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Cleimon Eduardo do Amaral Dias1, João Fert Neto1, Felipe José Comunello2, Moisés Savian2
48 Revista de Ciências Agroveterinárias. Lages, v.7, n.1, p.48-53, 2008 ISSN 1676-9732
Dias et al.
EMBRATER pela criação da segunda, através do com as questões anteriormente levantadas. Sobre isto
Decreto 75.373. Caporal e Costabeber (2004) sugerem:
A Extensão Rural no Brasil passou por vários “... orientações metodológicas
momentos. O primeiro foi ligado ao projeto desenvolvidas ainda na década de 60,
“educacional extensionista”, levado a efeito durante por Paulo Freire (1975; 1983), como a
os vinte primeiros anos (1948-68). O segundo, Investigação-Ação Participante (IAP),
iniciado em 1968 com as transformações que ou de importantes autores como
culminaram com a criação da EMBRATER e do Orlando Fals Borda (1980), que
SIBRATER, sob uma perspectiva da “transferência recomendam como método de
tecnológica”, manteve-se até o início da Década de intervenção, um enfoque de IAP capaz
80. A partir de meados dos anos 80 houve um debate de combinar pesquisa científica,
institucional, mas que todavia não conseguiu cristalizar educação de adultos e ação política”.
um novo projeto de assistência técnica ao homem do (Caporal e Costabeber,op. cit.).
campo, dando origem ao desmonte do serviço,
posteriormente reforçado pela ideologia do “Estado Na seqüência apontam que:
mínimo”, já na década de 90, até o fechamento da ““... teórica e
EMBRATER. metodologicamente, é básico para o
A partir da gestão empossada no Governo paradigma agroecológico compreender
Federal em 2003, o Ministério do Desenvolvimento o conjunto dessas orientações, pois elas
Agrário – MDA, através da Secretaria de Agricultura apontam para estilos de
Familiar – SAF, iniciou a reconstrução de uma política desenvolvimentos centrados na
nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, até participação. Nessa perspectiva o
à criação da PNATER. conhecimento local torna-se um
elemento central, assim como são
A AGROECOLOGIA NA PERSPECTIVA DA centrais e devem ser respeitadas as
POLÍTICA NACIONAL DE ATER. matrizes culturais dos diferentes grupos
A atual política de ATER está referenciada em sociais. (idem, ibidem).
um paradigma tecnológico baseado nos princípios da
agroecologia. Para o debate sobre a conceituação Outros autores servem como base para a
da agroecologia o MDA/SAF tem apoiado e política proposta e são citados no documento oficial
publicado iniciativas como as de Caporal e do Ministério, mas autores com Altiere e Gliessman,
Costabeber (2004), entre outros. Como os próprios ao mesmo tempo em que reforçam a visão norteadora
autores referiram-se várias de suas publicações da proposta são eles mesmos referência para Caporal
“guardam um fio condutor comum”. Esse fio condutor e Costabeber.
seria a associação entre a Extensão Rural pública e a
agroecologia, como campo de conhecimentos de QUEM É O NATIVO DETENTOR DO
natureza multidisciplinar, que pretende orientar a CONHECIMENTO LOCAL?
construção de estilos de agricultura de base ecológica É preciso agora identificar quem é o nativo,
e a elaboração de estratégias de desenvolvimento rural detentor do conhecimento local, que a agroecologia
sustentável (CAPORAL e COSTABEBER, 2004). trabalha através de enfoques metodológicos
As iniciativas de Caporal e Costabeber participativos, para poder se trabalhar com ele. Esta
parecem ser fundamentadoras da nova política de não é uma questão operacionalmente fácil. Se
ATER. Não é o caso de analisar as implicações da tomarmos uma definição restrita de que nativo é
agroecologia como base de apoio para estratégias apenas aquele agricultor que mantém uma cultura
de desenvolvimento rural sustentável; mas sim de autóctone, “não contaminada” pela tecnologia
analisar as implicações teóricas e metodológicas das capitalista, a extensão rural agroecológica ficará restrita
relações do conhecimento local / tradicional / nativo, a poucos grupos de agricultores: apenas aqueles cujas
culturas correm risco permanente de mas é ele quem detém o sentido desse sentido – ele
desaparecimento. Ao mesmo tempo, estará excluindo quem explica e interpreta, traduz e introduz, textualiza
da ATER a maior parte dos agricultores que dela e contextualiza, justifica e significa esse sentido. O
necessitam para viver; talvez até por já terem perdido discurso do nativo não detém o sentido de seu próprio
sua cultura tradicional e ao mesmo tempo não sentido.
poderem alcançar as tecnologias modernas mais O mesmo poder-se-ia dizer do extensionista
competitivas. No entanto, se alargarmos muito o agroecologista em relação ao agricultor nativo. Quem
enquadramento de nativo, englobando todos os dá sentido e insere a cultura (as técnicas tradicionais)
agricultores necessitados, corre-se o risco de do agricultor dentro da perspectiva agroecológica é
descaracterizar a proposta agroecológica, já que não o técnico. Como afirmou um agricultor: “nós fazemos
haveria mais conhecimento nativo autêntico a ser agora o que meu avô fazia só que agora [com a
valorizado. proposta de agroecologia] nós sabemos o porquê”.
Para equacionar esse paradoxo, é necessário Como, então, a partir desta idéia o
propor uma abordagem conceitual para a questão de antropólogo / agroecologista pode lidar com esse
saber quem é nativo. E para isto, parece útil uma nativo relativo e considerar o seu (o dele)
analogia à idéia de “nativo relativo”, do antropólogo conhecimento como verdadeiro? Várias alternativas
Viveiros de Castro (2002). Esse autor considera que podem ser buscadas. Não é intenção deste texto dar
só se é nativo em relação ao antropólogo; ou seja, a conta de responder a isto, mas pode sugerir algumas
partir de uma relação social entre o antropólogo (o posturas epistemológicas, como a de abordar o
“observador”) e o nativo (o “observado”). O que faz conhecimento nativo através de uma visão
do nativo um nativo é a pressuposição, por parte do antropológica simétrica, como sugere Latour (1994
antropólogo, de que a relação do primeiro com a sua e 2000), que trata o conhecimento nativo e o
cultura é natural; isto é, intrínseca e espontânea e, se científico como sócio-lógicas distintas, mas
possível não reflexiva; melhor ainda se for inconsciente. equivalentes. Da mesma forma, pode-se partir do
O técnico agroecologista pode ser visto pressuposto de que ambos os conhecimentos não são
como o antropólogo. Como conseqüência qualquer totalidades fechadas em si, como aponta Guivant
um pode ser nativo, já que esta classificação é (1997), reconhecendo a existência de uma
resultado de uma relação específica. O nativo não é, heterogeneidade de conhecimento, o que permitiria
necessariamente, um selvagem ou tradicional morador uma maior margem de manobra para a intervenção.
local. Já o antropólogo é alguém que discorre sobre Há ainda uma questão que pode ser levantada:
o discurso de um nativo. Mesmo que ambos é plausível falar em conhecimento nativo / tradicional
compartilhem a mesma cultura há uma relação de / local no atual estágio de modernidade e de
sentido distinta. globalização intensificadas? Se o binômio tradicional
Como observa Viveiros de Castro (op. cit.), / moderno não responde mais ao modo extensionista
o antropólogo usa necessariamente sua cultura; o de ver o mundo, então qual o significado da extensão
nativo é suficientemente usado pela sua. Essa rural hoje?
perspectiva subverte a idéia antropológica (e
agroecológica) de cultura, a qual coloca o antropólogo A EXTENSÃO RURAL E O CONHECIMENTO
em posição de igualdade de fato, mas não de direito, NATIVO NO CONTEXTO DA
com o nativo, uma vez que todo conhecimento MODERNIDADE
antropológico de outra cultura é culturalmente Desde as suas origens a extensão rural esteve
mediado. Essa igualdade não é de direito porque não ligada aos esforços para levar a modernização ao
se verifica no plano do conhecimento, já que o campo. Sua relação com a modernidade pode ser
antropólogo tem uma vantagem epistemológica sobre visualizada a partir de dois pontos de vista distintos.
o nativo; o discurso do primeiro não se situa no mesmo Por um lado, através da configuração histórica, que a
plano que o discurso do segundo. O sentido que o liga à expansão do industrialismo na agricultura (seu
antropólogo estabelece depende do sentido nativo, papel na “revolução verde”, por exemplo), onde se
firmou como uma prática social institucionalizada, cuja manipulando e tirando vantagens dos recursos e dos
característica principal tem sido a transmissão de processos naturais, mas o conhecimento científico
conhecimento técnico-científico para agricultores e o nativo são pressupostos como totalidades
considerados tradicionais. Nessa perspectiva o homogêneas sem significativas diferenças internas. A
desenvolvimento é visto como um movimento associação linear entre o conhecimento nativo e os
progressivo em direção a uma forma de sociedade princípios agroecológicos pressupõe uma
moderna. Esses pressupostos foram incorporados às interpretação estática da história, sem considerar que
práticas extensionistas, determinando o papel que a os atores sociais e seus conhecimentos estão
extensão rural deveria cumprir nas políticas de geralmente envolvidos em processos de mudança
desenvolvimento, contribuindo para configurar as (GUIVANT, 1997).
relações entre técnicos e agricultores, assim como o Dessa forma, coloca-se para a extensão rural
próprio conteúdo da ação. O conhecimento técnico- o desafio de situar-se nesses debates, uma vez que o
científico neste caso é colocado sob o ponto de vista processo extensionista pode ser visto como “invasão
da modernidade simples (FERT e DIAS, 2002). cultural”, no sentido atribuído por Freire (1983), sem
Por outro lado, olhando do ponto de vista da incorrer em simplificações sobre os significados dos
modernidade reflexiva, a intervenção não deixa de conhecimentos, agência dos agricultores e relações
ter um sentido modernizante, pois tende a influenciar de poder envolvidas nas propostas participativas.
a mudança de situações “locais” e “tradicionais” para
uma outra situação, na qual as redes de conexões CONCLUSÕES
são globais e não-tradicionais. A extensão rural
também é colocada como um elo entre as práticas O serviço de Extensão Rural, nascido há mais
dos agricultores e o conhecimento técnico-científico de 50 anos, perdeu o passo com as transformações
produzido por especialistas, mas, num contexto de ocorridas no mundo. As bases teóricas e o contexto
modernidade intensificada, o conhecimento técnico- social atual já não são os mesmos. A Política Nacional
científico tende a assumir um caráter distinto, pois ele de ATER, baseada fundamentalmente na perspectiva
deixa de ter um sentido evidente em direção ao da agroecologia, é uma tentativa em responder às
“progresso”, tal como na modernidade simples, necessidades sentidas principalmente pelos
passando a constituir-se como uma inserção (input) agricultores de retorno desse serviço. Porém, a
de conhecimento a ser aplicado reflexivamente. perspectiva agroecológica baseada principalmente na
Mesmo quando se trata de “resgatar” o valorização do conhecimento nativo ainda carece de
conhecimento nativo. Isto implica na aplicação de definições do tipo: quem é o nativo? E como atender,
conhecimento perito sobre as práticas cotidianas, pois, no contexto agroecológico, agricultores que
sob a influência da globalização, há uma tendência a aparentemente tenham perdido o conhecimento
se intensificarem os processos de nativo?
destradicionalização, de forma a provocar o Para resolver essas questões é necessário
esvaziamento dos contextos locais de ação, o que retomar os debates teóricos e repensar as práticas
coloca para os atores afetados a necessidade de uma extensionistas. O esforço esboçado neste trabalho na
reordenação reflexiva desses contextos (GIDDENS, tentativa de contribuir na construção de novos
1996, p. 97). referenciais, imprescindíveis a um trabalho
O resgate do conhecimento nativo requer o conseqüente em Extensão Rural na perspectiva da
desenvolvimento de metodologias adequadas, que por agricultura familiar e dentro da ótica agroecológica,
sua vez requerem formulações teóricas que as neste momento de retomada da política pública federal
fundamentem (SCOONES e THOMPSON, 1994). para Assistência Técnica e Extensão Rural, aponta
A proposta da agroecologia de recuperação do para duas possibilidades: a de pensar o nativo como
conhecimento nativo tem contribuído para chamar a relativo, na perspectiva de Viveiros de Castro (op.
atenção sobre a riqueza dos mesmos, especialmente cit.); e a do entendimento do atual momento histórico
na sua capacidade de lidar com problemas ambientais, a partir das reflexões de Giddens (1991 e 96) a cerca