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de Franz Kafka. Abordaremos tal análise partindo do romance moderno realista e as condições
que permitem sua realização em seu contexto de formação, e as modificações destas condições
históricas do ponto de vista da produção literária e artística no romance do século XX. Nesse
sentido, a obra de Kafka é um importante ponto para compreensão da expressão desse momento
histórico tendo em conta a relação entre a literatura e as suas condições históricas, e da
diferenciação entre o romance moderno do século XIX e o romance surgido do século XX.
Nesse sentido é importante compreender os fundamentos do romance moderno do século XIX
e as condições históricas que o permitem surgir. Também importante para analisar isso,
abordarmos a diferente interpretação de Gyorg Lukacs sobre Kafka, realismo e as vanguardas
literárias do século XX.
Citando Avant-propos à Comedie humaine, Auerbach sinaliza que Balzac interpreta sua
tarefa como uma historiografia dos costumes. Quando Balzac fala de “história dos costumes”,
contudo, há de se explicitar que não se trata da investigação científica do passado, mas do
presente, em termos da “fiction”. Se considera o presente como história e sua atividade literária
é vista por Balzac como atividade histórico-interpretativa, de natureza histórico-filosófica
(p.430).
Com Flaubert, o realismo assume sua dimensão impessoal, apartidária e objetiva
(p.432). O escritor assume o papel de ordenar o espaço e tempo da narração como se fosse um
quadro. E a narração se desenvolve sem “interferências externas” ao que lhe é apresentado na
exposição dos personagens e do espaço. O que ordena o conteúdo é o material interno na
descrição do enredo, dos personagens e do local que se passa. Se diferenciando de Balzac e
Stendhal, obras em que os escritores ainda expressavam suas posições sobre os acontecimentos
e os personagens, além dos próprios personagens expressarem seus sentimentos e percepções
(permitindo a identificação do escritor com dado personagem), Flaubert elimina isso
inteiramente, não emitindo nenhum tipo de opinião e nem leva o leitor a se identificar com a
opinião de algum personagem:
Seu papel limita-se a escolher os acontecimentos e a traduzi-los em linguagem, e isto
ocorre com a convicção de que qualquer acontecimento, e for possível exprimi-lo
limpa e integralmente, interpretaria inteiramente a si próprio e os seres humanos que
dele participassem; muito melhor e mais inteiramente do que o poderia fazer qualquer
opinião ou juízo que lhe fosse acrescentado. Sobre esta convicção, isto é, sobre a
profunda confiança na verdade da linguagem empregada com responsabilidade,
honestidade e esmero, repousa a arte de Flaubert (p.435)
Benjamin comenta sobre Kafka, levantando que sua obra é marcada por uma certa
“elipse”, cujos focos se definem de um lado pela tradição mística (a experiência da tradição) e
do outro a experiência do homem moderno da grande cidade. Essa experiência do homem
moderno é particularmente apreensível em O Processo, onde se identifica o cidadão moderno
entregue a essa teia que é o aparelho burocrático impossível de perceber quem o executa. Kafka
percebe o mundo moderno através de sua experiência mística da tradição. Benjamin cita em sua
carta a Scholem:
A obra de Kafka representa uma doença da tradição. Quis-se ocasionalmente definir
a sabedoria como aspecto narrativo da verdade. Com isso a sabedoria é assinalada
como um patrimônio da tradição; ela é a verdade em sua consistência hagádica. É esta
consistência da verdade que se perdeu. Kafka estava longe de ser o primeiro a se
defrontar com este fato. Muitos se adaptaram a ele aferrando-se à verdade ou àquilo
que caso a caso consideravam como sendo ela; de coração pesado ou também mais
leve renunciando à sua transmissibilidade. O genial propriamente dito em Kafka foi
ter experimentado algo inteiramente novo: ele renunciou à verdade para se agarrar à
transmissibilidade, ao elemento hagádico. As criações de Kafka são pela própria
natureza parábolas. A miséria e a beleza delas, porém, é que tiveram que se tornar
mais que parábolas. Elas não se deitam pura e simplesmente aos pés da doutrina, como
a Hagada aos pés da Halachá. Uma vez deitadas elas levantam contra esta,
inadvertidamente, uma pata de peso (1993, p.105)
Diferente da tradição que retira doutrinas através das parábolas (“hagada aos pés da
Halachá”), a obra de Kafka não permite extrair sentido totalizante, doutrina ou moral a partir
de seus escritos e parábolas. Elas são “pela própria natureza parábolas”. Jeanne Marie Gagnebin
cita a questão da parábola na obra de Kafka, diferenciando-a da alegoria da tradição religiosa,
pois:
enquanto as alegorias barrocas desvalorizam os sentidos mundanos em oposição à
inalterabilidade da Doutrina Sagrada, mesmo que esta seja inexprimível, as parábolas
de Kafka se desdobram numa estranha autonomia de significação sem mais reenviar
a uma doutrina preexistente (2016, p.8)
Essa nova relação após a desagregação da tradição assume uma dimensão de perda de
sentido, e aqui reside o fundamento da analogia com a Hagada e Halachá. Segundo Jeanne
Marie há um elemento essencialmente religioso, até teológico, na própria noção de sentido.
Mediante isso, a busca de sentido na obra de Kafka é algo que não se esgota. Benjamin conclui
a carta a Scholem afirmando que não se pode mais “falar em sabedoria” em Kafka. O processo
de desagregação que o mundo moderno traz em seu movimento de “tudo se desmanchar no ar”
traz à tona essa ausência de uma tradição que permitisse decifrar a parábola. A obra de Kafka
aqui não visa comunicar o leitor, pois se comunica o que está em ruínas. Por isso a dificuldade
de decifrar o texto em suas obras.
Franz Kafka é o exemplo clássico do homem que se imobiliza, num medo pânico e
cego da realidade efetiva. A sua situação excepcional na literatura de hoje deve-se a
ter sabido exprimir, de maneira direta e simples, esse sentimento em relação à vida;
procuraríamos em vão, na sua obra, os requintes formais, as técnicas amaneiradas,
através das quais outros escritores pretendem traduzir a mesma estrutura de base. É
esta própria estrutura, na sua simples imediaticidade, que determina a sua própria
maneira de escrever. Por este aspecto da sua arte, pode parecer que Kafka pertence ao
grupo dos grandes realistas(...)Kafka representa esta angústia e, por isso mesmo, a
estrutura objetiva que se lhe aparece como causa exterior e que deve justificá-la. Se
Kafka é um artista incomparável, não é de modo nenhum porque tenha descoberto
novos. meios de expressão, mas antes porque dá ao mundo objetivo, tal como o
concebe, e aos personagens que situa em face desse mundo, uma evidência
simultaneamente sugestiva e exasperante: "O que choca, diz Adorno não é tanto a
monstruosidade desse mundo mas a sua obviedade". (p.121-122)
Nesse sentido, o que fornece os verdadeiros materiais para a obra de Kafka é o “mundo
infernal do capitalismo atual”. Contudo, essa objetividade se expressa com:
uma autêntica ingenuidade, a ingenuidade do puro pressentimento, do verdadeiro não-
saber; e deste modo assume, na sua obra o valor de uma “condição humana”, que se
pretende “eterna” (...)Daqui resulta, na obra de Kafka, uma surpreendente intensidade
de efeitos imediatos, um muito mais forte poder de sugestão, que não conseguem
suprimir, porém, o aspecto alegórico do hic et nunc. Porque, mesmo os detalhes mais
excepcionalmente sugestivos, referem-se sempre a uma realidade que os transcende,
àquilo que constitui a própria essência do período imperialista, intuitivamente
pressentida e estilizada em ser intemporal. Não se trata, pois, como nos autores
realistas, de fatos centrais, de nós de bifurcação, de pontos cruciais para os conflitos
que se desenrolam no presente, mas - em última análise - de simples cifras que se
referem a um inapreensível além. Tanto mais evidente, portanto, é o seu poder
imediatamente evocador, tanto mais profundo será também o abismo, tanto mais
intensa a ruptura alegórica entre o ser e o significado. (p122).
Thomas Mann seria a contraparte a esse processo. Em sua obra, Mann sempre “mantém
os pés firmes em terra”, mesmo diante da sociedade burguesa. Coloca a perspectiva do
socialismo, mas sem permitir que sua obra dê lugar a algo próprio de outro mundo que não o a
expressão do espaço e tempo em si próprios, colocando a exata proporção entre “ser e devir”.
Na obra de Mann, “cada elemento concreto do presente move-se em direção a uma realidade
concreta, e o significado humano de cada movimento - a sua importância em função do
progresso da humanidade - sobressai sempre sem equívoco. Essa pergunta, portanto, que dá
nome ao ensaio - Franz Kafka ou Thomas Mann -, se desdobra a partir de algo que Lukacs
expõe como “uma escolha decisiva entre dois termos da alternativa presente”: escolher entre
aproximar-se da angústia ou se afastar dela. A escolha decisiva:
Deste modo, a pergunta entre Kafka e Thomas Mann se sintetiza por: Decadência
artisticamente interessante ou um realismo crítico verdadeiro como a vida (p.133)?
Carlos Nelson Coutinho, autor insuspeito responsável pelas traduções de Lukacs e sua
recepção no Brasil, que defende a abordagem de Lukacs sobre realismo crítico, sustentando sua
análise sobre as vanguardas, também constata, em introdução ao livro Realismo Crítico Hoje,
que Lukacs teria sido injusto com Proust e Kafka por “excessivo rigor”, que não poderiam ser
confundidos com a massa geral de autores oriundos da vanguarda (p.10). Na concepção de
Coutinho, não é a Kafka, mas a James Joyce que deveria ser incumbida a caracterização do
mais típico representante do antiirealismo moderno e do anti-humanismo. Para Coutinho as
análises de Lukacs sobre Joyce são testemunho não apenas da radical oposição entre Joyce e o
realismo crítico, mas também entre Joyce e Kafka e Proust. O próprio Lukacs escreveria carta
a Coutinho se convencendo de que é aconselhável diferenciar Kafka da literatura posterior, e
que seu estudo em Realismo Crítico Hoje não vai suficientemente longe, assim como aponta
também a distinção existente entre Malloy e O Processo de Kafka no que tange o incógnito
absoluto do homem particular.
Coutinho identifica um “humanismo vigoroso” presente em Kafka que se contrapõe ao
“niilismo alegórico e absurdismo impotente da vanguarda”. Coutinho concebe que nas
“melhores produções de Kafka, que romperiam “essencialmente” com a vanguarda, Kafka se
utiliza de uma forma literária mais próxima da novela do que do romance. Na novela se verifica
a representação da irrupção de um fato excepcional na vida de indivíduo, que explicita um
conflito particular elevado à tipicidade. A totalidade permanece no horizonte, não como no
Romance, mas se figura por meio da reflexão desta em um conflito específico. Coutinho
identifica isso, “de modo claro” em A Metamorfose e em “certo sentido”, em O Processo:
Na primeira, a absorção de técnicas fantásticas não deve ser confundida com o anti-
realismo; trata-se, antes, de uma continuação da herança do realismo crítico fantástico
de Hoffmann e de Gogol, ou seja, da intensificação dos processos reais para melhor
romper com a crosta da alienação fenomênica e penetrar na essência dos
comportamentos reais. No segundo, através da irrupção de um fato excepcional, mas
de uma excepcionalidade que é também a intensificação de possibilidades reais.,
Kafka desmistifica e critica a falsa ideologia da "segurança" sobre a qual se apoia, em
grande parte, a manipulação burguesa das consciências e sua conservação na
alienação; e denuncia igualmente, com uma universalidade estética elevada, as formas
da alienação capitalista consubstanciadas na organização tecnoburocrática da
sociedade.(p.14-15)
Coutinho concorda com a indicação de Thomas Mann, da parte de Lukacs, como modelo
de literatura realista, mas identifica o equívoco de Lukacs, pois a obra de Kafka “não pode ser
confundida com. a vanguarda anti-humanista, que capitula diante das alienações ao convertê-
las em fetiches imutáveis”, cujas melhores obras residem “onde ele rompe com a alegorização
vanguardista em favor de um realismo sui generis”(p.16).
Há uma visão profética do futuro na observação do resíduo dos sistemas em Kafka, por
isso Kafka “desmascara o monopolismo nos refugos da era liberal liquidada pelos
monopólios” (p.253). Kafka eterniza o instante histórico e por isso evita essa dimensão
histórica:
o instante, o absolutamente transitório, é uma parábola da eternidade do perecimento,
da danação (...). Em meio a relações sociais aparentemente estáticas, muitas vezes
artesanais ou agrárias, características de uma economia mercantil simples, o histórico
é apresentado por Kafka como algo condenado, da mesma maneira como essas
relações também estão condenadas. (p.254)
Do mesmo modo procede a analogia da salvação. Adorno concebe a obra de Kafka como
uma teologia inversa. A oposição entre sombras e luz se mantém. Contudo, o papel do mundo
terreno enquanto vazio de sentido não se dá em termos de conceber uma ideia de salvação. Essa
dimensão de salvação é o que permite observar o inferno do mundo terreno, da “alienação
absoluta”. É a fonte da luz que permite apresentar as feridas do mundo, que evidencia o vazio
de sentido do mundo terreno e o concebo como o Inferno. Essas interpretações de Adorno
remetem ao elemento do negativo. Não se trata da salvação positiva, mas o bloqueio das
tendências emancipatórias se realizarem positivamente:
Segundo o testemunho da obra de Kafka, toda positividade, toda contribuição, poder-
se-ia mesmo dizer que todo o trabalho que reproduz a vida apenas promove o
intrincamento. “Fazer o negativo é o nosso dever: o positivo já nos foi dado”. O único
remédio contra a quase inutilidade da vida que não vive é a inutilidade plena (p.269)
Nesse sentido, Adorno aponta a alegoria de revolução na obra de Kafka, de uma criança
com uma espingarda em um manuscrito de 1917. Os resíduos da história, o elemento do
antiquado, são o estigma do presente (p.254), mas apresentados às crianças, estas lidam com
ela como se fosse a história enquanto tal, “a esperança de que ainda pode se haver história”.
A partir disso, se estabelece esse sentimento de alguém em perigo que se alegra não por ser
salvo, pois a salvação não ocorrerá, mas porque os jovens virão, com esperança, assumindo
uma luta com ignorância do que lhes espera.
Referências Bibliográficas
___________. Anotações sobre Kafka. In: Prismas: Crítica Cultural e Sociedade. Tradução de
Augustin Wernet e Jorge Mattos Britos de Almeida. São Paulo: Ática, 1998.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 8ª ed, 2014.
____________. Carta a Gerschom Scholem, 12.6.1938, Paris (sobre F.Kafka). In: Novos
Estudos CEBRAP (São Paulo) nº35, março,1993. Tradução do alemão e nota de Modesto
Carone.
COUTINHO, Carlos Nelson. Introdução. In: Realismo Crítico Hoje: LUKACS, Gyorg.
Brasília: Coordenada Editora de Brasília, 1969.
WATT, Ian. A ascensão do Romance. Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo:
Ed. Cia das Letras, 2010.