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FORMA JURÍDICA, MERCANTIL E POLÍTICO-ESTATAL:


DA EXTINÇÃO À TRANSIÇÃO DO ESTADO E DO DIREITO EM E. B.
PACHUKANIS. 1

Resumo: O presente trabalho almeja estudar as categorias de Transição e Extinção do


Direito na fase socialista, e como a Forma jurídica se relaciona com a forma mercantil e,
subsidiariamente, com a forma estatal, também como um sustentáculo do capitalismo
desenvolvido. Essas categorias serão analisadas principalmente pela lente do jurista
russo E. B. Pachukanis, sem prejuízo da análise de outros materiais teóricos. Analisar a
correlação entre forma jurídica e outras formas sociais, tais como forma-mercadoria
(relações de trocas, modo de produção) e forma político-estatal (Formas de Governo),
durante o período da revolução Russa e o decorrente impacto das perspectivas de
transição e extinção no século XX e XXI. Ou seja, investigar qual é a função do Direito
no modo de produção contemporâneo para além de suas intenções declaradas e revelar
os efeitos reais da prática jurídica sobre as relações sociais e produtivas. Compreender o
processo de transição e crise e suas consequências fáticas no modo de produção
capitalista contemporâneo, suas nuanças e especificidades, com intuito de melhor
compreender os fenômenos sociais que dialeticamente se imbricam e contradizem, e/ou
reafirmam, o fenômeno jurídico, e qual é a resposta do Direito aos processos de
transformação do status quo.

Palavras chaves: Marxismo, Direito, Transição, Extinção, Superação.

1 Introdução
1
Geovani Leonardo Doratiotto da Silva, Advogado, Especialista em Filosofia e teoria do Direito-
PUC-Minas. Mestrando em “Estado, Governo e Políticas Públicas” pela FLACSO- Faculdade Latino-
americana de Ciências Sociais.
2

A revolução pela qual a classe operária atingirá o poder e a liberdade


não é um acontecimento único, com uma duração limitada. É um
processo de organização, de auto-educação, no decurso do qual os
trabalhadores encontrarão pouco a pouco, ora por uma progressão
regular, ora por saltos, a força para vencer a burguesia, para destruir o
capitalismo e construir um novo sistema de produção colectiva. Esse
processo ocupará toda uma época histórica, da qual ignoramos a
duração, mas na qual estamos seguramente à beira de entrar. Se bem
que não possamos prever os detalhes do seu desenrolar, podemos
apesar disso discutir desde já as condições e circunstâncias em que
terá lugar. (PANNEKOEK, Anton - A luta operária).

O Direito, como fenômeno social complexo, encontra sob o crivo do marxismo


o seu mais profundo exame na filosofia jurídica, propiciada pelas diversas análises
jurídico-marxistas sobre a correlação entre Estado, Direito e relações Mercantis,
conforme MASCARO: “[...] trata-se da compreensão mais aprofundada a respeito do
fenômeno jurídico e do entendimento dos seus nexos estruturais a partir das relações
sociais atuais”. (MASCARO, 2013, p. 445).

Apesar do próprio filosofo alemão Karl Marx (1818-1883) não ter dedicado uma
obra específica e completa sobre suas considerações jusfilosóficas, de modo geral a
concepção do autor perpassa o Direito em vários pontos. Sua formação acadêmica
jurídica foi o ponto de partida para suas análises político-econômicas, utilizadas
posteriormente por outros autores que criaram horizontes referenciais próprios à
filosofia jurídica do marxismo, proporcionando inclusive o diálogo entre diversas
concepções filosóficas com as relações sociais, políticas e jurídicas concretas.

Nesse sentido:

A filosofia do Direito do marxismo, assim sendo, estende-se por três grandes


eixos: a reflexão em torno da própria leitura de Marx acerca do Estado e do
Direito; o diálogo do pensamento jusfilosófico marxista com outras correntes
filosóficas; o enfrentamento concreto de horizontes políticos, econômicos,
sociais, culturais, jurídicos e táticos dos tempos presentes. Por isso, sempre
há de se vislumbrar na filosofia do direito marxista—e ao mesmo tempo—a
questão de um entendimento do direito no texto de Marx, a questão do
diálogo e do posicionamento do jusmarxismo em relação à outras tradições
filosóficas e a questão do pensamento jurídico marxista em relação a
temas concretos e diretos como a democracia, o Estado capitalista, a
3

transição ao socialismo, as instituições, os direitos humanos etc.


(MASCARO, 2013, p.. 445, negrito nosso)

E ainda, complementarmente:

A crítica ao direito desenvolvido no âmbito do marxismo guarda estreita


relação com a crítica do Estado e ao modo de produção e organização social
capitalista. Os temas referentes ao Direito e à justiça estão presentes na obra
de Marx e Engels de maneira esparsa, no entanto, é possível, desde os
escritos da juventude de Marx, verificar sua posição em face da relação do
direito com o Estado. (ALAPANIAN, 2008, p. 21)

A maior dificuldade encontrada na análise contemporânea do Direito reside na


significação própria que os juristas modernos dão ao conceito científico da categoria,
abstraem a realidade concreta, criando-se desse modo uma interligação de conceitos
abstratos tais como Norma, Sujeito de Direito, Bem Comum e etc. Compõem então uma
intersubjetividade e um consenso que adapta as teorias e a terminologia a ela mesma;
não encontra nesse labirinto autorreferente o necessário lastro na prática social. Fica
assim evidente a inversão operada pela ciência jurídica moderna, fundada no
positivismo jurídico. Nesse sentido, Mascaro afirma que: “É preciso investigar
fenômenos concretos e, a partir deles, alcançar uma concepção teórica posterior”.
(MASCARO, 2015, p.1). Para que o Direito seja observado em sua completude, é
necessário utilizar como ferramenta teórica a compreensão histórica do fenômeno.

Houve durante muito tempo uma confusão categorial de natureza fundamental,


que mesclava o conceito de Direito com o de Religião, ou mesmo com a Política. Na
antiguidade a especificidade do Direito era relativizada. Nestes termos, observa
MASCARO:

[...] Quem dirá que os Dez Mandamentos da Bíblia são um monumento


jurídico? Mas quem poderá dizer que são um conjunto de normas só
religiosas e não jurídicas? Na verdade, em sociedade do passado, como a
hebraica, não há algo que especificamente seja chamado por direito e que
seja totalmente distinto da religião, por exemplo. (MASCARO, 2015, p. 1)

A especificidade do Direito é um fenômeno moderno, que se dá com a efetiva


separação entre Direito, política e religião, decorrentes da transformação dos modos de
produção. Pode-se afirmar, a partir desta constatação, que não houve Direito como
4

fenômeno autônomo na antiguidade, bastando observar sua relação de dependência,


bem como sua constituição. Todavia, conforme o desenvolvimento das condições
estruturais capitalistas, descreve MASCARO, que:

[...] essa indistinção dos tempos passados não foi algo que aconteceu apenas
com o direito. Entre a moral e a religião também se deu o mesmo. O
Iluminismo, um movimento filosófico do século XVIII, demonstrou que seria
possível compreender a moral independentemente da religião. Para os
iluministas, poderia haver uma moral racional válida para todos os homens,
universal e superior, independente da religião de cada qual. Mas para os
povos do passado essa separação seria muito difícil. Moral e religião
estavam misturadas. Só os tempos modernos, devido a certas condições,
e estruturas sociais, como a organização capitalista, deram especificidade
à religião, à moral, à política, à economia e também ao direito.
(MASCARO, 2015, p.2, negrito nosso)

Desta maneira, mirando o passado pelas lentes do presente, podemos perceber


que a concepção dos juristas modernos, o juspositivismo, restringe o fenômeno jurídico
ao processo produção de normas jurídicas estatais e suas consequências de reprodução,
sendo obstáculo a uma compreensão do Direito como produto de relações sociais
concretas. Para MASCARO,”[...] No passado o direito era inespecífico, misturado à
moral e à religião; no presente ele se revela algo distinto. Um fenômeno singularizado.
Mas, mesmo assim, a questão ainda permanece, posta agora em outro patamar, mais
profundo [...]”. (MASCARO, 2015, p. 2).

Analisar o desenvolvimento de formas sociais torna-se indispensável. Assim, a


observação da forma jurídica, e consequentemente do fenômeno jurídico moderno, está
relacionada de maneira indissociável com as formas sociais emergidas do Capitalismo,
que tem como características fundamentais operar na subjetivação e na atomização dos
agentes: os indivíduos que trocam isoladamente sua força de trabalho por salário
encontram no Sujeito de Direito e na mercantilização generalizada da produção,
finalidades sociais concretas, consubstanciada em um instrumento próprio do Direito
moderno—o contrato de trabalho. “[...] O direito é capitalista não apenas porque seus
criadores ou agentes o sejam. A forma direito é capitalista” (MASCARO,2015, p. 13).

E ainda, vale ressaltar, conforme MASCARO:


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As ordens sociais primitivas não tem, portanto, semelhança com as


formas de dominação moderna. A dominação antiga tem um caráter
direto, exercendo-se pela força ou pela posse da terra. Poderíamos
ilustrar essas relações com a seguinte regra de dominação: senhor →
escravo; ou senhor → servo. Um domina diretamente o outro. Quando
perde o domínio, acaba a relação de exploração. No passado, ninguém
conserva o direito de ser senhor quando sua força termina. (MASCARO,
2015, p.18, negrito nosso)

Um dos juristas mais importantes do século passado é, sem sombra de dúvida, o


russo Evgeni Bronislavovitch Pachukanis (1891-193?), que retomou o método marxiano
de análise do Direito, contribuindo com uma perspectiva crítica singular. O autor de “A
teoria geral do direito e marxismo” teve “[...] o efeito de uma pequena revolução teórica
na jurisprudência.” (NAVES, 2008,p.16). Ainda segundo NAVES:

[...] rigorosamente, retorna a Marx, isto é, não apenas às referências ao direito


encontradas em O capital—e não seria exagero dizer que ele é o primeiro que
verdadeiramente as lê —mas, principalmente, ele retorna à inspiração
original de Marx [...]É isso que vai emprestar à sua obra toda
radicalidade teórica e prática, consagrada no princípio que ele começa a
desvendar—não obstante os seus limites—da extinção da forma jurídica.
(NAVES, 2008, p.16, 2008, negrito nosso)

Com o advento da revolução de 1917 na União Soviética, houve espaço para que
as contribuições jurídicas fossem pautas do processo revolucionário. Entretanto, como
bem demonstrou NAVES (2009), a falta de referências teóricas levou muitos
intelectuais do Direito à utilização do aparato teórico sistematizado pelo direito burguês.
Assevera ele: “[...] não é de surpreender, portanto, que a grande influência no período
pós-revolucionário seja proveniente de um jurista burguês—Petrajitski—, mesmo que
lido na versão 'marxista' de Mikhail Reisner”. (NEVES, 2009, p. 17) Um lapso de
lucidez e inovação se dá na retomada do método marxiano realizado por Pachukanis.
Para o autor russo, o Direito surge como a legitimação que permite à mercadoria
cumprir o seu processo metabólico na troca capitalista. Emergindo das necessidades da
mercadoria, o Direito garante que essa circule, principalmente através da figura do
“sujeito de direitos”, uma abstração que determina todos os homens como iguais.
“Iguais” que aqui não deve ser lido sem o seu subtexto “iguais para trocar”, ou seja,
“iguais perante a lei”, o que evidência a desigualdade real ante a formal.
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Entre a publicação de sua obra principal, supra mencionada, e o início de sua


forçada autocrítica (entre 1924 e 1929), o processo revolucionário, então deflagrado na
União Soviética, sofre um retrocesso com a indicação de J. Stalin à direção do Partido
Bolchevique e a sua adequação à concepção juspositivista do promotor Andrei
Vychinski, célebre por atuar nos processos de Moscou. Essa perspectiva teórica
juspositivista dominará a União Soviética nos períodos subsequentes. Comparando a
obra de Pachukanis à corrente teórica “oficial” adotada à época, afirma
MASCARO:“[...] destaca-se do marxismo vulgar. Vychinski, ao tempo de Stalin, foi o
nome maior de um marxismo jurídico, que se confundia, na prática, como uma mera
expressão do Estado Soviético, uma espécie de juspositivismo socialista”. (MASCARO,
2008, p. 46) O potencial transformador das principais teses pachukanianas é refreado,
como salienta NAVES: “[...] Com a consolidação da direção stalinista e a promoção, na
virada dos anos 20 para os 30, da coletivização forçada dos camponeses e da
industrialização pesada, a União Soviética ingressa na via do Capitalismo de Estado
[...]”. (NAVES, 2009, p. 17). Esse período vai exigir que o aparato Estatal seja reforçado
e, com ele, também seja reconstituído o tecido jurídico que lhe dará suporte.

À época, a obra teórica do autor é contraposta a de outro autor russo, Piotr


Ivanovitch Stutchka, cuja obra principal é o livro “Direito e luta de classes”, publicado
em 1921. Nele, Stutchka foge das teorias ecléticas, como o psicologismo, ou do
reducionismo extremo, representado pelo juspositivismo. Insere no contexto de análise
do Direito o fenômeno do poder, não o poder vulgarizado—já explorado por outros
autores, como Hobbes e Hegel—, exercido diretamente, mas aquele relacionado aos
pormenores da luta de classes. Podemos observar comforme Alysson Mascaro, uma
síntese de sua tese central:

Quando, no Colégio do Comissariado do Povo para a Justiça, redigimos os


princípios do Direito Penal da URSS e precisamos formular, por assim dizer,
a nossa concepção ‘soviética’ do direito, escolhemos a seguinte definição: ‘O
direito é um sistema (ou ordenamento) de relações sociais correspondente
aos interesses da classe dominante e tutelado pela força organizada desta
classe’, (...) Em conjunto considero ainda hoje totalmente válida a definição
do Comissariado do Povo para a Justiça, porque inclui os principais
componentes dos conceito do direito em geral, e não só do direito soviético.
O seu principal mérito consiste em colocar, pela primeira vez, o problema do
direito em geral sobre uma base científica, renunciando a uma visão
puramente formal e vendo no direito um fenômeno social, que muda com a
luta de classes, e não uma categoria eterna. Esta definição rejeita, em suma, a
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tentativa própria da ciência burguesa de conciliar o inconciliável e, pelo


contrário, encontra uma medida aplicável aos mais diversos tipos de direito,
pois adota o conceito de luta de classes e das contradições entre as mesmas.
(Stutchka apud MASCARO, 2008, p. 46, itálico do autor)2

O desenvolvimento da teoria exposta pelo autor deveu-se principalmente pela


especificação do fenômeno jurídico com a própria evolução sócio-histórica, a qual
corresponde a um determinado avanço da luta de classes, ou seja, a historicidade do
fenômeno. Observado historicamente, o Direito se revela diferente do conjunto de
técnicas que nos propõe o juspositivismo. Esta perspectiva demonstra-se dinâmica, já
que admite variações, matizações, ora avançando, ora retrocedendo segundo as
singularidades das situações jurídico-políticas, bem como as ações revolucionárias
praticadas durante o período denominado “Revolução Russa”. Porém, como observa
MASCARO: “[...] Falta-lhe, no entanto, uma mirada mais ampla, que abrigue o casual
da luta de classe no estrutural da própria lógica do capital. [E ainda] Se tomado em base
de comparação, com as distâncias devidas, Stutchka praticamente é um ulterior
hegeliano de esquerda radical ou um antecipado Carl Schmitt marxista”. (MASCARO,
2008, p. 47).

Pachukanis, no entanto, avança de maneira indiscutível, ao buscar encontrar, a


específica relação social, que é fundamento do Direito. A luta de classes não se
desenvolve, no capitalismo, por meio de relações entre forças neutras e indiferentes,
assim como não é mais a violência direta que opera a exploração, pois o trabalhador é
impelido a colocar à venda sua força de trabalho, sob pena de perecer, caso rejeite o
acordo, expresso no contrato de trabalho. Encontramos nas representações jurídicas,
dentre elas os “Sujeitos de Direitos” (igualados formalmente) que podem comprar e
vender em um circuito universal de trocas, o âmago da concretude do direito, ou seja,
segundo Alysson Mascaro: ”[...] Na circulação de mercadorias—dentre as quais o
próprio trabalho—está o cerne lógico de toda a manifestação do direito”. (MASCARO,
2008, p. 48)

2 Karl Marx e Friedrich Engels: Marxismo e Direito

2
Originalmente in: STUTCHKA, PiotrIvanovitch. Direito e Luta de Classes: teoria geral do
direito. São Paulo: Acadêmica, 1988. p. 16.
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As obras teóricas de Karl Marx e Friedrich Engels não guardam estreita relação
com a produção cientifica do Direito, senão de maneira lateral, entretanto, podemos
observar já nos escritos da juventude de Marx um interesse pelo fenômeno jurídico, bem
como sua correlação com o Estado (fenômeno político-estatal).

Num primeiro momento a posição adotada por Marx é a de um “Hegeliano” 3 de


esquerda, na concepção do filosofo alemão Hegel, segundo Alapanian: “[...] o Estado é
a materialização do interesse geral da sociedade e o responsável pela sua
universalização. Quando o Estado se sobrepõe à sociedade civil, torna esta esfera ética e
moral[...]”. (ALAPANIAN, 2008, p. 21). Tendo em vista isso, só o Estado é capaz de
universalizar a humanidade. Porém já em 1843, Marx redige seu trabalho “Introdução à
Crítica da filosofia do Direito de Hegel”, já apontando um desenvolvimento de uma
concepção crítica própria em construção. Pode-se observar alguns conceitos, como por
exemplo o fenômeno de a sociedade civil representar-se no Estado, e não o oposto,
defendido por Hegel; e ainda que a emancipação humana será resultado de uma
revolução social, que terá como objetivo a supressão da propriedade privada.

Na obra “Manifesto do partido comunista”, Marx desenvolve uma teoria


explicitamente contrária à defendida por Hegel. Para este o Estado constitucional
burguês é o auge do desenvolvimento histórico; já para aquele, na formação de sua
concepção sobre a economia política, em síntese, define o Estado como um comitê que
realiza a gestão dos negócios comuns da classe dominante, ou seja, no modo de
produção Capitalista, a burguesa. É portanto o Estado, na perspectiva marxiana, o
resultado de uma inconciliável opressão de classe, que ocasiona um definitivo
antagonismo, irreconciliável. Assim define ENGELS:

3
Hegelianos de esquerda ou Jovens Hegelinianos: corrente idealista na filosofia alemã dos
anos 30-40 do século XIX, que procurava tirar conclusões radicais da filosofia de Hegel e
fundamentar a necessidade da transformação burguesa da Alemanha. O movimento dos jovens
hegelianos era representado por D. Strauss, B. Bauer e E. Bauer, M. Stirner e outros. Durante
certo tempo, também L. Feuerbach partilhou as suas ideias, bem como K. Marx e F. Engels na
sua juventude, os quais, rompendo posteriormente com os jovens hegelianos, submeteram à
crítica a sua natureza idealista e pequeno-burguesa em A Sagrada Família (1844) e em A
Ideologia Alemã (1845-1846). Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/h/hegelianos_esquerda.htm,>. Acesso
em: 10 Jun. 2016.
9

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de


fora pra dentro; tampouco é “a realidade da idéia [sic] moral”, nem “a
imagem e a realidade da razão”, como afirmava Hegel. É antes um produto
da sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento;
é confissão de que esta sociedade se enredou numa irremediável contradição
com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não
consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com
interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a
sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado
aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e
mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade,
mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS
apud ALAPANIAN, 2008, p. 22)

Levando-se em consideração a definição acima, podemos observar que o Estado


resultante desse conflito representa a classe dominante em cada época de seu
desenvolvimento social e histórico. No capitalismo, isso significa que representa
aqueles que detêm os meios de produção, portanto, os economicamente dominantes. O
Estado fornece à classe que o domina ferramentas capazes de exercer a dominação
política, criando uma falsa realidade de “ordem” constituída, o que a permite colocar
sob submissão outra classe. Esse poder político se expressa nos aparelhos coercitivos
estabelecidos pelo Estado (Exército, polícia, sistema prisional etc.), bem como os
aparelhos ideológicos do Estado (AIE), pois em uma sociedade demasiadamente
dividida não há possibilidade de aceitar a auto-organização em armas da classe
submissa, tampouco questionamentos de natureza radical, objetivando uma
transformação completa e material do modo de produção.

Sobre os mecanismos democráticos: órgãos legislativos, os sistemas


parlamentares representativos, os direitos políticos e o desenvolvimento do processo
eleitoral entre outros, que são inerentes ao Estado Democrático burgueses, ou o que o
valha, mesmo como Estado Democrático de Direitos, afirma MARX:

[...] que sua constituição sanciona o poder social da burguesia, ao mesmo


tempo em que retira as garantias políticas desse poder, impondo-lhe
condições democráticas que, a todo momento, contribuem para a vitória das
classes que lhes são hostis e põem em risco as próprias bases da sociedade
burguesa. (MARX apud ALAPANIAN, 2008, p. 23)4

4
Originalmente em “As lutas de classes na França”.
10

Dessa maneira, mesmo entendendo que as bases sociais possam questionar o


sistema estatal-governamental burguês na democracia, Marx julga que este aparato não
é um mecanismo de superação dessa lógica sistêmica, mas é antes de tudo um modo
pelo qual se legitima a “ordem” estatal-governamental burguesa. Defronte um
questionamento decisivo e essencial, as democracias não veem problema em assumir,
mesmo que de maneira transitória, formas opressivas, que inclusive revogam princípios
democráticos basilares, tal como ocorreu no sistemas de governo nazifascistas e mesmo
nas ditaduras latino-americanas.

Sobre a íntima relação entre Estado e Direito, Marx e Engels apresentam a tese
jurídica de que o Direito é como um reflexo dos diferentes modos de manifestação,
necessidades e interesses da classe social dominante, logo, resultado do
desenvolvimento das forças produtivas e do modo de produção. É o Direito, portanto,
como o exposto no preâmbulo da obra “Contribuição à crítica da economia política”,
parte da superestrutura. Afirma MARX:

Na produção social da vida os homens contraem determinadas relações


necessárias e independentes de suas vontades, relações de produção que
correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a
estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas
de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o
processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é consciência do
homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser é que
determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com
as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão
jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram
até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações
se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução
social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos
rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se
estudam as revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças
materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser
apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas,
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas
ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam
para resolvê-lo.
(MARX apud ALAPANIAN, 2008, p. 23)5

5
Trecho extraído originalmente do prefácio à “Contribuição à crítica da economia política” in Marx e
Friedrich Engels, Obras Escolhidas, v.1, op. Cit., p. 301.
11

Em três capítulos do livro Anti-Duhring, Friedrich Engels pondera sobre o


fenômeno jurídico. Em um desses capítulos, o tema abordado é a igualdade entre os
homens, tema central que permeia o debate sobre Direito e justiça. Para o autor, o
Direito trata-se de uma ferramenta de dominação classista, com mandamentos
sancionados pelo fenômeno Estatal-governamental. Onde a opressão tenha fim, também
suas formas correlatas terão; nas palavras de BOTOMORE: “[...] uma sociedade na qual
tenham desaparecidos a propriedade privada e a divisão de classes, o Estado, e por
conseguinte, o Direito, igualmente desaparecerão, uma vez que ambos, como órgãos de
dominação de classe, perdem sua razão de ser”. (BOTOMORE apud ALAPANIAN,
2008, p. 24).

Marx e Engels não chegaram a uma sistematização maior sobre a categoria


“Direito”. Conforme ALAPANIAN:

[...] Não se pode dizer que foi elaborada uma reflexão acabada acerca do
direito, seus vários ramos, suas formas de operacionalização, porque as
reflexões de Marx e Engels sobre a ideologia jurídica burguesa não foram
utilizadas por eles, para um estudo específico da superestrutura jurídica
(Pachukanis, 1977). O centro de suas atenções estava na afirmação da
concepção materialista da história, segundo a qual o que determina a
consciência é a existência e não contrário, como afirmava a maior parte
da filosofia idealista de sua época. Segundo esse ponto de vista, era mais
importante mostrar o direito como epifenômeno e não como elemento
determinante da realidade. (ALAPANIAN, 2008, p. 24, negrito nosso)

Entretanto no ano de 1917, na União Soviética, o então partido Bolchevique, de


orientação marxista, tem uma tarefa árdua: O desenvolvimento de um “Estado
operário”, o que necessitaria supostamente da construção de um aparato jurídico, é aí
que o debate sobre o Direito ganha profundidade e centralidade na modernidade, sob a
perspectiva da totalidade de seu fenômeno social e concreto.

3 Teoria geral do Direito e forma jurídica: Teses de E. B. Pachukanis

No cerne da teoria pachukaniana do Direito, o autor buscava desenvolver o


debate teórico então proposto, ou seja, a possibilidade de existência de um “Direito
proletário”. Para tanto, utiliza analogicamente das observações perpetradas por Karl
12

Marx, principalmente no que se refere à perspectiva metodológica adotada por este,


quando da análise da economia política, especificamente no Capitulo I, de sua obra
máxima “Das Kapital” (O Capital-Crítica da Economia Política). O modo de pesquisa
adotado pelo autor procura o átomo do fenômeno jurídico, assim como em Marx, que
encontra na mercadoria o substrato da estrutura do modo de produção capitalista, E. B.
Pachukanis encontra na figura do “Sujeito de Direito” a base estrutural fundadora da
forma jurídica, essencial à circulação de mercadorias e dependente deste circuito
generalizado de trocas mercantis.
Salienta ALAPANIAN:

Pachukanis enxergava uma estreita relação entre a forma jurídica e a


forma mercadoria e pleiteava o desenvolvimento de uma teoria geral do
direito com o mesmo status de uma teoria da economia política,
utilizando-se, para isso, do método de Marx.
Polêmicas mesmo na sua época, as teses de Pachukanis negavam a
possibilidade de um direito socialista ou proletário e reafirmavam a
proposições de Marx e Engels a respeito da necessidade da extinção da
forma jurídica juntamente com a extinção do Estado. A defesa de suas
teses custou-lhe a vida. Ele foi executado em 1937 após ter sido forçado a
fazer várias ‘autocríticas’, num cenário em que o direito soviético foi
amplamente utilizado como instrumento de reforço do Estado na era
Stalinista. (ALAPANIAN, 2008, p. 27, negrito nosso)

Para nosso autor, o principal problema nas perspectivas teóricas adotadas, para a
observação científica do fenômeno jurídico, residia na valorização excessiva do
intrafenômeno da coerção, como demonstra Pachukanis: Os marxistas que se
debruçavam sobre o tema entendiam “[...] o momento da regulamentação coativa social
(estadual) como a característica central, fundamental e a única típica dos fenômenos
jurídicos” (PACHUKANIS Apud ALAPANIAN, 2008, p. 31). Foi, portanto, nesse
diapasão teórico que o aspecto vinculante entre Sujeito de Direito e forma mercadoria,
segundo o método marxiano, foi negligenciado por estudiosos como Stutchka, aponta
ALAPANIAN:

[...] Ele (Pachukanis) atribui essa negligência à necessidade de uma


radical diferenciação por parte dos estudiosos do marxismo da atitude
dos sistemas idealistas, daquela filosofia do direito cujo fundamento é
representado pelo conceito de sujeito e sua capacidade de
autodeterminação. (ALAPANIAN, 2008, p.33, negrito nosso)
13

A subjetividade jurídica, incorporada nos princípios formais de igualdade e


liberdade, não são apenas e somente instrumentos abstratos de dominação da burguesia
que os utiliza contra o proletariado, são também associados ao surgimento da sociedade
burguesa, encontrando aí sua base fundamental. Nesse sentido afirma PACHUKANIS:
[...] a vitória deste princípio não é apenas, e deste modo, um processo
ideológico (Isto é, um processo que pertence inteiramente à história das
idéias [sic], das representações, etc.), mas antes um processo real de
transformação jurídica das relações humanas, que acompanha o
desenvolvimento da economia mercantil e monetária (na Europa da
economia capitalista) e que engendra profundas e múltiplas modificações
de natureza objetiva. (PACHUKANIS apud ALAPANIAN, 2008, p. 33)

Segundo Pachukanis, a forma jurídica tem existência concreta, e não se constitui


somente de um reflexo ideológico, assim afirma: “[...] o direito, enquanto forma, não
existe somente no cérebro e nas teorias dos juristas especializados; ele tem uma
história real, paralela, que não se desenvolve como um sistema conceitual, mas como
um particular sistema de relações” (PACHUKANIS apud ALAPANIAN, 2008, p. 33,
itálico do autor). Isso não significa absolutamente a derradeira negação das
representações erigidas dos sujeitos de direito, como “direitos e deveres”, “limites da
lei”, “bem comum” etc. O autor considera que o momento central está consubstanciado
no acordo, como expressão de vontade. Em uma sociedade onde a produção mercantil
encontra-se generalizada, os contratos privados têm função primordial nas relações de
produção e na reprodução social do modo de produção, e são o necessário objetivo da
mediação jurídica.
Salienta ALAPANIAN:

Assim, as condições para o desenvolvimento de uma superestrutura


jurídica (as leis, os tribunais, os processos, os advogados, etc) surgem a
partir do momento em que as relações humanas são construídas como
relações entre sujeitos. Daí a importância do estudo da superestrutura
jurídica como fenômeno objetivo, o que não foi feito por Marx.
(ALAPANIAN, 2008, p. 33)

O caminho para a teoria crítica do direito e a possibilidade de uma teoria geral


do direito, para ele, dependeria da metodologia adotada. Fosse possível a análise da
forma jurídica, como Marx analisou a forma mercadoria, seguiria ela um modelo
científico dialético que vai do abstrato ao concreto, como o método em O Capital,
notadamente no Capítulo I. Nestes termos o autor lembra que toda ciência, no estudo de
seu objeto, parte sempre de uma mesma realidade, total e concreta, diferindo-se pelo
14

método de analise dessa realidade, como resultado de combinações das abstrações mais
simples.

Assim, poderia parecer coerente e até mesmo natural, que Marx perpetra sua
análise da economia política a partir de uma determinada realidade total e concreta, por
exemplo, a delimitação de uma população em um dado espaço geográfico, que produz
em determinadas circunstâncias. Entretanto, o termo “população”, se ignorados os
componentes da luta de classes, e das classes sociais em si, é uma abstração vazia. Cada
classe nada significa caso não se compreenda o lucro, a renda etc, até que se cheguem às
categorias elementares como valor, preço e mercadoria. Por fim, Pachukanis questiona
se à teoria do Direito não caberiam às mesmas considerações, no sentido anteriormente
mencionado quanto à população, à sociedade e ao Estado: não devem ser o ponto básico
metodológico, senão resultado das diversas reflexões dialéticas possíveis.

Para o autor algumas abstrações gerais decorrem da funcionalidade lógica do


sistema de normas no direito positivo, representando assim, um produto posterior, e
superior, de uma elaboração consciente. São conceitos fundamentais, que são
encontrados em todo o pensamento jusfilosófico, e principalmente juspositivista. Assim,
segundo Pachukanis:

Podemos, portanto, ter como ponto assente que o pensamento jurídico


evoluído independentemente da matéria à qual se dirige não pode passar
sem um certo número de definições muito abstratas e gerais. Mesmo a
nossa ciência jurídica soviética não pode passar sem elas, pelo menos
enquanto ela permanecer, também, enquanto tal, uma jurisprudência, ou seja,
dê respostas as suas tarefas práticas e imediatas.(PACHUKANIS apud
ALAPANIAN, 2008, p. 35, negrito nosso)

Outro aspecto metodológico abordado por Pachukanis consiste, novamente


buscando em Marx e na construção histórica das abstrações jurídicas, em contrapor-se
aos que defendiam a substituição dos conceitos gerais no suposto “Direito proletário”
como tarefa essencial da teoria marxista. Para ele, ao contrário, o direito deve ser
tomado como categoria histórica, assim negando a legitimidade histórica de um “Direito
revolucionário”. Para Karl MARX:

A sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais


desenvolvida e mais variada que existe. Por esse fato, as categorias que
15

exprimem as relações desta sociedade e que permitem ao mesmo tempo


perceber a estrutura e as relações de produção de todas as formas de
sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos ela se edificou, de
que certos vestígios, parcialmente ainda não apagados, continuam aliás a
subsistir nela, e de certos signos simples, desenvolvendo-se nela, se
enriquecem de toda sua significação.(MARX apud ALAPANIAN, 2008, p.
35, negrito nosso)

A invariabilidade da forma jurídica, assim, estaria representada numa suposta


criação de novos conceitos pra um “Direito proletário”. Dessa maneira, haveria uma
desvinculação da mesma com a realidade histórica e concreta, escamoteando o processo
real de sua culminância e da necessidade de sua extinção. Seria o mesmo, para o autor,
que criar uma economia “proletária” capitalista, com categorias contraditórias, por
exemplo, o “valor” proletário.

Entendido o método adotado pelo autor, resta determinar se a essência do direito


reside na base material ou na superestrutura, para melhor entender a relação entre direito
e ideologia. Pachukanis, nesse sentido, demonstra que a ciência jurídica não é
necessariamente uma espécie particular de ideologia, como afirmavam alguns juristas
marxistas, tais como Reisner. Pachukanis admite a existência da ideologia jurídica,
concretamente, como uma experiência vivida pela humanidade sob a forma de
princípios, normas e regras, realizando dessa forma uma análise comparativa à
economia política. A natureza ideológica de algumas categorias gerais não lhes retira a
objetividade, representam desta maneira relações concretas, não sendo possível dirimir a
realidade e a materialidade que as vinculam.

A questão dos conceitos jurídicos se apresenta também nesse plano. Cabe, no


entanto, identificar a quais relações objetivas correspondem. Pachukanis afirma que:
“[...] tal como a riqueza na sociedade capitalista reveste a forma de uma enorme
acumulação de mercadorias, também, a sociedade, no seu conjunto, se apresenta como
uma cadeia ininterrupta de relações jurídicas”. (PACHUKANIS apud ALAPANIAN,
2008, p. 36) Esse fenômeno é consequência direta de uma economia atomizada, privada
e isolada, onde o vínculo entre essas unidades se realiza e é mantido por contratos
celebrados entre elas.
16

Didaticamente adota o autor uma metáfora comparativa que sintetiza seu


pensamento: o tratamento realizado por um médico a um doente tem como pressuposto
regras a serem observadas tanto pelo médico como pelo doente. O processo de cura
pode inclusive prever intervenções coativas sobre o doente, como a aplicação de
injeções e cirurgias, essas ações, praticadas com ou sem coerção, têm como fundamento
uma espécie de racionalidade técnica oferecida pela ciência médica conforme o seu
próprio desenvolvimento. A tarefa do jurista tem início quando os interesses se tornam
conflitantes, então o profissional médico e seu paciente são considerados sujeito de
direitos e deveres, aí as regras que os vinculam tornam-se normas jurídicas.

Para Pachukanis:
[...] a possibilidade de adotar um ponto de vista jurídico corresponde ao fato
de, na sociedade de produção mercantil, as diferentes relações se decalcarem
sobre o tipo das relações de trocas comerciais e assumirem, por
consequência, a forma jurídica. [...] por mais racionalizada e irreal que possa
parecer esta ou aquela construção jurídica, ela assentará sobre uma base
sólida enquanto se mantiver dentro dos limites do direito privado,
principalmente do direito de propriedade. (PACHUKANIS apud
ALAPANIAN, 2008, p.37)

Nesse momento se apresenta um problema importante: como se relaciona o


direito privado com o direito público, já que as relações jurídicas são baseadas nas
relações concretas? E principalmente, qual a relação entre “particulares” e a função do
Estado, que é de onde emana a força normativa e o qual agrupa os instrumentos
coercitivos?

3.1 Forma Político-Estatal, Extinção do Direito e processo de transição

Comumente, os juristas positivistas atribuem às normas a capacidade de criar


relações sociais, portanto, o individuo que cobra uma dívida o faz porque existe uma
norma autorizadora; não levam em consideração que a conduta está inscrita em um
conjunto econômico e político próprio, que possibilita a realização da prática, ou seja,
anterior à norma. Para o juspositivista o processo de criação da norma, que emana de
uma autoridade competente, e tem como seu garantidor o Estado, é a fonte do direito.
Nesse sentido, assevera Pachukanis:“[...] o poder do Estado confere clareza e
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estabilidade à estrutura jurídica, mas não cria as premissas, as quais se enraízam nas
relações materiais, isto é, nas relações de produção”. (PACHUKANIS apud
ALAPANIAN, 2008, p.38).

As considerações referentes às formas sociais, jurídicas e econômicas também


cabem à forma Estatal (e Política), ou seja, a especificidade do fenômeno estatal tem
surgimento não somente nas teorias sobre o Estado, senão na própria necessidade
econômica e política, que emergem do processo revolucionário burguês,
especificamente a formação de Estados-Nação. Não têm início desvinculado do
desenvolvimento das forças produtivas, mas erigem da necessidade concreta de se
desvincular a violência direta do poder político, passando esta a ser exercida pelo
Estado, e por núcleos políticos dominantes. Logo, Capitalismo, Direito e Estado são
fenômenos que surgem concomitantemente, e não por acaso, mas porque são fenômenos
interdependentes. Nesse sentido, afirma MASCARO: “[...] a forma política estatal é
também sua correlata inexorável, constituindo um tipo específico de aparato social
terceiro e necessário em face da própria relação de circulação e reprodução capitalista”.
(MASCARO, 2013, p. 25)

O aparato político-estatal surge como um terceiro, que aparentemente é alheio a


vontade das partes contratantes, aquelas que supostamente expressam sua vontade sob a
forma de contratos particulares. Entretanto, justamente por essa característica, cumpre
uma função extremamente importante: a de constituir um conjunto de princípios e
normas, estranhos aos indivíduos, podendo aplicar medidas coercitivas, garantindo
dessa maneira a estabilidade do circuito universalizado de trocas mercantis. Assim, para
Mascaro: ”[...] O aparato político, terceiro a todos os possuidores e trabalhadores,
garante, além dos vínculos de troca e alguns termos, a própria apropriação formal do
valor pelo sujeito, ou seja, a propriedade privada”. (MASCARO, 2013, p. 25)

Os mesmos parâmetros que orientam o Direito Privado são espelhados pelo


Estado, sendo seu fundamento jurídico essencialmente norteado pelo predomínio do
interesse mercantil, dessa forma a aparência de um ente apartado das classes e dos seus
conflitos, reflete-se em um direito público, da mesma maneira aparentemente afastado
18

do direito privado. A estrutura político-estatal garante que, qualquer que seja o modo de
governo adotado, Monarquismo ou Presidencialismo, Democracia ou algum tipo de
ditadura, o acúmulo do Capital jamais será afetado. Pelo contrário, a extinção de direitos
sociais durante períodos de crise demonstra invariavelmente que o determinante é a
manutenção do sistema econômico.

As transformações necessárias à revolução - transformação radical do processo


de produção, extinção do Estado e do Direito - não podem ser promulgadas por núcleos
dirigentes. Nesse sentido, afirma o professor Naves (1993): “Elas só podem ocorrer
através de um processo longo de luta de classes, no qual a classe operária,
gradativamente, vai se apropriando das condições materiais da produção e do poder
político. A sua luta está dirigida contra a nova burguesia que, necessariamente, se forma
no período pós-revolucionário, portanto, também contra parte do grupo dirigente
‘comunista’”.

Concordar com essas assertivas que vinculem socialismo e democracia, nos


conduz a enfatizar o socialismo como um período de transição onde persistem as
relações de produção e reprodução do Capitalismo, mantidas por um Estado apartado
das massas, onde a classe operária (as massas) ainda deve lutar para revolucionar o
modo de produção, levando a termo também a apropriação real do poder político.
Assim resume Márcio Bilharinho Naves (1993),p.5: “O socialismo implica portanto um
confronto das massas com os agentes sociais que cumprem as funções de direção do
processo de valorização do capital e controlam o aparelho estatal — a burguesia de
Estado.” Somente uma visão idealizada do socialismo pode pretender que esse período
extinguirá a luta de classes através da vitória sobre as antigas classes dominantes.
Aceitar essa visão é assumir uma harmonia (igualdade formal) entre o Estado (e seu
partido [ou partidos] representante [s], nominado [s] “Dos Trabalhadores”) e os
operários, justificando assim que esse mesmo Estado aja coercitivamente contra os
trabalhadores como se essa fosse à vontade da classe trabalhadora, como fez a União
Soviética durante os anos de 1920-1930.

Para BILHARINHO NAVES, Márcio, 1993, p.6:


19

No decorrer desse processo é possível que surjam duas alas no interior do


partido dirigente e do Estado. Uma primeira ala que apoia as iniciativas das
massas, participa e até mesmo — em alguns momentos — dirige a luta de
transformação das relações sociais capitalistas, e uma segunda ala,
identificada em diferentes graus com o capitalismo de Estado, que reprime as
massas e reforça a dominação de classe e a reprodução das relações de
produção capitalistas

O período de transição ainda é um período revolucionário. Até a tomada efetiva


do poder pela classe trabalhadora, as ações do Estado que tenham por objetivo
estabilizar e reproduzir as relações sociais, como revisões legais, decretos e ferramentas
legislativas, conduz inevitavelmente à manutenção das relações sociais de estabilidade e
reprodução burguesa. Assim a luta que se trava pela transformação completa do modo
de produção é ainda mais complexa, já que fundamentalmente remanescem no núcleo
dessa nova forma socialista elementos das relações burguesas. Assim, NAVES (1993),
p.6, entende: “Em decorrência, a democracia não pode favorecer essa luta, antes, ao
contrário, a democracia constitui-se em um obstáculo à luta da classe operária pelo
comunismo”.

A aceitação da democracia universalmente idealizada delimita a luta de classe


impedindo que a transformação real possa acontecer mesmo durante o período de
transição ou socialista. Estabelecer limites jurídico-políticos de participação legaliza a
classe operária, que somente poderá recorrer a órgãos e procedimentos oficiais. Desse
modo, atingir uma sociedade igualitária e livre realmente é improvável.

O Direito cumpre funções especificas nesse processo, como podemos observar,


NAVES (1993), p.7:

O recurso ao direito, notadamente, joga um papel fundamental ao interditar


qualquer outra via de manifestação das massas a não ser aquelas oferecidas a
elas pelo Estado. Assiste-se, assim, não só ao processo de legalização da luta
de classes, à qual já nos referimos, mas também a um processo de
criminalização da luta de classes, ou seja, à tipificação penal das formas de
expressão e luta das massas não previstas em lei, com a correspondente
sanção.

Percebemos que há uma identificação dos partidos (Como instituições jurídicas de


representação) de esquerda com a democracia, bem como os instrumentos jurídicos
20

como “Os Direitos humanos”, o que nos condiciona a uma série de discussões a respeito
dessa correlação e suas decorrentes contradições. Diversas correntes teóricas também
identificam socialismo com democracia, ora como mantenedora do aparato burguês
universal, ora como uma ruptura completa com o mesmo. Para ambas as concepções,
permanecem invariavelmente a forma do Direito (forma jurídica) como
regulamentadora das regras políticas.

Como salienta NAVES (1993), p.8:

Ora, é justamente essa a questão decisiva: admitir que o socialismo


possa ser uma democracia, forçosamente equivale a dizer que o
socialismo é uma formação social estável, com as suas leis
particulares de reprodução. Isso acarreta uma consequência de
extrema gravidade: se um modo de produção socialista já se
constituiu, a questão da transformação das relações de produção se
torna um objeto impensável. Assim, o problema da transição é
deslocado para outro lugar: trata-se, por um lado, tão somente de
procurar obter o máximo desenvolvimento das forças produtivas e, por
outro, de garantir a perpetuação das regras do jogo (jurídicas) do
Estado democrático socialista. Nesse sentido, é evidente que qualquer
violação dessas normas de direito será uma violação da própria
democracia e, por extensão, do socialismo. (negrito nosso).

No âmago dessa questão encontram-se conjecturas que forçadamente


identificam o socialismo com a estatização dos meios de produção, levada a cabo pela
“vanguarda revolucionária”, liderada por um partido (ou partidos) revolucionário (s). A
simples transferência da titularidade de direitos privados da propriedade ao Estado
eliminaria a luta de classes e consequentemente extinguiria o Capitalismo. E a ordem
normativo-jurídica então erigida desse processo (Democracia operária), se violada,
significa violação da economia socialista e do Estado de Direito socialista. Dessa
maneira é possível vislumbrar a dependência economicista e juridicista do socialismo.

Essa representação do socialismo é estranha ao marxismo. Segundo NAVES


(1993), p. 9:

[...] O que se passa, rigorosamente, após a tomada do poder pelo partido


revolucionário? A conquista do poder do Estado possibilita efetivamente a
expropriação da burguesia com a estatização da propriedade privada dos
meios de produção. Ademais, o aparelho de Estado passa a ser gerido por um
partido que formalmente representa a classe operária e que pode admitir, em
certo grau, a participação das massas em seus órgãos. Essas medidas seriam
21

suficientes para a superação do capitalismo? Observemos que tais iniciativas


não atingem o núcleo duro da dominação de classe burguesa, a organização
do processo de trabalho capitalista. A classe operária, mesmo após a
revolução socialista, permanece separada dos meios de produção, sem
qualquer controle sobre o processo de trabalho, expropriada objetiva e
subjetivamente das condições materiais da produção. No interior da fábrica
“nacionalizada”, os trabalhadores são dirigidos por elementos estranhos à
classe, funcionários designados pelo partido, limitando-se a executar as
tarefas manuais que lhes são ordenadas. O processo de produção continua a
ser um processo de valorização, já que nenhuma modificação se processou
em seu modo de organização e não se constituíram as forças produtivas
especificamente comunistas. Portanto, as relações de produção capitalistas
não são transformadas em virtude do simples fato da estatização dos
meios de produção. [...] (negrito nosso)

As contradições são mantidas objetivamente à revelia da origem individual dos


diretores de fábrica e sua disposição subjetiva. Sua posição de controladores do
processo de valorização do valor, ou seja, exploração da classe operária, não é afastada
pela inexistência do proprietário privado. Sua posição evidencia superioridade e os
condena a separação quase absoluta das massas, assim sendo, “atuam como
funcionários do capital, mesmo se se representam como comunistas que edificam o
socialismo” (NAVES, 1993,p.9). Constituem, portanto uma nova forma de burguesia
denominada Burguesia de Estado, diferenciando-se da burguesia “privada” apenas por
sua posição em relação ao posto que ocupa no aparelho do Estado, a de proprietário dos
meios de produção.

Nada garante, porém, que mesmo que um partido definido como “socialista” ou
dos “trabalhadores” , quando se apodere do aparato estatal, coloque em marcha um
processo revolucionário capaz de alterar o modo de produção, imprimindo
características “socialistas” ao Estado. Não há impedimento que as circunstâncias sejam
mais favoráveis a determinadas condições após a tomada do poder, mas a manutenção
do Estado, mesmo que socialista, mantém e acentua a separação entre poder político e
as massas, nas clássicas dicotomias: Sociedade civil e Estado, Direito público e Direito
privado.

Segundo NAVES (1993), p.10:

[...] Essa separação pode acarretar uma situação em que os dirigentes do


Estado não identifiquem os seus interesses com os interesses das massas,
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passem a favorecer e a reproduzir as condições que permitem justamente


manter e ampliar essa separação, e a exercer sobre as massas um domínio
político similar àquele levado a cabo pela antiga burguesia “privada”.

Ante as crises do Capital e mobilizações sociais no mundo, resta estudar o


período de transição e suas consequências, com vistas a contribuir teoricamente com o
processo de transformação radical do modo de produção, analisando assim: socialismo e
a fase de transição, comportamento da forma jurídica, mercantil e estatal, durante esse
período nas experiências denominadas “socialismo real”, principalmente a Revolução
Russa (1917) e a tese pachukaniana de extinção do Estado e do Direito.

4 Conclusão

O cerne da questão apresentada encontra-se na relação entre Direito e


socialismo. A fim de manter a coerência de sua obra, Pachukanis não poderia admitir a
existência de um “Direito socialista e/ou proletário”. Pela análise perpetrada no
repertório teórico do autor, conclui-se que levando em consideração que o socialismo é
uma fase de transição, a persistência do aparato jurídico e político-estatal representa
verdadeiro óbice à superação do modo de produção, mantendo sob outros signos as
mesmas formas fundamentais.

Se para o liberalismo e neo-liberalismo a sofisticação da técnica do direito


representa a verdadeira liberdade do homem, para a concepção marxista esse fato torna
as relações sociais cada vez mais feitichizadas, sendo um obstáculo formal e material
para a necessária transformação social. O autor assim desenvolve a sua teoria levando
em consideração os apontamentos realizados por Marx, preenchendo uma lacuna então
deixada por este. Culminam em um ponto comum: que a transformação social é
necessária dado o caráter evolutivo dos modos de produção, e que não será concretizada
com a mera substituição de conceitos gerais, mas somente quando as relações não mais
se dividirem entre relações privadas e sociais,.

No processo de planificação econômica mais significativo, ocorrido durante a


revolução russa, não se vislumbra ainda a transição completa das formas sociais,
23

permanecendo o que se denominou posteriormente de “Capitalismo de Estado”. O


direito como sustentáculo, mesmo desse projeto, não pode perdurar na superação dos
sistemas econômico, político e jurídico. Apropriando-se das teses marxistas, não
observa o autor a passagem direta de um Direito Burguês para direito nenhum. Para ele,
o processo jurídico no período de transição, será de “um Direito burguês sem
burguesia”, realizando uma diferenciação entre direito genuíno burguês, propriamente
dito, e direito não-genuíno, que vigoraria durante o processo de transição.

Portanto o Direito, como ferramenta de manutenção da ordem econômico-


social, deixará existir quando sua especificidade não corresponder mais à realidade
concreta, quando superados a divisão do trabalho, a exploração formal, o amplo circuito
de trocas entre unidades individualizadas. O Estado como forma concebida a manter a
exploração, também durante a transição, deverá tencionar ao máximo as contradições a
ele inerentes, proporcionando gradativamente que o poder possa ser exercido pelos
próprios seres humanos, sendo desnecessário um aparato terceiro e mediador, que não
obstante seja considerado fonte do Direito, é na realidade um óbice as necessárias
transformações sociais.

As experiências dos “Conselhos” apontam uma direção pelo qual possa se dar
essa tarefa árdua, porém necessária, lembrando que no processo revolucionário de 1917
a palavra de ordem proferida às portas dessa nova experiência social era “todo poder ao
Soviet” (Espécie de Conselho Popular). A necessidade de mudança se apresenta, e cabe
a nós, como teóricos e práticos, estimular formas sociais diferentes das consolidadas
pelo capitalismo, como enuncia em título de uma de suas obras, o autor Istvan Mezáros:
“Socialismo ou barbárie”. São essas as opções que se nos apresentam nesse momento
histórico de sucessivas crises do modo de produção.
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5 Referências

BOTTOMORE, Tom (Org.). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro.


Jorge Zahar,1988.

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.

_______________________. Filosofia do direito. 3. ed.São Paulo: Atlas. 2013

_______________________. Introdução ao estudo do direito. 5. ed.São Paulo: Atlas.


2015.
25

KAUTSKY, Karl e ENGELS, Friedrich.Socialismo jurídico. 2. ed.São Paulo: 2012.

NAVES, Márcio Bilharinho. Contribuição ao debate sobre a democracia. Temas de


Ciências Humanas, São Paulo: v. 10, 1993, p. 111-128.

_____________________. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São


Paulo: Boitempo, 2000.

______________________. (Org.). O discreto charme do direito burguês: Ensaios


sobre Pachukanis. Campinas: UNICAMP: Instituto de filosofia e ciências humanas.
2009.

PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo, trad. Soreval


Martins, Coimbra, Centelha, 1977.

PANIAGO, Maria Cristina Soares. Mészáros e a incontrolabilidade do capital. 2.


ed.São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

STUTCHKA, Piotr. Direito de classe e revolução socialista, org. e trad. Soreval


Martins, Coimbra, Centelha, 1977.

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