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Percorri caminhos “de antes de eu nascer”, renasci e cresci.

Recolhi tesouros feitos de palha e de tempo. Coloquei-os aqui, à


disposição dos que queiram conhecê-los. Não apenas para que vejam
seu brilho, mas, principalmente, para que reconheçam que cada um
de nós possui o seu próprio tesouro e que a riqueza está no valor que
damos a ele.
Neste livro mostro algumas partes da grande e colorida colcha,
que me foi dada a tecer com os retalhos da vida. Colcha que começou
antes de mim e que continuará, por outras mãos, quando eu for
apenas lembrança.
Espero que gostem, escrevi este trabalho com o mesmo carinho
que faço café com broa para meus amigos.
A autora.

1
Antes de mim

Minha mãe era menina, passeava de trem e via a vida pela


janela. Meninos na estação sorriam para sua beleza. Meu avô,
guarda-chaves, brincava com os trilhos desenhando o melhor
caminho. Em meio a “encontros e despedidas” as estações floresciam
e alegravam o lugar.
A menina passava no trem,
que passava nos trilhos,
que passavam pela história,
que passava pela vida,
que passava...
que passava...
Correndo por trilhas, tocando burro, tirando leite, buscando
lenha, capinando a roça, crescia meu pai. Acostumado a trabalhar
desde menino para ajudar no sustento da família. Além de todos os
afazeres da roça, aprendeu também a desenhar seu nome, fazer
contas e distinguir as cores.
O tempo e o sonho trouxeram o menino, agora rapaz, para a
cidade. Já podia tirar carteira de motorista. Fez isso e começou a
trabalhar de ajudante de caminhão. A menina, agora moça, estudava
e aprendia a costurar, aprendendo a ser uma ótima dona de casa,
“enquanto seu lobo não vinha”.
Em meio a ilusões impostas, caminhos improváveis e
incoerentes, nosso país também buscava o crescimento. Em nome
dessa tão desejada “evolução” nossos trens começaram a ser
substituídos por caminhões, por ônibus, até se tornarem apenas uma
bonita história que meu avô me contou.

Maria-fumaça

Ferrovia virou saudade,


Maquinista virou lembrança,
Trem de ferro sumiu da estação.
Moça na janela,
Apito de trem,
Flor da primavera
Foi-se embora também.
Mina d’água no fim do túnel
Mata a sede da cidade
Sem trilhos e sem caminhos,
Com Marias sem fumaça
a esperar na estação.

Cidades que cresceram a partir das ferrovias e que depois


perderam seus trilhos, parecem ter ficado à margem de um rio que
secou antes de ter matado a sede de seus peixes. O progresso, tão

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esperado e prometido, não tarda, mas falha. Ele vem correndo, chega
por todos os lados, porém, pisa nas flores.

3
Chegança

Noite de lua-grande, noite longa, contada por contrações e não


por horas, anunciou que chegava a hora esperada por nove meses.
Seria menino ou menina? Naquele tempo ainda não havia métodos
práticos e eficientes de se estragar as bonitas surpresas enviadas por
Deus, por isso as mães tinham sonhos plurais. O de manhã chegou!
O frio do finalzinho de junho não trazia a ninguém coragem para se
aventurar ao mundo do lado de fora. Porém a curiosidade pela
claridade foi maior e nessa manhã do ano de 1972, saí para ver o sol.
Era dia de São Pedro, haveria fogueiras e festas por todo o lado, o
que me animou ainda mais. Porém, na novidade de nascer, acabei
bebendo água-de-parto e tive que ficar internada por três dias. Logo
que saí do hospital recebi do Vô Tatão uma minúscula medalha de
Nossa Senhora Aparecida, que já o acompanhava por muitos anos.
Gosto de usá-la em ocasiões que preciso sentir a segurança de seu
colo. Para selar minha sorte, Vó Lourdes recomendou que minha mãe
me “desse” para “a lua criar” dizendo assim:
“Lua, luar!
Pegue a Mirian Cristina
E me ajude a criar
E depois de criada
Torne a me dar!”

Depois de crescida, minha mãe me contou essa história, o que me


inspirou a compor esta música:

Mistérios de Amar

Lua, luar!
Óh lua mãe do clarão da noite!
Óh lua mãe do meu cantar!
Pega em seus braços a linda criança,
E lhe ensina a caminhar.

Mostra-lhe os campos onde floresce,


A linda flor do bem querer,
Pra que a flor do seu coração
Só tenha pétalas de bem-me-quer.

Ensina a ouvir o canto do vento


E a sorrir quando o sol despontar,
Trazendo todas as cores pra terra
E um novo brilho pra cada olhar.

Faz ver que a chuva traz o fluido da vida,


Molhando o chão para a roça brotar,

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E que a mãe terra é como o coração,
Nela se colhe o que se plantar.

E depois que souber os caminhos dos rios,


Depois que souber os segredos do mar,
Por favor lhe ensine, mãe lua,
A compreender os mistérios de amar.

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Bons assombros

Todo o mal se escondia atrás da porta do vizinho, sempre


fechada. Olhávamos por baixo dela e a escuridão guardava os
porquês de nosso medo. Pelo lado da casa de meus avós, passava
um homem de chapéu, vestido de branco, que era visto pela janela,
indo em direção ao fundo do quintal, mas sempre sumia antes de
chegar à porta da cozinha. Ninguém sabia se ele trazia ou buscava
novidades, talvez o motivo de suas visitas fosse uma saudade
moldada em outras vidas...
Em noites frias Vô Tatão e Vó Judith nos contavam histórias
assombrosas, como o caso dos dois bebês, gêmeos, que à noite
viravam porcos e por isso tiveram que ser mortos com uma agulha
fincada na moleira.
O Neca, pobre negro, de poucos dentes, em noites de lua cheia
ia até uma porteira que ficava no alto da estrada, atrás do bairro dos
Ingleses, em Rio das Flores, e vencia toda sua precariedade, virando
lobisomem. O avô do Grilo foi quem viu e cuidou de contar para a
criançada do bairro.
Antes nosso medo vinha das criaturas encantadas, hoje, vem
das desencantadas. O que nos espantava, nos surge como recurso de
retorno à felicidade. Por isso vivemos buscando um cavalo que surja
correndo no pasto, com a crina e o rabo trançados, para termos
certeza de que o Saci existe, resiste e que há reservas de sonhos
ainda intactas, prontas para suprirem nossa devastação cotidiana.

Pula saci, sai daqui


Me leva pro mato com’ôce
Feito criança a sorrir
Desaprendendo a sofrer.

Quero viver por aí,


Com os pés pra trás, curupira,
Sem saber se estou chegando
Ou se é tudo mentira.

Lobo que surge com a lua


Homem que vive a vagar
Feito um amor clandestino
Num barco à deriva, sem mar.

Tambor de couro e coragem,


Poesia de Coralina,
Vida, viola, viagem.
Fitas, cabelo, menina.

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Felicidade

Bonecas de pano, cavalos-de-pau, barcos-de-papel. Petecas


com penas coloridas, lembranças de vôo. Meias velhas virando bolas.
Cirandas imitando o movimento do mundo em torno de meninos-sóis.
Cinco pedrinhas e todo o desafio do mundo nas mãos. A balança
amarrada ao galho assistia ao vai-e-vem da árvore.

7
Camun

Camun?! Ué, mas Camun de quê? Ora, é de camundongo


mesmo, por causa do formato das orelhas. É assim que eu chamava
meu afilhado Marcel.
“Menino-homem”! Veio de encomenda. Tia Ção disse que queria
um filho bem arteiro. Os anjos disseram amém e lhe deram um,
como diria o Vô Tatão, do “cu riscado”.
Nessa época eu tinha dez anos, ainda menina e já escolhida
para madrinha. Não tive dúvidas, assumi meu posto com todas as
honras esperadas e dores não sabidas.
Éramos companheiros, participava com ele de todas as
brincadeiras de menino, que, aliás, sempre foram minhas favoritas.
Bolinha-de-gude, futebol, pipa, piques, estilingue, carrinho-de-rolimã,
eram algumas delas. Ouvíamos músicas. Ele gostava de funk, mas
também do Legião Urbana e de boas músicas de viola. Certa vez
resolveu aprender tocar violão, então lhe dei um, mas foi só “fogo-
de-palha”.
Depois que terminei a faculdade, fiquei desempregada alguns
meses, até que um dia ele disse:
- Madrinha, eu acho que estão precisando de professora lá na
minha escola, porque nós estamos sempre saindo mais cedo. Vai lá!
Fui verificar e estavam mesmo, no dia seguinte já estava
trabalhando.
Herdou minha paixão pela vida caipira, adorava roça e cavalos.
Prometi que lhe daria um quando fizesse 15 anos, só que na data do
aniversário não tinha dinheiro suficiente, por isso lhe abri uma
poupança com o quanto podia e lhe dei a foto de um cavalo. Com o
tempo, foi fazendo trocas, juntando dali e daqui. Um belo dia
apareceu com uma égua, a Castanha, que estava prenhe. Ficamos na
expectativa para o parto. Numa noite bem estrelada ele chegou
gritando no portão da minha casa.
- Madrinha! Madrinha! Vai nascer, madrinha!!
Então fomos correndo. Nasceu uma egüinha linda, em homenagem à
noite pôs seu nome de Estrelinha. Tirou uma foto junto com ela e me
deu, com dedicatória dele e “dela”. Com o tempo foi enjoando e
acabou se desfazendo dos animais.
À medida que foi crescendo, nos afastamos um pouco. Ele tinha
amigos, namorada, mas mesmo assim sempre gostava de me ver
tocando viola, de contar suas proezas. Com dezoito anos foi para o
exército, estava se dando muito bem, era um dos melhores de seu
batalhão. Um dia me contou todo orgulhoso que só ele e mais dois
rapazes tinham conseguido manobrar um helicóptero, através de
sinais para o piloto. Vinha passar os finais de semana em sua casa,
vizinha da minha. O de sete de julho de 2001 foi o último. Passou o
dia ajudando as meninas do time de futebol, estava em paz com sua
mãe e seus irmãos. À noite, namorou, deixou sua namorada em casa,

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depois resolveu se meter num acerto de contas de uns conhecidos
em uma outra rua do bairro. Não voltou mais!
Seu adeus teve honras militares. Tudo que eu queria era poder
pegá-lo no colo e cantar para que dormisse em paz, então lhe escrevi
essa canção. Canção pra ninar “menino grande”, bravo e valente feito
os marimbondos...

Marimbondo-de-fogo

Dorme menino!
Dorme menino!
Dorme menino,
Marimbondo-de-fogo!

Voa nos campos,


Dá um cheiro em cada flor,
Voa no espaço
e visita cada estrela.

Pede a Saturno
Um anel pra namorada
E pede a lua pra contar
Histórias de amor.

Corre menino!
Voa menino!
Dorme menino,
Marimbondo-de-fogo!

Se acalme agora,
Não precisa chorar mais,
Escorregue pelo arco-íris
E vá buscar o seu pote de paz.

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Sabiá

A casa onde ainda habita minha infância foi plantada no alto do


morro, como um mirante, por onde eu comecei a ver o mundo,
avistando a delicada e aparente inércia da cidade, cravada nas
montanhas de Minas. Seu quintal era cheio de cores, bordadas por
avencas, rosas, tapetes, palmas que enfeitavam os novembros, ervas
para chás, verduras, goiabeiras, pés de manga que emprestavam
seus galhos para fazermos balanços, parreira de uvas, uma laranjeira
que era minha porque fui eu quem ajudou a plantar, e muitas outras
frutas, sempre visitadas por passarinhos muito bem vestidos que
barganhavam canto por doçura.
O Vô Tatão tinha o hábito de apanhar a goiaba mais bonita e
guardar para mim. Certo dia, anos depois de sua morte, em uma de
minhas visitas à casa, vazia há anos, entrei pelo portão de tábuas já
bem velhas, fiquei andando pelo terreiro, cumprimentando minhas
melhores lembranças. Distraída, nem me preocupei em visitar as
goiabeiras, pois não era época de darem frutas. Além disso, grande
parte delas havia morrido de velhice ou saudade. Quando estava na
porta da cozinha, me senti observada. Quem estaria ali? Olhei para o
lado e lá estava, como um presente, linda e viçosa, uma goiaba
madurinha, única no pé. Tive certeza de que estava guardada para
mim. Muitas árvores renasceram, por isso, os passarinhos que
andavam meio sumidos, voltaram voando, dando continuidade às
suas cantigas de encantar as frutas e ninar a noite. A sabiá, dona do
quintal, continua dizendo:
- “Bem feito coió, bem feito! Bem feito coió, bem feito!”

A sabiá que cantava


No quintal do meu avô
Quando eu era menina
Ainda canta.
Será então que ainda sou menina?
Sou sabiá?
Ou sou saudade?

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Folias

Cresci vendo as folias passarem. Todo fim de dezembro


esperávamos por elas. Era natural, não precisava de explicações e
nem causava espanto. Para mim elas existiam no mundo inteiro e
seriam para sempre. Gostava de ver os palhaços pularem na rua e
falarem versos engraçados, com suas máscaras sempre
assustadoras. Muitas vezes recebíamos a folia inteira para cantar, era
muito bonito, mas eu não conseguia entender as letras, só sabia que
louvavam o Menino-Jesus. Era o bastante. Outras vezes, recebíamos
apenas a bandeira, que levávamos a todos os cômodos da casa,
garantindo proteção para o ano inteiro. Depois beijávamos suas fitas
e dávamos um trocado para ajudar nas despesas do grupo e da festa
do Dia de Santos Reis.
Quando passava uma folia perto da casa da Vó Lourdes, ela
dizia:
- Deixa procês vim tocá aqui em casa por último, pra mó
d’ocêis merendá!
Enquanto eles visitavam as casas vizinhas ela preparava a mesa com
tudo de mais gostoso que tivesse, broa, biscoitos, pão, queijo, sem
faltar o bom café, bem ralinho. Tive a alegria de poder ajudá-la
algumas vezes.
Tentando alcançar o tempo, guardador de todas as novidades,
a tempo do próximo ônibus, por pouco não percebi que estava certa.
As Folias são para sempre!

Folia pra meus Avós

E a família já aprepara a festa, oi,iai


Soca farinha que a folia vai chegar
Dona da casa arrecebe a bandeira
E dá licença pros cantadô chegar
Mas os palhaço só faz festa no terreiro
Pois nos lar Santo eles não pode entrar
O povo canta, agradece as alegria
E pede força pra vencer horas de dor
Que para o ano só beleza e harmonia, oi io
Componha os versos das modas do cantador.

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Alan

Assim, que nem picada de burro, caminho que vai sendo aberto
ao ser caminhado. Por aqui? Por ali? Cada um vai fazendo o seu.
Muitas vezes cruza com outros, muda seu rumo, mas ninguém sabe
na verdade se a direção tomada foi escolhida agora, surgida no de
repente das coisas ou se o trajeto já nos foi inteirinho soprado no
ouvido, enquanto dormíamos no sonho de nossas mães. Assim
seguimos. Algumas pessoas, por vezes tangenciam nossa trilha,
cruzam, outras vão paralelas e tão de perto que podemos lhes dar a
mão. Assim nos tornamos parte do caminho umas das outras.
Num desses encontros conheci o Alan. Feito de sonho e
delicadeza. Tocava violão, compunha, escrevia lindos poemas, além
de ser um grande companheiro.
Hoje, já seguiu seu caminho, tornou-se uma sempre-viva, flor
perene no jardim de nossa lembrança.

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Diadorim

Como diz o Guimarães, “...o sertão é dentro da gente...” Tudo


que nele há de belo e de só, cabe no espaço de um suspiro da
lembrança. Nas veredas da vida encontramos muitos companheiros,
moradores de sertões diversos. Vejo que muitos de nós acabam
sendo Diadorim, não nos fingindo de homens, mas escondendo a
delicadeza como forma de resistência. Adaptamos nossa percepção à
nossa condição de sobrevivência. No caminho das tropas é urgente
ser jagunço e perigoso ser flor.

Gruta do Maquiné

E eu que pensava que pedra era só pedra, total e suficiente.


Sem meio, sem tempo ou memória. Fruta sem caroço, sem oco, sem
espaço.
Como se sonhasse ou fosse uma personagem de Júlio Verne,
estive dentro de uma e conheci o avesso do mundo.
Por dentro do que há dentro, alguns segredos nos iludem
parecendo mostrar-se. Miragens de sonhos escorridos de pedras,
molduras de eternidade.
Choro de pedra, é pedra; gozo de pedra, é pedra; que se molda
e vira flor, onde as pétalas brincam, como bem-me-queres do tempo.
No oco da pedra, um mundo; no fundo de tudo, um eco; no
final do eco...comecinho de mim.
Enquanto isso, o morcego de cristal, impassível, medita sobre
nossos limitados para-sempre.

Moderno

Nos relógios sem tic-tac


O tempo passa em silêncio.

Timidez

A poesia desperta
Me sorri
E, envergonhada,
Se esconde atrás da porta.

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Incômodo

O eco das palavras não ditas


Atormenta meu desejo.
Cerrado

Poema retorcido
Urgente em ser lido.

Cotidiano

Todos os dias a periferia se desloca


Para dar vida ao centro da cidade.
Ônibus lotados...
Caminhos de resistência...
Ir e vir de sonhos cansados,
De desejos contidos ou negados.
A delicadeza resiste ao caos e pergunta:
- Quer que eu leve sua bolsa?
Aos poucos, destinos diários
Somam-se a esperanças eternas
E pontualmente
Batem o cartão.

Busca

Tendo a pele dourada e a alma esculpida


Pelas mãos de nossos antepassados,
Viajamos pelo vento,
Visitamos estrelas jamais imaginadas,
Ouvimos toques,
Velhos tambores cadenciam nossa existência
Enquanto juntos,
Buscamos a flor da eternidade.

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Fênix

Superar o fogo
Por amor a flor...

Superar o fogo
Por amor ao fogo...

Superar a flor
Colher o fogo.

Queimar-se.
Renascer.

Flor-fênix.

Navegação

Se meu desejo coubesse num poema,


Escreveria numa folha branca
E faria um barco de papel.

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