado em tópico próprio. E, para não criar
discriminações odiosas, a própria Constitução Federal equiparou o trabalhador adulto ao trabalhador
adolescente, entre 16 e 18 anos, em direitos e deveres.

d) - Sob o ponto de vista do sistema educacional - Lei LDB.

Os vocábulos "pré-aprendizagem" e "pré-profissionalização" não possuem qualquer conceituação no projeto


de lei a ponto de permitir-se a mais mínima referência do que querem dizer, quanto a currículo mínimo, horas
mínimas de formação teórica e prática, de modo que não oferece a garantia necessária de que realizará
efetiva formação e preparação para o trabalho. O projeto não possui nenhuma mecanismo de avaliação,
sequer preconiza acompanhamento pedagógico, embora busque regulamentar um programa educativo.

Mesmo que houvesse qualquer definição, pré-aprendizagem e pré-profissionalização não constituem a luz da
nova LDB formação técnico profissional, e o artigo 62 do ECA, considera aprendizagem, para os
adolescentes, aquela formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de
educação em vigor.

É relativamente recente a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, consubstanciada na Lei
n.9394/96.

Dentre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional apresentadas pelo MEC sobressai
que:

"O novo enfoque de formação de trabalhadores ora proposto, baseado em um novo conceito de
competência profissional, representa um desafio para o setor educacional, uma vez que torna-
se imprescindível que se identifiquem e se construam novos âmbitos de saberes, que permitam
uma permanente adaptação a novas exigências dos setores produtivos, decorrentes da
contínua implantação de novas tecnologias. Os saberes que geram competências profissionais,
portanto, são passíveis de se modificarem com o tempo, mas as competências geradas devem
capacitar os trabalhadores para a busca de novos conhecimentos, por meio dos quais novas
competências requeridas são desenvolvidas. É o princípio básico do aprender a aprender, que
deve conduzir todo o processo educacional.

A nova identidade do ensino médio se configura a partir da estruturação, pela LDB, dos níveis
escolares em educação básica - educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - e
educação superior (art. 21, incisos I e II, da Lei nº9.394/96), bem como pela vinculação da
educação escolar, em os todos os níveis, ao mundo do trabalho e à prática social.(art. 1, § 2º)

Como componente da educação básica, o ensino médio tem as seguintes finalidades (art. 35,
da Lei nº9.394/96):

"art. 35. ...

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,


possibilitando o prosseguimento dos estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar


aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o


desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,


relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina."

Além dessas finalidades, o texto legal explicita o esperado do egresso do ensino médio(art. 36,
§ 1º, incisos I a III da Lei nº9.394/96), identificando três amplas categorias de resultados de
aprendizagem, relacionadas ao:

"art. 36 . ...

§ 1º. ...

I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da


cidadania.

É evidente que "o trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular no ensino
médio, de acordo com as diretrizes traçadas pela LDB em seus artigos 35 e 36. O significado
desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte
integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda
inteiramente a noção tradicional de educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O
trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece
que nas sociedades contemporâneas todos, independentemente de sua origem ou destino
socio-profissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho enquanto uma das principais
atividades humanas, enquanto campo de preparação profissional, enquanto espaço de
exercício de cidadania, enquanto processo de produção de bens, serviços e conhecimento."
(Mello, 1998)

O ensino médio configura-se, portanto, como educação básica, e, como tal, vincula-se ao mundo do trabalho e
à prática social.

Como educação básica, a Constituição Brasileira e a LDB determinam a extensão da obrigatoriedade e da


gratuidade do ensino médio a todos os brasileiros. Também por se caracterizar como educação básica, o
ensino médio passa a desenvolver uma educação de natureza geral, articulada com os processos produtivos,
de forma a garantir:
a formação da pessoa, nela desenvolvendo os valores e as competências necessárias à
integração de seu projeto de vida ao projeto da sociedade em que se situa;

a preparação e orientação básica para sua integração no mundo do trabalho, com


competências que venham a favorecer seu aprimoramento profissional e permitam-lhe
acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo;

o desenvolvimento de competências para que continue aprendendo, de forma autônoma e


crítica, em níveis mais complexos de estudos.

Essas considerações gerais sobre a legislação indicam a necessidade de se construir novas alternativas de
organização curricular, comprometidas, de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da
globalização e, do outro, com o sujeito ativo, a pessoa humana que se apropriará desses conhecimentos para
aprimorar-se, como tal, no mundo do trabalho e na prática social.

Há, portanto, necessidade de se romper com os paradigmas tradicionais para que se alcancem os novos
objetivos propostos para a educação básica e para a educação profissional. Identifica-se que o conhecimento
tornou-se fator principal da produção. Aprender a aprender coloca-se como competência fundamental para a
inserção numa dinâmica social que se reestrutura continuamente. A perspectiva é, pois, de desenvolver meios
para uma aprendizagem permanente, que permita uma formação continuada, tendo em vista a construção da
cidadania.

Ao preconizar o aprender a aprender, o aprender a conhecer, o aprender a pensar, consideram-se as rápidas


transformações conseqüentes do acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, as novas formas de
organização das atividades econômicas e sociais e a importância de uma educação geral suficientemente
ampla, com possibilidade de aprofundamento numa determinada área de conhecimento. A educação geral
fornece as bases para continuar aprendendo ao longo da vida. Ela é de extrema importância para o
desenvolvimento de aptidões que possibilitem enfrentar novas situações, privilegiando a aplicação da teoria
na prática e enriquecendo a vivência da ciência na tecnologia, e destas no social, por sua significação no
desenvolvimento da sociedade contemporânea.

A base nacional comum da educação básica traz a dimensão de preparação para o trabalho. Esta dimensão
aponta para o fato, por exemplo, de que uma sentença matemática, expressando um determinado
conhecimento científico, seja um instrumento na solução de um problema concreto, que pode dar conta da
etapa de planejamento, gestão ou produção de um bem, do conhecimento ou de um serviço. Aponta, também,
para o fato de que a linguagem verbal se presta à expressão estética, a um texto jornalístico, informativo ou
opinativo, mas também à compreensão de um comando ou instrução clara, precisa, objetiva. Da mesma
forma, a biologia dá os fundamentos para a análise do impacto ambiental de uma solução tecnológica ou para
a prevenção de uma doença profissional. Enfim, o pressuposto é que não há solução tecnológica sem uma
base científica e que, por outro lado, soluções tecnológicas podem propiciar a produção de um novo
conhecimento científico.

Essa educação geral, que permite buscar e gerar informações, usá-las para solucionar problemas concretos
na produção do conhecimento, de bens ou na gestão e prestação de serviços, é preparação básica para o
trabalho. Na verdade, qualquer competência requerida no exercício profissional, seja ela psicomotora, sócio-
afetiva ou cognitiva, é um afinamento de competências básicas ou é o emprego destas em um contexto
específico de produção. A educação geral permite, assim, a construção de competências que se manifestarão
em habilidades básicas, técnicas ou de gestão.

Portanto, dentro dessa concepção de educação, há um universo básico e geral de competências e habilidades
requeridas ao desenvolvimento pessoal e da cidadania, à preparação básica para o mundo da produção e ao
domínio dos meios para continuar aprendendo.

Quando trata da educação profissional, a LDB o faz num capítulo próprio, caracterizando-a como uma
modalidade, como um subsistema. Explicita-a como "integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho,
à ciência, à tecnologia" e estabelece sua finalidade de conduzir "ao permanente desenvolvimento de aptidões
para a vida produtiva" (Art. 39, da Lei nº9.394/96). Determina como alvo dessa educação "o aluno matriculado
ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto" (Art.
39, Parágrafo Único, Lei nº9.394/96).

Diversamente da legislação anterior, que preconizava o ensino profissionalizante integrado ao de 2º grau, a


LDB determina que "a educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por
diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho
(grifos nossos)(Art. 40, Lei nº9.394/96).

Há, ainda, elementos novos nessa concepção de educação profissional, tais como:

a) - o reconhecimento de que os conhecimentos profissionais podem ser adquiridos fora do


ambiente formal de instituições escolares e de que estes, avaliados, podem ser objeto de
certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos (art. 41, da Lei nº9.394/96);

b) - a abertura de instituições de educação profissional à oferta de cursos especiais que


"condicionem a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de
escolaridade"(Art. 42, da Lei nº 9.394/96);

c) - a verticalização da educação profissional, assinalando sua abrangência desde o nível


fundamental até o nível superior (alunos e egressos).

A valorização do ensino médio conferida pela LDB, tanto por considerá-la como educação básica, quanto por
assegurar-lhe um perfil próprio de formação, recoloca a educação profissional em situação privilegiada de
complementaridade a esse ensino, estruturando, a partir das competências básicas, desenvolvidas no ensino
médio, o desempenho adequado de profissionais para um mercado de trabalho em constante mutação e para
continuar aprendendo e se adaptando às novas exigências desse mercado.

A nova LDB está em compasso com a legislação internacional que considera obrigatório e dever do Estado o
curso das oito séries do Ensino Fundamental; pretende a sucessiva ampliação da obrigatoriedade do ensino
médio; convalida cursos supletivos gratuitos para os que não concluíram o ensino fundamental na época
própria.

Ao estabelecer o ensino médio exige que seja atendida a formação geral do educando, para após poder
prepará-lo para o exercício de profissões técnicas (art. 36, §2º e 4º da LDB). Está consonante com a doutrina
mais moderna onde a escola deve ultrapassar a bipolaridade do ensino ora humanista destinado a formação
de dirigentes, ora técnico destinado a preparar para fazer, para somar ambas num ensino politécnico, eis que
o mercado de trabalho está a exigir um profissional que saiba pensar e fazer. Está estruturada no paradigma:
aprender a aprender, aprender a conhecer, aprender a pensar, aprender a fazer.

Assim, o Projeto está em desacordo com a LDB ao priorizar especificamente o fazer, colocando os
adolescentes em postos de trabalho para aprender a fazer, ou realizar uma específica habilidade técnica,
quando a tônica exigida pelo mundo do trabalho é o trabalhador do saber fazer produtivo, o trabalhador
pensante, com apreensão do saber científico-tecnológico disponível no mundo do conhecimento.

O Conselho Nacional de Educação ao fixar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional
de Nível Técnico, mencionou:

"Os primórdios da educação profissional no Brasil registram apenas decisões tópicas no


sentido da profissionalização dos jovens, especialmente destinadas a amparar os órfãos e os
demais desvalidos da sorte. Esse caráter peculiar e assistencialista da educação profissional
brasileira se manteve, com diferentes nuances, quase que intocável até os nossos dias.

Na década de 1940, no conjunto das Leis Orgânicas da Educação Nacional, o objetivo do


ensino secundário e normal era o de "formar as elites condutoras do país" e o objetivo da
educação profissional (SENAI e SENAC) era o de oferecer "formação adequada aos filhos dos
operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que necessitam ingressar
precocemente na força de trabalho"

"Atualmente, estamos diante de um novo fato histórico. Tanto a Constituição Federal quanto a
nova LDB situam a educação profissional na confluência dos direitos do cidadão à educação e
ao trabalho (...) A composição dos níveis escolares nos termos do art. 21 da LDB, não deixa
margem para diferentes interpretações: são dois os níveis de educação escolar no Brasil - a
educação básica e a educação superior. Toda essa educação escolar, de acordo com o §1º do
art. 1º da Lei "deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social".

"A educação profissional , na atual LDB, não substitui a educação básica e nem com ela
concorre. A educação profissional complementa a educação básica. Uma eficiente educação
profissional, alicerçada em sólida educação básica, constitui a chave do êxito dos países
desenvolvidos, especialmente num mundo pautado pela competição, inovação tecnológica e
crescentes exigências de qualidade, produtividade e conhecimento.

A prioridade educacional do Brasil, nos próximos anos, portanto, deverá ser a de


universalização do ensino fundamental na idade própria e, progressivamente, a do ensino
médio. Importa portanto, capacitar os cidadãos par uma aprendizagem autônoma, contínua,
tanto no que se refere às competências essenciais, básicas e gerais, quanto no tocante à
competências específicas e profissionais.

"...a atual LDB reservou um espaço privilegiado para a educação profissional. Ela ocupa um
capítulo específico dentro do título amplo que trata dos níveis e modalidades de educação e
ensino.

O Decreto Federal 2208/97 que se seguiu à LDB concebeu uma organização curricular para o
ensino técnico de forma independente do ensino médio, associou formação técnica à uma
educação básica mais sólida e apontou a necessidade de definição mais clara de diretrizes
curriculares, com o objetivo de adequá-las às tendências do mercado de trabalho. A introdução,
no decreto, da possibilidade de utilização de módulos, para tornar mais flexível a formação
profissional no nível técnico, representou uma mudança importante, assim como a certificação
de competências.

A educação profissional de nível técnico é complementar à educação básica, devendo com ela
articular-se, sem perder sua própria identidade. A identidade curricular própria, entretanto, não
significa desintegração. Articular-se não implica em substituir ou concorrer com o ensino médio,
mas sim em assentar-se numa sólida educação básica. O Decreto-Federal 2208/97,
estabelece, inclusive, que, disciplinas profissionalizantes cursadas no ensino médio podem ser
aproveitadas no currículo de habilitação profissional de técnico de nível médio,
independentemente de exame específicos. Com isso, ficam mantidas as identidades
curriculares próprias, preservando-se a necessária articulação.

Uma educação profissional que conduza ao permanente desenvolvimento para a vida produtiva
e que integre as diferentes formas de educação, trabalho, ciência e tecnologia, deve avaliar,
reconhecer e certificar todo o conhecimento adquirido, seja em escolas de educação básica e
superior, seja em programas de educação profissional, inclusive no próprio trabalho.

A educação profissional é um direito do cidadão trabalhador em termos de uma educação para


o trabalho que o conduza ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
Para tanto "as escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão
cursos especiais, abertos a comunidade, condicionada a matrícula a capacidade de
aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade" (art. 42 da LDB).

O reconhecimento de que a educação profissional deve ser concebida no contexto dos direitos
do cidadão à educação e à profissionalização, como adequada preparação para o exercício
profissional competente, deve conduzir à superação dos enfoques assistencialista e
economicista.

Aprender a trabalhar, qualificar-se para o trabalho não é sinônimo apenas da preparação para
execução de um determinado conjunto de tarefas. A educação para o trabalho exige, para além
do domínimo operacional de um determinado fazer, a apropriação de um saber tecnológico, as
dimensões de inteligência do processo produtivo, a reelaboração da cultura do trabalho e o
domínio e geração do conhecimento no seu campo profissional.

A educação profissional deve ser dimensionada como complementar à educação geral e como
direito do cidadão de preparar-se para o trabalho produtivo.

O Decreto Federal 2208/97 ao regulamentar os artigos 39 a 42 da LDB, Lei Federal 9394/96


configurou três níveis de educação profissional: básico, técnico e tecnológico, com objetivos de
qualificar , reprofissionalizar, especializar, aperfeiçoar e atualizar os trabalhadores em seus
conhecimentos tecnológicos visando sua inserção e melhor desempenho no exercício do
trabalho.

O nível técnico é "destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou


egressos do ensino médio (inciso II do artigo 3º). Esses cursos técnicos poderão ser
organizados em módulos (artigo 8º) e no caso de o currículo estar organizado em módulos,
estes poderão ter caráter de terminalidade para efeito de qualificação profissional, dando
direito, neste caso, a certificado de qualificação profissional (§1º,art,8º). E, mais os módulos
poderão ser cursados em diferentes instituições credenciadas (§3º, do art. 8º) e poderá haver
amplo aproveitamento de estudos de disciplinas e módulos já cursados (§2º,art.8º).

De acordo com esses dispositivos normativos, a educação profissional de nível técnico


contempla a habilitação profissional propriamente dita de técnico de nível médio, a qual exige a
comprovação da conclusão do ensino médio como "conditio sine qua non" para a obtenção do
diploma de técnico (§4º, art. 8º); as qualificações iniciais e intermediárias (§§1º, 2º, 3º, art.8º) e
os módulos ou cursos posteriormente desenvolvidos, complementarmente, de especialização,
aperfeiçoamento e atualização (inciso III do art. 1º)

A possibilidade de aproveitamento de estudos na educação profissional de nível técnico é


ampla, inclusive, inter habilitações profissionais (§2º,art.8º). Duas únicas exigências são feitas:
que o prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda a cinco
anos(§3º,art.8º) e que a expedição do diploma de técnico ocorra desde que o interessado
apresente o certificado de conclusão do ensino médio (§4º, art.8º).

O aproveitamento de estudos mediante avaliação é encarado pela LDB de maneira bastante


ampla: o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser
obejto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão dos
estudos (artigo 41).

O diploma de uma habilitação profissional de técnico de nível médio, portanto, pode ser obtido
por um aluno que conclua o ensino médio e, concomitantemente ou posteriormente, tenha
concluído um curso técnico, com ou sem aproveitamento de estudos.

Esse curso pode ter sido feito de uma vez, por inteiro, ou a integralização da carga horária
mínima, com as competências mínimas exigidas para a área profissional objeto de habilitação
poderá ocorrer pela somatória de módulos cursados na mesma escola ou em cursos de
qualificação profissional ou módulos oferecidos por outros estabelecimentos de ensino, desde
que dentro do prazo limite de cinco anos.

Aquele que cursar apenas um ou dois cursos de qualificação profissional, de forma


independente ou como módulo de curso técnico, fará jus apenas aos respectivos certificados
de qualificação profissional, para fins de exercício profissional. Os certificados destes cursos
deverão explicitar, em histórico escolar, quais as competências teóricas e práticas da profissão
ou área profissional objeto de qualificação que estão sendo certificadas e, se for o caso,
explicitar também o título da ocupação. No caso de profissões legalmente regulamentadas,
será necessário explicitar o título da ocupação prevista em lei.

Pois bem, o Brasil possui uma nova Lei de diretrizes e bases da educação nacional que começa a ser
colocada em prática. Ela traz inúmeras inovações com relação a educação profissional. Colocou esta num
patamar adiante ao da educação do ensino médio. O aluno somente obterá o diploma de técnico, após
concluir o ensino médio. Isto sinaliza para o fato incontestável de que oito anos de estudos são insuficientes
para se adentrar ao mercado de trabalho.

Determina, também, que a formação técnico-profissional somente será realizada a partir do ensino médio.
Esta determinação, compatibilizada com a exigência, descrita no art. 62 do ECA, no sentido de que a
formação técnico-profissional do adolescente, deverá ser realizada sob a égide das diretrizes e bases da
legislação da educação em vigor, torna cristalino, que tal aprendizagem somente poderá ocorrer se o aluno
estiver cursando o segundo grau.

E veja-se, que nem poderia ser diferente porque muito embora o Decreto 2208/97, admita em seu artigo 4º
que poderá haver educação profissional a nível básico, esta, segundo diretrizes do MEC e do Conselho
Nacional de Educação "é destinado à qualificação e requalificação de trabalhadores, independentemente de
escolaridade prévia. Para esse nível não há regulamentação curricular, uma vez que se destina a atender
demandas específicas, sem exigências pré-determinadas de escolaridade, caracterizando-se como
modalidade não -formal, com cursos de duração variável" Logo, esta forma de educação profissional, sem
qualquer certificação, não interessa ao adolescente, o qual tem prioridade absoluta na educação e necessitará
certificação de suas habilidades e competências. O nível básico, destina-se aquele profissional sem qualquer
educação, ou certificação, permitindo-lhe uma requalificação para o trabalho.
Por outro lado, a Lei, flexibiliza a forma de apropriação desse conhecimento, permitindo seja concluído por
módulos, o que é um grande avanço, pois permite que o aluno estude nos dois cursos ao mesmo tempo: nível
médio e nível técnico-profissionalizante.

Ao reconhecer que a educação profissional poderá ser desempenhada no ambiente de trabalho (art. 40), fixa
os parâmetros. No artigo 41, a LDB prescreve que: "o conhecimento adquirido na educação profissional,
inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou
conclusão dos estudos". Com isto fica claro que, somente quando o MEC autorizar, módulos de cursos
técnicos realizados no ambiente do trabalho, instituições especializadas, escolas técnicas, ONGs, poderão ser
pontuados como parcela da etapa de um curso de educação profissional, que uma vez concluído receberá
diploma devidamente registrado.

Mas, não se perca de vista, ainda que se possa entender que apenas o trabalho, o tempo de atividade em
determinada profissão seja pontuado como educação profissional, isto também não invalida o contrato de
trabalho. Ou seja, a LDB não exclui a obrigatoriedade do empregador pelos consectários decorrentes do
contrato de trabalho, quando se candidata a oferecer educação profissional, no ambiente de trabalho.

Pois bem, voltemos os olhos para um adolescente carente que sequer completou o 1º grau regularmente, e
portanto não domina ainda a leitura, a escrita e o cálculo e imediatamente é transportado para trabalhar oito
horas diárias numa empresa ou órgão público. O projeto não contempla detalhadamente o número de horas
de reforço escolar em contra-turno; muito menos de capacitação e/ou de treinamento em cursos básicos
profissionalizantes (computação, digitação) capazes de permitir que aos dezoito anos este cidadão possa
competir em igualdade de condições, com a média, que chega ao mercado de trabalho. Não há no projeto
compromisso formal de parte da entidade assistencial com a sua promoção humana, e capacitação
profissional no sentido de colocá-lo em igualdade de condições, ou quando menos, de recuperar o tempo
perdido, já que presume-se oriundo de classes sociais menos privilegiadas.

Também, por incrível que pareça, não transfere essa exigência para o empregador, vale dizer, não exige que o
empregador ofereça uma quantidade mínima de cursos, conhecimento teórico, para o desempenho de
qualquer ofício ou profissão.

Este deveria ser o espírito do projeto de trabalho educativo: salvar o adolescente carente, de cair na vala
comum de trabalhar, no período em que deveria receber o maior volume de formação e capacitação. Seria o
mínimo de se esperar em prol de uma maior igualdade social.

Por fim, neste item, é necessário enfatizar que qualquer programa de trabalho educativo fundado na
aprendizagem como formação técnico-profissional, não poderá considerar como tal, apenas as etapas de
orientação profissional, pré-aprendizagem, pré-profissionalização, sem que haja qualquer possibilidade de
certificação de competências

e) - Sob o ponto de vista do próprio artigo 68 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente:

No bojo do Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, apenas se exige que a entidade gestora
elabore "plano de atividades integradas em parceria com as empresas, as entidades da sociedade civil ou
instituições públicas que atendam o objetivo do Programa de Trabalho Educativo". Ora, um plano de atividades
sem qualquer exigência de carga horária mínima, de conteúdo curricular específico, de especificação do nível
dos docentes, não pode ser tido como trabalho educativo considerado que o artigo 62 do ECA exige que a
aprendizagem se realize como formação técnico-profissional segundo as diretrizes e bases da legislação de
educação em vigor.

Como visto linhas acima, o art. 68 preconiza que o trabalho educativo será realizado sob a responsablidade de
entidades governamentais e não governamentais, sem fins lucrativos. O projeto desrespeita esse preceito
maior quando determina que o trabalho educativo será realizado apenas na jornada de quatro/oito horas nas
empresas, associações e órgãos públicos.

Com efeito, toda a intenção da Constituição e do ECA é a de que o adolescente carente possa desfrutar de
uma entidade assistencial, onde permaneça, em regime de contra-turno escolar, com a finalidade de "sair das
ruas", mas também, com a finalidade de complementar os estudos, e preparar-se mais adequadamente para
o trabalho, no futuro.

Assim, é no mínimo atrasada, em descompasso com toda a legislação internacional e nacional, a


interpretação que se quer fazer do artigo 68 c/c o artigo 62 do ECA quando se pretende a regulamentação do
Trabalho Educativo, ao se entender que este possa ser desenvolvido, exclusivamente, numa empresa, ou
seja, em regime de trabalho produtivo.
Por fim, juridicamente, não se extrai da leitura do art. 68 do ECA que trabalho educativo possa ser realizado
dentro de uma empresa. Por isso, é fundamental que se estabeleça em que medida, com quais critérios
poderá haver trabalho educativo em parceria com as empresas privadas e a realização de um trabalho
produtivo.

Para concluir, este tópico, é bom, também, que se tenha em mente qual o tipo de profissional que os
empresários estão a requisitar para atuar no mercado de trabalho de hoje. Segundo o que revela o
Economista da USP e Professor José Pastore em entrevista a Revista de ampla circulação, do último
semestre de 1.998:

"Eu fiz há pouco tempo uma pesquisa com empresários industriais em São Paulo para saber
que tipo de profissional o empresário quer na produção. Ele quer primeiro um trabalhador que
tenha bom senso, lógica de raciocínio e saiba se comunicar. Quer um trabalhador que entenda
o que é dito para ele. Também prefere alguém que seja capaz de transferir conhecimentos de
uma área para outra. Esse trabalhador deve ainda saber trabalhar em grupo". Em seguida,
perguntado se essa exigência alcança qualquer trabalhador desde o mais humilde até o mais
especializado, respondeu: "Estamos falando de todos. O trator muda, o azulejo muda, o
encanamento muda, o fio da eletricidade muda. A revolução tecnológica vai prosseguir.... Os
trabalhadores têm de ser mais capazes do que no passado. Eles precisam concorrer com
máquinas. Não há lei, sindicato, partido político que faça um empresário contratar pessoas que
não sejam capacitadas. Por todas essas razões é preciso melhorar a qualidade da formação
educacional no Brasil. O país está precisando de uma mobilização maior. Os que sabem mais
têm de assumir a responsabilidade de ajudar de alguma maneira, com tempo, talento e
sabedoria, os que sabem menos. A pior coisa do mundo é a obsolescência humana. A
sociedade precisa socorrer as pessoas que estão nesse caso. A pessoa que perde o emprego
porque não é mais útil. Casos assim são uma trajédia. Precisamos fazer tudo para evitar esse
sofrimento".

No mesmo sentido a Mestra em Educação e Profª da UFPr, Acácia Kuenzer, em seminários recentes, sempre
sustentando que "o mercado está a exigir maior escolarização do trabalhador":

"Com taxas de desemprego em torno de 8% no país e 5% no Paraná, o sistema econômico


vigente reduziu o número de postos de trabalho e aumentou a produtividade dos poucos que
restaram.

O mercado está exigente na hora de escolher quem vai ser premiado com uma vaga. Para
aqueles que não tiveram oportunidade de escolarização, estes são a maioria da população
brasileira, a desvantagem é ainda maior.

As posições do mercado de trabalho hoje exigem mais da capacidade intelectual do que das
habilidades manuais do indivíduo. Um trabalhador com quatro anos de escola básica
antigamente podia ser treinada para "fazer coisas". Havia uma necessidade maior de força
física e destreza manual, mas as mudanças tecnológicas introduziram novas necessidades na
qualificação desse trabalhador.

O ensino fundamental ( de 1ª a 8ª série) é absolutamente essencial, entretanto já não é uma


garantia. As posições de emprego hoje exigem que o indivíduo consiga pensar, analisar e isso
não pode ser obtido de outro modo que não na escola.

Acreditar numa profissionalização relâmpago para garantir o emprego também não é o


caminho, porque essas pessoas estão sendo meramente treinadas e isso já não é o que o
mercado precisa. O ideal para quem está atrasado no processo de escolarização seria o curso
supletivo e é preciso passar mais tempo na escola para aumentar capacidade de raciocínio e
tomada de decisão".

Trabalho Educativo
Necessidade ou realidade

a) - Aprendizagem, interpretação possível:


O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA nos artigos 60 até 69 cuida de coordenar os conceitos de
educação, profissionalização e proteção ao trabalho do adolescente.

O título do Capítulo V "Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho" necessita de uma


interpretação absolutamente construtiva e compatibilizada de dois grandes ramos das ciências sociais. O
direito à profissionalização está ligado à Ciência da Educação e por isso mesmo, regulado, no país, pela LDB -
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O direito à proteção no trabalho faz parte de outra a Ciência
do Direito, especificamente do Direito do Trabalho, regulado pela CLT e legislação esparsa.

art. 60 - O art. 60 do ECA prescreve ser proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade,
salvo na condição de aprendiz. O artigo deve ser imediatamente adequado ao que dispõe a Constituição
Federal, devendo ser transcrito para constar que:

"é proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer


trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze
anos"

Poderia, desde logo, em antevendo um projeto legítimo de trabalho educativo, explicitar que o adolescente
trabalhará na condição de aprendiz, entre 14 e 18 anos desde que submetido a contrato especial de menor
aprendiz, e contrato especial de trabalho educativo, com formação, donde exsurgiria a possibilidade legal de
se realizar trabalho educativo a partir dos 14 anos.

art. 64 - O art. 64 dispõe que "ao adolescente até quatorze anos de idade é assegurada bolsa de
aprendizagem"

Tal artigo partia da redação antiga do art. 7º, inciso XXXIII da CF/88 que permitia o contrato de trabalho de
menor aprendiz a partir de 12 anos. Com a alteração acima vista, ou seja, desaparece a possibilidade de
contrato de trabalho de menor aprendiz a partir dos 12 anos, passando a idade mínima para o contrato de
trabalho do menor aprendiz ser a de 14 anos completos de idade. Leia-se, aprendiz, no duplo significante:
contrato de trabalho de menor aprendiz de um ofício e contrato de trabalho educativo, com formação.

Diante da imensa dificuldade de as instituições sociais operacionalizarem seu funcionamento a bolsa


aprendizagem para os menores até quatorze anos tornou-se um empecilho para a realização de um serviço
social de melhor qualidade. As entidades sociais, nas pequenas cidades dependem de doação de um local
para agrupar os menores-carentes, contam com doações da comunidade e parcos subsidíos públicos e ainda
devem pagar para as crianças até 14 anos uma bolsa aprendizagem para prestar-lhes uma assistência social
e educacional, aí incluído o espaço para a permanência em contra-turno escolar, professores para aulas de
reforço escolar e preparo pré-profissional, merenda, insumos para aprendizagem de algum tipo de tarefa que
possibilite a iniciação em um trabalho. Ora, exigir que estas entidades assistenciais ou sociais, ainda forneçam
uma bolsa aprendizagem, para que o menor ali permaneça, é exigir demais dos programas sociais. Deveria
ser, sim, uma obrigação dos pais, retirar os filhos da rua e determinar sua permanência em instituições com os
programas acima expostos, tal como lhes é obrigatório cuidar para que seus filhos compareçam a escola, no
ensino regular.

Esta exigência de bolsa de aprendizagem obrigou as instituições sociais a buscarem parcerias com a iniciativa
privada o que contribui, em muito, para o desvirtuamento dos programas, pois somente quando havia a
inserção do menor, no mercado de trabalho é que havia o repasse de valores a título de bolsa.

Do meu ponto de vista a bolsa aprendizagem apenas se justifica quando há a inserção do menor, entre 14 e
18 anos, em regime de produção de algum bem, no âmbito da instituição social. O Prof. Oris de Oliveira
esclarece quanto a produção: "Não uma produção qualquer, mas aquela cujo produto possa ser vendido
dentro das exigências de qualidade e competitividade. Uma produção, pois, que implique custo e benefício,
capaz de remunerar quem a executa".

Fora desta hipótese, não se justifica qualquer pagamento, posto que não teria havido, sequer a contrapartida,
ou seja, a atividade laborativa.

Sugere-se, então, que o art. 64 passe a exigir a bolsa aprendizagem para os menores entre 14 e 18 anos,
desde que, em regime de atividade laborativa, com produtividade, no âmbito das instituições sociais.

Já o art. 65 , nada mais contém do que repetição da regra do art. 227, da CF/88, ao determinar que ao
adolescente, aprendiz, maior de 14 anos serão assegurados os direitos sociais e previdenciários. Portanto,
interpretado aqui, com a possibilidade de coexistência de trabalho educativo, com inserção do menor no
mercado de trabalho, não há que se falar em bolsa de aprendizagem, mas sim, de efetivo salário.

Sugere-se a adequação do artigo, nesses termos.

Agora passa-se a examinar um conjunto de normas dispostas nos artigos 61 a 65 do ECA, sob o aspecto da
Ciência da Educação e da Ciência do Direito do Trabalho.

São eles os seguintes artigos:

"art. 61 - A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem
prejuízo do disposto nesta lei.

art. 62 - Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as


diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.

art. 63 - A formação técnico-profissional obedecerá os seguintes princípios:

I- garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;

II - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;

III - horário especial para o exercício das atividades.

art. 64 - Ao adolescente até quatorze anos de idade é assegurada bolsa de aprendizagem;

art. 65 - Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos


trabalhistas e previdenciários"

De início, o artigo 61 menciona que a proteção ao trabalho é regulada por legislação especial referindo-se, por
certo, à CLT e legislação esparsa e em seguida acrescenta, sem prejuízo do disposto nesta lei. A partir do
artigo 62 até o art. 65 passa a referir-se a vocábulos como "aprendizagem" e "bolsa aprendizagem" e
"adolescente aprendiz". A seqüência e a redação defeitosa dos artigos tem permitido uma interpretação de que
é possível ao "adolescente-aprendiz" realizar uma "aprendizagem", tida como "formação técnico-profissional"
e que está seria uma modalidade de contrato de trabalho, porém remunerada com uma bolsa aprendizagem.

Fudamentalmente, a interpretação do vocábulo "aprendizagem" vem permitindo uma tremenda confusão dos
institutos da formação, como etapa de um processo de educação, com o do contrato de trabalho.

Alguns intérpretes enxergaram no vocábulo "aprendizagem", associado com a idade mínima anterior de 12
anos, a possibilidade de se realizar pré-aprendizagem ou pré-profissionalização nas empresas, apenas
mediante bolsa aprendizagem. Outrossim, os encargos trabalhistas exigidos a partir dos 14 anos, quando da
inserção no mercado de trabalho, foram relegados, por se tratarem de adolescentes carentes, despreparados,
e pelo fato de receberem bolsa aprendizagem e não salário.

Uma tal interpretação do conceito de "aprendizagem" do ECA, em nada beneficia o adolescente, porque além
de não assegurar uma perfeita profissionalização, também não protege no trabalho. Vale dizer, nada
acrescenta aos instrumentos já previstos na LDB e nos direitos garantidos pela CLT, todos estes, esculpidos
nos princípios constitucionais que regem os títulos dos direitos sociais e da ordem social. Vale dizer, o próprio
ECA rememora que a proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, no artigo 61,
todavia, ao se interpretá-lo, faz-se letra morta da CLT e da LDB.

A miscelânia que se criou com tais interpretações permitiu que algumas empresas entendessem como
"formação técnico-profissional" cursos de treinamento específicos, de interesse exclusivo de suas empresas
destinados a atualização tecnológica dos trabalhadores para poder movimentar suas fábricas ou indústrias,
acompanhando os progressos da técnica e as novas exigências do mercado mas, suprimindo nestas
condições os direitos consagrados na Constituição Federal e na CLT aos empregados.

b) - Trabalho educativo: realidade:

Inquestionável que, na realidade, as empresas não obtém no mercado a totalidade dos trabalhadores
preparada, capacitada, para encarar as mudanças rápidas e diárias ocorridas no mundo do trabalho, ou
específicas de sua área de fabrico, produção ou de serviços, indispensáveis para a realização da atividade
produtiva e lucrativa por elas desempenhadas. Em razão disso, colhem no mercado, adolescentes, na faixa de
14 - 18 anos, empregando-os para o labor em oito horas diárias e, concomitantemente, ministram-lhes cursos
profissinalizantes. Tais cursos, equivalem a meros treinamentos, pois em geral são de curta duração, ensinam
especificamente aquelas tarefas necessárias a continuidade da produção da empresa e, por não cumprirem
os requisitos da LDB não asseguram certificação do curso de educação profissional. Tais cursos ocupam uma
pequena parte do horário que os adolescentes permanecem na empresa e o restante do tempo, seis ou sete
horas o adolescente é ocupado em atividade laborativa específica, produzindo em igualdade de condições e
exigências de produtividade de qualquer outro profissional devidamente empregado na empresa. Todavia,
estes adolescentes são remunerados com uma bolsa aprendizagem ou com parcela do salário-mínimo. A
justificativa patronal: está oportunizando a "aprendizagem", como se fora uma nova modalidade de contrato de
trabalho criado pelo art. 62 do ECA. Na verdade o que ocorre é que, ao adolescente de 14 anos é ministrado
um treinamento aos moldes mencionados, por dois meses, no máximo um semestre, e a partir dos 14,5 e até
os 18 anos o adolescente permanece na empresa, exclusivamente, em regime de trabalho produtivo.

Em resumo, tal forma de contratação vem em total prejuízo do adolescente e, é uma forma perversa de obter
trabalho com baixo salário, além de iludir o adolescente com um treinamento, ao passo que um curso ou um
módulo de curso técnico-profissionalizante possui requisitos específicos para a obtenção do respectivo
diploma, ou certificação.

Do ponto de vista do Direito do Trabalho está havendo fraude aos direitos do trabalhador, podendo ser
invocado o art. 9º da CLT, segundo o qual "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação". Isto porque, a
Constituição e a CLT já asseguram proibição do trabalho ao menor de 16 anos e, ao adolescente, entre 16 e
18 anos, igualdade de salários ao trabalhador adulto, e o art. 7º XXX proibe discriminação no tocante a
salários por motivo de idade.

Logo, o adolescente, mesmo sendo ocupado uma parte da jornada de trabalho, com curso de atualização no
interesse da empresa, está realizando um contrato de trabalho como qualquer outro empregado, quando em
atividade na organização produtiva da empresa, presentes os elementos da relação de emprego e, portanto
faria jus, em tese, também ao piso salarial da categoria, em geral nas áreas de produção técnica, muito
superior ao salário-mínimo.

Do ponto de vista da LDB os cursos de formação técnico-profissionalizante são ministrados a nível de ensino
médio, por escolas profissionalizantes, ou mediante uma habilitação específica em escolas comuns. Em
qualquer caso, há um currículo mínimo, vale dizer, um conteúdo mínimo, um número mínimo de horas-aula,
fiscalizado pelo MEC, e devidamente certificado. É o que se extrai das regras do art. 35 c/c com o art. 36
quando cuida do ensino médio. Dispõe o art. 35, incisos II e IV que o ensino médio, com duração de três anos
terá como finalidades "II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento posteriores"; IV- a compreensão dos fundamentos científico-tecnológico dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina".

Já o artigo 36, §2º dispõe que "o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo
para o exercício de profissões técnicas" e no § 4º - "a preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a
habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em
cooperação com instituições especializadas em educação profissional."

Quando trata da educação profissional a LDB, é inegável, no art. 40 prescreve que esta "será desenvolvida
em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada em instituições
especializadas ou no ambiente de trabalho", até porque num país em desenvolvimento o poder público não
pode atingir seus misteres sem o auxílio da iniciativa privada. Todavia, deixa certo, e de clareza solar, no artigo
40 e seu parágrafo que o conhecimento adquirido na educação profissional realizada no trabalho poderá ser
objeto de avaliação e reconhecimento para prosseguimento e conclusão dos estudos . E, conclui no parágrafo
primeiro do art. 40,da LDB que "os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando
registrados, terão validade nacional".

Frize-se, porém, e aqui, o mais importante, que no capítulo (art. 39 a 42) da LDB que cuida da educação
profissional fica bem claro, e isso no artigo 41, que:

"o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de
avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento e conclusão de estudos".
Donde deflui que quando a educação profisional for oportunizada no ambiente de trabalho, poderá; ser
pontuada para fins de prosseguimento e conclusão de um determinado curso técnico. Todavia, os cursos de
educação profissional somente serão certificados, ou seja, só terão validade os diplomas se tais cursos forem
registrados, nas delegacias do MEC. E, é notório que, para tais registros, ou para que haja a devida
certificação, hão que ser observados os requisitos mínimos de duração do curso, carga horária,
aproveitamento, currículo mínimo, e demais critérios, tais como freqüência e aproveitamento do educando.

Urge, pois, que se extirpe do Código que visa a proteção do Adolescente, a miscelância que pode traduzir a
expressão "aprendizagem", para reconhecer-se que não há que se confundir os institutos: ou bem se trata de
formação, ou bem se trata de contrato de trabalho de menor aprendiz, ambos perfeitamente regidos por
normas próprias da legislação fundamental da educação(LDB) ou do trabalho (CLT), os quais devem ser
respeitados e aos quais devem ser reservados horários distintos na vida diária do adolescente.

Não se pode, nos dias de hoje, baralhar os institutos da formação pedagógica, com o do contrato de trabalho
até porque a LDB e a CLT continuam sendo dois instrumentos distintos, que por vezes podem se unir, na
preparação do cidadão trabalhador. Isto, por si só, não pode servir de engodo ao adolescente quanto ao
verdadeiro conteúdo, capacitação e diplomação de um curso de natureza técnico-profissionalizante; nem
tampouco oportunizar a fraude ao direitos trabalhistas permitindo que o empregador sonegue os direitos
sociais assegurados em igualdade de condições ao trabalhador adolescente, entre 16 e 18 anos.

Do ponto de vista do Direito do Trabalho o contrato de trabalho e a relação de emprego têm contornos
próprios, assim como o contrato de trabalho do menor aprendiz, como já tratado no presente estudo, que são
conhecidos dos operadores do direito há mais de quarenta anos. Do ponto de vista da Ciência da Educação a
formação técnico-profissional é uma etapa do processo pedagógico de formação.

c)- Trabalho educativo: necessidade:

O Estado do bem estar social está falido. O serviço público vem sendo terceirizado. Os partidos políticos da
situação e da oposição preconizam as parcerias com a iniciativa privada.

O momento é crítico. O diagnóstico da realidade educacional do país demonstra que a evasão escolar do 1º
grau é de 25% e que o ensino médio, de segundo grau, atende apenas 16% da população brasileira entre 15
e 19 anos. Logo todo o restante do contingente de adolescentes é mão-de-obra não-qualificada para o
mercado de trabalho nos moldes atuais.

Ante um quadro tão desolador haveria que existir um incremento descomunal de cursos de ensino médio ou
de educação profissional que correspondessem, a curtíssimo prazo as expectativas do mercado de trabalho.
Veja-se que a CF/88 determina que o ensino fundamental é de responsabilidade do município (art.211,§2º) e
a LDB dispõe que os Estados incumbir-se-ão de assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o
ensino médio (art. 10, VI, da Lei 9.394/96). Todavia, tais cursos não preparariam, antes de três anos, os
profissionais que o mercado precisa absorver, imediatamente. A obtenção do diploma de conclusão do 1º ou
2º Graus, por adolescentes ou jovens que não puderam cursá-los em idade regular, através do Ensino
Supletivo não se realiza antes de dois anos.

Outrossim, os adolescentes que aí estão, encontram-se com a escolaridade defasada em relação à idade
cronológica, além do que não possuem sequer uma formação básica indispensável para concluir, com
qualidade, cursos de nível médio, técnico e pós-médio, ainda que fosse garantido o acesso de um percentual
de adolescentes carentes, enquanto estivessem concluindo o curso supletivo, nos atuais cursos de nível
médio. Todavia, guardada essa condição lhes seja benéfica, ou não, estão integrados ao mercado de trabalho,
ou nele pretendem ingressar.

Nesse panorama, o papel dos Estados federativos seria investir maciçamente na escola de nível médio e o
papel das entidades assistenciais seria o de exigir a complementação do ensino de Primeiro Grau e de
preparar o adolescente para ter acesso ao ensino médio, exigindo-lhes a matrícula e dando-lhes o apoio
necessário para complementação dos estudos em curso supletivo e, na medida do possível, dos cursos
profissionalizantes em consonância com os virtuais postos de trabalho. Porém, o Estado não tem condições
de reverter essa quadro, em curto espaço de tempo.

Por outro lado, o mercado de trabalho possui postos de trabalho ociosos, necessitando de mão-de-obra
qualificada. A miséria ainda impera em muitos bolsões. Os pais continuam empregando seus filhos
adolescentes. Os empresários ainda buscam explorar essa mão-de-obra barata. O próprio Estado, por meio
da administração pública direta e indireta se apropria dessa mão-de-obra.

A empresa é uma organização produtiva que se utiliza do trabalho como elemento da produção. O empregado
como sujeito do contrato de trabalho já tem assegurados direitos sociais e trabalhistas conquistados ao longo
de mais de 40 anos de lutas pelo respeito a sua dignidade de cidadão. Permitir que postos de trabalho sejam
ocupados ou criados para adolescentes, sem direito aos encargos sociais e previdenciários assegurados a
qualquer outro empregado é realizar um assistencialismo míope. É consentir que quem tem menos, tem
direito a receber menos. Constitui um raciocínio perverso que urge coibir, porque em desacordo com os
princípios internacionais e nacionais de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

O papel assistencialista ainda é, função do Estado, como poder público, que a bom tempo tem tido a ajuda de
organismos internacionais, UNICEF, IPPEC - OIT, de estados mais desenvolvidos, das ONGs, do trabalho
voluntário. Não está se negando aqui que existam empresários com vontade de colaborar, para a diminuição
da pobreza, das desigualdades sociais, e das mazelas causadas pela permanência dos menores carentes nas
ruas.

O caminho, por certo, não é exigir do empregador que faça assistencialismo, empregando adolescentes, com
direitos reduzidos, porque isto é incompatível com a atividade empresarial produtiva, com fins lucrativos. Uma
alternativa, possível, seria a de que toda vez que uma empresa realiza um programa de atualização ou
treinamento de seus empregados, oportunize, nesses cursos, um percentual de vagas para adolescentes-
carentes, o que poderia ser incentivado mediante uma dedução proporcional no imposto de renda.

Assim, a pior coisa do mundo não é ver o ser humano tornar-se obsoleto, porque mesmo adulto, não se
atualizou para permanecer no mercado de trabalho. A pior coisa do mundo é ver o ser humano, ainda criança
ou adolescente ser alijado desse mercado de trabalho, porque não teve nenhuma oportunidade de amplo
acesso à educação, a uma formação profissionalizante capaz de prepará-lo para competir em igualdade de
condições com os adolescentes não-carentes. E, negar-lhe esse direito é negar-lhe a dignidade do ser
humano, negar-lhe o direito à educação, direito social conquistado pelos povos modernos é negar-lhe o direito
à igualdade de tratamento aumentando o abismo da desigualdade social do país.

De modo que tudo isto, está a justificar uma regulamentação.

Pois bem, é inconteste que o menor carente tem direito a igualdade de tratamento, igualdade de condições
para acesso ao conhecimento científico e aos cursos profissionalizantes. Qualquer projeto que vise
regulamentar o trabalho educativo deverá promover essa igualdade, ou quando menos, oportunizar que se
minimize a real desigualdade entre adolescentes carentes e não carentes. Posto que se é inegável que o
adolescente não-carente chega ao mercado de trabalho com determinadas condições, o que as entidades
assistenciais estão sendo chamadas a proporcionar é uma atividade educacional e profissionalizante de
tamanha envergadura que possa suprir os anos de ausência em cursos regulares e preparação profissional,
de modo que seja propiciado ao adolescente carente, dar um salto qualitativo a fim de competir no mercado
em igualdade de condições, com aqueles. Isto é o que se preconiza desde a Declaração dos Direitos do
Homem, em França: Todos são iguais perante a lei. O direito de igualdade, de isonomia, estará sendo violado,
se não for, ao menos, buscada uma tentativa de minimizar os abismos do conhecimento. É disso que cuida de
preconizar o art. 203, II e III da CF/88 como objetivo da entidade assistencial. É o que determinam os art. 205
e 227 da CF/88 quando prescrevem a educação básica e plena e das prioridades absolutas de
profissionalização do adolescente.

Este seria o ideal. Mas, como não se pode pretender que o adolescente deixe de trabalhar, em curto espaço
de tempo; como não se pode pretender que todas as entidades sociais transformem-se de uma hora para
outra em escolas de ensino médio, de tempo integral; como o Estado não dispõe de recursos suficientes para
reverter essa quadro nefasto, em curto período; há que se concordar que haja uma regulamentação do
trabalho educativo, porém com exigência mínimas que podem ser, agora, hoje, perfeitamente
compatibilizadas, para que se atinja um mal menor.

O que se espera da regulamentação do "trabalho educativo" é o de despertar as entidades assistenciais para


oferecer nas horas de contra-turno escolar uma complementação da formação geral da criança e do
adolescente, com reforço escolar, língua estrangeira, etc.. e no âmbito da iniciação à profissionalização
substituísse, nas oficinas, os trabalhos manuais, artesanatos, tarefas rotineiras e mecânicas de construir
banquetas e cabides de madeira, bordar panos de prato, fabricar cestos de pães, confecionar pães, costurar,
para oferecer cursos e técnicas de verdadeira iniciação à capacitação profissional, em consonância com as
necessidades do mercado local, tudo atendidos os princípios que inspiram a nova LDB. Afinal, é o que está a
exigir o art. 62 do ECA.

Enfim, atender o próprio espírito da Lei do Adolescente, tal como proposto pelo Art. 68, §1º do ECA, que exige
que trabalho educativo é a atividade laboral em que predominam as exigências pedagógicas sobre o aspecto
produtivo, detalhando quais as bases dessa prevalência na realização tanto no âmbito das entidades sociais,
quanto no momento da inserção do menor no mercado de trabalho.

Perspectivas de um Trabalho Educativo


na faixa etária de 14 a 18 anos
no âmbito das entidades sociais
Sem inserção no mercado de trabalho:

Apresenta-se, em breves itens, as justificativa para a adoção dessa modalidade de trabalho educativo, com
base no que foi visto no presente estudo e retiradas da 5ª Conferência Internacional sobre Educação de
Adulto, da ONU, realizada em julho/97, no Congresso de Hamburgo e de trabalhos ali apresentados, em
especial do texto de Nassim, Gabriel Mehedeff, da Secretaria de Formação Profissional do Ministério do
Trabalho, intitulado "Educação e trabalho: um projeto para jovens e adultos de baixa escolaridade":

há um compromisso do país, em erradicar o trabalho infantil e regularizar o trabalho do adolescente;

investir na criança é investir no futuro;

a criança constitui prioridade em todos os sentidos desde a primazia no recebimento de socorro, na


precedência de atendimento nos serviços públicos e na formulação e execução das políticas sociais
públicas, até na destinação privilegiada de recursos públicos (art. 4º do ECA)

para inserção ou reinserção no mercado de trabalho é indispensável possuir o certificado de conclusão


do Primeiro Grau (1ª a 8ª séries do Ensino fundamental).

Pela nova LDB ensino básico engloba o Primeiro e o Segundo Graus.

Diretrizes do MEC indicam que a educação básica (1º e 2º Graus) associada a educação profissional
consituem ferramentas para ampliar a empregabilidade, melhorar a qualidade e competitividade do
setor produtivo e fortalecer a cidadania.

A educação, mais que um direito, é tanto condição para uma plena participação na sociedade, como
conseqüência do exercício da cidadania.

Apenas a educação baseada no respeito, incondicional, aos direitos humanos levará a um


desenvolvimento justo, há uma sociedade participativa, democrática, de igualdade e de construção de
um povo tolerante, não violento, com senso de responsabilidade pessoal e coletivo capaz de lidar com
as transformações sócio-econômico-culturais e com os desafios que a vida lhes impõe.

A educação é um processo duradouro. As novas demandas da sociedade e expectativas de


crescimento profissional requerem durante toda a vida do indivíduo, uma constante atualização de seus
conhecimentos e habilidades

O Estado, ainda é o principal veículo para assegurar o direito de educação para todos, particularmente
para os grupos menos privilegiados da sociedade, como os pobres, minorias, a população rural ou os
povos indígenas.

Globalização, mudança nos padrões de produção, desemprego crescente e dificuldade de levar uma
vida estável exigem políticas trabalhistas mais efetivas, assim como mais investimentos em educação,
de modo a permitir que homens e mulheres desenvolvam suas habilidades e possam participar do
mercado de trabalho e da geração de renda.

A Conferência da ONU declarou "Nós reunidos em Hamburgo, convencidos da necessidade da


educação de adultos, nos comprometemos com o objetivo de oferecer a homens e mulheres as
oportunidades de educação continuada durante todas suas vidas. Para tanto, construiremos amplas
alianças para mobilizar e compartilhar recursos, de forma a fazer da educação de adultos uma dádiva,
uma ferramenta, um direito e uma responsabilidade compartilhada.

A idéia-raíz de um programa de Trabalho Educativo somente pode ser a formação profissional

Vejam-se, ainda, os seguintes dados:

31% das mulheres jovens e adultas, no país, são analfabetas

40,4% da PEA - população economicamente ativa, são de mulheres;

apenas 15,7% das mulheres adultas concluem o ensino obrigatório de 1º Grau;


Pesquisa Nacional DATA FOLHA, de 1998, classificou 5 grupos sociais no Brasil: elite, trabalhadores,
remediados, deslocados e excluídos(subdivididos em pobres, despossuidos e miseráveis). Dentre os
excluídos 25 milhões são miseráveis com 16 anos ou mais, ou seja, 24% da população.

Dos 25 milhões de miseráveis, 83% são analfabetos funcionais, possuem menos de quatro anos de
estudos.

De acordo com o IBGE 40% dos brasileiros até 14 anos vivem em famílias com renda per capita de
meio salário mínimo.

O Brasil possui 20.352 infratores entre 12 e 20 anos. Destes 75,2% está na faixa etária de 12 a 15
anos. Do total é impressionante o baixo nível de escolaridade: 71% não realizou o Primeiro Grau
completo.

Mister que se diga, aqui, uma palavra de alento para estas entidades sociais. Muitas delas operam sem
nenhum recurso ou subsídio público, com trabalho voluntário e patrocínio de entidades privadas. Sobrevivem
de doações dos cidadãos. São párocos, aposentados, em verdadeiro trabalho voluntário e solidário abrindo
caminhos para conseguir uma merenda mais nutritiva, arranjando um berçário para filhos de adolescentes,
ampliando creches, enfim realizando um cem número de atividades de assistencialismo, sem as quais, por
óbvio, a vida dos egressos de famílias carentes seria ainda pior.

Não é demasia dizer, também, que muitas delas possuem um período, ou um semestre, ou até um ano de
atividades de reforço escolar permitindo que crianças e adolescentes carentes ali permaneçam em regime de
contra-turno escolar, ampliando sua formação pedagógica, com o acesso a professores absolutamente
capacitados e que exercem um abençoado voluntariado, com dedicação estremada para o aprimoramento da
formação de tais crianças e adolescentes.

Registra-se, ainda, que muitas delas funcionam com oficinas onde se realiza o desenvolvimento de ofícios
passíveis de serem absorvidos pelo mercado de trabalho local.

Apenas para que não houvesse nenhum tipo de distorção, seria necessário estabelecer que o trabalho
educativo nas entidades sociais somente pode ser realizado sem inserção no mercado de trabalho, posto que
uma vez inserido o elemento do trabalho produtivo estar-se-á adentrando na esfera do Direito do Trabalho e,
de conseqüência, infringindo a Carta Magna, que alterou o limite mínimo de idade para ingresso na atividade
produtiva, aos 16 anos, salvo se na condição de aprendiz.

Veja-se, não é vedado à instituição social prestar qualquer tipo de assistencialismo. Aliás esta pode ser
necessária desde o nascimento até aos 18 anos, as vezes até aos 21 anos. O que é vedado é inseri-los no
trabalho antes dos 16 anos completos, salvo na condição de aprendiz, ou em regime de trabalho educativo.

Para melhor definir o que seria o trabalho educativo nas instituições sociais, bastaria constar tratar-se de
programa de formação em que haja uma parte teórica, e uma parte prática realizada preferencialmente nas
oficinas/laboratórios da própria instituição. A parte teórica priorizará a complementação de estudos observados
os princípios, finalidades e possibilidade de avaliação previstos para o ensino fundamental e médio, definidos
na LDB. A parte prática, que não poderá ultrapassar 4 (quatro) horas diárias priorizará atividades que possam
iniciar para o trabalho em profissões absorvidas pelo mercado de trabalho local.

Em hipótese alguma o trabalho educativo pode ser transformado nos laboratórios/oficinas em trabalho
produtivo, seja utilizando-se da mão-de-obra dos adolescentes para confeccionar algum produto colocado no
mercado por empresa produtiva, seja para ampliar a produção da entidade social a ponto de torná-la
competitiva com o mercado de trabalho local. Exemplifica-se: não se admitiria como trabalho educativo a
confecção e montagem de brinquedos cujas peças sejam fornecidas por uma determinada empresa que
obterá a construção final do objeto que comercializará no mercado. Isto equivaleria a transferir um setor
produtivo desta empresa para a instituição social, caracterizando o contrato de trabalho à domicílio. Da
mesma forma que se a entidade social prepara uma quantidade de pães e doces que atenda além dos
adolescentes e da própria entidade social, todo um bairro da comunidade, estará havendo trasmudação de
trabalho educativo em trabalho produtivo, transformando-se a entidade social, em verdadeiro empregador. Isto
é o que urge coibir, no trabalho educativo, enquanto realizado no âmbito das instituições sociais.

Cuidar para que na realização das diversas atividades desenvolvidas nas oficinas e laboratórios da entidade
não haja colocação dos adolescentes em contato com agentes insalubres, perigosos ou nocivos a sua saúde.

Por fim, a bolsa aprendizagem somente será exigida, se dentro da instituição o adolescente realizar atividade
produtiva, considerada esta como o bem que pode ser vendido comercialmente, com margem lucrativa, capaz
de gerar a contrapartida da atividade laborativa e porque constitui, sem dúvida, um incentivo a formação dos
adolescentes, carentes.

Nesta seara mister regular também que, os frutos da parte prática da formação somente poderão reverter em
favor do adolescente e dos insumos do programa desenvolvido pela entidade assistencial. A instituição social
que transformar sua oficina/laboratório em processo produtivo será equiparada ao empregador do art. 3º , da
CLT, com todas as conseqüências jurídicas decorrentes.

Perspectivas de um Trabalho Educativo


Na faixa etária de 14 a 18 anos
Com inserção no mercado de trabalho:

Apresenta-se, em breves itens, as justificativas para a adoção dessa modalidade de trabalho educativo, com
base no que foi visto no presente estudo e retiradas da 5ª Conferência Internacional sobre Educação de
Adulto, da ONU, realizada em julho/97, no Congresso de Hamburgo e de trabalhos ali apresentados, em
especial do texto de Nassim, Gabriel Mehedeff, da Secretaria de Formação Profissional do Ministério do
Trabalho, intitulado "Educação e trabalho: um projeto para jovens e adultos de baixa escolaridade":

Há 25% de evasão escolar no âmbito do Primeiro Grau (ensino da 1ª a 8ª séries) de cunho universal,
obrigatório e gratuito.

Há apenas 16% de adolescentes cursando, hoje, o ensino médio, no país.

É preciso certificação das competências para poder trabalhar, se estabelecer e manter a


empregabilidade.

A educação mudou o seu paradigma, de educação para ou pelo trabalho para educação para o saber. É
necessário aprender a aprender, aprender a pensar, aprender a interligar conhecimentos de modo
criativo.

A educação está voltada para a aquisição de competências para manter a empregabilidade. Esta
significa possuir um conjunto de conhecimentos, habilidades, comportamentos e relações que fazem
com que o trabalhador possa ser aproveitado não por uma, mas por várias empresas. Os ingredientes
da empregabilidade são competência profissional, disposição para aprender continuamente,
capacidade de empreender.

O mercado integrado e competitivo não precisa mais do "operário padrão", disciplinado, leal, hábil para
uma tarefa, mesmo que iletrado, porque a tecnologia substituiu a habilidade prática do homem pela
máquina, pelo chip de computador.

A Educação Profissional é apenas complementar - e não substitutiva - da educação básica, informam


as diretrizes nacionais do MEC e do Conselho Nacional de Educação.

Trabalhadores com menos de 10 a 12 anos de estudo de boa qualidade possuem dificuldade de


inserção e de permanência no mercado de trablaho.

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária utiliza-se de recursos do MEC e do


FAT para priorizr a alfabetização dos trabalhadores rurais assentados.

PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador, no âmbito do Sistema Púbico de Emprego,


em Programa do Ministério do Trabalho, financiado com recursos do FAT - Fundo de Amparo ao
Trabalhador oriundo dos depósitos do FGTS, tem por objetivo mobilizar e articular, gradualmente, toda
a capacidade e competência de educação profissional disponível no país, para a médio prazo,
qualificar e requalificar, anualmente, pelo menos 20% da PEA - População Economicamente Ativa no
pais, cerca de 15 milhões de trabalhadores.

O PLANFOR já ofereceu profissionalização desde o 2º semestre/96 até fins de 1.998, em torno de 5,2
milhões de trabalhadores e já investiu R$1bilhão de recursos do FAT.

O orçamento do PLANFOR para 1.999 é de R$650 milhões, buscando atingir cerca de 3 milhões de
cidadãos. Só o Paraná receberá R$7 milhões em recursos do FAT para profissionalização.

O PLANFOR realiza cerca de 100 horas/aula de qualificação profissional, por trabalhador, a um custo
médio de R$2,00 por hora (ou R$200, per capita, ao ano).
Vejam-se, ainda os seguintes dados:

Segundo dados da PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE, o Brasil tem uma
PEA - População Economicamente Ativa de 74 milhões de trabahadores, estando ocupados, em torno
de 70 milhões, acima de 10 anos de idade, com o seguinte perfil:

16% (11 milhões) sem instrução ou com menos de um ano de estudo

18%(13 milhões) com menos de 1 a 3 anos de estudo

33% (23 milhões) com 4 a 7 anos de estudo

13% ( 9 milhões) com 8 a 10 anos de estudo

20% (14 milhões) com 11 anos ou mais de estudos.

Segundo dados da RAIS-95 (Relação Anual de Informações Sociais, do MTb), relativamente a PEA
empregada com registro em CTPS:

15% sem instrução ou até a 3ª série do 1ºGrau

33% entre a 4ª e a 7ª série do 1º Grau

23% com o 1º Grau completo

29% com 2º Grau completo ou mais

Aqui, a questão atinge um ponto crítico e de exame mais acurado, partindo-se de uma série de pressupostos
entre os quais ser inegável que: os empresários têm contribuído para a formação e profissionalização do
adolescente; o Estado tem muitas vezes se omitido de seu papel social de propagador da educação universal
e profissionalizante; as Autarquias especiais públicas (Sistema "S") estão por demais elitizadas, assim como
as escolas técnicas e a educação profissionalizante não têm atingido os adolescentes sem nenhuma
experiência profissional e, tampouco priorizado os adolescentes carentes.

Há casos em que a iniciativa privada tem substituído, vale dizer, tem custeado mesmo a formação e o preparo
profissional dos adolescentes que acodem ao mercado de trabalho sem a conclusão do curso fundamental ou
de ensino médico, sem qualquer contribuição do Estado. Exemplo disso é o caso do SESI que em parceria
com a iniciativa privada tem custeado os cursos supletivos nas empresas para que os adolescentes e jovens
em escolaridade desvantajosa possam ingressar e permanecer no emprego. O MEC custeia apenas o
material e as provas dos cursos supletivos, mas não as aulas de formação propriamente ditas.

Da mesma forma que, considerado que apenas 16% dos adolescentes concluem o ensino médio; é de 25% a
evasão escolar do Ensino Fundamental; o empresariado apenas encontra no mercado de trabalho uma grande
maioria de profissionais sem formação básica e sem qualificação profissional. Mais aqui, há uma parcela de
empresários que substituindo o Estado, enquanto responsável, pela educação, tem contribuído com inúmeros
cursos de formação, capacitação, e profissionalização para iniciação ao trabalho. Mesmo naquelas hipóteses
em que o adolescente conclui, regularmente, o ensino médio, é inegável reconhecer que, chega tão
despreparado ao mercado de trabalho, sendo necessário freqüentar cursos de qualificação para o primeiro
emprego.

Pois bem, há aí, uma enorme omissão do Estado, e do poder público estadual, principalmente, eis que a LDB
determina que do estado federado a responsabilidade pelo ensino fundamental, com prioridade para a escola
média.

Por outro lado a própria LDB, Lei 9394/96, reconhece no capítulo "Da Educação Profissional":

art. 40 - LDB - A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular
ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no
ambiente de trabalho.
art. 41 - LDB - O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho,
poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimetno ou
conclusão de estudos.

Parágrafo único - Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando


registrados, terão validade nacional.

art. 42 - As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos
especiais, abertos a comunidade, condicionada a matrícula a capacidade de aproveitamento e
não necessariamente ao nível de escolaridade.

Com efeito, esse conjunto de artigos está a reconhecer que é possível realizar-se aprendizado profissional
também no trabalho; que o MEC está autorizado a avaliar e reconhecer que os cursos ou a atividade
profissional podem ser avaliados e pontuados para fins de prosseguimento e conclusão de cursos, inclusive
para fins de certificação.

Havendo esta possibilidade de conciliação, entre formação e trabalho, decorrente da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional é possível então viabilizar um contrato especial de trabalho educativo, nos seguintes
moldes.

1) - Quanto a nomenclatura: Como podem existir diversas modalidades de trabalho educativo, é preferível
nomear-se o presente como contrato especial de trabalho educativo, com formação profissional.

2) - Quanto a clientela a ser atingida:

A clientela deverá ser, prioritariamente, aquela oriunda de famílias de baixa renda, (menos de cinco salários
mínimos), "menores de rua", menores assistidos; menores carentes, e buscar integrar menores infratores.

Priorizar os adolescentes que estejam com a escolaridade defasada em relação a idade cronológica.

3) - Quanto a idade dos adolescentes admitidos ao programa de trabalho educativo:

Admite-se, desde que, não suprimida nenhuma exigência que desqualifique a presente proposta, que seja
realizado a partir de 14 anos completos até 18 anos, interpretando-se a exceção contida no art. 7º, inciso
XXXIII, da CF/88 (EC 20/98), como relacionada aos contratos de menor aprendiz e contrato especial de
trabalho educativo.

Observe-se que embora tenha sido alterado o art. 7º, inciso XXXIII da CF/88 não houve alteração do disposto
no art. 227, §3º,I da mesma Carta, onde se lê, verbis:
"O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para
admissão ao trabalho, observando o disposto no art. 7º, XXXIII". Donde deflui que não é vedado um regime
especial de trabalho educativo para menores entre 14 e 18 anos.

Excepcionalmente, poderia ser prorrogado até a idade de 21 anos (art. 2º, parágrafo único do ECA), desde
que expressamente previsto, que nessa hipótese, trate-se de jovem sem escolaridade, que esteja inscrito no
SINE, certificada a ausência de colocação em qualquer emprego, por mais de seis meses; não possua
qualquer registro anterior em CTPS.

4) - Quanto a natureza do contrato especial de trabalho educativo: Trata-se mesmo de uma modalidade de
contrato de trabalho, de natureza especial, porque reúne os requisitos da formação educacional e
profissionalizante, com o do contrato de trabalho. Deve atender, de forma compatibilizada, os requisitos do art.
6º, 7º e 227 da CF/88.

Veja-se que, ao exigir a Constituição Federal, que na inserção do adolescente no trabalho deverá ser
garantida a idade mínima de 14 anos e dos direitos e previdenciários e trabalhistas, está a exigir que se trate
de modalidade de contrato de trabalho: "O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I -
idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observando o disposto no art. 7º, XXXIII"; II -
garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso ao trabalhador adolescente à
escola."

5) - Quanto a responsabilidade pelo desenvolvimento do trabalho educativo: a responsabilidade pelo


planejamento e realização de um programa de trabalho educativo é das instituições sócio-educativas, sejam
elas escolas, entidades de assistência social exclusivamente públicas ou governamentais, sejam as
organizações não governamentais - ONGs, sem fins lucrativos.
Justifica-se que assim seja, porque o art. 68 do ECA já dispõe nesse sentido. Outrossim, o papel de tais
instituições sociais é saltar do assistencialismo para poder proporcionar uma educação profissional. Ficarão
responsáveis por encontrar na grade curricular dos diversos cursos técnicos registrados nas Secretarias de
Educação, aquele que se compatibilize com as empresas privadas e órgãos públicos que querem possuir
adolescentes em regime de trabalho educativo.

Responsabilizar-se-ão pelo cumprimento das exigências legais em relação ao programa, tanto de parte dos
adolescentes, quanto das empresas/órgãos públicos.

Isto justifica que se atribua a elas a anotação da CTPS, de um contrato de trabalho em regime especial de
trabalho educativo, quando a inserção ocorrer no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional.

6) - Quanto ao objetivo e natureza do programa: O objetivo do programa como sobressai do artigo 62, do
próprio ECA é o de propiciar formação técnico-profissional, ainda que em apenas um ou alguns módulos da
educação profissional de nível técnico. Dispõe o art. 62 do ECA, que considera-se aprendizagem a formação
técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.

Pois bem, o ECA foi editado sob a égide da Lei 5692/71. Hoje vigora a Lei 9.394/96, de 26.12.1996. Os artigos
39 a 42 da novel LDB regulamentam a educação profissional, possibilitando que:

. o aluno matriculado ou egresso do ensino de fundamental (1ª a 8ª série de 1º grau), do ensino médio (2º
Grau) do ensino superior, ou mesmo qualquer trabalhador, jovem ou adulto devem ter possibilidade de acesso
à educação profissional;

- donde, o adolescente, por exemplo, com 16 anos, mas cursando a 5ª série do ensino básico, ou
fundamental, ou matriculado em Curso Supletivo, poderá realizar um módulo do ensino técnico e ter direito a
que esta carga horária de formação seja certificada, com validade nacional;

- a educação profissional pode ser realizada no ensino regular, ou por instituições especializadas ou no
ambiente do trabalho;

- o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação,
reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.

Justificativa: Atendida a nova LDB, apenas pode ser admitido como formação técnica-profissional a realizada
através de um módulo, ou conjunto de disciplinas, de uma determinado curso técnico, devidamente aprovado
pelo MEC. Assim, o que o trabalho educativo deve propiciar é que o adolescente participe de um desse
módulos, e obtenha a freqüência e aprovação necessárias para que possa ao término do contrato de trabalho
ter realizado um ou dois desse módulos, conforme o tempo de permanência no regime de trabalho educativo.
Portanto, o compromisso do empregador é de propiciar essa modalidade de formação e não um treinamento
qualquer.

As Diretrizes Nacionais do MEC para a educação profissional determinam que para efeito de
profissionalização a nível médio, são definidos objetivos específicos, titulação, currículos, docentes e a
certificação das competências. Assim, as instituições sociais devem encaminhar a Secretaria de Educação a
grade curricular contendo a carga horária mínima das disciplinas, e dos módulos, e a freqüência e
aproveitamento mínimos, para objeto de certificação. A nível médio haverá diretrizes curriculares nacionais a
obedecer, para cada área do conhecimento, que já se encontram assim dividas: produção de bens, produção
de conhecimento, produção de serviços. Já estão prontas algumas grades curriculares. É possível acessar
pela "internet", junto ao MEC, PROEP, as Diretrizes Curriculares nacionais, e encontrar ali os cursos cujas
planilhas de carga horária já estão aprovadas. Dentre elas, encontramos os cursos técnicos em gestão
empresarial e pública; gestão comercial de bens e serviços; saúde e segurança no trabalho; propaganda e
publicidade; informática; turismo e lazer; agropecuária; comunicação, dentre muitos outros. Consultada a
Secretaria de Educação no Paraná, já se tem aprovada a matriz, ou grade curricular do curso técnico em
informática com 800 horas/aula e o curso técnico em gestão de bens e serviços, também com 800 horas/aula,
divididos em módulos que variam entre 40 a 150 horas aula.

- O objetivo principal, ou seja, a raíz do programa é a possibilidade de o adolescente se submeter ao regime


de trabalho educativo, mas ao término de um período neste contrato, poder receber uma certificação de um
curso, ou de um módulo de um curso que será fornecida mediante a comprovação da freqüência e
aproveitamento mínimos, depositada junto à Secretaria de Educação.

7) - Quanto ao modo de seu desenvolvimento: Predominará a exigência pedagógica. O desenvolvimento de


aptidões e habilidades e competências que tem real valor no mundo educacional e para o mundo do trabalho,
o que dá a tônica da prevalência da aprendizagem sobre o aspecto produtivo, na realização das atividades.
Para o melhor desenvolvimento do programa a instituição social deverá selecionar escolas, ou instituições
que realizem, ou promova ela própria, um módulo de qualquer dos cursos de educação profissional de nível
médio, o qual deverá ser custeado pelo empregador, que ali matriculará o adolescente em regime de trabalho
educativo, sendo exigido o cumprimento de no mínimo 200 horas de formação, para cada ano de trabalho em
regime especial, junto ao empregador ou órgão público.

Assim, o programa visa que o adolescente, sob a tutela de uma entidade de assistência social governamental
ou de uma ONG, estará submetido a alguma atividade profissionalizante, realizando uma etapa de sua
formação pedagógica. Na verdade o programa de trabalho educativo está a pressupor que o adolescente
freqüente seu curso regular de formação de 1º ou 2º grau, ou supletivo, e ainda, complemente sua formação,
por meio da realização de um módulo de um curso técnico-profissional, com possibilidade de receber
certificação e com validade a nível nacional.

8) - Da jornada de trabalho e da carga horária de formação:

A carga horária mínima de formação será de 200 horas aula, para a complementação de um ou mais módulos
de curso de educação profissional, de nível médio, para cada ano em regime de trabalho educativo, em cada
empresa, ou órgão público.

A carga horária máxima da jornada de trabalho em regime de trabalho educativo será de oito horas diárias, de
segunda a sexta-feira e, quatro horas ao sábado. A carga horária de formação estará sempre incluída na
jornada de trabalho.

O limite de 200 horas aula é um límite mínimo, para um ano de atividade. Considerado que o empregado em
regime de trabalho educativo poderá ser exigido pelo empregador em até 44 horas semanais, o que totaliza
220 horas mensais, e 2640 horas anuais de trabalho, com remuneração reduzida; nada mais justo que o
empregador lhe forneça dentro dessa jornada, pelo menos 200 horas aula, ao ano. Trata-se de menos do que
10% da jornada de trabalho produtiva.

Este é um aspecto crucial do programa. Veja-se é imprescindível que o adolescente esteja freqüentando ou
esteja matriculado no 1º ou 2º graus, ou quando menos esteja matriculado em curso supletivo. Donde ser
inegável que pelo menos em quatro horas por dia, seja de manhã, seja de tarde, seja à noite, estará
estudando no ensino regular. Esta exigência está na Constituição (art.227,§3º, III), na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (art.40) no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 63 do ECA) e já estava na CLT, desde
1.943, no artigo 403, "a", da CLT). Outrossim, o programa prescreve que o educando realize um formação de
pelo menos um ou mais módulos de educação profissional, o que lhe exige o comparecimento a aulas
teóricas. Assim, resta um único período para o trabalho produtivo.

Logo, ou se delimita o trabalho educativo a apenas quatro horas, ou seis horas diárias, ou se permite o regime
de oito horas, mas desde que, a carga horária de formação teórica, seja nela embutida. Ainda, assim, haverá o
adolescente que realizar o seu curso regular à noite, porque de resto não sobrará horário para trabalhar, e
realizar formação educacional.

9) - Direitos do trabalhador adolescente: Serão garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários,


como determinam os arts. 7º e 227, da CF/88, salvo quanto ao piso salarial das categorias ou vencimentos
básicos das carreiras nos órgãos públicos, como meio de compensar o empregador e o órgão público pela
participação efetiva na formação.

Será indispensável o acompanhamento, na entidade social, de uma pedagoga, com a finalidade de verificar se
o módulo ou módulos de formação profissional foram devidamente anotados na CTPS do adolescente e se
são passíveis de certificação para fins de aproveitamento na continuidade da educação profissional a nível de
curso técnico.

Em nenhuma hipótese, poderá ser dado por cumprido o programa, em caso de o empregador custear o
ensino básico - 1º ou 2º Graus, eis que a freqüência obrigatória destes é condição para a validade do
programa, e o trabalho educativo com formação somente se realiza a nível de educação profissional.

O módulo ou módulos de curso profissionalizante a serem cursados e objeto de certificação, serão


preferencialmente, correlatos a atividade desenvolvida na empresa ou no órgão público.

Observadas as exigências do art. 63 do ECA, a formação ténico-profissional obedecerá aos seguintes


princípios:

- garantia de acesso e freqüência obrigatória do ensino regular, (aqui, acresce-se a possibilidade de o


adolescente estar matriculado no ensino supletivo, porque esta alteração veio com a nova LDB);
- atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;

horário especial para o exercício das atividades

10) - Da remuneração do adolescente pelo contrato de trabalho em regime de trabalho educativo:

O adolescente receberá valor não inferior ao salário-mínimo para jornada de oito horas, podendo ser
proporcional ao número de horas reduzidas, a título de bolsa aprendizagem.

O empregador, e o órgão público, não obedecerão os pisos da categorias, ou os salários de início das
carreiras, em contrapartida a oferta de formação profissional.

Poderão ainda, ter prioridade no patrocínio dos módulos de formação pelo acesso aos Projetos do PLANFOR,
que se utiliza dos recursos do FAT.

11) -Das responsabilidades:

As empresas privadas se responsabilizarão pela anotação em CTPS e pagamento de todos os encargos


sociais e trabalhistas.

Para o caso de o programa ser desenvolvido em órgãos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional a anotação em CTPS será feita pela entidade social, que repassará todos os encargos sociais e
trabalhistas.

Como se trata de uma modalidade de contrato de trabalho a prazo certo, terminando com a idade de 18 anos,
não há que se falar em aviso prévio, nem multa do FGTS.

Outrossim, como os empresários estarão substituindo o poder público no fornecimento de um ou mais


módulos de formação, de educação especial e de nível médio, do trabalhador adolescente é justo que se
compense no pagamento de FGTS e INSS. Assim, a proposta contém o dever de o empresário depositar o
FGTS e INSS do trabalhador adolescente, podendo-se compensar junto a estes órgãos, mediante a
comprovação do custo dos módulos de ensino profissionalizante que adquir ou custear.

Prevê, também a possibilidade de o empregador custear os módulos de ensino por meio de recursos do
PLANFOR, programa que emprega recursos do FAT.

12) - Do desvirtuamento:

Em sendo desvirtuado o regime de formação ou a natureza do contrato em regime especial de trabalho


educativo, ficará caracterizado o contrato de trabalho da CLT, responsabilizando-se os contratantes,
solidariamente, pelo pagamento das diferenças entre o valor pago a título de bolsa aprendizagem e o de piso
salarial da categoria, no mercado de trabalho e, demais consectários sonegados, além de se obrigarem a
fornecer, gratuitamente, o curso técnico não realizado.

13) - Da fiscalização:

O regime de trabalho educativo será fiscalizado pela Fiscalização do Trabalho e do INSS, sem prejuízo de
denúncia da fiscalização das entidades sociais na forma estabelecida no art. 90 e 95 do ECA, pelo Ministério
Público do Trabalho.

A certificação dos módulos dos cursos de educação profissional, de nível médio, cursados pelo adolescente
em regime de trabalho educativo será fornecida pelas Secretarias de Estado de Educação, que verificará a
observância dos requisitos de carga horária de formação teórica e carga horária de formação técnica, currículo
mínimo; nível dos docentes; freqüência e aproveitamento do educando, equivalência com cursos de nível
médio já aprovados pelas diretrizes curriculares nacionais, a fim de que possam ter validade nacional, como
determina a LDB e legislação suplementar.

Sob o ponto de vista dos recursos necessários a sua implementação o governo já dispõe de um Programa
Nacional, que utiliza os recursos do FAT, destinado para o desenvolvimento da formação necessária para o
trabalho, que é o PLANFOR, Plano Nacional de Desenvolvimento e Formação para o Trabalho. Assim, os
módulos dos cursos profissionalizantes patrocinados pela iniciativa privada, ou seja, pelos empregadores eis
que de seu interesse a formação em determinadas e específicas áreas poderão ser realizados em parceria
com os programas desenvolvidos pela Secretaria do Trabalho com os recursos do FAT.

Programa de Trabalho Educativo


Proposta de Alteração Legislativa - ECA
Proposta de Alteração imediata do ECA, para adequar-se a alteração da idade mínima para o trabalho
introduzida no art. 7º, inciso XXXIII, pela EC nº 20/98; à Constituição vigente quanto às normas de direito do
trabalho, de assistência social, de previdência social e de educação do adolescente; à recente Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96 e à legislação da Consolidação das Leis do Trabalho e
esparsa no que diz com o Direito do Trabalho.

O Projeto de Lei teria uma finalidade mais abrangente qual seja a de propor alteração, atualização e
adequação do Capítulo V, Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho do ECA - Estatuto da
Criaça e do Adolescente, Lei 8069/90.

art. 60 - Sugere-se que se repita o disposto na Constituição Federal:

art. 7º, inciso XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de quatorze anos;

art. 61 - A proteção ao trabalho do adolescente é regulada pelo Direito do Trabalho e legislação especial, e o
direito à profissionalização será assegurado segundo as diretrizes e bases da legislação em vigor, sem
prejuízo do disposto nesta lei

art. 62 - Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases


da legislação em vigor.

Parágrafo primeiro - Entende-se por aprendizagem aquela realizada na forma de contrato especial de trabalho
para o menor aprendiz, regulamentada pela CLT e legislação complementar e o contrato em regime especial
de trabalho educativo, com formação profissional, regulamentado por esta lei.

Parágrafo segundo - Considera-se contrato de trabalho especial de menor aprendiz o destinado a


aprendizagem metódica de um ofício, previsto no artigos 80 e 429 a 433 da CLT, destinado a faixa etária entre
14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos, e regulado pela legislação do trabalho e especial, compreendendo uma
parte de formação a título de aprendizagem teórica a cargo das instituições de ensino especializadas e
reconhecidas e uma parte prática a ser realizada no local de trabalho.

Parágrafo terceiro - O contrato de trabalho de menor aprendiz será sempre devidamente registrado na CTPS
do adolescente, pelo empregador ou tomador dos serviços e assegurará ao adolescente aprendiz, os direitos
trabalhistas e previdenciários especificados na legislação própria.

Parágrafo quarto - A parte de aprendizagem teórica do contrato de trabalho de menor aprendiz de um ofício
poderá ser ministrada, além do SENAC e SENAI (CLT, arts. 80, 429 a 433, Decreto 31546/52, Portarias do
MTb 43/53 e 1055/64) pelas Autarquias em regime especial de outros ramos do setor econômico, como
SESC, SESI, SENAR e também por qualquer estabelecimento de ensino médio oficial, escolas técnicas
oficiais ou instituições especializadas em educação profissional, devidamente reconhecidas pelo MEC, desde
que seja observado quanto ao mais, toda a legislação e regulamentação pertinente ao contrato de menor
aprendiz de um ofício.

Parágrafo quinto - O Ministério do Trabalho, ouvido o Ministério da Educação e os estabelecimento oficiais, ou


reconhecidos e as representações sindicais patronais e profissionais atualizará em 60 (sessenta) dias, e após,
periodicamente, ou pelo menos uma vez ao ano, as Portarias que especificam os ofícios destinados ao
contrato de trabalho especial do menor aprendiz.

Parágrafo sexto - O SENAC o SENAI e as demais autarquias especiais que passam a ser autorizadas a
realizar o programa do menor aprendiz, destinarão nunca menos do que 25% do orçamento de suas entidades
em programas de profissionalização que atenderão gratuitamente adolescentes de baixa renda. E, destinarão
nunca menos de 25% de seu orçamento em programas de profissionalização para trabalhadores em geral, de
baixa renda, aí considerada a família com renda até de cinco salários mínimos, ou menos.

art. 63 - (Permanece, com pequena alteração)

A formação técnico-profissional obedecerá aos seguintes princípios:

I - garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular de 1º, ou 2º Graus, ou matrícula em Curso de
Ensino Supletivo.
II - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;

III - horário especial para o exercício de atividades.

art. 64 - Ao adolescente é assegurada bolsa aprendizagem quando em regime de aprendizagem sob contrato
especial de trabalho educativo, desde que haja a inserção do adolescente no mercado de trabalho de
empresas ou órgãos públicos, com todos os requisitos exigidos pelo artigo próprio.

Parágrafo primeiro - A bolsa aprendizagem será equivalente a um salário-mínimo para uma jornada de oito
horas, podendo ser reduzida proporcionalmente as horas trabalhadas, não podendo ser paga em valor inferior
a meio salário-mínimo.

Parágrafo segundo - A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na
venda dos produtos de trabalho educativo realizado, sem a inserção do adolescente no mercado de trabalho,
não desfigura o caráter educativo.

art. 65 - Ao adolescente, aprendiz, em regime de contrato de trabalho de menor aprendiz, ou em regime de


contrato de trabalho educativo com inserção no mercado de trabalho serão asseguradosos direitos trabalhistas
e previdenciários, exceto quanto ao salário que será remunerado na forma da CLT, para os primeiros e para
os últimos na forma de bolsa aprendizagem

art. 66 - permanece (proteção do adolescente portador deficiência)

art.67 - permanece (proibições trabalho noturno, insalubre, perigoso, penoso, prejudicial à formação e
realizado em horários incompatíveis com a freqüência a ensino regular, etc..)

art. 69 - permanece - "O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os
seguintes aspectos dentre outros:

I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.

art. 68 - O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade
governamental ou não-governamental, sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele
participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.

Parágrafo primeiro - Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas
relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.

Parágrafo segundo - O programa de trabalho educativo atenderá, prioritariamente, aos adolescentes


assistidos, carentes, com baixa escolarização, oriundos de família com renda abaixo de cinco salários
mínimos e que não tenham podido efetuar os estudos na idade regular e priorizará o reforço escolar capaz de
capacitar o estudante a frequentar cursos regulares do ensino fundamental, médio ou supletivo, incluirá
sempre uma parte de formação teórica e outra de formação prática, e será realizado em duas modalidades. A
baixa escolarização em relação a idade do adolescente não impede, contudo, sua participação em nenhum
dos programas aqui estabelecidos.

Parágrafo terceiro - Nenhum adolescente poderá ser aceito em programa de trabalho educativo sem que
comprove estar matriculado ou cursando o ensino fundamental, o ensino médio, ou curso supletivo. É da
responsabilidade da instituição social o controle da freqüência e aproveitamento da criança e do adolescente
no curso regular de ensino básico, médio, ou supletivo, devendo remeter mensal, ou semestralmente
documentos que comprovem esse acompanhamento ao empregador ou órgão público. Em caso de
inadimplemento dessa condição deverá o empregador ou órgão público denunciar o programa, sob justa
causa, comunicando os órgãos de fiscalização para as providências cabíveis.

art. 70 - A modalidade de trabalho educativo a ser realizada sem inserção do adolescente no mercado de
trabalho (empresas, associações, órgãos públicos) ou seja, exclusivamente, no âmbito da entidade
governamental ou não-governamental, é destinada aos adolescentes de até 18 (dezoito) anos, que não
possua o 1º Grau Completo e tem como finalidade essencial complementar os objetivos, finalidades e
conteúdos de formação previstos na LDB para a educação básica, que é composta pelo ensino fundamental e
ensino médio.

Parágrafo primeiro - A modalidade de trabalho educativo a ser realizada, sem inserção no mercado de
trabalho, terá por finalidade precípua o reforço escolar a fim de permitir a conclusão do ensino de primeiro
grau, segundo grau ou supletivo, em regime de no máximo quatro horas diárias, em horário de contra-turno
escolar.

Parágrafo segundo - É facultado a entidade social, matricular, as suas expensas ou mediante subsidíos
obtidos em parceria com a sociedade, ONGs, os adolescentes em regime de trabalho educativo, em escolas,
instituições sociais ou especializadas que possam facilitar ou promover a conclusão de sua educação básica,
em complementariedade, e sem prejuízo de sua freqüência regular dos cursos de 1º e 2º Graus, conforme o
caso.

Parágrafo terceiro - Quando a instituição social preferir realizar uma pré-profissionalização, observará, sempre
que possível, a iniciação em profissões que possam ser absorvidas pelo mercado de trabalho local, além de
um conteúdo teórico-formativo correspondente a um mínimo de uma hora diária e um conteúdo prático de no
máximo três horas diárias de atividade que será implementada preferencialmente em oficinas/laboratórios das
próprias entidades governamentais ou não-governamentais, vedada a inserção no mercado de trabalho.

Parágrafo quarto - A remuneração que o adolescente receba da entidade assistencial pela atividade exercida
ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo. Só será devida
bolsa aprendizagem se houve realização de atividade produtiva, ou desde que o produto do trabalho do
adolescente possa ser vendido dentro das exigências de qualidade e competividade, numa relação custo
benefício.

Parágrafo quinto - O produto da comercialização da venda dos bens resultantes do trabalho do adolescente
somente poderá reverter para benefício da saúde, nutrição, vestuário, transporte e educação do educando ou
para aquisição de insumos para o programa de trabalho educativo.

Parágrafo sexto - A entidade assistencial em regime de trabalho educativo que transforme sua
oficina/laboratório em processo produtivo, sem o pagamento de bolsa aprendizagem ou descumpra quaisquer
dos requisitos desta lei, será equiparada ao empregador do art. 3º da CLT, devendo ser multada pelos órgãos
competentes e responsabilizada pela anotação da CTPS, fazendo jus o adolescente a todos os consectários
decorrentes, como se contrato de trabalho tivesse havido.

Parágrafo sétimo - É vedada a inserção do adolescente com menos de 18 anos, em regime de trabalho
educativo, no mercado de trabalho, ainda que assistido por entidade governamental ou não-governamental,
acaso não comprovada a possibilidade de certificação de um módulo de formação em educação profissional
de nível técnico

Artigo 71 - Fica instituída a modalidade de contrato de trabalho em regime especial de trabalho educativo, com
formação profissional, a ser devidamente registrado na Carteira de Trabalho e destinada preferencialmente a
adolescentes na faixa etária de 14(quatorze) a 18(dezoito) anos, que já tenham concluído o Primeiro Grau, a
qual tem como finalidade o atendimento de menores oriundos de família de baixa renda, com baixa
escolaridade e profissionalização; qualificar para o primeiro emprego e, complementar a formação básica e
profissional do adolescente.

I - Toda entidade que desenvolva o trabalho educativo nos moldes deste artigo deverá possuir uma Pedagoga
responsável pelo acompanhamento do adolescente, cabendo-lhe providenciar para que o módulo de formação
educacional tenha correlação com a oferta de emprego na empresa privada ou no órgão público e seja
passível de certificação a nível nacional para a formação educacional de nível técnico.

II - Caberá a Pedagoga reduzir a jornada de trabalho do adolescente, comunicando a empresa ou órgão


público, caso comprove que este está prejudicando seu rendimento escolar, e a freqüência e aproveitamento
no ensino básico regular ou supletivo.

Parágrafo primeiro - A parte teórica da formação complementar do adolescente em regime de trabalho


educativo, inseridos no mercado de trabalho, seja nas empresas privadas ou órgãos públicos, consiste no
oferecimento de um ou mais módulos de curso de formação, de nível médio, ou pós-médio, destinados a
educação profissional tal como regulada nos artigo 39 a 42 da LDB, Lei 9394/96, completando, no mínimo,
200 horas/aula para cada ano de trabalho prestado em regime de trabalho educativo, com jornada de oito
horas diárias.

I - Caso o empregador ou órgão público contratante adote para o adolescente a jornada de 4 horas, deverá
cumprir o mínimo de 100 horas/aula, para cada ano de trabalho.

II - Deverá ser cumprida uma carga horária mínima de 50 horas/aula por semestre letivo, para o adolescente
em jornada de oito horas diárias, e mínima de 25 horas/aula por semestre, para a jornada de quatro horas
diárias.
Parágrafo segundo - Somente poderá empregar em regime de trabalho educativo a empresa/órgão público
que possa anotar, no momento do registro em CTPS, qual o módulo, ou módulos de educação profissional
proporcionará no período em que pretende contratar o adolescente.

Parágrafo terceiro - Somente terá validade para o regime de trabalho educativo o módulo do curso de
educação profissional de nível técnico que já tenha sido aprovado pelas Secretarias Estaduais de Educação,
que determinarão quais as exigências para que o conhecimento adquirido na formação (carga horária,
currículo específica, nível dos docentes, objetivos, freqüência mínima e aproveitamento) possa ser avaliado,
reconhecido e certificado como competência específica de módulo de curso de ensino médio, na forma do
arts. 39 a 42 da LDB e legislação suplementar. Em qualquer hipótese o módulo a que se refere este
dispositivo deve ser passível de certificação para fins de prosseguimento ou conclusão de estudos até a
obtenção de diplomas de cursos de formação profissional com validade nacional.

Parágrafo quarto - Ao empregador privado cabe o dever de assinar a CTPS no regime de trabalho educativo,
pagando ao adolescente todos os encargos sociais e previdenciários cabíveis, proporcionais a jornada
trabalhada.

Parágrafo quinto - O salário devido ao adolescente em regime de trabalho educativo, com formação
educacional não será nunca inferior ao salário - mínimo, para a jornada de oito horas diárias e 44 horas
semanais, podendo ser reduzido, proporcionalmente para a jornada de 4 horas diárias e 24 horas semanais.
Não será devido o piso salarial da categoria, nem os vencimentos iniciais do funcionário de menor nível, no
âmbito do serviço público.

Parágrafo sexto - Todos os encargos sociais trabalhistas e previdenciários do trabalhador adolescente em


regime de trabalho educativo, são de responsabilidade do emrpegador privado. É facultado, porém, a este a
compensação dos valores despendidos a título de depósitos do FGTS e dos recolhimentos do INSS. Tal
compensação far-se-á, mediante a comprovação, perante os órgãos arrecadadores, dos depósitos nas contas
individuais, acrescida da devida comprovação das despesas tidas com o custeio dos módulos de cursos
educação profissional realizados, na forma da presente lei.

I - Compete aos órgãos arrecadadores do FGTS e da Previdência expedir a regulamentação cabível para a
realização dessa compensação.

II - A compensação será devida, mesmo que o empregador obtenha a realização do(s) módulo(s) de ensino
profissionalizante, por meio do PLANFOR, ocasião em que, a comprovação far-se-á mediante os mesmos
documentos acima, além do certificado de conclusão do módulo.

Parágrafo sétimo - Aos órgãos da administração direta, autárquica e fundacional que empreguem em regime
de trabalho educativo, caberá exigir que a instituição social faça a anotação em CTPS e mediante convênio
repasse os recursos necessários ao pagamento de todos os encargos sociais e previdenciários. Cabe, porém,
ao órgão público, fiscalizar, mediante o recebimento mensal de cópia de todos documentos respectivos, o
pagamento dos direitos do adolescente e do recolhimento dos encargos previdenciários e trabalhistas, e na
omissão, será responsabilizado solidariamente, pelos mesmos. A compensação admitida para os
empregadores privados não se estende aos órgãos públicos, porque do estado, enquanto poder público, a
responsabilidade pela educação.

Parágrafo oitavo - A jornada de trabalho do adolescente em regime de trabalho educativo será de até oito
horas diárias de segunda a sexta feiras e quatro horas aos sábados, de modo a não prejudicar, a formação no
ensino regular (1º, 2º Grau, ou supletivo). Em nenhuma hipótese poderá o empregador deduzir da
remuneração as horas/aula do período de formação educacional. Em nenhuma hipótese poderá ser exigida
qualquer prorrogação de jornada, ou suplementação de jornada.

Parágrafo nono - As hora/aula correspondentes ao(s) módulo(s) do curso de ensino de nível técnico, serão em
qualquer hipótese, desenvolvidas às expensas do empregador ou do órgão público, durante o período de
trabalho, no local indicado por este e recomendado pela entidade social.

I - Em nenhuma hipótese será admitida a freqüência em curso regular de ensino de 1º Grau, 2ºGrau ou
Supletivo, como equivalente ao(s) módulo(s) exigidos de serem oferecidos e custeados pelo empregador ou
órgão público, porque a freqüência a estes é condição para que o adolescente seja aceito no programa de
trabalho educativo, com educação profissional.

Parágrafo décimo - O adolescente gozará férias, de 30 dias ao ano, no mesmo período de férias escolares,
sendo vedada a realização da parte teórica de formação, nesse interregno. As faltas injustificadas e não
abonadas pela entidade social, serão deduzidas a razão de 1/30 avos da remuneração.
I - Terá, obrigatoriamente, direito a vale transporte e fará jus a auxílio alimentação e planos de saúde e
odontológico quando houver para os empregados do estabelecimento.

Parágrafo décimo primeiro- O adolescente que for dispensado antes de iniciado ou concluído o período de
formação anotado em sua CTPS, após ter trabalhado, no mínimo, três meses, terá o direito de fazê-lo,
gratuitamente, às expensas do empregador/órgão público, nos dois anos subseqüentes a dispensa, ou ser
indenizado pelo equivalente, sem prejuízo de outros direitos eventualmente sonegados.

Parágrafo décimo segundo - Os módulos dos cursos de educação profissional destinado ao programa de
trabalho educativo, poderão ser custeados, com recursos advindos do PLANFOR - Programa Nacional de
Formação e Desenvolvimento Profissional administrado pelas Secretarias do Trabalho com recursos do FAT,
desde que o empregador privado contribua para o FGTS e possua mais de dez empregados adultos
registrados.

Parágrafo décimo terceiro - Em nenhuma hipótese o empregador poderá registrar o contrato de trabalho
educativo em CTPS se o curso profissionalizante que promover não tiver recebido, previamente,
reconhecimento para fins de certificação, pelo órgão competente do MEC ou Secretarias de Educação, os
efeitos previstos no art. 41 da LDB, Lei 9394/96. Caberá ao órgão gestor do PLANFOR exigir a comprovação
deste requisito antes de disponibilizar os recursos respectivos.

Parágrafo décimo quarto - Cada empregador poderá manter em regime de trabalho educativo, adolescentes,
até o limite de 10% do total de empregados adultos registrados na empresa. Nenhum setor da empresa
poderá ser mantido com 50% de adolescentes, ou mais.

Parágrafo décimo quinto - O empregador, registrará como empregado, o adolescente que tiver permanecido
por mais de dois anos na empresa, ao completar 18 anos, em caso de vacância de até 10% dos cargos não
extintos.

I - Em caso de adoção do regime de trabalho educativo, com formação educacional, por órgão da
administração pública direta, autárquica e fundacional, esta, ficará obrigada, ao final do contrato, quando o
adolescente atingir 18 anos, inscrevê-lo, gratuitamente, em concurso público que for aberto dentro dos dois
anos subseqüentes, em carreira compatível, ou para a qual tenha a habilitação exigida por lei.

Parágrafo décimo sexto - A duração do programa variará conforme a idade do adolescente, extinguindo-se ao
completar 18 anos.

I - Extingue-se o contrato:

a) - quando o adolescente completar 18 anos;

b )- quando o adolescente receber mais de três advertências por escrito, com ciência a entidade gestora;

c) - faltar injustificadamente e de forma contumaz;

d)- por desempenho escolar insatisfatório, por abandono do programa ou da escola; por incompatibilidade com
a atividade desempenhada na contratante;

e) - por pedido de desligamento do adolescente, devidamente assistido por seu representante legal

f) - por descumprimento pelas partes responsáveis das obrigações constantes do programa;

g) - por descumprimento do contratante do pedido de redução da jornada de trabalho em prejuízo a formação


do educando, formulada pela Pedagoga da entidade gestora.

Parágrafo décimo sétimo - Caberá a instituição social ou entidade gestora manter em seu poder, para fins de
apresentação a fiscalização:

I - declaração de matrícula, emitida a cada semestre ou ano letivo, do curso regular (1º, 2º ou Supletivo),
frequentado pelo adolescente, contendo nome, endereço e registro da escola, grau, curso, período, horário de
aulas.

II - cópia da freqüência mensal do adolescente no curso regular de educação básica.

III - cópia da freqüência do módulo, ou módulos de formação educacional em nível técnico;

IV- certidão da Secretaria de Educação de que o módulo é passível de certificação para fins de formação
educacional em nível técnico;

V- cópia do boletim escolar ou declaração de frequência e aproveitamento.

VI - cópia mensal da frequência e do aproveitamento, no módulo de formação educacional;

VII - descrição das atribuições, setor e horário de permanência do adolescente no estabelecimento


conveniado.

VIII - cópias de todos os comprovantes de remuneração na forma da lei, em especial do salário, FGTS, INSS,
férias, 13º salários, e cópia da CTPS onde está anotado o contrato especial de trabalho educativo com
formação profissional e os respectivos módulos de formação.

art. 71 - O PLANFOR - Programa Nacional de Formação e Desenvolvimento Profissional destinará um


percentual, não inferior a 20% de seus recursos para financiar os programas de trabalho educativo e do menor
aprendiz de um ofício, regulamentados pela presente lei.

art. 72 - Os requisitos e condições previstos na presente lei em relação às entidades assistenciais, empresas,
autarquias, entidades educacionais serão objeto de fiscalização pela fiscalização do trabalho, da previdência e
demais órgãos competentes, que em encontrando qualquer irregularidade denunciarão os fatos aos ramos do
Ministério Público do Trabalho, inclusive para os fins a que alude o art. 95 c/c art. 90 do ECA.

art. 73 - O desvirtuamento do programa de trabalho educativo, pelo empregador, pelos agentes dos órgãos
públicos ou das entidades sociais, implicará na caracterização de contrato de trabalho sob o integral regime da
CLT. Os infratores serão responsabilizados solidariamente pelos encargos sociais previdenciários e
trabalhistas devidos ao adolescente, ou aos órgãos arrecadadores, sem prejuízo das multas e demais
sanções cabíveis.

art. 74 - Os recursos obtidos do PLANFOR e não destinados a finalidade do pagamento dos módulos de
ensino de curso profissionalizante, devidamente reconhecidos, serão devolvidos aos cofres públicos, com
juros e correção monetária.

Bibliografia:

1 - A parte I e II do presente trabalho é um resumo dos capítulos 1 e 2 da obra "OS DIREITOS


FUNDAMENTAIS’ de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Editora Saraiva, 1995, pg. 1 a 37.

2- ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK, "CURSO DE DIREITO DO TRABALHO" , Editora Forense,


12ª edição, 1991, pg. 11, 32/33.

3- DÉLIO MARANHÃO e LUIZ INÁCIO B.CARVALHO, "DIREITO DO TRABALHO", Editora FGV -Fundação
Getúlio Vargas, 17ª edição,1993, pág.7, 8, 16.

4- AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "INICIAÇÃO AO DIREITO DO TRABALHO", Editora LTR 13ª edição,
1988, pág.40/42

5 - Revistas do Ministério Público do Trabalho, Editora LTR, nºs. 14, 17;

6- Relatório "Atividades do Ministério Público do Trabalho na Erradicação do Trabalho Infantil e na


Regularização do Trabalho do Adolescente - 1998/1999".

7 - ACÁCIA KUENZER - "ENSINO DE SEGUNDO GRAU - O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO",


Editora Cortez, 3ª Edição, 1997.

8- Projeto de Lei nº 469-B, de 1995, da Câmara dos Deputados que dispõe sobre o programa de trabalho
educativo e dá outras providências.

9- Declaração referente à 5ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO DE ADULTO, realizada


em julho/97, em Hamburgo, pela ONU - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a
Cultura.- V CONFINTEA.

10- NASSIM GABRIEL MEHEDEFF "Educação e Trabalho: um projeto para jovens e adultos de baixa
escolaridade", Secretaria de Formação Profissional do Ministério do Trabalho, apresentado no Encontro
Preparatório à reunião dos países do Mercosul, em Curitiba, outubro/98, como Estratégia Regional de
Continuidade da V CONFINTEA.
11 - DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, do MEC - Ministério
da Educação e do Desporto.

12 - DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO


- do CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

13 - ORIS DE OLIVEIRA, TRABALHO EDUCATIVO, , LTr, 63-04/459 a 463, abril/99.

14 - LDB - LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - LEI 9394, DE 20.12.96.

15 - DECRETO FEDERAL 2208, DE 17.04.1997, que regulamenta o §2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei
9394/96; - PORTARIA nº 646 de 14.05.97, que regulamenta a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da
LDB e do Decreto 2208/97.

16 - PROEP - PROGRAMA de EXPANSÃO da EDUCAÇÃO PROFISSIONAL do MEC, Ministério da Educação


e Cultura.

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