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CAPITALISMO NA ERA DO COMPUTADOR1

Tessa Morris-Suzuki

Norbert Wiener, no início dos anos 60, previa um paralelo entre o processo de
automação e a natureza da magia, como foi retratado em inúmeras fantasias,
desde a história de Goethe sobre “O Aprendiz de Feiticeiro” até “A pata do
macaco” de W.W. Jacob. A característica da magia nessas histórias é sua
literalidade. Concede aos usuários da magia exatamente o que eles pedem, mas
isso, no final, nunca é o que eles pretendem ou desejam. O uso da magia,
portanto, traz consigo uma quantidade inimaginável de perigos . 'Automação',
observou Wiener, '... pode-se esperar que tenha um comportamento igualmente
literal.'[1] Em meados da década de 1980, essa previsão parece particularmente
adequada. Nas últimas duas décadas, administradores de países capitalistas
avançados consideraram a automação baseada em computador a cura mágica
para dois de seus problemas mais prementes: a compulsão por reduzir custos
(principalmente os custos de mão-de-obra) e a necessidade de aumentar a
autoridade e o controle da empresa sobre sua força de trabalho. [2] Na busca de
níveis mais altos de automação, contudo, eles inadvertidamente iniciaram
profundas mudanças no funcionamento da própria economia mundial
capitalista: mudanças cujas conseqüências não eram previstas nem desejadas,
na maioria das vezes. Por um lado, a introdução de novas tecnologias contribuiu
para o aumento dos níveis de desemprego estrutural e, portanto, para a
estagnação da demanda e o agravamento das crises sociais no mundo
industrializado. Por outro lado, as diferentes habilidades de diversas sociedades
para se adaptar à automação agravaram as disparidades internacionais no
desenvolvimento e provocaram crescente fricção nas transações comerciais.

A automação e as mudanças econômicas resultantes também colocaram


problemas para a esquerda no mundo industrializado. As crises sociais
induzidas pela automação não resultaram em um aumento da atividade política
radical, mas parecem ter produzido, mais frequentemente, apatia, anomia e
desespero. A participação dos trabalhadores nos movimentos sindicais está em
declínio em muitos países, enquanto as ofensivas políticas mais bem-sucedidas
da década de 1980 vieram da direita radical e não da esquerda.

Acredito que uma das razões para essa virada está no fracasso da esquerda em
aplicar análises sérias às transformações econômicas implícitas no crescimento
da automação e no movimento de grandes empresas, em direção às atividades
de produção de informação. As interpretações mais popularmente influentes
vieram de neoconservadores que vislumbram uma utópica sociedade da
1
Tessa Morris-Suzuki, New Left Review I / 160, novembro-dezembro de 1986.
Traduzido do original para o português por Agliberto Pessoa da Silva, Alfredo Maciel da
Silveira e Sergio Augusto de Moraes, novembro, 2019.
2

informação em que o uso criterioso da tecnologia resolverá espontaneamente as


contradições do capitalismo industrial. [3] Em resposta a essas fantasias, os
escritores de esquerda adotaram, normalmente, uma de duas posições
contrastantes: ou negaram que a "revolução da informação" contemporânea
represente qualquer mudança fundamental na natureza do capitalismo, ou
argumentaram que isso significa a agonia de morte do sistema capitalista.
Nenhuma dessas posições me parece defensável. O que é necessário, ao invés,
são perspectivas novas e críticas sobre as profundas mudanças econômicas
pelas quais estamos passando - mesmo que, para citar Wiener novamente, isso
envolva "um risco real de heresia". [4]

Em um artigo anterior, [5] tentei dar alguns passos nessa direção argumentando
que o crescimento da chamada "economia da informação" poderia ser explicado
em termos da teoria do valor trabalho. Meu ponto de partida foi a hipótese de
Ernest Mandel de que a automação generalizada representa o 'limite interno do
capitalismo', uma vez que o uso reduzido da força de trabalho viva na produção
acabará impossibilitando as empresas de extraírem a mais-valia de que
precisam para sobreviver e crescer. [6] Em contraste a essa visão, sugeri que,
em uma economia altamente automatizada, a criação de mais-valia poderia ser
mantida, pelo menos, por um período bastante prolongado, canalizando o
trabalho vivo para a "geração incessante de novos produtos e novos métodos de
produção". Isso explicaria por que a disseminação da automação nos países
industrializados mais avançados foi acompanhada pela chamada “softenização
da economia” - processo pelo qual elementos não materiais, como pesquisa,
planejamento e projeto, passam a constituir uma parcela cada vez maior do
valor total da produção.

Meus argumentos foram posteriormente contestados por Ian Steedman, [7] que
aceitou a urgência de discutir as consequências da automação, mas considerou a
teoria do valor trabalho um referencial teórico inadequado. Para demonstrar
isso, Steedman voltou sua atenção para a visão de Mandel de uma economia
totalmente automatizada. A imagem marxista tradicional da automação total é
aquela em que nenhum trabalho é realizado e, portanto, nenhum valor é
produzido. O capitalismo, e na realidade a atividade econômica, em qualquer
sentido da palavra, deixa de existir. Steedman propôs, ao contrário, que, ao
aplicar um modelo simples do tipo Sraffa a uma economia totalmente
automatizada, era possível demonstrar que os lucros continuariam sendo
gerados. 'O que é revelado pela automação total', escreveu ele, ‘não é o "limite
interno" do capitalismo, mas o "limite interno" da teoria do valor trabalho e a
teorização da mais-valia’. [8]

Uma resposta aos comentários de Steedman poderia ser uma longa defesa da
teoria do valor trabalho, mas não pretendo fazê-lo. O debate entre os neo-
ricardianos e os adeptos da teoria tradicional marxista do valor trabalho foi
travado amplamente e em muitos campos de batalha. [9] De vez em quando, de
3

fato, parecia estar em perigo de afundar em um atoleiro de confusões


semânticas. Neste artigo, gostaria, ao contrário, de usar alguns comentários
gerais sobre a posição de Steedman como base para dar mais alguns passos no
caminho de uma crítica à "sociedade da informação". Esses passos, como se vê,
apontam para uma conclusão que é ao mesmo tempo intrigante e perturbadora:
a saber, que nem o neo-ricardianismo nem a teoria tradicional do valor trabalho
fornecem uma base totalmente adequada para uma análise da mudança
econômica contemporânea.

A base humana da economia

Existem duas abordagens fundamentalmente diferentes para o estudo de


sistemas econômicos. O primeiro, baseado no paradigma da física newtoniana,
tenta revelar leis imutáveis que governam o funcionamento da economia em
todas as fases do desenvolvimento humano; o segundo, baseado no paradigma
evolucionário, reconhece a existência de descontinuidades radicais, nas quais
novos sistemas governados por novos conjuntos de leis evoluem das estruturas
do antigo. Uma das maiores contribuições de Marx ao pensamento econômico
foi a articulação coerente que ele deu ao segundo ponto de vista. A análise de
Sraffa da economia também é claramente, se não explicitamente, baseada na
especificidade das estruturas sociais e econômicas. Ele assume a existência de
um sistema capitalista de produção, no qual um excedente é produzido pelo
trabalho humano, exercido dentro de unidades econômicas privadas e sob livre
concorrência. As idéias que ele desenvolve, no entanto, não podem
simplesmente ser transferidas de um cenário capitalista para um sistema
socioeconômico onde essas leis não prevalecem mais.

A imagem de uma economia totalmente automatizada é, obviamente, uma


abstração, delineada para mostrar a lógica última de encadeamentos
particulares do pensamento econômico. Na versão de Steedman, esse mundo
imaginário é visto como muito parecido com o mundo capitalista atual, exceto
pelo fato de não conter nenhum trabalho humano. Os robôs não apenas
produzem bens, mas também se autoreproduzem, recriando continuamente um
excedente a ser distribuído entre os proprietários dos meios de produção.
Preços e lucros continuam a existir e fórmulas matemáticas relativamente
diretas podem, em princípio, ser usadas para analisar suas inter-relações. O
problema aqui é que - como acontece com muita facilidade - a elegante
matemática do sistema neo-ricardiano foi separada de sua base no mundo real.
As origens da idéia ricardiana de excedente remontam aos fisiocratas, que viam
o excedente econômico fundamentalmente como algo produzido pela natureza
e, portanto, acreditavam que somente a agricultura era capaz de gerar
excedente. Como Marx enfatizou, no entanto, para "excedente" ter um
significado econômico, ele deve sempre ser o produto de uma interação entre os
seres humanos e o mundo material, uma vez que somente os seres humanos
conferem valor às coisas no sentido econômico. Ainda mais, quando a
4

manufatura entra em cena, o 'excedente' não assume mais a forma de um


excesso quantitativo de produção sobre insumos, mas envolve uma mudança
qualitativa pela qual o valor é agregado aos materiais por meio da intervenção
do conhecimento humano.

Sraffa de fato, reconheceu tudo isso. [10] Mas seu modelo de produção com
excedente cria enormes dificuldades filosóficas quando aplicado a um mundo
em que literalmente nenhum trabalho é realizado e as necessidades dos seres
humanos são atendidas inteiramente por máquinas pré-programadas e que se
autoreproduzem. Mesmo que algum padrão peculiar de divisão da riqueza e de
indivisibilidades de escala garantisse a sobrevivência da propriedade e da troca
privadas, essa troca pareceria aos seres humanos como uma lei do mundo físico
que opera além do alcance de sua intervenção. 'Excedente' existiria apenas no
mesmo sentido em que a auto-multiplicação das células sanguíneas em nosso
corpo cria 'excedente'. Nós teríamos - não somente como Steedman concebe –
apenas saído das premissas da equação marxiana fundamental, mas teríamos
ido totalmente alem do domínio da economia.

Excedente de conhecimento

O mundo de ficção científica da economia totalmente automatizada é


importante apenas se nos ajudar a entender os processos reais do
desenvolvimento contemporâneo. Em meu artigo anterior, sugeri que uma
característica essencial desse desenvolvimento não é simplesmente a automação
da produção, mas uma mudança no foco da atividade econômica da produção
de bens para a produção de conhecimento como uma mercadoria. Isso acontece
de três maneiras. Em primeiro lugar, à medida que as empresas introduzem
equipamentos controlados por computador na produção, sua força de trabalho
humana passa a se concentrar cada vez mais nas áreas de planejamento,
pesquisa e projeto: modificando e desenvolvendo perpetuamente o
conhecimento a ser aplicado na fabricação de bens materiais . Nesse caso, a
empresa não vende realmente as informações como uma mercadoria, mas as
usa para aumentar o valor de seus produtos finais. Em segundo lugar, um
número crescente de empresas começa a se especializar na produção e venda de
'informações para a produção' como mercadoria, isto é, de projeto, software,
bancos de dados etc. que serão usadas por outras empresas em seu processo de
produção. Em terceiro lugar, há também uma expansão na produção e venda de
'informação de consumo', na forma de livros e periódicos, programas de
televisão, vídeos, software de computador doméstico e assim por diante.

As dificuldades de classificar e quantificar a produção de informações dificultam


bastante a documentação dessa tendência. Grande parte dos trabalhos recentes
sobre economia da informação se baseou na definição de Marc Uri Porat do
'setor de informação', abrangendo todos os trabalhadores que se ocupam,
principalmente, com o manuseio e processamento de símbolos. [11] Mas essa
definição enormemente ampla agrupa inevitavelmente ocupações cujos
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conteúdos e funções econômicas são totalmente diversas. Como Charles


Jonscher salienta, é importante distinguir entre "o trabalho que contribui para o
estoque de conhecimento a longo prazo, ou capital, e o que está ocupado com a
coordenação e o gerenciamento da atividade econômica atual".[12] A primeira
categoria corresponde mais ou menos à 'indústria do conhecimento' definida
pelo pioneiro da economia da informação, Fritz Machlup: [13] inclui pesquisa e
desenvolvimento, educação, publicação e radiodifusão, enquanto a segunda
categoria incorpora atividades como gestão, contabilidade, compra, venda e
corretagem, trabalho de escritório.

Jonscher argumenta que essa segunda forma de trabalho de 'coordenação e


gerenciamento' é a principal responsável pelo crescimento do setor de
informações e, portanto, a análise dele tem pouco a dizer sobre o crescimento da
criação de conhecimento a longo prazo. Sua escolha de ênfase parece, ainda, se
basear em algumas definições idiossincráticas e previsões de emprego da
informação. Minhas pesquisas no Japão sugerem que, pelo menos ali,
recentemente,o emprego na área de criação de conhecimento aumentou sua
porcentagem do emprego total no setor de informação: de 20,7% em 1977 para
21,6% em 1982. [14] O emprego no setor privado na área de criação de
conhecimento está crescendo particularmente rápido. Por exemplo, o número
de professores (principalmente do setor público) aumentou a uma taxa anual de
2% entre meados da década de 1970 e o início da década de 1980, enquanto o
número de trabalhadores de 'serviços de informação' (programadores de
computador etc.) aumentou cerca de 13 por cento ao ano. [15] Além disso, uma
das características da indústria do conhecimento é que ela tende a envolver uma
grande quantidade de trabalho administrativo e de comunicação em relação ao
trabalho direto de produção de conhecimento. Isso ocorre porque as
informações, diferentemente dos bens materiais, precisam ser produzidas
apenas uma vez, mas devem ser copiadas e transferidas até atingir todos os
cantos de seu mercado potencial. A classificação de "coordenação e gestão" de
Jonscher inclui, sem dúvida, uma quantidade considerável de empregos gerados
pelo crescimento da própria indústria produtora de conhecimento. Meus
comentários serão direcionados à primeira categoria de atividades de
informação de Jonscher, que contribuem para o estoque de conhecimento de
longo prazo.

A produção de conhecimento tem algumas propriedades extremamente


desconcertantes que tornam necessário, como vários economistas neoclássicos
perceberam, que muitos conhecimentos aceitos sobre o funcionamento da
economia sejam radicalmente repensados. Economistas que trabalham fora do
referencial neoclássico, no entanto, parecem ter sido bem mais lentos para
chegar a essa conclusão. As características desconcertantes da informação são
geralmente definidas da seguinte forma:
6

- O conhecimento, uma vez produzido, pode ser copiado e transmitido a um


custo muito baixo.

- O conhecimento nunca é consumido. Embora possa, às vezes, se perder no


curso da história, sua vida útil potencial é a da própria espécie humana.

- Devido a esses fatores, o conhecimento só pode adquirir um preço quando


protegido por alguma forma de monopólio.

- O preço do conhecimento no esquema neoclássico é difícil de estabelecer


porque a informação é indivisível e os compradores, por definição, nunca
podem compreender completamente o conteúdo da mercadoria até que a
comprem. [16]

- A natureza do conhecimento é tal que é extremamente difícil, se não


impossível, manter monopólios de informações indefinidamente e há uma
permanente tendência para que informações privadamente adquiridas “vazem”
para o domínio público. [17]

Alguns desses problemas são bastante familiares para marxistas e neo-


ricardianos. Informação, por exemplo, compartilha certas características com
outras mercadorias não reproduzíveis, como pinturas famosas ou vinhos antigos
- criaturas recalcitrantes que são tão frequentemente relegadas a notas de
rodapé em textos sobre a teoria do valor trabalho. Mas, embora possa ter sido
bastante justificável tratá-las como exceções periféricas às leis gerais de valor no
capitalismo industrial, as informações mercantilizadas não podem mais ser
confinadas às notas de rodapé: elas são simplesmente importantes demais.

Além disso, quando consideramos as peculiaridades do conhecimento como um


todo, é óbvio que os desafios à teoria são mais fundamentais do que os
apresentados por outras mercadorias não reproduzíveis. Para entender isso,
precisamos começar considerando como o excedente de conhecimento é
produzido. Pense, por exemplo, nos programas que estão sendo buscados em
vários países ao redor do mundo, para o desenvolvimento da tecnologia de
semicondutores de arseneto de gálio. (Muitos deles são fortemente apoiados
pelas finanças do governo, mas, para os propósitos atuais, podemos ignorar
isto.) Que insumos devem ser trazidos para esse projeto de pesquisa? Haverá de
fato uma certa quantidade de equipamento de laboratório, hardware de
computador e software adquirido, além de grandes quantidades de mão-de-
obra. Mas, em certo sentido, os principais insumos serão informações livres,
não compradas: tanto as que os cientistas da pesquisa trazem em suas mentes
quanto as que eles podem obter livremente em bibliotecas, revistas científicas,
discussões em conferências e assim por diante.

Naturalmente, esse tipo de informação "social" sempre foi uma contribuição


essencial para qualquer atividade produtiva. Um tecelão, por exemplo, sempre
requeria conhecimento de matérias-primas e processos de tecelagem para
7

produzir uma peça de pano. No caso de simples atividades de manufatura, no


entanto, o conhecimento que saiu no final do ciclo produtivo não era maior que
o conhecimento que entrou no início e nenhum dos dois tinha um preço de
mercado. Era, portanto, bastante natural desconsiderar o conhecimento na
equação econômica, tratando-o apenas como parte do ambiente externo em que
a produção ocorreu.

No caso do nosso projeto de pesquisa, acontece algo bem diferente: a


combinação de conhecimento já existente com trabalho produz conhecimento
"excedente". Mas, embora os insumos de conhecimento sejam em sua maioria
gratuitos, o novo conhecimento excedente criado pelo projeto tem um preço,
conferido a ele pelo sistema de patentes, que o transformou em uma peça de
propriedade privada. (Outras formas de informação podem ser transformadas
em mercadorias pelo uso de direitos autorais ou nomes de marcas, ou
simplesmente por sua singularidade e complexidade, o que retarda a velocidade
com que elas podem ser copiadas.)

Se considerarmos, agora, o futuro de nossa tecnologia de microchip


recentemente patenteada, outros pontos interessantes emergem. Durante a vida
útil da patente, a tecnologia tem um preço. Quando é comprada e usada pelos
produtores, pode ser tratada da maneira normal como um custo de produção
que produz um aumento na produção. Uma vez que a patente expire, no
entanto, embora a tecnologia possa continuar sendo usada e influenciar o nível
de produção, ela não entra mais como mercadoria no lado de entrada da
equação de produção. Um pouco como o gato de Cheshire, a informação aparece
e desaparece no mundo das mercadorias de uma maneira a mais
desconcertante.

As implicações são tão claras quanto surpreendentes. Enquanto a informação


nunca tinha um preço, ela podia ser excluída da análise do sistema de criação de
valor, mesmo que muitas vezes tivesse uma influência muito importante nesse
sistema. Mas a crescente centralidade da venda de informações como
mercadoria nos obriga a considerar a maneira pela qual ela entra na criação de
valor, não apenas como uma mercadoria, mas também como um bem livre.
Quando olhamos para o sistema econômico desde essa perspectiva, percebemos
que não estamos mais olhando para um sistema de produção generalizada de
mercadorias. Enquanto o sistema Sraffa é um sistema fechado, no qual as
mercadorias são sempre produzidas por meio de mercadorias existentes, a
economia da produção de informação é um sistema aberto, no qual as não-
mercadorias entram como insumos e cujos produtos podem eventualmente
"escapar" do ciclo de troca comercial.

Isto, novamente, não é um desenvolvimento totalmente novo, pois a produção


de mercadorias sempre dependeu de uma série de insumos econômicos sem
preço (serviços públicos, tarefas domésticas não remuneradas etc.). Os
economistas optaram por acreditar que um sistema fechado de produção de
8

mercadorias representava uma aproximação razoável da realidade. As não-


mercadorias poderiam ser banidas para um domínio em que fossem residuais
suas potenciais influências sobre os níveis do excedente ou da taxa de
crescimento. À medida que a produção comercial de conhecimento se torna
mais importante, no entanto, essa visão da realidade se torna cada vez menos
capaz de capturar a essência do mundo econômico em transformação.

Trabalho, valor e informação.

As peculiaridades da informação criam obviamente problemas graves para a


teoria tradicional do valor trabalho. O tratamento do conhecimento por Marx
tinha dois lados. Onde o conhecimento produtivo era separado da mente
humana e era incorporado às máquinas ou gravado na forma escrita, Marx
geralmente o tratava como um bem livre: 'A ciência, em geral, não custa nada ao
capitalista, fato que de maneira alguma o impede de explora-la’.[18] No entanto,
onde o conhecimento foi incorporado ao trabalhador humano, Marx atribuiu
valor a ele: daí sua famosa sugestão de que o valor criado por uma hora de
trabalho qualificado será um múltiplo do valor criado por pessoas comuns e
não-qualificadas. [19] Marxistas mais recentes propuseram uma abordagem um
pouco diferente, considerando os trabalhadores como os "produtos" de um
processo de educação e treinamento, e o valor de seu trabalho, aumentado pelas
horas de trabalho que foram dedicadas a treiná-los. [20] Essa visão é adequada,
mas não totalmente satisfatória - pois não leva em conta o fato de que muito
conhecimento é transmitido pelo trabalho não remunerado dos pais e que muita
habilidade é adquirida sem treinamento formal, através da observação e
imitação de outras pessoas. Mais uma vez, nos confrontamos com o fato de que,
na produção de informação, o conhecimento social livre é apropriado e
transformado em fonte de lucro privado. Afastamo-nos da imagem de Marx do
capitalismo clássico, onde os insumos para a produção são comprados a preços
competitivos no mercado e onde as fontes de exploração podem, portanto,
residir apenas no próprio processo de trabalho. Agora é teoricamente possível
para as empresas obter lucros sem a exploração direta de sua força de trabalho,
utilizando um bem gratuito para criar um produto que então se torna
temporariamente o monopólio privado da corporação.

Se aceitarmos que a exploração direta do trabalho está se tornando menos


importante como fonte de lucro e que a exploração privada do conhecimento
social está se tornando mais importante, podemos continuar a descrever o
sistema econômico como "capitalista"? Inevitavelmente, a resposta a essa
pergunta dependerá de nossa interpretação da palavra "capitalista". Como já
indiquei, uma sociedade em que a produção comercial de informação é uma
importante fonte de lucro privado não constitui um sistema generalizado de
produção de mercadorias. Mas mantém essa característica fundamental do
capitalismo: que a concentração da propriedade privada nas mãos de uma
9

pequena parte da sociedade lhe confere a capacidade de se apropriar de uma


parcela desproporcional do produto social.

Como argumenta Bob Rowthorn, a idéia de que o trabalho excedente é a fonte


de lucro nunca foi, nas teorias de Marx, uma lei econômica eterna. Em vez disso,
era uma característica de um sistema particular - capitalismo industrial – que,
por sua vez, havia evoluído de uma formação social anterior - capitalismo
mercantil - onde os bens não eram produzidos sob condições de exploração,
mas, em vez disso, o lucro era extraído dos produtores pelo poder dos
comerciantes de definir preços monopolistas (e monopsonísticos). [21] Outros
escritores encontraram apoio nos escritos de Marx para a idéia de que o
capitalismo maduro acabaria transcendendo os limites da exploração direta do
trabalho. Nos Grundrisse, Marx anteviu um mundo em que o trabalhador “seria
deslocado para a borda do processo de produção, em vez de ser seu ator
principal. Nesta transformação, não é o trabalho humano direto que ele realiza,
nem o tempo durante o qual ele trabalha, mas sim a apropriação de sua própria
capacidade produtiva geral, sua compreensão da natureza e seu domínio sobre
ela em virtude de sua presença como corpo social. É, em uma palavra, o
desenvolvimento do indivíduo social que aparece como a grande pedra
fundamental da produção e da riqueza. ”[22] Neste mundo, a fonte de lucro não
seria o “roubo de tempo de trabalho alheio”[23], mas a apropriação privada de
“conhecimento social acumulado”. [24]

O capitalismo, em outras palavras, é um sistema dinâmico, capaz de assumir


formas muito diferentes em diferentes ambientes históricos. O capitalismo
industrial, baseado na exploração direta da força de trabalho industrial, é
transmutado pelo processo de automação em um novo sistema em que a
exploração abrange cada vez mais todos os envolvidos na criação do
conhecimento social e sua transmissão de geração em geração. Contra a idéia de
uma sociedade "pós-industrial" ou "da informação" que se tornou espontânea e
indolormente "pós-capitalista", podemos contrapor a ideia de "capitalismo da
informação", onde altos níveis de automação e a “softenização da economia”
coexistem com novas e amplas esferas de exploração de muitos por poucos.

Rumo a uma crítica do capitalismo da informação

O pensamento ocidental moderno, tanto científico quanto social, tem sido


construído sobre uma visão dualista do universo. De um lado, havia o material,
do outro, o mental ou o espiritual. Essas duas esferas eram vistas
consequentemente como suscetíveis a diferentes métodos de análise. Mas,
assim como as ciências físicas estão começando a reconhecer a unidade
essencial da matéria e das forças imateriais, a economia é levada a reconhecer as
inseparabilidades, da produção material em relação à produção imaterial, bem
como da produção de bens e a produção do conhecimento humano.
10

Em todas as sociedades, o desenvolvimento e o acúmulo de recursos materiais


tangíveis e mensuráveis foram acompanhados por uma sombra intangível: o
desenvolvimento e o acúmulo de conhecimento. Os economistas sempre
estiveram conscientes da existência dessa sombra, mas até recentemente
largamente manobraram para excluí-la do escopo de suas análises. Agora, no
entanto, a integração da produção material e produção de conhecimento nas
mãos de grandes corporações torna essa exclusão impossível. Mas o estudo das
maneiras pelas quais a produção de mercadorias materiais e não materiais
interagem e, portanto, a crítica do próprio capitalismo da informação, envolve
uma série de tarefas difíceis.

Em primeiro lugar, requer análise dos mecanismos pelos quais o conhecimento


social se torna uma fonte de lucro privado. Em termos muito simples, o
conhecimento social disponível gratuitamente consiste em dois níveis. O
primeiro é o 'conhecimento social informal' - de linguagem, cultura, tradições
etc. - que é transmitido pelas relações sociais de uma pessoa para outra
(particularmente de pais para filhos), sem custo monetário mensurável. Isso
forma a base para a construção do "conhecimento social formal", que é
transmitido através do sistema educacional, bibliotecas, redes públicas de
comunicação, etc, e cuja produção é paga pela sociedade como um todo. Com
base nesses dois níveis de conhecimento social, as empresas produzem
conhecimento privado, a partir do qual extraem lucros de monopólio.
Eventualmente contudo, esse monopólio acaba corroído à medida que expiram
as patentes e os direitos autorais, ou à medida que novos produtos e técnicas se
tornam amplamente conhecidos e imitáveis. A informação escoa de volta para o
crescente reservatório do conhecimento social, mas, enquanto isso, a
corporação acumulou mais recursos, o que lhe permitiu avançar para um novo
ciclo de criação de conhecimento privado. Descrever esse processo é uma coisa,
mas quantificá-lo é outra bem diferente. Só recentemente os economistas
começaram a tentar medir os estoques e os fluxos de conhecimento, e seus
métodos permanecem rudimentares. Mas essas dificuldades não tornam a
exploração do conhecimento social menos real ou menos importante como
objeto de estudo.

Em segundo lugar, temos que examinar a questão de quem explora quem. No


capitalismo industrial, a relação de exploração entre patrão e trabalhador é
relativamente simples, mas a exploração do conhecimento social depende de
desigualdades sociais muito mais sutis e complexas. Em teoria, como o
conhecimento social está disponível gratuitamente, qualquer pessoa pode usá-lo
para gerar lucro. Na prática, as coisas são obviamente muito diferentes. Como é
sabido, a inovação tecnológica deixou de ser (se é que realmente foi alguma vez)
o domínio do gênio excêntrico, com um quintal cheio de equipamentos de
Heath Robinson. Tornou-se ao invés o domínio de laboratório de pesquisa
corporativo. Nos Estados Unidos, o percentual de patentes detidas por
particulares caiu de 81,7% no início deste século para 23,2% na primeira metade
11

da década de 1970. A propriedade de ativos materiais permite que as grandes


empresas ampliem o controle sobre os ativos de informação. Elas sozinhas têm
a riqueza e o poder de recrutar especialistas de renome em vários campos do
conhecimento, e muitas vezes é precisamente essa reunião de conhecimentos
díspares que permite que invenções importantes sejam feitas. Além do mais, o
acesso ao conhecimento social é mantido desigual pela distribuição da riqueza
material e pela estrutura das instituições educacionais e outras. O sistema
escolar transmite conhecimento para alguns mas o sonega a outros. Esses
processos, já explorados por escritores como Bowles e Gintis, [25] são centrais
para qualquer compreensão dos padrões emergentes de exploração econômica.

Por fim, é importante considerar as implicações dessa análise para a ação


política. Na visão marxista tradicional, a exploração do trabalhador individual
pelo chefe individual é um microcosmo preciso da exploração do proletariado
pela burguesia. A resistência à exploração capitalista começa, portanto, no local
de trabalho. Mas a resistência à exploração do conhecimento social precisa ser
um processo muito mais amplo: cada um de nós está, de um modo ou de outro,
envolvido na criação e transmissão de tal conhecimento, não apenas na fábrica
ou escritório, mas também na escola e em casa. A oposição política ao
capitalismo da informação deve, portanto, começar repensando-se a posição de
indivíduos e grupos sociais nos padrões emergentes de exploração. Também
deve abranger um entendimento das maneiras pelas quais a produção de
informações como mercadoria, ao mesmo tempo em que acelera a produção de
novos conhecimentos, distorce o conteúdo desse conhecimento. Se a análise
apresentada aqui estiver correta, segue-se que o próprio desenvolvimento da
ciência, tecnologia e cultura será moldado para servir aos interesses da
corporação privada orientada para o lucro.

Notas

[1] Norbert Wiener, God and Golem Inc., Cambridge, Mass. 1964, p. 59.

[2] Ver Raphael Kaplinsky, Automation: The Technology and Society,


London 1984.

[3] Alvin Toffler, The Third Wave, New York 1980; Y. Masuda, The
Information Society as Post-Industrial Society, Bethesda, World Future
Society, 1981; Tom Stonier, The Wealth of Information, London 1983.

[4] Wiener, op. cit. p. 6.

[5] ‘Robots and Capitalism’, New Left Review 147, 1984.

[6] Ernest Mandel, Late Capitalism, Verso, London 1978, pp. 207–08.
12

[7] Ian Steedman, ‘Robots and Capitalism: A Clarification’, New Left


Review 151, 1985.

[8] Ibid., p. 126.

[9] Ver por exemplo Jesse Schwartz, ed., The Subtle Anatomy of
Capitalism, Santa Monica 1977; Ian Steedman et al., The Value
Controversy, New Left Books, London 1982, e Steedman, ‘The Labour
Theory of Value: A Symposium’, Science and Society, vol. 47 no. 4, Winter
1984–85.

[10] Piero Sraffa, Production of Commodities by Means of Commodities,


Cambridge 1960, p. 93.

[11] M.U. Porat, The Information Economy: Definition and Measurement,


Washington 1977.

[12] Charles Jonscher, ‘Information Resources and Economics


Productivity’, Information Economics and Policy, vol. 1 no. 1, 1983, p. 18.

[13] Fritz Machlup, The Production and Distribution of Knowledge,


Princeton 1962.

[14] Sorifu Tokei-Kyoku, Rodoryoku Chosa, 1977 and 1982.

[15] Tokei-Kyoku, ‘Maikuroerekutoronikusu no Koyo ni Oyobosu Eikyo ni


Kansuru Chosa Kenkyu Iinkai’, in Maikuroerekutoronikusu no Kayo ni
Oyobosu Eikyo ni Tsuite, Tokyo 1984.

[16] Ver K.J. Arrow, ‘Economic Welfare and the Allocation of Resources for
Invention’, in D.M. Lamberton, ed., Economics of Information and
Knowledge, Harmondsworth 1971, pp. 141–59.

[17] See Imai Kenichi, Joho Nettowaku Shakai, Tokyo 1984, pp. 51–55.

[18] Karl Marx, Capital, Vol. I, NLR/Pelican, Harmondsworth 1976, p. 508.

[19] Ibid., p. 135.

[20] Bob Rowthorn, ‘Skilled Labour in the Marxist System’, in


Rowthorn, Capitalism, Conflict and Inflation, London 1980, p. 232.
13

[21] Bob Rowthorn, ‘Neo-Classicism, Neo-Ricardianism and Marxism’, in


ibid., pp. 33–35.

[22] Karl Marx, Grundrisse, NLR/Pelican, Harmondsworth 1973, p. 705.

[23] Ibid.

[24] R.S. Neale, ‘Property, Law and the Transition from Feudalism to
Capitalism’, in Kamenka and Neale, eds., Feudalism, Capitalism and
Beyond, Canberra 1975, p. 26.

[25] Samuel Bowles and Herbert Gintis, Schooling in Capitalist America,


New York 1976.

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