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olhares amazonicos
ISSN 2318-1095
Revista Científica do Núcleo de Pesquisas Eleitorais
e Políticas da Amazônia - NUPEPA/UFRR
RESUMO ABSTRACT
O artigo trata de uma abordagem inicial so- The article is an initial approach on patri-
bre o patrimonialismo e o extrativismo polí- monialism and political extrativism em-
tico entranhados no Estado e na Sociedade bedded in the Brazilian State and Society.
brasileira. Tais fenômenos têm iludido nos- Such phenomena have eluded our expecta-
sas expectativas de desenvolvimento bem- tions of successful development. Over the
-sucedido. Ao longo dos séculos, o Brasil não centuries, Brazil has not got rid of some of
se livrou de algumas de suas características its more archaic features. In this direction,
mais arcaicas. Nessa direção, o patrimonia- patrimonialism is the permanent feature of
lismo é a feição permanente das elites na- national elites, and extractivism is the way
cionais; e o extrativismo é a forma pela qual in which patrimonialist elites rely on po-
as elites patrimonialistas se sustentam no wer. Although extrativist patrimonialism
poder. Conquanto o patrimonialismo extra- is an archaic practice, successive genera-
tivista seja uma prática arcaica, sucessivas tions of extractive elites have formed legal
gerações de elites extrativistas conformaram arrangements for its legitimacy. The mo-
arranjos legais para sua legitimidade. A mo- dernization of the Brazilian political order
dernização da ordem política brasileira não did not extinguish this characteristic, on
extinguiu essa característica, ao contrário, the contrary, it sophisticated and this thre-
sofisticou-a e ameaça a sustentação do inaca- atens the support of the unfinished social
bado Estado social no Brasil. state in Brazil.
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Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor visitante no Programa de Pós-Gradu-
ação em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) do Centro de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Roraima | b-walter@hotmail.com | (+55) 47-988188898.
** Graduado em História pela Universidade Estadual de Roraima (UERR), especialista em
História da Amazônia e mestrando no PPGSOF | rennerys.silva@gmail.com | (+55) 95-
991324728
***Graduada em História pela Universidade Estadual de Roraima e mestranda no PPGSOF |
adrieleejeova@hotmail.com | (+55) 95-991324728
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Os seis principais produtos de exportação em 2011 foram: minério de ferro, aço e ferro fundi-
do (16,3%), petróleo bruto (8,4%), soja e derivados (6,4%), açúcar (4,5%), café em grãos (3,1%)
e carne de frango in natura (2,8%). Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/econo-
mia/produtos_exportados_brasil.htm>.
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As exceções eram os EUA, a Rússia, o Canadá e a instável Venezuela.
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sas nações crescem menos, e de for- Quando o autor admite que nem
ma instável, que as nações que não tudo são sombras, reconhece que as
possuem petróleo. Em geral, seus condições de bem-estar melhoraram
problemas sociais são notáveis e em vários países produtores de pe-
seus índices de desenvolvimento tróleo e menciona a diminuição da
não estão entre os melhores. mortalidade infantil em muitos des-
Michael Ross é estudioso do as- ses países (ROSS, 2015, Introdução,
sunto há décadas. Acompanhou o p. 252). Ele também reconhece alguns
boom do preço do petróleo na década índices de crescimento econômico,
de 1970, observando que países pro- mas observa que normalmente esti-
dutores obtiveram lucros extraor- veram aquém do que deveriam, se
dinários, mas isso não tornou essas considerada a riqueza geológica e a
nações mais desenvolvidas. Quatro comparação com países não produto-
décadas depois, Ross chega à mes- res. Nesse sentido, se não cresceram
ma conclusão. Embora reconheça mais do que as nações não produto-
algumas distinções e faça um mea ras de petróleo, significa que não ti-
culpa em seu livro, o autor reafirma raram o devido proveito da riqueza
essa conclusão ao estudar as con- geológica. Fora isso, a fartura do pe-
sequências do aumento dos preços tróleo produziria o paradoxo do atra-
das commodities minerais no início so. Na média, segundo Ross, metade
do século atual. Elas geraram muitos do produto econômico dessas nações
proventos aos governos, no entan- está concentrada no setor público.
to, isso não garantiu o crescimento Nos países de baixa renda, a simples
continuado das respectivas nações. descoberta do petróleo desencade-
Segundo o próprio autor, as obser- aria uma frequente “explosão dos
vações sobre o extrativismo e os efei- gastos públicos” (ROSS, 2015, p. 23),3
tos das commodities nos últimos anos possibilitando a governos autoritá-
têm proporcionado informações rios “silenciar” dissidências e asseve-
importantes para o incremento dos rar reações violentas de opositores.
estudos que relacionam os recursos Por conseguinte, esses países tendem
naturais com economia e política a governos menos transparentes e
(ROSS, 2015, Introdução). Estudos economias mais instáveis. Mostra
de Ross a partir da década de 1980 o autor, governos financiados pelo
sobre o assunto indicam que, em petróleo desperdiçam recursos e são
geral, a riqueza gerada por meio da menos prestadores de contas do que
abundância dos recursos naturais os governos financiados por impos-
produziu, em muitos dos países por tos (ROSS, 2015, p. 24, 29). Com pou-
ele observados, menos democracia e co ou nenhum planejamento, gastam
mais guerra civil. com o propósito explícito de se man-
De 2001 a 2009, as despesas públicas teriam aumentado 600% no Azerbaijão e 800% na Guiné
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Em 2014, o estado do Rio de Janeiro foi responsável por mais de 2/3 da produção nacional
(CAOLI, 2016).
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Existe um movimento internacional intitulado “Atingidos pela Vale”, organizado para resis-
tir e denunciar as ações da mencionada empresa. Informações a respeito estão disponíveis em
<https://atingidospelavale.wordpress.com/quem-eh-a-vale/>.
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O auge da participação da produção de petróleo e gás no PIB brasileiro foi em 2013, quando
alcançou 13% do PIB (PARTICIPAÇÃO..., 2013).
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O artigo de Almeida (2014) analisa o crescimento das funções e do poder corporativo do Ju-
diciário depois da Constituição de 1988, sendo um útil exemplo a respeito de como a estrutura
estatal compreensivelmente se expande no Estado social e permite a concomitante expansão
da elite burocrática.
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cadência econômica das famílias ru- tes até 1930, não é uma sociedade
rais leva-os ao Estado, porto seguro predominantemente moderna, por-
e extensão do patrimônio. Ali, esses tanto, nem capitalista na mesma me-
guardiões republicanos se tornariam, dida. Está baseada no latifúndio au-
progressivamente, “esta minoria tossuficiente até fins do século XIX,
[que] comanda, disciplina e controla voltada à extração e exportação dos
a economia e os núcleos humanos” produtos do extrativismo e à impor-
do País (FAORO, 2001, p. 242). tação de produtos acabados, consu-
Assim, o estamento burocrático midos apenas por essa aristocracia
tem a exclusividade da função de or- rural e pela incipiente classe média
ganizar a economia nacional, o que da qual a burocracia estatal faz par-
faz de forma centralizada. É carac- te. Naquele momento histórico, a
terística de todo esse período oligár- função primordial dessa burocracia
quico patrimonialista a confluência patrimonial é garantir a institucio-
entre o público e o privado na admi- nalidade desse modelo, por meio
nistração do Estado. Este é, afinal de da organização da captação e distri-
contas, o elemento definidor do pa- buição dos recursos provenientes do
trimonialismo, cujo significado está extrativismo puro. Portanto, quem
justamente na aproximação entre o coordena a economia e define seus
que pertence ao patrimônio público rumos é a burocracia patrimonial.
e os interesses privados de quem o Por consequência, determina as pos-
administra. Isso permite imaginar sibilidades e os limites do desenvol-
que os interesses não apenas da aris- vimento nacional, sempre em pre-
tocracia rural estavam assegurados, servação da economia do latifúndio.
mas os interesses corporativos (fi- Nessa direção, vale lembrar que
siológicos e de poder) do estamento qualquer país só se desenvolve eco-
burocrático também o estivessem. nomicamente quando, orientado
Enquanto o estamento burocrático por interesses de ordem burguesa, o
controla a organização econômica, mercado passa a coordenar a econo-
convenientemente os interesses da mia. Por extensão, o lucro da ativi-
sociedade patriarcal e mercantil pre- dade econômica serve, majoritaria-
dominam. Esse é o sentido do que mente, ao reinvestimento produtivo
Faoro (2001, p. 837) chamou de “ca- na direção do progresso técnico e da
pitalismo politicamente orientado”, competitividade (BRESSER-PEREI-
isto é, quando a administração do RA, 2008, p. 30). É justamente nessa
Estado é quem controla a economia, perspectiva que Faoro (2001, p. 837)
segundo princípios e objetivos que insistia, através de seu conceito de
não estão necessariamente voltados “capitalismo politicamente orienta-
ao desenvolvimento sustentado, e do”, que a independência de uma
sim à preservação dos interesses nação só seria possível se o estamen-
mencionados. to burocrático não se transformasse
Essa sociedade oligárquica, pa- em classe. Se consumado esse inde-
triarcal e mercantil, cujas caracterís- sejado fato, o controle econômico es-
ticas são significativamente influen- taria sempre em mãos dessa classe.
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Baseados em dados do Ministério da Fazenda, reportagens de diversos jornais como Folha de S.
Paulo, de 6 de agosto de 2017 (CARNEIRO; WIZIACK, 2017) e Gazeta do Povo (18 de julho de 2018)
demonstram que benefícios concedidos a empresários, no período de 2013-2016, superam os valores
concedidos aos programas sociais. Seriam R$ 420 bilhões contra R$ 372 bilhões (PIERRY, 2018).
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Os dados estão no Ranking de Eficiência Municipal (REM), criado pelo Jornal Folha de S. Paulo.
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Em 2018, o ranking de competitividade global do International Institute for Management Develop-
ment (IMD), da Suíça, classifica o Brasil em 60.º lugar entre os 63 países que aparecem na relação. Os
quatro fatores de mensuração são eficiência governamental, infraestrutura, desempenho econômico
e eficiência das empresas. (CALEIRO, 2018).
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São exemplos disso a renovação da Carteira Nacional de Habilitação, a pontuação de multas na
carteira, que suspende a licença e obriga ao curso de reciclagem; também é exemplo a lei do farol
aceso, que gerou multas, posteriormente suspensas pelo Judiciário, em nome da Constituição, pro-
porcionando a falsa sensação de justiça, que encobre o desperdício.
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No relatório 2016-2017 do Fórum Econômico Mundial, a posição do Brasil no ranking da com-
petitividade global cai de 44.º em 2012-2013 para 81.º em uma lista de atualmente 138 nações.
Entre os critérios que mensuram o ranking, estão os impostos, sua regulação para o ambiente de
negócios, a corrupção e a qualidade da administração no serviço público (ROSSI, 2016).
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Entre 2003 e 2008, a média de crescimento anual foi de 4,2%. Em 2009, por efeito da crise eco-
nômica global, houve uma retração de 06%, seguida de um crescimento de 7% em 2010, último
ano do governo Lula (CURADO, 2011).
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Um dos primeiros e mais conhecidos decretos do governo de D. João VI foi desalojar a bur-
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VASCONCELOS, F. C. Racionalida-
de, autoridade e burocracia: as bases
da definição de um tipo organiza-
cional pós-burocrático. In: ENCON-
TRO NACIONAL DE ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS, 2., 2002, Re-
cife. Anais... Recife: Eneo, 2002. 1
CD-ROM.
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