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2010
RESUMO
O texto faz um diagnóstico da situação fundiária dos parques nacionais brasileiros atualmente existentes.
Argumenta que a herança cultural e política brasileira, o histórico dos órgãos que administraram os
parques nacionais e as complexidades da questão fundiária são fatores determinantes dos entraves ao
processo de regularização fundiária dessas unidades de conservação (UCs). O texto sustenta que a carên-
cia de recursos financeiros para indenizações de terras a serem desapropriadas não é o maior entrave para
a resolução da questão. Propõe-se, além disso, diversos instrumentos legais e administrativos alternativos
que podem ser acionados para regularizar ou incorporar terras aos parques nacionais e dar mais efetividade
à política de conservação da biodiversidade no Brasil. Por fim, conclui-se que a conservação da
biodiversidade vai muito além da criação de unidades de conservação de qualquer modalidade, sendo
necessário que diferentes setores do poder público e da sociedade civil invistam também em ações de
fiscalização, formação de corredores ecológicos entre UCs de proteção integral e de uso sustentável, edu-
cação ambiental e implantação de instrumentos econômicos de gestão ambiental que induzam os proprie-
tários particulares de terras a adotarem práticas compatíveis com a conservação da natureza.
PALAVRAS-CHAVE: unidades de conservação; políticas ambientais; ordenamento fundiário; ordenamento
territorial; terras públicas.
TABELA 1 – PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS CRIADOS ENTRE 1937 E 2008 (EM ORDEM
CRONOLÓGICA DE CRIAÇÃO)
NOME / LOCALIZAÇÃO CRIAÇÃO NOME / LOCALIZAÇÃO CRIAÇÃO
FONTE: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (2008), Ministério do Meio Ambiente
(2008) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (2009).
Para entender a questão fundiária dos PNs bra- importante virtude comum: elas não exigem mu-
sileiros, buscou-se neste texto analisar as seguin- danças legais, pois estão embasadas na legislação
tes dimensões passadas e atuais da política de sua vigente. Isso não ocorre nos casos de muitas ou-
criação: 1) a sua situação fundiária atual; 2) as tras propostas que circulam entre gestores, cien-
raízes históricas da questão fundiária no Brasil; e tistas e ambientalistas brasileiros.
3) a missão das diversas instituições responsáveis
As principais fontes de informações usadas
pelos PNs entre 1937 e 2008. A finalidade é apon-
foram materiais bibliográficos que tratam da le-
tar os motivos que expliquem os graves proble-
gislação de terras e do histórico dos órgãos gestores
mas fundiários vividos pelos PNs, bem como su-
e das políticas para o setor. Além disso, foi feita a
gerir alternativas para a solução da maioria das
análise das principais leis de terras que vigoraram
pendências observadas. Destaque-se que as pro-
no país, desde o período colonial. A legislação atual
postas aqui apresentadas para o equacionamento
foi obtida no sítio eletrônico da Presidência da
da questão foram selecionadas de modo a ter uma
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PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARQUES NACIONAIS DO BRASIL CRIADOS ENTRE 1937 E 2006,
SEGUNDO FASES DE CRIAÇÃO E REGIÃO
FONTE: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (2008) e Ministério do Meio Ambiente
(2008).
Esses dois planos de 1979 e 1982 são os prin- trução de Brasília, que levou à instalação de qua-
cipais precursores do atual Sistema Nacional de tro parques na região Centro-Oeste, a justificativa
Unidades de Conservação da Natureza, criado por enfatizada foi a de ofertar áreas de lazer e turismo
lei de 2000. Adotaram, entre outros, os princípios para a população a ser instalada no Distrito Fede-
da ampliação das áreas protegidas na Amazônia, ral, e não a de proteger o Bioma Cerrado. Somen-
do aumento da representatividade ecossistêmica te a partir de 1979, com os dois citados planos do
do sistema de UCs, da preferência por áreas de IBDF, houve um esforço deliberado de fazer com
grande extensão e da priorização de escolha de que a política de criação de UCs se antecipasse ao
áreas sem ocupantes. Em 1986, depois de cerca processo de ocupação de áreas mais remotas e
de sete anos de aplicação dos dois planos, o Brasil incluísse amostras grandes e em bom estado dos
tinha quase triplicado a área protegida por PNs vários biomas e ecossistemas do país
existente em 1979. (DRUMMOND, 1997).
Ressalte-se que não houve uma distribuição Essa mudança de critérios refletiu-se claramente
regional ou ecossistêmica equilibrada dos PNs bra- na criação de PNs na Amazônia. Até o início da
sileiros ao longo da sua história. Drummond (1997) década de 1970, a região não contava com um único
salienta que, por muito tempo, os critérios para PN (Tabela 1). A partir de 1974, vinte PNs foram
escolha de áreas para PNs privilegiaram a beleza instituídos na região Norte, correspondendo a cer-
cênica excepcional, a facilidade de acesso e a pos- ca de 31% dos PNs criados até 2008 (Tabela 1).
sibilidade de visitação de massa. Mesmo na se-
As mudanças nos critérios de escolha das áre-
gunda fase (1959-1961), influenciada pela cons-
as para a criação dos PNs brasileiros refletem em
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parte a evolução do próprio conceito de PNs, no Nacionais, da UICN, em 1982, houve ênfase na
Brasil e no mundo. Esse conceito vem-se alte- inserção dos PNs no desenvolvimento regional e
rando desde a criação do primeiro parque no na sua vinculação à melhoria do padrão de vida
mundo – Yellowstone –, em 1872, nos Estados das comunidades locais, sobretudo das mais ca-
Unidos da América. Inicialmente, os PNs visa- rentes. Recomendou-se o manejo dessas áreas
vam socializar o usufruto das belezas cênicas em conjunto com os seus habitantes originais
excepcionais e, ao mesmo tempo, resguardar tais (WORLD CONFERENCE ON NATIONAL
belezas dos efeitos destrutivos da sua explora- PARKS, 1984). Nessa concepção, os parques,
ção direta. Aos poucos, outros objetivos foram além de cumprirem a sua função de protetores
incorporados, entre eles a proteção de certos da biodiversidade, poderiam e deveriam contri-
animais ou plantas, a pesquisa científica e a edu- buir para viabilizar diversas atividades indutoras
cação ambiental. Os objetivos de conservação do desenvolvimento local (QUINTÃO, 1983). O
também foram ampliados, procurando-se garantir modelo de zoneamento de PN proposto pela UICN
a representatividade dos ecossistemas e das pai- propunha, entre outras, uma “Zona de Ambiente
sagens nos PNs e demais UCs nos contextos Natural com Culturas Humanas Autóctones”,
nacionais. destinada a abrigar populações primitivas ou tra-
dicionais (BRITO, 2000).
A União Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN) tentou consolidar um conceito Embora o Brasil tenha adotado muitas reco-
de PN a ser seguido por todas as nações. A cada mendações da UICN para criação e gestão de
dez anos, desde 1962, ela realiza conferências UCs e, em especial, de PNs, as recomendações
mundiais sobre PNs, nos quais os conceitos de quanto à admissão de presença humana nos par-
PN e de UCs em geral são amplamente debati- ques não foram absorvidas, embora existam ou-
dos. As recomendações da UICN influenciaram tros tipos de UCs que admitem essa presença. É
a política de UCs de muitos países, entre eles o interessante observar que o Código Florestal de
Brasil. Dentre as questões discutidas nesses e 1934 (Decreto n. 23 793, de 23 de janeiro de
em outros fóruns internacionais sobre PNs, des- 1934), base legal dos primeiros PNs, previa a
taca-se a da ocupação humana das áreas formal- possibilidade de permanência de propriedades
mente protegidas. Um dos aspectos mais polê- particulares em florestas remanescentes (entre
micos a respeito de uma área de PN (no Brasil e as quais se incluíam os PNs), desde que os pro-
em alguns outros paises, embora não em todos) prietários, herdeiros e sucessores concordassem
é a presença de população humana, o que tem com as restrições impostas e se obrigassem a
relação direta com o tema principal deste artigo. mantê-las sob o regime legal correspondente. O
Tradicionalmente, os PNs eram concebidos, so- Código Florestal de 1965 (Lei n. 4 771, de 15 de
bretudo, para proveito limitado do homem urba- setembro de 1965) e o Regulamento de Parques
no e para a conservação dos recursos para as Nacionais de 1979 (Decreto n. 84 017, de 21 de
futuras gerações, não se admitindo no seu interi- setembro de 1979), entretanto, eliminaram essa
or a presença humana permanente, nem a posse possibilidade.
particular das terras, nem a exploração dos re-
Mais tarde, durante a discussão, no Congres-
cursos naturais. Essa concepção baseava-se no
so Nacional, do Projeto de Lei que deu origem à
preceito segundo o qual os humanos seriam
Lei n. 9 985, de 18 de julho de 2000, que institui o
modificadores ou destruidores contumazes de seu
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
ambiente natural e, portanto, a conservação da
Natureza (Snuc), houve um intenso debate entre
natureza requereria a criação de áreas livres de
os ambientalistas brasileiros. Duas correntes en-
sua presença.
frentaram-se: a dos preservacionistas, que defen-
No entanto, esse conceito não é dia, entre outros pontos, o conceito tradicional de
incontroverso, nem foi adotado universalmente. PN, e a dos socioambientalistas, para quem a ad-
Em países da Europa, no Japão e no Canadá, ministração das áreas protegidas teria melhor êxi-
admitia-se e ainda se admite tanto a presença to se elas suportassem atividades humanas e ti-
humana como a propriedade particular nos par- vessem as populações primitivas ou tradicionais
ques. No III Congresso Mundial de Parques como as suas aliadas (idem).
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PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
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TABELA 3 – SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS PARQUES NACIONAIS DO BRASIL EXISTENTES EM 2000
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FONTE: Rocha (2002).
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TABELA 3 – SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS PARQUES NACIONAIS DO BRASIL EXISTENTES EM 2000 (CONTINUAÇÃO)
NOME / LOCALIZAÇÃO ANO DE ÁREA ÁREA ÁREA A DEMARCAÇÃO LEVANTAMENTO ÁREA
CRIAÇÃO TOTAL REGULARIZADA REGULARIZAR FUNDIÁRIO REGULARIZADA
(ha) (ha) (ha) (%)
28. Lagoa do Peixe (RS) 1986 34 400 4 000 30 400 SIM SIM 12
29. Fernando de Noronha (PE) 1988 11 270 11 270 0 SIM SIM 100
30. Chapada dos Guimarães (MT) 1989 33 000 4 889 28 111 SIM SIM 15
31. Grande Sertão, Veredas (MG e BA) 1989 231 668 16 800 214 868 SIM SIM 7
PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
Não existe uma relação positiva entre as datas Examinemos agora a situação pela ótica das
de criação dos PNs e as suas respectivas situa- possíveis diferenças regionais entre as situações
ções de regularização fundiária (Tabela 3). Ou seja, fundiárias dos PNs (tabelas 4 e 5). Em 2000, a
as unidades mais antigas não estavam em situa- região Norte destacava-se por apresentar o me-
ção notavelmente melhor que as de idade interme- lhor índice de terras de PNs regularizadas. A situ-
diária ou as mais recentes. Essa observação re- ação fundiária dos PNs da região contribui mais
força o argumento de que as pendências fundiárias do que proporcionalmente para elevar as estatísti-
são crônicas na política brasileira de PNs5 e de cas nacionais de regularização fundiária, uma vez
que não houve, ou não funcionou, uma diretriz de que a região detinha mais de 73% da superfície
criação de PNs preferencialmente em áreas públi- dos PNs brasileiros.
cas e livres de problemas fundiários.
TABELA 4 – SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DOS PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS CRIADOS ATÉ 2000, POR
REGIÃO
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PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
TABELA 6 – PARQUES NACIONAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: ÁREA TOTAL E SITUAÇÃO FUNDIÁRIA
EM 2000 (EM ORDEM CRONOLÓGICA DE CRIAÇÃO)
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Estado ocupadas ou não por posseiros ou intru- da situação fundiária das áreas onde se pretende
sos; terras de particulares, muitas vezes de domí- criar PNs, de modo a evitar conflitos. É prudente
nio indefinido ou contestável, exploradas ou não; esperar que os resultados finais dos levantamen-
terras de particulares ocupadas pelos PNs ou por tos demonstrem a existência de problemas
posseiros; terras devolutas ou “terras de ninguém” fundiários nos PNs mais novos, semelhantes aos
ocupadas pelos PNs ou por posseiros (GUATURA, das unidades antigas.
CORREA & COSTA, 1997)7.
De qualquer forma, os dados do ICMBio des-
Passemos, agora, à análise dos dados mais tacam a desanimadora informação de que nenhum
recentes, obtidos junto à Coordenação Geral de PN é considerado regularizado pelo órgão (Tabe-
Regularização Fundiária do ICMBio. Eles abran- la 7). Dos 52 parques para os quais valem os da-
gem apenas 52 dos 65 PNs existentes em meados dos, 58% não estão regularizados e 42% estão
de 2008. A Coordenação não dispunha de dados apenas parcialmente regularizados. Esses dados
relativos a 13 PNs criados entre 2001 e 2008. Da são incongruentes com as informações da Tabela
mesma forma, não constam informações porme- 3, pois eles apontam que 14 unidades estão 100%
norizadas acerca da área regularizada e a regulari- regularizadas. Na verdade, essa incongruência
zar de cada PN. Embora o Ibama tenha se preo- ressalta na própria Tabela 3, pois, entre as 14 uni-
cupado mais sistematicamente, após a aprovação dades 100% regularizadas, seis não dispunham de
da Lei do Snuc, com a existência de comunidades levantamento fundiário. Portanto, se esses PNs
e atividades produtivas nas áreas selecionadas para não foram nem sequer objeto de estudos fundiários,
criação de novas unidades, isso não redundou na não faz sentido a informação sobre a ausência de
elaboração de estudos prévios completos acerca pendências fundiárias em seus limites.
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PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
Apesar das inconsistências com os dados das O IBDF geriu as UCs brasileiras por mais de
tabelas anteriores e da grande quantidade de in- 20 anos (1967-1989). Ao longo desse período,
formações não-disponíveis, fica claro que os PNs manteve o seu perfil produtivista, com ênfase se-
não estão sozinhos na sua precária situação cundária na conservação. Mesmo assim, foi den-
fundiária. tro dele que surgiram e foram aplicados os referi-
dos Planos do Sistema de Unidades de Conserva-
IV. A MISSÃO DAS INSTITUIÇÕES RESPON-
ção, que ampliaram em muito as áreas sob prote-
SÁVEIS PELA GESTÃO DE PARQUES
ção e propuseram diversas novas categorias de
NACIONAIS NO BRASIL
áreas protegidas. Na década de 1970 e no princí-
Em 1925, foi criado no Brasil o primeiro ór- pio dos anos 1980, a mesma equipe do IBDF que
gão governamental federal destinado a adminis- redigiu esses planos introduziu uma prática ino-
trar áreas cobertas por flora nativa – o Serviço vadora que permitiu que o órgão adquirisse cerca
Florestal Federal (SFF), subordinado ao Ministé- de dois milhões de hectares de terras incorpora-
rio da Agricultura. Desde então, a política brasi- das a PNs e reservas biológicas. Esses recursos
leira de PNs em particular, e de UCs em geral, vieram de um Fundo de Reposição Florestal, for-
ficou por mais de 60 anos vinculada ao Ministério mado com as taxas pagas por usuários de matéri-
da Agricultura. Primeiramente, nas décadas de as-primas de florestas nativas. Até então, esses
1930, 1940, 1950 e parte da década de 1960, en- recursos tinham sido usados apenas para fomen-
carregaram-se dessa política diversas seções e tar a formação de florestas plantadas para fins
departamentos ministeriais de segundo e terceiro comerciais (DRUMMOND, 1988). Desse modo,
escalões, alguns incumbidos também do fomento o lado mais forte do IBDF, desenvolvimentista,
à produção florestal. Em seguida, o Instituto Bra- ajudou a financiar o seu lado mais fraco,
sileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), cri- conservacionista.
ado em 1967, representou um passo importante
Em 1989, foi criado o Ibama, vinculado inici-
na institucionalização da gestão pública da flora e
almente ao Ministério do Interior e hoje ao Minis-
dos seus produtos, mas a sua ênfase recaiu sobre
tério do Meio Ambiente. As características desse
os aspectos produtivos. Igualmente subordinado
órgão e o contexto de sua criação colocaram pela
ao Ministério da Agricultura, o IBDF herdou os qua-
primeira vez a política ambiental brasileira em ge-
dros e as missões do Instituto Nacional do Pinho e
ral, e a de UCs em particular, fora do domínio da
do Instituto Nacional do Mate, dois órgãos de fo-
esfera produtivista. Entre as suas incumbências
mento de produtos madeireiros e não-madeireiros,
estava a gestão das UCs federais. No entanto, o
sem missões conservacionistas ou preservacionistas
Ibama nasceu com um grande número de outras
(DRUMMOND, 1988; URBAN, 1998).
incumbências, bem variadas, herdadas dos qua-
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tro organismos federais que o formaram – IBDF, Outro problema institucional herdado pelo
Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), ICMBio diz respeito à carência de informações
Superintendência de Desenvolvimento da Pesca sobre as UCs. Não havia – como ainda não há –
(Sudepe) e Superintendência da Borracha uma base de dados unificada e confiável, calcada
(Sudhevea). Essas incumbências variavam da re- em levantamentos e estudos fundiários dos PNs,
gulamentação ao fomento da pesca e da borra- que permita uma ação coordenada, generalizada e
cha, ao licenciamento ambiental, à criação de nor- rápida de resolução de pendências fundiárias.
mas de qualidade ambiental, à proteção da
A regularização fundiária de PNs é assunto de
biodiversidade etc. No entanto, a forte centraliza-
alta complexidade. Envolve muitos interesses,
ção administrativa embutida no desenho do Ibama,
vultosos recursos financeiros, terras usadas para
o reduzido número de servidores envolvidos no
a produção agropecuária, comunidades rurais de
processo de regularização fundiária e o próprio
diversos tipos, fluxos de visitação, empreendimen-
acúmulo de pendências fundiárias fizeram com
tos turísticos etc. Talvez o mais grave problema
que o órgão continuasse a agir apenas pontual-
seja o contexto historicamente consolidado de
mente no enfrentamento dessas pendências das
especulação e de apossamento ilegal de terras pú-
UCs.
blicas. Isso configura um quadro de “indústria das
Seguindo uma tendência nacional ainda recen- desapropriações”, que envolve procedimentos
te de descentralização das políticas ambientais e duvidosos e indenizações milionárias. Por outro
de algumas outras políticas governamentais, ini- lado, a questão fundiária tem peculiaridades que
ciada a partir da vigência da Constituição de 1988, estimulam a inércia do poder público no seu trato,
os PNs estavam vinculados às Superintendências agravando os problemas. As pendências na regu-
Estaduais do Ibama. Isso contribuiu para entra- larização fundiária dos PNs, apesar dos prejuízos
var o bom funcionamento das UCs, em virtude causados, normalmente não inviabilizam a exis-
do grande volume de atividades de licenciamento tência das unidades e o cumprimento parcial de
e fiscalização desenvolvidas rotineiramente pelas suas funções. Curiosamente, um PN pode convi-
superintendências. Elas acabavam drenando qua- ver com elas por períodos relativamente longos
se toda a atenção de seus dirigentes, bem como sem que haja conflitos agudos, mas também sem
os parcos recursos disponíveis, enfraquecendo a que se alcancem soluções definitivas. Assim, os
capacidade de resolução das complexas e dura- problemas fundiários não alcançam necessariamen-
douras questões fundiárias. te uma grande repercussão pública, nem geram
forte mobilização social que pressione o órgão
Em 2007, a criação e a gestão das UCs fede-
gestor a resolvê-los. Isto suscita a convivência
rais foram dissociadas das funções do Ibama. Elas
prolongada com situações irregulares e uma pos-
foram repassadas ao Instituto Chico Mendes de
tura complacente ou postergadora dos órgãos
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio
administradores.
da Lei n. 11 516, de 28 de agosto de 2007. A es-
trutura do ICMBio abrange quatro diretorias, en- Outro fator que contribui para a inércia no tra-
tre elas a de Planejamento, Administração e to da questão fundiária dos PNs é a baixa proba-
Logística, que abrange uma Coordenação Geral bilidade de que a sua eventual resolução gere divi-
de Regularização Fundiária. Aparentemente é a dendos políticos para os gestores dos órgãos in-
primeira vez que a política federal de UCs conta cumbidos de tratar das UCs. Os prazos para a
com uma instância específica para tratar do as- obtenção de resultados significativos são relativa-
sunto. Tal como o Ibama, o ICMBio deverá con- mente longos, contrapostos aos períodos relati-
tar com órgãos descentralizados para a gestão das vamente curtos dos cargos de direção. Criar no-
UCs (INSTITUTO CHICO MENDES DE CON- vas UCs rende maior visibilidade e dividendos do
SERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2008). No que resolver os complexos problemas das UCs
entanto, um ano após a sua criação, o ICMBio existentes. Novas UCs enriquecem o currículo do
ainda não realizou concurso público para a for- administrador. Além do mais, a resolução dos pro-
mação de seus quadros, valendo-se da transfe- blemas fundiários, via de regra, gera atritos e des-
rência de servidores do Ibama. As unidades des- gaste com pessoas influentes, que se mobilizam
centralizadas ainda não foram estruturadas e, se- jurídica e politicamente para resistir às ações que
gundo notícias veiculadas em O Eco (2008), 80 os prejudicam. Ocorre ainda a possibilidade de
UCs federais continuam sem gestor. atritos não-desejados com as comunidades vizi-
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PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
nhas das UCs. Essas situações levam à anulação em retribuição à lealdade e a serviços prestados à
recíproca das forças sociais envolvidas na ques- Coroa (MARTINS, 1999). A concessão de
tão e ajudam a explicar porque o problema nunca sesmarias era regulamentada pelas Ordenações
foi objeto de medidas sistemáticas, firmes e efi- Filipinas, vigentes em Portugal. As ordenações
cazes. impunham ainda a obrigatoriedade de aproveita-
mento do solo (MOTTA, 1998a), que, se não cum-
V. PERSISTÊNCIA DOS PROBLEMAS FUN-
prida, levaria à perda da concessão. Entretanto,
DIÁRIOS DOS PARQUES NACIONAIS BRA-
isso raramente aconteceu, embora a Coroa por
SILEIROS
vezes tentasse recuperar o controle sobre
A persistência dos problemas fundiários dos sesmarias abandonadas ou de outra forma negli-
PNs brasileiros indica que eles têm sido tratados genciadas. Os concessionários de terras – quase
com baixo grau de prioridade. Além de ocasiona- todos homens, portugueses, católicos e fiéis ao
rem prejuízos diretos à gestão dos PNs, eles se Rei de Portugal – formaram uma oligarquia pe-
agravam progressivamente, em várias dimensões: quena, unida, poderosa e fechada, a expressão
valorizam comercialmente as terras em litígio, em social acabada da falta de uma política democráti-
alguns casos por causa da própria criação da UC; ca de ocupação das novas terras coloniais
ampliam a presença humana e, consequentemente, (DRUMMOND, 1997).
a construção de benfeitorias que interferem no
O sistema de distribuição de terras via
ecossistema, mas incorporam mais valor à terra;
sesmarias foi formalmente suspenso em 1822,
contribuem para o desmembramento e venda de
pouco antes da independência do Brasil
terrenos do entorno para pessoas “de fora”, inte-
(MARTINS, 1999). Com a independência, o Bra-
ressadas em construir casas de veraneio ou de se-
sil passou por um período de quase três décadas,
gunda residência (isso, por sua vez, suscita a apa-
conhecido como extralegal ou das posses, carac-
rição de novos atores, com novos interesses, com-
terizado pela inexistência de uma legislação espe-
plicando as soluções); criam a “perspectiva de di-
cífica sobre terras (SOUZA, 1994). Em 1850,
reito” ou o “direito” propriamente dito para os ocu-
promulgou-se a Lei de Terras, confusa e contro-
pantes; e propiciam a prescrição de prazos legais.
versa, fortemente influenciada pelo pensamento
No entanto, se a situação é examinada à luz da inglês, que zelou acima de tudo pelos interesses
história da ocupação das terras no Brasil, vê-se da elite rural criada e estabilizada pelo antigo sis-
que ela não se deve apenas à falta de eficiência tema de sesmarias (SMITH, 1990).
dos órgãos gestores das UCs ou à falta de vonta-
A Lei de Terras instituiu o “registro paroqui-
de política de seus dirigentes. Os PNs e as demais
al”, cadastro por meio do qual o governo quis dis-
UCs são vitimados pela desordem fundiária secu-
tinguir as terras que eram de sua propriedade das
lar que assola o país. O processo de colonização
que eram propriedade de particulares. Os regis-
do Brasil pelos portugueses teve por base o siste-
tros paroquiais eram ligados à organização da Igreja
ma sesmarial de distribuição de terras a particula-
Católica. Acabaram sendo utilizados para acomo-
res. Esse sistema teve início em 1532, com a di-
dar os interesses estabelecidos dos grandes se-
visão do enorme, recém-descoberto e ainda mui-
nhores de terra. As decisões de registrar ou não,
to mal conhecido território em capitanias heredi-
de informar os limites e o tamanho da proprieda-
tárias, entregues a donatários. Eles detinham gran-
de com precisão, eram tomadas conforme a sua
de poder, entre eles o de outorgar sesmarias –
conveniência, tendo em vista que os clérigos não
concessões de terras – a pessoas de sua confian-
eram qualificados para verificar a veracidade das
ça. As sesmarias constituíam, via de regra, gran-
informações. Além do mais, como proprietária e/
de extensões de terras “virgens” que os sesmeiros
ou ocupante de muitas extensões de terras, a Igreja
comprometiam-se a cultivar dentro do prazo, or-
Católica era uma parte interessada cuja atuação
ganizando atividades produtivas, pagando tribu-
na regularização não era desejável, sob o ponto de
tos à Coroa e defendendo-as contra os inimigos
vista das finalidades expressas de alcançar a re-
de Portugal (FAUSTO, 1999).
gularização fundiária. Dessa forma, uma lei que
Assim, a maneira básica de ocupação das ter- se pretendia modernizante não teve os efeitos de-
ras do Brasil, consideradas propriedade do rei de sejados, pois foi incapaz de reorganizar a estrutu-
Portugal, era a sua doação a pessoas selecionadas, ra fundiária e de discriminar as terras públicas das
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terras privadas. Ainda assim, ela criou efeitos du- naram-se outro fator complicador, pois eles mui-
radouros e é usada, até os dias de hoje, como tas vezes foram focos de distorções e fraudes.
base para tomadas de decisão acerca da proprie- Em 1913, foi aprovado o Novo Regulamento de
dade e do direito à terra (MOTTA, 1998a), inclu- Terras Devolutas da União (Decreto n. 10 105),
sive no que diz respeito à regularização de UCs. ampliando o prazo dado a concessionários, pos-
seiros e sucessores para declararem as suas ter-
Assim, o registro paroquial, baseado nas sim-
ras. Isso possibilitou uma nova rodada de
ples declarações dos interessados, gerou intensa
apossamentos irregulares de terras públicas, prin-
polêmica e duradoura confusão. Para alguns, o
cipalmente por grandes proprietários (SERVIÇO
registro passou a ser considerado como título de
DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, 1964).
domínio, enquanto outros o consideram um sim-
ples cadastro que não poderia ser usado para de- Durante a Primeira República (1889-1930), os
terminação da propriedade do imóvel, nem para grandes proprietários de terras, principalmente os
conferir direitos ao declarante. Outros ainda con- dos Estados economicamente mais fortes, inter-
sideram que, embora não fosse título de proprie- feriram ativamente na escolha de praticamente
dade, o registro paroquial é fonte importante para todos os detentores de mandatos eleitorais, inclu-
análise da cadeia sucessória de proprietários em sive governadores e presidentes. A política nacio-
casos de terras em litígio (MOTTA, 1998b). nal ficava em grande parte à mercê de conchavos
entre políticos de São Paulo, Minas Gerais e Rio
A Lei de 1850 possibilitou a consolidação e a
de Janeiro, principalmente, mas havia também
legitimação de uma pequena elite agrária de gran-
grande influência das oligarquias do Nordeste. É
des proprietários. Ela se fortaleceu desmesurada-
significativo, portanto, que a Constituição Federal
mente e adquiriu enormes poderes na sociedade e
de 1891 transferisse todo o patrimônio de terras
nas instituições públicas e privadas, conseguindo,
públicas para os Estados e desse a eles a prerro-
pelos mais diversos meios, que os seus interesses
gativa de legislar sobre o assunto, abrindo ainda
fossem sempre resguardados. Holston (1993) afir-
mais espaço para a influência dos proprietários
ma que a Lei de Terras promoveu “[...] conflito, e
rurais. A concentração da propriedade de terras,
não soluções, porque estabelece os termos atra-
as dificuldades de acesso democrático a elas e a
vés dos quais a grilagem é legalizada de maneira
sua falta de regularização documental não apenas
consistente. [...] Nesse contexto repleto de para-
tiveram continuidade, mas agravaram-se
doxos, a lei é o instrumento de manipulação, com-
(LINHARES & SILVA, 1999).
plicação, estratagema e violência, através do qual
todas as partes envolvidas – dominadoras ou su- A Revolução de 1930 afastou do poder uma
balternas, o público e o privado – fazem valer seus parte desses setores até então dominantes. A nova
interesses” (HOLSTON, 1993, p. 68). elite de poder, no entanto, evitou um confronto
mais explícito com os setores mais conservado-
Apesar de tudo, essa lei se tornou um marco
res da elite rural, mesmo porque ela compartilha-
na legislação de terras do país. Até hoje muitos
va dos benefícios do sistema fundiário vigente.
procedimentos judiciais e as defesas das posições
De qualquer forma, no Estado Novo, a União as-
mais antagônicas buscam fundamentação nela.
sumiu em parte o patrimônio de terras públicas,
Isso dificulta, atrasa e, em muitos casos, impede
principalmente para fins de doações e concessões
decisões administrativas e judiciais seguras e ágeis
de grande porte, pondo fim ao período em que as
sobre as pendências fundiárias em geral, e as das
oligarquias locais tiveram pleno domínio sobre os
UCs e dos PNs em particular.
mecanismos de legitimação das imensas posses
Outro fator relevante para a apreciação da de- adquiridas ao longo da República Velha (idem).
sordem fundiária do Brasil é o do registro de imó-
Em 1934, foram aprovados o Código de Águas
veis. Esse registro foi instituído apenas em 1864,
e o Código Florestal, que instituíam limites ao di-
pela Lei n. 1 237, tornando-se um serviço público
reito de propriedade da terra. Os dois códigos não
apenas em 1917, com base no Código Civil. En-
estancaram a exploração intensiva desses recur-
tretanto, os registros feitos nos Cartórios de Re-
sos – nem era esse o seu objetivo –, mas foi o
gistro de Imóveis, órgãos auxiliares do poder Ju-
Código Florestal que forneceu a base legal para a
diciário, os quais deveriam garantir legitimidade
criação dos primeiros PNs. Em 1964, já sob a
ao reconhecimento da propriedade imobiliária, tor-
219
PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
ditadura militar, foi promulgado o Estatuto da Terra O legado dessa longa cadeia de políticas
(Lei n. 4 504, de 30 de novembro de 1964). Con- fundiárias privatistas, baseadas no favoritismo e
cebido para servir como base legal para um vasto no patrimonialismo, foi uma sociedade na qual
programa de reforma agrária – chegando a incluir “apenas 1% dos proprietários rurais detém 44%
exigências de uso racional dos recursos naturais das terras, enquanto 67% deles detêm apenas 6%
como um requisito para a legitimidade da proprie- das terras” (MOTTA, 2000). Dados do Censo
dade privada da terra –, ele não conseguiu alterar Agropecuário de 1995 mostram que, no fim do
a situação fundiária e agrária do país século XX, ainda era grande a concentração
(DRUMMOND, 1999). fundiária no Brasil (Tabela 9).
Seria difícil, portanto, esperar que as UCs em de trabalho administrativo árduo e de atenção con-
geral, e os PNs em particular, ao pressuporem tinuada estratégica. Seguem-se vários exemplos
um grau significativo de controle público sobre de tais procedimentos, a maioria deles discutida
extensões de terras por vezes grandes, estives- detalhadamente em Rocha (2002). Destaque-se
sem livres dos problemas fundiários que expres- que todos as alternativas aqui discutidas são
sam esse legado. factíveis sem que haja necessidade de criação de
novas leis.
VI. SUGESTÕES PARA A RESOLUÇÃO DE
PENDÊNCIAS FUNDIÁRIAS DOS PAR- Desde o período do Império, o governo brasi-
QUES NACIONAIS leiro toma posse ou adquire regularmente terras
para fins diversos (colonização, reforma agrária,
Tendo em vista a tendência de os problemas
proteção de mananciais, construção de portos,
fundiários dos PNs tornarem-se crônicos, refletir
ferrovias e rodovias, obras públicas de vários ti-
sobre soluções alternativas é mais do que relevan-
pos etc.). Por falta de controle e de administração
te. Este é o objetivo principal desta seção. O pro-
criteriosa, a documentação pertinente perde-se e
cesso de regularização das terras dos PNs res-
muitas vezes as terras adquiridas acabam utiliza-
sente-se muito da falta de uma política do poder
das por terceiros para outros fins. Para evitar ou
público que proponha e acompanhe as ações ne-
reverter essa perda do patrimônio público, os tí-
cessárias, normalmente complexas e de longa
tulos das propriedades da União precisam ser
duração. Quando se fala em regularização fundiária,
meticulosamente pesquisados nos arquivos públi-
quase sempre se faz ligação direta com desapro-
cos. Isso significa que a pesquisa cartorial de tí-
priações, via aquisição de terras e pagamento por
tulos de terras públicas é um primeiro procedi-
benfeitorias pelo poder público e a conseqüente
mento que pode favorecer a regularização fundiária
inscrição dessas terras como patrimônio público.
de UCs. Trata-se de um procedimento lento e di-
No entanto, a regularização fundiária é complexa
fícil, mas, dentro de uma política conseqüente de
e deve contemplar outros procedimentos, alguns
UCs, não é admissível que terras públicas
alternativos à desapropriação, os quais dependem
abrangidas pelos PNs estejam sob posse de ter-
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 205-226 JUN. 2010
ceiros, nem que a titularidade pública perca-se por financeiras, envolvendo dispêndios de dinheiro
falta de acesso ou por insuficiência de documen- público. Avaliações muitas vezes irreais são aca-
tação comprobatória. tadas, dando margem ao que se chama de “indús-
tria das desapropriações indiretas”. A
Um segundo procedimento a adotar, igualmente
supervalorização das indenizações decorre de lau-
dependente de pesquisa sistemática em cartórios,
dos periciais que inflacionam o valor das terras e/
é a identificação e incorporação de terras
ou impõem “condenações acessórias”, relativas a
devolutas. Terras devolutas são “espaços físicos
juros compensatórios, honorários de advogados,
que não se encontram registrados, ou se afastam
atualização monetária etc. (SCHWENCK JÚNIOR
do patrimônio das pessoas jurídicas públicas, ad-
& AZEVEDO, 1998).
ministrativamente encaradas, todavia sem se in-
corporarem, a qualquer título, ao patrimônio de Outro problema torna mais complexo o pro-
particulares” (SIDOU, 1995). A pertinência desse cedimento da desapropriação, qual seja, a da
procedimento é inquestionável, já que, de acordo grilagem de terras públicas, por meio da obtenção
com a Constituição Federal, art. 20, II, as terras de documentos fraudulentos. Em certas situações,
devolutas “indispensáveis à preservação ambiental” que infelizmente não são raras, principalmente em
constituem bens da União. Podem e devem, por- áreas de avanço acelerado da fronteira
tanto, ser identificadas e incorporadas aos PNs e agropecuária, podem existir diversos títulos de
outras UCs como terras públicas (PRESIDÊN- propriedade referentes às mesmas parcelas de ter-
CIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ra, dificultando sobremodo os procedimentos ad-
2008). Essas terras geralmente são de difícil iden- ministrativos e judiciais de identificação dos “ver-
tificação, principalmente quando são pesquisadas dadeiros” donos, inclusive se o dono for o gover-
num universo muito grande. Levantamentos no. A própria Constituição de 1988, em seu art.
fundiários localizados, em torno das UCs, quando 225, § 5o, dispõe que “são indisponíveis as terras
bem feitos, no entanto, são capazes de identificá- devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
las. discriminatórias, necessárias à proteção dos
ecossistemas naturais”. A Lei do Snuc, tendo em
Esse procedimento afeta as desapropriações
vista este problema, determinou, em seu art. 43,
de terras particulares para fins de sua incorpora-
que o “Poder Público fará o levantamento nacio-
ção a PNs, que podem ser diretas ou indiretas. As
nal das terras devolutas, com o objetivo de definir
primeiras assemelham-se a uma alienação com-
áreas destinadas à conservação da natureza, no
pulsória. Compreendem uma fase declaratória, em
prazo de cinco anos” (PRESIDÊNCIA DA RE-
que o poder público declara, por meio de lei ou
PÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2008),
decreto, que determinado imóvel é de utilidade
determinação esta que não foi executada8.
pública, e outra fase executória, em que o
expropriante e o expropriado entram em acordo Daí a importância de que se proceda também
sobre o preço da indenização. A indenização deve à pesquisa cartorial sobre títulos de terras parti-
ser feita em dinheiro e deve ser prévia e justa. culares. Considerando a probabilidade (por vezes
Não havendo acordo, segue-se para a fase judici- forte) de existirem documentos de propriedade
al. Uma ação de desapropriação indireta, ao con- particular juridicamente inconsistentes, é impres-
trário, é aquela movida pelo particular que teve o cindível que sejam verificados todos os títulos de
seu imóvel apossado pelo poder público, em de-
corrência da criação da UC. Esse instrumento tem
sido largamente usado por particulares cujas ter- 8 Destaque-se que o Ibama e o ICMBio são menos res-
ras são incluídas em UCs. Uma atenção sistemáti- ponsáveis do que vitimas do desordenamento fundiário e
ca às terras devolutas nas regiões de abrangência da generalizada falta de controle governamental sobre as
dos PNs pode, assim, ajudar a sanar pendências terras públicas em muitas partes do país. Pode-se especu-
lar que se o Serviço de Patrimônio da União (SPU) e o
fundiárias das UCs, pois gera argumentos para Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
impugnar processos de desapropriação indireta. cumprissem as suas missões a contento, as terras públicas
eventualmente colocadas sob algum status de proteção
Essa medida é fundamental, tendo em vista que,
ambiental seriam muito mais facilmente incorporadas às
em muitos casos, as desapropriações de terras – UCs pelo Ibama e pelo ICMBio. O mesmo coloca-se quan-
para todos os fins, e não apenas para regulariza- to à Fundação Nacional do Índio e aos diversos institutos
ção de UCs – são objeto de grandes transações estaduais de terras.
221
PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
terras sobrepostas e vizinhas aos PNs, por meio marinha são aqueles que se tiverem formado, na-
dos levantamentos das cadeias sucessórias e da tural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos
averiguação do cumprimento dos princípios que rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de ma-
regem a transmissão das propriedades, até a sua rinha. Afirma Machado (2003) que, em tempos
origem. Títulos dúbios ou suspeitos devem ser coloniais, a reserva dos terrenos de Marinha tinha
conferidos administrativamente e contestados ju- como objetivo garantir a defesa militar do litoral e
dicialmente pelo órgão gestor de UCs, o que sig- zonas adjacentes. Essa diretriz continua a valer,
nifica abrir toda uma outra linha de trabalho, com- mas com o objetivo de manter o livre acesso ao
plementar à pesquisa de terras públicas ou mar e proteger o meio ambiente litorâneo. Con-
devolutas. Estes procedimentos tendem a ser de- forme Leivas (1977, p. 54), o citado Decreto-Lei
morados, mas podem contribuir significativamente e os regulamentos conexos ao patrimônio da União
para resolver pendências. constituem “formidável arma de que dispõe o
Conservacionismo no Brasil, se souber usá-la”.
Um terceiro procedimento capaz de ajudar na
Assim, a limitação legal à propriedade particular
consolidação fundiária das UCs é que o órgão
de terrenos de marinha favorece a consolidação
gestor desenvolva uma ação sistemática e decidi-
fundiária das UCs que as contêm.
da na localização e incorporação de terras aban-
donadas. Trata-se de terras sobre as quais o pro- Somente depois de esgotadas essas alternati-
prietário deixa de satisfazer os ônus fiscais, ces- vas é que cabe dar início aos procedimentos para
sados os atos de posse (Lei n. 10 406, de 10 de a desapropriação de terras em UCs. Uma consi-
janeiro de 2002, que institui o Novo Código Civil, deração fundamental a respeito disso é que a ale-
art. 1 276). O imóvel é arrecadado como bem gação de que inexistam recursos não pode mais
vago e, no prazo de três anos, passa à proprieda- ser citada como obstáculo à regularização fundiária
de do Município ou do Distrito Federal, em caso de UCs. A própria Lei do Snuc, art. 36, cria o
de imóvel urbano, ou à propriedade da União, em instrumento da compensação ambiental e deter-
caso de imóvel rural9. Haverá casos em que tais mina que os seus recursos sejam usados para a
terras sejam de interesse para as políticas de con- regularização fundiária das UCs (entre outras fi-
servação e sejam eventualmente incorporadas a nalidades). De acordo com esse artigo, nos casos
UCs, em geral, e a PNs, em particular. de licenciamento ambiental de empreendimentos
de significativo impacto ambiental, o empreende-
Os chamados “terrenos de marinha” e as “ter-
dor é obrigado, a título de compensação, a apoiar
ras situadas em cursos baixos de rios” também
a implantação e a manutenção de UCs do grupo
devem ser considerados para incorporação ao
de proteção integral. O valor da compensação será
patrimônio público. O Decreto-Lei n. 9 760, de 5
definido pelo órgão ambiental licenciador, caso a
de setembro de 1946, inclui entre os bens da União
caso, de acordo com a sua avaliação sobre o grau
os terrenos de marinha e os seus acrescidos. De
de impacto do empreendimento. Esses recursos
acordo com este decreto, os terrenos de marinha
podem ser usados para diversos fins, entre os
são aqueles situados no fundo dos litorais maríti-
quais a consolidação de UCs, por meio da aquisi-
mos, até uma distância de 33 metros, medidos
ção de terras desapropriadas10. Adicionalmente,
horizontalmente a partir da posição da linha de pre-
o art. 33, I, do Decreto n. 4 340, de 22 de agosto
amar média de 1831. Neles estão incluídos tam-
bém os terrenos situados no continente, nas cos-
tas marítimas e nas margens dos rios e lagoas e
os que contornam as ilhas, até onde se faça sentir 10 Em abril de 2008, o Supremo Tribunal Federal julgou
a influência das marés. Os terrenos acrescidos de parcialmente procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3 378, proposta pela Confedera-
ção Nacional da Indústria contra o art. 36 da Lei do Snuc.
Foram julgadas inconstitucionais as expressões “não pode
9 É relevante mencionar a falta de respaldo legal para uma ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos na
solução por vezes defendida pelos defensores e até por implantação de empreendimento” e “o percentual”, conti-
gestores de UCs. Trata-se da proposta de que terras usa- das no § 1º do referido artigo. Assim, a lei deixou de definir
das para atividades ilegais – em particular, o cultivo e o um percentual mínimo para a compensação, como consta-
processamento de drogas – sejam confiscadas e transferidas va de sua redação original. A compensação continua a ser
para UCs eventualmente existentes nas suas proximida- obrigatória, mas o seu valor passou a ser definido caso a
des. caso.
222
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 205-226 JUN. 2010
de 2002, que regulamenta a Lei do Snuc, determi- propriedade ou posse rural, excetuada a de pre-
nou que os recursos da compensação ambiental servação permanente, necessária ao uso susten-
sejam aplicados prioritariamente na regularização tável dos recursos naturais, à conservação e rea-
fundiária e na demarcação de terras de UCs. bilitação dos processos ecológicos, à conserva-
ção da biodiversidade e ao abrigo e proteção de
A Lei do Snuc prevê ainda outras fontes de
fauna e flora nativas” (art. 1°, § 2°). O proprietá-
recursos, como os provenientes de pagamentos
rio que não tem reserva legal é obrigado a recuperá-
pela exploração comercial da exploração da ima-
la, por meio de recomposição, condução da rege-
gem de UC (art. 33), bem como os oriundos de
neração natural ou compensação em outra área.
contribuição financeira prestada por órgão ou
Entretanto, ele pode ser desonerado dessa obriga-
empresa, público ou privado, responsável pelo
ção, se doar área localizada no interior de UC de
abastecimento de água, pela geração e distribui-
domínio público pendente de regularização
ção de energia elétrica ou que faça uso de recur-
fundiária, desde que a UC situe-se em área equi-
sos hídricos da UC e que seja beneficiário da pro-
valente em importância ecológica e extensão, per-
teção por ela proporcionada (arts. 47 e 48). Cabe
tença ao mesmo ecossistema e esteja localizada
aos órgãos ambientais, portanto, lançar mão des-
na mesma microbacia (art. 44, § 6º). Portanto,
ses instrumentos e aplicar os recursos por eles
cumpre aos órgãos gestores de UCs promover o
gerados na regularização fundiária dos PNs e de-
levantamento das propriedades rurais externas à
mais UCs de domínio e posse públicos.
UC, mas situadas nas microbacias por ela
A Lei do Snuc (art. 34) possibilita ainda aos abrangidas, cadastrar os imóveis desguarnecidos
órgãos responsáveis pela administração das UCs de reserva legal e propor aos proprietários a regu-
o recebimento de “recursos ou doações de qual- larização de suas pendências ambientais por meio
quer natureza, nacionais ou internacionais, com da compra e doação de terras no interior das
ou sem encargos, provenientes de organizações UCs11.
privadas ou públicas ou de pessoas físicas que
VII. CONCLUSÕES
desejarem colaborar com a sua conservação”. Esse
dispositivo abre um leque de alternativas, como A questão fundiária dos PNs brasileiros é gra-
as negociações para que terras de interesse para ve. Ela precisa ser enfrentada de forma sistemáti-
UCs sejam compradas por entidades civis com- ca, por mais irresolúvel que a questão apresente-
prometidas com a questão ambiental e depois do- se em muitas partes do território brasileiro. Os
adas ao ICMBio. Tendo em vista a crescente sen- problemas que envolvem a matéria tendem a se
sibilidade ambiental da população em geral, o que avolumar e a gerar grandes prejuízos para as UCs.
inclui a atenção dada à proteção da biodiversidade A manutenção de propriedades privadas no interi-
e aos impactos do aquecimento global, aumenta o or dos PNs sem dúvida compromete os seus ob-
interesse de empresas e organizações de vincular jetivos de manejo. Além disso, a situação prejudi-
a sua imagem à conservação da natureza. Assim, ca a atividade produtiva das populações residen-
ONGs ambientalistas podem e devem se aproxi- tes em PNs ou nas suas vizinhanças, em função
mar delas em busca dos recursos destinados a da instabilidade gerada.
viabilizar a aquisição de terras disputadas em UCs
Criar um PN implica, por definição, restringir
e no seu entorno. É imprescindível, no entanto,
seriamente o rol de atividades produtivas possí-
que as terras em questão tenham sido cuidadosa-
veis de serem desenvolvidas em uma área. Um
mente selecionadas a partir dos estudos de
PN exclui toda e qualquer atividade produtiva no
titularidade e de cadeia de dominialidade, feitos
seu interior e limita atividades produtivas no seu
sob responsabilidade do órgão gestor, a fim de
entorno. A possível exceção é o ecoturismo ou o
que esses recursos não sejam gastos em proprie-
dades que mais tarde gerarão novas pendências
ou processos.
11 Não é inédito que particulares doem aos órgãos gestores
Finalmente, há casos que podem ser resolvi-
partes de suas propriedades incluídas em PNs ou outras
dos diretamente com os proprietários rurais, por
unidades. Um caso documentado ocorreu quando da cria-
meio da compensação da reserva legal, prevista ção do PN Serra dos Órgãos (RJ), em 1939 –informação
na Lei n. 4 771/1965, do Código Florestal. A re- colhida por Leonardo Rocha em arquivos administrativos
serva legal é “a área localizada no interior de uma do parque (cf. ROCHA, 2002).
223
PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS
turismo de natureza, quando praticado em regime evitar desperdício e duplicação de esforços e re-
de concessão e em conformidade com o plano de cursos.
manejo da unidade. Portanto, a falta de regulari-
Sabemos que as soluções propostas não ge-
zação fundiária fragiliza também os produtores,
ram efeitos de curto prazo, devido à complexida-
proprietários e residentes locais. Nos muitos ca-
de dos procedimentos envolvidos, da exigência
sos em que eles não foram indenizados, ficaram
de pessoal especializado, do volume de informa-
praticamente impossibilitados de explorar econo-
ções exigidas e da quantidade de variáveis presen-
micamente a terra e os demais recursos. Por ou-
tes na discussão e na tomada de decisão. Elas só
tro lado, a não-resolução do problema fundiário
serão viabilizadas e alcançadas a partir de trabalho
muitas vezes termina por trazer sérios problemas
contínuo e persistente, que não foi realizado nos
para a conservação da área, pois proprietários não-
longos anos de existência da política de UCs. É
indenizados tendem a descontar o valor dos re-
fundamental, portanto, que o poder público assu-
cursos naturais que motivaram a criação do PN e
ma posição ativa na questão, conferindo-lhe alto
passam a explorá-los de forma desregrada.
grau de prioridade.
O poder público precisa, portanto,
De toda forma, a conservação da
implementar, com seriedade e prioridade, uma
biodiversidade vai muito além da criação de UCs
espécie de abrangente “Programa de Regulariza-
de qualquer modalidade. Diferentes setores do
ção Fundiária de UCs”, de longo prazo, com
poder público e da sociedade civil devem investir
metodologia definida, etapas plurianuais, metas
também em ações de fiscalização, formação de
quantitativas claras e esquemas de consolidação,
corredores ecológicos entre UCs de proteção in-
monitoramento e ajuste. Os procedimentos aqui
tegral e de uso sustentável, educação ambiental e
indicados – e outros a serem definidos e avaliados
implantação de instrumentos econômicos de ges-
– devem ser adotados seletivamente, de acordo
tão ambiental, que induzam proprietários particu-
com cada caso a resolver. A eficácia de cada um
lares de terras a adotar práticas compatíveis com
deve ser objeto de atenção cuidadosa, a fim de
a conservação da natureza.
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 295-300 JUN. 2010
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 303-309 JUN. 2010
établie entre l’Etat et la société civile pendant la même période. L’hypothèse d’où nous partons,
c’est celle où la création de nouveaux espaces participatifs, malgré étant une condition importante
pour assurer une dynamique inclusive effective, elle n’est pas suffisante. L’analyse faite montre que
même que le gouvernement Lula ait construit les bases d’un nouveau pacte avec la société civile
organisée par la création, ampliation et institutionnalisation de nouveaux espaces participatifs, telle
pratique n’est pas devenue une politique de gouvernement majoritairement soutenue. De cette façon,
les efforts entrepris jusqu’à ici pour la construction et l’amélioration de la participation des organisations
de la société civile dans les politiques publiques du gouvernement Lula, deviennent marginaux et
sélectifs, compromettant ainsi, les potentialités inclusives que ces mêmes efforts pourraient générer.
MOTS-CLES : Etat ; organisations de la société civile ; participation ; gouvernement Lula.
* * *
PARCS NATIONAUX BRÉSILIENS : DES PROBLÈMES DE TERRE ET DES
ALTERNATIVES POUR LEUR RÉSOLUTION
Leonardo G. M. da Rocha, José Augusto Drummond et Roseli Senna Ganem
L’article fait un diagnostique de la situation agraire des parcs nationaux brésiliens actuellement
éxistents. Il argumente que l’héritage culturelle et politique brésilienne, l’historique des organes qui
administrent les parcs nationaux et les complexités agraires, sont des facteurs déterminants des
obstacles dans le processus de régularisation de la terre de ces unités de préservation (Ucs). Le
texte indique que le manque de ressources financières pour des indemnisations de terrains à exproprier
n’est pas le plus grand obstacle pour la résolution de la question. On propose, encore, plusieurs
instruments juridiques et administratifs alternatifs qui peuvent être déclenchés pour regulariser ou
incorporer des terres aux parcs nationaux et donner plus d’effectivité à la politique de préservation
de la biodiversité au Brésil. Pour finaliser, on conclut que la préservation de la biodiversité va
beaucoup plus loin de la création des unités de préservation de n’importe quelle modalité, étant
nécessaire que des différents secteurs du pouvoir publique et de la société civile investissent aussi
dans des actions de fiscalisation, formation de corridors écologiques entre Ucs de protection intégrale
et d’utilisation durable, education ambientale et implantation d’instruments économiques de gestion
ambientale qui induisent les propriétaires de terres privées à adopter des pratiques compatibles
avec la préservation de la nature.
MOTS-CLES : unités de préservation ; politiques ambientales, planification de terres, planification
territoriale ; terres publiques.
* * *
LA QUESTION DE LA CONTINUITÉ DE LA POLITIQUE MACRO-ÉCONOMIQUE EN-
TRE LES GOUVERNEMENTS CARDOSO ET LULA (1995-1996)
José Marcos Nayme Novelli
L’objectif de l’article c’est de comprendre la continuité de la politique macro-économique entre le
gouvernement Cardoso et le gouvernement Lula. L’article est organisé en trois parties. Dans la
première, on décrit brièvement la politique macro-économique des gouvernements Cardoso et Lula.
Dans la deuxième, on présente et discute le débat de la littérature specialisée sur l’hypothèse de la
continuité de la politique macro-économique entre les deux gouvernements. Dans la troisième partie,
une cartographie est faite des dirigeant des Etats, où nous mettons l’accent sur certains aspects qui
ont contribué pour cette continuité entre les deux gouvernements. Sans déconsidérer l’action des
bénéficiaires ultimes des résultats de cette politique; nous identifions trois facteurs pour expliquer
l’entretien de la politique macro-économique: i) la structure du capitalisme brésilien elle même, et
son insertion dans l’économie mondiale; ii) la force des idées orthodoxes difusées par les médias et
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