Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
São nesses dois atos que se realizam as relações sociais do escravismo, portanto,
é neles que temos suas relações de produção, pois, na sociedade escravista o
investimento na produção mercantil e no próprio sobretrabalho não é motivado
apenas pelo lucro, mas também pelo status quor que a prosperidade proporciona.
Talvez essa seja uma razão explicativa para o fato de negociantes de grosso trato
investirem em grandes fazendas.
Portanto, diante dessa exposição da tese de João Fragoso, percebemos que a
escravidão funcionou como um instrumento de coesão dos grupos dominantes
imperiais, onde, mesmo com suas disputas intestinas, mantiveram-se unidos na
preservação dos interesses escravistas.
Essa característica da sociedade imperial se faz representar, e fica bem
explícita, quando estudamos os pareceres da Seção de fazenda do Conselho de
Estado e percebemos, pelo discurso dos conselheiros, a preocupação com a
manutenção dos interesses escravocratas - e quando falo aqui em interesses
escravocratas, refiro-me não somente aos proprietários de terras e escravos, mas a
todos os indivíduos ligados à escravidão, sejam eles negociantes ou pequenos
proprietários urbanos.
João Fragoso e Fernanda Martinsxvii afirmam que os negociantes de grosso
trato que investiram suas fortunas em fazendas cafeicultoras no Vale do Paraíba, não
se transformaram em barões do café, pois mantiveram seus negócios urbanos, e que
com a crise do escravismo decorrente das pressões inglesas, e posteriormente à
assinatura da lei Euzébio de Queirós, que extinguia o tráfico internacional de
escravos, esses mesmos negociantes, no caso agora seus descendentes, investiram na
banca, ou seja, no crédito, tornando-se acionistas e diretores dos principais bancos e
seguradoras do Rio de Janeiro. Além disso, esses indivíduos aproximaram-se da
elite política passando a influenciar nas decisões governamentais relativas à política
econômica do império. Portanto não se pode, a partir desses dados, definir que esses
indivíduos pertenciam a um único grupo social do império, pois eram, ao mesmo
tempo, fazendeiros, negociantes e políticos. Partindo dessa ideia, defendo a
constituição de uma sociedade possuidora de um habitus xviii escravista, onde, a
seção de fazenda do Conselho de Estado, por ser a principal organizadora da política
econômica imperial, representava os interesses, mesmo que algumas vezes
conflitantes, dessa classe.
Falarei um pouco sobre as relações entre os conselheiros que compunham a
seção de fazenda do Conselho de Estado e, aqueles que Fernanda Martins
denominou de elite financeira do império.
Os conselheiros de Estado em geral, e aqueles que ocuparam a seção da
fazenda em particular, eram extremamente bem relacionados com o meio financeiro,
seja por de laços familiares ou de amizades, seja por terem ocupado diversos cargos,
públicos e privados, na área econômica, o que lhes configurava um enorme prestígio
junto aos empresários do ramo.
Alguns trabalhos sobre o Conselho de Estado destacaram que chegar a essa
instituição era o auge da carreira política do Impérioxix, e que os conselheiros, antes
de ocupar seus cargos, geralmente passavam por outros cargos na vida pública,
como deputados, senadores, presidentes de província e ministros, o que não
significava que ao chegarem ao Conselho não ocupassem outros cargos, muito pelo
contrário, em diversas ocasiões, e na pasta da fazenda foi ainda mais comum, o
imperador solicitava aos conselheiros que ocupassem os ministérios, como ministros
de Estado ou presidente do conselho de ministros. Isso configurava aos conselheiros
da seção de fazenda um imenso conhecimento da vida pública, o que os deixava em
posição privilegiada. Podemos dizer que transformou-se numa verdadeira elite
intelectual e política, como afirmou José Murilo de Carvalhoxx.
A de se destacar ainda a participação dos conselheiros nas instituições
financeiras, em especial o Banco do Brasil, onde foram diretores e presidentes dessa
instituição. O caso mais característico foi o de Joaquim José Rodrigues Torres, o
Visconde de Itaboraí. Político conservador, identificado como integrante da trindade
saquarema, responsável pela articulação do Estado imperial, era fazendeiro da
região de Saquarema, na província do Rio de Janeiro, foi por três vezes presidente
do conselho de ministro, ministro da fazenda, presidente do Banco do Brasil e, por
vinte anos, conselheiro de Estado, sempre na seção de fazenda. Itaboraí destacou-se,
ao lado do liberal, Bernardo de Souza Franco, como uma das principais mentes
econômicas do Império. Apesar de ser fazendeiro, seu irmão e outros parentes
ocuparam as diretorias de diversas instituições financeiras. Quando analisamos a
trajetória de Itaboraí à frente da seção de fazenda, percebemos que ele
caracterizou-se na defesa dos interesses dos fazendeiros escravistas, sendo um
dedicado defensor da escravidão.
Mas essa defesa do escravismo não foi uma prerrogativa apenas de Itaboraí,
pois, ao analisarmos os pareceres emitidos pela seção de fazenda, referentes às
consultas feitas pelo ministério da fazenda, percebemos um imenso controle
exercido sobre as instituições financeiras, cujo fato mais latente foi o decreto de Lei
dos entraves de 1860, a qual Théo Piñero xxi definiu como sendo a vitória dos
fazendeiros sobre os negociantes. Essa lei determinava que os estatutos dos bancos
nacionais e estrangeiros, e quaisquer alterações a serem feitas no mesmo, deveriam
passar pela seção de fazenda do Conselho de Estado, o que configura uma postura
altamente protecionista, além de mostrar como o próprio conselho ia aumentando
seu poder. Entretanto esse controle, segundo João Fragoso xxii , não significou um
afastamento da elite financeira das grandes decisões da política econômica do
Império.
Para este autor o fato do Estado intervir no “mercado financeiro” não significou
que a elite financeira ficasse à margem do processo político, pois esta estava muito
próxima das agências financeiras do Estado, leia-se o Banco do Brasil, controlando
suas diretorias, uma vez que pertencer à diretoria do banco significava controlar o
crédito. Sobre este tema Piñeroxxiii afirma que uma vez derrotados na disputa pelo
controle do Estado Imperial os negociantes passaram a controlar o Banco do Brasil.
Isso nos faz entender que tanto proprietários de terras e escravos quanto
negociantes fizeram-se representar no bloco de poder e o Conselho de Estado foi o
principal locus gerador dessa dominação exercida pela classe mercantil-escravista,
pois muitos dos conselheiros de estado que ocuparam a seção de fazenda também
desempenharam a função de diretores de bancos e seguradoras, o que os aproximava
da elite financeira do império reforçando a ideia de que a existência de frações de
classes dentro do bloco do poder nem sempre significou um conflito de classes
dentro desse mesmo bloco e sim conflitos de interesses.
No que se refere à área financeira os conselheiros, principalmente os nomeados
para a pasta da fazenda, ocuparam vários cargos técnico-administrativos relativos à
estrutura burocrática do Estado, além de participar de instituições privadas.
i
MARTINS, Maria Fernanda V. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do
Conselho de Estado, 1842-1889. RJ, UFRJ, Tese de Doutorado (mimeo), 2005. Pág. 18.
ii
MATTOS, Ilmar. O tempo saquarema. A formação do Estado Imperial. RJ, Access, 1994
iii
FRAGOS, João L. Ribeiro e MARTINS, Maria Fernanda Vieira. “ Grandes negociantes, elite e política nas
últimas décadas da escravidão (1850-1880), in. FLORENTINO, Manolo e MACHADO, Cacilda (orgs.)
Ensaios sobre a escravidão. BH, Ed. UFMG, 2003.
iv
Ver também sobre este tema MATTOS, Ilmar. O tempo saquarema. Op. Cit.
v
RODRIGUES, José Honório. O Conselho de Estado: o quinto poder?
vi
CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras. Em especial o capítulo 4.
vii
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura.
viii
________________. Cadernos do cárcere, vol.3. Maquiavel: notas sobre o Estado e a política. Org.
Carlos Nelson Coutinho. Civilização brasileira, RJ, 2002.
ix
MENDONÇA, Sônia Regina de. O ruralismo brasileiro.
xi
MATTOS, Ilmar R. de. O tempo saquarema. Segundo este autor o Estado imperial fora fundado a partir da
liderança e hegemonia de um grupo político ligado ao partido conservador denominados de saquaremas.
xii
MARTINS, Maria Fernanda V. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do
Conselho de Estado, 1842-1889. Tese de Doutorado, UFRJ, 2005, mimeo.
xiii
MARTINS, Op. Cit. Págs.31-32.
xiv
THOMPSON, E. P. Tradicion, revuelta y consciencia de clase. Apud. MATTOS, Ilmar. O tempo... op.
Cit.pág. 4.
xv
PIÑEIRO, Théo L. Os simples comissários: negociantes e política no Brasil Império. Niterói, UFF, Tese
de Doutorado, 2002.p.12 e 13..
xvi
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na Praça do Rio de Janeiro. Op.
Cit.
xvii
FRAGOSO e MARTINS. Grandes negociantes e elite política nas últimas décadas da
escrvidão-1850-1880. in FLORENTINO, Manolo. Ensaios sobre a escravidão.
xviii
ELIAS, Norbert. Os alemães.Zahar, RJ, 1997.
xix
A saber, CARVALHO, José Murilo. O teatro das sombras. Op. Cit. E MARTINS, Maria Fernanda Vieira.
A velha arte de governar... Op. Cit.
xx
CARVALHO, José Murilo. O teatro... Idem. Op. Cit.
xxi
PIÑERO, Théo L. Os simples comissários... op. Cit.
xxii
FRAGOSO e MARTINS. “ Grandes negociantes e elite política nas últimas décadas da escravidão” in
FLORENTINO, op. Cit.
xxiii
PIÑEIRO, Théo L. O s simples comissários... op. Cit.
xxiv
MARTINS,Maria Fernanda V. A velha arte de governar... op. Cit. Pgs. 130-131.