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Copyright © 2011, EdUERJ.

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Editor Executivo Italo Moriconi


Coordenador de Publicações Renato Casimiro
Coordenadora de Produção Rosania Rolins
Coordenador de Revisão Fábio Flora
Revisão Shirley Lima
Projeto, Capa e Diagramação Heloisa Fortes
Tradução das citações em francês Lucia Maia

ANPUH
Associação Nacional de História
-SOiwoi p residente Durval Muniz de Albuquerque Junior (UFRN)
Vice-Presidente Raquel Glezer (USP)

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
G963 Guimarães, Manoel Luiz Salgado, 1952-2010.
Historiografia e nação no B rasil: 1838-1857 / Manoel Luiz
Salgado Guimarães, tradução de Paulo Knauss e Ina de Mendonça
- Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011. Edições Anpuh.
284 p.
Originalmente apresentada como tese de doutorado à Universität
Berlin com o titulo Geschichtsschreibung und nation in Brasilien,
1838-1857.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7511-200-7

1. Brasil - Historiografia -1838-1857. 2. Instituto Histórico


e Geográfico Brasileiro - Historiografia. 3. Vamhagen, Francisco
Adolfo de, 1816-1878.1. Título.

CDU 930.2(81)”! 837/1857:


1

INTRODUÇÃO

O tem a da n ação nas ciên cias hum anas brasileiras

amalgamação m uito difícil será a liga de tanto m etal h eterogêneo,


com o brancos, mulatos, pretos livres e escravos, índios etc. etc.,
em um corpo sólido e político.”
José Bonifácio de Ándrada e Silva, 1813

“Nossas cidades, enseadas, rios, minas, florestas, o Brasil inteiro


tem sido visto, exam inado, estudado, copiado por sábios e
por artistas da Europa: encam inhem os a nossa juventude
para imitá-los, transplantando da Europa ao Brasil
tudo quanto pode dilatar a esfera dos
nossos conhecim entos, e dos nossos gozos.”
M inistro do Império, 1839

“Há tem pos que com profunda lástima tem os visto aparecer
entre nós sérias tendências de nos fazerem esquecer
a nossa verdadeira origem , dando-nos outra, não só falsa,
porém , o que mais é, m uito mais baixa. Outras N ações, separadas
do berço por um grande núm ero de séculos, querendo elevar-se, têm
esquecido a história, e fundadas em fábulas, hão procurado
para si um a origem não verdadeira, porém sem pre ilustre. Alguns dos
nossos patrícios, porém , querem esquecer-se d e que
são filhos de Portugueses, não para que a sua genealogia se vá prender a
26 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

tronco mais nobre, mas sim para fazerem-se descendentes


dos Tupiniquins e Botocudos. N ão lhes gabamos o gosto, antes querem os
provir dos Vascos da Gama, dos Castros, dos Mens de Sá, do que dos
Ambires, Jagoanharos e de outros bárbaros mais ou m enos antropófagos.”
Pinheiro Guimarães, 1856

As três citações iniciais su rg iram em três épocas distintas: a p ri­


m eira é de q u an d o ain d a n ão havia u m E stado nacio n al brasileiro;
a seg u n d a tin h a com o p a n o d e fu n d o as g ran d es querelas sobre a
e s tru tu ra in te rn a do E stado (em resum o, centralização versus descen­
tralização); e a terceira foi p ro d u zid a d u ra n te a consolidação d a m o ­
n a rq u ia parlam en tar. A in d a assim, elas têm algo em com um : o fato de
esp elh arem n o p la n o político -cu ltu ral a m ais im p o rta n te discussão
do Brasil d a p rim eira m etad e do século XIX: o debate sobre a questão
d a N ação e o cam in h o p a ra u m a in teg ração nacional, tão am p la q u a n ­
to possível, de todos os h ab itan tes d o E stado su rg id o n o an o d e 1822.
Sem dúvida, a q u estão n acional, so b retu d o em seus aspectos
políticos e econôm icos, te m o cu p ad o la rg a m en te as pesquisas das
ciências hu m an as n o Brasil.
D esde os anos 1930, a q u estão nacio n al, n a co n d ição d e estudo
d a “especificidade b rasileira”, foi g a n h a n d o cad a vez m ais im p o rtâ n ­
cia n o in te rio r d o cam po das ciências sociais n o Brasil, se n d o u m
te m a que, desde o século XIX, ocupava n ão só a arte, a literatu ra,
m as tam b ém a historiografia. A R evolução d e 1930, co m seu p ro jeto
d e u m Brasil novo e m o d e rn o , b u sco u cria r u m a m b ien te in telectu al
d ed icad o ao trab alh o sobre o passado. N o fu n d o , o q u e se im p u n h a
era a ideia d e q u e u m fu tu ro d ifere n te só seria possível q u a n d o fos­
sem elucidados os recursos d o passado d a ciên cia histórica. O s m ais
im p o rtan tes re p resen tan tes dessa geração d e cientistas sociais brasi­
leiros são G ilberto Freyre (1900-1987), Sérgio B u arq u e d e H o la n d a
(1902-1982) e Caio P rad o J ú n io r (1907-1990).1

1 FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 2 ed. Rio de Janeiro: Schmidt Editor,


1936, 360p.; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil. 9 ed. Rio de Janei­
ro: Livraria José Olympio Editora, 1976,154p. [Col. Documentos Brasileiros - 1];
PRADO JR. Caio. EvoluçãopoUtica do Brasil. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1957,264p.
Introdução 27

A p a rtir de suas obras, d isp o n d o d e m éto d o s existentes nas di­


versas ciências h u m an as, esses au to re s te n ta ra m ex p licar o Brasil.2
A pesar d e sua form ação d iferen ciad a - Caio P rad o J ú n io r e Sérgio
B uarque d e H o la n d a estu d aram D ireito, e n q u a n to G ilberto Freyre
cursou C iências Sociais n o s Estados U n id o s - , é possível dizer que
eles têm em co m u m u m a perspectiva h istó rica n a ab o rd ag e m d e seus
objetos d e pesquisa.
N o Brasil d aq u ele tem p o , a in d a n ã o havia a possibilidade de
um a fo rm ação universitária n o d o m ín io das ciências sociais e histó­
ricas, u m a vez q u e a p rim e ira u n iv ersid ad e b rasileira foi fu n d a d a em
São Paulo, em 1934. Esses au to res co lo caram em foco as visões esta­
belecidas e os m itos co n stru íd o s p ela histo rio g rafia b rasileira trad i­
cional. A h istó ria de m ártires e h eró is, q u e exigia u m estilo biográfico
e descritivo, o u a h istó ria factual, d ita histoire évenementieüe, deveria
ser lib ertad a p o r u m a h istó ria p re o c u p a d a co m os processos e as es­
truturas sociais, colocando-se a serviço d a explicação. G ilberto F reyre3
expôs, p e la p rim e ira vez, n o p la n o cien tífico os p ro b lem as d a escra­
vidão, e n q u a n to Caio P rad o J ú n io r4 in te rp re to u , p elo viés d a te o ria
m arxista, a h istó ria colo n ial d o Brasil.
Esses au to re s d e se m p e n h a ra m p a p e l fu n d a m e n ta l n o “Redes-
co b rim en to d o Brasil”, p a ra utilizar o co n ceito d e C arlos G u ilh erm e
Mota, n a m e d id a em q u e suas obras serviram p a ra estab elecer u m
p o n to d e p a rtid a p a ra estu d o s acerca do passado d e nosso país. P o n ­
to d e p artid a, p o rq u e p ro p u n h a m u m novo q u estio n am en to , o qual
estabelecia u m a ru p tu ra radical co m a trad ição d a histo rio g rafia p ra­
ticada pelos diversos “In stitu to s H istóricos”. U m a d é c a d a m ais tard e,
evidenciaram -se os p rim eiro s resu ltad o s d e u m a p rática cien tífica n a
U niversidade de São P aulo, esp ecialm en te n o cam p o d a an tro p o lo -

2 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1935-1974). 3 ed. São


Paulo: Ática, 1977. 303p. O autor estabelece em seu trabalho uma periodiza­
ção para a historiografia brasileira entre 1933 e 1974. O período abarcado
entre 1933 a 1937 é chamado de “Redescobrimento do Brasil”.
3 FREYRE, G., op. cit.
4 PRADO JR, C., op. cit.
28 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

gia, d a sociologia e d a geografia, em cuja so m b ra a ciên cia h istórica


a in d a se colocava.
A pesar d a relativa p re c a rie d a d e d o desenvolvim ento científico
d a história n o Brasil, a F acu ld ad e d e Filosofia d a U niversidade d e
São P au lo lançava a Revista de História, qu e, ao seg u ir a o rien tação d o
exem plo dos Annales franceses, assum iu u m a m arca in terd iscip lin ar.
A id eia d a criação d e u m a revista d e H istó ria o c o rre ra j á n o a n o d e
1937, n a m esm a ép o ca em q u e F e m a n d B rau d el lecionava n a U n i­
versidade d e São Paulo. C om a in ten ção d e en faü z ar o p aren tesco
espiritual com os Annales, o q u e tam b ém e ra útil ao p ró p rio re c o n h e ­
cim en to científico, a Revista de História p u b lico u em seu p rim eiro n ú ­
m ero , com o artigo prin cip al, a co n ferên c ia q u e L ucien Febvre p ro ­
ferira em 1949, n a U niversidade d e São P aulo, in titu la d a “O h o m e m
d o século XVI”.5
N a ép o ca d o governo d e Ju sc elin o K ubitschek (1955-1960), o
estudo do passado serviu à dissem inação d e u m a p o lítica cujas ca­
racterísticas eram o nacio n alism o co m o id eo lo g ia d e massa, a co n ­
solidação das instituições d em o cráticas e o crescim en to eco n ô m ico
acelerad o p o r m eio d e u m a ráp id a industrialização do país. F u n d a ­
m e n talm en te , tratava-se d e p ro m o v er a in d e p e n d ê n c ia do Brasil. O
lem a d e seu governo, “50 an o s em cin co ”, e a co n stru ção d e Brasí­
lia, n o Brasil C entral, com o a nova capital, sim bolizavam a p rin cip al
aspiração de sua políüca: a possibilidade de u m Brasil m o d e rn o e
desenvolvido.
F o rte m e n te in f lu e n c ia d a p e lo s tr a b a lh o s d e o rg a n iz a ç ã o
d a C e p a l (C o m issão E c o n ô m ic a p a r a A m é ric a L a tin a d a O N U ,
co m s e d e e m S a n tia g o d o C h ile), s u rg iu , n e s s a é p o c a , co m o a
te o ria m a is d if u n d id a d a s c iê n c ia s so ciais la tin o - a m e r ic a n a s , a
m o d e rn iz a ç ã o b a s e a d a n o p r in c íp io d o d u a lis m o d e to d a s as so­
ciedades subdesenvolvidas, as q u a is c o n tê m e m si, s e g u n d o essa
te se, d u a s re a lid a d e s c o n tra d itó r ia s .

5
Revista de História, São Paulo, 1(1), 1950, pp. 3-17.
Introdução 29

O livro de Jacq u es L a m b e rt - Os dois Brasis (1959) —desenvol­


veu essa teo ria utilizan d o o ex em p lo d o Brasil.6 O p rin c íp io dualista
p a rtia d o pressu p o sto d e q u e, ao lado d e u m seto r m o d e rn o e p ro ­
gressista (in d ú stria ), havia u m seto r subdesenvolvido (agricultura) que
rep resen tav a u m em p ecilh o p a ra o desenvolvim ento h a rm ô n ic o d a
sociedade. A su p eração dessa co n tra d ição p o r m eio d a m o d ern iza­
ção d a ag ric u ltu ra possibilitaria, fin alm en te, a p ro sp e rid a d e de to d a
a sociedade e colocaria o Brasil n o ro l dos países desenvolvidos.
O s re p re se n ta n te s dessa te o ria tê m co m o p ressu p o sto a exis­
tên cia de u m a co n tra d ição p o lítica e n tre os interesses d a b u rg u e ­
sia in d u strial nacional, q u e são vistos co m o os p o rta d o re s d o p ro ­
gresso, e os interesses d o s latifu n d iário s ligados ao estran g e iro pela
exportação.
E n q u a n to a “b u rg u esia n acio n al” esteve c o m p ro m etid a com
o progresso e a m o d ern ização do país, os latifu n d iário s fo rtalece­
ram a “reaç ão ”, q u e se colocava n o cam in h o dessa m od ern ização .
A lu ta po lítica d o Brasil n o s anos 1950 fo i fo rte m e n te im p reg n ad a
dessa p o stu ra teórica. O po p u lism o , co m o fe n ô m e n o p o lítico d a ép o ­
ca, encarregou-se d e d ifu n d ir esse p rin c íp io d o dualism o e te n to u
instrum entalizá-lo, visando o b te r, assim, cad a vez m ais o ap o io da
sociedade em favor d a m o d ern ização política. F rancisco W effort, p o ­
li tólogo d a U niversidade d e São P aulo e especialista d o fe n ô m e n o do
p o p u lism o ,7 caracterizou-o co m o o fe n ô m e n o p o lítico q u e p erm itiu
a in c o rp o ra ção d e massas cada vez m a io res n a so cied ad e in d u strial
q u e e n tã o se desenvolvia. P o r m eio d e u m a estreita relação d o líd er
populista, q u e tin h a acesso ao a p a re lh o d e Estado, co m as massas
u rb an as, a c o n d u çã o p o lítica teve êxito, p o r u m lado, ao co n seg u ir
a aprovação d e sua p o lítica p o r ocasião das eleições. P o r o u tro lado,
a m assa am p liad a de trab a lh ad o res foi b em -sucedida em sua in teg ra­

6 LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. 3 ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1967, 277p. [Col. Brasiliana, 335.]
7 WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 181p.
30 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

ção à sociedade in d u strial, u m a vez q u e o E stado encontrava-se co m ­


p ro m e tid o em fazer concessões p a ra alcan çar aprovação nas urnas.
S egundo Francisco W effòrt, u m a p o lítica am bivalente (com a
possibilidade, p o r u m lado, d e co n tro le das massas, e, d e o u tro , de
os m esm os trab alh ad o res estab elecerem as p ró p rias d em an d as) p res­
s u p u n h a u m crescim ento co n tin u a d o com o co n d ição p a ra a in teg ra­
ção d e novos grupos.
A d e rru b a d a d o reg im e d em o crático em 1964 e a co n seq u en te
construção d a d ita d u ra m ilitar ap o iad a n a coalizão d a in d ú stria e do
latifúndio im pu seram u m a revisão dessa teo ria dualista p a ra o e n ­
te n d im e n to do desenvolvim ento brasileiro. O q u e se evidenciou n o
cam p o d a política foi algo m u ito d ifere n te d e u m estad o agravado
d o co n fro n to po lítico e n tre os industriais e os latifundiários. O trab a­
lh o d e Francisco de O liveira8 assum iu, nessa perspectiva, u m a crítica
radical à te o ria d o dualism o válida até os an o s 1970. E m vez d e u m a
co n trad ição e n tre u m Estado m o d e rn o (in d ú stria) e o u tro regressivo
(agricultura), a análise p ro c u ro u ressaltar as ligações e n tre os dois
setores co m p lem en tares. O p o p u lism o foi fo rte m e n te criticado, u m a
vez q u e a su p erestim ação d o n acionalism o e d o p ro jeto d e desenvol­
vim ento n acio n al e n co b ria as reais co n trad içõ es d a so ciedade e os
d iferen tes interesses d e classe.9
A co n stru ção dos diversos regim es au to ritário s n a A m érica La­
tina, ao lo n g o dos anos 1960 e 1970, em alguns países com ace n tu a­
dos traços nacionalistas pro v o co u tra ta m e n to ren o v ad o das q uestões
relativas à história desse co n tin en te : a q u estão n acio n al e a p articu la­
rid a d e d o su rg im e n to d e Estados nacionais, n o século X IX, nas an ti­
gas colônias, b em co m o o fracasso das form as d e E stado d em o cráti­
co, que, com freq u ên cia, constituíram -se m ais e m exceções d o q u e a
reg ra d a história d o co n tin en te .

8 OLIVEIRA, Francisco de. “A econom ia brasileira: crítica à razão dualis­


ta”. I n ----- . Questionando a economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1975, pp.
5-78.
9 IANNI, Otávio. O colapso do populismo no Brasil 3 ed. Rio de Janeiro: Civiliza­
ção Brasileira, 1975, 223p. Crisis in BraziL Tradução de Phyllis B. Eveleth. New
York: London, Columbia University Press, 1970, 244p.
Introdução 31

A rá p id a difusão d a teoria da dependência, inclusive em am b ien ­


tes acadêm icos eu ro p eu s, co m o p rin cip al m o d elo d e explicação p a ra
a h istó ria d a A m érica L atina, tem relação d ire ta co m o q u estio n a­
m e n to antes a p o n ta d o .10 P a rtin d o dessa c o n tra te o ria dos fu n d a m e n ­
tos d a m o d ernização , a m a io r p a rte dos estu d o s das ciências h u m a ­
nas brasileiras, n o p e río d o referid o , dedicou-se à dependência n o seu
sentido econôm ico, b em com o cu ltu ral e espiritual.
R eportando-se a u m a trad ição m arxista, as análises, em vez de
su b lin h arem a oposição e n tre as nações, enfatizavam a co n trad ição
e n tre os interesses de classe q u e u ltrap assam as fro n teiras n acio n ais.11
P o r essa perspectiva, fo ram p ro p o stas as seg u in tes questões:
A té q u e p o n to existiu n o Brasil d o século X IX u m nacionalis­
m o n o sentido eu ro p eu ?
A té q u e p o n to o viver em colônia to rn o u possível u m n acio n a­
lism o n o q u a d ro das lim itações im postas ao d esd o b ra m e n to d e u m a
esfera pública?
A té q u e p o n to é possível fa la r d a ex istê n c ia d e u m a c u ltu r a
b ra sile ira a u tó c to n e o u so m en te d a ex istên cia d e u m a tra n s p la n ­
tação d a c u ltu ra e u ro p e ia , q u e te ria u m a nova m a n ife sta ç ã o nos
trópicos?
S erá q u e é possível falar d e algo especificam ente brasileiro?

10 Para o tratamento do tema em alemão, veja-se: EVERS, Tilman Tönnies &


WOGAN, Peter von. “Dependencia”, lateinamerikanische Beitäge zur Theorie
der Unterentwicklung: Das Argument Berlin, 15 (4-6), 1973, pp. 404r-54; LIN­
DENBERG, Klaus (org.). Lateinamerika-, Herrschaft, Gewalt und internationale
Abhängigkeit. Bonn, Verlag Neue Gesellschaft, 1982, 358p.; SENGHAAS, Die­
ter (org.). Peripherer Kapitalismus, Analyse über Abhängigkeit und Unterentwi­
cklung. Frankfurt/M., Suhrkamp, 1981, 392p.; PUHLE, Hansjürgen (org.).
Lateinamerika-, Historische Realität und Dependencia-Theorie. Hamburg, Ho-
ffmann & Campe, 1977, 239p.
11 Como exemplo de trabalho nessa perspectiva, veja a importante obra de CAR­
DOSO, Fernando Henrique e FALLETO, Enzo. Dependência e desenvolvimento
na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970,
143p.
32 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Esse c o n ju n to d e p ro b lem as a p o n ta p a ra u m a re o rie n ta ç ã o d a


pesquisa so b re a questão n acional, n a m e d id a em q u e coloca em x e­
q u e alguns p o n to s fu n d am e n tais d a trad ição tran sm itid a p ela h isto ­
riografia n acional, q u e enfatiza a oposição e n tre co lô n ia e m e tró p o le
com o e tap a p a ra a co n stituição d a n acio n alid ad e.
A te o ria d e B arrin g to n M o o re12 so b re o su rg im e n to das socie­
d ades dem ocráticas e a co n seq u en te rece p ção de sua o b ra nos cír­
culos acadêm icos ch am o u a aten ção p a ra o p ro b le m a d a m o d e rn i­
zação c o rre sp o n d e n te ao processo d e se e n g e n d ra r u m a sociedade
o rie n ta d a ao m ercad o n o Brasil ao lo n g o d o século XIX. O m o d elo
teó rico d e M oore o fereceu u m a explicação p a ra o e n te n d im e n to d o
desenvolvim ento político d o Brasil.13
A te o ria d a especificidade d o Brasil, desenvolvida n o s anos
1970, a p a rtir d a referên cia de B arrin g to n M oore, atrib u i ao m o d elo
d e colonização o fracasso d a estabilidade d em o crática n o p aís, m a r­
can d o , inclusive, o processo d e m o d ern ização d o século XIX. P ara a

12 MOORE, Bamngton. Social origins of dictatorship and democracy. Lo rd and Pe-


asant in the making o f the m odem world. Boston: Beacon Press, 1966, 559p.
13 As obras mais importantes que se dedicam à especificidade do Brasil no pro­
cesso de constituição de uma sociedade orientada pela econom ia de merca­
do são: FERNANDES, Florestam A revolução burguesa no Brasil Rio de Janeiro:
Zahar, 1973, 413p.; MELLO, João Cardoso de, O capitalismo tardio: contribuição
à revisão critica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. Tese de dou­
torado. Campinas; Unicamp/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1975,
203p.; VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato: um es­
tudo comparativo a partir da fronteira em tiiovimento. São Paulo: Difel, 1976, 261p.
Os três trabalhos ressaltam a particularidade do desenvolvimento capitalista
do Brasil, sem perder de vista as. estruturas globais do sistema. A especificidade
do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, em comparação com a Europa
e a América do Norte, fica dara face à organização política do sistema. Espe­
cificam ente, a posição dos autores é a de que a revolução burguesa no Brasil
só ocoiTeu no plano econômico, e não no plano político. Em cònsequênda,
segundo esses autores, trata-se de um sistema cujâ particularidade só pode ser
compreendida a partir da história. Na verdade,, o que eles reivindicam é uma
historiçização das categorias d ç modernização e capitalismo. Categorias como ca­
pitalismo tardio, capitalismo autoritário ou modelo autocrático-burguês são utilizadas
com o elementos de construção do entendimento de uma realidade particular,
que resultou do processo de colonização db século XVI.
Introdução 33

elite d o m in a n te brasileira, cuja base eco n ô m ica c o n tin u o u sen d o a


escravidão a te o fim d o século XIX, n u n c a se co lo co u a necessid ad e
de im p o r seus interesses p o r m eio d e u m a tran sfo rm ação socioeco-
n ôm ica d a sociedade. A In d e p e n d ê n c ia n ã o foi o resu ltad o d e u m a
R evolução, mas, sim, p ro d u to de u m a neg o ciação com P o rtu g al. Os
re p re se n ta n te s dessa te o ria colo caram em x eq u e a ligação a u to m á­
tica e n tre In d e p e n d ê n c ia e nacio n alism o e se e n c a rre g a ra m d e ob­
servar que, m esm o co m a fu n d açã o d o E stado n acional, e ra possível
an tev er certo processo d e c o n tin u id a d e .14
A h isto rio g rafia b rasileira tradicional, o rie n ta d a p e lo sen tid o
n acio n al e to m ad a p elo m o d elo ro u sse au n ian o dos colonos, q u e ro m ­
p e ra m seus grilhões, a b o rd o u a In d e p e n d ê n c ia com o co n seq u ên cia
d e u m a co n sciên cia n acio n al crescen te, Essa in te rp re ta ç ã o surge
com o p ro b lem ática aos olh o s d os au to res m ais novos.15A d isp arid ad e
d e interesses regionais d e te rm in a d o s e as d iferen ças sociais e étnicas
—q u e fo ram re c o n h e c id a s pelos políticos m ais antigos d o m ov im en to
de In d e p e n d ê n c ia —c o n trib u e m p a ra co lo car em dúvida q u a lq u e r
tra ta m e n to unívoco d e u m a co n sciência n acio n al n o fim do século
XVIII e início d o século XIX.
N ovos im pulsos p a ra o d e b a te dá q u estão n acio n al n o Brasil
surgiram esp ecialm en te n o d o m ín io d a an tro p o lo g ia. R o b erto Da-
M atta16 estabeleceu, a p a rtir de suas pesquisas so b re a so cied ad e b ra­
sileira, u m im p ô rta n te q u e stio n a m e n to n o p la n o teórico, em to rn o
d a id e n tid a d e brasileira re fe re n te ao fu n c io n a m e n to d a sociedade.
A p a r tir d a investigação d e fen ô m e n o s sociais vivos im p o rta n te s
n a so cied ad e brasileira, com o, p o r ex em p lo , o carnaval, ele p ro p õ e
questões provocativas e u m m o d e lo explicativo p a ra a análise d a so-

14 DIAS, Maria Odila da Silva. “A interiorização da metrópole (1808-1853)”.


In MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva
1972, pp. 160-184.
15 Idem.

16Veja, em especial, DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma


sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 272; do mesmo
autor, A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil São Paulo: Bra-
siliehse, 1985, 140p:
34 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

ciedade brasileira. O estudo dos rituais possibilita, segundo seu p o n ­


to de vista, u m a abordagem da totalidade social. E assim que estrutu­
ras fundam entais da sociedade são dram atizadas.
A p artir dessa postura, ele se aproxim a da sociedade brasilei­
ra com a inten ção explícita de e n te n d e r a especificidade do que é
“brasileiro”. O livro Carnavais, malandros e heróis, de sua autoria, tem
com o p erg u n ta n o rtead o ra, segundo suas p ró p rias palavras, investi­
gar “o que faz o Brasil Brasil”.17

O movimento de Independência e a questão nacional no Brasil

Ao lado dos obstáculos de n atu reza étnica, é preciso acrescen­


ta r o isolam ento das diferentes províncias, que, ao m enos parcial­
m en te, só foi sendo su p erad o , po u co a p o uco, a p a rtir d e 1808, com
a transferência d a C orte p o rtu g u esa p ara o Rio de Ja n eiro , a conse­
q u en te construção d e estradas, as expedições científicas e a elabora­
ção de cartas geográficas.
A p ro d u ção voltada à exportação d a colônia d o Brasil e a forte
centralização política p o rtu g u esa to rn aram difícil p o r bastante tem­
p o o desenvolvim ento de relações mais estreitas e n tre as diferentes
regiões do Brasil. S om ente a p artir do século XVIII, com a prosperi­
dade do ou ro da região das Minas Gerais, desenvolveu-se u m m erca­
do in tern o a p artir do abastecim ento da região en riquecida.
A transferência d a C orte p o rtu g u esa p ara o Rio de Janeiro,
m otivada pelas invasões napoleônicas da p en ín su la ibérica, alterou,
seguram ente, em b o a m edida, essa situação. O Rio de Jan eiro , como
a capital de fato do Im p ério português, tornou-se tam bém o centro
do governo e ultrapassou o estatuto de u m a cidade de província para
se transform ar em residência de vários legados estrangeiros. Novas
exigências surgiram a p a rtir de en tão e o Rio de Ja n e iro se tornou
um centro de consum o im p o rtan te, in flu en cian d o a p ro d u ção das
outras regiões do Brasil.

17 DAMATTA, Roberto, op. cit., p. 14.


Introdução 55

A presença d o Estado p o rtu g u ês n a colônia tro u x e co n seq u ên ­


cias im portantes p ara o m ovim ento de In d ep en d ên cia: a Casa de Bra­
gança m anteve o governo do novo Estado, apesar d a In d ep en d ên cia.
Uma situação inusitada, q u an d o com parada, p o r exem plo, com o
conjunto das colônias espanholas vizinhas.
Nas antigas colônias espanholas, o d esen ro la r dos fatos se d eu
em direção bastante oposta. Lá, In d e p e n d ê n c ia significou forte dis­
tanciam ento em relação à E spanha e valorização d a cu ltu ra indígena.
O exem plo dessas colônias, em cujos territórios se fu n d aram várias
repúblicas a p a rtir d a In d ep en d ê n cia, sem p re assustou a elite brasi­
leira. De aco rd o com a co n cep ção d e m u n d o vigente, a R epública
pertencia ao m esm o universo d a an arq u ia e precisava ser d etid a a
qualquer custo.
O desenvolvim ento diferen ciad o das colônias espanholas e
portuguesas deve ser co m p re en d id o tam bém p o r m eio das possibili­
dades de form ação das elites locais. Ao co n trário de Portugal, a Espa­
nha autorizou a fundação de universidades n a A m érica Latina, o que
fez com que, desde m u ito cedo, a cam ada d irig en te local pudesse
se p reo cu p a r com o viver em colônia. E m 1551, as universidades do
México e P eru foram fundadas, e o n ú m e ro d e form ados n o ensino
superior n o final d a colonização - cerca de 150 m il p ara o universo
hispânico e 1.242 p a ra o universo colonial p o rtu g u ês - d em o n stra
claram ente a distinção d e cu ltu ra política e n tre as duas potências
coloniais.18
N o caso das fam ílias abastadas do Brasil, seus filhos tin h am o
percurso individual de form ação d eterm in ad o , d e antem ão, p ela or­
dem de nascim ento: o p rim o g ên ito h erdava os bens m ateriais, en ­
quanto o seg u n d o e ra enviado p a ra estu d ar em P ortugal, com vistas
à sua qualificação p ara o cu p ar altas funções d e Estado. P ara esse p e­
queno estrato social é q u e se colocava à disposição a U niversidade
de Coim bra. Essa universidade foi fu n d ad a em 1308 e refo rm ad a no

18Sobre o sistema universitário latino-americano: STEGER, Hans-Albert. Die Uni­


versitäten in der gesellschftlichen Entwicklung Lateinamerikas: das lateinamerikanische
Universitätswesen zwischen geschichtlcher Überlieferung und geplanter Zukunft. Güter­
sloh, C. Bertelsman Verlag, 1967, 305p., v. 1.
56 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

final do século XVIII, n a ép o ca em que o M arquês de Pom bal era pri­


m eiro-m inistro, em no m e dos ideais do Ilum inism o, rep resen tan d o
apenas um a p rim eira am eaça à tradição aristotélica p red o m in an te.
A concentração em to rn o de u m a ú n ica universidade teve como
consequência a hom ogeneização intelectual d a elite le trad a do Brasil.
É evidente que, além de Coim bra, havia outras opções p a ra se alcançar
u m a form ação de nível superior. Elas se constituíam , contudo, em ex­
ceção n a preferência dessa elite letrada. Foi exatam ente q u an d o outro
percurso de form ação se afirm o u (o que é, em certa m edida, o caso
d a elite letrad a de M inas Gerais, p o r exemplo) que se to rn o u possível
a articulação de projetos políticos radicais. A pós a Independência, a
u n idade intelectual d a m aioria d a elite le trad a brasileira facilitou o
desenvolvimento do Brasil ru m o ao Estado m onárquico centralizado
e inviabilizou a divisão do país em diversas repúblicas - contrastando,
assim, com o que o co rrera n o universo colonial espanhol.
A postu ra d a elite d irig en te d o m ovim ento de In d ep en d ên cia
é traduzida em u m trech o d o Correio Braziliense - j o r n a l q u e surgira
em L ondres en tre 1808 e 1822. Pouco antes d e atin g ir a In d ep en d ê n ­
cia, o jo rn a l escrevia:

... também não querem os uma revolução e uma revolução será


se mudarem as bases de todo o edifício administrativo e social
da monarquia; e uma revolução tal e repentina não se pode
fazer sem convulsões desastrosas, e é por isso que não a dese­
jam os.19

Alguns anos mais tard e (1828), depois que essa cam ada diri­
gente j á d etin h a o p o d e r de Estado, Evaristo d a Veiga, com o editor

19Apud DIAS, Maria Odila da Silva, op. cit., p. 180.


O editor desse jornal foi Hipólito da Costa, que, em 1805, emigrou para Lon­
dres devido à perseguição da Inquisição. Seguidor dos ideais do Iluminismo,
através de seu jornal, ele almejava promover o progresso do Brasil; pretendia,
assim, viabilizar a suspensão do estatuto colonial e a convivência com Portugal
numa monarquia parlamentar. Veja-se também: RIZZINI,, Carlos. Hipólito da
Costa e o Correio Brasiliense. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1957, 310p.
Introdução 37

e red ato r, resum e nas páginas do jo rn a l Aurora Fluminense, q u e ele


fu n d ara n o Rio de Jan eiro , a opinião dessa elite: “N ada d e excessos.
Q uerem os a C onstituição. N ão querem os a Revolução.”20
A Casa de B ragança surgia com o g aran tia de liberdade d en tro
de u m a ordem política e, ao m esm o tem po, com o possibilidade de es­
capar ao caos social exem plificado pelas antigas colônias espanholas.
Essa elite e sua ligação com os interesses e o m u n d o intelectual
de P ortugal representavam a m aioria dos setores dirigentes nacio­
nais, q ue ficou en carreg ad a da tarefa de co n stru ir o Estado brasilei­
ro a p a rtir d e 1822. A inda q u e a cu ltu ra política d e P ortugal te n h a
tido com o objetivo pro m o v er a hom ogeneização in telectu al - o que
realm ente te rm in o u aco n tecen d o - , n ã o se p o d e afirm ar d e to d o que
não houvesse, n o in te rio r dessa elite, diferenças de n atu reza tanto
econôm ica q u an to regional. Especialm ente d ian te d a In d e p e n d ê n ­
cia e com o processo de consolidação do Estado nacional, projetos
políticos alternativos foram form ulados - de caráter mais radical - ,
mas n ão alcançaram sucesso n a estru tu ração do Estado nacional.
N o final d o século XVIII, n a província de M inas Gerais, j á era
possível p e rc e b e r claram en te certa insatisfação com a política colo­
nial portuguesa. A consciência de sua especificidade e d a au to n o m ia
espiritual da população d a província se fundava n a riqueza das m inas
de ou ro , q ue eram conhecidas desde o início do século XVIIL A p a r­
tir dessa base, em ergiu u m a o rd em social que n ão se p arec ia com
a o rd em tradicional d a sociedade colonial, ap o iad a n a ag ricu ltu ra.
A alta lu c ra tiv id ad e e a c o n co m ita n te esp ecialização d a eco n o m ia
das m in as d e o u ro c o n trib u íra m , p e la p rim e ira vez, n o B rasil p a ra
o desenvolvim ento d e u m m ercad o in tern o .
N a região m in erad o ra, rap id am en te floresceu a vida u rb an a
em sua diversidade: n ão ap en as com o lu g ar dó governo, com o era
usualm ente o caso das cidades d o litoral, o n d e a ag ricu ltu ra dava o
tom, m as tam bém com o lu g ar de aproxim ação dos d iferentes g ru ­
pos sociais; pro p rietário s de m inas de o u ro , m ercadores, q u e tinham

20 Apud COSTA, João Cruz. “As novas ideias”. In HOLANDA, Sérgio Buarque
de (org.). História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico; o processo de
emancipação. São Paulo: Difel, 1965, p. 182, v. 1, t. II.
38 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

g ran d e im portância n o abastecim ento d a região m in erad o ra, e uma


elite letrada que, p o r sua vez, tin h a co n tato com o u tras fontes do
Ilum inism o (em especial d o Ilum inism o francês, p o r ex em p lo ). Des­
se m odo, en q u an to o latifundiário d e u m a região agrícola (princi­
p alm en te os d a Região N ordeste, em to m o d a cu ltu ra d a cana-de-
açúcar) se fixava p rim o rd ialm en te em suas terras, o em presário da
região das m inas ficava n a cidade e participava dos salões das socieda­
des literárias, deixando-se contagiar p o r outras experiências.
Esse co n junto d e fatores certam en te co n trib u iu p a ra q u e a re­
gião d e Minas Gerais oferecesse u m q u ad ro diferen ciad o do Brasil
nos tem pos coloniais, cujo caráter se dissolveu com a crise d a pro­
dução das m inas e depois com a forte repressão d a insurreição de
1789. A grande crise econôm ica de P ortugal n o final d o século XVIII
conduziu ao fortalecim ento geral d a política colonial p a ra controlar
o co n trab an d o de ouro. Nessa época, organizaram -se m ovim entos
de contestação em algum as cidades d o país, q u e se reu n ia m em tor­
n o das recém -criadas sociedades culturais, d en o m in ad as academias.
Alguns dos integrantes dessas sociedades, in icialm ente consentidas
pelo governo colonial, n ão haviam estudado em C oim bra, mas, sim,
n a França, estabelecendo u m a p o n te com as co rren tes intelectuais
em voga. A filosofia do Ilum inism o francês, que, n o m eio das cor­
rentes intelectuais de então, era mais radical q u e as ideias receitadas
em Portugal, era discutida tom ando-se com o referên cia a situação
do Brasil.
Pela prim eira vez desenvolveu-se certo d eb ate acerca d e temas
delicados com o a questão da escravidão. A repercussão social dessas
sociedades foi m uito mais restrita d o q u e nos exem plos correlates
europeus, um a vez que, n o Brasil, se tratava de u m a o rd em social
com posta p o r g ran d e p arcela d e escravos e n ã o havia q u alq u er siste­
m a educacional organizado.
A ntonio C ândido d e M ello e Souza (cientista d a literatu ra da
U niversidade de São Paulo) ,21 ao ab o rd ar, em seu estudo, a form ação

21 SOUZA, Antonio Cândido de Mellò e. Formação da literatura brasileira: momentos


decisivos. São Paulo: Martins, 1959, 2v.
Introdução 39

de u m a literatu ra brasileira, fala de u m au to p ú b lico p a ra caracteri­


zar os integrantes das academ ias. Tratava-se d e u m a esfera pública
m uito restrita, pois, n o fu n d o , eles form avam seu p ró p rio público.
A literatura d aq u ele tem po, q u e seguia os p ad rõ es form ais eu ro p eu s
na abordagem d e seus tem as - reco n h e cim e n to d a p ró p ria realidade,
valorização dos filhos d a te rra e cren ça n o progresso do país —, aca­
bou p o r re p re se n ta r as transform ações sociais d a época.
O p o n to alto desse esforço de contestação foi o m ovim ento
político sufocado p elo governo colonial, o co rrid o n a região das Mi­
nas G erais em 1789. O g ran d e n ú m e ro d e intelectuais envolvidos
(clérigos, poetas e diplom ados em universidade) e sua confiança n a
filosofia d o Ilum inism o francês - o assim ch am ad o espírito francês -
caracterizaram a conspiração política.
K en n eth Maxwell, em sua pesquisa sobre essa conspiração
política,22 identificou três grupos q u e se engajaram n o levante: os as­
sim cham ados ativistas, com seu p ap el d e lid eran ça n o d esen ro la r do
movimento; os intelectuais, que, em g ran d e p arte, depois d a estada
na U niversidade de C oim bra (a m e tad e dos estudantes brasileiros
em Coim bra, dois anos antes d o levante, eram “m in eiro s”, h ab itantes
de M inas G erais), e m p re en d iam viagens p o r outros países eu ro p eu s
como In g laterra e França; e u m estrato de com erciantes ricos, em ­
presários d a m ineração e co n tratad o res de im postos, u m g ru p o que,
em bora abastado, tin h a g ran d es dívidas com a C oroa p o rtu g u esa. O
m ontante das dívidas dessa cam ada social se viu au m en tad o com a
crescente crise das m inas de o uro, re p e rc u tin d o n a dim inuição de
suas receitas.
A política do governo p o rtu g u ês de red u ção do m o n ta n te das
dívidas, especialm ente a p a rtir d a n o m eação do V isconde de Barba-
cena com o governado r d e M inas G erais em 1786, aproxim ava ain d a
mais essa cam ada social d a co n juração política. N ão à to a constava
do p ro g ram a de Inco n fid ên cia M ineira (com o o m ovim ento ficou

22MAXWELL, Kenneth. A devassa da Devassa; a Inconfidência Mineira: Brasil e Por­


tugal, 1750-1808. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, 3l7p.
40 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

co n h ecid o pela historiografia) a suspensão d e todas as dívidas rela­


cionadas com a C oroa portuguesa.
A lém disso, constavam do p ro g ra m a dos m in e iro s diversas
m e d id a s d e n a tu re z a eco n ô m ica d e stin a d a s ao novo E stad o que
p re te n d ia m f u n d a r e q u e d ev eria estab elecer-se com base em
p rin c íp io s rep u b lican o s: incen tiv o às m a n u fa tu ra s locais, severa­
m e n te p ro ib id a s p elo co n tro le p o rtu g u ê s ; p ro m o ç ã o d a e x p lo ra ­
ção d e m in é rio a b u n d a n te m e n te d isp o n ív el n a reg iã o , q u e, p o r
su a vez, e ra im p o rta n te n a e x tra ç ã o d o o u ro , n a m e d id a em q u e
se c o n s titu ía em m a té ria -p rim a p a r a a p ro d u ç ã o d e im p o rta n te s
fe rra m e n ta s.
A Revolução A m ericana parece ter fo rn ecid o u m p arâm etro
p rim oroso p ara o p lan o dos conjurados. O vínculo e n tre u m a polí­
tica fiscal injusta e u m levante político, com o se evidenciou n o caso
am ericano, apresentou-se in teg ralm en te n a avaliação dos atores en ­
volvidos n o m ovim ento. A fundação d e u m a universidade n a capital
das M inas Gerais, Vila Rica, tam bém fazia p arte das previsões do p ro ­
gram a do levante.
F ator problem ático n o m ovim ento foi a discussão de questões
com o, p o r exem plo, a abolição da escravidão, u m a vez que alguns de
seus m em bros im portantes eram senhores de escravos. U m a solução
de com prom isso term in o u sendo en co n trad a, chegando-se ao acor­
do d e to rn ar livres todos os negros nascidos n o país.
A inda que houvesse contato en tre M inas Gerais, São Paulo e
Rio d e Jan eiro , o m ovim ento m anteve caráter m arcad am en te regio­
nal. Isso dificilm ente se co ad u n a com a in terp retação do m ovim ento
fixada pela historiografia nacional brasileira, que o identifica com o
nascim ento d a consciência nacional.
O u tro s m ov im en to s p o lítico s d e c a r á te r sim ila r o c o rre ra m
ta m b é m n o R io d e J a n e iro (1794), o n d e se situava, d esd e 1763,
a sed e do g o v ern o -g eral co lo n ial, e n a B ah ia (1798). A devassa
levada a cab o p e la Ju stiç a lu sita n a n a seq u ê n c ia d a re p re ssã o à
In c o n fid ê n c ia do R io d e J a n e iro co n sta to u a le itu ra d e au to res
com o M on tesq u ieu , V oltaire, M ably e os en ciclo p e d istas. C o n sta
dos autos:
Introdução 41

E reuniam-se elas não só em casas particulares mas ainda nos


lugares públicos, com a ocasião das atuais alterações da Euro­
pa, a altercar questões sobre o governo público dos Estados e
em que algumas das referidas pessoas têm escandalosamente
proferido: que os reis não são necessários; que os hom ens são
livres e podem em todo o tem po reclamar a sua liberdade;
que as leis por que hoje se governa a Nação francesa são justas
e que o m esm o que aquela nação praticou, se devia praticar
neste continente.25

Ao final do século XVIII, com eçaram a se to m a r previsíveis os


prim eiros sinais de u m a crise do sistem a colonial co n stituído d esde o
século XVI, vislum brando com o resultado de sua d erro cad a a possi­
bilidade d e se constitu írem diversos Estados nacionais.
A p a rtir de 1808 - q u an d o o rei p o rtuguês transferiu sua C orte
p ara o Rio d e ja n e iro , devido à am eaça napoleônica de cerco continen­
tal que se abatia sobre Portugal - , o Brasil recebeu o novo status de cen­
tro do im pério colonial português. Assim, o p erío d o en tre 1808-1821
ficou m arcado p o r u m a série de reform as em preendidas em vários
âmbitos (por exem plo, governo, cultura). As consequências se apresen­
taram tanto no plano d a econom ia com o n o p lano político-cultural.
Com a suspensão d ó m onopólio com ercial p o rtuguês, desmontava-se
um dos pilares do sistem a colonial. A exclusão de P ortugal com o ins­
tância interm ediária do com ércio e a consequente baixa dos preços
atendiam a u m a das grandes d em andas d a econom ia brasileira.
C om o co n tra p artid a ao apoio oferecido a P ortugal co n tra Na-
poleão, a In g laterra obteve taxas alfandegárias preferenciais e tor­
nou-se, assim, a m aio r b eneficiária d a lib erd ad e com ercial brasileira.
O estreito relacio n am en to e n tre P ortugal e In g laterra n ão e ra um
fen ô m en o novo. D esde 1703, com a afirm ação d o T ratad o d e Me-
th u e n , Portugal obrigava-se a aceitar o ingresso d o algodão inglês
livre d e taxas de im portação, en q u a n to a In g laterra se com p ro m etia
em favorecer a im portação d o vinho português.

25Apud COSTA, João Cruz, op. cit, p. 180.


42 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

N a prim eira m etad e do século XVIII, Portugal se colocava em


terceiro lugar n a lista dos im p o rtad o res de p ro d u to s ingleses, depois
d a H olanda e d a A lem anha: Os privilégios concedidos à organização
dos com erciantes ingleses da cidade do Porto e de Lisboa existente
desde o século XVII ilustram m uito bem a conexão desses interesses.24
Em 1815, o Brasil foi elevado à parcela com os m esm os direi­
tos d o R eino U n id o de Portugal, Brasil e Algarve, o q u e era, então,
equivalente, n o p lano político, ao sentido econôm ico q u e o Brasil
assum ira n o im p ério colonial português. O fato inusitado n a histó­
ria colonial latino-am ericana d a transferência d a C orte possibilitou
à elite brasileira acesso aos cargos m ais elevados n a adm inistração
de Estado, adian d o a u rg ên cia d a necessidade d e se prom over u m a
in d e p en d ên cia política.
Desse m odo, a elite brasileira, aliviada eco n o m icam en te desde
1808, q u an d o o m o nopólio com ercial foi afrouxado, e com acesso
político ao ap arelho de Estado e à C orte n o Rio d e Jan eiro , n ão co­
locou n o horizo n te de suas expectativas a solução de u m a separação
radical de Portugal. Foi som ente n o d ec o rre r dos eventos políticos
que o correram em Portugal, em 1820, q u e a separação com o opção
política se im pôs no q u ad ro de discussões, a fim d e g aran tir a m an u ­
tenção dos privilégios econôm icos e políticos conquistados.
Em 24 de agosto de 1820, n o P orto, cidade ao n o rte d e P or­
tugal, levantaram -se diversos regim entos m ilitares, d an d o início à
“Revolução L iberal” (assim d en o m in ad a pela historiografia). A eclo­
são desse m ovim ento, com im p o rtan tes consequências p ara a In d e­
p en d ên c ia do Brasil, deve ser vista em relação com o co ntexto da
sociedade portu g u esa e suas condicionantes econôm icas e políticas.
D esde a transferência d a C orte p ara o Rio de Jan eiro , em 1808, que
em P ortugal a p reexistente h eg em o n ia d a In g laterra au m e n to u ain­
d a mais seu peso. Essa h eg em o n ia n ão p roporcionava apenas vanta­
gem econôm ica à In g laterra - com o, p o r exem plo, o co n tro le do co­
m ércio colonial com o Brasil; tin h a tam bém consequências políticas.

24 MAXWELL, K , op. cit., p. 25.


Introdução 43

Especialm ente no m eio das forças m ilitares, sob o com ando


do general inglês B eresford (1768-1854), cresceu u m sen tim en to de
insatisfação que se m anifestava em defesa da h o n ra nacional. Para
desencadear o m ovim ento, estrategicam ente, lideranças do levan­
te m ilitar aproveitaram a viagem de B eresford p a ra o Rio de Jan ei­
ro, o p o rtu n id ad e em q u e p re te n d ia ap resen tar ao rei d. Jo ão VI a
situação crítica de Portugal. A pós o levante do P orto, nas regiões sob
o controle das tropas e dos oficiais revoltosos, os oficiais ingleses das
forças arm adas foram destituídos de suas funções.
A difícil situação econôm ica d e P ortugal se com plicou ain d a
mais pelo fato de q u e g ran d e p arte das receitas públicas havia sido
gasta pela C orte n o Rio d e Jan eiro . Assim, estabeleceu-se u m q u ad ro
em q ue todas as águas co rriam a favor d a revolução. Jo sé T razim undo
M ascarenhas B arreto (1802-1881), m e m b ro d a aristocracia, em suas
m em órias,25 descreveu d o seguinte m o d o o clim a político:

As ideias de revolução eram gerais. Rapazes e velhos, frades


e seculares, todos a desejavam. [...] e todos queriam a Corte
em Lisboa, porque odiavam a ideia de serem colônia duma
colônia.26

Com isso, esse m em b ro d a n o b reza expressava u m sen tim en to


que e n co n tro u g ran d e ressonância n a sociedade portuguesa, qual
seja, de que P ortugal se to rn a ra colônia do Brasil. E que essa inversão
dos papéis estabelecidos, o u ao m enos a am eaça dessa inversão, não
po d ia ser tolerada, m anifestando-se através de u m a firm e política de
recolonização origin ad a das forças políticas da revolução em an d a­
m ento.
A experiência da ocupação n ap o leô n icã em P ortugal e a trans­
ferência da C orte atingiram alguns setores d a sociedade p ortuguesa
de m o d o p ro fu n d o , com o se p o d e co n statar com as m anifestações 256

25 BARRETO, José Trazimundo Mascarenhas. Memórias do Marques de Fronteira e


dAloma. Coimbra: Imprensa Universitária, 1928, v. 1, 493p.
26 Idem, p. 194.
44 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

p o r ocasião da “Revolução L iberal”. O discurso se colocava sem pre


em defesa da restituição da h o n ra nacional, e o m esm o M ascarenhas
B arreto conseguiu traduzir a im pressão de sua classe d ian te d a trans­
ferência da C orte, qualificando-a de “fuga vergonhosa da Casa de
B ragança”.27
Após a leitu ra de u m a proclam ação às tropas reu n id as - a qual
term inava com as seguintes palavras: “Q ue vivam o Rei, as C ortes e a
C onstituição” - , 28 o S enado da cidade do P orto foi convocado para
form ar um governo provisório. Esse governo provisório, com posto
de rep resen tan tes da Igreja, da aristocracia, dos altos oficiais de Esta­
do e das diferentes regiões, tin h a com o objetivo:

1. exercer o governo em nom e do rei;


2. zelar pelos princípios da Igreja católica;
S. convocar as Cortes, que desde 1689 não mais haviam sido
convocadas, a fim de preparar uma Constituição.29

N o m esm o d ia, o governo pro v isó rio se e n c a rre g o u d e di­


fu n d ir u m M anifesto aos Portugueses,30 em q u e se estab eleciam os
objetivos d o novo governo. Ressalte-se, nesse d o cu m en to , a insis­
tên cia em q u e a revolta se to rn a ra u m a n ecessid ad e p a ra re sta b e ­
lecer u m a situ ação q u e d everia re su lta r ou n u m g overno d e base
co n stitu cio n al j á ex isten te ou n o re to rn o d a C o rte p a r a Lisboa. Se­
g u n d o o m anifesto, o p reju ízo dessa situação e ra o m otivo d a crise
p o rtu g u esa. P arad o x alm en te, tratava-se de u m a revolução q u e fi­
xou em seu p ro g ram a :

27 Idem, p. 29.
28 SANTOS, Clemente José dos (org.). Documentos para história das cortes gerais da
nação portuguesa: 1820-5. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, p. 6, v. 1.
29 Idem, pp. 7-9.
30 Manifesto aos portugueses de 24/08/1820. In SANTOS, C. J. dos, op. cit, pp.
9-10.
Introdução 45

As mesmas ordens, os mesmos lugares, os mesmos ofícios, o sa­


cerdócio, a magistratura, todos serão respeitados no livre exer­
cício da autoridade que se acha depositada nas suas mãos.31

A cidade do P orto tin h a p ara o n o rte de Portugal g ran d e im­


portância com o cen tro de m an u fatu ra e com ércio,32 e a adesão ao
m ovim ento veio p rim eiro da p arte seten trio n al do país. U m a sem ana
depois da proclam ação d a direção m ilitar, a rep resen tação dos co­
m erciantes d a cidade do P o rto anu n cio u , em 1" de setem b ro de 1820,
seu apoio irrestrito e a disposição em ad erir ao m ovim ento “com pes­
soas, co nhecim entos e b en s”.33 Em seus escritos, os rep resen tan tes
dos interesses com erciais se referiam ao n ú cleo cen tral de suas reivin­
dicações: a p e rd a d o m o n o p ó lio com ercial d o Brasil, que, conform e
sua p ró p ria expressão, “nós felizm ente ocupam os e possuím os”.34
Em 15 d e setem b ro d e 1820 - d ata d a libertação d e Portugal
da dom inação n ap o leô n ica através d e u m levante n a capital - , Lis­
boa, d e natureza sim ilar à revolta d o P orto, tam bém o rganizou um
governo provisório com os m esm os objetivos. Os “governadores do
R eino”35 foram perseguidos, depois de terem co n d en a d o energica­
m ente o levante d a cidade do P orto n a proclam ação de 2 de setem ­
bro de 1820.36
Os dois governos se unificaram , co nstituindo, em 28 de se­
tem bro de 1820, um único governo p ara to d o o país, e conduziram
eleições p a ra a assem bleia das C ortes que deveriam realizar-se em
dezem bro d e 1820.

31 Idem, p. 10.
32Veja SANTOS, Fernando Piteira. Geografia e economia da Revolução de 1820. Lis­
boa: Europa-América, 1962,185p.
33 Felicitação do Corpo do Comércio de 1/9/1 8 2 0 . In SANTOS, C. J. dos, op.
cít., p. 19.
34 Idem.
35 Representantes do rei em Portugal durante sua permanência no Brasil.
36Proclamação dos Governadores do Reino, de 2/9/1 8 2 0 . In SANTOS, C. J. dos,
op. cit., pp. 21-2.
46 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

A discussão p ara a convocação das Cortes já estava deixando


claro que havia diferentes facções no in te rio r do m ovim ento, num
espectro que ia da convocação das C ortes de acordo com o padrão
tradicional (com rep resen tan tes das três o rd en s da sociedade) até a
defesa d e um direito de voto generalizado.
Ao final, encontrou-se u m a solução in term ed iária que, d e um
lado, introduzia u m a rep resen tação d ireta e, de o u tro , previa um
censo. A assem bleia assim eleita e re u n id a receb eu o n o m e de “Cor­
tes”, sim bolizando, desse m odo, u m m arco dessa sociedade, que reu ­
nia novos ideais e princípios políticos d a vida política com antigas
estruturas.
O u tro exem plo disso é a nova d en o m in ação d o lu g ar d a p ro ­
clam ação às tropas reunidas, q u e d eslan ch o u o m ovim ento em 24
de agosto de 1820, através d o d ecreto d e 23 d e d ezem bro de 1820:
a p raça n a qual se conclam ou a “R evolução” deveria ser cham ada, a
p a rtir daquela data, de “P raça da R eg en eração ”.37
O resultado das eleições p ara a assem bleia co n stituinte deu
u m a expressiva m aioria p a ra os servidores d aju stiça, p o u co mais que
a u m a elite d e form ação (cerca d e 65% ), em contraposição a apenas
cerca d e 5% de com erciantes.38
E verdade que a assem bleia constituinte previa a representação
d o Brasil - cerca de 70 representantes em relação a 130 de P ortugal -,
mas, m esm o assim, logo ficaram evidentes os objetivos de recoloni-
zação, fortalecen d o o pacto colonial p o r vários decretos:39 1. R etorno
do rei a Lisboa (decreto de 7 d e m arço de 1821), u m a m ed id a q u e os
governadores d o R eino j á haviam reco m en d ad o ao rei p o r carta de
29 d e setem bro d e 1820, n a sequência dos distúrbios n o P o rto .40 Com
isso e com a convocação d as C o rtes, os g o v ern ad o res tin h a m com o

87 Decreto de 23/12/1820. In SANTOS, C. J. dos, op. cit, p. 126.


38 SANTOS, Fernando Piteira, op. cit., p. 95.
39 Sobre o conceito de “pacto colonial”, veja: NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil
na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979, p. 420.
40 Carta dos “Governadores do Reino” ao rei, de 2 /9 /1 8 2 0 . In SANTOS, C. J. dos,
op. cit., pp. 23-5.
Introdução 47

objetivo esvaziar o m ovim ento. 2. S uspensão d a lib e rd a d e d e co­


m ércio. 3. C o n cen tração p rin c ip a lm e n te em L isboa das instân cias
de decisão (decreto de 29 de setem b ro de 1821) e convocação, p a ra
P ortugal, d o filh o do rei, o p rín c ip e -re a l P ed ro IV. S upressão d a
m á q u in a de governo estab elecid a n o R io d e J a n e iro d esd e o tem p o
da tra n sferên c ia d a C o rte p a ra o B rasil e, ao m esm o tem p o , ap o ­
sen tad o ria dos servidores com m e tad e d a re m u n e ra ç ã o (decreto
de 11 d e ja n e iro d e 1822). Esse d e c re to en cam in h av a, n a verdade,
m edidas que j á haviam sido ab arcad as no d ecre to de 29 de setem ­
bro de 1821. Foi e x atam e n te a aprovação dessa p o lític a que fez d a
In d e p e n d ê n c ia d o B rasil a ú n ic a solução possível p a r a u m a elite
brasileira, a fim de inv iabilizar o restab e lecim en to d e u m an tig o
Estado.
As tensões e n tre os objetivos d a recolonização d a nova o rd em
política de Portugal e os interesses d a elite brasileira em favor da
m anutenção de suas “lib erd ad es” conquistadas fo ram claram en te ex­
plicitadas n a assem bleia constituinte. U m conflito que se m ostraria
insolúvel sem a separação política.
A pesar das tensões, até p o u co tem p o antes d a declaração de
In d ependência, o discurso sem pre foi ò d o desejo e d o anseio de
um a u n id a d e com Portugal, até o n d e os interesses brasileiros pu d es­
sem ser contem plados. As instruções aos rep resen tan tes d e São Paulo
na assem bleia constituinte d e Lisboa41 co n tin h am os p o n to s p ro g ra­
máticos que deveriam servir de p a u ta nas negociações políúcas p ara
os rep resen tan tes brasileiros n a assembleia.
A in teg rid ad e do R eino U n id o d e Portugal, Brasil e Algarve,
assim com o a igualdade de todas essas partes do organism o político
(por exem plo, o m esm o n ú m e ro d e rep resen tan tes), foram os pri­
m eiros pontos desses prin cíp io s n o rtead o res. Mais adiante, o docu­
m ento apresentava o p o n to d e vista d e q u e deveria haver u m governo
executivo n o Brasil. Nessa perspectiva, a troca d e co rresp o n d ên cia

41 “Instruções do Governo Provisório de São Paulo aos deputados da província às


Cortes Portuguesas, para se conduzirem em relação aos negócios do Brasil”. In
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Escritos políticos. São Paulo: Ed. Obelisco,
1964, pp. 13-24.
48 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

e n tre o príncipe-real P ed ro e seu pai, o rei d. Jo ã o VI, é bem escla­


recedora. E n quan to ain d a em 4 d e o u tu b ro de 1821, em suas anota­
ções ao pai,42 o príncipe-real evitava q u alq u er tentativa de se to rn ar
eventualm ente im p erad o r do Brasil: “O q u e se queria, [mas] eu ju ro
a Sua M ajestade que eu n u n c a vou q u eb rar o ju ra m e n to e que eles
só com eterão esta loucura, depois de en fren tarem a m im e a todos
os portugueses”.43
Com o passar do tem p o e com a sem pre crescente pressão
in tern a, sua postu ra se altero u co m p letam en te. Sua carta de 19 de
ju n h o de 182244 espelhava claram ente essa m udança: a política de
recolonização da assem bleia constituinte de Lisboa fo ra aprovada,
e o príncipe-real avaliava en tão a possibilidade de ser aclam ado rei
do Brasil. Na m esm a carta, ele argum entava que o Brasil n ão podia
adm itir u m a política de recolonização devido à sua superioridade,
diante do q uadro cada vez mais evidente d a força do Brasil face a
Portugal.
A defesa, até o últim o m o m en to , d a u n id a d e com Portugal,
sustentada p o r p arte d a elite brasileira, deve ser atrib u íd a ao receio
d e q ue u m a separação tivesse com o co n seq u ên cia a divisão do país,
estabelecendo, assim, a “an arq u ia”. Em seu discurso d ian te do Se­
n ad o d a cidade d o Rio d e Ja n eiro , em 23 d e m aio d e 1822,45 José
C lem ente P ereira (1787-1854), fu tu ro político d o Prim eiro R einado,
fo rm u lo u os principais p o n to s d e crítica à assem bleia decisiva d e Lis­
boa, não obstante te n h a ain d a su b lin h ad o a u n id a d e com Portugal
tam bém com o garan tia d a u n id a d e das províncias brasileiras:

42 “Carta do príncipe-real d. Pedro ao seu pai, o rei d. João VI, de 4 /1 0 /1 8 2 1 ”. In


SANTOS, C. J. dos, op. cit., p. 256.
43 Idem, p. 256.
44 “Carta do príncipe-real d. Pedro ao seu pai, o rei d. João VI, de 19/6 /1 8 2 2 ”. In
SANTOS, C. J. dos, op. cit., pp. S58-60.
45 “Discurso de José Clemente Pereira, presidente do Senado da cidade do Rio de
Janeiro, de 2 3 /5 /1 8 2 2 ”. In SANTOS, C. J. dos, op. cit., pp. 366-70.
Introdução 49

[...] o perigo da desunião está im inente, circunstâncias urgem,


a salvação da pátria impera [...] Convoque vossa alteza real já
nesta corte uma assembléia geral das províncias do Brasil, e a
união com Portugal será mantida e a das províncias do Brasil
consolidada.46

Logo depois de seu reto rn o a Lisboa e da indicação do filho


como seu suplente, o rei d. Jo ão VI d em o n stro u , em seu últim o con­
selho ao príncipe-real d eterm in ad a p rem o n ição política, n a qual o
príncipe se fiou p ara justificar a possível adesão a favor de um gover­
no brasileiro autônom o: “P edro, se o Brasil se separar, antes seja p ara
ti, que m e hás de respeitar, do que p ara algum aven tu reiro .”47
N ão foi diferente a p o stu ra do co m an d o político do m ovim en­
to de In d ep en d ê n cia q ue em p re e n d e u a organização do Estado na­
cional no Brasil. P or certo, tratou-se de u m a separação, m as de m odo
algum isso significou u m a transform ação p ro fu n d a d a o rd em social.
A h eran ça portuguesa, a busca p o r sin to n ia e n tre o novo e o antigo,
fora deslanchada. O filho d o rei foi co ro ad o im p erad o r, com o Pe­
dro I, e, assim, os antigos atores sociais co n tin u aram d o m in an d o a
cena. Em co rresp o n d ên cia com u m a esfera pública política m uito
limitada, u m a p arte considerável da p o p u lação manteve-se distante
do d esen ro lar d a política. Assim, ap en as 1% a 3% d a po p u lação ob­
teve direito de voto.
A declaração de In d e p e n d ê n c ia n ã o significou o con tro le sobre
todo o país do p o d e r central, sediado n o Rio de Jan eiro . N o p erío d o
de governo d e P ed ro I (1822-1840), houve divisões com m ovim entos
autônom os, em p arte arm ados, n o n o rte e n o sul d o Brasil, que levan­
taram reivindicações mais radicais, com o, p o r exem plo, a dissolução
da m onarquia. O risco d e u m a rep artição d o país n ão p arecia ex­
cluído. S om ente n o d e c o rre r d e duas décadas é q u e a centralização

46Idem, p. 370.
47 “Carta do príncipe-real d. Pedro ao seu pai, o rei d. João VI, de 19 /6 /1 8 2 2 ”.
In SANTOS, C. J. dos, op. cit., p. 359. O príncipe-real lembra ao seu pai a
conversa que os dois tiveram dois dias antes da partida do rei para Portugal.
O rei se referia aos acontecimentos na América espanhola.
50 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

do país e seu p rojeto político co rresp o n d en te conseguiram se afir­


m ar.

Historiografia e questão nacional: o tratamento


do tema nas ciências sociais brasileiras

A in d e p en d ên cia política, deveria co rresp o n d er, igualm en­


te, u m a in d e p en d ên cia cultural: a questão d a id e n tid ad e brasileira
em ergiu com o tem a im p o rtan te. Nessa época, a análise das bases da
nação tornou-se tarefa fu n d am en tal dos intelectuais e políticos. O
m e lh o r exem plo dessa orientação é a atividade político-literária dos
autores do R om antism o brasileiro do século XIX.
U m a id en tid ad e nacional era tom ada com o pressuposto p ara
que o Brasil se afirm asse plenam ente com o nação n o q u ad ro in tern a­
cional. Tratava-se, porém , de se afirm ar com o u m a nação civilizada,
de acordo com os padrões europeus. Nação e civilização eram vistas
com o equivalentes. O projeto de análise das bases d a nação se articu ­
lava a p a rtir dos padrões europeus. O índio, que surgia nos rom ances
do século XIX com o sím bolo d a nacionalidade e com o p o rtad o r da
brasilidade, apesar d a diferença do traje, era, no fu n d o , u m h eró i
e u ro p e u . A d ed icação ao ex am e d o que e ra “v e rd ad e iram e n te b ra ­
sileiro” co n tag io u os m ais diversos m ovim entos ao lo n g o do século
X IX e XX.
N o século XIX, com o j á m en cio n ad o , os rom ânticos se ocu­
param intensa e p ro g ram aticam en te d a questão em to rn o da identi­
d ad e brasileira. Nesse contexto, seu d irecio n am en to p ara a história
assum iu significado especial, te n d o sido in te rp re ta d o tam bém pela
perspectiva d a busca p o r u m a base histórica p a ra a nação brasileira.
H ouve grandes divergências n a época, colocando a historiografia e
a literatu ra em cam pos opostos n o que se refere ao tratam en to das
bases da id en tid ad e brasileira. Q u an d o ab o rd arm o s a o b ra do his­
to riad o r V arnhagen, retom arem os essa q uerela. Foi n u m contexto
histórico e político m uito preciso q ue os au tores do R om antism o
ab o rd aram a questão nacional.
Introdução 51

N o século XX, a m esm a questão c o n tin u o u fazendo p arte dos


mais diversos m ovim entos culturais, com o n o caso do M odernism o
dos anos de 1920 (a S em ana de A rte M o d ern a de 1922) o u do Tropi-
calismo n o final dos anos de 1960. A inda que a in terrogação acerca
das bases d a nação continuasse sendo proposta, o q u estio n am en to
se im p u n h a n o u tro q u ad ro de relações e, p o r consequência, em sua
discussão, n atu ra lm e n te novos cam inhos e respostas vieram à tona.
E n quanto os rom ânticos procuravam o co rresp o n d en te brasileiro ao
herói eu ro p e u d a cavalaria m edieval, os m odernistas descobriram
um anti-herói, u m m estiço de n eg ro e índio, preguiçoso, m an h o so
e astuto.
M ario de A ndrad e (1893-1945), u m dos mais im p o rtan tes es­
critores do m ovim ento m o d ern ista do Brasil, foi qu em m e lh o r co n ­
seguiu d a r consistência a essa o rien tação com M acunaíma, seu livro
lançado em 1926.48 M acunaím a, u m m estiço que vivia n a floresta,
decidiu ir p ara a cidade d e São P aulo e lá seria co n fro n tad o com a
realidade, “o progresso”, a industrialização e a sociedade de massas
que ele desconhecia.
A cren ça n u m Brasil oculto e au tên tico , em co n trad ição com
um Brasil a p are n te e falso, era o q u e estava p o r trás do p en sam en to
de M ario d e A ndrade, co m p artilh ad o com o u tro s rep resen tan tes do
m ovim ento.
A análise das raízes de u m a cu ltu ra b rasileira au tó cto n e co n ­
duziu, nos anos 1960, com o T ropicalism o, a u m d esab ro ch ar d a lite­
ratura, d a m úsica e d a p in tu ra. N o co n tex to d o refo rço d a d itad u ra
m ilitar n o Brasil a p a rtir d e 1968, com a discussão d a “d e p en d ê n cia”
em ergiu, m ais u m a vez, a questão d a id e n tid ad e nacional, ain d a que
de m o d o in ten sam en te politizado, pois os canais políticos (com o os
partidos, p o r exem plo) haviam sido lesados em sua função tradicio­
nal. Os in ú m ero s festivais d e m úsica dessa ép o ca eram , ao m esm o
tem po, u m a d em onstração política e u m a o p o rtu n id a d e de ex ercer
a resistência.

48ANDRADE, Mario de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter.


52 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Nas ciências sociais brasileiras, é possível en co n trar contribui­


ções em to rn o da investigação das relações e n tre a questão nacional
e os m ovim entos citados.49
Nesse âm bito, co n tu d o , observa-se u m a lacuna nas ciências so­
ciais. Os historiadores brasileiros se o cuparam apenas p o n tu alm en te
da história de sua disciplina científica. Jo sé H o n ó rio R odrigues, que
é reco n h ecid o com o especialista nessa área, com sua ainda parcial­
m en te divulgada História da história do Brasil, te n to u traçar u m ba­
lanço geral.50 A ép o ca decisiva do século XIX, q u an d o a dedicação à
história do Brasil foi u m a obrigação generalizada dos setores sociais
mais cultos, até hoje só foi analisada a p a rtir de aspectos particula­
res.51 A inda faltam pesquisas dedicadas às relações en tre os prim ó r­
dios da historiografia e a constituição do p ro jeto nacional.

49 Vejam-se, nessa perspectiva, os trabalhos do colóquio “Cultura brasileira:


realidade ou ilusão?”, Belo Horizonte, de 17 a 19 de outubro de 1979; Cader­
nos do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, São Paulo, IS de setembro de 1980,
pp. 7-69; WHITAKER, Dulce C. A. “Ideologia e cultura no Brasil: sugestões
para uma análise do nosso processo cultural, à luz da teoria crítica da socie­
dade”, Perspectivas, São Paulo, 5,1982, pp. 5-14; GULLAR, Ferreira. Vanguarda
e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, 132p; ou do
mesmo autor, Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1965, 126p.; RIBEIRO, Darcy. Teoria do Brasil Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1972, 146p. (especialmente o Capítulo IV). Um importante trabalho sobre o
conceito de “cultura brasileira” é a tese de livre-docência de MOTA, Carlos
Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). São Paulo: Ática, 1977.
Sobre a questão nacional e os movimentos culturais, ver: LAFETÁ, João Luis.
1930. A crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, 1974, 213p.; LOEZ,
Telê Porto Ancona. Mario de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Duas Cida­
des, 1972, 265p.; da mesma autora, Macunaíma: a margem e o texto. São Paulo:
Hucitec, 1974, 127p.; MORAIS, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista:
sua dimensãofilosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978, 193p.; HOLANDA, Heloisa
Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960-1970. São
Paulo: Brasiliense, 1980,199p.
50 RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil: historiografia colonial
2 ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1979,534p., v. 1. (Os volumes seguintes são
dedicados à historiografia nacional e à ideologia.)
51 Dois trabalhos que tomaram a historiografia do século XIX .como objeto de
pesquisa devem ser destacados aqui: DIAS, Maria Odila da Silva. O fardo do
Introdução 53

O p resen te trab alh o p re te n d e ser u m a tentativa de levar a cabo


um a investigação nesse sentido. Interessa, aqui, elucidar e analisar
a ex trao rd in ária im p o rtân cia d a escrita d a história n a discussão da
questão nacional.
N ão m e parece o b ra do acaso o fato d e que ex atam en te no
instante d e consolidação d o p o d e r central (1822-1840) se te n h a de­
senvolvido interesse n a elaboração d e u m a história nacional. Em
1838, com apoio d ireto d o Estado, foi fu n d ad o , n o Rio d e Jan eiro , o
Instituto H istórico e G eográfico Brasileiro. N o rm alm ente, o p ró p rio
im perador dirigia as reu n iõ es d o instituto. As tarefas d o instituto,
cujas salas d e trab alh o e reu n ião , inicialm ente, ficavam n o p ró p rio
palácio im perial, foram definidas d a seguinte form a:

[...] coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos


necessários para a história e geografia do Império do Brasil; e
assim também promover os conhecimentos destes dois ramos
filológicos por meio do ensino público, logo que o seu cofre
proporcione esta despesa.52

N ão se tratav a m ais, com o até en tão , d e e la b o ra r crônicas


e narrativ as, m as, ao co n trá rio , im p u n h am -se a p esq u isa sistem á­
tica e a escrita d a h istó ria b rasileira com b ase em m eto d o lo g ias
adequadas. A fu n d a ç ã o do IH G B significava u m im p o rta n te passo
ru m o à in stitu cio n alização e à p ro fissio n alização d a h isto rio g ra ­
fia n o Brasil. N a sessão de fundação de 1" d e dezem bro de 1838, os
m em bros do Instituto p rep arara m a p rim eira versão da periodização
da história brasileira, a qual deveria servir de referên cia p a ra a busca
de fontes a ser e m p re e n d id a nas províncias.

homem branco: Southey, historiador do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1974, 295p.; eJANOTTI, Maria de Lourdes M. João Francisco Lisboa: jornalista
e historiador. São Paulo: Ática, 1977, 253p. João Francisco Lisboa (1818-1863),
contemporâneo de Vamhagen, teve com ele uma disputa acirrada sobre sua
posição em relação à questão indígena.
52 “Estatutos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1 (1), jan.-mar./1939, p. 22.
54 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Em 1854, veio a público o livro de Francisco Adolfo de V arnha-


gen, História geral do Brasil, ded icad o ao im p erad o r. Em sua dedica­
tória, V arnhagen agradecia o incentivo im perial e sublinhava q u e o
estudo da história nacional “é m u ito im p o rtan te p a ra o brilho d a na­
ção, para a cu ltu ra geral e tam bém p ara o bo m governo d a n ação ”.53
Este livro trata dos prim eiros tem pos d a historiografia oficial
n o Brasil em suas relações com a form ação do Estado nacional e com
a discussão d a questão nacional. P reten d o investigar com o a histo­
riografia, qu e teve início com a fu n d ação do In stituto H istórico e
G eográfico Brasileiro, con trib u iu , em p rim eiro lugar, p ara d eterm i­
n a d o m odelo de escrita d a história, ain d a com elem entos de u m a his­
toriografia ilum inista, e, em segundo lugar, p a ra afirm ar um m odelo
indiscutível de nação.
A difusão d a concepção d e história - tan to a d o instituto com o
a d e V arnhagen, que era u m h o m em d o In stitu to - influenciou, em
gran d e m edida, to d a a historiografia brasileira até os anos 1930. So­
m en te a p a rtir dessa época novos pressupostos m etodológicos colo­
caram em questão a m etodologia estabelecida, tal com o j á exposto
n o início.
Nesse sentido, constituem verdadeiros m arcos os trabalhos ci­
tados an terio rm en te, de Caio P rad o Jú n io r, G ilberto Freyre e Sérgio
B uarque de H o landa,54 e a fu n d ação da U niversidade de São Paulo,
que desem p en h o u papel d e lid eran ça n o cam po das ciências sociais,
fo rtem en te influenciado pelas ciências sociais francesas.
Nos anos 1960, descobriu-se u m novo cam po p ara a pesquisa
histórica - o p erío d o rep u b lican o —a p a rtir d o trab alh o d e historia­
dores am ericanos - os assim cham ados “brazilianistas”. O interesse
crescente dos círculos acadêm icos dos Estados U nidos tin h a relação
com o au m en to d a im p o rtân cia d a A m érica L atina p a ra o conjunto
da política ex terio r am erican a n aq u ela época. O m o d elo d e Cuba
am eaçava transform ar em b arril d e pólvora o co n tin en te am ericano

53 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. Rio de Janeiro/


Madrid, 1854-57, 2v.
54 FREYRE, G., op. cit.; HOLANDA, S. B. de, op. cit.; PRADO JR, C„ op. cit.
Introdução 55

ao sul do Rio G rande, colocando em risco os interesses dos Estados


U nidos nesse território .
E m bora a historiografia brasileira d u ra n te os anos 1960 e 1970,
a p artir das recém -fundadas universidades e dos institutos de pesqui­
sa, desenvolvesse novas abordagens e perspectivas, n ão se deve m e­
nosprezar a repercussão das obras de V arn h ag en e do Instituto His­
tórico e G eográfico Brasileiro.
Parece-m e im p o rtan te ressaltar que, p a ra os intelectuais d o sé­
culo XIX, a escrita d a história tin h a relação in trín seca com a questão
nacional. N aquele contexto, a historiografia aten d ia a d eterm inados
objetivos políticos e ideológicos. Seu sentido só p o d e ser co m p reen ­
dido ao se levar em co n ta a questão fu n d am e n tal d e sua época.
Em m in h a opinião, é n o plano político que reside a conexão en­
tre a consolidação do Estado nacional e o início d a historiografia. E ntre
1840 e 1850, o processo de construção d a nação se to rn a cada vez mais
visível. O nativismo surge como barbárie. C ertam ente a historiografia
tam bém deu sua contribuição p ara a constituição desse quadro.

Fontes de pesquisa e periodização do trabalho

Para a análise d a form ação de u m m o d elo nacio n al na histo­


riografia brasileira, tom o com o p o n to de p artid a dois tipos de fontes
de pesquisa:

* A obra do Institu to H istórico e G eográfico Brasileiro, fu n d a­


do em 1838 e apoiado p elo Estado.
* O livro de V arnhagen, História geral do Brasil, publicado em
1854.

A fundação d o In stitu to - ao q u al se atrib u iu o dever d a escrita


da história nacional brasileira - e a o b ra d e V arn h ag en rep resen tam ,
por m érito p ró p rio , a origem d a historiografia científica sistem ática
no Brasil.
Além disso, p a rto do p rin cíp io de q u e é preciso aproxim ar
da pesquisa p ro p o sta a literatu ra e os debates da política daquele
56 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

tem po, u m a vez que aí tam bém se en co n tram as m arcas das dispu­
tas acerca d a nação. Os historiadores de então tam bém foram ativos
escritores e políticos, e, nesses term os, V am h ag en n ão foi exceção.
Ao lado de sua o b ra histórica, ele foi au to r de rom ances e peças de
teatro, dedicando-se tam bém à pesquisa d a épica nacional.
A literatu ra de então, q u e se debruçava in ten sam en te sobre a
problem ática d a form ação d a nação e de seus alicerces, desenvolveu
tem as históricos com certa frequência. As abordagens d o passado da
literatu ra e d a historiografia se diferenciam , co n tu d o , n o q u e diz res­
peito aos verdadeiros elem entos p o rtad o res da cultura.
A forte crítica de V am h ag en ao po em a de D om ingos G onçal­
ves d e M agalhães (1811-1882) atacando seu “in dianism o” serve com o
exem plo que atesta a contraposição a esse tipo de avaliação d o pas­
sado.55
P ara a análise do trabalho do Instituto, existem duas fontes
im portantes que p erm item a reconstituição d e suas atividades: em
prim eiro lugar, a revista trim ensal, publicada reg u larm en te desde
1839 até hoje, constituindo-se, no século XIX, n u m fo ro ex trao rd i­
nariam ente im p o rtan te de discussão das questões mais relevantes
daquele tem po; em segundo lugar, o arquivo do Instituto e de seus
presidentes, situado n o Rio de Jan eiro .
N o trabalho com as fontes, elegi docum entos de caráter dife­
renciado - estátuas, listas d e sócios e co rresp o n d en tes - p ara retra tar
a história do Instituto com o instituição. Além disso, h á docum entos
em que ficaram registradas suas atividades científicas. Esses m ateriais
com põem um ú n ico co n junto, n a m ed ida em que as atividades cien­
tíficas do Instituto n ão p o d em ser dissociadas de sua história com o
instituição. A análise da revista se revelou fu n d am en tal p ara a inves­
tigação da atividade científica do Instituto: os autores e tem as publi-

55 O poema de Gonçalves de Magalhães, ativo sócio -do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro, que é reconhecido como o introdutor do Romantismo
na literatura brasileira, chama-se “A Confederação dos Tamoios” e foi publi­
cado em 1856. Wilson Martins considera o poema o épico oficial do Segun­
do Reinado. Veja-se MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. 1855­
1877. São Paulo: Cultrix, 1977, 554p, v. 3.
Introdução 57

cados, os concursos lançados e os prêm ios concedidos p elo Instituto,


b em com o os relatórios das diversas direções, fo rn ecem relevantes
referências p ara a com p reen são d a co n cep ção de historiografia que
essa instituição representava.
A o b ra de V am h ag en , que re p re se n ta o u tro p ilar deste traba­
lho, é in teg ralm en te publicada, assim com o parcelas de sua corres­
p o n dência. Seu espólio privado está d ep o sitad o n o arquivo do antigo
M inistério das Relações E xteriores, n o Rio d e Jan eiro . T e n d o em vis­
ta q u e a o b ra de V am h ag e n é m u ito diversificada, concentrei-m e em
suas três m ais im p o rtan tes obras históricas.56 A análise desses livros
p erm ite d e te rm in a r os elem en to s m ais significativos d a co m p reen são
de V am h ag e n acerca d a historiografia.
A periodização d a h istó ria n u n c a é tarefa fácil. Além disso, é,
seg u ndo m in h a opinião, im prescindível. A im pressão q u e tive acerca
dos m arcos tem porais j á n a p rim eira consulta às fontes m e parece
que c o n tin u a sendo a m ais sustentável: d a fu n d ação d o In stitu to His­
tórico e G eográfico B rasileiro (1838) até a publicação do seg u n d o vo­
lum e de História Geral do Brasil, d e V am h ag e n (1857). Nesse ínterim ,
o p o d e r central de Estado se co nsolidou n o Rio de Jan eiro . A nação
adquiriu seus con to rn o s m ais im p o rtan tes, os quais seriam exibidos
até o fim do século XIX.

56VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil: Isto ê do descobrimento,


colonização, legislação e desenvolvimento deste Estado, hoje Império independente, es­
crita em presença de muitos documentos autênticos recolhidos nos arquivos do Brasil,
de Portugal, da Espanha e da Holanda. Rio de Janeiro: E. H. Laemmert, 1854­
57, 2v.; e do mesmo autor, História da independência do Brasil Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1917, 598p.; e também História da luta com os holandeses no
Brasil desde 1624 a 1654. Wien, Carlos Finsterbeck, 1971, 365p.
3

0 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO


E A HISTORIOGRAFIA

0 p ro je to cie u m a h istó ria d o B rasil

No texto em que apresentam suas ideias acerca da fundação


do IHGB, R aim undo José da C unha Matos e Jan u ário da C unha Bar­
bosa caracterizam o trabalho da nova instituição a p artir da form ula­
ção de dois objedvos: “coligir e m etodizar os docum entos históricos
e geográficos interessantes à história do Brasil”.1
Os prim eiros estatutos acrescentaram a função de sensibilizar
a esfera pública p o r m eio de cursos, palestras e um a revista de publi­
cação regular dedicada às questões históricas e geográficas.2 O p ro ­
pósito de escrever um a história do Brasil, em b o ra não enu n ciad o ex­
plicitam ente, no en tanto, constituía o p an o de fun d o de um trabalho
que, à prim eira vista, p o d eria p arecer apenas m otivado pelo interesse
docum ental. A recolha de dados tin h a com o sentido possibilitar u m a
“H istória G eral do Brasil”, sendo o instituto, nas palavras do prim eiro
secretário, “a luz que tiraria nossa história do caos obscuro”.3

1 As motivações apresentadas pela SAIN para a fundação de um Instituto His­


tórico e Geográfico. R evista do IH G B . Rio de Janeiro, 1 (1 ), jan -m ar/1839, pp.
5-9. “ ' '
2 Primeiros estatutos do IHGB. R evista do IH G B . Rio de Janeiro, 1 (1), jan-
m ar/1839, pp. 22-24.
3 Relatório do primeiro-secretário do IHGB, Januário da Cunha Barbosa, por
116 H istoriografia e N açã o n o Brasil 1838-1857

A p artir da constatação do “caos o b scu ro ”, planejava o IGHB


trazer “luz e o rd e m ” à história. A m etáfo ra utilizada co rresp o n d ia
p erfeitam en te ao espírito d a época. “O rd e m ” era tam b ém a m eta dos
estadistas e políticos, ocu p ad o s em fo rtalecer o E stado m onarquista
e consdtucional, a fim de m a n te r distância em relação ao caos das
nações republicanas vizinhas.
O p resen te era e n te n d id o com o u m a ép o ca q u e carecia de luz,
clareza, o rd em e, fin alm en te, id en tid ad e. Trata-se, com o expressou
J a n u á rio d a C u n h a B arbosa, d a revelação de nosso “v erd ad eiro cará­
te r n acio n al”.4 E o IHGB deveria co n trib u ir nesse sentido.
A ilustração geográfica e social d o país, p o r m eio d o instru­
m ental d a geografia e da história, co n sd tu ía dois m o m en to s de um
processo cujo fim era a estru tu ração do q u a d ro geral d a nação. In­
vocando Cari R itter, co n sid erad o o fu n d a d o r da geografia m o d ern a,
J a n u á rio da C u n h a B arbosa d efin ia a geografia co m o “palco das ativi­
dades h u m a n as”,5 com o q u e p re te n d ia d eix ar claro q u e d n h a p len a
consciência do ín d m o relacio n am en to e n tre am bas as disciplinas.
M esm o co n ta n d o com o recu rso a o u tras disciplinas com o ar-
quelogia, etn o g rafia e literatu ra, h istó ria e geografia con stitu íam as
fontes principais p ara o b te r acesso aos vários m ateriais q u e p erm i­
tissem fo rm u lar a história. N a reu n iã o do IH GB de I o d e agosto de
1840, Francisco A d o lp h o V arn h ag en leu u m m em o rial d e sua au to ria
a respeito d a necessidade d e a p re n d e r e p esq u isar as línguas in d í­
genas. Suas ideias con stitu íram o fu n d a m e n to teó rico p a ra a Seção
E tnográfica do IHGB. A relevância a trib u íd a a essa seção d e c o rre da
sugestão de V arn h ag en em se d a r p referên c ia à p u b licação de m até­
rias dessa área tem ática.6

ocasião do segundo jubileu do Instituto. R ev ista do IH G B , 2 (8 ), o u t-d ez/1840,


pp. 557-589.

4 R evista do IH G B , Rio de Jan eiro, 2 (8 ), o u t-d ez/1840, p. 570.

5 R evista do IH G B , Rio de Jan eiro, 2 (8 ), o u t-d ez/1840, p. 574.

6 Na introdução às suas propostas, ele formulou a necessidade de um a seção


etnográfica do IHGB da seguinte forma: “Sendo evidente necessidade, para
se con h ecer bem o Brasil e a sua história, que o Instituto tanto tem em vista
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 117

A im portância do tem a e das circunstâncias sociais que p erm i­


tiram o surgim ento de um discurso a respeito de indígenas e de tor­
ná-los o objeto de um a apreciação “científica” será exam inada mais
de p erto n o contexto da análise da revista. P or ora, basta frisar que a
etnografia tinha um a im portante contribuição a d ar para a form ula­
ção da história do Brasil.
N a reunião de 10 de ju n h o de 1847, foi apresentada a proposta
de se fundar, sob o patrocínio do instituto, u m a sociedade dedicada
exclusivamente a literatura, linguística e arte dram ática. Para tanto,
a comissão form ada pelo instituto lançou os fundam entos da Acade­
mia de L iteratura Brasileira.
O IHGB partia da suposição de que só a fundação do Estado
nacional, em 1822, havia criado as premissas capazes de abarcar um a
história geral do Brasil. Aqui, portan to , surge um a m arca da história
a ser form ulada, ou seja, a ênfase no Estado brasileiro. Jan u ário da
C unha Barbosa expressou essas ideias da seguinte forma:

Relatados diversamente p or escritores, ou nacionais ou es­


trangeiros, não podiam / os fatos / até o feliz m om ento de
proclam ar-se a nossa independência, d ar base sólida à nossa
nacionalidade. Foi preciso, portan to, que brasileiros inflama­
dos no am or da pátria se dessem à patriótica tarefa de estabe­
lecer um foco de luzes históricas e geográficas, reunindo-as
de tantas record ações gloriosas, que servissem a form ar um
com p lexo de doutrinas purificadas no cadinho da crítica, e
digno p or sua veracidade de ser levado ao con h ecim en to de
todas as n ações.7

promover, quaisquer noções especiais relativas aos indígenas deste território,


as quais, além de pela sua natureza serem estranhas à geografia física e história
política, demandam aprofundado espírito e indivíduos que se votem com assi­
duidade e quase exclusivamente a obter e juntar esclarecimentos etnográficos
acerca dos autóctones do Brasil, proponho...” R evista do IH G B , Rio de Janeiro,
3 ( 9 ) ,jan-m ar/1841.
7 Relatório anual do IHGB. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 5 (Suplemento),
1843, pp. 1-31.
118 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Dessa form a, C unha Barbosa form ulava a reivindicação do ins­


tituto de ser a única instância legítim a para escrever a história do
Brasil. Com isso, desqualificava outras obras, com o, p o r exem plo, o
livro elaborado em 1822, de R obert Southey, sobre a história do Bra­
sil. Em bora o m em bro José Joaquim M achado de Oliveira, em 1824,
houvesse proposto a tradução da obra, reco n h ecen d o sua im portân­
cia, o instituto adotou um a atitude que pode ser caracterizada, no
m ínim o, com o discreta em relação ao trabalho de Southey, e, certa­
m ente, é possível afirm ar que o fato de ser inglês ten h a desem penha­
do papel decisivo para a definição dessa postura.
V arnhagen levantou o u tra ressalva em relação ao livro de Ro­
b ert Southey:

Não diremos que fez um a obra com pleta: ele m esm o reco­
n heceu que não, quando, em dezem bro de 1821, dizia avaliar
quanto à m esm a História do Brasil podia ser acrescentado por
alguém que viesse a com pulsar os arquivos em Lisboa: mas fez
quanto pôde, e ninguém naquela ép oca faria m elh or.8

A falta de um trabalho docum ental e realizado em arquivos,


praticado intensam ente p o r V arnhagen para sua p ró p ria obra, foi
atribuída a Southey, com o um a deficiência.9 M as tam bém se pres­
sentia certa boa vontade p o r parte de V arnhagen, ocupado que esta­
va com seu p ró p rio livro:

N otar hoje erros em Southey, pelo so co rro dos novos inventos


(na m aior parte dos quais tive parte) é p ro ced er tão miseravel­
m ente quanto um pedante, que ao con clu ir atualm ente seus

8 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Juízo sôbre o Compêndio de História do


Brasil escrito por José Inácio de Abreu e Lima”, R evista do IH G B , Rio de Janei­
ro, 6 (2 1 ),jan-m ar/1844, p. 63.

9 Sobre Robert Southey e o significado de sua obra, veja-se: DIAS, Maria Odila
da Silva. O fa rd o do homem branco; Southey, historiador do Brasil. São Paulo: Com­
panhia Editora Nacional, 1974, 298p.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 119

estudos científicos, fosse notar faltas de ciência em Plínio, ou


em Lineo.10

Após o aparecim ento de sua História do Brasil, essa boa vontade


foi totalm ente abafada pela autoconsciência de ser o prim eiro a cum­
prir a tarefa de escrever u m a obra desse tipo.
Antes de V arnhagen, houve o u tro autor, dessa vez brasileiro,
que ten to u contar a história do Brasil: o general José Inácio de A breu
e Lima (1794-1869) publicou, em 1843, u m Compêndio da História do
Brasil.
A breu e Lima era da província de Pernam buco, o n d e a tradi­
ção de oposição ao p o d e r central co n tin u ara viva, tendo vivenciado,
como filho de um dos líderes da Revolução P ernam bucana, de 1817,
vários anos de exílio nos Estados Unidos. D urante a luta pela inde­
pendência das colônias espanholas, ele se colocou do lado de Simón
Bolívar. O título de u m livro de sua autoria, de 1855, O socialismo,11
tam bém m arca seu posicionam ento político, bem diferenciado das
opiniões dos principais m em bros do instituto.
A apresentação do Compêndio da História do Brasil deu lugar, no
instituto, a um a controvérsia em que coube a V arnhagen o papel de
principal opositor. N um a carta dirigida ao instituto, o general n arra
as dificuldades que teve em p rep arar seu livro sem q u alq u er ajuda do
governo. Além disso, o au to r sublinhava a im portância de sua obra,
que deveria ser considerada um a tentativa e o prim eiro resultado dos
anseios do instituto n o sentido de elaborar u m a am pla história do
país.

U m a coisa, porém , ressalta no m eu C om pêndio, e é quanto


basta para dar-lhe algum valor. T u d o quanto existia escrito
acerca do Brasil era sem m étod o nem plano algum histórico:

10 Carta ao primeiro-secretário do IHGB Januário da Cunha Barbosa, de


1 /4 /1 8 4 6 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 13 (19), jul-set/1850, pp. 395-401.

11 LIMA, José Inácio de Abreu e. O socialismo. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979, 343p.
120 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

era um m ontão de fatos atirados ao acaso sem discriminações


de épocas nem de períodos; e tanto é isto assim que o Instituto
já se ocu p ou deste objeto, tratando, antes de tudo, de triangu­
lar o terren o sobre que devia um hábil corógrafo traçar a carta
de nossa história. Não havendo, porém , o Instituto decidido
defmitivamente esta im portante questão prelim inar, tomei a
resolução de fazê-lo neste C om pêndio pela m aneira por que
se acha delineado nas oito épocas ou capítulos em que dividi a
história pátria até a co ro ação do Sr. D. Pedro II.
Portanto, vê o Instituto que na divisão das épocas busquei sem­
pre uma cô r que as distinguisse: mas esta cô r devia ser tal que
se apresentasse à prim eira vista; e, para ser bem com preendi­
da, era mister que cada ép oca tivesse o seu cu n h o particular,
isto é, um a m udança, um a variação do estado an terio r,12

A crítica de V arnhagen à ob ra do general A breu e Lima visa­


va principalm ente ao fato de que se baseava na obra de Alfonso de
B eaucham p, que o prim eiro, p o r sua vez, dizia ser plágio do livro
de Southey. Nesse caso, a falta de um trabalho de arquivo não pa­
recia represen tar problem a para V arnhagen, ainda mais p orque ele
confessava que suas pesquisas pessoais em arquivos só puderam ser
realizadas graças ao apoio oficial. A controvérsia, que em seu auge fez
A breu e Lima anunciar sua saída do Instituto, m ostra bem em que
m edida o instituto se havia transform ado na “instância de crítica” em
relação a obras históricas. Assim, determ inou os parâm etros pelos
quais deveria ser escrita a história do país.
Mesmo após a desqualificação das obras de Southey e de Abreu
e Lima, o desafio p ara se escrever a correta história do país perma-

12 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 5 (19), jul-set/1843, p. 370v. Sobre a atuali­


dade do debate, veja-se também a nota 8. Além disso: LIMA, José Inácio de
Abreu. Resposta ao cônego Ja n u á rio da C u n h a Barbosa ou A n á lise do 1° Ju ízo de
Francisco Adolfo Varnhagen acerca do Compêndio de H istória do B ra sil Recife: Tipo­
grafia de M. F. de Faria, 1844, p. 148. Veja-se também a carta de José Inácio de
Abreu e Lima ao primeiro-secretário do IHGB, Januário da Cunha Barbosa, de
2 3 /4 /1 8 4 4 . Arquivo do IHGB, Rio de Janeiro - Lata 661, Pasta 26.
O Instituto H istórico e G eográfico Brasileiro... 121

neceu. “O Brasil é quase to talm en te d esco n h ecid o dos brasileiros”,


constatava a revista Minerva Brasiliense, prosseguindo:

E stran h as um as às outras, falta às nossas províncias a fo rça do


laço m oral, o n e x o da n acion alidad e esp o n tân ea que p od eria
p re n d e r estreitam en te os habitad ores desta im ensa p eça que a
n atu reza ab arco u co m os dois m aiores rios do universo. A his­
tória d o país, o u d epositada em antigos e fastidiosos volumes
e geralm en te ign o rad a, o u escrita até certo p on to p or m ãos
m en o s aptas, p o r estran geiros, co m o B eau ch am p , trataram só
de co m p o r um ro m a n ce que excitasse a curiosidade de seus
leitores n a E u ro p a, n ão p od e d esp ertar n o espírito de nossa
ju v en tu d e o n ob re sen tim en to de am o r de pátria, que torn a
o cid ad ão cap az dos m aiores sacrifícios, e o eleva acim a dos
cálculos m esquinhos do interesse individual.

U m a história geral e co m p leta d o Brasil resta a c o m p o r e, se até


aqui n em nos e ra p erm itid a a esp era n ça de que tão ce d o fosse
satisfeito este d e sid e ra tu m , hoje assim n ão a co n te ce , depois da
fu n d ação do Instituto H istórico, cujas im portantíssim as pes­
quisas n o nosso passado d eixam esp erar que esta ilustre co rp o ­
ra ção se dê à tarefa de escrev er a história n acion al, resultado
final p ara que devem co n vergir todos os seus trabalhos.13

A p rete n sã o q u e caracterizava a v o n tad e do institu to de se to r­


n a r o local ad e q u a d o p a ra escrever a h istó ria nacional é co n firm ad a
pela revista Minerva Brasiliense em n o m e de seus leitores, as elites cul­
tas do Brasil.
U m a vez q ue a história, p o r p arte dos m em b ro s do IHGB, bem
com o das elites cultas d o Brasil, m e re ceu p ap el d e d estaq u e e era
e n ca rad a com o necessária, é preciso e x am in ar o co n ceito de história
p ró p rio desse círculo d e pessoas, o q u e eles e n ten d iam p o r história,
p ro c u ra n d o c o m p re e n d e r as bases teóricas q u e determ in av am sua

13 M in e rv a Brasiliense. Rio de Jan eiro. 1 (2 ), n o v /1 8 4 3 , pp. 51-3.


122 Historiografia e Nação no Brasil 1838-185V

abordagem . A seguir, ilustra-se com o a ocupação com a história se


expressou na prática do IHGB.
Pessoas form adas n u m a universidade em que as reform as fo­
ram inspiradas no espírito do Ilum inism o eram confrontadas com as
posturas reacionárias do governo de D. Maria I, pois os intelectuais
do Brasil identificados com a história, de m aneira geral, represen­
tavam a tradição do Ilum inismo. A bem dizer, um Ilum inism o cujo
objetivo se constituía da ilustração dos dirigentes governam entais, a
fim de que esses pudessem governar m elhor.
No prim eiro núm ero da Revista, foi publicado um artigo de
José Feliciano Fernandes Pinheiro em que ele expressava a intenção
do instituto de se filiar a essa tradição.14 P artindo das ideias do filó­
sofo francês Victor Cousin, Pinheiro desenvolveu a ideia de que o
Brasil deveria incorporar com o país e /o u nação: Brasil com o centro
da luz e da civilização no Novo M undo: "... tudo, enfim , pressagia que
o Brasil é destinado a ser, não acidentalm ente, mas de necessidade,
um centro de luzes e de civilização, e o árbitro da política do Novo
M undo”.15
Dessa autoavaliação com o vanguarda da civilização no Novo
M undo, derivou a pretensão do Brasil de desem p en h ar o papel de
árbitro na política. Ambições políticas e ideológicas se confundiam
nessa apresentação do país e n a form ulação de um q u ad ro nacional,
cujos prim eiros contornos se desenhavam recentem ente. No pano
de fundo do artigo de P inheiro, aparecia a ideia do Brasil com o país
dos superlativos, um a avaliação de nosso país até hoje costum eira
entre os brasileiros.
O tem a principal do artigo era a descrição das academ ias fun­
dadas no Brasil no d eco rrer do século XVII, academ ias que, seguindo
os princípios do Ilum inism o português, dedicavam-se essencialm en­
te às ciências naturais. Essas academ ias constituíam , na opinião de Pi­

14 PINHEIRO, José Feliciano Fernandes. O Instituto Histórico e Geográfico Bra­


sileiro é o representante das ideias de Ilustração que, em diferentes épocas,
se manifestaram em nosso continente. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 1 (2),
abr-jun/1839, pp. 77-86.

15 Conforme nota 14, d. 78.


O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 123

nheiro, a prova da existência de um “g ênio” brasileiro que, devido às


circunstâncias históricas, não pôde desenvolver-se p o r com pleto. Só
após a in d ep en d ên cia é que esse “g ênio” p ô d e tom ar corpo, tendo
sido o elo en tre as academ ias do século XVIII e o Instituto H istórico
e Geográfico do Brasil.
Resgatar do esquecim ento as contribuições científicas de pes­
quisadores brasileiros do século XVIII parecia ao IHGB, p o r um lado,
necessário, em virtude de suas indicações práticas, e, p o r outro, p o r­
que, graças ao redescobrim ento desses fatos, comprovava-se o “gê­
nio” brasileiro. P or esse motivo, solicitou-se ao m inistro de Assuntos
Internos do Im pério a publicação de todos os m anuscritos de Alexan­
dre Rodrigues F erreira (1756-1815) disponíveis em P ortugal.16
Esse pesquisador da natureza brasileiro em p reen d eu , de 1786
até 1792, um a viagem de pesquisa pela região am azônica para estu­
dar as possibilidades de se utilizarem os recursos naturais da região.
A atividade de F erreira não foi exceção, mas a concretização de um
projeto que radicava p ro fu n d am en te nos princípios do Ilum inism o.1'
Como adepto dessa concepção de que um desenvolvim ento
continuado da ciência só seria possível m ediante o acúm ulo de co­
nhecim entos, o IHGB recebeu pedidos de sociedades de igual n atu ­
reza no sentido de co n trib u ir p ara essa reu n ião de conhecim entos
hum anos.18 Isso vinha confirm ar e concretizar a reivindicação do
instituto de ser o lugar em que e a p artir do qual seria possível falar
acerca do Brasil de m odo qualificado.

18 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 3 (9 ), jan -m ar/1841, p. 135.


17 O IHGB se reportava, com frequência, aos resultados dessa investigação. As­
sim, José Vieira do Couto, também pesquisador da natureza do século XVIII,
trabalhou, a partir de sua exploração da região de Minas Gerais, elaborando as
bases de uma teoria acerca da proto-história do país, que foi perpetuada pelo
instituto. R evista do IH G B , Rio d ejaneiro, 3 (12), out-dez/1841, p. 524.

18 Veja-se a carta de Ph. Vandermaelen e do dr. Meisser, sócios-correspondentes


do IHGB que viviam na Bélgica, com o pedido de colaboração do Insdtuto e
com a notícia do envio da publicação chamada Epistem onomia. R evista do IH G B ,
Rio d ejan eiro, 3 (12) out-dez;1841, p. 501v.
124 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

A intenção do IHGB de oferecer conhecim entos ao governo e


de to rn ar sua atuação p eren e n a historiografia pode, igualm ente, ser
vinculada ao pensam ento iluminista.

O insdtuto, por seus trabalhos, acom panha a m archa gloriosa


de seu governo e, dando luz a seus atos, fará ch e g a r ao co­
nhecim ento da mais rem ota posteridade os memoráveis acon­
tecim entos do im pério de Santa Cruz, felizmente regido por
um príncipe nascido no seu solo e recon h ecid o desde seus
primeiros anos com o Augusto p rotetor das letras brasileiras.19

Aqui tocamos o cerne da visão do IHGB a respeito de história.


Na m edida em que os m em bros do instituto pretendiam transm itir
lições aos governos, partiam do princípio de que seria possível filtrar
exem plos e m odelos da história para o presente e o futuro. A histó­
ria, en ten d id a com o a experiência de gerações passadas, poderia in­
dicar com o fazer as coisas. Mas a história só pode fornecer exemplos
e ensinar o presente desde que se en ten d a ser ela um continuum, um
processo direcionado para frente.20 É indubitável que o IHGB partia
dessa premissa.
A alocução de Jan u ário da C unha Barbosa p o r ocasião da inau­
guração do instituto é elucidativa nesse sentido.21 Após haver citado
Cícero para frisar a utilidade do Instituto Histórico, prosseguia com
as seguintes palavras: “Não duvidamos, Srs., que as m elhores lições
que os hom ens podem receber lhes são dadas pela história.”22
Em seu 5S relatório anual, surge a m esm a ideia: “A História
é a m em ória das Nações, disse um sábio filósofo, e de seu copioso

19 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 3(12) out-dez/1841, p. 537.

20 Veja-se; KOSELLECK, Reinhart. “Historia magistra vitae”. In Vergangene Z u ku ­


nft. Frankfurt/M , Suhrkamp, 1984, pp.38-66.

21 Discurso inaugural de Januário da Cunha Barbosa por ocasião da fundação do


IHGB, em 2 5 /1 1 /1 8 3 8 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 1 (1), jan-m ar/1839,
pp. 10-21. '

22 Conforme nota 21, p. 16.


O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... 125

depósito derivam elas a necessária instrução, ou para se regularem


no presente, ou para pen etrarem o futuro, seguras em sua m archa.”23
São num erosas as provas dessa convicção e seria entediante
enum erá-las aqui. O que m e parece im portante é constatar que cabe
à história um a função com correspondentes consequências político-
pragmáticas para o presente e o futuro.
Com o então pô d e o IHGB corresponder, na prática, à função
autoform ulada de oferecer aos hom ens de estado, através de conhe­
cim entos derivadas da história, recom endações para a ação política?
A ntônio de M enezes Vasconcelos de D rum m ond (1794-1865), rep re­
sentante diplom ático brasileiro em Lisboa e m em bro do instituto,
enviou ao IHGB docum entos acerca da história da Província do Ma­
ranhão, que, àquela época, se rebelava contra o governo central. Ao
ver dele, esse m aterial p o d eria con trib u ir para en te n d e r m elhor os
problem as da província: “Em presença de docum entos desta natu­
reza é que eu quisera que os nossos legisladores legislassem para o
Im pério, e não im buídos em máximas, o u princípios excelentes, se
quiserem , mas sem aplicação en tre nós.”24
A m esm a opinião era partilhada p o r Jan u ário da C unha Bar­
bosa, em seu relatório referen te ao ano de 1840, em que ressaltava a
necessidade da história p ara o hom em de Estado:

A História, tornando-lhe presente a experiência dos séculos


passados, ministra-lhe conselhos tão seguros co m o desinteres­
sados, que lhe aclaram os cam inhos que deve seguir, os esco­
lhos que deve evitar, e o seguro p orto a que um a sólida m ano­
bra pode felizm ente fazer ch eg ar a nau do Estado.25

23 Relatório anual do primeiro-secretário do IHGB, Januário da Cunha Barbo­


sa, de 1 0 /1 2 /1 8 4 3 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 5 (Suplemento), out-
d ez/1843, pp. -1-29.
24 Carta de Antonio Menezes Vasconcelos de Drummond a Januário da Cunha
Barbosa, de 2 4 /8 /1 8 4 0 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 2 (8 ), out-dez/1840,
p. 526.
25 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 2 (8), out-dez/1840, p. 573.
126 Historiografia e Nação n o Brasil lÔSS-lSô^

A ocupação com a vida de personalidades im portantes parecia


ao instituto a possibilidade de tirar da história exem plos para o pre­
sente. Foi assim que o prim eiro-secretário, em seu relatório anual, re­
feriu-se à vida de m em bros falecidos p ara “servirem de exem plo para
os vindouros”.26 Igualm ente n a revista foi aberta um a coluna para a
publicação de biografias de “personalidades de destaque”.
Como a história atua politicam ente, fo rnecendo aos governan­
tes do presente exem plos e vivências, tam bém atua ideologicam ente
e, nesse processo, afirma-se determ inado papel ao historiador:

Deve o historiador, se não quiser que sobre ele carregu e grave


e dolorosa responsabilidade, pôr a mira em satisfazer os fins
político e m oral da história. Com os sucessos do passado en­
sinará à geração presente em que consiste a sua verdadeira
felicidade, cham ando-a a um nexo com um , inspirando-lhe o
mais nobre patriotismo, o am or às instituições monárquico-
constitucionais, o sentim ento religioso e a inclinação aos bons
costum es.27

Ao historiador que, com o pessoa esclarecida, sabe em que con­


siste o objetivo da história, cabe a tarefa de instruir seus contem po­
râneos naquilo que constitui sua felicidade: serem fiéis súditos do
Estado m onárquico.
Assim, aos elem entos já m encionados do conceito de história
do IHGB, acrescentou-se, ainda, a vontade de se colocar de m odo
suprapartidário e ab o rd ar a história p o r m eio de um m étodo. O não
atendim ento desses critérios constituía o cerne da crítica do instituto
sobre as publicações de até então acerca do Brasil. O procedim ento
m etódico dos historiadores ligados ao instituto se explicita com cla­
reza no decurso das propostas apresentadas de projeto da história
nacional.

26 Revista do IH G B, Rio de Janeiro, 16 (12), abr-jun/1853, p. 567.


27 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 9 (6), ab rju n /18 4 7 , p. 286.
O In stitu to H istórico e G eográfico Brasileiro... 127

P a rtin d o d o institu to sed iad o no Rio de Ja n e iro —in té rp re te


au to rizad o d a história —, a luz deveria espalhar-se p o r to d o o Im p ério ,
um co n ce ito q u e se ajusta sem p reju ízo à p o lítica estatal de cen trali­
zação.
A po lítica cultu ral estatal, afinal, visava fazer do IHGB o local
em q u e se co n cen trav a a to talid ad e dos co n h ecim en to s disponíveis
a respeito d o Brasil. O fato de esse objetivo tam bém c o rresp o n d er
aos interesses dos m em b ro s ficou d em o n stra d o n a p ro p o sta de 4 de
d ezem b ro d e 1842, d e a biblio teca d o in stitu to ser n o m e ad a com o
lugar o b rig ató rio de todas as obras p u b licad as no Brasil, em b o ra no
Rio d e J a n e iro j á houvesse u m a b ib lio teca p ú blica.28
A p e d id o do IHGB, os p resid en tes das províncias enviavam ao
in stitu to um e x em p lar de seus relató rio s anuais de prestação de c o n ­
tas, com o q u e o IHGB p en etrav a n a á re a d e atuação do Arquivo
N acional, fu n d a d o em 1838. O u tra prova da expansão da área de
funções d o IH GB é o p lan o de J a n u á rio d a C u n h a B arbosa d e to rn a r
o in stitu to lu g a r de co letân ea de todos os d ados estatísticos levanta­
dos n o Im pério; atividades q u e, à p rim eira vista, p arecem ex tra p o lar
a fu n ção p recíp u a d o IHGB de escrever a h istó ria do Brasil. A razão
disso, e n co n tram o s n a o p in ião esposada p elo in stituto de q u e histó­
ria tem d e ser global e re tra ta r a n ação em sua totalidade.
O s prim eiro s passos co n creto s n o sen tid o de u m a h istó ria do
Brasil d atam de 1840, q u a n d o Ja n u á rio da C u n h a B arbosa in stituiu
um p rêm io p a ra o m e lh o r trab a lh o d ed icad o ao tem a e q u e ap resen ­
tasse u m p lan o a p a rtir d o qual se deveria escrever a história do B ra­
sil. O p rêm io coube, em 1847, ao p esq u isad o r n atu ralista e etn ó g rafo
alem ão Karl F ried rich P hilipp von M artius (1794-1868), qu e, e n tre
1817-1829, ju n ta m e n te c o m j. B. von Spix, e m p re e n d e ra u m a viagem
p elo Brasil. Dessa ex p eriên cia, n asceu a o b ra em três volum es dos
dois autores, Reise in Brasilien (V iagem n o Brasil), q u e foi trad u zid a
p o r iniciativa do IH GB em 1938, n a ocasião de seu cen ten ário de
fu n d ação . V on M artius p u b lico u diversos estudos nas áreas da e tn o ­
grafia e d a linguísdca, te n d o sido n o m e a d o professor universitário

28 R ev ista do IH G B , Rio de Jan eiro, 4 (1 5 ), ju l-set/184 2 , p. 529.


128 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

em M unique em 1826 e, posteriorm ente, em 1832, direto r do Jardim


Botânico de lá.
Indubitavelm ente, o Brasil constituiu o objeto central de sua
advidade científica, com o se pode d ep ree n d er da carta de agradeci­
m entos que, em 1840, p o r ocasião de sua aceitação com o membro
correspondente, ele fez chegar ao insdtuto. Seu trabalho científico
naquele m om ento estava voltado para um livro, sob o patrocínio do
Im perador, a respeito da flora m edicinal brasileira e a história dos
naüvos do Brasil. No que se refere aos nativos do Brasil, defendia a
teoria de que, m uito antes da chegada dos portugueses, haviam vi-
venciado um a civilização de nível mais elevado. A leitura de sua carta
estim ulou V arnhagen a form ular a proposta de que o IHGB, além
de seu interesse pela língua dos nativos, se interessasse tam bém por
outras matérias de sua história.29
O trabalho de von Martius, intitulado “Com o se deve escrever
a história do Brasil” (M unique, 1843), chegou a ser publicado, já em
1844, na Revista do IHGB.30 U m a vez que, nesse texto, foram form ula­
dos princípios que correspondiam ao conceito de história do IHGB,
é preciso tratá-lo mais de perto.
Partindo da m áxim a idealista - “o gênio da história está em mãos
dos homens” - , 31 o autor defendia o ponto de vista de que era preciso
levar em conta os elementos étnicos, que desem penharam papel rele­
vante na formação dos brasileiros. Constatava von Martius que os bra­
sileiros são a m istura de três “raças”, a indígena, a negra e a branca, e
que a história do país forçosamente teria de espelhar a interação des­
sas forças diferenciadas. Na opinião do autor, a cada “raça” hum ana,
corresponde determ inado movimento histórico, sendo que no Brasil,
devido à predom inância portuguesa, a influência da “raça” branca é a
decisiva. De resto, im buído de um otimismo que atribuía im portância
destacada ao futuro do Brasil, o autor defendia a tese de que nosso país

29 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 2 (7), jul-set/1840.

30 MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. “Como se deve escrever a História do


Brasil”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro,6 (24), ja n /1 8 4 5 , pp. 381-403.
31 Conforme nota 30, p. 383.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 129

estaria predestinado a criar, a partir da fusão dessas três “raças”, um a


nova nação. E interessante notar como, na visão de von Martius, essa
fusão ocorrería como um movimento de baixo p ara cima:

Jam ais nos será perm itido duvidar que a vontade da Providên­
cia predestinou ao Brasil esta mescla. O sangue Português, em
um poderoso rio, deverá absorver os pequenos confluentes
das raças índia e Etiópica. Em a classe baixa tem lugar esta
mescla e, com o em todos os países se form am as classes su­
periores dos elem entos das inferiores, e p or m eio delas se vi­
vificam e fortalecem , assim se p rep ara atualm ente na última
classe da população brasileira essa mescla de raças, que daí
a séculos influirá poderosam ente sobre as classes elevadas, e
lhes com u n icará aquela atividade histórica para a qual o Im pé­
rio do Brasil é ch am ad o.32

D irecionada p o r forças extra-históricas, a história tem reserva­


do para cada qual um papel determ inado, um a tarefa a ser cum prida.
Von M artius colaborou na construção da afirm ação fundam ental da
historiografia nacional brasileira, no sentido de que nosso país é um a
dem ocracia racial. Esperava-se do historiador que, p ara isso, ele des­
se sua contribuição.

Portan to, devia ser um ponto capital para o historiador refle­


xivo m ostrar com o no desenvolvimento sucessivo do Brasil se
acham estabelecidas as condições p ara o aperfeiçoam ento de
três raças humanas, que nesse país são colocadas um a ao lado
da outra, de um a m aneira d esconhecida na história antiga...33

Im buído da fé hum anístico-ilum inista acerca da possibilida­


de e d a necessidade do aperfeiçoam ento da condição h u m an a, von

32 Idem.
33 Conforme nota 30, p. 384.
130 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

M artius acreditava que esse posicionam ento corresp o n d ia ao histo­


riador.
No decurso de sua obra, von M artius se dedicou a diferentes
grupos étnicos, p artindo da prem issa de que sua história é parte da
história do Brasil. As abordagens p o r ele desenvolvidas para a apre­
ciação da história parcial foram , posteriorm ente, em pregadas pelo
instituto nos trabalhos em preendidos.
N o tocante aos indígenas, o au to r sublinhava a necessidade de
se assegurarem os vestígios deixados, a fim de haver condições de
se reconstruir sua história. Essas opiniões não eram apenas dele e,
com o vimos, tam bém V arnhagen recom endava o estudo das línguas
dos índios. Com o etnógrafo tam bém , von M artius acreditava que co­
nhecim entos a respeito dos indígenas constituíam im portante pre­
missa para se escrever a história do Brasil.
Um prim eiro passo indispensável seria a pesquisa das línguas, a
p artir do que, com a ajuda de métodos linguísticos, seria possível ob­
ter conhecim entos a respeito da estru tu ra social desses grupos. Como
outro passo, von M artius aventou ainda o estudo de mitologias, teo-
gonias e geogonias indígenas, além da consideração das condições
jurídicas e sociais peculiares às unidades étnicas. Ele julgava indis­
pensável a com paração com grupos dem ográficos similares em outras
partes do m undo, a fim de desenvolver o trabalho do historiador em
um patam ar superior. Da arqueologia, ele esperava, entre outras coi­
sas, a comprovação de vestígios arquitetônicos de “civilizações” mais
evoluídas, porém desaparecidas, no continente am ericano.
A análise da Revista do IHGB, ao longo do próxim o item deste
capítulo, perm itirá dem onstrar com o os processos desenvolvidos no
texto de von M artius foram aplicados no trabalho do instituto.
A partir da tese de que o Brasil foi descoberto no decurso de
um a expansão do com ércio português, von M artius cham ou a aten­
ção dos historiadores sobre as mais im portantes rotas do com ércio
daquela época, através das quais eram transportados produtos tropi­
cais especialm ente valorizados na Europa.
A reprodução da vida europeia no século XV, bastidor do des­
cobrim ento do Novo Mundo, parecia a von M artius indispensável para
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... 131

determ inar a contribuição da raça branca para a cultura brasileira. Um


aspecto relevante da história portuguesa teria sido o traslado de certas
instituições para o Brasil. Nesse contexto, o autor achava que as ordens
religiosas, sobretudo a dos jesuítas, devido a seu papel “civilizador” e à
multiplicidade dos vestígios deixados, tinham especial significado. O
papel das ordens - em seu trabalho missionário e colonizador dos in­
dígenas - perm itia, igualmente, maiores conhecimentos a respeito de
sua história.
Von M artius assinalou outro aspecto das relações entre a Europa
e o Novo Mundo: “Uma tarefa de sumo interesse p ara o historiador
pragmático do Brasil será m ostrar como aí se estabeleceram e desenvol­
veram as ciências e artes como reflexo da vida europeia.”34
O lhando os “brancos” e seu papel na história brasileira, von Mar-
tíus salientava igualmente o significado das viagens dos bandeirantes
pelo interior do Brasil e das contribuições escritas dos participantes des­
sas expedições. Os “bandeirantes” do século XVII, segundo sua perspec­
tiva, dveram um a contribuição inimaginável na expansão do Brasil.

U m a exposição aprofundada destas viagens para o interior


conduzirá necessariam ente o historiador a certa particularida­
de, que excitou m uito a m inha atenção. Eu falo das numerosas
histórias e lendas sobre as riquezas subterrâneas do país, que
nele são o único elem ento do Rom antism o, e substituem para
com os brasileiros os inúm eros contos fabulosos de Cavaleiros
e espectros, os quais forn ecem nos povos europeus um a fonte
inesgotável e sem pre nova p ara a poesia popular.35

Dessa form a, von M artius tocava nu m dos motivos do interesse


nessas viagens: é que supriram m atéria e temas p ara a literatura na­
cional brasileira do século XIX.
Por seu turno, as indicações de von M artius quanto ao estudo
do terceiro elem ento étnico do Brasil foram bastante circunscritas.

34 Conforme nota 30, p. 394.


35 Conforme nota 30, p. 396.
132 H istoriografia e N ação no Brasil 1838-1857

Q uanto aos negros, apenas a questão de suas características raciais


específicas e o problem a do tráfico de escravos pareciam m erecer
algum destaque.
No final de seu trabalho, von M artius defendeu a posição de
que a história do Brasil a ser escrita deveria d ar m enos ênfase às re­
giões em suas particularidades e que, em vez disso, deveria ser su­
blinhada a interdependência orgânica de todas as províncias. Essa
opinião a respeito do significado e do sentido da obra histórica era
com partilhada pelos m em bros do IHGB.

P or fim devo ainda ajuntar um a observação sobre a posição do


historiador do Brasil para com a sua pátria. A história é uma
mestra, não som ente do futuro, com o também do presente.
Ela pode difundir entre os contem porâneos sentimentos e
pensamentos do mais nobre patriotismo. U m a obra histórica
sobre o Brasil deve, segundo a m inha opinião, ter igualmente
a tendência de despertar e reanim ar em seus leitores brasilei­
ros am or da pátria, coragem , constância, indústria, fidelidade,
prudência, em um a palavra, todas as virtudes cívicas. O Brasil
está afeto, em muitos m em bros de sua população, de ideias
políticas imaturas. Ali vemos republicanos de todas as cores.
Ideólogos de todas as qualidades. E justam ente en tre estes que
se acharão muitas pessoas que estudarão com interesse uma
história de seu país natal; para eles, pois, deverá ser calculado
o livro, para convencê-los, p o r uma m aneira destra, da inexi-
quidade de seus projetos utópicos, da inconveniência de dis­
cussões licenciosas dos negócios públicos, p or um a imprensa
desenfreada, e da necessidade de uma m onarquia em um país
onde há um tão grande núm ero de escravos. Só agora princi­
pia o Brasil a sentir-se com o um Todo U n id o.36

Aqui se delineia claram ente um conceito de história que está


vinculado a determ inado projeto político e que se engaja na realiza­
ção desse projeto.

36 Conforme nota 30, p. 401v.


O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro .- 133

Von M artius trouxe em seu trabalho ainda um a relação de im­


portantes obras acerca do Brasil e que deveriam constituir o acervo
básico de um a assim cham ada Biblioteca Brasiliana.
A comissão do IHGB encarregada de ju lg ar os trabalhos rece­
bidos tinha plena consciência das dificuldades inerentes a um a obra
histórica elaborada àquela época de acordo com os princípios deli­
neados p o r von Martius: “Se algum a coisa se podia dizer contra ele é
que um a história segundo aí se prescreve talvez seja inexequível n a
atualidade: o que vem a dizer que ele é bom dem ais”. 37
Da correspondência en tre o IHGB e von M artius, apenas p u d e
ter acesso às cartas dirigidas ao instituto. De sua leitura, contudo, é
possível indicar com grande dose de probabilidade que o IHGB, já
em 1844, na época da publicação de seu trabalho n a Revista do Ins­
tituto, havia proposto a von M artius que ele m esm o levasse a cabo e
materializasse o plano que elaborara. Von M artius se sentiu h o n rad o
pela aceitação dos princípios advogados p o r ele, em bora, devido à
sua idade, já não mais estivesse em condições de realizar tal tarefa.38
Além das questões teórico-m etodológicas, o instituto tam bém
cuidou dos problem as da ab ertu ra de im portantes fontes p ara a his­
tória e a geografia do país. Essa questão foi tem a de um artigo de
Rodrigo de Souza da Silva Pontes, lido p eran te os m em bros do IHGB
e publicado na revista.39
O autor, m em bro do serviço ju diciário superior, político e di­
plom ata do Im pério, sugeria u m a orientação tem ática para a explo­
ração de im portantes arquivos, tanto privados com o oficiais, a ser
encabeçada p o r comissões do IHGB. Em bora o p ró p rio au to r adm i­

37 Relação de Francisco Freiro Alemão, Joaquim da Silveira e Thomaz Gomes dos


Santos, de 2 0 /5 /1 8 4 7 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 9 (6 ), ab rju n /1 8 4 7 ,
pp. 279-87.

38 Carta de Karl Martius de 8 /3 /1 8 4 4 , ao primeiro-secretário do IHGB. R evista do


IH G B , Rio de Janeiro, 6 (23) jul-set/1844, pp. 372-4.

39 PONTES, Rodrigo de Souza e Silva. “Quais os meios de que se deve lançar


mão para obter o maior número possível de documentos relativos à História
e GeogTafia do Brasil?” R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 3 (10), jul-set/1841,
pp. 149-57.
134 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

tisse que os vestígios m ateriais do passado no Brasil não fossem tão


num erosos quanto noutras partes do m undo, recom endava a reali­
zação de viagens de pesquisa, a fim de garantir esses vestígios. O utro
resultado desse tipo de expedições seriam dados geográficos precisos
a respeito dos palcos de acontecim entos históricos.40
O conjunto de temas que se desenvolveram no contexto dessas
viagens de pesquisa e desses trabalhos de arquivo é reencontrado
posteriorm ente na revista. Antes, porém , de nos dedicarm os à análise
da revista, vejamos os projetos de pesquisa que o insdtuto apoiou e
incentivou.
A reform a dos estatutos de 1851 determ in o u que, no orçam en­
to anual do IHGB, certo m ontante fosse reservado à outorga de prê­
mios. Isso institucionalizou na prática o que já havia sido iniciado em
1840. Nesse ano, foi instituída um a m edalha de ou ro com o prêm io
para o m elhor artigo sobre o tem a A Legislação do Brasil na Época Colo­
nial.41 Nesse mesm o ano, Jan u ário da C ünha Barbosa, em parte com
recursos privados, lançou um prêm io que foi ganho p o r von Martius.
Nos anos que se seguiram , foram fixados, nas reuniões come­
morativas anuais, os temas para esse tipo de com petição intelectual.
Por vezes, alguns m em bros chegavam a co n trib u ir com recursos pró­
prios. A partir de 1842, o Im p erad o r instituiu prêm ios anuais para os
m elhores trabalhos nos cam pos da estatística, da história e da geogra­
fia. Na área da história, o prim eiro prêm io foi dado a D om ingosjosé
Gonçalves de M agalhães, pela sua história sobre a revolta na Provín­
cia do M aranhão.42
D om ingos José Gonçalves de Magalhães, o fu tu ro Visconde
de Araguaia, depois de estudar m edicina no Rio de Janeiro, viajou
para Paris, onde, ju n tam en te com dois outros brasileiros, publicou a

40 Conforme nota 39, p. 151.


41 R evista do IH G B, Rio de Janeiro, 2 (8), òut-dez/1840, p. 522.
42 Domingosjosé Gonçalves de Magalhães viajou através do Maranhão como se­
cretário de governo de Luiz Alves de Lima, nomeado presidente da província
do norte do Brasil que se revoltara. Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 10 (11),
jul-set/1848, pp. 263-354.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 135

revista Minerva Brasiliense, à qual coube im portante papel n a dissemi­


nação do Rom antism o n o Brasil. Depois de seu regresso, ingressou
no serviço público, tendo sido confiadas a ele p red o m in an tem en te
questões políticas e diplom áticas, publicadas regularm ente na revista
do instituto.
O texto prem iado de sua autoria é um relatório detalhado do
ponto de vista do governo sobre a revolução na província do norte
do Brasil. E lógico que ele condenava a revolta, “sustentada n a ig­
norância b ruta das massas”,43 elogiando a correção das m edidas do
presidente enviado do Rio de Janeiro. Em tese, era o trabalho que
se deveria esperar de um secretário de governo cioso de seu dever.
Mas o au to r preten d ia com seu texto mais do que fazer um relatório:
os acontecim entos do passado deveriam servir de lição para as ações
e decisões políticas futuras. Foi com esse objetivo que ele se lançou
à descrição da revolução que o co rreu no M aranhão, expressando,
assim, concom itantem ente, a reivindicação que inspirava o trabalho
do instituto.44 Sim ultaneam ente com Gonçalves de Magalhães, José
Joaquim M achado de Oliveira (1790-1867) foi prem iado p o r seu arti­
go acerca dos indígenas da Província de São Paulo.45
José Joaquim M achado de Oliveira, nascido em São Paulo e
filho de um militar, atuou com êxito com o político, diplom ata e mi­
litar, dedicando-se aos problem as fronteiriços e dos indígenas de sua
província de origem . A distinção recebida p o r seu trabalho a respeito
da questão dos índios é indicativa da relevância que o instituto dava
a essa área de problem a. Na revista do instituto, foram publicados,
diversas vezes, estudos e artigos de M achado de Oliveira sobre a ques­
tão indígena, por ele elaborados com o propósito declarado de con­
tribuir para a catequese dos índios.46

4S Conforme nota 42, p. 352.

44 Conforme nota 42, p. 265.

45 Esse artigo foi publicado na revista. Veja-se: R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 8


(2), ab rju n /1846, pp. 204-50.
46 Conforme nota 45, p. 245.
136 Historiografia e N ação no Brasil 1838-1857

O com portam ento de M achado de Oliveira foi assumido por


Joaquim N orberto de Souza e Silva, cujo artigo sobre os índios da
Província do Rio de Janeiro, de 1854, igualm ente m erecedor de um
prêm io im perial, foi publicado na revista do instituto.47 Após descre­
ver diversas aldeias indígenas da província do Rio de Jan eiro , o autor
se posicionou a favor da insütuição de um povoado indígena exem­
plar, que tam bém deveria servir de m odelo para a cristianização dos
índios. Nisso, ele advogava a continuidade estatal de um a tentativa
iniciada por particulares.
Assim é que Jo ão da Silva M achado (1782-1875), mais tarde
agraciado com o título de Barão de A ntonina, assentou índios em
seu latifúndio. Convencido de que esses índios poderiam ser aprovei­
tados com o m ão de obra, ele propôs, em 1843, ao governo da pro­
víncia de São Paulo financiar o assentam ento de indígenas m ediante
a colocação à disposição de terras, sem entes e apetrechos agrícolas.
Na opinião de Silva M achado, esses assentam entos-m odelo deveriam
tam bém exercer p o d er de atração sobre indígenas ainda nômades.
O utro ponto de vista fora aventado, vinte anos antes pelo m ilitar e
ex-diretor de todos os assentam entos indígenas de São Paulo, José
A rouche de Toledo R endon (1756-1834): “Este sistema, bem execu­
tado em todas as Províncias do Im pério, dará m ilhares de braços à
agricultura e nos aliviará em parte da necessidade do negro com ércio
da raça africana”.48
A atenção dispensada à problem ática indígena, que envolvia
interesses diversos, precisa ser vista em conjunto com a form ulação
de um a política indigenista estatal.
O prêm io geográfico foi recebido, com o o prim eiro, p o r Con-
rado Jacob Niemeyer, p o r um m apa do Im pério. Em bora os prêm ios

47 SILVA, Joaquim Norberto de Souza e, “Memória histórica e documentada das


aldeias de índios da Província do Rio de Janeiro”. R evista do IH G B , Rio de Ja ­
neiro, 17 (14-5), abr-set/1854, pp. 109-552.

48 RENDON, José Arouche de Toledo. “Memória sobre as aldeias de índios da


província de São Paulo, segundo as observações feitas no ano de 1798, opinião
do autor José Arouche de Toledo Rendon sobre a sua civilização”. R evista do
IH G B , Rio de Janeiro, 4 (15), jul-set/1842, p. 317.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... 137

anuais do im perador não ficassem am arrados a temas, o IHGB sem ­


pre contava com o tratam ento de certos deles. Esses temas, via de
regra, espelhavam as áreas de interesse do IHGB.
No ano de 1848, foram agraciados com prêm ios os seguintes
temas: “Quais vestígios confirm am a tese de que o Brasil já teria sido
descoberto antes de 1500 p o r europeus?” e “A história dosjesuítas no
Brasil e a história da Cidade do Rio de Ja n e iro ”.49 Eventualm ente, o
im perador tam bém outorgava prêm ios especiais, como, p o r exem plo,
em 1850, quando, pessoalm ente, se em p en h o u em prol da pesquisa
da cultura indígena e da elaboração de um dicionário das línguas ín­
dias.50 Essa área tam bém m erecia a atenção do IHGB, de m odo que,
em 1852, o trabalho de Joaquim N orberto de Souza e Silva a respeito
dos índios da Província do Rio de Jan eiro foi agraciado.51

... e, quando se não chegue ao desejado efeito, a descoberta


de terrenos que podem ser vantajosos ao Estado com pensará
d ecerto os esforços que se fizerem com este fito. Assim o Brasil
tem sido devassado em muitas partes de seu interior, e tem
pago superabundantem ente as fadigas de afoitos aventureiros
com tesouros de que ainda se aproveita o Estado.52

49 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 11, 1848, p. 148.


30 Na reunião de 1 6 /2 /1 8 5 0 , o imperador manifestou-se do seguinte modo:
“Convido a reunir todas as notícias que existem a respeito da língua indígena,
interessante por sua originalidade e poesia, e pelos preciosos dados que po­
derá subministrar à etnografia do Brasil, lembro ao Instituto que encarregue
alguns de seus sócios da investigação do que houver sobre esta matéria em suas
respectivas províncias. Os trabalhos, que assim se tiverem feito, serão remeti­
dos ao Instituto, enviando-os êste a uma comissão, a quem incumbirá de apre­
sentar a gramática e dicionário geral da língua indígena com as alterações dos
diferentes dialetos”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 13 (17), jan-m ar/1850,
p. 131.
51 O IHGB dedicou dois números à publicação desse trabalho. Veja-se: R evista do
IH G B , Rio de Janeiro, 17 (14,15), abr-set/1854, pp. 109-552.

52 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 3 (12) out-dez/1841, p. 528.


138 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

Se não se podia servir à ciência, pelo m enos o Estado deveria


levar vantagem com isso.
Em 1841, o Padre Benigno José de Carvalho e Cunha, origi­
nário da Bahia, engajou-se na realização de um a viagem de pesquisa
ao interior da Bahia, a fim de localizar os restos de um a cidade de­
saparecida. Ele pretendia com provar a existência de um a civilização
da época dos descobrim entos, sem elhante à do México. Os recursos
necessários para isso foram pedidos pelo IHGB ao governo, que os
colocou à disposição do padre. Em bora a petição elaborada pelo Ins­
tituto e dirigida ao Im perador, de novem bro de 1841,53 salientasse o
significado cultural desse em preendim ento, não deixava de frisar os
aspectos prático-concretos (tanto políticos como econômicos).
Sob o pon to de vista econôm ico, a ab ertu ra de novas áreas
poderia ser vantajosa p ara a agricultura e p ara a conquista de re­
cursos do solo. Sob o prism a da política, u m a expedição desse tipo,
de acordo com o docum ento, seria um estím ulo à “interiorização da
civilização”, perm itindo um conhecim ento mais preciso da fronteira
ocidental do Im pério, p ara m elhor protegê-la. Além disso, o apoiò
im perial, na opinião dos que redigiram a petição, representaria uma
valiosa contribuição para fo rn ecer às gerações futuras um quadro
positivo do Im pério, ou seja, de um m onarca que fez m uito em prol
“das ciências e das belas-artes brasileiras”.
Isso nos perm ite constatar as m últiplas faces dos interesses que
envolviam um a expedição científica. Após oito meses de pesquisas,
Carvalho e C unha ainda não havia alcançado os resultados desejados
e lamentava, em carta ao instituto, datada de 20 de agosto de 1842, o
que, segundo sua avaliação, considerava a parca dotação financeira.54
M esmo depois de três anos de um trabalho im profícuo, o pa­
dre ainda n utria esperança quanto a um apoio oficial. N um a missiva
ao presidente da Província da Bahia, Francisco José de Souza Soares

53 Petição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a Sua Majestade Imperial


de 7 de novembro de 1841. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro - NA IE 78.

54 Carta de Benigno José de Carvalho e Cunha ao primeiro-secretário do Institu­


to, Januário da Cunha Barbosa, de 2 0 /8 /1 8 4 2 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro,
4 (15), jul-set/1842.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 139

de A ndréa (1781-1858), de 23 de ja n eiro de 1845,55 ele solicitava aju­


da financeira adicional.
E m preendim entos aventureiros tam bém adquiriam im portân­
cia, encontrando apoio d e órgãos oficiais, num m om ento em que a
pesquisa e a abertura do país assumiam a dianteira do interesse públi­
co. Em bora no centro d a expedição descrita se situasse a descoberta
de u m a antiga cultura com o contribuição à historiografia brasileira,
o foco dos interesses políticos e econôm icos aliados à exploração do
interior do país n ão deveria ser desprezado. Em seu arrazoado sobre
sua em preitada, Carvalho e C unha alinhava até a existência de minas
de diam antes e de dem ais recursos do solo n a região em questão.
Desse m odo, com o propósito de se favorecer dos resultados
das pesquisas, o IEIGB apoiava viagens de cientistas ao in terio r do
país. Em relação a 1843, o relatório anual do prim eiro secretário re­
gistra o acom panh am en to de vários cientistas de diversos países e
sua incorporação ao instituto n a qualidade de m em bros correspon­
dentes.56 Q uando os governos da França, dos Estados U nidos e da
Sicília encarregaram pesquisadores da realização de investigações de
ciências naturais, o IHGB aplaudiu essa atividade, queixando-se, ao
m esm o tem po, de que o governo brasileiro não parecia ainda ter
captado a im portância dessa tarefa.

Muito lastima o Instituto que ainda o Governo Imperial não


tenha as necessárias p roporções p ara fazer acom p an h ar essas
comissões científicas, que o am or da ciência traz ao nosso Im­
pério p ara exam in arem as matas, rios e m ontanhas do nosso
interior, de alguns jovens engenheiros e naturalistas das esco­
las militar e m édia, que m uito aproveitariam a si e ao Estado,
praticando com distintos sábios, colhendo muitos esclareci­
m entos de que ainda carecem os, e muitos produtos naturais
que enriqueceriam o Museu Nacional.

55 R evista do IH G B, Rio de Janeiro, 7 (25), ab r/1 8 4 5 , pp. 102-105.

56 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 5 (Suplemento), d ez/1843, pp. 7-10.


140 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

T em po virá em que esta ideia tenha o seu necessário desenvol­


vimento, para que se não diga que os estrangeiros sabem mais
do nosso do que nós mesmos.57

Em 1852, A ntonio Gonçalves Dias, m em bro do instituto, per­


correu, p o r encargo do im perador, oito províncias do norte, a fim
de com pilar docum entos a respeito da H istória do Brasil e elaborar
um relatório detalhado acerca do sistema educacional naquela re­
gião. Gonçalves Dias, que, após concluir seus estudos universitários
em Coim bra, foi cham ado p ara ser professor de latim e de história
brasileira no Colégio P edro II, foi um dos mais conhecidos poetas
e escritores do Rom antism o no Brasil e que, no seio do instituto, se
dedicou intensam ente a estudos etnográficos. A tem ática dos índios
tam bém se refletiu fortem ente em sua obra literária. Os resultados
de sua viagem, os docum entos e estudos a respeito dos indígenas das
regiões que ele p erco rreu foram p o r ele entregues ao instituto.
Som ente em 1856 é que o instituto teve a chance de concreti­
zar suas pretensões de u m a am pla viagem de pesquisas. N a reunião
de 13 de m aio de 1856, M anoel Ferreira Lagos (1816-1871) criticou
enfaticam ente o relatório do naturalista francês C onde Casteneau, a
respeito da viagem realizada pelo interior do país. Com base nessa
crítica, ele descreveu a im portância de um a comissão científica na­
cional, cuja função seria pesquisar as m enos conhecidas províncias
do Im pério:

Tudo seria do mais alto interesse nessa exp loração; con h eci­
m entos positivos da topografia, do curso dos rios, dos mine­
rais, plantas e animais, dos costumes, língua e tradições dos
autóctones, cuja catequese seria também mais facilm ente em ­
preendida. O governo imperial ficaria m elh or habilitado para
co n h ecer as urgências do interior e d ecretar a ab ertura de no­
vas vias de com unicação, que aum entariam as relações com er­
ciais e, p or consequência, a renda nacional; muitas estradas já

57 Conforme nota 56, pp. 8 e 9.


O Instituto H istórico e G eográfico Brasileiro... 141

estão prontas pela natureza: só falta conhecê-las para p or elas


escorregarem as locom otivas. Alcançar-se-ia igualm ente ob­
servações im portantes sobre a atm osferologia e clim atografia,
assim co m o a aquisição de preciosas coleções do reino orgân i­
co e inorgânico para o nosso m useu; e quem sabe, se talvez a
descob erta de algum novo produ to que em breve se tornasse
rival dos mais lucrativos. A exp ed ição seria, p ortan to, gloriosa
para o Brasil, co m o e não m enos para os que a em p reen d es­
sem , e o bom resultado da prim eira serviria para excitar novas
exp lorações.58

A proposta de criação de u m a comissão científica foi enviada


ao m inistro do Im pério Luiz P ed reira do C outo Ferraz (1818-1886),
em 9 de ju n h o de 1856,59 p o r um g ru p o de m em bros do instituto.
Essa comissão deveria servir a m últiplos interesses: o esclare­
cim ento de questões científicas se aliava a expectativas econôm icas
concretas. Im ediatam ente, na reu n ião seguinte, o instituto receb eu
a resposta positiva do governo referen te ao financiam ento do em ­
p reen d im en to , tendo sido confiada a Gonçalves Dias a tarefa de ad­
quirir n a E uropa os livros e os instrum entos necessários. A comissão
científica foi, então, subdividida nas seções de botânica, geologia e
m ineralogia, zoologia, astronom ia e geografia, etnografia e relatórios
de viagens, e ao IHGB cabia o encargo de n o m ear seus com ponentes.
Em novem bro de 1856, as diretrizes que n o rteariam o trabalho da
comissão já podiam ser subm etidas ao im p erad o r.60
Esse docum ento atesta que a pretensão principal de seu au to r
era pesquisar o país a fundo. A razão que levou à instituição da Co­
missão Científica era a m esm a q u e se apresentava p o r trás do proces­
so de criação de outras instituições científicas daquela época.
Os prêm ios instituídos e as viagens de pesquisas realizadas ti­
nh am por objetivo prom over a exploração de diversos setores do país.

58 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 19 (Suplemento), d ez /1 8 5 6 , p. 114.

59 Arquivo Nacional, Rio de Janeiro - IE 78.

60 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 19 (Suplemento), d ez /1 8 5 6 , pp. 43-73.


142 Historiografia e Nação n o Brasil 1838-1857

Desse modo, os conhecim entos conquistados serviram de fundam en­


to para um a historiografia mais abrangente em seu entendim ento.

O In stitu to H istó rico e G eo g ráfico B rasileiro e su a revista

“N ão é um arrojo de orgulho, é uma verdade incontestável:


a coleção de nossas revistas se tem tornado um cofre precioso,
onde se guardam em depósito tesouros importantíssimos;
e a leitura delas será muitas vezes frutuosa p ara o ministro, o
legislador e o diplomata, e, em um a palavra, para todos aqueles que não
olham com indiferença para as coisas da pátria.”61

Os tesouros aqui m encionados pelo prim eiro-secretário do


IHGR eram , em essência, fontes prim árias publicadas. De acordo
com o conceito de história do instituto, essas fontes seriam de grande
utilidade para as lideranças do Estado no encam inham ento de suas
atribuições.
U m a análise da revista com prova que a publicação de fontes
prim árias ocupava am plo espaço nas publicações oficiais do IHGB.62
Com o já dito, o im p erad o r criticava esse procedim ento, j á que, a seu
ver, p o r esse motivo, seria insuficiente o núm ero de obras criadas
pelos próprios m em bros. Porém , o prim eiro-secretário justificava a
necessidade de se publicarem fontes primárias:

61 Relatório do primeiro-secretário do IHGB, Joaquim Manoel de Macedo, por


ocasião das comemorações de jubileu, em 1 5 /1 2 /1 8 5 2 . R evista do IH G B , Rio
de Janeiro, 15 (8), out-dez/1852, pp. 480-512.

62 O cientista americano Rollie E. Popino publicou, em 1953, uma análise da


R evista do IH G B . Ele classificou os artigos publicados, respectivamente, pelos
períodos da história brasileira que são tratados. Para nosso propósito de tra­
balhar o conceito de história e as áreas de interesse do IHGB, pareceu-nos
mais adequada a classificação dos artigos por determinados campos temáticos.
Através disso, ficou mais fácil tecer as relações entre a produção intelectual
do Instituto e as discussões do seu ambiente social. Veja-se POPPINO, Rollie
E. A century o f the Revista do In stitu to Histórico e Geográfico Brasileiro. The H isp a n ic
A m erican H istoricalReview. Durham, 33 (2), m ai/1953, pp. 307-23.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 143

A desproporção que realm ente se observa entre a publicação


de manuscritos antigos e a dos trabalhos dos m em bros do ins­
tituto explica-se pela conveniência que há em salvar de um a
vez dos sorvedouros do tem po essas m em órias do passado, que
p or felicidade lograram ch egar até nós, vencendo os gelos de
um a fatal indiferença que tantas obras nos fez p erd er.63

Uma avaliação da revista p o r temas m ostra que, tanto na rep ro ­


dução de fontes com o na publicação de artigos, certas áreas tem áti­
cas gozavam de preferência.
Elaborei um a lista dos 15 temas abordados com mais
frequência na revista e, p o r sua vez, associei-os a três áreas de proble­
mas gerais. O bras e fontes a respeito da questão indígena, da história
regional, bem com o relatórios de pesquisas e de viagens, que ocu­
pam cerca de 73% da totalidade das publicações na revista.

A questão indígena

Esse cam po tem ático, que term in o u p o r o cu p ar a m aior parte


da revista, abarcou textos e docum entos a respeito das diversas tri­
bos indígenas, seus costum es e línguas, a catequese e o trabalho de
missões religiosas, bem com o a questão de seu aproveitam ento com o
mão de obra. A relevância que foi atribuída a esses temas pode ser
reconhecida pelo fato de que, sem pre que os recursos previstos se es­
gotavam, o IHGB recorria ao parlam ento solicitando financiam ento
adicional, com o, p o r exem plo, no ano de 1843, para a publicação de
m aterial sobre as línguas indígenas.
A reflexão de von M artius e um artigo de V arnhagen64 lança­
ram as bases teóricas do intenso trabalho desenvolvido pelo IHGB em
torno da problem ática indígena. Em seu artigo, V arnhagen tratou

63 Relatório anual do primeiro-secretário do IHGB, Joaquim Manoel de Macedo.


R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 16 (12), out-dez/1853, p. 568.

64 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Reflexões sobre a necessidade do estudo e


do ensino da línguas indígenas do Brasil”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 3
(9), jan -m ar/1841, pp. 53-61.
144 H isto rio g rafia e N ação n o Brasil 1838-1857

das razões para a preocupação com a questão indígena. O aprendiza­


do da língua desses grupos populacionais, a seu ver, era fundam ental
para a cristianização e a integração ao projeto nacional, oferecendo,
ao mesm o tem po, a possibilidade de se obterem noções a respeito de
sua história.
A essa altura, V arnhagen ainda acreditava ser a língua e a cul­
tura dos índios fonte de uma literatura nacional recém -surgida, po­
sição que ele declinou em obras posteriores; publicações acerca do
vocabulário dos índios e sua influência sobre o português, aspectos
da vida social, como, p o r exem plo, a religião e o papel das m ulheres,
bem com o a questão da antropofagia, serviram ao objetivo do ins­
tituto de apresentar um a descrição exaustiva da vida desses grupos
étnicos.
A guinada para a dedicação intelectual com a questão indí­
gena precisa ser encarada a p artir de suas conexões com as discus­
sões da época. Só a com binação de interesses históricos, políticos e
tam bém econôm icos pode explicar a razão de esse tem a ter tido ta­
m anha ressonância. Para as rodas intelectuais do Brasil, a ocupação
com os indígenas assumia um significado especial naquele m om ento
em que, no centro das preocupações, se colocava o questionam ento
acerca d a in teg ração e do a p ro fu n d a m e n to do país, em busca das
origens da nação, ou, dito de outro m odo, a questão da construção
da nação.
D entro do quadro do conceito de história do Instituto Históri­
co e Geográfico do Brasil, a história dos índios despertava interesse
com o parte da história do Brasil. Sob a influência das ideias de von
Martius, o instituto nutria a expectativa de en co n trar provas de um a
época áurea dos índios. A existência de um a época de ou ro dos na­
tivos, tal com o noutras paragens da América Latina, p o d eria ter for­
necido elem entos im portantes para as bases nacionais em form ação.
C ontudo, não se tratava apenas de incluir a história dos ín­
dios na história nacional, mas, concretam ente, tratava-se, sobretu­
do, da integração social de determ inadas parcelas da população,
viabilizando a realização de determ inado “processo civilizador”. Isso
trazia à baila questões a respeito da possibilidade dessa integração,
O Instituto H istórico e G eográfico Brasileiro... 145

bem com o sobre a cristianização em p reen d id a p rincipalm ente pelos


jesuítas e sobre a experiência previam ente acum ulada nas ações de
pacificação dos indígenas. O co nhecim ento ad q u irid o deveria cons­
tituir o cerne de um a política indígena.
A revista do instituto era um espaço privilegiado para a pu­
blicação de tais considerações. Já em sua segunda edição, a revista
publicou um trabalho do então prim eiro-secretário do instituto,
Januário da C unha Barbosa, dedicado à questão do m elhor sistema
para civilizar os indígenas que deveria ser ad o tad o .65 Sua conclusão fi­
nal era nítida e clara: a catequese, ou seja, civilizar através da religião
e da renúncia ao recurso da violência, eram os m eios mais adequados
para o alcance da m eta p reten d id a. O projeto p o r ele desenvolvido,
no sentido de libertar os índios da condição de barbárie, sustentava-
se em três ideias-chave. C unha Barbosa planejava despertar nos indí­
genas necessidades que poderiam ser satisfeitas apenas pelo contato
perm anente com os brancos. Ele acreditava que “... o com ércio tem
sido em todos os tem pos um poderosíssim o in stru m en to da civiliza­
ção dos povos”.66
Igualm ente im p o rtan te lhe parecia a educação dos filhos dos
índios, já que acreditava p o d er integrá-los com pletam ente à cultura
branca. E, finalm ente, C unha Barbosa propugnava pela “m iscigena­
ção” en tre brancos e índios com o mais um a o p o rtu n id ad e de acele­
rar a absorção desses últim os pela cultura branca. E n ten d en d o a ação
de civilizar os índios com o um a missão, C u n h a B arbosa p ro p u n h a o
estabelecim ento, em diversas regiões do país, de centros de form ação
para realizar essa tarefa específica. Paralelam ente aos princípios da
religião católica, o estudo das línguas indígenas deveria ser p arte in­
tegrante e indispensável do p lano de ensino.

BARBOSA, Januário da Cunha. “Qual seria hoje o melhor sistema de coloni­


zar os índios entranhados em nossos sertões: se conviria seguir a sistema dos
Jesuítas, fundado principalmente na pregação do Cristianismo, ou se outro do
qual se esperam melhores resultados do que os atuais?”, R evista do IH G B , Rio
de Janeiro, 2 (1), jan -m ar/1840, pp. 3-18.
66 Conforme nota 65, p. 16.
146 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

V arnhagen frisou o significado das línguas indígenas para a


integração dessas parcelas da população com a ajuda da religião: “E
sem dúvida é, Senhores, que p o r tal intuito há de ser de grande auxí­
lio a conversão do catecúm eno que este ouça na sua p ró p ria língua
as palavras de doçura que o devem atrair e d o m ar”.67
No núm ero 19 de sua revista, o in stitu to pub lico u o “plano
p ara a civilização dos índios do B rasil”, elab o rad o no p erío d o colo­
nial p o r D om ingos Alves B ranco M oniz B arreto .68 O au to r apresen­
tava as bases fu n d am en tais de u m a política in d ig en ista, atrib u in d o
im p o rtân cia especial à redução d a in flu ên cia das o rd en s religio­
sas. S egundo sua opinião, os aldeam entos in d íg en as fundados e
ad m inistrados p o r ordens religiosas deveriam ficar sob o controle
d a ad m inistração do Estado. Dessa form a, D om ingos Alves Branco
p ro p u n h a ao governo a to tal reestru tu ração desses aldeam entos,
levando em conta n ão apenas aspectos políticos, mas tam bém ar­
quitetônicos e sociais. Com suas propostas, ele se posicionava, de
form a incisiva, favorável à criação de um sistem a público de ensino.
Isso, afinal, nos ap ro x im a das mesm as ideias de u m a integração
dos indígenas m ais ta rd e ad o tad as por p a rte dos atores políticos
do Estado nacional. Todos com partilhavam a ideia de suprem acia
da cu ltu ra bran ca, n a qual os indígenas deveriam integrar-se. Uma
tarefa difícil, mas que, seg u n d o o au to r do plano, u m a vez concre­
tizada, seria de g ran d e vantagem .

Conseguida esta necessária e im portante reform a entre os ín­


dios bravos e os índios mansos, não só virão eles a ser felizes
pelo bem espiritual da religião, mas ainda pelo tem poral, na
vassalagem e proteção de um a soberana, em quem resplande­
cem tantas virtudes, e gozarão, à som bra das leis, da liberdade
civil e política que perm ite a nossa Consütuição; ficando, ao

67 Conforme nota 64, p. 53.

68 BARRETO, Domingos Alves Branco Moniz. “Plano sobre a civilização dos ín­
dios do Brasil”. R evista da IH G B , Rio de Janeiro, 19 (21), jan -m ar/1856, pp.
33-91.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 147

m esm o tem po, p or um a parte aberto o cam inho para as van­


tagens e opulência do com ércio e agricultura; e, p or outra,
sem obstáculo para nosso uso e proveito, as estradas para as
Minas, e outros sertões, nas quais tantas vezes têm sido acom e­
tidos e m ortos inumeráveis viajantes; poder-se-ão agricultar os
terrenos de que se acham de posse estes gentios, assim com o
da riqueza que neles se acha depositada, o que virá a servir de
vantajosa rem u n eração de mais algum dispêndio e trabalho
que é necessário se faça, nos prim eiros anos, enquanto se co n ­
segue o principal fim, que deve ser: prim eiro: o aum ento da
religião; segundo: civilização de tantos hom ens.69

Em 1842, o IHGB publicou um artigo, escrito em 1823 p o r


José A rouche de Toledo R en d o n ,70 co n ten d o recom endações p ara
uma política pública de trato com os índios. O autor, após concluir
seus estudos ju ríd ico s em Coim bra, ingressou n o exército, tendo sido
nom eado, em 1798, d ireto r de todos os aldeam entos indígenas da
Província de São Paulo, função em que em p reen d eu múltiplas via­
gens de inspeção através da província. A p artir dessa experiência, ele
sustenta sua posição acerca da necessidade da integração dos índios
no novo Estado.

Estamos na ép oca feliz de não serm os colonos: o Brasil é um


Im pério C onstitucional... T rata de aum en tar as forças deste
gigante com o aum ento de sua população; entre os diversos
meios de conseguir este tão útil co m o necessário fim terá sem­
pre lugar o da civilização e catequese dos índios, que vivem em
hordas errantes nas imensas matas do solo brasileiro.71

Toledo R endon p reten d ia form ular, com sua obra, as bases de


um plano de Estado p ara a civilização e a cristianização dos indíge­

69 Conforme nota 68, p. 91.


70 Conforme nota 48, pp. 295-317.
71 Conforme nota 70, p. 296.
148 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

nas.72 Do seu p o nto de vista, a política pública deveria ser orientada


por quatro princípios básicos:
- R enúncia a qualquer tipo de ação baseada no recurso da vio­
lência contra os índios, já que esses tem iam os brancos de qualquer
form a e tinham interesse na sua amizade.
- U m a boa conduta p ara com os índios, para que desenvolves­
sem confiança nos brancos e p ara deles se valerem com o árbitros, no
caso de disputas entre tribos.
- O assentam ento de índios próxim o aos povoados brancos,
para que pudessem familiarizar-se com a agricultura.
- A separação dos filhos de seus pais, de preferência sem pro­
vocar a indignação destes, confiando sua educação a “famílias boas”,
às quais se poderiam conceder certos poderes quanto à m ão de obra
das crianças.73
Era claro o objetivo de seu projeto: a “branquização” dos ín­
dios e sua integração à cultura branca. Nesse sentido, a obra dos je ­
suítas despertou interesse, já que, nos séculos XVII e XVIII, haviam
registrado êxito no assentam ento de indígenas de form a duradoura.
No interio r do instituto, discutiram-se intensam ente as razões
que levaram os je su íta s a esse tipo de atividade, bem com o a cul­
tu ra que se desenvolveu nas missões indígenas. Na sessão de 17 de
m arço de 1842, p o r exem plo, R odrigo de Souza d a Silva Pontes
(1799-1855) defendeu a tese de que a a rte desenvolvida nos centros
m issionários se devia aos escravos negros. Assinalava, desse modo,
que, sob a o rien tação dos je su ítas nas décadas passadas, o desen­
volvim ento das aptidões artísticas dos índios havia sido um im por­
tan te elem ento no contexto do processo de civilizar e cristianizar
os nativos.74
A proposta de um m em bro do instituto, apresentada em 27 de
abril de 1844, no sentido de exam inar a relevância das ordens reli­

72 Idem.

73 Seu conceito não difere fundamentalmente das ideias desenvolvidas desde


1798 por Domingos Alves Branco Moniz Barreto. Veja-se nota 68.

74 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 4 (13), jan -m ar/1842, pp. 65-80.


O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro... 149

giosas para civilizar os índios ainda vivos, revela que as experiências


adquiridas nos séculos XVII e XVIII deveriam ser aproveitadas no
presente.75
Desde logo, em razão de sua q u antidade e dispersão geográ­
fica, a atenção se voltou p ara os jesuítas. Gonçalves Dias propôs ao
instituto, sob o ponto de vista das vantagens para o progresso, com­
parar os efeitos do esforço dos jesuítas no Brasil com os resultados da
política antijesuítica de Pombal.
Nos basüdores, receava-se que o apoio aos jesuítas poderia,
mais um a vez, levar a um a concentração de p o d er fora do controle
do Estado. No século XVIII, a O rdem controlava diversos assenta­
mentos transfronteiriços com mais de 100 mil habitantes, ignorando
a separação de um a região colonial espanhola e portuguesa.
Em 1842, num a edição da revista, foram descritos m inuciosa­
mente os problem as dos portugueses e dos espanhóis na im plem en­
tação do T ratado de M adri de 1750 sobre a dem arcação das fron­
teiras duas áreas coloniais, con tan d o com a resistência dos jesuítas.
Relatórios e avaliações a respeito da vida social nas povoações dos
jesuítas apareciam com frequência nas páginas da revista:

Pois que, ign oran do os miseráveis índios que havia na terra


poder que fosse superior ao p od er dos padres, criam que estes
eram soberanos despóticos dos seus corpos e almas; ignoran­
do que tinham Rei a quem obed ecer, criam que no m undo
não havia vassalagem, mas que tudo nele era escravidão; e, ig­
n orando enfim que havia leis que não fossem da vontade dos
seus Santos Padres (assim os d en om in am ), tinham p or certo e
infalível que tudo o que eles lhes mandavam era indispensável
para logo obed ecerem sem a m en or hesitação.

N um m om ento em que o ainda jovem Estado se constituía, é


evidente que os jesuítas, cujo trabalho se n o rteo u contra princípios

75 Revista d o lH G B , Rio de Janeiro, 6 (22), abr-jun/1844, p. 257.

75 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 4 (15), o u t/1 8 4 2 , pp. 265-83.


150 H istoriografia e Nação no Brasil 1838-1857

nacionais e de Estado, tinham de, forçosam ente, ser vistos de modo


críuco. Na ação de civilizar os índios, dever-se-ia dar precedência a
m étodos religiosos ou seculares? O tratam ento dessa questão impu­
n h a ao instituto e à sua revista a tarefa de colocar à disposição o co­
nhecim ento necessário para sua resposta.
Joaquim Fernandes Pinheiro (1825-1876), para sua admissão
no IHGB, preparou, em 1854, um artigo a respeito dos jesuítas, em
que apresentava, na segunda parte, um a descrição de seu papel no
Brasil.” O au to r criticava os jesuítas p o r causa de sua politização, afir­
m ando que teria sido mais vantajoso p ara o Brasil se o Estado portu­
guês, em vez de expulsar os jesuítas, tivesse su bordinado seu trabalho
de assentam ento dos índios ao controle de um a burocracia civil.77879No
final do trabalho, o au to r resum iu sua opinião da seguinte maneira:

Hoje, porém , não desejamos a sua volta: ser-nos-ia danosa,


um a vez que, se não despissem pisando as nossas fronteiras do
m anto de políticos, o que seria talvez exigir deles o impossível.
Cônscios de sua superioridade intelectual, querem dominar
por ela; esquecem muitas vezes o lugar de modestos operários
do Evangelho para se em aranharem no intrincado labirinto
da política, e então tornam-se prejudiciais, deixam de ser uma
congregação religiosa para se converterem em seita política,
79
em carbonários da Igreja.

N um trabalho publicado em 1856, P inheiro se ocupou, de for­


m a mais detalhada, do sistema jesuítico de cristianização.80 Segundo
sua opinião, a C om panhia de Jesus perseguira no Novo M undo o

77 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. “Ensaio sobre os Jesuítas”, R evista do


IH G B , Rio de Janeiro, 18 (17), jan-m ar/1855, pp. 65-157.

70 Conforme nota 77, p. 154.

79 Conforme nota 77, p. 157.

80 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. “Breves reflexões sobre o sistema de


catequese seguido pelos jesuítas no Brasil”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 19
(23), jul-set/1856, pp. 379-97.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 151

objetivo prim ordial de converter os indígenas incrédulos, até que,


em 1581, Cláudio Acquaviva (1543-1615) assumiu sua direção. Sob o
controle de Acquaviva, os interesses econôm icos assum iram tam anha
preponderância que o assentam ento dos índios passou a aten d er às
metas econôm icas da C om panhia de Jesus:

A oligarquia entronizada no Gesu pedia ou ro, e mais ouro e


sem pre ouro aos seus sátrapas do Brasil, e ei-los que, para cum ­
prir a santa obediência de que tinham feito voto, procuravam
tirar do trabalho dos miseráveis índios as riquezas que tão so­
fregam ente lhes eram reclam adas.81

Eis por que P inheiro pleiteava reinvocar as tradições je su í­


ticas originais, que, segundo sua visão, n a época que se seguiu ao
descobrim ento da terra, haviam desem p en h ad o im p o rtan te papel na
cristianização dos indígenas. O au to r se referia, principalm ente, à
atuação de jesuítas, tais com o A nchieta e N óbrega, que en traram n a
historiografia com o civilizadores do Brasil.82*Ao analisar o passado do
processo de cristianização dos nativos, foi cada vez mais solidificada a
ideia de que era preferível o m odo não religioso de civilizar os índios.
A atenção dispensada à problem ática indígena foi tam ­
bém adquirindo relevância através de sua relação com a questão
político-estratégica da segurança das fronteiras. A integração das
parcelas de populações residentes nas regiões lim ítrofes significava
maior consolidação do Brasil, através do fortalecim ento das frontei­

81 Conforme nota 80, p. 390.

82 Manoel da Nóbrega (1517-1570) estudou os “Canônes” em Coimbra e veio


para esta terra em 1549 com Tomé de Souza, o primeiro governador enviado
para o Brasil. Seu plano para a “cristianização” dos índios previa o estabeleci­
mento de missões, que eram administrativamente autônomas e impediam o
contato dos índios com os colonizadores brancos. Nessas missões, os índios
eram familiarizados com a agricultura e com o trabalho manual. José de An­
chieta (1533-1597) ingressou na Companhia de Jesus em 1551 e veio ao Brasil
em 1553, com o segundo governador nomeado para o Brasil, Duarte da Costa.
Em 1595, redigiu uma gramática da língua dos índios existentes na costa bra­
sileira.
152 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

ras. Em 1845, o instituto iniciou a publicação de um m anuscrito que


tratava de duas tribos de M ato Grosso, situadas na fronteira com a
antiga área colonial espanhola. Esse parecer, de 1803, de autoria de
Ricardo Franco de Alm eida Serra, foi confiado ao IHGB com a anu­
ência do presidente da Província de Mato Grosso. Após um a detalha­
da descrição dessas tribos, o d ocum ento salientava a im portância de
se m anter a paz com esses grupos.

Estas são as principais utilidades, que nos resultam da paz e


amizade com os U aicurus ainda independente do seu aldea­
m ento e perfeita redução: utilidade que julgo devemos con­
servar com em penho e custo; tanto para bem e tranquilidade
desta fronteira, com o para não engrossar, p erdendo o poder,
a força, e núm ero dos nossos vizinhos, sem pre rivais, sempre
suspeitosos e inimigos ocultos, utilidade que só com m enor
despesa podem os conseguir...88

Para a jovem m onarquia, cercada de repúblicas que eram ca­


racterizadas com o rivais, a garantia de suas fronteiras físicas assumia
im portância fundam ental.
Para descrever e e n ten d er a m ultiplicidade do discurso sobre
os índios, precisam os nos d eter em seu aspecto econôm ico. Os inte­
resses econôm icos não suscitaram a atenção científica para com os
índios, mas certam ente lhe deram um novo alento, ao m enos depois
da década de 1840. A p artir de então, a perspectiva econôm ica da
problem ática indígena não pode mais ser desvinculada do debate
acerca da escravidão, ressaltando claram ente sua conexão com as dis­
putas políticas.
A Inglaterra condicionou o reconhecim ento da In d ep en d ên ­
cia do Brasil à abolição do tráfico negreiro. Em 1827, o governo
brasileiro se com prom eteu a, p o r m eio de um a convenção, im pedir
o tráfico negreiro até o ano de 1830. A im posição dessa proibição 8*

8S R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 13 (19), set-dez/1850. p. 393. Para um trata­


mento abrangente, veja-se também: R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 7 (26),
abr-jun/1845, pp. 204-18.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 153

colidia frontalm ente com os interesses dos latifundiários, sobretudo


os da Província do Rio de Janeiro, onde, desde a década de 1830,
houve forte expansão das plantações de café. Som ente em 1850, após
maciça intervenção inglesa, parcialm ente m ilitar, é que o governo
brasileiro conseguiu fazer valer a lei sobre a proibição do tráfico n e­
greiro. Nesse contexto, entende-se que todas as ideias a respeito de
eventuais alternadvas para a escravidão adquiriram im portância espe­
cial. E a Revista do IHGB era o foro ideal p ara essa espécie de reflexão.
Desde o início do debate, os participantes estabeleceram um a
conexão en tre a escravidão e a questão indígena. Já na prim eira
edição da Revista do IHGB, Jan u ário da C unha Barbosa escreveu um
artigo sobre a questão, discutindo em que m edida a existência da
escravidão representava obstáculo para civilizar os índios. Ele che­
gou ainda mais longe, concluindo que a escravização dos negros não
im pedia apenas a ação de civilizar os índios, com o tam bém se havia
transform ado em um freio para o desenvolvim ento co n tín u o da so­
ciedade com o um todo.84
Assim, Jan u ário da C unha Barbosa representava um a posição
de expressão no interio r do IHGB: o rep ú d io à escravidão com o cau­
sa do atraso no país. U m a atitude pública contra a escravidão foi to­
m ando corpo, m arcando o início de um longo processo, que só che­
gou a term o em 1888, com a abolição da escravidão. C unha Barbosa,
em seu artigo, advogava a integração dos índios em vista de seu papel
com o força de trabalho do futuro.

Lem bram os este fato para provarm os que eles n ão são tão
avessos ao trabalho com o os p retend em pintar os patronos da
escravidão africana, e para que se veja que, se forem removi­
das certas causas de seu h o rro r e desconfiança; se forem bem
tratados, cum prindo-se fielm ente as convenções que com eles
se fizerem; se forem d ocem en te cham ados a um com ércio van­
tajoso e a um a com u n icação civilizadora, terem os, senão nos

84 BARBOSA, Januário da Cunha. “Se a introdução do trabalho africano emba­


raça a civilização dos nossos indígenas”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 1 (3),
jul-set/1839, pp. 159-66.
154 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

que hoje existem habituados à sua vida nôm ade, ao menos em


seus filhos e em seus netos, um a classe trabalhadora que nos
dispense a dos africanos.85

A reflexão a respeito dos índios devia contribuir p ara o desen­


volvimento de eventuais alternativas à escravidão. Tornava-se neces­
sário esclarecer a dúvida acerca da viabilidade de os indígenas serem
capazes de adotar um m odo de vida sedentário. As recom endações
já m encionadas e que foram publicadas na revista não deixavam
qualquer dúvida de que, p o r trás de um a possível ação de “civilizar”
os índios, escondia-se o desejo de utilizá-los com o m ão de obra na
agricultura e n a m ineração.86 C onstatando sua atitude de rechaço
à lavoura, o au to r frisava com o seria com plicado um projeto desse
tipo.87 A redação da revista, no entanto, se em penhava n a publicação
de relatórios a respeito dos êxitos na ação de civilizar índios, ante
a convicção de que as experiências havidas seriam de valor para o
trabalho futuro.88

85 Conforme nota 84, p. 165.

85 Conforme nota 83.


87 O parecer foi preparado por ordem do governo português e deveria servir,
entre outras coisas, como base para as negociações entre Portugal e Espanha
sobre as fronteiras do Mato Grosso. Enquanto o autor fazia um julgamento até
certo ponto cético da possibilidade de civilizar os índios, seu superior, Caetano
Pinto de Miranda Montenegro, era, nesse sentido, muito mais otimista. Uma
vez que, segundo sua opinião, um dos obstáculos se constituía da “carência de
desejos e necessidades” dos índios, ele se propunha a promovê-las e, assim,
lhes mostrar o caminho “para se nivelar à civilização”. Veja-se: R evista do IHGB,
Rio de Janeiro, 7 (26), abr-jun/1845, pp. 204-18.
88 Nesse sentido, é exemplar o texto redigido ainda no século XVIII por José
Freire de Monterroyo Mascarenhas, no qual o autor descreve o processo de
civilizar um ramo indígena da província da Bahia no Nordeste do Brasil (Ori-
zes). O Instituto salientou em um nota o significado de um trabalho desse tipo
para a história do Brasil. Veja-se: MASCARENHAS, José Freire de Monterroyo.
“Os orizes conquistados”. R evista do IH G B, Rio dejaneiro, 8 (4 ), out-dez/1846,
pp. 494-512. O autor expôs, de modo detalhado, o esforço empenhado para
colocar tal ramo indígena sob o controle português, através da religião católi­
ca, e sublinhou com isso a necessidade desse trabalho.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 155

Interessada em acum ular conhecim entos o mais am plos possí­


vel, a revista tam bém se voltou p ara trabalhos que propagavam alter-
nadvas à escravidão. Assim é que o livro de H en riq u e Ternaux-Com -
pans, m em bro corresp o n d en te do instituto, teve um a boa acolhida,
ao se posicionar a favor do assentam ento de trabalhadores europeus
na Guiana Francesa.89
Q uem se posicionou co n tra a im igração de m ão de obra es­
trangeira foi José Jo aq u im de Oliveira, um dos especialistas sobre a
questão indígena, em seu Plano de uma colônia militar no Brasil.90
A partir da constatação da falta de mão de ob ra na agricultura,
o autor advogava o em prego de brasileiros no m eio agrário, um a vez
que, segundo sua visão, a população nativa se identificaria m elhor
com o país. O objetivo de seu projeto não era apenas desenvolver
alternativas para a escravidão, mas tam bém propiciar o sentim ento
nacional brasileiro e o apoio de pessoas que “tinham am or à p átria”.91
Para a instituição das colônias organizadas segundo princípios
militares, M achado de Oliveira tin h a em m ente, sobretudo, militares
já dispensados de seu tem po de serviço, tendo em vista que eram
portadores da disciplina necessária. A execução desse projeto, com
a criação de num erosos pequenos em preendim entos agrícolas, teria,
ainda, o sentido de u m contram odelo d a estru tu ra agrária predom i­
nante do Brasil, o latifúndio. Seu plano foi subm etido ao C onselho de
Estado, que o apoiou, expedindo instruções p ara sua im plem entação.
Essa im portância que a questão indígena tin h a p ara o IHGB
ocupava um a seção da Comissão Científica, que fora fu n d ad a em 1856
e se ocupava da etnografia. Na p rim eira publicação a respeito da co­
missão científica, foram resum idas as razões p ara a ocupação com os
índios:

89 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 6 (Suplemento), ja n /1 8 4 5 , pp. 1-52.


90 “Plano para uma colônia militar no Brasil”. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 7
(26), abr-jun/1845, pp. 240-55.

91 Conforme nota 90, p. 241.


156 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Além do que o hom em genuíno am ericano pode ser cham a­


do a com partilhar os bens da civilização, e voluntariamente
prestar-se à com unhão brasileira, se em pregarm os os meios
consentâneos com a sua índole e constituição fisiológica nos
primeiros tempos. N ão é necessário dizer mais para demons­
trar quantas vantagens resultarão para nós do conhecim ento
perfeito dos autóctones do Brasil.92

Todos os trabalhos que se colocaram para nós a respeito dos


índios e a questão correlata dos jesuítas perm item identificar certas
premissas de seus autores no ju lg am en to dos indígenas, premissas
que foram assumidas e consolidadas pela historiografia nacional.
A integração dos índios na nação brasileira em form ação surge
em todos os textos com o um objetivo desejável, sobretudo num mo­
m ento em que ajovem nação se via confrontada com a problem ádca
racial. A prom oção do sistema educacional e do com ércio pareciam
ser os meios capazes de apoiar a integração pretendida. As ordens
religiosas não ficariam excluídas dessa tarefa, em bora sua atuação
devesse ocorrer d en tro dos m arcos im postos pelo Estado nacional.
U m a autonom ia ilimitada, com o a que foi desfrutada pelos jesuítas
no início da era colonial, estava com pletam ente fora de questão dian­
te da nova situação histórica. O Estado guardava p ara si a supervisão
dos projetos iniciados.
Os atores envolvidos no projeto nacional estavam conscientes
dos problem as resultantes da diversidade étnica do Brasil para a for­
m ação do Estado nacional. Jan u ário da C unha Barbosa, em um tex­
to j á m encionado,93 citava Azeredo C outinho, que alertava para os
riscos de um a ação conjunta de índios e negros, em vez da desejada
integração dos índios n a sociedade dom inada p o r brancos. No pano
de fundo dessas reflexões, colocava-se a experiência colhida com a
rebelião dos escravos no Haiti e a form ação dos assentam entos de
escravos foragidos, os cham ados “quilom bos”, no in terio r do Brasil.

92 Conforme nota 60, p. 68.


93 Conforme nota 65, p. 13.
O In stitu to H istó rico e G eo g ráfico Brasileiro... 157

Os textos disponíveis, sem exceção, recorrem ao par


conceituai de “natureza e barbárie” p ara caracterizar os índios e a
civilização, ou seja, o estado social que caracteriza o m undo dos b ran ­
cos. Apesar de seu baixo nível de desenvolvim ento, civilizar os índios
parecia orientar-se p o r um horizonte realista, en q u an to a m esm a
possibilidade era vista com o duvidosa em relação aos negros.
O que se dep reen d e, p o rtan to , dos textos disponíveis é que a
integração dos índios deveria ser objetivo da política de Estado. O
latifundiário João M achado da Silva (1782-1875), fu tu ro Barão de
A ntonina, chegou a form ular isso m uito claram ente nu m a carta en­
viada ao governo da Província de São Paulo.94 Em vez de co n tin u ar
confiando na catequese dos índios em mãos de pessoas privadas, ele
aí incluído, o governo deveria assumir essa função diretam ente. Ma­
chado da Silva considerava, igualm ente, que tinha papel relevante o
argum ento econôm ico de abrir novas reservas de m ão de obra em
épocas de um boom agrícola. Especialm ente te n d o em vista a circuns­
tância de que as vias tradicionais de aquisição de escravos estavam
destinadas a se to rn ar a cada dia mais difíceis.
D etentor de um prêm io im perial, o jã citado especialista na
questão indígena, José Jo aq u im M achado de Oliveira, chegou a for­
m ular claram ente o objetivo da preocupação com os índios: adquirir
conhecim entos a respeito deles.

... para mais bem calar e m elh or impressionar-se no ânim o dos


governantes a viva necessidade de se prom over e garantir a ci­
vilização e o bem -estar dos indígenas que devem suscitar todas
as simpadas, e reclam ar todas as considerações.95

94 Carta de João da Silva Machado ao presidente da Província de São Paulo, Coro­


nel Joaquim José Luiz de Souza, de 2 /9 /1 8 4 3 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro,
8 (2) abr-jun/1846, pp. 250-4.
95 OLIVEIRA, JoséJoaquim Machado de. “Notícia raciocinada sobre as aldeias de
índios da província de São Paulo, desde o seu começo até a atualidade”. R evista
do IH G B , Rio de Janeiro, 8 (2), abr-jun/1846, pp. 204-50.
158 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Relatórios de pesquisas e viagens

A identidade de um a nação exige, obviam ente, tam bém o co­


nhecim ento das caracterísdcas físicas e geográficas do território do
Estado. As publicações e pesquisas p ertinentes tratavam tam bém da
questão das fronteiras, aspecto relevante p ara um Estado que ainda
estava em constituição. D ar atenção às fronteiras do país e tratar de
fixá-las e garanti-las, tanto para d en tro com o p ara fora, é parte inte­
grante do processo de form ação de um a nação. Tratava-se de definir
seus contornos exatos.
A leitura dos relatórios de viagens nos p erm ite com partilhar
a cuidadosa ação do olhar perscrutador, cioso de co m p ilar co n h e­
cim entos a respeito das diversas regiões do país. N ão apenas o
com prim ento dos rios e a altitude das m o n tan h as são analisados,
mas tam bém as possibilidades de exploração e aproveitam ento
econôm ico, bem com o a situação dos índios n a respectiva região.
Um plano de m uitas facetas, que é tam bém p arte de um projeto de
form ação de um a nação.
Em bora, em tese, todas as regiões do país fossem consideradas
de igual im portância, o instituto dedicava atenção especial às áreas
fronteiriças, o que se m anifesta na diversidade de m ateriais sobre o
tema. Num artigo sobre a questão lindeira, José Feliciano F ernan­
des Pinheiro, o prim eiro presidente do IHGB, acentuava a relevância
desse problem a, reco m en d an d o ao governo o aproveitam ento dos
conhecim entos adquiridos: “U m governo sábio e previdente não es­
pera pelo desfecho, m olda a seu je ito o tem po, e as circunstâncias”.96
Três regiões de fronteira se revelaram especialm ente ricas em
conflitos, tornando-se, p o r essa razão, objeto de estudos cuidadosos:
no sul do Brasil, a região da Colônia do Sacram ento, um a fortificação
m ilitar no Rio de Prata, fundada em 1680 pelos portugueses; no norte
do Brasil, a fronteira com a G uiana Francesa; e, n o oeste do Brasil, a
fronteira da Província de Mato Grosso.

96 Memórias do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Programa Geográ­


fico. “Quais são os limites naturais, pactuados, e necessários ao Império do
Brasil?” Arquivo do IHGB, Rio de Janeiro, 41, 1, 18, n. 1, p. 38.
O Instituto H istó ric o e G eográfico B rasileiro... 159

Essas regiões haviam sido tam bém zonas de problem a, inclusi­


ve para a adm inistração colonial portuguesa, especialm ente a partir
das guerras napoleônicas, que alteraram a constelação europeia de
poder e cujos efeitos se fizeram sentir tam bém na área colonial p o r­
tuguesa e espanhola.
A Colônia do Sacram ento significava a presença de Portugal
na área do Rio da Prata e assegurava a ligação en tre o Mato Grosso e
o Rio de Janeiro, que, n a falta de um a ligação p o r terra, tinha de ser
feita através desse rio.
A colônia francesa, no limite n o rte do país, desde a Revolu­
ção Francesa já se apresentava, prim eiro à adm inistração portuguesa
e, mais tarde, ao governo brasileiro, com o foco de perigosas ideias
políticas. A ocupação de C aiena por tropas portuguesas p reten d ia
contrarrestar esse presum ido perigo e criar as premissas estratégicas
para a ocupação do restante da G uiana. N a opinião de Maciel da
Costa, adm inistrador civil português de G uiana en tre 1810 e 1817,
o Estado m onarquista estaria assim mais fortalecido, constituindo-se
em contrapolo aos Estados U nidos republicanos.
O governo de D. P edro II ten to u resolver a problem ática das
fronteiras via diplom ática e fixar definitivam ente os limites territo­
riais do Im pério. Os conhecim entos colhidos nas regiões em questão
podiam ser aproveitados p ara a tom ada das necessárias decisões po­
líticas.
Em 1851, Francisco Adolfo V arnhagen, então prim eiro-secre­
tário do IHGB, a pedido do m inistro dos Assuntos Estrangeiros do
Im pério, reu n iu um a lista dos m ateriais que seriam utilizados com o
fonte de inform ação sobre a questão da fixação das fronteiras. Mapas
das regiões de fronteira, a correspondência produzida na época da
dem arcação das fronteiras e observações e artigos contem porâneos
foram incluídos nessa lista.97

97 VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “M emória sobre os trabalhos que se po­


dem consultar nas negociações de limites do Império, com algumas lem­
branças para a dem arcação destes”. Arquivo do IHGB, Rio de Jan eiro, Lata
340, Pasta 6,
160 H istoriografia e Nação n o Brasil 1838-1857

No p arecer que lhe fora pedido, ele fu n d am en to u detalhada­


m ente a im portância do tem a para o Estado, form ulando propostas
para a criação de povoados nas áreas de fronteira. O sentido de se
lançar m ão da história, segundo sua perspectiva, era ap ren d e r com
as experiências colhidas em entendim entos anteriores para aplicá-las
nas negociações futuras.989
A publicação de inúm eros relatórios de viagens na Revista do
Instituto precisa ser vista, igualm ente, em conjunto com a pretendida
integração político-administrativa e a exploração da infraestrutura
do país. A adm inistração colonial portuguesa, até então, havia pre­
ju d icad o esse processo, na m edida em que centralizava todas as de­
cisões referentes ao Brasil em Lisboa. Além disso, a orientação para
a exportação da econom ia brasileira, condicionada pelas estruturas
coloniais, atrasava o desenvolvim ento de um m ercado interno.
O precário sistema de estradas e cam inhos dificultava a ligação
e n tre as provín cias e a cap ital do novo E stado, com todas as con­
sequências p a ra a im posição das decisões do p o d e r cen tral. Assim
é que a notícia da declaração de In d ependência, de 7 de setem bro de
1822, só chegou no mês de novem bro à Província de Goiás, situada
no interior do país, e C aetano M aria Lopes da Gama (1795-1864),
designado presidente dessa Província, só conseguiu assum ir o cargo
vários meses após a sua pró p ria n o m eação ."
O significado da abertu ra de estradas p ara a integração do país
foi salientado pelo m ilitar A ntônio Ladislao M onteiro B aena (1781­
1850) nu m a carta publicada na Revista do Instituto.100 Essa carta, da­
tada de 8 de fevereiro de 1844, é a resposta a um a indagação oficial
do presidente da província nortista do Pará, José T hom az H enriques,
quanto à necessidade de se concretizar um a ligação viária en tre as

98 Conforme nota 97, parágrafo 14.

99 Veja-se HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). H istória geral da civilização Irrasi-


leira; o B rasil m onárquico - dispersão e unidade. São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1972, T. II, v. 2, p. 187v.

100 Carta de Antonio Ladislao Monteiro Baena ao presidente da Província do


Pará, José Thomaz Henriques, de 8 /2 /1 8 4 4 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro,
7 (27), jul-set/1845, pp. 337-345.
O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 161

Províncias do Pará e de M ato Grosso. Sua carta-resposta foi enviada


por M onteiro Baena, em 23 de m arço de 1845, ao prim eiro-secretá­
rio do Instituto, Jan u ário da C unha Barbosa, p o rq u e esse tema, de­
vido à sua relevância, deveria ser focalizado na Revista do Instituto.101
Na opinião dele, a construção de estradas era útil p ara q u alquer país,
uma vez que:

... elas dão aos povos com u n icação m útua, que, originando a
civilização, consequentem ente prom ove o giro do com ércio, o
aum ento da indústria, o ap erfeiçoam ento das artes, a difusão
dos conhecim entos científicos, o estreitam ento dos laços da
sociedade, e a consolidação do corp o político.102

O autor, porém , não se m anifestou apenas sobre a ligação viá­


ria entre as duas províncias, mas tam bém forneceu inform ações de­
talhadas a respeito das possibilidades de exploração do país e sobre o
quadro da dem ografia regional, em sum a, aspectos que eram repeti­
dam ente abordados pelos autores d a Revista do Instituto.
Em 1847, M onteiro Baena, p o r solicitação do presidente da
Província do Pará, p rep aro u um p arecer sobre as condições de apro­
veitamento para o com ércio da via fluvial en tre as províncias do Pará
e de Goiás, tendo sido igualm ente ap o n tad o na Revista do Instituto.103
Desde o traslado da Corte portuguesa p ara o Rio de Jan eiro ,
em 1808, a adm inistração colonial portuguesa tam bém passou a d ar
atenção à abertura do país em m atéria de transportes. E nquanto,
até aquela época, o intercâm bio en tre o Rio e as dem ais partes do
país se fazia quase exclusivamente p o r via m arítim a, negligenciando,
por força da própria natureza, as regiões do in terio r do país, sob a
pressão das m udanças políticas e administrativas, vias alternativas de
transporte se colocaram no centro dos interesses.

101 Carta de Antonio Ladislao Monteiro Baena ao primeiro-secretário do Institu­


to, Januário da Cunha Barbosa, de 2 3 /3 /1 8 4 5 . R evista do IH G B , Rio de Janeiro,
7 (2 7 ),jui-set/1845, p. 329.

102 Conforme nota 100, p. 338.

103 Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 10 (9), jan -m ar/1848, pp. 83-107.


162 H istoriografia e Nação n o Brasil 1838-1857

Por instrução do Príncipe-Regente D. João, em 1808 Luiz


Thom az de Navarro viajou p o r cam inhos de terra desde a província
nordestina da Bahia até a capital do Rio de Jan eiro . Os resultados
dessa viagem de 54 dias foram expostos n u m relatório de sua auto­
ria, cujo m anuscrito foi en contrado p o r V arnhagen e encam inhado
ao instituto para publicação.104 O propósito declarado dessa viagem
era criar condições básicas p ara o estabelecim ento de um a ligação
postal p erm an en te en tre Bahia e Rio de Janeiro. O resultado foi uma
descrição detalhada d a rota terrestre en tre am bas as regiões, com
anotações a respeito das características geográficas e climáticas, das
relações entre a ocupação e a com posição étnica da população, bem
com o acerca das possibilidades econôm icas dessas paragens do país.
Navarro, da m esm a form a que M onteiro Baena, já citado
an terio rm en te,105 tam bém chegava à conclusão de que o estabeleci­
m ento de ligações viárias e um a ativa política de assentam ento pode­
riam dar um a contribuição im portante para civilizar o país. Por isso
mesm o, trabalhos dessa tendência enco ntraram abrigo na Revista do
Instituto.
A publicação de num erosas descrições de viagem sobre o in­
terior do Brasil n a Revista do Instituto atendia a diferentes interesses:
p o r um lado, servia p ara to rn ar conhecidas as regiões inexploradas
do país e, de outro, a pesquisa das rotas p ara sua exploração econô­
mica e integração política.
Nesse sentido, são exem plares as expedições levadas a cabo
por Jo ão da Silva M achado (1782-1875), o fu tu ro Barão de A ntonina,
descritas em detalhes na revista.
João da Silva M achado, p o r sua vez, com o m em bro do institu­
to, se ocupou intensam ente da organização de viagens de pesquisa
para o interior das Províncias de São Paulo e M ato Grosso. De resto,
dedicou-se ainda às soluções do problem a da força de trabalho. As­
sim é que ele, já em 1826, se engajou n a lu ta pela fu n d ação de um a
colônia alem ã n a região de São Paulo, que, fu tu ram en te, passou a

104 R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 7 (28), out-dez/1845, pp. 435-68.

105 Conforme nota 100.


O Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro... 163

ser o P araná, bem como em defesa da ação de civilizar os índios


m ediante catequese e reassentam ento. Por ocasião do envio de um
relatório ao instituto acerca dos trabalhos de pesquisa realizados en­
tre 1844 e 1847 p a ra a criação de u m a ligação rodoviária en tre São
Paulo e M ato Grosso, ele se m anifestou a respeito da relevância de
sua atividade:

Desta m aneira ficam patentes ao Governo e aos nossos con ci­


dadãos os esconderijos que ocultavam aspérrim os sertões, o
que facilitará os meios de se aproveitarem as m elhores terras
do Brasil para colônias agrícolas p or serem todas cortadas por
soberbos rios e seus tributários.
Essa rica Província de Mato Grosso, que tantos produtos natu­
rais tem p ara exp lorar, fica habilitada para m elh orar sua sorte,
estreitando os laços com a família brasileira, com quem per­
m utará os gêneros de que é fértil seu solo vivificado p or um
clima produtor. O utra vantagem é a facilidade com que o Go­
verno pod erá fazer respeitar nosso território nas fronteiras...
Todos estes motivos m e induziram a em p reen d er tais explora­
ções para, de algum a m aneira, ser útil à nossa cara pátria, que
tudo m erece de seus filhos.106

João da Silva M achado destaca, assim, os mais im portantes


pontos dos debates contem porâneos nas rodas cultas do Brasil: a
abertura econôm ica e política do in terio r do país, a fim de contribuir
para a consolidação do jovem Estado nacional.

A história das diversas regiões

Inspirados n o desejo de co n h ecer a fun d o o país, os cientis­


tas ocupados com essa tarefa, com m uito acerto, tam bém se vol­
tavam para os acontecim entos históricos nas diversas províncias,
entendendo-as com o parte da história do Im pério com o um todo.

106 R evista do 1HGB, Rio de Janeiro, 10 (3), abr-jun/1848, p. 260v.


164 Historiografia e Nação no Brasil 1838-1857

Porém , não se tratava de salientar as peculiaridades e idiossincrasias


das diversas regiões, mas antes de acentuar o que tinham em comum.
Expressão do conceito de Estado centralizado, era fato que o IHGB,
sediado no Rio de Janeiro, se ocupava dessa tarefa. Por assim dizer, a
central chamava a si o conhecim ento oriu n d o e a respeito das provín­
cias. Vale a pena no tar que, nesse sentido, foi dada atenção especial
às províncias de fronteira.
A subdivisão dos artigos, ensaios e m ateriais publicados na
revista em três conjuntos de tem as serve p a ra facilitar a descrição.
O entrelaçam ento desses temas decorre das circunstâncias políticas,
sociais e econôm icas da época, e o p roduto de sua apreciação cientí­
fica, p o r sua vez, tornava a influenciar essas mesmas circunstâncias.
Desse m odo, pode-se dizer que a Revista do IHGB com pilava e trans­
mitia o conhecim ento que resultava das pesquisas e observações so­
bre o país, constituindo um saber a serviço da im posição de determ i­
nada ordem social.

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