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Tessa Morris-Suzuki
Norbert Wiener, no início dos anos 60, previa um paralelo entre o processo de
automação e a natureza da magia, como foi retratado em inúmeras fantasias,
desde a história de Goethe sobre “O Aprendiz de Feiticeiro” até “A pata do
macaco” de W.W. Jacob. A característica da magia nessas histórias é sua
literalidade. Concede aos usuários da magia exatamente o que eles pedem, mas
isso, no final, nunca é o que eles pretendem ou desejam. O uso da magia,
portanto, traz consigo uma quantidade inimaginável de perigos . 'Automação',
observou Wiener, '... pode-se esperar que tenha um comportamento igualmente
literal.'[1] Em meados da década de 1980, essa previsão parece particularmente
adequada. Nas últimas duas décadas, administradores de países capitalistas
avançados consideraram a automação baseada em computador a cura mágica
para dois de seus problemas mais prementes: a compulsão por reduzir custos
(principalmente os custos de mão-de-obra) e a necessidade de aumentar a
autoridade e o controle da empresa sobre sua força de trabalho. [2] Na busca de
níveis mais altos de automação, contudo, eles inadvertidamente iniciaram
profundas mudanças no funcionamento da própria economia mundial
capitalista: mudanças cujas conseqüências não eram previstas nem desejadas,
na maioria das vezes. Por um lado, a introdução de novas tecnologias contribuiu
para o aumento dos níveis de desemprego estrutural e, portanto, para a
estagnação da demanda e o agravamento das crises sociais no mundo
industrializado. Por outro lado, as diferentes habilidades de diversas sociedades
para se adaptar à automação agravaram as disparidades internacionais no
desenvolvimento e provocaram crescente fricção nas transações comerciais.
Acredito que uma das razões para essa virada está no fracasso da esquerda em
aplicar análises sérias às transformações econômicas implícitas no crescimento
da automação e no movimento de grandes empresas, em direção às atividades
de produção de informação. As interpretações mais popularmente influentes
vieram de neoconservadores que vislumbram uma utópica sociedade da
1
Tessa Morris-Suzuki, New Left Review I / 160, novembro-dezembro de 1986.
Traduzido do original para o português por Agliberto Pessoa da Silva, Alfredo Maciel da
Silveira e Sergio Augusto de Moraes, novembro, 2019.
2
Em um artigo anterior, [5] tentei dar alguns passos nessa direção argumentando
que o crescimento da chamada "economia da informação" poderia ser explicado
em termos da teoria do valor trabalho. Meu ponto de partida foi a hipótese de
Ernest Mandel de que a automação generalizada representa o 'limite interno do
capitalismo', uma vez que o uso reduzido da força de trabalho viva na produção
acabará impossibilitando as empresas de extraírem a mais-valia de que
precisam para sobreviver e crescer. [6] Em contraste a essa visão, sugeri que,
em uma economia altamente automatizada, a criação de mais-valia poderia ser
mantida, pelo menos, por um período bastante prolongado, canalizando o
trabalho vivo para a "geração incessante de novos produtos e novos métodos de
produção". Isso explicaria por que a disseminação da automação nos países
industrializados mais avançados foi acompanhada pela chamada “softenização
da economia” - processo pelo qual elementos não materiais, como pesquisa,
planejamento e projeto, passam a constituir uma parcela cada vez maior do
valor total da produção.
Meus argumentos foram posteriormente contestados por Ian Steedman, [7] que
aceitou a urgência de discutir as consequências da automação, mas considerou a
teoria do valor trabalho um referencial teórico inadequado. Para demonstrar
isso, Steedman voltou sua atenção para a visão de Mandel de uma economia
totalmente automatizada. A imagem marxista tradicional da automação total é
aquela em que nenhum trabalho é realizado e, portanto, nenhum valor é
produzido. O capitalismo, e na realidade a atividade econômica, em qualquer
sentido da palavra, deixa de existir. Steedman propôs, ao contrário, que, ao
aplicar um modelo simples do tipo Sraffa a uma economia totalmente
automatizada, era possível demonstrar que os lucros continuariam sendo
gerados. 'O que é revelado pela automação total', escreveu ele, ‘não é o "limite
interno" do capitalismo, mas o "limite interno" da teoria do valor trabalho e a
teorização da mais-valia’. [8]
Uma resposta aos comentários de Steedman poderia ser uma longa defesa da
teoria do valor trabalho, mas não pretendo fazê-lo. O debate entre os neo-
ricardianos e os adeptos da teoria tradicional marxista do valor trabalho foi
travado amplamente e em muitos campos de batalha. [9] De vez em quando, de
3
Sraffa de fato, reconheceu tudo isso. [10] Mas seu modelo de produção com
excedente cria enormes dificuldades filosóficas quando aplicado a um mundo
em que literalmente nenhum trabalho é realizado e as necessidades dos seres
humanos são atendidas inteiramente por máquinas pré-programadas e que se
autoreproduzem. Mesmo que algum padrão peculiar de divisão da riqueza e de
indivisibilidades de escala garantisse a sobrevivência da propriedade e da troca
privadas, essa troca pareceria aos seres humanos como uma lei do mundo físico
que opera além do alcance de sua intervenção. 'Excedente' existiria apenas no
mesmo sentido em que a auto-multiplicação das células sanguíneas em nosso
corpo cria 'excedente'. Nós teríamos - não somente como Steedman concebe –
apenas saído das premissas da equação marxiana fundamental, mas teríamos
ido totalmente alem do domínio da economia.
Excedente de conhecimento
Notas
[1] Norbert Wiener, God and Golem Inc., Cambridge, Mass. 1964, p. 59.
[3] Alvin Toffler, The Third Wave, New York 1980; Y. Masuda, The
Information Society as Post-Industrial Society, Bethesda, World Future
Society, 1981; Tom Stonier, The Wealth of Information, London 1983.
[6] Ernest Mandel, Late Capitalism, Verso, London 1978, pp. 207–08.
12
[9] Ver por exemplo Jesse Schwartz, ed., The Subtle Anatomy of
Capitalism, Santa Monica 1977; Ian Steedman et al., The Value
Controversy, New Left Books, London 1982, e Steedman, ‘The Labour
Theory of Value: A Symposium’, Science and Society, vol. 47 no. 4, Winter
1984–85.
[16] Ver K.J. Arrow, ‘Economic Welfare and the Allocation of Resources for
Invention’, in D.M. Lamberton, ed., Economics of Information and
Knowledge, Harmondsworth 1971, pp. 141–59.
[17] See Imai Kenichi, Joho Nettowaku Shakai, Tokyo 1984, pp. 51–55.
[23] Ibid.
[24] R.S. Neale, ‘Property, Law and the Transition from Feudalism to
Capitalism’, in Kamenka and Neale, eds., Feudalism, Capitalism and
Beyond, Canberra 1975, p. 26.
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