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Intervenção psicopedagógica no

espaço da clínica
Laura Monte Serrat Barbosa (Org.)

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art. 184 do Código Penal.

Apresentação
Esta obra surgiu como uma necessidade do curso de pós-graduação em Psicopedagogia
desenvolvido pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter).
É sempre bem-vindo aos estudos sobre Psicopedagogia um material científico que
aborde a questão do processo de atendimento psicopedagógico como disciplina da
formação e da especialização de profissionais no espaço da clínica e, ao mesmo tempo,
comunique a sua importância.
A Psicopedagogia possui como ações, no âmbito da clínica, o atendimento a pessoas,
tanto individualmente quanto em grupo. Essa ação tem como objetivo aproximar os
aprendizes dos seus processos de aprender, permitindo que tomem consciência de como
funcionam e, ao mesmo tempo, encontrem estratégias para superar obstáculos, corrigir
ou prevenir dificuldades e, até mesmo, “otimizar” seu percurso de aprendizagem.
Ressaltamos, para um melhor aproveitamento do conteúdo desta obra pelo leitor, que,
em meio à argumentação textual, há a apresentação de relatos de experiências vividas
pelas autoras em suas práticas profissionais. Por essa razão, o texto apresenta-se,
muitas vezes, em primeira pessoa do singular, pois os relatos assim o exigem, porém
mantém a primeira pessoa do plural, pois é nossa intenção deixar clara a participação do
psicopedagogo, não para executar os passos de alguma proposta, mas para ser
interlocutor, para mediar sua
realização e, de certa forma, contrapor, intervir, ratificar sempre que seja necessário.
Nesta obra, apresentaremos cinco recursos de intervenção psicopedagógica de caráter
objetivo: caixa de trabalho, caixa de areia e miniaturas, projeto de aprender, material
disparador e jogos e brincadeiras. No entanto, todos eles supõem recursos de intervenção
psicopedagógicos de caráter subjetivo. Isso quer dizer que, tão importante quanto a
técnica escolhida para o atendimento psicopedagógico, são o olhar do psicopedagogo e a
possibilidade de perceber a partir de emergentes o que se encontra latente na ação do
aprendiz. Assim, é possível intervir de tal forma que as dimensões afetiva e cognitiva
possam ser desequilibradas e, na relação com o mundo e consigo próprio, o aprendiz
possa buscar o equilíbrio e com isso aprender.
O segredo do atendimento psicopedagógico está exatamente no espaço que existe
entre o aprendiz e o agente psicopedagógigo, entre o aprendiz e o conhecimento a ser
aprendido, entre o que sabe e não sabe o aprendiz e o que pode vir saber.
Por isso, um livro sobre o atendimento psicopedagógico no espaço da clínica deve ser
constituído com muito cuidado, para que os futuros psicopedagogos não tenham a ilusão
de que apenas conhecendo recursos objetivos a serem colocados em sua prática, estão
aptos a desempenhar uma tarefa terapêutica.
O olhar se constrói na relação do psicopedagogo com o aprendiz e também na busca
de supervisão ou de discussão desse olhar, para que ele possa, a cada dia, tornar-se
mais perspicaz e resulte em intervenções mais provocadoras.
Cada recurso aqui apresentado deverá ser entendido como uma construção de
psicopedagogos a ser adequada às diversas realidades existentes e aos distintos
profissionais que farão suas intervenções:
A caixa de trabalho foi um recurso desenvolvido por Jorge Visca, psicopedagogo
argentino que criou uma Psicopedagogia fundada na Epistemologia Convergente. Nesta
obra, a caixa de trabalho será descrita e desenvolvida pela psicopedagoga Simone
Carlberg, que foi aluna de Jorge Visca e que utiliza esse recurso com muita propriedade
em sua prática clínica desenvolvida na Síntese – Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e
Desenvolvimento de Aprendizagem, localizada na cidade de Curitiba-PR.
A caixa de areia e as miniaturas tiveram, na clínica psicopedagógica, a organização
realizada por Sonia Küster, da Associação Brasileira de Psicopedagogia – seção Paraná
Sul (presidente por duas gestões, de 2005 a 2007 e de 2008 a 2010). Inspirada na forma
de terapia conhecida por sandplay e fundamentada nos estudos de Carl Jung acrescidos
do olhar da Epistemologia Convergente, Sônia desenvolve sua atenção psicopedagógica
na Clínica Ellos – Educação e Saúde, em Curitiba-PR.
O projeto de aprender, uma evolução do projeto de trabalho, foi criado por Laura Monte
Serrat Barbosa a partir do método de projeto desenvolvido por Willian Heard Kilpatrick.
Posteriormente foi revisto sob a luz do trabalho desenvolvido por Fernando Hernández, das
vivências no espaço da clínica na Síntese – Centro de estudos, aperfeiçoamento e
desenvolvimento da aprendizagem e como coordenadora de projetos de aprender na Escola
Terra Firme, em Curitiba-PR.
O material disparador é um recurso criado por Vera Bosse, psicopedagoga que atua
em Curitiba, a qual desenvolveu uma forma de trabalho diferenciada, inspirada na caixa
de trabalho, portanto, fiel aos princípios da Epistemologia Convergente.
Os jogos são trazidos por Jorge Visca e por Lino de Macedo como possibilidades, numa
intervenção psicopedagógica, para o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático,
porém, aqui, Heloísa Monte Serrat Barbosa e Laura Monte Serrat Barbosa trarão uma
versão na qual, além do raciocínio lógico matemático, os jogos se articulam às
brincadeiras e, dessa forma, focam as dimensões psicomotora, relacional, racional e do
desejo, ampliando as possibilidades de significação ao aprendiz.
Todas essas formas de intervir de modo mais objetivo no processo de aprender do ser
cognoscente aqui apresentadas foram inspiradas num modo de pensar sustentado pela
Epistemologia Convergente e têm como ponto de partida o trabalho do professor Jorge
Visca.
Cognição, desejo, vinculação afetiva com as situações de aprendizagem e funcionamento decorrente da
articulação entre as dimensões envolvidas no ato de aprender são abordadas pelos cinco recursos
psicopedagógicos aqui apresentados.

Introdução
A Epistemologia Convergente como fundamento de uma proposta psicopedagógica
chegou ao Brasil na década de 1970 e teve como seu grande divulgador o seu criador,
professor Jorge Visca, argentino que vinha regularmente ao Brasil para formar grupos de
profissionais no Rio de Janeiro, em Curitiba, Campinas e Salvador e ministrar aulas em
várias universidades destas e de outras cidades.
Quatro das autoras desta obra foram suas alunas e desenvolvem suas atividades
profissionais pautadas nos ensinamentos da Epistemologia Convergente: Laura Monte
Serrat Barbosa, Simone Carlberg, Sonia Küster e Vera Bosse. A autora que não foi aluna
de Jorge Visca, Heloisa Monte Serrat Barbosa, foi aluna de suas alunas e também
desenvolve sua práxis psicopedagógica observando os princípios da Epistemologia
Convergente.
A Psicopedagogia fundamentada na Epistemologia Convergente faz a síntese de três
linhas de compreensão da ação humana: psicanálise, psicologia genética e psicologia
social.
Nesse sentido, a aprendizagem é concebida como um processo no qual o aprendiz
possui uma participação intensa sobre seu próprio aprendizado, articulando cognição e
afeto e garantindo que o conhecimento seja desejado e, por isso, aprendido. Além disso,
garante que o aprendiz se desenvolva para cada vez mais aprender em níveis de maior
complexidade.
Normalmente a Psicopedagogia no espaço da clínica é procurada por aprendizes que,
por algum motivo, enfrentam dificuldades em seus processos de aprendizagem.
O aprendiz que busca um acompanhamento psicopedagógico no espaço da clínica
encontra-se com o psicopedagogo que vai possibilitar a ele a realização de elaborações
simbólicas e sínteses importantes por meio de recursos de intervenção psicopedagógica
tanto de caráter objetivo quanto subjetivo.
O ser que aprende é entendido, na psicopedagogia, como alguém que é capaz de
conhecer o mundo e a si próprio, portanto, um ser cognoscente, um conhecedor, que ao
aprender mobiliza suas ansiedades diante das situações novas, de aprendizagem e,
também, movimenta-se em direção ao objeto de aprendizagem corporalmente. Por isso
são necessários os recursos de caráter objetivo que se caracterizam por formas distintas
de ação psicopedagógica, as quais provocam o movimento externo e interno do aprendiz
e recursos de caráter subjetivo que permitem ao psicopedagogo auxiliar o aprendiz a
lidar com as ansiedades que possam surgir diante das situações de aprendizagem.
Isso quer dizer que em todas as propostas aparecem a convergência de contribuições
psicanalíticas, psicogenéticas e da psicologia social; em todas elas a personalidade é
entendida como uma configuração que nasce a partir da interação da organização
biológica com o contexto. Essa configuração, na sua origem, aparece de forma
indiferenciada posteriormente diferencia-se até articular-se em sistemas. Como Visca
(2000) afirmou, a personalidade, nessas formas de intervenção psicopedagógica, é
entendida como unidade funcional e não estrutural. Nesse sentido acreditamos que as
pessoas podem evoluir na interação com as situações de aprendizagem e não são
constituídas de forma determinista pelas ocorrências que enfrentam em suas vidas.
A atenção psicopedagógica proposta por Jorge Visca tem a intenção de mobilizar o
aprendiz para que supere ou minimize suas dificuldades encontrando estratégias para se
reequilibrar diante dos desequilíbrios que as novidades podem causar para as pessoas
que se encontram em processo de aprender.
Para Jorge Visca (2000, p. 103), a atenção psicopedagógica é um processo corretor
que “consiste en el conjunto de operaciones clínicas por cuyu intermedio se facilita la
aparición y estabilización de conductas. Estas operaciones se realizan entre un sujeto
que acompaña el proceso y otro que lo sufre activamente, configurando ambos um
sistema em devenir”1.
Para tanto, na atenção psicopedagógica teremos presentes três elementos
importantíssimos: o aprendiz, o psicopedagogo e a relação entre eles, que se caracteriza
por ser o “espaço entre”, ao qual se referiu Alicia Fernandez, em sua Conferência Magna
proferida no VIII Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, ocorrido em São Paulo em

1 “consiste no conjunto de operações clínicas por meio do qual se facilitam o aparecimento e a


estabilização de condutas. Estas operações se realizam entre um sujeito que acompanha o processo e
outro que o vivencia ativamente, configurando ambos, um sistema transformador”, um sistema de vir a
ser. (Tradução da organizadora).
2009. Para a autora, esse “espaço entre” é exatamente aquele no qual aparecem as
contradições e as possibilidades de produzir para enfrentá-las. Dessa forma, entendemos
que a atenção psicopedagógica no espaço da clínica é um lugar no qual o aprendiz vai
produzir, pensar, autorizar-se, ousar e, consequentemente, aprender.
Isso, no entanto, não é mágico, o profissional que recebe o aprendiz deve se colocar
como um continente capaz de receber as dificuldades, as indignações, as
incompreensões, as tristezas, as euforias e qualquer outra conduta que o aprendiz possa
trazer para o espaço terapêutico psicopedagógico. Servir de continente significa acolher,
receber sem críticas nem julgamentos, para posteriormente poder metabolizar os
elementos depositados e devolvê-los ao aprendiz de tal forma que ele possa ressignificar
sua percepção de si, seus conceitos, suas ideias, sentimentos e ações.
Essa relação supõe confiança, crédito e também avanços, desenvolvimentos,
minimizações e superações.
Esse processo de atenção psicopedagógica, segundo Maria Elena Arseno e Alberto
Guilhermo Crespo, citados por Barbosa (1998), passa por três etapas: uma simbólica,
responsável pelo estabelecimento do vínculo entre aprendiz e psicopedagogo; uma
semirreal, na qual as dificuldades já são trabalhadas, porém ainda de forma lúdica; e
uma real, destinada a conscientizar o aprendiz de suas facilidades e dificuldades sem
necessariamente utilizar outros recursos, senão os próprios produtos de sua
aprendizagem e a própria condição de aprender.
O recurso de intervenção psicopedagógica de caráter subjetivo é fruto de uma
sistematização realizada por Jorge Visca (2000) a partir dos registros das intervenções
realizadas de forma espontânea, por ele e por seus colegas. O mesmo ocorreu na prática
psicopedagógica de Laura Monte Serrat Barbosa (2006), e por isso registramos aqui,
também, algumas propostas de recursos de intervenção psicopedagógica, além
daquelas trazidas por ele.
Jorge Visca (2000) apresenta como recursos de intervenção psicopedagógica:

Mudança de situação;
Informação;
Informação com redundância;
Modalidade de alternativa múltipla;
Acréscimo de modelo;
Mostra;
Explicação intrapsíquica;
Assinalamento;
Interpretação;
Desempenho de papéis;
Proposição do conflito.
Laura Monte Serrat Barbosa (2006) propõe outras intervenções para compor o quadro
anterior:

Vivência do conflito;
Destaque do comportamento;
Problematização.

Qualquer que seja a escolha dos recursos de caráter objetivo que o psicopedagogo
faça para atender a este ou àquele aprendiz (caixa de trabalho, caixa de areia e
miniaturas, projeto de aprender, material disparador, jogos e brincadeiras), os recursos
de caráter subjetivo serão utilizados para desestabilizar o aprendiz e provocá-lo à busca
do equilíbrio.
Mudar a situação pode ser interessante para a quebra de rotina, de hábitos arraigados
que fazem com que o aprendiz funcione como se estivesse no “piloto automático”. Pode
levá-lo a pensar em alternativas, perceber por outro ângulo, fazê-lo sentir-se incomodado
e por isso buscar outras formas para superar suas dificuldades.
Informar sobre onde o aprendiz pode buscar ajuda para ter o que procura é uma
informação que não dá a resposta pronta e, nesse sentido, pode ser entendida como
uma informação que leva o aprendiz a agir e não somente executar, reproduzir...
Informar com redundância trata de destacar uma informação com o exagero de um
gesto, da entonação da voz, repetindo várias vezes a mesma palavra, cantando ou
qualquer outra forma de comunicação que sublinhe, de maneira simbólica, a informação
oferecida.
A modalidade de alternativas múltiplas é uma intervenção que oferece para o aprendiz
mais de uma alternativa, incluindo a que ele deseja realizar. Por exemplo: se a criança
deseja saber se pode pintar a maçã de vermelho, responde-se “pode pintar de vermelho,
de verde, de azul, lilás ou qualquer outra cor que deseje”. É uma intervenção a ser
realizada em momentos de paralisação ou de extrema dependência. Dessa forma, sem
dizer o que o sujeito deve fazer, oferece-se uma gama de possibilidades e ele inicia seu
exercício de autonomia fazendo escolhas.
O acréscimo de modelo a intervenção do psicopedagogo vem para ampliar o modelo
de ação já utilizado pelo aprendiz. Se um ou uma aprendiz desenha decalcando o modelo
o(a) psicopedagogo(a) pode sugerir: “Percebo que já sabe desenhar decalcando, que tal
desenhar agora a bicicleta da menina apenas olhando?” ou “Como pode descer do seu
carro (de faz de conta) sem abrir a porta?”, enfim acrescentar novos elementos sem
desvalorizar os já conhecidos pelo(a) aprendiz.
Mostra está entre as intervenções, porém, é a única que não se vale da fala para se
expressar, e sim do gesto. Sem palavras, mostramos para o sujeito outras possibilidades
durante a realização da tarefa. Por exemplo, se o sujeito joga o dado e este cai, com a
face seis para cima e, no entanto ele caminha apenas cinco casas, podemos apontar
para o dado para que veja a quantidade de pontos que está à mostra e compare com
sua jogada; ou se o(a) aprendiz ao ler uma história lê uma palavra no lugar de outra,
pode-se mostrar a palavra, apontar para ela várias vezes, sem chamar a atenção por
meio da linguagem oral.
A explicação intrapsíquica é muitas vezes usada como uma forma de trazer à tona o
sentimento do aprendiz, frente à determinada tarefa, traduzindo-o em palavras. “Você
ficou zangado porque não gostou do desenho que fez, esperava que ele ficasse mais do
seu gosto”, por exemplo.
O desempenho de papéis é uma intervenção que propõe a mudança de papéis e exige
do aprendiz, de certa forma, o exercício de se colocar no lugar do outro. Essa troca de
papéis deve estar ligada às situações de aprendizagem. O aprendiz faz de conta que é
outra pessoa, um animal ou mesmo um objeto, e o psicopedagogo deve esgotar as
possibilidades de intervenção durante a própria brincadeira. Isso quer dizer que em
outra situação quando o aprendiz, por exemplo, faz na vida real, diferente do que fez na
dramatização, não podemos cobrar dizendo, por exemplo: “Quando brincava de ser
professora tal ação não era permitida e agora tudo é possível”. Essa intervenção
descontextualizada pode soar como traição e por isto deve ser evitada.
A vivência do conflito é uma forma de intervenção que também não necessita da fala,
basta permitir que o(a) aprendiz viva o conflito, sem oferecer ajuda imediata. Nesse
tempo de vivência ele(a) mesmo(a) pode descobrir a forma de resolver o problema. Se
corremos para auxiliá-lo, podemos impedir que ele exercite suas alternativas de
possíveis solução.
Visca (2000) escreveu também sobre a proposição do conflito que se diferencia da
vivência do conflito pelo fato de que a intervenção é que propõe o conflito. Ele era
mestre nesse tipo de intervenção e sempre nos surpreendia com intervenções assim,
quando lhe pedíamos autorização para algo: “Quem pode te impedir”, “Como você
desejar”, “Como queira”, e outras que deixam a solução do problema com o sujeito.
O destaque do comportamento é uma intervenção que sobressai o comportamento
atual como resultado de uma evolução na história do aprendiz. Por exemplo: “Que beleza
poder contar com um menino que consegue ficar sentado na sala de espera. Lembra
quando você era menor? Lembra que precisava que a mãe lhe segurasse no colo para que
não derrubasse todos os gibis? Hoje você espera sentado e lê o gibi!”.
Problematização é uma intervenção bastante utilizada nas escolas e faz um bom
efeito, também, no processo de atenção psicopedagógica. Trata-se de retornar a
pergunta do(a) aprendiz ou de criar uma questão a partir de uma ação realizada.
Exemplo: “O que falta para podermos jogar?”. “O que você pode fazer para realizar tal
coisa” etc.
O assinalamento e a interpretação são formas de intervenção que necessitam de um
conhecimento mais apurado da conduta molar, que, segundo Bleger (1984), é constituída
por cinco elementos importantes: a motivação, que decorre de uma situação de tensão; a
meta, que se estabelece a partir da motivação; a conduta (ação), que é acionada para que
se realize a meta; e os dois elementos que constituem a unidade que dá significado para a
ação – a experiência vivida, que permite fantasiar ou prever resultados numa nova
situação, e a realidade atual, que contextualiza a ação naquele momento.
Quando a intervenção aponta apenas alguns desses elementos da conduta, temos um
assinalamento, e quando aponta para todos os elementos da conduta, temos uma
interpretação.
A possibilidade de intervir na atenção psicopedagógica depende fundamentalmente do
olhar do psicopedagogo para o(a) aprendiz. Olhar para além do óbvio, olhar para o outro,
olhar para dentro, olhar para aquilo que não é possível ser visto e, com isso, auxiliar o(a)
aprendiz a aprender por ele mesmo, como construtor de si próprio na relação com o outro;
como construtor e transformador do conhecimento; e como construtor também do
aprender do outro.
As cinco formas de atenção psicopedagógica aqui propostas serão descritas como
vivências distintas desse exercício do olhar para a contradição: para o que se expressa e
para o que não se expressa, para o agito e para a calma, para o barulho e para o
silêncio, para a cor e para a escuridão, para as contradições existentes na ação de
aprender.
Laura Monte Serrat Barbosa
1. Caixa de trabalho
Simone Carlberg

Escrever me organiza
o leitor me desorganiza
a fantasia de quem será o leitor é que me desorganiza!

Por que escrevo?


Escrevo para organizar
penso dissocio leio pesquiso penso integro,
escrevo para compartilhar
a organização do meu pensar.
Este capítulo foi organizado para que estudantes de Psicopedagogia possam fazer uma
aproximação inicial da intervenção psicopedagógica por meio da Caixa de Trabalho,
concebida pelo professor e psicopedagogo argentino Jorge Visca. O capítulo apresenta,
além dos principais conceitos acerca do tema, recortes de casos de atendimentos
psicopedagógicos com comentários realizados pela autora.
É imprescindível, neste início de capítulo, assegurarmos ao leitor que as ideias aqui
apresentadas resultam de um estado de integração entre a teoria estudada e a sua
aplicação. Ressaltamos, porém, que, no processo de compreensão da teoria, sempre
está presente o vínculo que se estabelece com a própria teoria. Essa relação possibilita a
permanente manutenção da curiosidade e do respeito por aqueles que, ao estudarem,
pensaram e organizaram suas ideias, vínculo que permite a dinâmica dos
entrelaçamentos entre aquele que aprende e aquele que ensina, entre aquele que
escreve e aquele que lê.
1.1
Considerações iniciais acerca
da Caixa de Trabalho
Escrever sobre Caixa de Trabalho implica uma revisão das intervenções
psicopedagógicas realizadas em um longo percurso. Muitas caixas de trabalho, muitos
clientes2 com as mais diversas maneiras de aprender. Na interação estabelecida com
eles aprendemos muito, sobre eles e sobre a nossa maneira de aprender e de ensinar.
O exercício da paciência tem sido um forte viés. Viver processos, aguardar o momento
adequado para intervir, eleger objetos para a mobilização, permanecer em estado de
curiosidade, de contemplação ao novo que se apresenta, compreender as condutas e
administrar as ansiedades dos familiares ligados aos clientes são alguns dos temperos
da relação psicopedagógica.
O que será apresentado é resultado, portanto, de um estado de integração
cognitiva/afetiva/social. Escrevemos o que está integrado, da maneira como está
integrado até o momento da escrita. Isto é, escrever é submeter-se a “um olhar interno”.
Apoiar-se na teoria da Epistemologia Convergente, de Jorge Visca (1994), é uma
escolha que vem como resposta aos valores filosóficos eleitos pela autora para estar
nessa existência. Essa teoria coloca-se avessa a adestramentos, a repetições sem
sentido, portanto, aprender vai além de desenvolver-se, é também, inevitavelmente,
envolver-se.
A Caixa de Trabalho é uma das constantes utilizadas em ações psicopedagógicas; por
isso, acreditamos que é possível contar como se faz, por que se faz e quais os frutos
colhidos nessa pequena contribuição social que realizamos diariamente.
Não pretendemos, neste capítulo, repetir ou revisar o que Visca, na teoria da
Epistemologia Convergente, já escreveu, porque compreendo que a leitura deste implica
a leitura e o estudo daquilo que esse autor escreveu. Pretendo, sim, relatar o que faço
com o que já aprendi com Visca e seus colegas e com o que ainda aprendo por meio dos
registros escritos com os quais esse autor nos brindou, bem como na convivência diária
com outros psicopedagogos, alunos e clientes.

1.2
Aproximação teórica

2 O leitor encontrará, em alguns textos, a expressão paciente para identificar aquele que é atendido pelo
psicopedagogo. No entanto, a autora segue a orientação da Associação Brasileira de Psicopedagogia,
que sugere o termo cliente, uma vez que paciente implica uma condição de passividade, de espera e
dependência em receber o que o outro fará por ele, o que nega o princípio da operativadade ou da
predominância de condutas operativas que objetivam a ampliação do grau de autonomia do ser
cognoscente. Sobre esse tema o leitor poderá se reportar à introdução deste livro.
Caixa de Trabalho é o nome dado por Jorge Visca a uma das constantes do
enquadramento do atendimento psicopedagógico, proposta que integra a teoria da
Epistemologia Convergente.
Enquadrar é delimitar, é demarcar limites, tanto do ponto de vista físico, objetivo,
como também do ponto de vista subjetivo.
Algumas das constantes do enquadramento são: tempo, frequência, interrupções
combinadas, duração, próprio consultório ou lugar em que ocorrem os atendimentos,
bem como a Caixa de Trabalho.
Entendemos por constantes do enquadramento elementos previamente combinados e
que possibilitam a organização da atenção que é dada ao cliente e, por sua vez,
possibilitam também a organização do ponto de vista das necessidades do
psicopedagogo.
As constantes podem parecer desprovidas de importância e relevância quando
descritas teoricamente, porém, na prática psicopedagógica (e não somente) se tornam
instrumentos eficazes, assim como um bisturi para um cirurgião, o microscópio para um
cientista, os livros para os professores. As constantes são os instrumentos que auxiliam o
psicopedagogo nas suas intervenções.
As constantes que marcam, delimitam, acolhem, contêm, contribuem enormemente para
a construção da conscientização necessária do “como eu aprendo”, “para que eu aprendo”,
“o que eu aprendo”.
A Caixa de Trabalho, evidentemente, por si só (assim como as demais constantes de
um enquadramento) não é eficaz. As constantes de um enquadramento só serão
eficazes se aquele que as utiliza souber manejá-las, assim como uma batuta nas mãos
de quem desconhece música não promove a harmonia desejada há uma orquestra. Essa
é uma boa analogia, porém, não basta o maestro saber utilizar sua batuta, é necessário
que os músicos também saibam o que fazer frente aos movimentos do maestro.
A maestria do psicopedagogo está, sem dúvida, muito mais dentro dele próprio do que
em qualquer elemento externo que ele possa optar em utilizar. Em outro artigo já foi
feita esta pergunta: “Qual é a condição interna do sujeito que faz as intervenções?”
(Carlberg, 2008, p. 17).
É preciso valorizar muito mais os recursos internos do psicopedagogo do que os externos,
porém, temos a clareza de que os objetos externos aos sujeitos são objetos intermediários
dos processos de aprender, e a Caixa de Trabalho é um desses objetos. A partir dela,
podemos analisar a vinculação do sujeito com a tarefa, consigo mesmo, com o
psicopedagogo.
Chegamos, então, a outro ponto relevante e subjetivo de um enquadramento, o
vínculo.
Para Enrique Pichon-Rivière (2000, p. 193), vínculo pode ser conceituado como “uma
estructura compleja, que incluye un sujeto, un objeto, su mutua interrelación com
procesos de comunicación y aprendizaje”3.
Sendo assim, há de ficar claro que, além dos aspectos do campo externo, há aspectos
importantíssimos relativos ao campo interno do sujeito (aqui entendido como ser
cognoscente) e do psicopedagogo. São as relações intersubjetivas que se estabelecem
sobre as necessidades que motivam a vinculação.
Além da Caixa de Trabalho, outra constante do enquadramento é a sala de
atendimento (ambos do campo externo) que pode ser um único ambiente, tanto para o
atendimento individual como para o atendimento grupal. Na prática cotidiana da autora,
utilizam-se dois ambientes, um para atendimento individual e outro para atendimento
grupal.
Esse ambiente, denominado de constante de enquadramento lugar por Visca (1987),
passou a ser, a partir de 2001, pesquisado pela autora com maior profundidade, dando a
esse lugar o nome de ambiente educativo, ideia que contempla a integração de
aspectos: filosófico, científico, físico e prático. Todo ambiente, a priori, é educativo, uma
vez que produz movimentos externos e internos nos sujeitos que por ele transitam. Todo
e qualquer ambiente expressa uma concepção, uma ideia.
O lugar ou o ambiente em que acontecem as intervenções, da mesma maneira que a
Caixa de Trabalho, tem os aspectos objetivo e subjetivo.
Em relação ao aspecto objetivo, material, podemos dizer que são necessários: uma
mesa, duas cadeiras, um armário para materiais e um armário para as caixas de
trabalho.
Esse lugar, esse ambiente, é desnecessário dizer, deverá estar permanentemente
organizado para ser utilizado, porém, mais do que descrever objetos, o essencial é
pensarmos que ele revela a concepção de mundo do psicopedagogo que o organizou e
que o utiliza. E a expressão dessa concepção é o que se denomina de aspecto subjetivo.
Da mesma maneira que “respiramos” a concepção de mundo quando entramos em
uma casa, através de sua organização, escolha de objetos, disposição dos móveis, é
possível hipotetizar a respeito de quem a concebeu ou a de quem ocupa aquele lugar.
Entendemos que esse ar subjetivo que emana de um ambiente responderá a critérios
como conforto, comodidade, aconchego, flexibilidade, objetividade, entre outras
características importantes em um consultório psicopedagógico. Quando nos reportamos
a esse ar subjetivo, referimo-nos a uma ideologia. E todo ambiente expressa uma
ideologia.
Esse tema já foi contemplado em outras obras da autora, contudo, o foco anterior
esteve voltado, principalmente, para as escolas. Neste capítulo, no entanto, o tema está

3 “uma estrutura complexa, que inclui um sujeito, um objeto, sua mútua interrelação com processos de
comunicação e aprendizagem” (Tradução da organizadora).
sendo apresentado ineditamente, referindo-se ao ambiente educativo de um consultório
psicopedagógico.
Quando um psicopedagogo escolhe os objetos, as cores, as formas, a obra artística, o
artesanato para compor o lugar no qual trabalhará, estará, sem dúvida, compondo um
ambiente que emana possibilidades de aprendizagem objetiva e subjetiva.
Todo e qualquer ambiente educa. Uma loja de departamentos, por exemplo, educa
para o consumo com autonomia, ou seja, “escolha e compre sem ser ajudado”. Uma loja
de departamentos é organizada com uma intenção. Você já pensou nisso?
O consultório no seu conjunto: recepção, sala de espera, sala de atendimento, deverá,
portanto, ser organizado levando-se tudo isso em consideração.
Visca (1994, p. 137) aborda os reativos de conduta, que são elementos considerados
pertinentes dentro de um contexto, em nosso caso, o contexto é o consultório
psicopedagógico. Reporta-se, o autor, a objetos distratores e os classifica pela qualidade:

objetos distratores A – distanciam o sujeito da tarefa, ou de fazer aproximações a ela;


objetos distratores B – embora não sejam negativos, distanciam o sujeito da tarefa;
reativos de conduta propriamente ditos (adequados ao tratamento).

A Caixa de Trabalho na condição de continente deverá possibilitar a aproximação do


sujeito à tarefa, contendo, portanto, reativos de conduta adequados.
No cotidiano psicopedagógico aprendemos a compreender quais os reativos que,
colocados na sala, promovem, mobilizam a curiosidade e, portanto, aproximam o sujeito
da tarefa. Porém, para cada sujeito, cada objeto, mobiliza sensações e condutas
diferentes, de sucessivas aproximações e afastamentos da tarefa.
Na sala organizada pela autora para atendimentos individuais, considerando-se esses
fatores, foram incluídos objetos relativos à nossa cultura e que contemplam instrumentos
de conhecimento do mundo que nos cerca com o menor grau possível de artificialização,
como: livros de várias categorias – poesia, contos, informativos, dicionários em várias
línguas; objetos de arte e de artesanato; instrumentos de medida; instrumentos de
comunicação e registros – computador, impressora, máquina fotográfica, entre outros.
Sobre o computador, vale ressaltar que, no início do meu fazer psicopedagógico, final
da década de 1980, ainda não havia essa preocupação nem mesmo Visca contemplou
esse aspecto em seus escritos, porém, a evolução tecnológica permite que as novas
gerações tenham acesso desde muito pequenos a esses instrumentos,
independentemente da condição socioeconômica. Dessa forma, fomos nos aproximando
dessa linguagem, compreendendo-a e incluindo-a no ambiente ou lugar de atendimento.
Por outro lado, fazemos ressalvas a essa utilização e consta, no contrato (conjunto de
constantes de um enquadramento) de trabalho com os clientes, que esses instrumentos
estão ali presentes para quando considerados necessários para a realização de uma
tarefa. E, assim, fomos compondo uma organização em que, atualmente (2009), aos
clientes que fazem uso, por exemplo, do laptop, é permitido que cada tenha um arquivo
para armazenar suas produções. Esse arquivo somente é aberto na presença do cliente,
em grande parte das vezes, por ele mesmo, a quem cabe também salvar e fechar seu
arquivo. É como se esse arquivo fosse uma extensão virtual da Caixa de Trabalho.
No início dessa utilização, recorria-se aos disquetes, cada cliente tinha o seu e este era
guardado dentro da Caixa de Trabalho, depois foi introduzido o CD e, hoje, se for
necessário, pode-se recorrer ao pen drive, porém, faço uso do encaminhamento descrito
no parágrafo anterior.
A utilização, por exemplo, de programas para a produção textual tem contribuído, e
muito, para que pessoas com sintomas específicos na área da linguagem escrita
dialoguem com suas produções.
A pesquisa na rede também é um instrumento utilizado, dependendo da tarefa a ser
realizada, por exemplo: uma receita culinária, a história de um personagem, a
localização em mapas, entre outros. Ressaltamos, no entanto, que se tem priorizado (em
casos nos quais a tarefa é uma pesquisa de um determinado assunto) a utilização de
livros, mapas, encartes, folders, dicionários, entre outros, IMPRESSOS, pois se entende que
é dessa maneira que colocamos o universo externo à disposição do “universo interno” do
sujeito de maneira concreta e objetiva.
Uma das lembranças registradas reporta-se a uma situação em que Mona, provocada
a ampliar seu contato com o universo da leitura, iniciou uma coleção de gibis nas mais
diversas línguas. Essa coleção começou a se configurar a partir da análise dos
emergentes de abertura de um conjunto de sessões realizadas com essa cliente.
Portanto, a partir da demanda de um, o ambiente educativo psicopedagógico acabou por
ser ampliado, e essa coleção poderá vir a mobilizar outras pessoas.
Sobre emergente de abertura vale acrescentar que emergente, ou emergentes, é um
sinal expresso por meio da dinâmica (o que é dito por meio de ações) ou da temática (o
que é dito por meio de palavras). Esses sinais podem ou não se repetir, porém, é esperada
a análise destes pelo psicopedagogo. Por exemplo, Mona, num conjunto determinado de
sessões, repetia sempre a mesma conduta: chegava, pegava um gibi, sentava-se e lia. Era
o seu ritual pré-entrevista. Em outro conjunto de sessões, só aceitava entrar na sala de
atendimento depois de terminada a leitura do gibi escolhido, o que pode ser
compreendido como um sinal de resistência à tarefa.
Talvez você esteja se perguntando: mas esses objetos não são distratores? Ao que
respondemos: às vezes sim, dependendo da pessoa; porém, de maneira geral, esse
ambiente tem sido classificado como reativo adequado de conduta, pois promove, em
quem o adentra, a curiosidade, o desejo de desvendar, de saber, de ver, de aprender.
Em relação ao ambiente educativo psicopedagógico para atendimento grupal, a autora
faz uso, juntamente com a equipe de psicopedagogos de que faz parte, de uma ampla
sala que tem cadeiras, um armário, um quadro mapa-múndi, um quadro para escrita,
uma tela de projeção e uma obra de arte. O armário é destinado para as caixas de
trabalho, uma vez que cada grupo tem a sua.
Dependendo da tarefa do grupo, também é possível fazer uso de instrumentos de
comunicação, como computador e multimídia, máquina fotográfica, filmadora, toca-
discos, pipoqueira, calculadora ou outro objeto qualquer.
As constantes do enquadramento do atendimento individual e grupal são as mesmas,
com as devidas adaptações: a duração de uma sessão, que no atendimento individual é
de 50 minutos, para grupos tem uma variação entre 60 a 90 minutos, dependendo da
idade média dos integrantes.
Ambas as intervenções, individual e grupal, estão alicerçadas pela teoria da
Epistemologia Convergente, no entanto, na intervenção grupal há o predomínio da
compreensão dos aportes teóricos da Escola de Psicologia Social de Enrique Pichon-
Rivière. Sendo assim, cada grupo é coordenado por uma equipe de profissionais; às
vezes, uma equipe com dois integrantes, às vezes,três.
A Caixa de Trabalho como uma constante do enquadramento já foi suficientemente
descrita. Passaremos agora a outros aspectos que fazem da Caixa de Trabalho não só
uma CONSTANTE DO ENQUADRAMENTO, mas também um CONTINENTE e possuidora de
CONTEÚDOS.

1.3
A caixa como continente
A Caixa de Trabalho deve ser o espaço que delimita e organiza a ação psicopedagógica.
Dentro dela devem estar os objetos que desencadeiam todo o processo e que permitem
que a caixa seja um continente seguro, assim como é a praia para a embarcação que
procura um ponto de apoio.
Ao início de cada sessão, o cliente encontra sobre a mesa a sua caixa e algum
material, quando solicitado na sessão anterior. Essa é a rotina.
No caso do atendimento grupal, a caixa do grupo é colocada no centro do círculo
formado com cadeiras. As caixas são guardadas, ao final de cada sessão, em um armário
somente para esse fim pelo proprietário da caixa.
Outro aspecto desse continente relaciona-se ao sigilo do trabalho psicopedagógico, o
qual contempla:

Somente o dono da caixa poderá mexer nela, este dono pode ser uma pessoa ou um
grupo. No caso do grupo, a caixa somente é aberta pelo próprio grupo e na
presença do grupo. Portanto, nada é retirado nem acrescentado na caixa pelo
psicopedagogo;
A destinação da caixa ao final de um trabalho psicopedagógico será discutida e será
objeto de reflexão no decorrer do processo de desligamento;

E você poderá perguntar: “Mas por quê?”


Imagine que a Caixa de Trabalho é como a sua gaveta da penteadeira (essa é uma
palavra antiga, não é?) ou a sua gaveta da bancada de trabalho. Possivelmente, a
maneira como está organizada, o seu conteúdo e seus significados somente você
conhece e não seria agradável saber que alguém retirou algo dela sem sua permissão ou
acrescentou algo sem que você necessitasse. Pois é, é assim que temos de imaginar a
Caixa de Trabalho: como a expressão material da aprendizagem ou da história da
aprendizagem de uma pessoa. A ela cabe organizar, selecionar, arrumar, retirar,
acrescentar objetos, como também superar, elaborar, soterrar sentimentos projetados
nestes objetos.
O olhar atento à dinâmica de uma pessoa em relação à sua Caixa de Trabalho
constatará que há caixas que são abertas imediatamente após o início da sessão e há
caixas que não são abertas no decorrer da sessão, isso ocorre predominantemente com
os adolescentes, há caixas que não são fechadas ou bem fechadas no final de uma
sessão; enfim, a dinâmica do vínculo estabelecido com a Caixa de Trabalho poderá
oferecer sinais importantes de avaliação do grau de pertença e de pertinência em
relação à tarefa de aprender mais e melhor, pois não podemos esquecer que o
atendimento psicopedagógico deve estar centrado em uma TAREFA que engloba a maior
delas: aprender mais e melhor.

1.4
A caixa tem conteúdos
Entre os registros das supervisões vividas (algumas delas com o professor Jorge Visca), foi
pinçada uma com data de 9 de julho de 1990. Lá estão informações preciosas e uma
delas é que esse autor propunha pensarmos sobre os conteúdos de uma Caixa de
Trabalho e metodicamente apresentou e explicou a seguinte classificação:

Instrumentos (tesoura, lápis, borracha, apontador...);


Material estruturado (baralho, livros, jogos...);
Material semiestruturado ou matéria-prima (argila, sucatas, cacos de madeira...).

Vale ressaltar que os exemplos dados em cada item da classificação são somente
possibilidades, uma vez que o material de cada Caixa de Trabalho é selecionado com
base no terceiro sistema de hipóteses, ou hipótese diagnóstica, resultado da avaliação
psicopedagógica e essa classificação permite que o psicopedagogo se organize no
momento em que fizer a seleção.
Os materiais selecionados devem contemplar, a partir da hipótese diagnóstica, a
condição cognitiva, funcional, afetiva e social do cliente, bem como devemos ter a
clareza de que a ação psicopedagógica considera a semiologia (conjunto de sintomas),
porém não foca o trabalho nesses sintomas, mas sim em sua etiologia (causa ou causas)
e nas inter-relações possíveis.
Por outro lado, a experiência nos leva a afirmar que o mais importante não é o material
propriamente dito, pois este vai sendo oferecido no decorrer do atendimento a partir da
análise e compreensão da predominância das condutas apresentadas. O mais importante
é como intervir e voltar-se ao ponto principal – quem intervém é o psicopedagogo, e não o
material selecionado por si só.
Então, seguimos adiante contemplando outro elemento que auxilia o psicopedagogo na
construção do seu conjunto de intervenções – objetivas e subjetivas: os registros e a
análise dos mesmos.

1.5
A análise dos registros
Cada profissional tem a sua maneira de registrar as observações decorrentes das
sessões realizadas. Neste tópico, porém, o que queremos contemplar é a necessidade e
a importância das anotações clínicas para o acompanhamento do processo.
O instrumento de avaliação para a análise das sessões e proposto pela teoria da
Epistemologia Convergente chama-se cone invertido.
Esse instrumento de avaliação foi concebido por Enrique Pichon-Rivière (2000, p.
74), um dos autores que alicerçam a convergência teórica defendida por Visca. O cone
oferece seis vetores de análise que permitem a compreensão da dinâmica (expressões,
movimentos), da temática (o que é dito e como é dito por meio de palavras) e do
produto (ou resultado da tarefa). Os vetores são: pertença, cooperação, pertinência;
comunicação, aprendizagem e telê (distância afetiva).
Esses vetores são pensados sobre um encontro ou uma sessão psicopedagógica; às
vezes em um conjunto de sessões, dez, por exemplo. E é a partir das anotações clínicas
e da análise destas que foram selecionados três recortes para servirem de ilustração
para este capítulo.
Alguns critérios foram levados em consideração para a seleção, entre eles frisamos:
gênero (masculino, feminino), idade, graus de intensidade e frequência dos sintomas e
casos de atendimento focado e não focado.
A maneira de apresentação da ilustração também foi pensada e três maneiras foram
contempladas:

Recorte 1 – Caso Gemma – relato do processo com comentários a partir de alguns


elementos;
Recorte 2 – Caso Mona – listagem de produtos construídos e, a partir deles,
comentários;
Recorte 3 – Caso Jimmy – listagem do conteúdo material encontrado na sua Caixa de
Trabalho depois de 12 meses de atendimento e, a partir deles, comentários.
A intenção com essas diferentes maneiras de apresentar os recortes é provocar no
leitor pensamentos diversos, e não modelos a serem seguidos e/ou copiados, e tudo isso
só foi possível a partir da existência das anotações clínicas realizadas ao final de cada
sessão.
Os recortes serão apresentados resguardando-se a maneira como estão escritos nos
originais, contudo, o nome e alguns dados foram modificados para preservar a
identidade dos clientes, conforme contrato de sigilo estabelecido.

a) Recorte 1 – Gemma4
O atendimento individual para Gemma caracterizou-se como uma intervenção focada,
ou seja, com grau de focalização na prática dos atendimentos psicopedagógicos, o que
quer dizer: o quantum de centramento em um déficit ou face de um déficit sobre o qual
o psicopedagogo exercerá sua ação, com ênfase na dimensão a-histórica em decorrência
de diferenças funcionais com origem, possivelmente, no grau de exigência familiar,
escolar e, consequentemente, de Gemma para com ela mesma.
O atendimento teve como objetivo o fortalecimento de Gemma em relação a sua
capacidade para aprender e, principalmente, alfabetizar-se, uma vez que seu principal
sintoma era a diferença entre sua condição cognitiva, metacognitiva e o ritmo de sua
aquisição da leitura e da escrita. Em decorrência do alto grau de exigência vivido por
Gemma, seu grau de ansiedade também estava bastante intenso.
Gemma, quando chegou ao consultório, tinha 6 anos e 7 meses e frequentava o início
da segunda série do ensino fundamental.

Indicação: atendimento psicopedagógico individual, duas vezes na semana; orientação


aos pais.

A CAIXA DE TRABALHO de Gemma na primeira sessão de atendimento psicopedagógico:

Instrumentos: lápis, borracha;


Material estruturado: livro de receitas para crianças;
Material semiestruturado: miniaturas, embalagem de gelatina em pó, bloco de papel
10 x 10 cm.

Na primeira sessão, após a consigna inicial, Gemma começa a contar o que gosta e o
que sabe fazer. Ela demonstra interesse em fazer algo de culinária. Essa escolha revelou
um aspecto de Gemma que tinha relação com seu grau de ansiedade – uma conduta de
voracidade, que se evidenciou em outros momentos.
Gemma escolheu fazer gelatina de uva, parte do que gosta e daquilo que integra o
seu universo. Ela se surpreende com o fato de que a gelatina não fica pronta na hora. É
preciso esperar a próxima sessão. Explora embalagens de alimentos (intervenção para

4 Os nomes nesta obra foram escolhidos conforme determinadas características de cada criança, a fim de
preservar suas reais identidades. Gemma, no caso, quer dizer “pedra preciosa”.
ampliação do repertório do significado e da função social da leitura e da escrita). Pede
para brincar, para contar histórias, organizar personagens. Acrescenta muitos 5
personagens em uma história que, simbolicamente, representa o processo dos pais em
busca de atendimento. Traz a notícia de que ganhará um cachorro. Muito animada, conta
detalhes e ofereço-lhe como ideia a possibilidade de fazer um diário com a história do
seu cachorro. Aceita e começa a organizar a ideia com a minha mediação. O
diário toma forma num caderno de desenho, no qual construímos juntas alguns
indicadores a serem preenchidos: data da chegada; nome; peso; tamanho; nome da
ração; orientações do veterinário; telefone do mesmo e assim por diante. Leva o caderno
para preencher em casa durante um período de um mês.
A partir dessa intervenção, Gemma mostrou sinais de organização do pensamento e,
ao mesmo tempo, revisitou sua própria história. Lembrou-se de sua chupeta. Contou que
sua mãe lhe dizia que as chupetas vinham cortadas e que não era mais possível usá-las.
Nesse dia, terminou a sessão com um abraço longo e apertado.
Na sétima semana de atendimento, Gemma revelou-se alfabética na escrita. Começou
a dialogar com as trocas entre “p” e “b”. Cria a tarefa de construir uma pasta para
poemas, resultado da sua capacidade de observação. Seu olhar era rápido e curioso.
Entre os objetos da sala encontrou com o olhar uma pasta e quis fazer uma igual. Aceitei
e propus que fizesse a lista de materiais para que eu possa providenciá-los. Ela
escreveu. Na sessão seguinte, encontrou o material solicitado sobre a mesa.
Desacelerou seus movimentos. Reproduziu a pasta passo a passo, mas criou algo que a
diferencia. Ligada ao ambiente, enquanto colava cacos de madeira na pasta, encontrou
com o olhar duas agulhas de tricô e logo disse:
“Vamos costurar um cachecol?”6
Minha intervenção a faz organizar seus pensamentos a respeito do seu olhar. Provoco-
lhe:
//Como assim?//
//Ah! Você quer fazer um cachecol de tecido?//
// Ah! Você quer fazer com lã, então, você quer fazer tricô?//
E, assim por diante, até que Gemma escreve num papel que quer lã para fazer um
cachecol.
“Lã bem colorida!”
Depois de terminada a pasta, levantou-se e pegou as agulhas de tricô e as colocou
dentro da sua caixa.
Na sessão seguinte encontrou o novelo de lã sobre a mesa. Gemma começou a
organizar as sessões:

5 Muito, além, excesso, rapidez são expressões que descreviam o momento de vida de Gemma.

6 Sempre que o leitor encontrar frases entre aspas, estas foram ditas pelo cliente; as entre barras foram
ditas pelo psicopedagogo.
“Primeiro vamos fazer um pouco de tricô, depois eu vou escrever palavras...”
O processo de aprender a coordenar agulhas e lã foi bastante simbólico. Gemma tinha
a clareza de que precisava de alguém que sabia fazer para ensiná-la. Abriu-se, pediu
ajuda. Primeiro, sentou-se bem pertinho, quase no colo e à medida que ia dominando a
técnica, ia se afastando de quem ensina, mas é um afastamento suficientemente bom,
pois sempre que precisa, quando escapa um ponto, quando a lã enrosca, Gemma pedia
ajuda. E o cachecol, a cada sessão, crescia um pouco. Ela necessitava medir cada passo.
Fez, com uma fita, a medida prevista do cachecol e insistiu em medir o quanto falta.
Gemma não media o quanto já tinha feito, e sim o quanto faltava. A necessidade de
medir o quanto já havia feito, o quanto já sabia, pode ter relação com a modalidade de
interação escolar. Possivelmente, vivia situações constantes de avaliação e que, em
função do alto grau de exigência da instituição, Gemma estava sempre aquém. “Ainda
precisava melhorar...”
Essa tarefa que Gemma criou para si mesma possibilita viver processos e, assim como
ela teve de esperar uma sessão para a gelatina ficar pronta para ser degustada, produzir
o cachecol a faz construir carreira por carreira, ponto por ponto e a ajuda, também, a
fazer, a esperar, a controlar sua voracidade, a focar o seu olhar, a não desistir de seu
projeto, a contar com a ajuda e amparo de um adulto...
Certo dia, Gemma falou:
“Eu não sabia que demorava tanto para fazer um cachecol!”
//E você sabia que demora alguns anos para aprendermos a ler e escrever?//
“Não, eu achava que em três dias eu já ia saber! Agora eu já sei que tem que ser
devagarinho...”
Na caixa de Gemma, havia muitos objetos colocados por ela e, em todas as sessões,
ao chegar, ela abria a sua caixa e começava a trabalhar dando continuidade à sessão
anterior. Além da sua caixa, Gemma tinha um arquivo no computador, como se fosse
uma caixa virtual, à qual recorria sempre que queria escrever algo para imprimir ou para
registrar.
Quatro meses depois do início do atendimento Gemma já fazia tricô sem ajuda! Lia
com fluência, escrevia com letra cursiva, mas ainda, às vezes, trocava “p” / “b”.

b) Recorte 2 – Mona7
Mona chegou ao consultório com 10 anos e 7 meses. Os pais buscavam atendimento
psicopedagógico em decorrência do diagnóstico médico de síndrome de Asperger.

Indicações: atendimento psicopedagógico individual duas vezes na semana;


orientação de pais com frequência quinzenal.

A CAIXA DE TRABALHO de Mona na primeira sessão de atendimento psicopedagógico:

7 Mona quer dizer “singular”.


Instrumentos: caneta esferográfica;
Material estruturado: revista sobre os dálmatas; calculadora;
Material semiestruturado: bloco de papel 10 x 10 cm.

Produtos de Mona no decorrer do processo de atendimento psicopedagógico:

Realização de receitas: frapê de morangos; biscoitos amanteigados;


Produção de pingentes de papier machê;
Caderno com coleção de figurinhas de chicletes;
Construção de cenário e personagens com massa de modelar (receita encontrada e
realizada por Mona) para contação de história – texto produzido por Mona;
Análise e construção da coleção de gibis escritos em outras línguas;
Confecção de uma gola de inverno em tricô;
Gravação em vídeo da contação de história com o texto produzido por Mona;
Gravação de um CD com a narração da história Os três porquinhos pobres, de Erico
Verissimo;
Sessões realizadas fora da sala de atendimento, ou seja, sessões realizadas fora do
consultório: visitas a livrarias, lojas e supermercado.

No início do atendimento, Mona se envolveu com tarefas de culinária. Através delas


pôde dar mais sentido à aprendizagem da “matemática da vida”, no entanto, eram
surpreendentes suas condutas, como na ocasião em que, num acesso de raiva, apertou
um pacote de leite a ponto de quase estourá-lo ou, ainda, permaneceu agachada em
frente ao fogão para observar a transformação dos biscoitos crus em biscoitos assados.
O que produzia, comia, não repartia. Depois de algum tempo passou a fazer para dar aos
outros e, num determinado momento, passou a se preocupar em compartilhar suas
coisas com o outro mais próximo a ela e mais tarde com os outros (no grupo
psicopedagógico).
Com o papel machê, Mona fez objetos para presentear familiares. Já o ato de mascar
chicletes foi hábito que a acompanhou por todo o atendimento. A coleção de figurinhas
de chiclete foi uma intervenção psicopedagógica para ampliação e reflexão da conduta
de mascar chiclete.
A produção do CD com a história de Erico Verissimo marcou um momento importante
de integração de Mona. A musicalidade em sua leitura pôde ser aprimorada, criando
ainda mais significado para o ato de ler, uma das atividades prediletas da criança –
nesse caso, ler e contar uma história para alguém escutar, fazer para o outro, e não
somente para si.
No caso de Mona, era primordial colocá-la em contato com as mais variadas situações
de vida social sem artificializar as relações. Dessa forma, muitas sessões externas ou,
como Visca as chamava, sessões extra-box, foram realizadas. Saíamos a pé, de carro, de
ônibus (cabe aqui ressaltar que essa intervenção, sempre que utilizada, era planejada e
autorizada pelos pais de Mona e, além disso, o vínculo estabelecido entre o
psicopedagogo e ela possibilitava uma relação de confiança mútua para uma tarefa
como essa).
Após dois anos e oito meses de atendimento psicopedagógico individual, Mona aceitou
a possibilidade de integrar um grupo psicopedagógico para adolescentes.
Ela passou a integrar um grupo psicopedagógico para adolescentes, encerrando,
portanto, a utilização da sua Caixa de Trabalho individual, porém, depois de reorganizá-la,
fez questão de que ficasse guardada, porque “talvez um dia queira revê-la”, o que
indicava a necessidade de dar continuidade ao atendimento.
Mona, então, passou a compartilhar uma Caixa de Trabalho com o grupo. Desse grupo
faziam parte oito integrantes e uma equipe de coordenação com duas psicopedagogas.
O grupo elegeu, a partir do material oferecido, a tarefa de organizar, primeiramente, o
conto A bela adormecida no século XXI.
Uma tarefa grupal que envolve apresentação de ideias, escolhas, divisão de tarefas,
exercício da escuta, entre outras coisas.
Na caixa, o grupo guardava os materiais utilizados, como livros com diferentes versões
do conto, caneta, papel sulfite, anotações de suas decisões, mapa dos bairros da cidade
em que marcaram de onde cada um vem tendo como convergência o endereço do
consultório.
c) Recorte 3 – Jimmy8
Aos nove anos de Jimmy, sua família procurou avaliação psicopedagógica por ele
apresentar, desde os três anos de idade, um conjunto de sintomas: bloqueio de
linguagem, crises epilépticas, dificuldades na aquisição da leitura e escrita, entre outros.
Ao final da avaliação, chegamos à hipótese diagnóstica de que Jimmy encontrava-se
obstaculizado na dimensão cognitiva (obstáculo epistêmico), na dimensão funcional
(obstáculo funcional e diferenças funcionais), além de questões importantes na
dimensão afetiva, o que nos levou a hipotetizar, também um quadro com obstáculo
epistemofílico. Há indícios de causa orgânica, como também vincular.
Jimmy, na escola regular, era considerado como aluno de inclusão.
Perseverava em temas por alguns períodos e, ao chegar ao consultório, seu tema era
estátuas de santos. Não lia, não escrevia; olhava, mas não via; seu discurso era
desconexo e descontextualizado.

Indicação: atendimento psicopedagógico três vezes na semana; orientação familiar


quinzenal

8 Jimmy faz alusão ao personagem do filme de animação Jimmy Neutron: o menino-gênio, de 2001,
dirigido por John A. Davis.
Sobre a constante frequência em atendimento psicopedagógico vale ressaltar que
essa seria a frequência considerada ideal; porém, a família optou por uma frequência de
duas vezes na semana, o que foi aceito pelo psicopedagogo.
Ao final de uma avaliação é necessário contemplar questões acerca do prognóstico em
que há três abordagens a serem pensadas: se o sujeito for submetido a uma situação
ideal, uma situação possível, se não for submetido a nenhuma intervenção. Nesse caso,
o que poderá ocorrer?
No caso de Jimmy, o prognóstico de situação possível é esta que está descrita
A CAIXA DE TRABALHO de Jimmy na primeira sessão de atendimento psicopedagógico:

Instrumentos: lápis, borracha;


Material estruturado: seis personagens do filme Carros (carrinhos que se movimentam
a partir de uma mola).
Material semiestruturado: um arame de aproximadamente 60 cm.

Conteúdo da caixa de Jimmy um ano depois do início do atendimento


psicopedagógico:

Dois bonecos de madeira e massa de biscuit confeccionados por Jimmy;


Quatro gibis do Cascão;
Um álbum de figurinhas do Wall-E9;
Pequenos círculos de madeira utilizados como peças de um jogo do álbum de
figurinhas;
Peças para a construção do cachorro de um de seus bonecos de madeira (um caixa de
fósforos vazia; espiral de caderno; ½ cápsula de acrílico);
Um livro Um redondo pode ser quadrado? (Canini, 2007);
A representação das ilustrações do livro feitas em placas de isopor (base de
minipizzas), etiquetas coloridas com o nome dos animais, personagens do livro;
Calendário correspondente aos meses em que aguardou o retorno do pai de uma
viagem;
Bilhetes escritos por ele para a psicopedagoga e vice-versa, contendo, na sua grande
maioria, listas de materiais e lembretes;
Desenhos feitos por Jimmy, entre eles, o planejamento do cachorro que será
construído com sucatas;
Um arame vermelho de aproximadamente 60 cm;
R$ 2,00 (duas moedas de R$ 1,00);
Um pacote de massa de biscuit;
A aparência externa da caixa: pintada com tinta guache vermelha e com duas
figurinhas do Wall-E.

9 Personagem do filme de animação de mesmo nome, produzido em 2008, dirigido por Andrew Stanton.
O álbum de figurinhas foi um excelente reativo de conduta. Por meio dele, Jimmy pôde
utilizar com significado aprendizagens até então mecânicas que havia, digamos, mais ou
menos realizado.
Você já pensou o quanto um álbum de figurinhas é transdisciplinar?
Por meio dessa coleção ele conseguiu comprar pacotes de figurinhas na banca, utilizar
dinheiro (notas e moedas), abrir pacotes, encontrar as semelhantes e as diferentes,
pensar sobre o que é igual e o que é diferente, acompanhar uma sequência numérica,
marcar os números encontrados, marcar os números repetidos, dialogar com os dados
da realidade, exercitar a leitura de imagens, seguir instruções e muitas outras
possibilidades.
O arquivo no computador continha 44 páginas com textos produzidos por Jimmy a partir
de cenas organizadas por ele com miniaturas. Esses textos foram ditados por Jimmy e
digitados pela psicopedagoga. Entre todos, somente em dois deles ele pediu ou aceitou a
sugestão de impressão. Alguns textos estão acompanhados de fotos tiradas por Jimmy das
cenas organizadas por ele. Em alguns casos, o título da história foi digitado por Jimmy que
aceitou escrever. Essas tentativas de escrita estão digitadas em cor diferente daquela
utilizada para a digitação da psicopedagoga. Os textos eram formatados com fonte
Tahoma, tamanho 14, caixa alta.
Cabe evidenciar que as miniaturas apresentadas para Jimmy na primeira sessão
psicopedagógica são consideradas um excelente reativo de conduta para ele, por vários
motivos, entre os quais se destacam: ampliação da sua relação com o meio externo,
“libertando-o” das estátuas de santos (tema em que perseverava) e descobrindo, por
meio das miniaturas, a possibilidade de brincar; o exercício do jogo simbólico e, a partir
de tudo isso, o relato dos seus sonhos. Neles, Jimmy se via brincando com a
psicopedagoga e conseguia fazer várias coisas que na realidade ainda não lhe era
possível. Passou a olhar e a ver, a olhar nos olhos e trocou a expressão “não sei” pela
expressão “deixa eu pensar”. As intervenções psicopedagógicas objetivas e subjetivas
possibilitaram que ele colocasse seu “aparelho de pensar” para funcionar e, assim,
passasse a estabelecer um vínculo mais próximo com os objetos de aprendizagem.
Nos registros clínicos, encontram-se descrições de momentos em que se recorria à
expressão estátuas/miniaturas como uma etapa de transição entre as estátuas de santos
e as miniaturas de objetos variados (que incluíam carros, animais, objetos de cozinha;
objetos utilizados em lazer, entre muitos outros).
É possível fazer muitas análises de todos os registros, inclusive do conteúdo dos
textos orais ditados por Jimmy para serem digitados pela psicopedagoga.
O importante é salientar que das estátuas de santos, Jimmy passou a brincar com
miniaturas, e seus textos orais possibilitaram a organização do pensamento a ser
comunicado para o outro da relação (no caso, a psicopedagoga). Essa organização do
texto oral, por sua vez, possibilitou conhecer outros temas, e uma miniatura podia ser,
agora, muitos personagens em diferentes cenas. Dessas miniaturas passou-se para
desenhos animados e, aos poucos, cada vez mais, Jimmy foi se aproximando do universo
infantil, próprio da sua idade. Depois de 12 meses de intervenção psicopedagógica, ele
já representava seus personagens por meio de desenho e de construções
tridimensionais. Já modelava bonecos com massa de biscuit, já construía com madeira,
com sucata, pintava, criava... Embora tenha ampliado o seu universo de experiências e
pensado sobre ele, tinha como personagem predileto uma figura ainda um pouco distante
de um garoto de 11 anos – trata-se de Jimmy Neutron – o menino gênio. Mas não é mais
um santo, agora é um menino que tem um cachorro, que brinca e que faz travessuras...
Se bem que não exatamente na Terra, mas já está mais próximo dela.
A intervenção psicopedagógica para Jimmy continuou, mas neste capítulo optamos por
fazer a apresentação de apenas um recorte, assim como nos demais casos.
Essas ilustrações tiveram como intenção principal ratificar a premissa que norteou e
norteia a minha ação psicopedagógica: HÁ MUITAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE ESTÃO
SITIADOS, SERÁ PRECISO SITUÁ-LOS.

Síntese
Este capítulo foi organizado para que estudantes de Psicopedagogia possam fazer
uma aproximação inicial da intervenção psicopedagógica por meio da Caixa de Trabalho
concebida pelo professor e psicopedagogo argentino Jorge Visca. O capítulo apresentou,
além dos principais conceitos acerca do tema, recortes de casos de atendimento
psicopedagógico com comentários realizados pela autora.

Indicações culturais
Filme
O FABULOSO destino de Amélie Poulain. Direção: Jean-Pierre Jeunet. Produção: Jean-Marc
Deschamps. França: Miramax Films, 2001. 122 min.
Esse filme aparece como indicação por contar uma história repleta de
subjetividade e retratar a complexidade do processo de aprendizagem humana e
o quanto pequenas intervenções podem promover a conscientização e a reflexão
de condutas diariamente utilizadas por nós.

Artigo
BARBOSA, L. M. S.; FARAH, S.; CARLBERG, S. O ambiente educativo e o processo de
aquisição de leitura e escrita. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 7, n. 20, p. 33-42,
jan./abr. 2007.
Nesse artigo, o tema “ambiente educativo” é abordado a partir de uma pesquisa
realizada na primeira série do ensino fundamental, possibilitando ao leitor
aprofundar e ampliar a ideia do ambiente educativo como uma constante a ser
repensada nas relações educativas.

Livros
BARBOSA, L. M. S. Psicopedagogia no âmbito grupal: operatividade – um instrumento
para o desenvolvimento em grupos de aprendizagem. In: ZENICOLA, A. M.; BARBOSA, L.
M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos:
Pulso, 2007 p. 127-167.
O atendimento psicopedagógico grupal tem se mostrado muito eficaz, o que
possibilita o acesso a várias pessoas ao mesmo tempo. É um recurso importante
a ser estudado, aprofundado e ampliado, principalmente em sistemas de
atendimento público que apresentam uma demanda nem sempre atendida nas
condições ideais em função do pequeno número de profissionais.

OLIVEIRA, E. Ouvindo vozes: histórias do hospício e lendas do encantado. Rio de Janeiro:


Vieira & Lent, 2009.
A leitura desse livro contribui para a compreensão de que não se trata de
defendermos processo de inclusão (que por si só já traz a “exclusão”), temos, os
psicopedagogos, de defender, ampliar e aprimorar a concepção de diversidade
humana.

VISCA, J. Los grados de alejamiento del encuadre. In: ______. Clinica psicopedagogica:
Epistemologia Convergente. Buenos Aires, 1994.
O cone invertido é um excelente instrumento de avaliação e pode ser utilizado
em uma sessão, em um conjunto de sessões de atendimento psicopedagógico
individual, como também grupal.

Site
ABPP – Associação Brasileira de Psicopedagogia. Disponível em:
<http://www.abpp.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2010.
Compreendemos que a formação em Psicopedagogia não se encerra com o curso
de especialização. A continuidade é necessária e imprescindível, e isso somente é
possível quando se somam e multiplicam os saberes e fazeres. Um dos meios
para essa realização é a ampliação do grau de pertencimento à categoria.

Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Entreviste um ou dois psicopedagogos que trabalhem com a Caixa de Trabalho e faça
uma análise comparativa entre este capítulo e as informação que você obteve por
meio da entrevista. Organize um encontro com, no minímo, dois e, no máximo,
quatro colegas e compartilhem as descobertas.

2. Ao final deste capítulo, há a seguinte afirmação: “há muitas crianças e adolescentes


que estão sitiados, será preciso situá-los.” Qual a sua compreensão acerca dessa
ideia?

Atividades Aplicadas: Prática


1. Abra uma das suas gavetas, pode ser uma do seu armário profissional ou pessoal,
observe-a e pense nos objetos encontrados: O que são? Por que foram colocados ali?
O que eles representam para você?

2. Observe sua sala de aula, sua casa, seu quarto e pergunte-se: Qual é o ”ar” que se
respira aqui? O que esses ambientes me ensinam? Qual a relação entre eles e eu?

2. A caixa de areia e as miniaturas


como recurso de intervenção
psicopedagógica
Sonia Küster

Neste capítulo abordaremos a utilização da caixa de areia e das miniaturas como recurso de
intervenção psicopedagógica. Nossa intenção é que, ao final deste capítulo, o leitor tenha
clareza das possibilidades desse instrumento na psicopedagogia. Inicialmente
mencionaremos as especificações dos materiais utilizados na técnica da caixa de areia e
das miniaturas. Depois contaremos um pouco da origem histórica desse recurso para que o
leitor entenda o objetivo da areia, da disposição das miniaturas e dos acessórios
complementares, do registro fotográfico, bem como da postura necessária ao
psicopedagogo no momento da criação das cenas na caixa de areia. Concluiremos com a
apresentação de alguns exemplos de utilização desse recurso ao longo dos 16 anos da
minha experiência no âmbito da clínica e em algumas situações escolares.
2.1
Os materiais
As especificações dos materiais usualmente utilizados com esse recurso são importantes
para que o leitor tenha clareza de que tais particularidades têm uma razão intrínseca.
A caixa que é utilizada com areia fina normalmente é de madeira revestida de fórmica
azul e tem as medidas de 72 x 50 cm, com profundidade de 7,5 cm. A indicação do
fundo azul é para dar a impressão de mar, lago ou rio à cena, e o revestimento é em
fórmica por ser impermeável e permitir a utilização de água quando o aprendiz desejar
dar formas mais específicas à areia. As medidas indicadas têm o propósito de conter
toda a visão periférica do aprendiz quando se posicionar em frente à caixa, dessa forma
poderá ver toda a caixa sem mexer a cabeça. A altura em que a caixa deve ficar
também é importante, aproximadamente na cintura da criança, para que tenha um
amplo campo de visão.

A areia que normalmente utilizamos é a areia fina de praia, que deve ser peneirada e
tratada10. A quantidade de areia deve ser suficiente para tornar possível a manipulação
dos cenários sem a preocupação de transbordar a caixa, aproximadamente 3 cm de
profundidade. Indicamos a areia fina porque ela permite um contato mais prazeroso com
a técnica. A plasticidade da areia e a possibilidade de moldar formas propiciam a
sensação de tranquilidade e equilíbrio.
O suprimento de miniaturas deve estar disposto em prateleiras abertas e de fácil
acesso ao aprendiz. Geralmente as miniaturas são separadas e ordenadas nas prateleiras
de acordo com algum critério classificatório como: animais – selvagens, domésticos, pré-
históricos, vertebrados e invertebrados; insetos; meios de transporte – aéreos, terrestres
e aquáticos; meios de comunicação; moradias, utensílios de casa – móveis, alimentos,
bebidas, personagens de contos de fadas; super-heróis; índios e soldados; personagens
de histórias em quadrinhos; personagens do folclore; guerreiros; figuras humanas,
miniaturas de arvores e plantas, além de outros materiais que ajudam a completar as
cenas como, cercas, conchas, vidros, palitos de sorvete, bolas de gude, etc. Segundo
Ruth Ammann (2002, p. 44), “deve-se cuidar para que não só estejam presentes objetos
claros, simpáticos e belos, mas também objetos repulsivos, escuros, maus e
assustadores”. Quanto maior for a variedade de miniaturas e acessórios, mais ricos
serão os cenários e as possibilidades do aprendiz escolher exatamente o que está
pensando e sentindo. Na Figura 2.2, o leitor poderá visualizar um ambiente próprio para
a utilização da técnica segundo os criadores desse recurso.

10 Tratamos a areia aquecendo-a em forno convencional com intuito de eliminar fungos e parasitas de
praia.
2.2
As reações
A maioria das crianças demonstra o desejo de manipular a areia antes da construção das
cenas, porém algumas apresentam resistência inicial ao contato com areia e constroem
cenas manipulando somente as miniaturas.
As crianças menores de 7/8 anos geralmente utilizam o espaço para brincar, muitas
vezes ultrapassando os limites da caixa; a areia pode cair e até ser jogada fora da caixa, as
miniaturas são mergulhadas e enterradas, o número de miniaturas utilizado é excessivo,
principalmente em crianças com dificuldades em aceitar regras. A atitude do
psicopedagogo durante a construção na caixa de areia é basicamente de observador,
intervindo quando solicitado. A ideia é que a criança sinta-se livre para criar e brincar.
Finalizada a cena, geralmente, o psicopedagogo atua como escriba, buscando, através de
intervenções, explicações do aprendiz que fundamentem o contexto criado.
A partir dos 7/8 anos, coincidentemente no início do período operatório-concreto, os
objetos aparecem agrupados em relações significativas, que incluem um sentido de
simetria com o tema criado. A escolha das figuras adquire uma intencionalidade, e a
classificação é mais complexa e elaborada. As histórias que surgem a partir das cenas
elaboradas já apresentam um enredo com um locutor e um interlocutor.
Adolescentes apresentam uma resistência inicial à utilização da caixa de areia e
miniaturas que deve ser respeitada. Costumam olhar desconfiados para os materiais
uma vez que já tem desenvolvida a capacidade de raciocinar sobre hipóteses e de
elaborar deduções. Porém, percebe-se que se interessam pelos cenários construídos por
outros aprendizes e depois de estabelecerem um vinculo de confiança com o
psicopedagogo, manifestam o desejo de construir suas próprias cenas.
Alguns adolescentes, no entanto, apresentam maior resistência à técnica do jogo de
areia, optando pela utilização de outros recursos de trabalho psicopedagógico, como
jogos e projetos.

2.3
Histórico do jogo de areia11
Terapeutas junguianos atribuem a origem da prática da caixa de areia e miniaturas a
tribos indígenas. Segundo Estelle Weinrib (1993, p. 20), existe um paralelo cultural entre
a terapia na caixa de areia e os desenhos pintados na areia pelos índios navajo, que os

11 Os dados históricos destacados foram baseados nos livros de Mitchell; Friedman (1994); Weinrib (1993) e
Ammann (2002).
utilizavam em rituais de cerimônias de cura, adivinhação, exorcismo, etc. Ao
desenharem figuras simbólicas na areia como deuses protetores de raios, ventos e
trovões sentiam-se protegidos pelos guardiões da natureza. Eles consideravam que a
areia tinha propriedades curativas e que o doente absorveria o “bem” através dela, e a
areia absorveria o “mal” que estava nele. Esse ritual sugere aos terapeutas junguianos
semelhanças entre a crença dos índios e a técnica da caixa de areia. Também
encontramos semelhanças entre a técnica de relaxamento dos jardins zens, idealizada
pelo povo asiático e a utilização da caixa de areia e das miniaturas.
A areia é um símbolo de matriz que acolhe e abraça, facilmente penetrada e moldada
adquire formas que são sobrepostas, sem lhes alterar as características. Por sua
plasticidade, viabiliza construções diversas que simbolizam o próprio mundo. Assim, a
areia é um instrumento que possibilita a manifestação em forma concreta das imagens
do mundo interno. (Weinrib, 1993, p. 20).
Acreditamos que a primeira pessoa a se envolver com a técnica da caixa de areia e
miniaturas tenha sido o próprio Jung ao relatar em seu livro Memórias, sonhos e
reflexões (1975), no capítulo intitulado “Confronto com o inconsciente”, como se
defrontou com um jogo do tipo curativo, entregando-se ao brincar com pedras que
recolhia nas caminhadas as margens do Lago Zurique e terra argilosa que lhe permita
construir casas, castelos com portais e abóbodas, enfim, uma cidade.
“Mal terminada a refeição, brincava até o momento em que os doentes começavam a
chegar; à tarde, se meu trabalho tivesse terminado a tempo, voltava às construções”
(Jung, 1975, p. 155). O autor relata ainda que, ao se entregar à brincadeira de
construção, conseguia ter maior clareza dos próprios pensamentos e entender com
maior precisão as fantasias de sua mente.
Outra pessoa que contribuiu para a criação dessa técnica foi o autor britânico Herbert
George Wells, citado por Weinrib (1993, p. 23). Em seu livro Jogos de chão, publicado em
1911, ele descreve o jogo espontâneo que utilizava com os filhos pequenos usando
miniaturas e outros objetos. Sua principal contribuição foi o reconhecimento do material
e o uso da atividade de imaginação criativa. Wells nutria uma crença filosófica profunda
de que o jogo promovia uma estrutura para ideias criativas e expansivas na fase adulta.
Ele foi um pai diferente em um período patriarcal, no qual a figura paterna assumia a
função de autoridade distante dos filhos. Sua atitude inconvencional lhe rendeu críticas
na sociedade britânica do século passado, pois, além de relatar as brincadeiras com os
filhos em seu livro, era depreciado por seu apoio ao movimento feminista e a um novo
sistema de relações entre homens e mulheres. Ele era uma ameaça ao sistema patriarcal
da época, embora fosse cultuado por alguns jovens que também sentiam a necessidade
de romper com velhos valores.
O livro Jogos de chão, o qual não foi muito valorizado na época, descreve o jogo que
utilizava com os filhos, que às vezes durava até quatro dias. O jogo acontecia numa área
definida por tábuas e utilizava pequenas casas, pessoas, soldados, barcos, trens, animais
que representava cenas históricas e jogos de guerra que transformavam o chão em uma
verdadeira terra da fantasia. A descrição dos jogos criativos e dos materiais que H. G. Wells
utilizava, serviram de inspiração para Margareth Lowenfeld criar a “técnica dos mundos”.
Margareth Lowenfeld (1890-1973), nascida e criada na Inglaterra, atuou como médica
pediátrica ao lado do exercito polonês. Após os anos difíceis de guerra, em seu retorno a
Londres encontrou dificuldade em obter uma posição médica, já que a maioria das
funções estava sendo ocupada pelos homens que voltavam da Primeira Guerra Mundial.
Em uma atitude ousada e pioneira, criou uma clinica para atendimento psicológico de
crianças. Inspirada na obra de Wells, ela uniu uma miscelânea de materiais, paus
coloridos, contas, brinquedos pequenos de todos os tipos, caixas de fósforos e as
guardou em um lugar que mais tarde veio a se chamar caixa das maravilhas.
A médica utilizava os materiais com as crianças no chão e, só quando mudou a clínica
de local, pensou em incluir duas bandejas de zinco na sala lúdica, uma com areia e outra
com água.
Os brinquedos da caixa das maravilhas eram mantidos em pequenas gavetas de um
armário que foi batizado pelas próprias crianças como “ O mundo”, daí a denominação da
técnica por Lowenfeld de técnica dos mundos.
Em 1930, a clínica de Lowenfeld ficou conhecida como Instituto de Psicologia Infantil
(ICP), na qual psicoterapeutas infantis de todas as partes do mundo centralizavam suas
pesquisas em técnicas através das quais as crianças poderiam se expressar. A técnica
dos mundos e o teste mosaico foram os resultados de tais pesquisas. Margaret
Lowenfeld acreditava que poderia perceber os estados mentais das crianças quando elas
usassem miniaturas numa bandeja rasa de areia e passou a dedicar suas pesquisas ao
estudo das impressões e experiências que desenvolveu com crianças que não
conseguiam transmitir para palavras seus estados emocionais.
Ela apresentou seus procedimentos no tratamento de crianças na Seção Médica da
Sociedade de Psicologia Britânica, descrevendo as três metas da técnica dos mundos.
São elas: diminuir a ansiedade da criança por provisão de segurança e aceitação de suas
produções, excluir excessos de energia emocional por intermédio do brinquedo simbólico
e oferecer uma estrutura de estabilidade. Lowenfeld enfatizou sua crença de que a
interpretação das produções das crianças no jogo de areia não era necessária, pois
acreditava que esse jogo já era terapêutico.
Suas interpretações foram contestadas por terapeutas como Melaine Klein, que
acreditava nos sentimentos de transferência como componentes da interação terapeuta
paciente.
Em 1954, enquanto estudava no Instituto Jung, em Zurique, Dora Kalff (1904-1990)
assistiu a uma conferência dada por Margaret Lowenfeld. Incentivada por Jung, foi
estudar com Margaret Lowenfeld e outros psicanalistas, como Michael Fordham e Donald
Winnicott. Michael Fordham, que era o primeiro terapeuta junguiano infantil morando na
Inglaterra, atuou como mentor de Kalff em Londres.
De volta à Suíça, Kalff começou o processo criativo para integrar seus conhecimentos
junguianos às aprendizagens adquiridas com Lowenfeld. Integrando seus muitos anos de
trabalho junguiano com as contemplações da técnica dos mundos sintetizou sua teoria
pessoal que deu o nome de sandplay (jogo de areia) para diferenciar da técnica de
Lowenfeld.
Intimamente ligada ao interesse de Kalff em desenvolver o sandplay como ferramenta
analítica estava sua atração pelas filosofias asiáticas. Não muito tempo depois que Dalai
Lama foi banido do Tibet, em 1959, Kalff foi ver um monge tibetano refugiado e lhe deu
abrigo em sua casa durante oito anos. Isso facilitou seu contato com renomado zen
budista D. Suzuki. Ao descrever sua prática de adiar a interpretação das caixas de areia,
Suzuki reconhece um paralelo entre o sandplay e a prática zen. Nesta, ao aprendiz,
como procurador da sabedoria, não é dada resposta direta para a sua pergunta, ele é
levado de volta à imaginação e aos recursos interiores.
A orientação junguiana de Kalff permitiu-lhe, com o uso do sandplay, uma
comunicação técnica com crianças, bem como o desenvolvimento do potencial para dar
forma a imagens simbólicas do inconsciente. Jung via suas experiências do jogo de areia
como uma vasta frente criativa de recursos simbólicos.
Foi Kalff quem propagou o uso do sandplay como técnica central de atendimento, já
Weinrib a utilizou como técnica auxiliar ao processo terapêutico.
Atualmente, a técnica do jogo de areia tem sido difundida por Ruth Ammann (2002).
Originalmente formada em Arquitetura, ela estudou no C. G. Jung Institute, em Zurique,
no qual se formou como analista junguiana e passou a se dedicar à pesquisa do
significado do espaço e do ambiente construído em função do desenvolvimento
psicológico das pessoas.
Nas últimas duas décadas, a técnica da caixa de areia e das miniaturas tem sido
introduzida no cenário das escolas por professores, bem como por orientadores
escolares. Ela tem sido aceita porque os educadores têm, há muito, entendido que
brincar na areia facilita o desenvolvimento físico, social, emocional e das habilidades
acadêmicas.
Mary Noyes, ex-professora de escola e membro do Sociedade Internacional na Terapia
com sandplay (ISST), fundado por Kalff, em 1985, relata o uso do sandplay no ensino da
leitura. Constatou que a experiência aprofundou a harmonia e intimidade entre as
crianças, melhorou a autoestima e ajudou a resolver conflitos internos. Além disso, o
grau de melhora em leitura, mostrado ao final daquele ano, foi mais alto do que nos dois
últimos anos anteriores sem o uso desse recurso.
No Brasil, a utilização da técnica da caixa de areia e das miniaturas foi introduzida por
Fátima Gambini (psicóloga junguiana que fez sua formação com Kalff), que, num grupo
em que tive a oportunidade de participar, discutia as diversas experiências do uso do
sandplay.
2.4
O olhar psicopedagógico para a caixa de areia e as
miniaturas no âmbito da clínica
Na psicopedagogia, a utilização do recurso da caixa de areia e das miniaturas tem
demonstrado que o respeito ao tempo vivido tem possibilitado a organização do
pensamento e das emoções envolvidas no processo de aprendizagem. Com esse
recurso, buscamos um espaço intermediário para o desenvolvimento da criatividade e de
autoria de pensamento.
Ao brincar com as miniaturas na composição de cenas na areia, o aprendiz exercita a
experiência de tomar a realidade do objeto para transformá-la, aceitando os limites que ela
impõe. Alicia Fernandez (2001, p. 130) enfoca o redimensionamento do brincar a partir do
aporte winnicottiano de espaço transicional, salientando a necessidade de conceituar um
tempo transicional que possibilite ao aprendiz maior contato com a subjetividade.
Segundo Fernandez (2001, p. 130), “Hoje se faz mais imperioso do que nunca
possibilitar a escuta e a palavra aos jovens e às crianças. O brincar como possibilidade
de relatar e inventar histórias e personagens está em primeiro lugar. Quando uma
criança brinca, realiza a tarefa de construção e reconstrução permanente”.
Ao oferecer um espaço e um tempo para construção de cenas na areia, buscamos
oportunizar a autoria de pensamentos necessários ao aprender. O brincar com a areia
expressa a busca por repouso, segurança e regeneração. A areia simboliza a eternidade,
o infinito, o invisível e a criação.
Tomei conhecimento do jogo de areia ou sandplay em meu processo terapêutico.
Percebendo-o como reorganizador interno, busquei ressignificá-lo e reelaborá-lo,
adequando sua utilização na clínica psicopedagógica.
Estabelecendo conexões entre a teoria psicológica junguiana e a teoria psicopedagógica
da Epistemologia Convergente, proposta por Jorge Visca (1987), tenho utilizado esse
recurso tanto no processo avaliativo, quanto no atendimento psicopedagógico na clínica.
Na avaliação psicopedagógica, o recurso da caixa de areia e das miniaturas tem sido
utilizado na elaboração de hipóteses das dificuldades de aprendizagem, cujos sintomas
são indicados na queixa, norteando a linha de pesquisa investigativa. Um olhar centrado
na dinâmica e na temática do aprendiz durante a construção, acrescido da análise da
cena construída e da história produzida, tem possibilitado deduções dos aspectos que
podem estar obstaculizando o processo de aprendizagem. Segundo o psicopedagogo
argentino Jorge Visca (1987, p. 74), a temática consiste em tudo o que o sujeito diz e a
dinâmica em tudo que o aprendiz faz (gestos, tons de voz, postura corporal), que como
toda conduta humana, tem um aspecto manifesto e outro latente. Ao anotar as reações
do aprendiz durante a construção na caixa de areia, o psicopedagogo terá condições de
levantar hipóteses e fazer deduções do funcionamento do pensamento do aprendiz e das
estratégias que utiliza para aprender, portanto,
Todo o movimento para a caixa de areia e as miniaturas é observado e
considerado significativo e importante. Como a criança se aproxima, olha,
explora, manipula, escolhe, pega, cria. Observamos, também, a expressão, os
sons e as vozes – onomatopaicos, diálogos, imitações, gritos ou silêncio, o limite
da caixa, a organização – seleção, distribuição, quantidade de miniaturas etc.
Enfim, o seu envolvimento com a atividade.(Küster; Parolin, 1999, p. 235-236)

Nos atendimentos psicopedagógicos, esse recurso também tem sido utilizado como
intermediário de produções textuais, de interpretações de livros de histórias, bem como
um material disparador de projetos de aprender e de jogos de tabuleiro.
No âmbito escolar, tem sido fonte organizadora da dinâmica social de pequenos
grupos, além de espaço intermediário para reflexões dos conteúdos pedagógicos. Em
uma dimensão construtivista, a criança aprende organizando o seu mundo, ao mesmo
tempo em que se organiza por meio dos processos de adaptação, de assimilação e de
acomodação definidos por Piaget. Essa atividade reflexiva tem como função uma
adaptação dos conhecimentos do aprendiz às exigências do tema ou conteúdo abordado
e tem sido enriquecida com a utilização da caixa de areia e das miniaturas.

2.5
As intervenções
Consciente de que a intervenção psicopedagógica tem por objetivo abrir espaços para o
conhecimento dos próprios processos de aprendizagem, tenho utilizado a caixa de areia
e as miniaturas como recurso interventivo alicerçado nos ensinamentos da
Epistemologia Convergente.
O objetivo é mobilizar o aprendiz a utilizar processos metacognitivos que certamente
propiciarão a consciência, o controle e a transformação de suas aprendizagens.
As intervenções utilizadas dependem muito da situação em que é proposta a
construção na caixa de areia e com o utiliza das miniaturas. Quando utilizada durante o
processo de avaliação, procuramos empregar intervenções semelhantes à que Jorge Visca
usa na Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca), com uma consigna de
abertura e outras intervenções que auxiliem o psicopedagogo a levantar hipóteses sobre
o funcionamento do aprendiz. Na Eoca, técnica proposta por Visca, para primeira
entrevista com o aprendiz, a consigna de abertura utilizada é: “Gostaria que você me
mostrasse o que aprendeu, o que sabe fazer com esses materiais que estão sobre a
mesa”, e o material oferecido é caracterizado como escolar (papel, lápis, régua, borracha,
cola, tesoura etc.).
Quando utilizo a caixa de areia e as miniaturas na avaliação psicopedagógica,
geralmente, não as utilizo na primeira entrevista, e sim durante o processo avaliativo. A
consigna inicial também é diferente da utilizada por Visca e visa deixar o aprendiz livre
para optar ou não pela construção na caixa de areia. Ao perguntar: “Você gostaria de
construir uma cena na caixa de areia com as miniaturas?”, o psicopedagogo respeita as
possibilidades do aprendiz em lidar com os elementos simbólicos das miniaturas.
Geralmente, ao realizar tal pergunta, o aprendiz já manifestou corporalmente ou
verbalmente o interesse pelas miniaturas e pela caixa.
A atitude do psicopedagogo durante a construção na caixa de areia deve ser mais de
observador, acompanhando um pouco afastado a movimentação do aprendiz entre as
miniaturas e os materiais de apoio como cercas, conchas, palitos e pás. Geralmente
nesses momentos atenho-me a registrar a DINÂMICA e a TEMÁTICA da construção.
Somente intervenho quando o aprendiz solicita, procurando utilizar INTERVENÇÕES
ALENTADORAS VERBAIS e GESTUAIS como, por exemplo: “Você tem todas essas miniaturas à
sua disposição” ou apontando para a prateleira em que se encontra a miniatura
solicitada.
As intervenções de pesquisa geralmente são utilizadas no final da construção da cena,
quando o aprendiz dá por terminada sua caixa de areia. Nesse momento, procuro utilizar
algumas INTERVENÇÕES DE PESQUISA DO DOMÍNIO COGNITIVO, AFETIVO E FUNCIONAL como, por
exemplo: “Explique-me o que você entende sobre isso que construiu”, “Como se sente em
relação ao que acabou de me contar?” ou, ainda, “Temos uma miniatura que pode
completar essa sua cena”.
Depois de algumas intervenções investigativas, sugiro a construção de uma história
que geralmente tem o psicopedagogo como escriba.
Vejamos o exemplo de uma construção durante o processo de avaliação de uma
menina que no período da investigação psicopedagógica estava com 6 anos e 8 meses,
frequentava o segundo ano do ensino fundamental de nove anos 12 e trazia como queixa
dificuldade na leitura e escrita.
Segundo a mãe, a menina estava muito ansiosa por não estar conseguindo ler, dizia:
“É como se andasse dois passos pra frente e um para trás”.
Em todas as sessões a menina trazia muitos cadernos e canetas de cores e brilhos
diferentes. Observei que mais do que utilizá-los, queria possuir e mostrar uma grande
variedade de lápis e papéis. Durante a construção da cena na caixa de areia, modificou o
tema varias vezes e olhava constantemente para a psicopedagoga buscando referência
em uma atitude dependente. Demonstrou indecisão na escolha das miniaturas e ritmo
lento na manipulação da areia e objetos. Na elaboração da história necessitou da ajuda

12 A Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, estabelece a matrícula das crianças a partir dos seis anos de
idade no ensino fundamental, aumentando-o, na prática, para nove anos de duração. Para ver essa lei
na íntegra, acesse o site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11114.htm>.
da psicopedagoga com elementos coesivos como “então”, “daí”, “certo dia” etc. para
dar continuidade à história. Podemos dizer que apresentou uma dinâmica dependente e
que a temática reproduzia várias situações do seu inconsciente e história de vida,
confirmados depois na anamnese. É importante ressaltar que, na linha teórica da
Epistemologia Convergente, a anamnese é realizada no final do processo avaliativo.
Vejamos a história relatada a partir da imagem anterior:

Texto produzido por uma criança de 6 anos e 8 meses que teve a


psicopedagoga como escriba
O Parque das Letras
Era uma vez umas irmãs gêmeas que tinham pedras brilhantes. Elas iam pra lá e pra
cá, e se perderam da mãe delas. E daí, a mãe delas ficou brava, porque elas cataram
muitas pedras e tinham alergia a pedras. Daí, elas ficaram de castigo um mês e não
podiam comer no parque.
Certa vez elas comeram no parque sem saber as letras, e elas falaram:
– Qual você quer?
– Mas eu não sei ler.
– Mas você tem olho para olhar ali na plaquinha?
E daí, elas ficaram de castigo, porque elas não escutaram direito.
Daí, elas só podiam ficar em casa, porque eram adultas e elas não escutaram direito o
que a moça falou.
Elas tinham 18 anos e daí, elas viajaram de avião para Buenos Aires. Elas não
conseguiram pegar o avião, porque a mãe delas pensava que elas iam longe.
Elas ficaram um mês lá em Pinhais, elas iam andar de kart e elas tinham um gatinho
que só obedecia a elas.
E daí, foram para São Paulo de carro e levaram suas pedras preciosas e foram no
Parque das Letras.

A história do Parque das Letras retrata alguns aspectos que foram desvendados
durante a avaliação e no atendimento psicopedagógico posterior como, por exemplo,
uma otite que necessitou de cirurgia e que comprometeu a audição da menina durante
um bom tempo. Outro aspecto abordado na história foi a superproteção materna em
virtude das alergias que a criança apresentava e a necessidade latente de maior
independência da menina. Bem como a possibilidade de ficar um mês em situações de
lazer para ter condições de levar as pedras preciosas ao Parque das Letras.
Por apresentar um ritmo lento, a menina muitas vezes era “atropelada” pelos adultos
que lhe facilitavam as tarefas, assim passou um bom tempo somente no que
denominamos de pré-tarefa, ou seja, com muitos cadernos e canetas coloridas, porém
não conseguindo entrar efetivamente na tarefa de decodificação e interpretação da
escrita.
A análise da produção textual não será abordada neste momento, pois o foco da nossa
reflexão é a utilização do recurso da caixa de areia e a sua interpretação simbólica.
Consciente de que uma modalidade de aprendizagem surge na inter-relação da
estrutura cognitiva e afetiva e que ela está relacionada com as atitudes, vínculos,
estratégias, manejo de ansiedades, manejo do erro e ritmo do aprendiz, possibilitamos
um maior tempo para que a menina que criou o Parque das Letras brincasse com as
miniaturas e descobrisse a função social da escrita e sentisse a necessidade de
interpretar o nosso código de escrita.
Vale ressaltar que utilizo a técnica da caixa de areia e das miniaturas como um
recurso auxiliar no atendimento psicopedagógico, ou seja, introduzo outros recursos de
intervenção durante as sessões como jogos e projeto.
Outros cenários e histórias surgiram que infelizmente não teremos possibilidade de
abordar. Junto a eles, um projeto de aprender, que teve como apoio elementos das
construções na caixa de areia associados a outros da literatura infantil, como no
exemplo a seguir, no qual a menina do Parque das Letras criou um cenário que teve
como disparador o livro infantil A casa sonolenta de Audrey Wood e Don Wood (2002).

Texto produzido a partir do projeto para aprender.


A casa engraçada
Era uma vez quatro pessoas que moravam em uma casa engraçada.
Nessa casa tinha uma cadeira, uma cama e um espelho engraçado.
O reflexo do sol batia no espelho e eles não achavam engraçado.
Nessa casa engraçada quando começava a chover todo mundo dava risada e corriam
para cama de pijama.
A filha e o filho dormiam em cima da mãe e o pai ficava na cadeira desacomodado
dando risada.
Quando aparecia o arco-íris o pai e a mãe contavam coisas engraçadas.
Os filhos faziam a tarefa de casa enquanto os pais davam risada.
Porque a tarefa dos filhos era escrever duas piadas engraçadas.
Nessa casa engraçada quando o sol aparecia todo mundo chorava e não sabiam o que
fazer.

No livro A casa sonolenta, a cena acontece no quarto de uma avó e tem como
personagens um menino, um cachorro, um gato, um rato e uma pulga, além da figura da
avó. No projeto da menina do Parque das Letras, a cena se passa no quarto dos pais e
traz como personagens o pai, a mãe, um filho e uma filha. Essa caracterização nos
remete à necessidade da proteção familiar e ao vínculo ainda muito dependente da
menina do Parque das Letras, que nos reporta à dificuldade maturacional para aprender,
já mencionada anteriormente.
A partir do momento que teve oportunidade de brincar subjetivamente com as letras e
histórias, a menina que queria brincar com as letras teve condições de caminhar com
maior firmeza na leitura e na escrita.
Nesse projeto, podemos perceber que não existem mais castigos e doenças, e que a
escrita adquire uma conotação social “escrever piadas engraçadas”. Falando
simbolicamente, é importante que a menina do Parque das Letras consiga sair do quarto
dos pais, da proteção da família nuclear, para que consiga efetivamente brincar com as
letras e mergulhar no mundo da leitura.
Um aspecto importante da utilização da técnica da caixa de areia e das miniaturas é o
registro fotográfico. A fotografia imortaliza as construções e mantém viva na memória
das crianças as sensações das cenas anteriores. Mantenho um álbum na caixa de
trabalho de cada criança, que constantemente é apreciado por elas. Em alguns
momentos compartilho dessa apreciação e frequentemente, os aprendizes reconhecem
os significados simbólicos dos cenários relacionando-os a sua própria história de
aprendizagem. Esses momentos de reflexão metacognitiva são extremamente
significativos, pois remetem a conscientização de seu trajeto evolutivo.
Outro aspecto que é enfatizado na terapia junguiana e que procuro respeitar, é que
um cenário nunca deve ser desmontado na frente do aprendiz, pois desvaloriza o ato de
criação e quebra o vínculo entre ele e seu eu interior e o vínculo silencioso com o
psicopedagogo. Interessante perceber o respeito que as crianças têm pelas cenas de
outras crianças e a natural pergunta ao se aproximarem das caixas construídas. “Você já
fotografou?”

2.6
Evoluções dos cenários e da técnica
O que faz do homem um ser único perante os outros seres que existem no mundo é sua
capacidade de simbolizar. Para se comunicar, ele utiliza vários outros elementos, como
gestos, formas, desenhos e sinais gráficos, além de palavras. Dessa atividade
representativa se apreende o mundo e busca-se adapta-o à realidade.
A orientação junguiana que Kalff deu a técnica dos mundos de Lowenfeld permitiu um
olhar mais apurado às imagens simbólicas representadas pelas miniaturas.
Para Jung (1998, p. 20), “uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica
alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato”. Ou seja, traz um significado
único e intransferível, mesmo que tenha características universais.
Uma das identificações que estabelecemos entre a Psicopedagogia e a terapia
junguiana é a busca dos aspectos latentes às dificuldades de aprendizagem.
Para Piaget, citado por Wadsworth (1977, p. 65), as representações começam a se
manifestar no período pré-operacional, quando a criança inicia o que se denominou
função simbólica, que se manifesta pela imitação diferida, pelo jogo simbólico, pelo
desenho, pela imagem mental e finalmente pela linguagem falada. Nessa perspectiva, as
relações da criança começam a adquirir significado por volta do segundo ano de vida,
quando o desenvolvimento intelectual passa a ser predominantemente afetado pelas
atividades representacional, simbólica e social. Desse momento em diante, o
desenvolvimento intelectual da criança se dá mais na área simbólica do que na área
sensório-motora. Portanto, as representações simbólicas não podem se manifestar
independentemente do desenvolvimento do intelecto. Tais aspectos alicerçam a
utilização da caixa de areia e das miniaturas na Psicopedagogia.
Alicia Fernandez (1990, p. 219) afirma que
O pensamento é um só, não há um pensamento inteligente e outro simbólico, já
que tudo vem entrelaçado, como se um deles fosse o fio horizontal, o outro o
vertical, e o pensamento uma trama; quando falta um deles, a trama não se
constrói. Ao mesmo tempo dá-se a significação simbólica e a capacidade de
organização lógica.

Muitas pesquisas foram realizadas na análise dos cenários construídos desde os


tempos de Lowenfeld e Kalff, algumas delimitando a quantidade de miniaturas
oferecidas, outras o posicionamento das miniaturas em quadrantes, outras a presença
de elementos simbólicos que se repetem e assim por diante.
Numa perspectiva junguiana, um símbolo é algo composto que, somente quando
combinado e significado, tornar-se-á símbolo de alguma coisa. Portanto, os elementos
simbólicos elencados dos cenários dos aprendizes somente terão significado se forem
combinados com suas histórias.
Em minha prática psicopedagógica, procuro acompanhar as evoluções dos cenários de
acordo com a organização das cenas e conseqüente estruturação das histórias. Observo
elementos significativos nas construções procurando relacioná-los as histórias dos
aprendizes, porém sem direcioná-los a interpretações rígidas, pois acredito que cada ser
é único e tem particularidades que só a ele pertencem.
Vejamos agora a produção de alguns cenários de um menino de 9 anos que frequenta
a terceira série do antigo ensino fundamental de oito anos e que traz como queixa
dispersão e imaturidade para aprender.

Texto produzido oralmente por uma criança de 9 anos que teve a


psicopadagoga como escriba
A tribo dos irmãos
Eles eram os irmãos briguentos e inventaram a guerra. E todo dia eles faziam uma
reunião com a tribo para que um dia possam vencer. Daí, o irmão decidiu atacar a tribo
e atacou, mas teve muita gente que morreu. Eles depois decidiram enviar um “envio” de
tropas e depois a tribo decidiu mandar os aviões para destruir com torpedos submarinos.
(criança fez comentários como: “Você já viu aquele filme ‘Pearl Harbor’??? Se refere ao
ataque dos japoneses aos americanos na ilha de Oahu,Havai”).
E os caras que tavam acampando no mato decidiram ajudar a turma do bem, e a do
mal mandou seis barcos de guerra (durante a criação da história, a criança vai até a
caixa contar a quantidade de barcos. Existem sete barcos, mas não corrige o relato).
E a tribo do bem morreu, só sobrou o chefe, tem dois chefes.
Daí, eles decidiram fazer uma luta entre irmãos e eles conseguiram recuperar umas
dez pessoas que ajudaram na guerra. E depois eles enviaram dez navios de tropa cada
um.
Mas o irmão dele esqueceu de fechar o cano de ar do navio e todos afundaram e os
do bem conseguiram chegar até o chefe do bem.
Daí, eles iam atacar com cavalo e daí morreu muita gente e decidiram fazer uma luta
entre os chefes irmãos. Daí, os do bem conseguiu ganhar, recuperar dois caras bons,
mas o rei conseguiu ganhar.
Acabou.

Podemos perceber na história momentos de dissociação do enredo e dispersão por


associação de ideias, como o comentário sobre o filme a que assistiu e a interrupção
para contar a quantidade de barcos. Apesar de entretido na construção da cena na caixa
de areia e na elaboração da história, constantemente perguntava o que mais iria fazer,
demonstrando extrema ansiedade e insegurança.
Ao oferecer a caixa de areia e as miniaturas, minha intenção foi oportunizar um
espaço para que a criança pudesse guerrear com o bem e o mal e se sentir fortalecida.
Minha intenção nesse momento foi permitir que tivesse um livre espaço de expressão.
Os conflitos na relação entre irmãos são constantes nessa faixa etária e servem para
lidar com as frustrações e ciúmes, portanto, mais importante que a “relação dos irmãos
briguentos”, é a forma como desenvolve o raciocínio em situações de ansiedade. A
constante dissociação de campo gerada pela ansiedade e pela impulsividade do
pensamento pode ser controlada pelo próprio recurso da caixa de areia e das miniaturas,
pois além de prazeroso é um “espaço livre e protegido” de expressão.
A expressão livre e protegido é o aspecto central da terapia na caixa de areia de Kalff,
expresso tanto nas dimensões físicas quanto psicológicas da técnica. O elemento físico
do “espaço livre e protegido” é a própria limitação da liberdade que é estabelecida pelo
tamanho da caixa. A liberdade para criar o que se deseja é protegida pela limitação do
numero de miniaturas que sempre será finito (Weinrib, 1993, p. 37).
Na cena construída pelo mesmo menino de 9 anos, um mês depois surgiram temas
relacionados aos conteúdos escolares e à iniciativa da produção escrita pela própria
criança. Envolvido com o tema, ele arriscou, a escrita que era constantemente evitada.
As trocas, aglutinações, tempos verbais, a dificuldade de pontuação aparecem, porém
não são exploradas no momento. O texto é guardado com o registro fotográfico para
análise posterior junto com a criança e comparações entre outras produções escritas.

Texto produzido pela criança referente à caixa de areia da Figura 2.7


Na atuação psicopedagógica nossas intervenções visam possibilitar ao aprendiz
condições para que perceba o próprio funcionamento e estabeleça aprendizagens
significativas. Utilizamos intervenções psicopedagógicas de caráter subjetivo, descritas
na introdução desse livro, que possibilitam ao aprendiz progressos em suas produções
escritas.
O que temos percebido nesses anos de atuação com a utilização da técnica da caixa
de areia e das miniaturas é que as evoluções das cenas construídas acompanham a
estruturação das produções textuais e que a análise posterior das cenas e histórias tem
possibilitado a reelaboração de aprendizagens.
É importante ressaltar que o próprio recurso é um organizador. Lowenfeld defendia a
ideia de que se as crianças tivessem oportunidade de expressar seus impulsos
agressivos pela plasticidade da areia, estes seriam evitados na idade adulta.
Vejamos a construção de mais uma caixa de areia do mesmo menino de 9 anos, três
meses depois da anterior.

Texto produzido oralmente por uma criança de 9 anos sobre o


conflito entre portugueses e espanhóis
A guerra
Em 1801 os portugueses se revoltaram com os espanhóis. Eles fizeram um território e
fecharam para os espanhóis. Tinha um monte de coqueiros, poluição, pedras,
redemoinhos, era uma cidade perdida. Os espanhóis não conseguiram descer das
caravelas e também se ficassem por muito tempo iriam morrer, porque os portugueses
estavam atirando. A cidade foi toda ajudar, não ficou ninguém dentro das casas.
Montaram uma barreira de madeira e os espanhóis pensaram que só tinham homens e
não canhões. Os aviões dos portugueses jogaram garrafas e salgadinhos para os
tubarões e baleias irem até a praia e não deixarem os espanhóis entrarem. Os espanhóis
estavam quase se rendendo, quando os tubarões foram embora. Eles foram derrotados
com tiros de canhões, tiros de aviões e de pessoas. Daí, os portugueses pegaram suas
caravelas e tiraram todos os habitantes da praia e levaram para seu território.

Um aspecto importante a ressaltar é que, muitas vezes, os temas dos cenários se


repetem. Da destruição provocada pelos “irmãos briguentos” para a proteção do
território houve algumas evoluções, tanto nos cenários como na organização dos textos.
Podemos perceber que a criança consegue permanecer no tema durante a construção
da história, sem fazer dissociações do pensamento para outras situações vivenciadas
como fazia anteriormente.
Tal detalhe deve ser levado em conta, já que trabalhamos com aspectos latentes às
dificuldades de aprendizagem. A observação criteriosa e a análise dos cenários das
figuras 11 e 12 sinalizam uma maior organização espacial, a ampliação de critérios
classificatórios e o controle da impulsividade na escolha das miniaturas.
O menino de 9 anos que queria guerrear parece mais tranquilo, assim como a sua
produção na caixa de areia. Os conflitos permanecem, porém podemos perceber uma
cidade mais organizada e calma. Surge a preocupação com a defesa do território e com
as estratégias para vencer. As situações de conflito conseguem ser amenizadas, porém
ainda enfatizando a necessidade de defesas.

2.7
A experiência no âmbito escolar
Nas duas ultimas décadas, a caixa de areia e as miniaturas têm sido introduzidas nas
escolas por professores e orientadores educacionais.
Utilizamos a técnica do jogo de areia em um grupo de crianças que frequentavam uma
escola particular em regime integral durante um semestre inteiro. Um dos objetivos da
utilização da caixa de areia e das miniaturas foi atender à solicitação da escola, que
trazia como queixa questões disciplinares atribuídas pela direção à diversidade da faixa
etária das crianças. O grupo era constituído por crianças de 6 a 9 anos de ambos os
sexos e os encontros eram semanais com duas horas de duração.
Tínhamos três caixas para uma media de 15 a 18 crianças. As miniaturas inicialmente
foram levadas pela psicopedagoga, que aos poucos construiu um acervo do próprio
grupo com doações das crianças. Iniciávamos nossos encontros lembrando os
combinados e estabelecendo critérios para as divisões dos subgrupos. As crianças
ficavam entretidas nessa atividade por aproximadamente uma hora e só aceitavam
concluir os cenários quando pontuávamos o tempo para o término da atividade.
Geralmente construíamos histórias e fotografávamos os cenários, que chegaram a se
transformar em projetos de aprender. Percebemos que, ao proporcionar um espaço e um
tempo para as crianças brincarem juntas na caixa de areia com as miniaturas,
possibilitamos condições para um convívio com respeito às individualidades, à aceitação
das diferenças, à conscientização das suas próprias limitações, além é claro de
evoluções na produção dos cenários e histórias.
A utilização da caixa de areia e das miniaturas no âmbito escolar tem por objetivo a
receptividade para a aprendizagem e como consequência uma série de benefícios e
possibilidades como:

Autonomia relacional;
Desenvolvimento da criatividade;
Reelaboração dos conteúdos curriculares;
Ampliação dos conhecimentos escolares;
Organização do grupo;
Vinculação significativa com a aprendizagem;
Possibilidade de explorar as dimensões racional, relacional, desiderativa e funcional
dos alunos.

É importante deixar claro que, ao montar um cenário em grupo, as crianças não estão
fazendo terapia, mas apenas facilitando o jogo imaginativo.

Síntese
Ao utilizar o recurso da caixa de areia e das miniaturas durante os últimos 16 anos, num
enfoque psicopedagógico tanto na clínica como na escola, podemos concluir que essa
experiência tem propiciado avanços significativos no processo de aprendizagem, tais
como: a ampliação do vocabulário no desenvolvimento da linguagem oral e escrita; a
coerência e coesão nas produções textuais; a planificação das cenas construídas com
maiores habilidades na organização espacial e classificatória; a ampliação da capacidade
de análise e síntese; o desenvolvimento da autonomia e independência, caracterizando
uma melhora na vinculação com a aprendizagem.
A leitura simbólica nos possibilita acolher e entender as necessidades dos aprendizes,
bem como buscar outros recursos de intervenção, se necessário.
Ao trabalhar com um material lúdico e que não exige habilidades específicas, estamos
propondo um espaço criativo e “aparentemente” descomprometido com o pedagógico,
mas que viabiliza a aprendizagem de forma prazerosa e significativa.

Indicações culturais
Site
LEVY, E.; HORSCHUTZ, R. W. Psicologia analítica: jogos de areia – sandplay. Disponível
em: <http://www.jogodeareia.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2010.
“Site” elaborado pelas terapeutas junguianas Edna Levy e Renata Whitaker
Horschutz, para conhecimento da teoria que fundamenta a técnica da caixa de
areia e das miniaturas. Lá você encontrará, além de informações teóricas, dicas
de onde adquirir miniaturas diferenciadas e notícias sobre cursos de
aprofundamento. Vale lembrar que o olhar psicopedagógico não é abordado
nesse site.

Filme
JORNADA da alma. Diretor: Roberto Faenza. Produção: Elda Ferri. França: Meduza
Distribuizone/Playart, 2003. 89min.
Esse filme trata sobre aspectos relativos à transferência e à contra-transferência
entre médico e paciente e suas significativa importância no processo de cura. Até
que ponto conseguimos neutralidade e impessoalidade nas relações profissionais?
Um filme para refletir sobre o envolvimento que estabelecemos com as crianças e
famílias que atendemos no âmbito da clinica.

Atividades de Aprendizagem
Questão para Reflexão
1. Conte a um colega sobre sua infância, sobre as principais brincadeiras e os
brinquedos de que gostava. Se necessário, faça uma pesquisa em suas fotos de
infância. Identifique objetos que tiveram um valor simbólico importante em sua
história de vida e busque relacioná-lo a acontecimentos no seu processo de
aprendizagem. Essa retrospectiva fará com que compreenda o conceito de símbolo na
teoria junguiana.

Atividade Aplicada: Prática


1. Peça aos seus alunos que tragam uma miniatura de alguma coisa que tenham em
casa e que se identifiquem. Explore as miniaturas e as explicações sobre as
identificações com os objetos procurando anotar os relatos. Proponha a criação de
uma história em grupo em que os personagens sejam as miniaturas que trouxeram.
Fotografe as miniaturas e guarde com o texto para reler com o grupo depois de um
período, quem sabe no próximo semestre.

3. Projeto de
aprender
Laura Monte Serrat Barbosa

O projeto de aprender não é um método, e sim uma atitude educativa que dá sentido
às situações de aprendizagens. É parte de um tema-problema e envolve, para a busca
de solução e execução, vários conhecimentos que se entrelaçam e se articulam
formando um grande mapa referencial que indicará o caminho dos aprendizes no
desenrolar do projeto.
Seu formato responde a algumas necessidades do mundo de hoje. Além da
interdisciplinaridade, atende à diversidade, já que propõe que os aprendizes executem o
projeto e não, simplesmente, reproduzam conteúdos de aprendizagem. Para a execução
não há um caminho predeterminado e a diferenciação vai aparecendo paulatinamente e
leva o aprendiz a lidar, também, com o ponto de vista dos outros.
Na clínica, o projeto de aprender possui uma especificidade por servir de instrumento
instigador da aprendizagem e promotor do desenvolvimento, inclusive do enfrentamento
das dificuldades que se impõem nesse percurso.
Para que ele se efetive, é preciso que o psicopedagogo acompanhe o interesse do
aprendiz e intervenha quando necessário para que este amplie e ou aprofunde suas
condições de aprendizagem.

3.1
Origem e evolução
O projeto de aprender nasceu em minha prática psicopedagógica a partir do recurso de
intervenção que denominei projeto de trabalho. Em 1998, lancei um livro com o título
Projeto de trabalho: uma forma de ação psicopedagógica, no qual descrevia o trabalho
desenvolvido por mim desde o final da década de 1970 no Instituto de Psicologia e
Fonoaudiologia, em Campinas e, no início da década de 1980, na Gradual Terapias
Associadas em Curitiba.
Essa forma de atuação foi sofrendo mudanças, aperfeiçoando-se durante todo o meu
percurso como psicopedagoga no espaço da clínica, que totaliza mais de 40 anos de
trabalho.
O meu encontro com a Epistemologia Convergente e com Jorge Visca, em 1987, foi o
primeiro fator de mudança da minha atividade em psicopedagogia. A partir desse
momento, comecei a introduzir na clínica os recursos de intervenção de caráter
subjetivo, os quais utilizava apenas de forma intuitiva, o que me dava menos condições
de avançar na sistematização de meu trabalho.
O encontro com a visão sistêmica e com a equipe da Síntese – Centro de Estudos da
Aprendizagem, em 1989, influenciou sobremaneira nas permanentes modificações da
minha ação psicopedagógica. A partir daí a dificuldade de aprendizagem passou a ser
contextualizada também como um possível sintoma do grupo familiar e/ou do grupo escolar
expresso por um aprendiz. Na década de 1990, juntamente com a equipe da Síntese,
começamos a sistematizar uma forma de avaliação psicopedagógica que contemplasse
esta contextualização e também o atendimento, incrementando formas de atendimento
grupais. Entre esses estudos e ações desenvolvemos também o projeto de trabalho em
grupos de aprendizagem, outro marco do crescimento desse recurso psicopedagógico.
No final da década de 1990, organizei o livro ao qual me referi anteriormente,
fundamentando, assim, essa ação psicopedagógica.
Na escrita de outro livro, A psicopedagogia e o momento do aprender (2006), portanto
quase dez anos depois, quando estava sistematizando minha visão do que entendia por
aprendizagem e minha vivência com a aprendizagem por meio do projeto de trabalho,
percebi que ele já havia evoluído muito em relação à forma original e que essa evolução
era constante e contínua. Mais do que um trabalho, naquele momento percebi, que
projeto de trabalho propunha, àqueles que aprendem uma tarefa, uma forma de
perceberem-se como aprendizes e também de corrigirem sua rota de aprendizagem para
aprender mais. Então, embora não estivesse discutindo a ação psicopedagógica no
espaço da clínica, percebi que a mudança de nome: projeto de aprender era necessária
para ambos os campos de aplicação – a clínica e a escola.
Essa mudança de nome teve, também, a influência do trabalho com projetos realizado
na Escola Terra Firme, em Curitiba, cuja equipe de professores responsáveis pela
organização dos projetos foi se mobilizando para que os projetos pensados e
desenvolvidos não se afastassem da tarefa de ensinar e aprender que era, segundo eles,
o principal objetivo da escola.
O exercício realizado para desenvolver uma ação com projetos no espaço da clínica e
da escola e a supervisão de outros profissionais que se propunham trabalhar segundo
minhas propostas foi, certamente, o grande alimento para que o projeto de aprender
surgisse, mantendo muitas das características e intenções do projeto de trabalho, mas
trazendo um olhar direcionado para o aprendiz e seu aprender, não com a ênfase no
produto que resultava do projeto, como muitos colegas ainda insistem em destacar.
Além desse aspecto, outro que me chamou a atenção foi o projeto de aprender, como eu
o concebia agora, apesar de continuar preocupando-se com o desenvolvimento de certas
funções do aprendiz, agora era concebido com um olhar mais refinado, voltado para o
desejo de aprender e para a constituição do aprendiz.
Esse recurso de atenção psicopedagógica é muito simples, porém requer do
psicopedagogo uma habilidade com as intervenções de caráter subjetivo, pois, se isso
não acontecer, facilmente o projeto de aprender pode se tornar um fazer por fazer ou
um fazer para atender apenas às vontades do sujeito, não para aprender, mas para
buscar somente o prazer.

3.2
Fazer o que se pensa...
Quando iniciamos o processo de atenção psicopedagógica fazemos um enquadramento
no qual o aprendiz sabe que vamos partir de algo que lhe interesse para que possa
conhecer sua forma de aprender e possa perceber quais mudanças são necessárias para
aprender cada vez mais e melhor.
Desde o início vamos mostrando para ele que, para realizar um desejo, é necessário
planejar, listar os elementos a serem buscados, organizar, fazer previsões e
principalmente aprender a esperar, pois, mesmo no mundo do instantâneo, aprender,
projetar e executar um projeto não se faz instantaneamente.
O primeiro passo do projeto de aprender é realizar um painel das coisas que já
aprendemos e de que gostamos de ter aprendido e daquelas que desejamos aprender.
Oferecemos ao aprendiz, para a confecção desse painel, uma folha grande de papel
rolo ou cartolina, revistas, canetas hidrográficas ou giz de cera e solicitamos que ele
fizesse um painel de suas aprendizagens, daquilo que aprendeu e de que gostou de
aprender e daquilo que gostaria de aprender. Fizemos também o nosso painel para em
seguida estabelecermos um diálogo sobre nossas aprendizagens possibilitando a escolha
do tema a ser projetado e executado em nossos encontros.
Ao terminarmos os painéis, conversamos sobre eles ressaltando principalmente o que
gostamos no que aprendemos e os nossos interesses para novas aprendizagens e,
então, vamos vendo o que existe em comum e diferente entre nossas aprendizagens. A
partir dessa conversa, falamos sobre o projeto de aprender. Mostrei para o(a) aprendiz
algumas fotos de projetos para que ele(a) tivesse uma ideia sobre o que estava falando.
Atualmente esse recurso já não é mais tão necessário como antes, pois a maioria de
crianças já tem uma noção do que seja um projeto, pois as escolas já utilizam essa
nomenclatura com mais intensidade no cotidiano escolar.
Mesmo que, muitas vezes, a palavra projeto seja entendida de forma diferente, já não
é tão estranha a eles e de certa forma têm uma noção na qual podem ancorar outros
novos sentidos que esta palavra possa ter.
Explico ao aprendiz, no entanto, que estamos falando de aprendizagem para além
daquela que se fala na escola: aquela que o sujeito deseja, que passa por dentro dele,
que o modifica como conhecedor e como pessoa. Claro que tudo isso utilizando a
linguagem que podem compreender e dialogar comigo.
Escolhido o tema, iniciamos nossa tarefa de projetar. O que vamos fazer? Como vai
ser? Para que vai servir? O que vamos precisar? Quanto tempo será necessário? O que
podemos aprender com esse projeto? Quais as nossas intenções?
Nesse momento, iniciamos o trabalho com o latente, pois o novo mobiliza as
ansiedades do aprendiz e prospectar sugere um posicionamento diante da novidade, ao
mesmo tempo em que a necessidade de colocar em movimento o que já se sabe,
também entra em cena promovendo conflitos cognitivos e vinculares necessários para a
aprendizagem.
Pensamos também no número necessário de encontros para a execução do projeto de
aprender ali idealizado, realizamos o projeto fazendo os ajustes necessários no
planejamento inicial e finalmente fazemos a avaliação para verificarmos se o que foi
projetado tem a ver com o que foi executado e com o que foi aprendido.
Quando falo na primeira pessoa do plural é porque quero deixar clara a participação
do psicopedagogo, não para executar os passos do projeto, mas para ser interlocutor,
para mediar sua
realização e de certa forma contrapor, intervir, ratificar sempre que seja necessário.
Encontrei no livro de Isabelle Chavannes (2007) o registro das aulas de Marie Curie,
professora de física, ministradas por ela e por muitos estudiosos de novas formas de
ensino a um grupo de filhos de amigos. Uma dessas formas foi chamada de cooperativa
com o objetivo de iniciação científica, porém partindo das ações, experiência e interesse
dos alunos. O prólogo desse livro, escrito por Yves Quéré, traz uma reflexão que poderia
muito bem ser utilizada para os Projetos de Aprender:
E como não reconhecer que tudo está aqui já em movimento: a acumulação dos
pontos de interrogação que são o ponto de partida de toda ciência; a importância
de toda a experiência realizada pelas próprias crianças; a dialética que se
estabelece então entre a experimentação e a reflexão, entre as mãos e o
cérebro, entre a realidade e a imagem que dela fazemos, dialética que
fundamenta toda pesquisa – científica, histórica, sociológica... - e que as crianças
realizam com tanto envolvimento pessoal, frequentemente com tanta paixão, e
também tão naturalmente [...]. (Quéré, 2007, p. 15)

Essa reflexão nos permite fazer uma relação com o projeto de aprender no espaço da
clínica, não só por trazer a experiência do aprendiz como foco importante, mas também
por provocar o pensamento sobre ela e o envolvimento afetivo que precisa estar
presente em todo ato de aprender. O projeto de aprender requer uma forma de
reelaboração simbólica do vivido que parte do vínculo afetivo do aprendiz com as
situações de aprendizagem, de uma mobilização interna que permite combinar paixão e
compreensão; compreensão e ação; ação e imagem; imagem e conhecimento;
conhecimento e sabedoria.
Em muitos casos, a regulação do que estava planejado, a reestruturação, a criação de
uma nova solução só são possíveis a partir de uma intervenção de quem acompanha o
processo de perto, mas não está dentro dele para ter uma distância ótima e
compreender o que se passa, intervir operativamente de tal forma que o aprendiz possa
encontrar as soluções possíveis e realizar as mudanças necessárias.
A experiência maior é poder idealizar e buscar condições intelectuais, afetivas,
materiais e metodológicas para poder executar o idealizado. É um verdadeiro exercício
da práxis, porque só pensar e deixar o pensado suspenso, sem ação, não leva à
aprendizagem; e somente fazer por fazer, sem dar um sentido à ação, também não
promove a aprendizagem.
Nesse sentido, o projeto de aprender pode ser entendido como um recurso de
intervenção psicopedagógica de caráter objetivo, mas torno a reforçar que ele só
desempenhará sua função se acompanhado das intervenções de caráter subjetivo.
Pensar, planejar e fazer aproxima as pessoas de seus sentimentos e permite que o
aprendiz deixe aparecer condutas que expressam o tipo de vínculo afetivo que
apresentam com as situações de aprendizagem.
Quando o vínculo é confusional, o aprendiz se apresenta mais dependente, deseja e
solicita que o psicopedagogo decida e resolva os dilemas e problemas que aparecem
durante a ação. A intervenção, nesses casos, é realizada visando a mudança do olhar do
aprendiz, para que inicie a discriminação das valências positivas e negativas de si
próprio e da tarefa a que está se propondo. Por exemplo, com uma criança que, a todo
momento, pergunta de forma excessiva se está certa a sua escolha, podemos intervir
dizendo: “Será que as coisas têm somente um jeito de serem realizadas?” ou “Por que
você acha que precisa fazer certo na primeira vez em que toma contato com o
material?” A criança que pergunta se pode fazer tudo o que deseja, pode receber
respostas que intervenham de tal forma que ela vai aprendendo a decidir, a tomar
iniciativas: “Faça da forma que desejar”, “Você pode fazer o carrinho de caixinha de
fósforo, de argila, de papelão ou de qualquer outra coisa que você queira.”
A intervenção, nesses casos, tem a intenção de tirar o sujeito da indiferenciação, da
confusão e fazer com que ele comece a diferenciar, a pensar e a fazer escolhas.
No caso do vínculo com as situações de aprendizagem, ser um vínculo dissociado, a
conduta apresentada pelo aprendiz é chamada por Bleger (1984) de conduta defensiva.
O aprendiz se defende pelo fato de, na relação com as situações de aprendizagem,
dissociar as valências e colocar o valor negativo no objeto a ser aprendido, por exemplo,
e o valor positivo em si mesmo, ou vice-versa. Há também a possibilidade de o aprendiz
precisar escolher entre duas situações que possuem valências positivas para ele, como
por exemplo, num projeto com jogos, escolher entre jogar o jogo que estava planejado,
superinteressante e absorvente; ou iniciar um jogo novo que a psicopedagoga está
trazendo com desafios tentadores. Outra possibilidade de vinculação dissociada nas
situações de aprendizagem é o fato de ter de escolher entre duas situações indesejáveis
para o aprendiz – ficar sem jogar ou ler as regras do jogo para poder jogar – que foi o
que aconteceu com Malu em um de nossos encontros. A intervenção, nessas situações,
deve se encaminhar para a articulação dos elementos que estão dissociando a
vinculação afetiva do aprendiz com as situações da aprendizagem.

3.3
Pensar sobre o que se faz
Vou citar aqui alguns projetos de aprender que realizamos nesses últimos anos.
Um leão diferente
Vou contar do caso de uma menina de 7 anos que não possuía dificuldades de
aprendizagem, mas sim dificuldades com a aprendizagem, pois tinha uma doença
metabólica degenerativa que exigia muitos cuidados por parte de seus “cuidadores”, o
que acabava por colocá-la numa posição de quem não podia aprender apesar de ter
todas as condições para tal.
Para se defender desse excesso de cuidados que ameaçavam sua capacidade em
outras áreas, ela ao mesmo tempo em que pedia muita ajuda, desprezava-a com
facilidade.
Não estava conseguindo se desempenhar como seus colegas na escola. A professora
relatava que ela era muito autoritária e não aceitava suas intervenções para aprender,
ao mesmo tempo pedia sua ajuda em coisas que ela tinha toda a possibilidade de fazer
sozinha.
Os pais diziam que a filha demorava muito tempo para fazer a lição de casa, que
exigia uma atenção quase que exclusiva e que parecia não gravar os ensinamentos de
um dia para o outro. Atualmente era o pai que estava se dedicando a acompanhá-la em
suas tarefas.
Fizemos o painel, no qual ela colocou poucos elementos, mostrando muita
insegurança e pedindo ajuda da psicopedagoga para que decidisse sobre o projeto a ser
desenvolvido.
Como a ajuda não vinha da forma como estava acostumada, pois normalmente os
adultos acabavam cedendo e faziam por ela, ela então pegou um leão de feltro que se
encontrava numa galeria de objetos que trago de minhas viagens pelo Brasil e disse que
iria fazer um igual a ele.
Disse a ela que igualzinho talvez fosse mais difícil fazer, mas que parecido seria
possível e para isso precisávamos pensar de que material precisaríamos para executar a
tarefa.
Ela se assustou, pois não esperava que eu concordasse, esperava que me irritasse e
decidisse por ela o tema do projeto.
Então ficou um pouco desconcertada, mas para manter o padrão de comunicação ao
qual estava acostumada disse que só faria se fosse para ficar bem igual, senão não faria.
Disse-lhe que só poderíamos ver se iria ficar bem igual se tentássemos, por isso era
importante vermos o material para que pudéssemos experimentar esse nosso fazer.
Respondeu-me dizendo que queria aquele tipo de pano bege e marrom e um pedaço
vermelhinho; disse também que ia precisar de uma agulha e fio marrom. Terminou me
avisando que nunca havia costurado. Como quem diz: você vai precisar fazer por mim,
pois escolhi algo, do qual, não tenho nenhuma experiência.
Depois de organizada a lista de material, combinamos que aquele leão seria um enfeite
para o seu quarto e um brinquedo para brincar com o irmão. Combinamos também que
depois de pronto iríamos fazer uns slides mostrando os passos do trabalho e contando
como fizemos. Não planejamos o tempo, pois como era algo novo para ela, não se sentia
em condições de prever o tempo.
Quanto à aprendizagem, a única que previu é que aprenderia a fazer um leão bem
igualzinho ao modelo e nada mais.
A compra do material foi realizada por mim, já que ela só podia estar no consultório
em horário em que o comércio ainda não funcionava.
Infelizmente não encontrei feltro marrom, somente bege. Para fazer a juba comprei,
então, o preto. O fio e a agulha eu já tinha no consultório.
No encontro seguinte, começamos o trabalho efetivo do projeto de aprender, ela
precisava aprender a lidar com a possibilidade de seu leão não ser igual ao do modelo.
Decidiu então que iria usar apenas o bege, tanto para o corpo como para a juba, disse-
me que o preto não tinha nada a ver com leão e que ficaria melhor assim.
Fizemos o modelo de papel e aí já precisamos decidir proporções, criar o molde
apenas olhando para o modelo e experimentando o tamanho por proximidade.
Recortamos o molde de papel, cada uma de nós fez um pouco, embora o desejo dela
fosse sempre deixar comigo, pois, na visão dela, eu sabia fazer melhor.
Cada etapa foi muito rica, pois ela tinha de lidar com o vínculo simbiótico que marcava a
sua relação com as situações de aprendizagem. Lidar com as intervenções que eu fazia
para que escolhesse fazer, tentar, ousar e errar se fosse o caso, no início, foi muito difícil.
Costurar, fazer ponto alinhavo, esquecer e não voltar a agulha, desmanchar o ponto,
pedir ajuda na hora do não saber, realizar na hora em que sabia, assumir que sabia
foram aprendizagens importantíssimas para esta aprendiz. Principalmente, aguardar,
aguardar, aguardar... Aprender que um objeto como esse exige um processo e não fica
pronto de uma hora para outra só porque a gente quer.
Decidir cada parte do rosto exigiu novas aprendizagens, pois não possuíamos os
materiais idênticos ao do leão modelo e a aprendiz foi tendo de flexibilizar seu
pensamento e sua ação e tomar decisões importantes. Não neguei minha ajuda, mas
sempre a transformava em motivos para que ela pensasse e decidisse.
Finalmente o leão ficou pronto e fizemos a análise de como ficou em relação ao
planejado. Ela, então, percebeu que o leão ficou parecido, mas não igual, falou das
semelhanças e das diferenças, das qualidades e dos defeitos, ainda com bastante rigidez
de julgamento e necessidade de culpar o outro por suas inabilidades e por não ter ficado
como esperava.
Ao fazermos o relato do projeto nos slides, resolveu contar como se fosse o
nascimento de um leão e então fez o registro de nascimento dele, dizendo ser ela a mãe,
o amigo da escola o pai e eu a médica que ajudou no parto. Escreveu as características
do leão e o gosto dele por futebol, colocando-se como autora de um grande feito,
vivenciando a importância da identidade, da experimentação, do fazer, para sentir-se
capaz. Na verdade, o leão Gabriel representou o nascimento de uma nova forma de
aprender, ainda sua desconhecida.
Ao digitar a história do leão Gabriel no computador fizemos, finalmente, o que seus
pais e a escola esperavam: trabalhamos com a escrita das palavras, pensamos sobre
elas, organizamos as frases respeitando a sintaxe e cuidamos para fazê-lo de forma que
todos entendessem, porém, nós duas sabíamos que as aprendizagens que esse projeto
de aprender possibilitou foram muito mais profundas do que as que as pessoas
conseguem ver, apalpar, ouvir e falar.
Os segredos que compartilhamos nesse projeto permitiram que o preto fosse utilizado
no focinho e nos olhos, que a juba fosse bege em vez de marrom, que o Gabriel
assumisse uma identidade própria e não fosse apenas uma cópia fiel do leão Arthur e
tudo isso é fundamental para que um aprendiz perceba-se como aprendiz e possa
aprender a ser autor, não somente a repetidor

No mundo do sol
Outro projeto de aprender que foi desenvolvido por um menino que estava entrando no
sexto ano e que já havia sido meu cliente no ano anterior. Combinamos desenvolver um
projeto que possibilitasse o estudo, a leitura, a escrita, além do prazer da execução, que
era apreciada demais por ele.
Escolheu o tema – Sistema Solar – e, então, procuramos o material escrito que
possuíamos para podermos pensar num projeto.
Lemos, conversamos e o aprendiz decidiu que gostaria de fazer um Sol bem grande de
argila e que depois faria os planetas respeitando certa proporção em relação ao Sol.
Argumentei com ele que um grande Sol, do tamanho que mostrava com as mãos, de
argila iria consumir muita argila e ficar muito pesado. Sugeri que pensasse outras
técnicas de artes. Falei para ele do papel machê e também da técnica das tiras de jornal
sobre a bexiga de borracha.
Ele ouviu atentamente e decidiu fazer com jornal e argila.
Fizemos a lista de material para o próximo encontro. Eu comprei argila plástica e levei
um pouco de jornal que tinha em casa.
Não havia entendido o que planejou fazer, mas acreditei na capacidade dele de
executar seu planejamento, mesmo que eu não houvesse compreendido bem. Se
durante o processo fosse necessária minha intervenção, eu estaria lá.
E ele decidiu realizar uma técnica que nem eu e nem ele havíamos realizado. Fez uma
grande bola de jornal e cobriu-a com argila plástica e o mesmo fez com os planetas.
Ele havia acabado de inventar uma técnica que deu super certo. O tamanho ficou
grande como o desejado e as bolas ficaram leves o bastante para serem suportadas por
uma caixa de papelão aberta.
Para decidir os tamanhos, as cores e a disposição dos astros ele precisava consultar
várias vezes o atlas e as revistas que encontramos sobre o Sistema Solar. Leu bastante,
buscou informações específicas exercitando as habilidades de um leitor eficiente, ao
mesmo tempo em que executava a parte prática do seu projeto de aprender
Outras aprendizagens foram realizadas na hora de relatar o processo de execução do
projeto de aprender em forma de apresentação de slides.
Consultas em sites, pesquisa sobre os nomes dos planetas, curiosidades sobre Plutão
que deixou de ser planeta, dicas para memorizar a sequência dos nomes dos planetas e
tudo mais.
Ele organizou um CD com toda a apresentação, realizou a capa do CD e decorou-a. Na
hora de escrever, muita atenção às palavras, perguntas de como se escreve, análise das
palavras para decidir sua escrita, consultas no dicionário e muitas outras aprendizagens
ligadas à aprendizagem da leitura, interpretação e escrita, o que era raro anteriormente,
porém com muito significado.
Além da parte dedicada à execução e à aprendizagem de como estudar, esse menino
lidou com muitas questões relativas a seu mundo interno.
Precisou experimentar a paciência, a espera, a necessidade de compreender o
processo e acalmar sua ansiedade, controlar-se para poder produzir o que imaginava
num tempo diferente daquele que imaginava e desejava, explicar o que estava
pensando para que fosse entendido, ouvir as intervenções para poder reorganizar o que
estava planejado e muito mais.

Do traço para as ruas


É possível também desenvolver projetos de aprender em atenções psicopedagógicas
grupais, o que possui uma estrutura semelhante, porém com algumas nuances
diferentes.
O tema problema a ser desenvolvido pode mais facilmente surgir da discussão grupal
ou de propostas mais dinâmicas do que a confecção de um painel, como no atendimento
individual. Normalmente a conversa que vai se instalando no grupo vai revelando os
interesses, e a tarefa do(a) psicopedagogo(a) é de somente acolher, sugerir um caminho
naquela direção e logo o grupo já começa a pensar possibilidades. Às vezes levamos
ideias, materiais que acabam inspirando a escolha do grupo e as coisas vão evoluindo, o
projeto vai tomando forma, as metas vão sendo traçadas, os objetivos estabelecidos,
enfim, todos se aprontam para aprender.
Vou contar aqui alguns projetos já desenvolvidos em grupo: Projeto Grafite – que
possui uma foto publicada no livro Temas transversais, de Barbosa (2007) – ele foi
iniciado com um grafite no papel, passou para os muros do estacionamento da Síntese –
Centro de Estudos da Aprendizagem, no qual trabalho, para depois alcançar as ruas. Um
grupo de atenção psicopedagógica grafitou um muro por encomenda e o resultado do
trabalho, após mais ou menos cinco anos, continua intacto, não sofreu o pichação.
Esse grafite já esteve quase 50% coberta pelo bambu plantado pela dona da casa. O
grafite realizado teria sido como um momento de transição entre a decisão de não ter o
muro pichado e a espera necessária para que uma vegetação evitasse a pichação.
porém hoje, os donos da casa retiram a vegetação e a arte ressurge quase intacta.
Esse projeto de aprender, realizado por um grupo de adolescentes, possibilitou
aprendizagens tais como: fazer escolhas, tomar decisões, fazer negociações, lidar com
proporções de forma intuitiva, realizar cálculo de superfície, calcular a quantidade de
tinta a ser comprada, para cada cor escolhida, realizar o cálculo dos gastos, comprar
material, cuidar do material, executar o planejado, assumir a autoria, lidar com as
ansiedades diante de uma atividade encomendada, que seria avaliada por quem
encomendou, expor o trabalho para a cidade e tantas outras.

Quem parte, reparte... Qual é a melhor parte?


Outro grupo, de crianças pequenas, que estava aprendendo a ler e escrever decidiu
construir uma olimpíada com argila. As crianças escolheram os esportes, realizaram as
modelagens, pintaram parte, fizeram personagens de figura de revista, fizeram
indicadores escritos com os nomes das modalidades de esporte e outras atividades
ligadas aos instrumentos utilizados nos diferentes esportes.
As aprendizagens ligadas à escrita que mais se sobressaíram nessa atividade foram a
“fonetização” das palavras na hora de escrevê-las e a preocupação em tornar legível a
sua escrita para que pudesse ser reconhecida por qualquer leitor. Percebemos que a
leitura também foi privilegiada entre eles, pois um queria saber o que o outro estava
fazendo e para isto era convidado a descobrir, também, utilizando a leitura.
A grande alegria de perceberem-se escritores e leitores marcou a finalização desta
atividade, com foto e tudo.
Todo o processo foi muito interessante, pois cada um foi descobrindo a sua capacidade
de dar forma à argila, alguns iniciaram pelas bolas utilizadas nas diversas modalidades
de jogos da olimpíada para ir percebendo, aos poucos, que poderiam fazer a modelagem
da figura humana.
O problema maior desse grupo foi decidir quem levaria a maquete, pois todos
queriam. Depois de muita discussão, decidiram que iriam repartir em partes a maquete
para que aqueles que desejassem pudessem levar algo do grupo para si e deixar algo de
si para o grupo. E assim foi feito, porém, dois componentes não quiseram levar um
pedaço da maquete, e desejavam algo específico. Um deles negociou uma pedra
brasileira bem pequena que representava um equipamento esportivo; o outro pediu os
pedaços que haviam quebrado quando a maquete esteve em exposição em nossa sala
de espera.
Esses pedaços deram origem a um miniprojeto: uma experiência para ver se a argila
seca, em contato com a água, volta a ser argila. O grupo trabalhou por volta de quatro
semanas para confirmar as hipóteses que levantavam a cada ideia nova: colocar água na
argila, retirar a luz, usar a lupa para identificar o que eram alguns pontos brancos que
apareceram e assim por diante.
Em qualquer que seja a situação em que o projeto de aprender seja utilizado,
individualmente ou em grupo, a avaliação para constatar o alcance dos objetivos
propostos, para comparar o resultado à intenção, para verificar a qualidade do resultado
e, principalmente, para identificar as aprendizagens realizadas, é fundamental.
Nessa forma de trabalho, o aprendiz planeja, avalia e regula sua ação durante todo o
percurso, chega ao resultado e avalia tanto o produto quanto a sua própria participação
e crescimento durante toda a execução do seu projeto.

3.4
Pensar a realização para ampliar a discussão, deixar
espaço para outras reflexões...
No espaço da clínica, o projeto de aprender, além do desenvolvimento de competências
para aprender o mundo e o conhecimento que nele existe, tem a intenção de provocar a
superação das dificuldades que podem surgir nesse processo, tanto aquelas necessárias
para que a aprendizagem se dê quanto as obstaculizadoras, para as quais a mediação
psicopedagógica pode ser um recurso importante.
Para aprender, segundo Piaget, citado por Dolle (1993, p. 18-19), é necessário o contato
com a novidade, que por ser novidade provoca um desequilíbrio, que faz com que o
aprendiz sentindo a dificuldade, vá em busca do equilíbrio – (equilibração: equilíbrio em
ação) e por isto desenvolva-se e aprenda. Piaget chamava este desequilíbrio de
desequilíbrio ótimo, o que faz com que afirmemos que existe uma dificuldade necessária
para que haja aprendizagem.
Além disso, Visca (2000) nos traz o estudo dos obstáculos à aprendizagem, no qual
caracteriza o obstáculo epistêmico – de caráter cognitivo, ou seja, ligados ao raciocínio
lógico matemático; o obstáculo epistemofílico – de caráter afetivo, diretamente ligado às
ansiedades que o ato de aprender provoca e ao aparecimento do desejo ou não de
aprender; e o obstáculo funcional relacionado à articulação entre pensamento e a
vinculação afetiva estabelecida com as situações de aprendizagem. O obstáculo
funcional também pode ser decorrente de problemas orgânicos; e o obstáculo
epistemológico – de caráter cultural, relacionado às mudanças culturais significativas na
vida do aprendiz.
Nesse sentido, o projeto de aprender pode ser utilizado tanto como um processo
corretor, de acordo com a denominação de Visca (2000) – para que o aprendiz possa
superar os obstáculos existentes à sua aprendizagem; quanto, como uma proposta de
“otimização” do aprender, que provoca um desequilíbrio ótimo – quanto como um
instrumento de prevenção das dificuldades, nos casos em que os aprendizes são
considerados, por algum motivo, aprendizes de risco.
Em qualquer um deles a proposta é a superação, desenvolver a autonomia do
aprendiz e promover a articulação entre pensamento, emoção e desejo.
Para que isso seja possível é importante que o psicopedagogo não perca de vista
algumas reflexões que apontam para itens importantes na ação psicopedagógica.
Falaremos dessas reflexões a seguir.

3.5
Considerar o desejo do aprendiz
Todo projeto de aprender, desde a sua concepção até a sua finalização, deve levar em
consideração o interesse do aprendiz e o seu desejo por explorar o tema, por resolver os
problemas que dele surgem. Essa preocupação vai agir diretamente sobre o mecanismo
de aprender que pressupõe a articulação entre o pensamento e o desejo e, portanto,
pode, além de otimizar o processo de aprendizagem, prevenir o aparecimento da
inibição da aprendizagem e corrigir quadros nos quais o ciclo inibitório da aprendizagem
já se encontra instalado.
Segundo Barbosa (2007), uma das funções da ação psicopedagógica é romper o ciclo
de inibição da aprendizagem, o qual pode se formar a partir de repetidas experiências
de fracasso. Nessa obra a autora olha para a inibição da aprendizagem, comum nos dias
atuais como um ciclo possível de ser rompido e de originar o progresso do aprendiz.
não conseguir aprender por repetidas vezes faz com que o aprendiz forme de si
uma imagem de fracasso e se iniba ou se afaste de novas situações de
aprendizagem. Este afastamento vai impedindo a sua evolução cognitiva e
inibindo seu desejo de aprender, o que gera desconforto diante de novas
aprendizagens, provocando por certo um novo fracasso. [...] O Projeto de
Trabalho [13] foi elaborado com a importante função de devolver a potência ao
aprendiz e auxiliar no rompimento do ciclo de inibição da aprendizagem.
(Barbosa, 1998, p. 21)

E é justamente aqui que reside uma diferença muito sutil entre considerar o interesse
e o desejo do aprendiz e possibilitar a aprendizagem. Muitos acreditam que considerar o
desejo do aprendiz é deixar o aprendiz fazer o que quer, sem qualquer intervenção
daquele que coordena o processo de aprender. Ora, se aprender supõe não saber, um
aprendiz que vai fazer somente o que quer, não vai aprender, pois certamente vai fazer
13 [] Hoje o projeto de aprender aqui proposto mantém essa mesma função de auxiliar no rompimento
do ciclo de inibição de aprendizagem, buscando com que o aprendiz encontre sua potência para seguir
aprendendo.
algo que já sabe. Nesse caso o seu desejo explícito é não aprender. Então é preciso
despertar o desejo em aprender e não ficar assistindo alguém apenas repetindo o que
sabe ou sendo regido apenas pelo prazer de ficar no conhecido.
A ação psicopedagógica supõe a frustração, o desequilíbrio. Nesse sentido, deixar o
aprendiz fazer o que deseja, sem rumo, não diz respeito à psicopedagogia. É preciso
intervir. E só é possível intervir se temos claro o objetivo do projeto que está sendo
desenvolvido, se temos um planejamento prévio, se permitimos que o aprendiz apoie-se
naquilo que sabe para deixar o novo entrar e consequentemente, aprender.

3.6
Promover a consciência de si como aprendiz e da própria
aprendizagem
Ao conceber um projeto, o aprendiz coloca em ação competências para aprender que,
conhecidas pelo próprio aprendiz, podem contribuir para o processo de aperfeiçoamento
da aprendizagem. Essa forma de se conhecer, de pensar sobre a própria aprendizagem
trazida por Barbosa (1998), na intervenção psicopedagógica por meio de projetos, como
um embrião da necessidade deste estudo na psicopedagogia, foi aprofundada por
Portilho (2009, p. 105-106).
O estudo sobre a metacognição parece estar ligado à própria existência do ser
humano, e as palavras de Sócrates “conhece-te a ti mesmo” vem confirmar esta
necessidade, quando nos convidam a conhecer o seu significado. [...]o ensino
deve estimular a pessoa a parar, refletir sobre sua própria maneira de ser, pensar,
agir e interagir, assim como também convidá-la, conscientemente, a mudar
quando for necessário melhorar sua aprendizagem. [...] ...metacognição, pois se
trata do conhecimento procedimental sobre o próprio conhecimento, mesmo que
este seja obtido ... de uma informação previamente armazenada.

Esse movimento, portanto diz respeito à capacidade do aprendiz organizar-se para


conhecer, pensar sobre sua forma de aprender e sobre o que está aprendendo e se regular,
durante o processo, a partir das avaliações que pode fazer do próprio movimento para
conhecer e da tarefa que está realizando. Pois, quando se tem consciência do que se sabe,
do que ainda não se sabe, do que se sente diante dessas duas situações, do que se deseja
saber é possível constituir-se como um aprendiz consciente do seu próprio aprender e,
assim é possível, também, ir além, no processo de construir o próprio conhecimento e de
ser autor.
Essa tomada de consciência, no processo de atenção psicopedagógica, é realizada por
meio das intervenções de caráter subjetivo, pois é essa prática que faz com que o
aprendiz se perceba e se regule para se tornar mais autônomo em seu processo de
conhecer o mundo e de se conhecer.
O projeto de aprender contribui para o desenvolvimento de competências ligadas a
planejamento, previsão, execução, avaliação e reelaboração que tratadas como
competências importantes, pelo psicopedagogo, nesta provocação da tomada de
consciência, pelo aprendiz, o fortalece e facilita a identificação dos momentos nos quais
necessita de um ajuste ou de uma mudança radical, quando na exploração ou
construção do conhecimento.
Esse projeto, como qualquer outra forma de atenção psicopedagógica apresentada
aqui neste livro, tem a intenção de promover o exercício da metacognição, tão antigo,
como pudemos ver, mas ainda tão esquecido nas relações de ensinar-aprender e
aprender-ensinar.

3.7
Projetar com sentido
Projetar algo, no cotidiano, é sempre prospectar, idealizar, programar com sentido. Esse
sentido pode ser relacionado às vinculações afetivas que o aprendiz estabelece com
determinadas situações ligadas aos conhecimentos prévios ou, ainda, tem relação com
as necessidades práticas das pessoas. Isso quer dizer que o sentido, que esse projeto
possa ter para um determinado aprendiz pode ser dado tanto pelos significados afetivos,
como cognitivos, quanto resultantes da ação e interação do aprendiz com o mundo e
com as pessoas, no passado, no presente e na projeção para o futuro.
Quando recebemos um aprendiz no âmbito clínico e propomos a ele um projeto de
aprender, é importante deixar que apareça aquilo que tem sentido para ele, mesmo que
aparentemente se afaste dos objetivos que traçamos para o seu percurso no
atendimento psicopedagógico. Esse sentido é que vai garantir o desejo do aprendiz em
aprender, porém, é preciso que a partir desse sentido possamos provocá-lo para
desenvolver-se, e não somente permanecer no conhecido. Como exemplo, trago um
menino que não desejava nada. Chegou muito apático, estava mudando muito de cidade
por conta do trabalho de seu pai e parecia ter desistido de fazer vínculos, criar raízes,
fazer amizades, como também, conhecer e aprender. Fizemos o painel das
aprendizagens que gostou de aprender, e das que gostaria de proceder, mas ele apenas
recortou a figura de uma bateria, instrumento musical que exigia uma energia que ele,
naquele momento, parecia não possuir.
Quando indagado sobre o que gostaria de fazer a respeito desse instrumento, já que
ali, naquele espaço ele não poderia aprender a tocá-la, ele respondeu que queria
recortar baterias de revistas e guardá-las.
Pergunto, então, se ele gostaria de pensar em organizá-las por tipos, fazer um
levantamento de preços ou qualquer outra coisa. Ele então me responde que quer saber
os tipos e que isso pode ser consultado na internet.
Esse foi o primeiro sinal de sentido para o projeto: conhecer os vários tipos, pesquisar
na internet e guardar. Que pobreza de intenção... Que falta de metas... Que desânimo
encontra-se presente nessa escolha.
Certamente esse interesse tem a ver com o desejo de ter uma bateria e de certa
forma simbolizá-la por meio do conhecimento – uma primeira aproximação do seu sonho.
Ou pode-se pensar também na necessidade de guardar energia para poder enfrentar as
dificuldades que a vida ainda lhe apresentará; medo de não conseguir corresponder à
expectativa do outro...
Como transformar isso em aprendizagem? E em atividade metacognitiva?
Iniciamos a pesquisa e logo ele já estava lendo, interpretando, comparando. Depois
trouxe outro sonho – um barco –, algo que já não fazia barulho em um mesmo lugar
(como a bateria) nem algo que seria construído para ficar guardado, mas um veículo que
se movimentava e podia, simbolicamente, ser lançado ao mar e entrar em contato com
o novo. Prognóstico mais promissor, pois com o barco é possível seguir e criar caminhos,
envolve tanto os braços quanto as pernas, movimenta o aprendiz e se movimenta.
Dessa vez resolveu construí-lo, pintá-lo e demonstrou um pouco mais de brilho no
olhar. Seus desejos foram aparecendo, mas, antes que pudesse fazer articulações
importantes com a aprendizagem escolar, mudou novamente de cidade.
Quando aprender não tem sentido, nada funciona, aulas particulares, Kumon,
acompanhamento dos pais, reforço escolar, contraturno e outros, pois a articulação entre
desejo de saber e o saber, nesse caso, não está presente.

3.8
Construir um ciclo de progresso da aprendizagem
O projeto de aprender precisa ser pensado em função do resgate da potência do
aprendiz, que, diante de inúmeros fracassos, acaba formando uma imagem, distorcida,
de si. É preciso desenvolver um projeto no qual o sujeito se perceba capaz, produtivo e
comece a se fortalecer para enfrentar as dificuldades. Por isso a proposta do primeiro
projeto é sempre aceita, pois a partir dela é possível iniciar a constituição de um ciclo de
progresso da aprendizagem. Pois, quando o aprendiz sente-se capacitado para fazer
algo, percebe-se um fazedor, um autor, fica mais forte, mais potente e com isso sente-se
capaz de enfrentar situações difíceis; enfrentando as situações mais difíceis ele
desenvolve suas funções básicas para aprender, isso o deixa mais preparado para se
defrontar com outras situações, igualmente ou mais difíceis. Por encontrar-se mais
confiante, acerta mais do que erra, perde o medo de perguntar, quando não sabe e isto
vai fazendo com que se torne mais disponível para aprender.
Tive um cliente aprendiz que apresentava muita resistência para ler, fugia de todas as
situações que dessem indicadores da presença da linguagem escrita. Com seus sete
anos, defendia-se dos pedidos para que escrevesse copiando. Copiava do amigo, copiava
dos painéis expostos na escola e na sala de aula, copiava do jornal e de tantos recursos
que possuía.
Quando começamos a trabalhar, ele escolheu um projeto de fazer brinquedos.
Começou com um brinquedo que é feito de dobradura, que no meu tempo chamávamos
de céu e inferno, pois escrevíamos palavras antônimas como: feio, bonito; alegre, triste;
céu e inferno... Pedíamos que alguém dissesse um número, abríamos e fechávamos o
brinquedo e víamos que palavras apareciam naquela abertura, quando terminássemos
de contar.
Vejam que ironia do destino, fugindo da escrita ele escolheu algo que necessitava
dela.
Parece que, inconscientemente, queria se preparar para enfrentar as dificuldades com
a linguagem escrita, assim a utilizava por meio do jogo. Sem sentir nem perceber, pode
se fortalecer nesse aspecto e até enfrentar situações do cotidiano mais complicadas.
A evolução dos projetos que foi planejando e executando, passou pela construção de
um mini palco e seus personagens, pelo roteiro escrito da peça que caracterizava o
caminho do jogo; pela pesquisa sobre artistas plásticos famosos, na qual a leitura e a
escrita eram fundamentais e, também transformou-se em jogo; e por tantos outros
projetos que lhe permitiram aprender a lidar com sua dificuldade específica de
linguagem, em vez de se esconder atrás dela.
Ele descobriu por meio das intervenções de caráter subjetivo e objetivo que:

possuía um quadro de dislexia 14 exige dele muito mais leitura, muito mais escrita do
que para os aprendizes que não o possuem. É preciso voltar a leitura quando se
perde;
é preciso revisar sempre o que escreve;
é necessário ler quantas vezes for preciso para que a compreensão de textos mais
complexos se faça;
pode ajudar o estudo e a compreensão da leitura com a construção de esquemas, com
o apoio de imagens, com a elaboração de mapas conceituais;
e tantas outras estratégias possíveis e mais exploradas neste ou naquele projeto.

14 Dislexia aqui está sendo entendida como um indicador de dificuldade de leitura e de escrita, cuja causa
principal é de origem neurológica.
Vygotsky (1989), ao discutir o conceito de zona de desenvolvimento proximal, diz que
o jogo é capaz de auxiliar na construção desse espaço, pois o que os aprendizes fazem
brincando amplia essa área e também, portanto, o caminho para o ensino e
principalmente para a aprendizagem. Assim também acontece com os projetos de
aprender, mesmo que eles não envolvam jogos, como o projeto inicial de Roberto. O fato
de eles não focarem na dificuldade nem estabelecerem o propósito rígido de sua
realização deixa o aprendiz mais solto para poder descobrir e desenvolver suas
possibilidades de aprender a partir da experiência que passa por dentro dele, de forma
verdadeira, e das intervenções do psicopedagogo que possam levá-lo a pensar sobre o
que faz e a fazer o que pensou.
Quando a zona de desenvolvimento proximal é alargada, mais possibilidades existem
para o aprendiz de responder de forma acertada, sem ficar repetindo a experiências de
fracasso.

3.9
Outras possibilidades
Além desses pontos destacados, é importante nos darmos conta de que o projeto de
aprender pode deixar espaço para o desenvolvimento de habilidades específicas ligadas
à dificuldade principal do aprendiz; utilizar diferentes linguagens como instrumentos de
aprender; explorar conhecimentos necessários para resolver temas problemas e propor
situações cada vez mais autênticas que procurem resolver questões da vida cotidiana e
de problemas reais por meio de projetos que planejarão a intervenção no contexto
escolhido.

Síntese
O projeto de aprender é uma atitude que revela uma concepção de aprendizagem. Parte
do conhecimento do aprendiz propõe a interdisciplinaridade e promove o desenvolvimento
do aprendiz. Sua intenção é servir de objeto mediador entre o aprendiz e as
aprendizagens que necessita realizar, assim como entre o aprendiz e os obstáculos que se
impõem à sua aprendizagem. Dessa forma, planejando, realizando, avaliando e
redimensionando o aprendiz pode romper o ciclo de inibição de aprendizagem para
desenvolver-se.

Indicações culturais
Sites
<www.monteserrataprendizagem.com.br>
<www.sinteseaprendizagem.com.br>

Projetos
Projetos da Casa de Cora Coralina. Disponível em:
<http://www.casadecoracoralina.com.br/festival>. Acesso em: 12 dez. 2009.
Memorial das Cavalhadas, para recuperação do acervo documental do Memorial das
Cavalhadas na cidade de Pirenópolis – Patrocínio: Petrobras.
Janela para o Cinema – Ponto de Cultura de iniciação ao audiovisual- Patrocínio:
IPHAN/Ministério da Cultura.
Projeto Itinerário Cora Coralina, de guia poético da história de Goiás – Patrocínio
Monumenta/Unesco.
Festival de Doces e Poesias de Cora Coralina, para divulgação de sua vida e obra em
Brasília, DF – Patrocínio: Ministério do Turismo e Global Editora.

Livros
MESQUITA, F. Almanaque de baratas, minhocas e bichos nojentos. São Paulo: Panda Books,
s/d.
Este livro é um livro para meninos entre 06 e 11 anos que se interessem pela
natureza. Pode ser utilizado como disparador de um Projeto de Aprender ou como
meio de consulta para enriquecer projetos ligados à natureza.
MESQUITA, F. A incrível fábrica de coco, xixi e pum. São Paulo: Panda Books, 2007.
É uma obra de história natural para crianças que traz como tema o coco e pode
ser utilizado como disparador ou enriquecimento de Projetos de Aprender.
Crianças de 07 e 08 anos divertem-se muito com o tema, a ilustração e as
curiosidades trazidas por seu autor.
ARNOLD, N. Bichos nojentos. São Paulo: Melhoramentos, 2002.
É um livro que tem a mesma função dos anteriores. O tom de aventura trazido
pelo autor atraem meninos que apreciam animais e curiosidades sobre eles.
Completa projetos e é uma forma de interessar meninos pela leitura
PRÉ, M. Mandalas para crianças: uma nova ferramenta pedagógica. Cotia: Vergara &
Riba, 2007.
São cadernos que contêm mandalas a serem coloridas. Podem dar origem a um
projeto de aprender ou podem ser o tema principal de um projeto, que pode
partir das mandalas contidas no cadernos e ampliar para criação de mandalas
com recordes, desenhos ou pinturas.
AQUINO, G. de. Brinque Book com as crianças na cozinha. São Paulo: Brinque Book, 2005.
Projetos interessantes são aqueles que envolvem a culinária. Esta é uma obra
que pode contribuir muito com projetos de aprender que possuam esta
característica.
PEREIRO, A. Oficina de artesanato infantil. Barueri: Girassol, 2008.
Livros como esse podem servir de consultas, principalmente nos projetos que
envolvam construção. As técnicas ali demonstradas podem inspirar soluções para
problemas surgidos desse tipo de projeto de aprender.

Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Encontre uma história infantil, em quadrinhos, que conte histórias de crianças
construindo coisas. Imagine que aquela história retrate um encontro de atendimento
psicopedagógico e que a criança ou crianças ali representadas estão desenvolvendo
um projeto de aprender. Imagine-se psicopedagoga dessas crianças:
a) Procure, na introdução, a explicação sobre as intervenções psicopedagógicas de
caráter subjetivo.
b) Escolha uma cena da história na qual poderia fazer uma intervenção
psicopedagógica e utilize uma das intervenções descritas na introdução.
c) Então escreva em uma folha: qual o momento da história você interviria, que tipo
de intervenção faria, como falaria e qual reação você imagina, a criança ou as
crianças teriam após sua intervenção. Discuta com seus colegas a sua escolha e
busque uma supervisão psicopedagógica, com um(a) profissional da área, para ver
como foi seu desempenho.

2. O filme Escritores da liberdade (referenciado nas “Indicações Culturais” do capítulo 5)


aborda, de uma forma comovente e instigante, o desafio da educação em um
contexto no qual os alunos apresentam muitas desvantagens, incluindo as
dificuldades para aprender. A professora sugere aos alunos um projeto de aprender no
qual os alunos devem escrever sobre si próprios. O que este projeto proposto pela
professora tem a ver com o rompimento do ciclo de inibição da aprendizagem e com o
estabelecimento do ciclo de progresso da aprendizagem. Discuta sobre este ponto
com seus colegas, anote os pontos que considera cruciais para esta questão. Sobre
esse filme, reflita:
a) O que projeto proposto pela professora tem a ver com o rompimento do ciclo de
inibição da aprendizagem?
b) Discuta sobre esse ponto com os colegas e anote os pontos que considera cruciais
para a questão.
Atividades Aplicadas: Prática
1. Vá para a cozinha e desenvolva um projeto de aprender – você é o aprendiz de
confeiteiro, então viva a experiência e pense depois como você foi como aprendiz, o
que conseguiu, o que foi difícil e por quê.
a) Escolha uma receita de biscoito ou bolacha, na qual você não tenha muito gasto e
você possa servir ou vender.
b) Liste os ingredientes que precisará. Encontre-os em sua cozinha e compre o que
faltar.
c) Realize a receita fazendo as adaptações que forem necessárias.
d) Experimente e veja se saiu como o descrito e como você esperava.
e) Escreva em um bloquinho: o que você esperava do resultado, o que você atingiu e
como você se saiu como confeiteiro(a).
f) Organize então o evento para servir as bolachas, ou prepare as embalagens para
poder vendê-las.
g) No final faça um balanço do que você já sabia desta atividade e o que você pode
aprender.
h) Qual a relação desta atividade com a sua história? Você lembrou de alguma situação
da infância? Você aprecia as atividades que realiza? Tem medo da apreciação do
outro? Como os recursos de intervenção psicopedagógica de caráter subjetivo
poderiam ser utilizados nessa sua experiência?

2. Realize uma pesquisa entre as crianças de sua vizinhança (dez, no mínimo) a respeito
das habilidades metacognitivas durante a lição de casa – um projeto que deveria ser
do aprendiz – da seguinte forma:
a) Solicite que a criança desenhe o momento da lição de casa e depois relate para
você o que desenhou.
b) Considerando o desenho e o relato perceba e registre se a criança privilegia o
momento de planejamento, de autoavaliação, e de retomada da ação, ou se é
regulada pelo outro, levada pela obrigação de fazer e realiza a tarefa apenas
mecanicamente.
c) Registre e veja quantas crianças são capazes de planejar-se, avaliar-se e regular-se
e quantas são apenas comandadas.
Imagine que as crianças que só funcionam com o comando e com a ajuda do outro são
suas aprendizes no processo de atenção psicopedagógica – de que forma você poderia
utilizar o projeto de aprender para que elas desenvolvam sua autonomia para aprender?
Discuta com seus professores e colegas de curso para que você possa aperfeiçoar sua
proposta.
4. O material
disparador
Vera Regina Passos Bosse
Neste capítulo, conheceremos uma nova modalidade de intervenção no processo
corretor clínico psicopedagógico denominada de material disparador.
Inicialmente, apresentaremos a concepção original dessa proposta e, na sequência,
veremos a evolução que o trabalho sofreu, até chegarmos à sua abordagem atual.
Descobriremos que, agora, além dos recursos comumente utilizados na psicopedagogia,
como jogos e livros de literatura infanto-juvenis, o próprio material escolar do sujeito
poderá ser usado como disparador de uma sessão. Nesse caso, veremos que a
intervenção do psicopedagogo será muito diferente daquela feita pelo professor em sala
de aula ou em aulas particulares, visto que, em geral, este privilegia o ensino do
conteúdo, enquanto o interesse do psicopedagogo estará voltado aos processos
cognitivos e afetivos que cada indivíduo utiliza para se apropriar do conhecimento.

4.1
O material disparador: considerações preliminares de
uma experiência clínica psicopedagógica
A princípio, a proposta do material disparador surgiu como uma alternativa ao uso da
caixa de trabalho, recurso originalmente concebido por Jorge Visca (1994), utilizado no
processo corretor psicopedagógico de acordo com o modelo da Epistemologia
Convergente.
Antes de seguirmos adiante, é importante esclarecer que considero a Epistemologia
Convergente o modelo de análise que melhor explica a interação entre os fatores
cognitivos e afetivos atuantes no processo de aprendizagem, à medida que faz uma
perfeita integração das contribuições de três grandes escolas de pensamento: a
psicanálise, a psicologia genética e a psicologia social.
Entretanto, ao experimentar o uso da caixa de trabalho, conforme proposto pela
Epistemologia Convergente, deparei-me com duas limitações importantes. A primeira foi
de ordem econômica, pois o modelo original da caixa de trabalho previa que materiais
como jogos, tesouras, lápis de cor, entre outros, fossem incluídos na caixa de trabalho de
cada sujeito, em vez de serem compartilhados por todos, o que elevava o custo em uma
época que, aqui no Brasil, convivíamos com uma inflação galopante (ano de 1993).
A segunda limitação, sem dúvida a mais importante, foi surgindo à medida que fui me
descobrindo mais interacionista do que a caixa de trabalho me permitia ser. Nesse
momento, senti a necessidade de buscar uma nova forma de atuação no processo
corretor psicopedagógico que respeitasse os princípios teóricos da Epistemologia
Convergente, particularmente no que se refere à análise da patogenia e da etiologia de
cada caso, mas que fosse também coerente com a identidade profissional que eu
começava a construir.
Assim, surgiu o material disparador, que inicialmente pouco fez além de derrubar as
paredes da caixa de trabalho, cuidando para preservar algumas de suas características.
Recebeu esse nome em alusão ao disparador muitas vezes usado em grupos operativos
(Visca, 1997a, p. 39), cuja função é mobilizar o sujeito em busca da aprendizagem.
Trata-se de um material selecionado pelo psicopedagogo e colocado sobre a mesa de
trabalho, ao lado de uma caixa de instrumentos e matérias-primas, que contém,
basicamente, lápis, lapiseira, canetas esferográficas, borracha, apontador, cola, tesoura,
fita adesiva, clipes, régua, lápis de cor, caneta hidrográfica, papel sulfite branco, papel
sulfite colorido, papel pautado e quadriculado. Essa caixa de instrumentos é de uso
comum a todos os sujeitos, e seu conteúdo não se altera, de modo que os materiais vão
sendo repostos à medida que são consumidos.
Por outro lado, esses materiais também permitem que sejam feitos acréscimos ou
transformações no material disparador e podem, vez por outra, assumir eles próprios a
função de disparador de uma sessão, quando, por exemplo, o sujeito usa o papel para
fazer uma dobradura, um desenho ou mesmo para escrever um texto.
Já o material disparador propriamente dito, que é colocado ao lado dessa caixa de
instrumentos e matérias primas, é especialmente selecionado para atender às
particularidades de cada sujeito, contemplando suas necessidades e, ao mesmo tempo,
seus interesses. Podem ser jogos, livros, revistas, fantoches, tinta, massinha de modelar,
argila, receitas culinárias, enfim, todo e qualquer material que possa servir de estímulo
para que o sujeito evolua em seu processo de aprendizado.
Apesar de o material disparador ser específico para cada sujeito, isso não significa que
seja de seu uso exclusivo, de modo que um mesmo livro ou um mesmo jogo pode ser
utilizado por diferentes pessoas, em diferentes sessões.

O desenvolvimento da sessão com o material disparador


Quando tem início a primeira sessão do processo corretor, ou sempre que necessário,
é apresentada ao sujeito uma consigna semelhante àquela usada diante da caixa de
trabalho, a saber: “Os materiais que estão sobre esta mesa são para você usar aqui,
como quiser, para poder aprender mais”.
A escolha do material disparador deve atender às necessidades de cada sujeito,
identificadas por ocasião do diagnóstico psicopedagógico, seja a estimulação do
desenvolvimento de suas estruturas cognitivas, seja a estimulação de aspectos funcionais
ou emocionais que estejam limitando suas possibilidades de aprendizado.
Por outro lado, na seleção do material disparador, devemos observar o cuidado de
oferecer ao sujeito objetos que mobilizem aprendizagens de diferentes níveis de
dificuldade. Assim, são oferecidos simultaneamente materiais que suscitem
aprendizados de um nível imediatamente superior ao que o sujeito se encontra, bem
como objetos que lhe possibilitem partir do nível em que está ou até mesmo de um nível
anterior. Esses últimos têm a finalidade de permitir que o sujeito expresse seus medos e
resistências ao aprendizado ou que os utilize para fazer uma “regressão instrumental”,
isto é, um reabastecimento energético que lhe permita adquirir forças para seguir
adiante.
É importante que você saiba que, uma vez definido o material disparador, ele deve
permanecer constante, sendo colocado sobre a mesa, sempre no mesmo lugar, ao lado
da caixa de instrumentos e matérias-primas, antes que a sessão tenha início. Mas,
quando o psicopedagogo observar que um determinado material já não está mais sendo
utilizado pelo sujeito e acreditar que os aprendizados que poderiam ser suscitados com
seu uso já foram superados, ele pode propor a substituição desse material ao sujeito,
como no exemplo: “Observo que você já não tem mais usado este material. Será que
isso significa que você já aprendeu com ele tudo o que poderia aprender?”. Tendo
assentido o sujeito, o psicopedagogo acrescentaria: “Se então você concordar, a partir
da próxima sessão trarei outro material, no lugar deste aqui, para que você possa
continuar aprendendo ainda mais”.
Por outro lado, quando um material não estiver sendo usado pelo sujeito, apesar de ele
não ter alcançado os aprendizados possíveis, devemos considerar que a não utilização desse
material pode ser uma expressão de resistência do sujeito a enfrentar suas dificuldades.
Nesse caso, o psicopedagogo deverá acompanhar essas resistências, fazendo
assinalamentos que permitam ao sujeito tomar consciência dessas dificuldades e se
modificar, o que acontecerá a seu tempo.
Outra hipótese que devemos considerar é a de que o próprio sujeito peça ao
psicopedagogo para incluir um determinado material no trabalho. Nesse caso, após
indagar ao sujeito sobre os motivos de sua solicitação, julgando-a procedente, o
psicopedagogo pode dizer que providenciará esse material para a próxima sessão. Ou
seja, mesmo que esse material esteja disponível, dentro de um armário no consultório,
por exemplo, sugerimos que o psicopedagogo aguarde até a próxima sessão para trazer
esse material, de modo a respeitar as constantes do enquadramento daquela sessão (e o
material disparador é uma delas), o que permitirá que o sujeito exercite sua tolerância à
frustração e expresse sua resistência a trabalhar com os demais materiais.
Como podemos concluir, a escolha do material disparador não é uma tarefa fácil, visto
que o psicopedagogo deve identificar as necessidades do sujeito e, ao mesmo tempo,
conhecer as possibilidades de exploração que cada material lhe oferece, principalmente
ao tratar-se de materiais semiestruturados, como jogos. Nesse caso, é importante que o
psicopedagogo realize uma análise minuciosa do material, de modo a identificar as áreas
de pensamento que são mobilizadas durante o seu uso.

4.2
A análise de um jogo
Minha experiência com o uso do material disparador mostrou-me a necessidade de
aprofundar os estudos sobre os processos cognitivos mobilizados pelos diferentes jogos
que são utilizados no atendimento clínico psicopedagógico, de modo que se pudesse
extrair de cada um deles o melhor aproveitamento possível.
Apresentarei a seguir o resultado de uma das análises realizada a partir de um jogo
bastante conhecido entre os profissionais da área: o jogo Cara a Cara.
Trata-se de um jogo composto por dois tabuleiros iguais, os quais contêm 24 figuras
de personagens cada um, sendo que estes possuem diferentes atributos: cor de cabelo,
cor dos olhos, cor da pele, tamanho da boca, uso de artefatos como óculos, brincos ou
chapéus etc. Acompanha um baralho de cartas contendo as mesmas 24 figuras que se
encontram expostas em ambos os tabuleiros. Cada jogador sorteia uma dessas cartas,
que será o personagem que seu adversário deverá descobrir. Então, ambos se alternam
fazendo perguntas sobre os atributos dos personagens, até que um dos jogadores
consiga descobrir a figura que seu adversário sorteou.
Analisando as áreas de pensamento envolvidas nesse jogo, verificamos que, num
primeiro momento, quando o sujeito tem de elaborar a pergunta que fará a seu
adversário, ele precisa fazer uma CLASSIFICAÇÃO, elegendo um critério que lhe possibilite
separar aquelas figuras em dois grupos: aquele que possui o atributo e aquele que não o
possui. Por exemplo, ao fazer a pergunta: “O seu personagem é loiro?”, o sujeito está
automaticamente separando as figuras em dois grupos: o grupo dos loiros e o grupo dos
que não são loiros. Estabelece-se, assim, uma dicotomia.
Em um segundo momento, quando o adversário, no caso o psicopedagogo, responde à
pergunta do sujeito, este deve decidir quais personagens irá eliminar e, para tanto, deve
proceder a uma inclusão de classes, já que terá de decidir quais figuras serão incluídas
na categoria dos loiros e quais serão incluídas no grupo dos não loiros. É comum que o
sujeito que ainda não alcança a inclusão de classes nesse momento apresente dúvidas
do tipo: “Aqui tem um que é loiro, mas está com chapéu. Eu tiro ele também?”.
O psicopedagogo pode incitar o sujeito a reconhecer perguntas que lhe permitam
eliminar um maior número de figuras de uma só vez, antecipando o resultado das duas
únicas respostas possíveis: “Quantas figuras você irá eliminar se eu lhe disser que sim? E
quantas irá eliminar, se eu lhe disser que não?”. Nesse caso, o sujeito estará sendo
convidado a fazer predições e a considerar a probabilidade de êxito de uma pergunta.
Por exemplo, quando uma pessoa pergunta ao seu adversário se a figura sorteada tem
um chapéu com florzinhas e ele diz que sim, a pessoa descobre automaticamente quem
era o personagem do oponente, já que no jogo existe uma única figura nessas
condições. Entretanto, a probabilidade de que isso aconteça é de apenas 1 em 24.
Claro que podemos considerar que o fator “sorte” faz parte do jogo, e mesmo uma
pergunta com pouca probabilidade de êxito pode definir a partida. Mas é difícil que isso
aconteça sistematicamente, de modo que logo os sujeitos percebem a vantagem de
fazer estimativas e de aprender a jogar de forma mais estratégica.
Quando alcançam esse estágio, pode ser interessante apresentar aos sujeitos novos
estímulos, que lhes provoquem conflitos cognitivos, desestabilizando-os para que
busquem novas acomodações e assimilações (no sentido piagetiano dos termos) e
recuperem o seu equilíbrio, agora num patamar superior, ou seja, mobilizando-os à
busca de uma equilibração majorante.
Para tanto, o psicopedagogo pode abaixar a peça do seu tabuleiro relativa ao seu
próprio personagem, assim que sorteá-lo (já que não existem cartas repetidas). Se o
estímulo for reconhecido pela criança, ela poderá indagar ao psicopedagogo por que
abaixou uma figura, mesmo antes de fazer qualquer pergunta. Então, o psicopedagogo
pode ir dando pequenas “dicas” que levem a criança a concluir por si mesma, por
exemplo: “Eu abaixei esta peça porque tenho certeza de que este não é o seu
personagem”, ou “Eu abaixei esta peça, porque sei que não existem cartas repetidas
neste jogo”.
Quando a criança assimilar esse estímulo, incorporando-o aos seus esquemas prévios
e passando a utilizá-lo em suas jogadas, o psicopedagogo pode provocar um novo
desequilíbrio, aproveitando-se dessa mesma jogada, como demonstraremos a seguir.
Depois que a criança já abaixou a peça do seu tabuleiro referente ao seu próprio
personagem, ela faz uma pergunta, por exemplo, se a figura que o psicopedagogo pegou
tem chapéu. Supondo que ele diga que não, a criança irá abaixar todos os personagens
que têm chapéu. Nesse momento, o psicopedagogo pode contar o total de peças
abaixadas no tabuleiro da criança e até anunciar o seu raciocínio, dizendo: “Se existem
apenas cinco figuras com chapéu neste jogo, e você está com seis peças abaixadas, isso
quer dizer que o seu personagem não usa chapéu”. E então o psicopedagogo elimina
todos os personagens com chapéu e ainda tem o direito de fazer a sua pergunta.
É comum que, nesse momento, a criança se rebele, dizendo que aquilo não vale ou
que o psicopedagogo perderia o direito à sua pergunta, sendo ocasião propícia para
levá-la a rever as regras do jogo e juntos concluírem se o procedimento é válido ou não.
Passada a surpresa, a criança pode ser convidada a se apropriar do recurso, tentando
fazer o mesmo RACIOCÍNIO LÓGICO DEDUTIVO, para usá-lo contra o seu oponente.
Outro aspecto interessante a ser observado quando se trabalha com jogos no processo
corretor psicopedagógico é a oportunidade de explorar as regras desses jogos,
utilizando-as para desenvolver várias competências.
A leitura dos folhetos que acompanham os materiais, por exemplo, fornece
oportunidades valiosas para se trabalhar eventuais dificuldades do sujeito com
interpretação de texto ou até mesmo sua resistência à leitura. Para isso, muitas vezes,
pode ser necessário que o psicopedagogo reescreva as regras que acompanham o
material, adequando sua linguagem à idade da criança, pois nem sempre isso é
observado pelo fabricante.
A observância da adequação do sujeito às regras do jogo e as suas tentativas de
manipulá-las ao seu favor também nos fornece pistas importantes do estágio de
construção da moralidade alcançado pelo sujeito e a oportunidade de estimular o
desenvolvimento de seu juízo moral. A criança que ignora totalmente a existência de
regras ao jogar estaria ainda num estágio de anomia moral; aquela que manipula as
regras ao seu favor, embora diga que está seguindo rigorosamente a regra do jogo,
estaria num estágio de heteronomia moral, enquanto que a criança que não só observa
as regras do jogo, como também aceita combinar regras novas e segui-las, essa criança
demonstra autonomia moral.
Com intervenções adequadas, o psicopedagogo pode estimular a passagem da criança
de um nível de construção moral a outro mais avançado, como podemos observar no
diálogo a seguir, entre a psicopedagoga15 (P) e um sujeito (S) de 6 anos:

(S): Eu começo!
(P): Por que você começa?
(S): Tá, bom! Então comece você.
(P): Mas por que eu? Este jogo não tem regras?

Ainda usando o jogo Cara a Cara, podemos incitar o sujeito a rever aprendizados
formais que tenha adquirido ou que esteja adquirindo em sua escola, perguntando-lhe,
por exemplo, se o nome do seu personagem é trissílabo ou dissílabo, se tem algum
ditongo ou encontro consonantal, se é uma palavra paroxítona ou oxítona etc.
Usando os lápis e papéis que se encontram entre os recursos da caixa de
instrumentos e matérias-primas, podemos construir novos conjuntos de cartas, para
substituir as carinhas de personagens que se encontram no jogo original do Cara a Cara.
Nesse caso, poderíamos trabalhar com conjuntos de animais (mamíferos, aves, répteis,
vivíparos, ovíparos, bípedes, quadrúpedes etc.), conjuntos de objetos ou outro conjunto
qualquer.
Nesse mesmo jogo, Cara a Cara, há também a possibilidade de se jogar com duas
cartas simultaneamente, o que caracterizaria uma partida avançada. Nesse caso, a regra
diz que só se deve responder negativamente quando nenhum dos dois personagens
apresentar o atributo solicitado, de modo que, diante de uma resposta afirmativa, não se
sabe se aquele atributo se refere a apenas um dos personagens ou aos dois.
Sendo assim, o jogador deve ir “guardando” as dicas afirmativas e fazendo com elas
intersecções de classes para chegar à conclusão final. Por exemplo, se foi afirmado que a
figura é um loiro e depois afirmado que é um negro, sabendo que não há nenhum
elemento na intersecção desses dois conjuntos, o jogador pode eliminar todas as demais
figuras que não são loiras nem negras. Do contrário, o sujeito deve ir armazenando e
cruzando as informações obtidas, o que caracteriza a intersecção de classes, lembrando-

15 O termo psicopedagoga é usado aqui e em outros momentos genericamente, porém trata-se de experiência
vivida pela própria autora.
se sempre de que as respostas afirmativas do adversário podem se referir ora a um dos
personagens, ora a outro.
Concluindo, o que aqui pretendemos demonstrar é que o psicopedagogo deve
conhecer em detalhes o material que está elegendo como disparador, de modo a obter o
máximo aproveitamento possível de cada recurso na estimulação do processo de
aprendizado do sujeito.
Nas palavras de Visca (1996, p. 12), “en el tratamiento psicopedagógico es necesario
que el presional conozca en profundidad las operaciones que subyacen a las diferentes
condutas requeridas por un determinado pasatiempo pues si bien éstas pueden producir
espontáneamente em la interacción también pueden ser sutilmente provocadas – y no
impuestas – em beneficio del sujeto”16.
Portanto, a análise prévia e detalhada do material a ser ofertado como disparador é
condição fundamental para que o psicopedagogo possa expandir e otimizar os
resultados de sua intervenção, no processo corretor clínico psicopedagógico.

4.3
O trabalho com adolescentes
A princípio, o processo corretor psicopedagógico com adolescentes com o uso do
material disparador como recurso era realizado como descrito na seção anterior. A única
diferença em relação ao atendimento prestado a crianças de menor idade era a natureza
dos materiais selecionados, de modo que os livros e os jogos utilizados fossem
adequados à faixa etária e às necessidades particulares de cada sujeito.
No entanto, com o passar do tempo, observei que, a exemplo do relato de outras
psicopedagogas (mesmo daquelas que utilizavam recursos diferentes do material
disparador), era comum que muitos adolescentes abandonassem o atendimento
psicopedagógico precocemente.
Talvez, em parte, isso se justifique pelas características próprias do adolescente, que,
sendo um crítico por excelência, reluta em aceitar propostas que não consiga
compreender claramente. Por outro lado, mesmo quando lhe são apresentadas as razões
e os objetivos do trabalho proposto, o imediatismo típico do adolescente também
contribui para sua relutância a permanecer no atendimento.
Além disso, identificamos outro aspecto que limitava o trabalho com o adolescente, nos
moldes praticados com as crianças menores: a escassez de materiais semiestruturados,
disponíveis no mercado, adequados ao trabalho psicopedagógico com essa faixa etária.

16 “No tratamento psicopedagógico, é necessário que o profissional conheça profundamente as operações


que subjazem às diferentes condutas evocadas num determinado jogo, pois, apesar delas poderem
surgir espontaneamente, na interação, também podem ser sutilmente provocadas – e não, impostas –
em benefício do sujeito” (Tradução da organizadora).
Mas foi no ano de 1995, pouco depois de publicado meu primeiro artigo relatando as
experiências preliminares do trabalho com o material disparador, que uma sessão de
atendimento prestada a um adolescente provocou mudanças substanciais em minha
forma de atuação.
Tratava-se de um rapaz de 15 anos que cursava a sétima série do ensino fundamental e
que, portanto, já tinha dois anos de atraso em sua escolaridade, resultado de reprovações
provocadas por suas dificuldades na área matemática, por ele denominada de
mortemática.
Iniciava-se o segundo semestre do ano letivo e suas notas indicavam a possibilidade
de uma nova reprovação.
Esse garoto era um menino inteligente, demonstrava um nível de cultura geral pouco
comum em sua idade e possuía um raciocínio analógico bastante desenvolvido, o qual
lhe permitia estabelecer relações pertinentes entre diferentes áreas do conhecimento.
Entretanto, apresentava uma baixa reversibilidade de raciocínio revelada no diagnóstico
operatório, por suas oscilações nas provas de conservação de volume e pela dificuldade
de alternar argumentos. Nas demais provas do diagnóstico operatório, seu desempenho
era compatível ao esperado para a idade.
O material disparador selecionado para este caso incluía os jogos Senha e Rumikub,
ambos encontrados à venda no mercado, além do tradicional jogo de xadrez.
As primeiras sessões transcorreram tranquilamente, com o uso primordial do jogo de
xadrez, escolhido por iniciativa do sujeito. Nessas sessões, eu lhe assinalava a evidência
de sua impulsividade, provocava o levantamento de hipóteses relativas às alternativas
de jogadas ou o convidava a tentar antecipar os lances que eu poderia fazer como sua
adversária.
As condutas do sujeito após essas intervenções indicavam que os assinalamentos
estavam sendo apropriados, pois a cada nova jogada o rapaz aprimorava seus esquemas
e obtinha melhores resultados.
Entretanto, após algumas sessões o comportamento do sujeito mudou e ele passou a
ficar muito mais tempo na pré-tarefa, evitando a escolha de qualquer dos materiais
disponíveis e optando por apenas falar sobre assuntos diversos, nem sempre
relacionados ao aprendizado.
Na terceira sessão, em que o sujeito apresentou essa mesma conduta, intensifiquei os
assinalamentos sobre sua resistência a abordar a tarefa, e após uma dessas
intervenções o sujeito respondeu com veemência: “Mas do que é que você está falando?
Do jogo de xadrez? Você quer saber como é que eu me sinto vindo aqui pra jogar com
você? Eu me sinto como se eu estivesse num barco que está afundando, enquanto eu
continuo sentado no convés, jogando xadrez.”
Naquele momento, compreendi a angústia que aquele rapaz estava sentindo diante da
possibilidade de uma nova reprovação escolar e também entendi o seu pedido de
socorro imediato.
A opção mais evidente para aquela situação de emergência seria a de sugerir o apoio
paralelo de um professor particular de matemática. No entanto, isso não parecia ser a
solução ideal, até porque essa alternativa já tinha sido experimentada pelo sujeito várias
vezes, sem sucesso.
Depois de muito refletir sobre essa situação, e também depois de algumas horas de
supervisão, apresentei a seguinte resposta ao pedido do rapaz: “Você sabe que não sou
professora de matemática e também faz muito tempo que não vejo os conteúdos que
você está aprendendo, por isso já me esqueci de muita coisa. Mas se você quiser, nós
dois podemos aprender juntos a matemática, usando o seu material escolar e outros
livros que eu posso trazer sobre o assunto”.
Com a concordância do sujeito, passamos a trabalhar com esses materiais, e os
resultados obtidos foram surpreendentes. Não só o garoto foi aprovado para a oitava
série, como deu sequência ao atendimento psicopedagógico até a conclusão do segundo
ano do ensino médio, sem obter mais qualquer com reprovação.
A partir dessa experiência, reformulei minha atuação junto a adolescentes, de modo
que o material escolar dos sujeitos foi integrado ao material disparador, e a consigna
apresentada no início de cada trabalho passou a ser a seguinte: “Os materiais que estão
sobre esta mesa são para você usar aqui, como quiser, para poder aprender mais. E
além desses materiais, você também pode trazer aqui, quando quiser, os seus materiais
escolares, para aprender aquilo que você achar que está precisando”.

4.4
Uma mudança de perspectiva
Durante os anos que se seguiram, dispus-me a voltar a estudar conteúdos de matemática
como: álgebra, geometria, trigonometria, análise combinatória, entre outros, tarefa que não
foi nada fácil para quem há muito tempo havia se afastado dessa área de conhecimento.
Entretanto, essa também foi uma experiência fascinante, em vários sentidos. Primeiro,
porque pude constatar que é infinitamente mais fácil aprender esses conteúdos quando
já se possui uma estrutura cognitiva suficientemente desenvolvida, ao contrário do que
acontece com a maioria dos alunos, que é introduzida ao estudo da álgebra sem ter
alcançado plenamente o nível de pensamento hipotético-dedutivo ou pensamento
formal.
Através do diagnóstico operatório, é possível verificar se um determinado sujeito já
ingressou nesse estágio de pensamento, no qual uma das primeiras aquisições é a da
conservação de volume.
Embora Jean-Marie Dolle (1983, p. 127) admita que seja possível indagar se a
aquisição da noção de volume é a última conservação das operações concretas, ou a
primeira das formais, o autor esclarece que “Piaget é de opinião que ela concerne às
operações formais porque comporta a noção de proporções, que só é adquirida ao nível
formal”.
De fato, Piaget (1972, p. 190) verificou que, no domínio das conservações, por volta
dos nove e dez anos, as crianças admitem a conservação de peso, “mas quanto ao que
diz respeito ao volume se nega ainda antes dos 11/12 anos, e em virtude dos raciocínios
intuitivos inversos!”.
Assim como o pensamento hipotético-dedutivo é um pensamento de segundo grau,
também a álgebra é uma linguagem de segunda potência, pois nela um signo (x, por
exemplo) representa outro signo (um numeral), que, por sua vez, representa uma ideia
de quantidade.
Por outro lado, sabemos que aqui no Brasil o ensino da álgebra começa exatamente
na sexta série do ensino fundamental, na qual, dependendo de cada região do país,
podem ser encontrados alunos que irão completar 12 anos somente no final daquele ano
letivo. Considerando-se ainda que em toda sua obra, Piaget deixa claro que as idades
que marcam o ingresso em cada estágio de pensamento são apenas aproximações,
podemos concluir que muitas crianças são introduzidas ao estudo da álgebra sem ainda
terem desenvolvido estruturas cognitivas que as capacitem a assimilar esse
aprendizado.
Embora existam autores que acreditam ser possível facilitar a aquisição de noções ou
operações através de sessões de aprendizagem, promovendo assim uma aceleração na
construção operatória, Piaget evidencia seu ceticismo diante dessas aquisições
operatórias artificialmente provocadas, questionando sua estabilidade e transposição
(Coll; Martí, 1996, p. 114).
Como demonstraram os trabalhos de Jan Smedslund (1961), citado por Inhelder, Bovet
e Sinclair, 1977, p. 23), os conhecimentos adquiridos dessa forma sofrem uma extinção
mais rápida do que quando adquiridos através da atividade do próprio sujeito.
Minha experiência corrobora as conclusões desses trabalhos, verificando que muitos
sujeitos que conseguem evoluir de série, não tendo alcançado uma estabilização dos
conhecimentos adquiridos na série anterior, encontram dificuldades ainda maiores na
série seguinte por não possuírem os conhecimentos prévios necessários para ancorar o
novo aprendizado.
Nesses casos, verificamos que, mesmo tendo evoluído em seu desenvolvimento
cognitivo, e agora dispondo da estrutura de pensamento que lhe permitiria compreender
o que o professor está ensinando, o sujeito continua encontrando dificuldades, devido a
uma defasagem de conhecimentos prévios que se formou e aos inevitáveis prejuízos
emocionais ocasionados.
De fato, é comum que, nesses casos, a autoimagem do sujeito se mostre rebaixada,
que o vínculo com o aprendizado não seja mais o mesmo e que, consequentemente, o
sujeito manifeste uma grande resistência para abordar a tarefa relativa àquela área de
conhecimentos.
Outro aspecto fascinante de minha experiência ao utilizar o material escolar do
sujeito, como material disparador, foi a possibilidade de aplicar os conhecimentos
adquiridos na formação psicopedagógica, para identificar os processos cognitivos
mobilizados pelos diferentes conteúdos do aprendizado formal e assim relacioná-los com
as dificuldades que o sujeito manifesta para aprendê-los.
Assim, podemos compreender, por exemplo, a confusão de um sujeito que não consegue
entender por que a professora de português considera errada sua resposta, quando solicita
uma análise sintática da frase “Alguém fechou a porta” e ele classifica a palavra porta como
um substantivo, em vez de considerá-la como um objeto direto.
Verificamos no exemplo citado a dificuldade de alternância de critérios de
classificação manifestada pelo sujeito, que ainda não compreende que uma mesma
palavra, ora pode ser um substantivo (análise morfológica), ora pode ser um objeto
direto (análise sintática). Portanto, nesse caso, não se trata de explicar ao sujeito o que é
um objeto direto, mas, sim, de oferecer-lhe oportunidades de experimentar alternância
de critérios de classificação com diferentes conteúdos, inclusive objetos concretos, se
necessário. Por fim, ajudá-lo a entender a diferença entre morfologia e sintaxe, para só
então chegar às classes e subclasses que podem ser formadas em cada categoria de
análise.
O mesmo acontece na geografia, quando uma criança que ainda não possui a
capacidade de fazer inclusões de classes tenta compreender por que ora se diz que ela
mora em Curitiba, ora se diz que ela mora no Paraná ou, ainda, no Brasil.
Na matemática, podemos observar claramente quando um aluno, usando um grande
esforço de acomodação externa, mostra-se capaz de resolver, por exemplo, um sistema
de equações algébricas que lhe seja apresentado revelando um domínio procedimental
daquele conteúdo. No entanto, se esse mesmo aluno ainda não alcançou o nível de
pensamento formal, encontrará grande dificuldade para elaborar por si mesmo o referido
sistema, a partir da leitura de um enunciado, pois isso exigiria que ele tivesse o domínio
da linguagem e do pensamento algébrico.
Enfim, o que pretendemos demonstrar através dos exemplos citados é que, a partir do
momento em que o psicopedagogo se dispõe a identificar os processos cognitivos que
são evocados pelos diferentes conteúdos escolares, ele pode compreender melhor as
dificuldades que o sujeito manifesta diante desses conteúdos, capacitando-se a intervir
de uma forma mais adequada para facilitar seu processo de aprendizado.
Por outro lado, a experiência de voltar a estudar determinados conteúdos escolares, junto
com o sujeito, ampliou minha compreensão da angústia vivida por quem sofre a dificuldade
de aprendizado.
Mais do que isso, permitiu-me experimentar por mim mesma toda a tolerância à
frustração necessária para realizar uma tarefa como essa. Permitiu-me, ainda, enxergar
com outros olhos as resistências que tantos estudantes apresentam para realizar tarefas
escolares tão árduas, desenvolvendo assim uma capacidade de empatia, que hoje é
minha principal ferramenta de trabalho no atendimento a adolescentes.

4.5
A abordagem do conteúdo escolar no atendimento
psicopedagógico
Minha experiência na inclusão do conteúdo escolar no atendimento psicopedagógico
com adolescentes teve início na área matemática, como vimos anteriormente. Mas, a
partir de então, o processo se estendeu a todas as demais áreas do conhecimento.
Porque, na realidade, não importa que o psicopedagogo não domine o conteúdo, visto
que seu objetivo é o de ensinar a aprender, e não o de ensinar o conteúdo propriamente
dito. Essa é a grande diferença entre uma sessão psicopedagógica com o material
disparador, no qual se trabalha o conteúdo escolar e uma aula particular. É a mesma
diferença que há entre dar o peixe e ensinar a pescar.
Ensinar o sujeito a ser autodidata, a procurar a explicação no livro, a examinar os
exemplos do autor, a relacioná-los com as anotações feitas no caderno, a pesquisar em
outras fontes, a anotar suas dúvidas, a fazer um resumo de um capítulo, a fazer um
esquema geral são as aprendizagens que se pretende alcançar. Mas, para alcançá-las, o
psicopedagogo não tem um planejamento anterior a cada sessão, como o professor que
elabora sua aula. Pelo contrário, é o sujeito que define o conteúdo e o andamento de
cada sessão, ao expressar seus desejos e suas necessidades, bem como seus medos e
ansiedades naquele momento. A ação do psicopedagogo acontece a partir da ação do
sujeito, que ao se manifestar expressa condutas que revelam qual é o seu verdadeiro
obstáculo ao aprendizado.
Visca (1994) classifica as causas patológicas que dificultam o aprendizado em três
grandes grupos de obstáculos: epistêmico, funcional e epistemofílico.
O autor esclarece que o obstáculo epistêmico é utilizado para designar alterações na
estrutura cognitiva do sujeito, seja uma lentidão geral de seu desenvolvimento, seja uma
parada global. Já o obstáculo funcional refere-se, principalmente, a alterações
observadas no funcionamento da estrutura cognitiva, definidas como diferenças
funcionais (predominância do aspecto figurativo ou operativo do pensamento,
impossibilidade do sujeito de alternar argumentos de conservação, oscilações no
desenvolvimento das estruturas cognitivas etc.). Por fim, o obstáculo epistemofílico
refere-se à qualidade do vínculo afetivo que o sujeito estabelece com o objeto de
aprendizagem (Visca, 1994, p. 68).
Vimos exemplos relativos à análise dos processos cognitivos evocados por
determinados conteúdos escolares ou por jogos, como o Cara a Cara, e procuramos
demonstrar, primordialmente, como o psicopedagogo pode interpretar e mobilizar as
aprendizagens de um sujeito, considerando suas dificuldades cognitivas, sejam elas
estruturais (obstáculo epistêmico) ou funcionais (obstáculo funcional).
No entanto, sabemos que a vinculação afetiva que o sujeito estabelece com o objeto
de conhecimento é tão determinante para o seu processo de aprendizado quanto sua
competência cognitiva, pois, nas palavras de Piaget “para que a inteligência funcione, é
preciso um motor, que é o afetivo” (Bringuier, 1993, p. 71).
Assim sendo, o psicopedagogo deve estar atento aos aspectos energéticos que
subjazem às condutas do sujeito, pois estas indicam a espécie de vínculo que ele
estabelece com o objeto de aprendizado.
Segundo Visca (1994, p. 68), um vínculo negativo com a aprendizagem pode decorrer
de um estado de ansiedade confusional, esquizoparanoide ou depressiva. Por sua vez,
Bleger (1984, p. 143-154) esclarece que cada uma dessas ansiedades deriva da relação
que o sujeito estabelece com o objeto, que pode ser reconhecido por ele de um modo
indiscriminado, dissociado ou integrado, respectivamente.
Para exemplificar como esses aspectos podem ser trabalhados no atendimento
psicopedagógico, em que o material escolar do sujeito é incluído como disparador, segue
a transcrição de parte de uma sessão realizada pela psicopedagoga (P), com um sujeito
(S) de 15 anos, cursando a oitava série do ensino fundamental.

(S): – Hoje a professora de matemática ensinou uns “troços” muito loucos e eu não
entendi nada.
(P): – Você quer me contar como foi essa aula?
(S): – É que a gente “entrou” em trigonometria e daí a professora começou a falar de
uns “troços” que a gente nunca viu, de seno, de cosseno e de tangente, e eu não
entendi nada. Só sei que tem umas fórmulas que ela deu pra gente usar.
(P): – Vejo que você trouxe o seu material. Você quer me mostrar?

O garoto abre o caderno e o vira na direção da psicopedagoga, que retornando o


material para o sujeito, propõe:

(P): – Quer me contar o que você anotou aqui?”


(S): – Eu só copiei o que ela passou no quadro, mas não entendi nada. Essa aqui foi a
primeira fórmula que ela deu – diz o sujeito, apontando a fórmula do seno para a
psicopedagoga.
(P): – E o que significam essas letras?
(S): – CO é cateto oposto e HIP é hipotenusa... (o sujeito faz uma pausa, enquanto olha
para suas anotações). Mas como é que eu vou adivinhar qual desses é o cateto oposto?
(P): – Mas, então, você sabe qual é a hiponetusa?
(S): – A hipotenusa é essa aqui!
(P): – Que interessante! Você chegou aqui dizendo que começou a aprender uns
“troços loucos” e que não entendeu nada do que a professora ensinou. Mas agora estou
vendo, que você sabe que o nome desses “troços” é trigonometria, que você sabe que
na trigonometria existe o seno, o cosseno e a tangente e que é possível calcular esses
valores usando algumas fórmulas. E vejo que você também sabe que para usar essas
fórmulas a pessoa tem que conhecer a hipotenusa, e você a conhece, não é?
(S): – É, isso eu sei.
(P): – Então, até aqui você já sabe. Mas você ainda não entendeu qual é o cateto
oposto, qual é o cateto adjacente, e o que você pode fazer com a trigonometria, não é
mesmo?
(S): – Isso eu não entendi mesmo, porque é bem complicado...
(P): – Bem, se você quiser eu posso te ajudar a aprender o que falta. Quem sabe, pode
não ser tão complicado quanto parece?
(S): – Eu quero.
(P): – Então, vamos lá. No índice do seu livro, você deve encontrar a página onde
começa o capítulo sobre trigonometria.

Ou seja, o sujeito chega ao consultório num estado de indiscriminação (a professora


ensinou uns “troços” e o aluno não entendeu nada), apresentando uma ansiedade
predominantemente confusional. Então, a psicopedagoga o ajuda a alcançar um estado
de dissociação, levando-o a distinguir “o que sabe” e “o que não sabe”. Entretanto,
persiste uma ansiedade esquizoparanóide (afinal, os “troços” são loucos e bem
complicados). Por fim, a psicopedagoga convida o sujeito a enfrentar seus possíveis
medos, para alcançar um estado de integração do objeto.
Quanto à metodologia empregada na conversação com o sujeito, é importante que
você observe que a psicopedagoga apresenta inicialmente uma questão aberta,
estimulando-o a falar livremente sobre o assunto. Em seguida, ela acompanha o curso
de seu pensamento, fazendo intervenções e formulando novas perguntas, suscitadas a
partir das próprias respostas obtidas.
Segundo Delval (2002, p. 70), essa forma de abordagem caracteriza um dos tipos de
utilização do método clínico piagetiano, no qual o pesquisador mantém uma conversa
aberta com o sujeito, procurando seguir o curso de suas ideias sobre a explicação de
uma questão.
Por outro lado, Dolle (1983, p. 25) alerta que ao usar o método clínico piagetiano, o
bom pesquisador deve reunir dois atributos importantes que muitas vezes podem
parecer incompatíveis: “saber observar, vale dizer, deixar que a criança fale, nada
interromper, nem desviar, e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de preciso, ter a cada
instante alguma hipótese de trabalho, alguma teoria, certa ou errada, a controlar”.
Ou seja, como podemos observar, ao provocar que o sujeito fale sobre o assunto, a
psicopedagoga formula perguntas, sempre acompanhando o pensamento dele, sem
influenciá-lo, mas sabendo o tempo todo o que pretende alcançar com aquela conversa:
a concepção que o sujeito possui sobre o objeto de aprendizado.
4.6
O papel do erro no trabalho com material disparador
Toda concepção é um modelo explicativo, através do qual o sujeito interpreta o seu
ambiente. Desse modo, as concepções dos aprendizes atuam como estruturas de
recepção, que permitem ao sujeito assimilar ou não as novas informações fornecidas
pelo meio. Funcionam como filtros, que selecionam e ao mesmo tempo elaboram as
informações recebidas (Giordan; De Vecchi, 1996, p. 92-96).
Na verdade, as concepções prévias de um sujeito são os primeiros laços que ele pode
estabelecer com os conhecimentos novos que se pretende que adquira. Se essas
concepções forem ignoradas ou rejeitadas, o novo saber será construído sem alicerces,
desmoronando a qualquer momento.
Por essa razão, consideramos de fundamental importância investigar a concepção que
o sujeito possui acerca de um determinado objeto de conhecimento, sempre que ele
apresentar respostas erradas, em vez de simplesmente lhe oferecer as respostas certas.
A teoria piagetiana já demonstrou anteriormente a importância do erro na construção
do conhecimento, comprovando que o erro permite que a criança aprenda com ele e
assim chegue ao acerto, ação da qual deriva o conceito de erro construtivo.
Diversos estudos confirmaram que “uma informação selecionada pela criança a um
momento dado de seu desenvolvimento, se bem que errôneo com relação à solução final
do problema, parece, entretanto, pertencer a uma etapa necessária para chegar
ulteriormente a esta” (Inhelder; Bovet; Sinclair, 1977, p. 36).
Em consonância com esses postulados, adoto o método clínico piagetiano para
investigar os erros cometidos pelos sujeitos ao resolverem, por exemplo, exercícios de
matemática durante as sessões de atendimento.
Para demonstrar como isso é feito, observe a sequência a seguir, na qual um sujeito
(S), cursando a sexta série, resolve uma equação algébrica da seguinte forma:
7x – 5 = 5 + 5x
7x – 5x = 5 + 5
2x = 10
1
x =
0
x=–5

Quando o sujeito conclui o exercício, a psicopedagoga (P) lhe pergunta:

(P): – Por que na penúltima linha, o 2 ficou negativo?


(S): – Porque ele mudou de lado.
(P): – E o que tem isso?
(S): – Sempre que um número muda de lado, ele muda de sinal.
Nesse momento, podemos perceber que o erro cometido não é fruto de um déficit de
atenção, mas sim de uma concepção equivocada, resultante de uma assimilação
deformante realizada pelo sujeito. Então, na próxima intervenção procuramos provocar
um conflito cognitivo que leve o sujeito a tomar consciência do equívoco de sua concepção.

(P): – Bem, se x = - 5, poderíamos substituir o x por - 5, na equação, que o resultado


daria certo, não é mesmo? Vamos ver o que acontece se fizermos isso?
O sujeito faz a verificação:
7x – 5 = 5 + 5x
7. (– 5) – 5 = 5 + 5. (– 5)
– 35 – 5 = 5 – 25
– 40 = – 20

Diante da constatação do resultado errado, o sujeito confere a verificação, acreditando


que o erro pudesse estar nessa etapa, mas não consegue encontrar nada. Então, após
alguns instantes de contemplação, conclui:
(S): – Tem alguma coisa errada, mas eu não sei o que é.
(P): – Acho que posso ajudá-lo a entender o que está errado, se você quiser.
(S): – Tudo bem.
(P): – Você se lembra daquele desenho dos dois pratos de uma balança em equilíbrio,
no seu livro? Vamos voltar a examinar aquele esquema?
Então, a psicopedagoga retoma com o sujeito o conceito de uma equação, lendo com
ele a definição apresentada em seu livro, examinando o exemplo do autor, construindo
novos exemplos se necessário, até que o sujeito demonstre ter compreendido o conceito
(se sua estrutura cognitiva o permitir, é claro). Por fim, a psicopedagoga devolve ao
sujeito a equação que ele havia resolvido errado anteriormente, para ver se agora ele
pode identificar e, o que é mais importante, explicar o seu erro.
Quando o aprendiz se conscientiza de que uma concepção anterior não é verdadeira,
isso pode lhe provocar angústia e até mesmo constituir-se em um bloqueio para ele. Por
isso, é necessário que o sujeito seja ajudado a construir uma nova concepção, que possa
paulatinamente ir substituindo a anterior. Para tanto, é preciso que informações
adequadas sejam disponibilizadas ao sujeito, conforme suas necessidades e
possibilidades, de modo que ele possa elaborá-las para construir o saber e assim
atualizar suas concepções. Desse modo, evita-se que os obstáculos sejam reforçados, ao
invés de superados (Giordan; De Vecchi, 1996, p. 146).
No trabalho com a matemática, estimulo que o sujeito adquira o hábito de consultar o
gabarito de respostas no final de seu livro didático, logo que conclua um exercício. Desse
modo, obtém um feedback imediato, que lhe permite avaliar o resultado de seu trabalho,
no exato momento de sua conclusão.
Quando o sujeito descobre que sua resposta não confere com o gabarito, é comum
acontecer que ele queira apagar todo o exercício para começá-lo novamente. Em vez
disso, ele é estimulado a rever cada passo do exercício, de modo a identificar, analisar e
compreender o seu erro. Nesse momento, é oportuno provocar que o sujeito verbalize a
conclusão a que chegou, de modo a estimular o processo de tomada de consciência, que
irá possibilitar que o sujeito transferira a aprendizagem obtida para outras situações.

4.7
Tomada de consciência
A importância dos estudos sobre a tomada de consciência para a Psicopedagogia decorre
da observação de que grande parte das dificuldades de aprendizagem pode estar
relacionada “a uma falta de conscientização em relação às exigências da tarefa, às
estratégias que devem ser colocadas em prática para resolvê-la, e não tanto a um
problema de ausência das estratégias concretas” (Martín; Marchesi, 1995, p. 31).
Por outro lado, meu interesse por esses estudos foi aumentando na medida em que
minha experiência no atendimento a sujeitos com dificuldades de aprendizado foi
confirmando que o acesso ao próprio pensamento é o primeiro passo em direção ao seu
controle.
Nas palavras de Vygotsky: “o fato de nos tornarmos conscientes de nossas operações,
concebendo-as como um processo de um determinado tipo [...] nos torna capazes de
dominá-las” (1991, p. 79, grifo do original).
Mas, de acordo com o autor, a consciência e o controle de uma função mental só
aparecem depois que essa função já se desenvolveu e foi suficientemente praticada, de
forma inconsciente e espontânea.
Piaget (1977, p. 207) também afirma que o processo de tomada de consciência tem
sua origem no plano da ação, considerada, em si mesma, um saber autônomo e eficaz,
mas não ainda um conhecimento consciente.
De fato, existem muitas ações que, quando realizadas pelo sujeito, já possuem os
atributos de um saber, embora seja um saber eminentemente prático, ou seja, um
saber-fazer. Trata-se de uma forma prática de conhecimento, cuja passagem para o nível
do pensamento se dá através do processo de tomada de consciência (Piaget, 1978, p.
176).
Em outras palavras, a ação em si mesma constitui um saber que se mantém
autônomo até que se torne consciente e resulte em uma conceituação. A partir de então,
a ação passa a sofrer a influência dessa conceituação, o que permite a compreensão do
saber-fazer e, portanto, seu planejamento e controle.
4.8
A tomada de consciência no jogo Senha
Minha experiência no trabalho psicopedagógico com adolescentes tem me mostrado
que, quanto mais avançada a faixa etária do sujeito, e, principalmente, quanto mais
integrada é a sua estrutura emocional, predominante é a sua opção de trabalhar com
seu próprio material escolar, incluindo-o no material disparador de suas sessões.
É comum acontecer, por exemplo, que sujeitos que já frequentam o ensino médio
façam uso dos jogos ofertados como material disparador apenas nas primeiras sessões
do processo corretor, passando a trazer seus próprios livros e cadernos, tão logo a
psicopedagoga lhes recorde que esses materiais também poderiam ser incluídos no
trabalho.
Em contrapartida, os sujeitos mais novos ou aqueles que apresentam uma vinculação
negativa muito intensa com a aprendizagem formal rechaçam o material escolar,
preferindo a aprendizagem informal e lúdica que os jogos oferecem. Em geral, esses
sujeitos passam a incluir o material escolar numa etapa mais avançada do processo
corretor, quando o medo de serem atacados por esses materiais ou pelos novos
conhecimentos neles contidos diminui.
De qualquer modo, os jogos constituem um excelente recurso para o trabalho
psicopedagógico, pois possibilitam que o sujeito exercite suas habilidades cognitivas e
metacognitivas ao mesmo tempo em que atendem a seus interesses e necessidades
afetivas.
Um jogo muito utilizado no atendimento a adolescentes, é o jogo Senha, à venda no
mercado e já bastante conhecido pelos profissionais da área.
Para aqueles que ainda não o conhecem, esse jogo é disputado entre dois
participantes, no qual um deles elege quatro cores distintas entre seis existentes para
construir uma senha secreta. O adversário tem direito a dez tentativas para descobrir
essa senha. A cada uma dessas tentativas, o desafiante deverá responder utilizando
pinos brancos ou pretos, sendo que cada pino branco indica que o desafiado escolheu
uma cor certa, mas que a colocou na posição errada, enquanto cada pino preto significa
que uma cor está certa e na posição exata. A ausência de um pino, por sua vez, indica
que uma das cores eleitas pelo desafiado não pertence à senha secreta do desafiante.
Esse é um jogo que requer que o sujeito alcance ao menos o início do nível de
pensamento hipotético-dedutivo, pois ele deverá trabalhar com o levantamento de
hipóteses, envolvendo arranjos e permutações, e ser capaz de fazer deduções a partir
das respostas obtidas em cada tentativa.
Um aluno que esteja cursando o segundo ano do ensino médio, estudando análise
combinatória, pode até ser capaz de dizer que existem 360 senhas possíveis nesse jogo,
seja usando um método de contagem (6543 = 360), seja aplicando a fórmula de
arranjos encontrada em seu livro de matemática. Entretanto, se esse sujeito não alcança
o nível de pensamento formal ou se apresenta diferenças funcionais importantes em sua
estrutura cognitiva, encontrará dificuldades para desenvolver estratégias de raciocínio
adequadas para chegar à senha secreta.
Dedicando-me ao estudo do processo de tomada de consciência e depois de vários
anos de experiência com o referido material, identifiquei um padrão de conduta que
diferencia jogadores iniciantes de jogadores experientes e verifiquei que esse padrão
está relacionado com o processo de tomada de consciência realizado pelo sujeito.
A análise dessas condutas, publicada por Guimarães, Stoltz e Bosse (2008, p. 19-21),
permite-nos observar como acontece o processo de tomada de consciência de um saber
que é, a princípio, eminentemente prático, para se tornar mais tarde um saber
consciente.
No decorrer do jogo, é comum acontecer que o desafiado receba apenas dois pinos
como resposta a uma de suas tentativas, sejam eles brancos ou pretos, o que indicaria
que apenas duas cores daquelas que ele arriscou estariam corretas. Nesse momento,
quando o jogador já é experiente e alcança o nível de pensamento formal, ele conclui
que se apenas duas das quatro cores que ele usou estão corretas, as outras duas cores
que ele deixou de fora, certamente, pertencem à senha secreta, visto que existem
apenas seis cores no jogo. A partir de então, o jogador experiente passa a incluir,
sistematicamente, as cores que haviam sido deixadas de fora, em suas próximas
tentativas, revelando consciência de sua descoberta (Guimarães; Stoltz; Bosse, 2008, p.
20).
Esse raciocínio, aparentemente simples, é, na realidade, muito complexo, pois implica
uma reciprocidade de relações. Por isso, a conduta típica de jogadores iniciantes ou
daqueles que ainda não alcançam o pensamento formal difere totalmente da conduta de
jogadores experientes. Enquanto estes últimos, ao saberem que acertaram apenas duas
cores, vão direto às outras duas que ficaram de fora, incluindo-as em sua nova tentativa,
os jogadores inexperientes começam a nova jogada, escolhendo duas cores quaisquer,
dentre as quatro que haviam utilizado na rodada anterior. Esses jogadores acabam
completando sua nova tentativa com as cores deixadas de fora, já que não há outras
disponíveis, mas o fazem de modo intuitivo, de modo que, nas tentativas seguintes,
essas cores voltam a ser desprezadas (Guimarães,; Stoltz; Bosse, 2008, p. 20).
A conduta desses jogadores evidencia o que Piaget concluiu acerca do processo de
tomada de consciência, isto é, que há sempre um primeiro nível de saber que é
inconsciente e que se expressa na ação, como quando o jogador inexperiente inclui as
cores que ficaram de fora em sua nova tentativa, mesmo sem saber por que está
agindo assim. Só mais tarde, quando alcança a consciência desse saber, o jogador
adquire o controle de sua ação, ou seja, passa a utilizar essa sua descoberta de forma
estratégica (Guimarães; Stoltz; Bosse, 2008, p. 21).
Pozo conclui que a tomada de consciência é essencial para acontecer essa passagem
de um momento em que simplesmente se obtém êxito na resolução de um problema até
o momento no qual se alcança a compreensão do porquê obteve-se um êxito ou
fracasso. O autor esclarece que, no primeiro momento, “as ações do sujeito dirigem-se
unicamente ao objeto; no segundo, quando tenta compreender, tem como finalidade
principal conhecer e modificar seu próprio conhecimento” (Pozo, 1998, p. 183).
A experiência mostrou-me que é possível promover o desenvolvimento do processo de
tomada de consciência do sujeito estimulando-o a pensar sobre sua ação, como
podemos observar no exemplo a seguir, no qual a psicopedagoga 17 (P) “disputa” uma
partida do jogo Senha com um sujeito (S) de 14 anos:

(P): – Por que você resolveu repetir estas duas cores na sua jogada?
(S): – Porque só duas destas quatro cores estão certas.
(P): – Mas você poderia ter escolhido manter as outras duas que excluiu?
(S): – Poderia.
(P): – Então, você não tem certeza de que estas que escolheu manter sejam as cores
certas?
(S): – Não, não tenho.
(P): – E por que, você resolveu colocar estas outras duas cores?
(S): – Porque eu tinha que completar quatro cores.
(P): – Mas, você poderia ter tentado outras cores ou só podiam ser estas?
(S): – Bem, não tinha mais nenhuma outra cor pra eu usar.
(P): – Você tem certeza?
(S): – Sim.
(P): – Então, você está me dizendo que não tem certeza de que estas duas cores que
você escolheu para permanecer na jogada estejam certas, mas que tem certeza de que
estas outras duas que estavam de fora deviam entrar no jogo.
(S): – Sim, é isso mesmo.

Incitando os sujeitos a pensarem sobre sua ação, verifiquei que muitos deles, que
antes jogavam sem exibir estratégias de pensamento, passaram a agir como jogadores
experientes, revelando que a minha intervenção favoreceu a tomada de consciência de
seu saber prático. Entretanto, quando os sujeitos não possuíam a estrutura cognitiva
necessária para elaborar esse saber, eles não aproveitavam a intervenção, de modo que
nas jogadas seguintes voltavam a agir como se nada tivesse acontecido.

17 O termo psicopedagoga é usado aqui e em outros momentos genericamente, porém trata-se de experiência
vivida pela própria autora.
Sabemos que uma das principais características do pensamento hipotético-dedutivo é
a de ser capaz de levantar todas as hipóteses possíveis a partir de uma informação e
deduzir conclusões sobre elas.
Por isso, ao usar o jogo Senha, os sujeitos são estimulados a exercitarem o
levantamento de hipóteses a cada jogada. Para tanto, além de questionar as tentativas
do sujeito, quando é sua vez de jogar, a psicopedagoga verbaliza suas estratégias de
pensamento e suas conclusões, como se estivesse pensando em voz alta, de modo que
o sujeito possa tentar acompanhar seu raciocínio.
Utilizando esse material, observamos que algumas sequências de jogadas permitem o
levantamento de hipóteses, que devem ser consideradas simultaneamente para se
chegar a uma conclusão. Por exemplo, imagine uma sequência de tentativas em que o
desafiante responde sempre com três pinos, pretos ou brancos, ao desafiado, o que
significaria que apenas uma daquelas duas cores que ficaram de fora de cada jogada, é
a correta e, consequentemente, a outra é incorreta. Nesse caso, a psicopedagoga, pega
as duas cores que estavam de fora e, colocando-as ao lado do tabuleiro, vai verbalizando
seu pensamento:

(P): – Se apenas três cores estão certas, está faltando uma cor, que só pode ser o
vermelho ou o verde, porque só elas ficaram de fora. E se só uma delas é a certa, então
a outra é errada. Portanto, se o vermelho entrar, o verde não pode entrar. Vou deixá-las
aqui ao lado para não me esquecer disto, nas próximas jogadas.

E assim, prossegui, de modo que após algumas jogadas, é possível analisar os pares
de cores deixados ao lado, formando um sistema de hipóteses que agora pode ser
concluído:
(P): – Vamos pensar! Se o vermelho não pode entrar no jogo com o verde, se não pode
entrar com o amarelo, e se não pode entrar com o azul, então o vermelho não pode
entrar no jogo, pois se ele entrar, essas outras três cores estariam fora, e não haveria
cores suficientes para formar a senha. Portanto, descobri três cores certas: o verde, o
amarelo e o azul. Agora só preciso saber se a quarta cor é o alaranjado ou é o rosa.

O raciocínio demonstrado já exige uma capacidade bem maior de abstração, pois o


sujeito deve considerar várias hipóteses simultaneamente. De qualquer forma, a
experiência mostrou-me que os sujeitos que possuem uma estrutura cognitiva
suficientemente desenvolvida ou aqueles que estão muito próximos de alcançá-la, não
só conseguem acompanhar esse pensamento, como também se mostram capazes de
aplicá-lo em sua vez de jogar.
Desse modo, constatei que esse tipo de intervenção, no qual a psicopedagoga
verbaliza o próprio pensamento, é uma estratégia particularmente útil, para ensinar o
sujeito a pensar, estimulando seu processo de tomada de consciência.
4.9
Da tomada de consciência à metacognição
Na verdade, a ideia de que é possível estimular o desenvolvimento do processo de
tomada de consciência da criança já havia sido apresentada anteriormente por Pozo
(2002, p. 164), que analisando a relação entre professores e alunos no contexto escolar,
verificou que os professores podem emprestar consciência aos alunos, quando eles ainda
não a têm suficientemente desenvolvida, até que possam ir gradativamente adquirindo-
a.
Para tanto, o autor defende que o professor deve oferecer aos alunos atividades que
lhes exijam um exercício sistemático de processos conscientes, tais como planejar,
controlar a execução da atividade, corrigir a própria produção, analisar os erros, avaliar
os resultados obtidos, entre outros. Além disso, o professor deve agir como parceiro do
aluno, supervisionando sua ação até que ele possa fazê-lo por si mesmo (Pozo, 2002, p.
165).
Do mesmo modo, no trabalho psicopedagógico com o material disparador, propomos
que o psicopedagogo oportunize essas atividades ao sujeito, fazendo intervenções
adequadas para ajudá-lo a tomar consciência dos objetivos da tarefa, das estratégias
que elege para alcançá-los, do controle que exerce sobre essas estratégias durante sua
execução e dos resultados posteriormente obtidos.
Martín e Marchesi (1995, p. 31) afirmam que, no caso de crianças com dificuldades de
aprendizagem, tudo leva a crer que grande parte de seus problemas esteja relacionada
“a uma falta de conscientização em relação às exigências da tarefa, às estratégias que
devem ser colocadas em prática para resolvê-la, e não tanto a um problema de ausência
das estratégias concretas”.
Em consonância com a conclusão dos autores, em meu trabalho com o material
disparador procuro sempre levar o sujeito a pensar sobre o que está fazendo, para que
tome consciência da tarefa que executa, mas também de si mesmo, dos seus próprios
processos cognitivos, pois à medida que se torna capaz de pensar sobre o seu próprio
pensamento, ele ingressa num nível superior de conhecimento: o nível metacognitivo.

Síntese
Neste capítulo, relatamos como surgiu a proposta do trabalho com o material disparador
e as evoluções sofridas por esta proposta, para adaptá-la ao atendimento a
adolescentes. Destacamos que a principal modificação feita pela autora, para atender a
essa faixa etária, foi a inclusão do material escolar, como parte integrante do material
disparador e demonstramos como é possível trabalhar com esse material, numa
abordagem psicopedagógica.
Esclarecemos que os jogos também são um recurso valioso no trabalho com o
material disparador e demonstramos como eles podem ser utilizados com maior eficácia,
quando o psicopedagogo conhece os processos cognitivos que eles permitem estimular.
Por fim, destacamos a importância da tomada de consciência na evolução do processo
de aprendizado do sujeito e verificamos que o psicopedagogo pode favorecer a evolução
desse processo, ajudando o sujeito a se conscientizar de concepções equivocadas que
obstaculizam seu aprendizado, bem como facilitando a tomada de consciência de
saberes práticos que ainda estão num nível inconsciente.

Indicação cultural
Para melhor compreendermos a relação entre o processo de tomada de consciência e a
metacognição, sugerimos a leitura do livro:
GUIMARÃES, S. R. K.; STOLTZ, T. (Org.). Tomada de consciência e conhecimento
metacognitivo. Curitiba: Ed. da UFPR, 2008.

Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Quais eram as matérias que você menos gostava quando era aluno(a) no ensino
fundamental? E no ensino médio? Você tinha dificuldades nessas matérias? Você
aceitaria voltar a estudá-las e trabalhar com esses conteúdos como
psicopedagogo(a)? Por quê?

2. Uma prática comumente adotada por professores de matérias exatas, como a


matemática ou a física, é a de resolver as questões da prova no quadro com os alunos
após a aplicação da mesma, e depois pedir que eles copiem essa correção nos seus
cadernos. Você acha que essa prática possibilita que o aluno aprenda com os seus
próprios erros? Qual a sua sugestão para que as respostas erradas dos alunos
assumissem o papel de erros construtivos na correção de suas provas?

Atividade Aplicada: Prática


1. Experimente disputar uma partida do jogo Senha com um de seus colegas de turma,
procurando identificar as jogadas que a autora analisa neste capítulo. Observe a
complexidade dos raciocínios envolvidos e depois troque suas impressões com o
colega. (Caso vocês não tenham o jogo, será fácil construir um similar. Sugestão:
Vocês podem elaborar senhas com quatro dígitos, usando numerais de 1 a 6 e usar as
letras P e B, para substituir os pinos pretos e brancos respectivamente).
5. Atenção psicopedagógica por
meio do jogo e da brincadeira
Heloísa Monte Serrat Barbosa
Laura Monte Serrat Barbosa

Neste capítulo, enfocaremos um recurso de intervenção psicopedagógica de caráter


objetivo, que utiliza o jogo e a brincadeira como elementos de ação.
A atenção psicopedagógica, segundo Visca (1997b), pode acontecer em diferentes
âmbitos: do indivíduo, do grupo, da instituição, da comunidade e da cultura. No âmbito
individual e grupal, a atenção psicopedagógica se dá, comumente, no espaço da clínica
com intenção terapêutica, porém, podem também existir ações nesse mesmo espaço
com objetivos preventivos ou de otimização do processo de aprendizagem.
Neste trabalho, vamos focar a atenção psicopedagógica no espaço da clínica, no
âmbito individual ou grupal, com fins terapêuticos, ou seja, no uso de jogos e
brincadeiras com pessoas que apresentam sua aprendizagem obstaculizada por algum
motivo.
Nesses casos, a tarefa da Psicopedagogia é oferecer possibilidades para que o aprendiz
continue construindo seu núcleo pessoal como aprendiz ou corrigindo essa construção,
segundo Almeida e Silva (1998), por meio de sínteses e elaborações simbólicas, realizadas
na relação com o conhecimento a ser aprendido e o psicopedagogo.

5.1
O jogo e a brincadeira como recursos de intervenção
psicopedagógica
A brincadeira e o jogo são recursos psicopedagógicos de caráter objetivo utilizados para
que a pessoa possa se construir como aprendiz.
A brincadeira possui um repertório de atividades que, na relação imaginação-regras,
tem a imaginação como característica definidora, na qual as regras são frágeis e podem
assumir diferentes rumos, de acordo com o que os brincantes queiram; e o jogo, nessa
mesma relação possui a ênfase nas regras, embora não abandone a imaginação.
Tanto a brincadeira quanto o jogo são marcados pela ludicidade, e essa característica
não pode ser perdida numa relação educativa nem terapêutica, pois o grande risco que
corremos, ao usarmos brincadeiras e jogos nessas relações, é de transformá-los em
exercícios e assim torná-los extremamente técnicos e enfadonhos.
Outro aspecto que é necessário levar em conta, quando se pensa na utilização
dos jogos no fazer psicopedagógico, é a diferença que existe entre
Psicopedagogia e pedagogia, pois, muito frequentemente, são confundidas e se
desvirtua, a atividade psicopedagógica com uma invasão didática. Esta invasão
didática – que é útil no campo pedagógico – geralmente se fundamenta no fazer
psicopedagógico em pressupostos ambientalistas (behavioristas) ou na ansiedade
do profissional que não se permite esperar e cede à sua impulsividade. (Visca,
1996, p. 13, tradução das autoras)

A ludicidade é o ingrediente fundamental no caso desses recursos psicopedagógicos


por ser uma característica importante das atividades do ser humano que a relaciona com
divertimento e, portanto, não carrega em si um grau de resistência elevado, o que pode
auxiliar no enfrentamento de obstáculos e de dificuldades.
Para Lino de Macedo, Ana Lúcia Sícoli Petty e Norimar Christe Passos (2005), as
atividades, para serem lúdicas, são identificadas pelas crianças como possuidoras de
cinco qualidades: devem ter o prazer funcional, serem desafiadoras, criarem
possibilidades, possuírem o caráter simbólico e serem expressas de modo construtivo ou
relacional. Segundo esses autores, o prazer funcional está relacionado à escolha que um
aprendiz pode fazer entre querer ou não participar de uma atividade; o desafio traz uma
situação problema e leva o aprendiz a colocar em jogo seus conhecimentos prévios,
assim como se disponibilizar para desenvolver habilidades que ainda não possui ou se
encontram incipientes; criar possibilidades diz respeito ao jogo e à brincadeira que
tornam possíveis a realização dos sonhos, do imaginado. A solução de um problema é
viável, são previstas saídas e o aprendiz pode se sentir capaz, desbravador, persistente
e tantas outras qualidades decorrentes do tornar possível o que parece impossível; o
caráter simbólico indica que as brincadeiras e jogos expressam sua intuição, e que as
narrativas decorrentes do faz de conta são uma projeção de seus sentimentos, desejos e
valores; a expressão construtiva indica a possibilidade de considerar-se numa atividade
lúdica, vários pontos de vista e várias possibilidades de expressão. Para Macedo, Petty e
Passos (2005, p. 21), “Lúdico combina com a ideia de errância, uma disponibilidade tão
importante nos dias de hoje. [...] É como se fosse um passeio desejado, mas não
premeditado nem submisso a um roteiro rígido”.
Nesse sentido, o lúdico não é sinônimo de algo somente agradável, pelo contrário, a
ludicidade inclui o desafio e toda a disposição do desafiado em insistir para resolver os
problemas que dele surgem.
Brincadeiras e jogos são inventados nas culturas com o objetivo de oportunizar a
aprendizagem do mundo e a lida com as situações frustrantes. Ao “fazer de conta que...”,
pode-se lidar com situações muito difíceis, fora do alcance de uma pessoa na vida
concreta ou levar a compreender significados por seu caráter simbólico.
Vygotsky (1989), ao apresentar o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
considerou o jogo como um elemento de formação da referida zona de desenvolvimento.
Para ele, o
brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo,
a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade,
além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do
que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém
todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele
mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. (Vygotsky, 1989, p. 117)

Brincar e jogar, portanto, podem ser recursos de extrema eficácia no atendimento


psicopedagógico se for possível manter a ludicidade, sem promover a exclusividade da
regência do prazer. Essa é uma dose de tal forma delicada que requer do psicopedagogo
a presença constante do objetivo do trabalho desenvolvido com um determinado sujeito,
seja ele um indivíduo ou um grupo de pessoas; além do uso adequado dos recursos
psicopedagógicos que serão utilizados para intervir verbal ou corporalmente para
promover desequilíbrios que levem o aprendiz a minimizar ou superar os obstáculos
presentes.

5.2
Brincadeiras
Em nossa prática, podemos encontrar formas diferentes de utilização dos jogos e das
brincadeiras. As brincadeiras podem ser espontâneas e disparadoras, enquanto os jogos
podem desenvolver e instrumentar, aliviar tensões, servir de elementos intermediários
na relação com a aprendizagem.

As brincadeiras espontâneas
As brincadeiras espontâneas permitem que o aprendiz possa se desenvolver em vários
aspectos: relacional, psicomotor, criativo, viver frustrações, vitórias, partindo do
princípio do prazer, para posteriormente poder encontrar e conviver com o princípio da
realidade. Viver a brincadeira espontânea permite, ao aprendiz, encontrar outros
caminhos para poder entender e/ou aceitar sua própria inserção no mundo. Brincar
espontaneamente pode favorecer a aquisição de novos conhecimentos inclusive
aqueles, que por algum motivo, encontram-se obstaculizados. Muitas vezes não indo
diretamente à dificuldade, o aprendiz passa a ver que é capaz de realizar feitos na
brincadeira espontânea e então, aos poucos vai integrando-os à sua vida diária,
elevando, dessa forma, a autoestima, o poder de decisão, entre outros.
Segundo André Lapierre e Anne Lapierre (2002), é possível o adulto participar dessa
brincadeira espontânea, e essa relação é situada no plano simbólico, podendo utilizar o
olhar, os gestos, os sons para provocar comportamentos ou atender aos desejos do
aprendiz, o que permite que ele expresse suas fantasias e libere suas pulsões, mesmo as
que não são normalmente aceitas no ambiente de aprendizagem.
O desejo de uma criança se manifesta no seu brincar. O brincar acontece
naturalmente. Ele tem um fim em si mesmo. É no brincar que a criança e mesmo
o adulto, são capazes de viver as suas criações de maneira plena. Na maioria das
vezes a criança tem dificuldades em não brincar [...] O brincar é fundante para o
sujeito. No brincar a criança dialoga consigo mesma e com o mundo. [...] é uma
linguagem, das mais sérias de que a criança faz uso [...]. (Heinkel, 2000, p. 60)

O que acontece, muitas vezes, no espaço da clínica psicopedagógica, é que a


brincadeira espontânea é trazida pelos aprendizes como forma de evitar o contato com
novos conhecimentos e, portanto, com prováveis situações de aprendizagem. O que
fazemos, nesses casos, quando necessário, é acompanhar a resistência, entrar na
brincadeira proposta pelo aprendiz, para permitir com que ele se sinta mais seguro e
experimente outras situações de aprendizagem. No caso de Edson, a proposta era uma
espécie de jogo inspirada no futebol ou no basquete, nas quais as regras eram
constantemente modificadas, impedindo com que ele entrasse em contato com as
próprias dificuldades. A psicopedagoga (uma de nós), então, entrou na brincadeira tal
como ela foi apresentada e durante os momentos possíveis realizava intervenções de
caráter subjetivo, aproximando da possibilidade de pensar, articular ideias, ações para
se superar e aprender.
Por outro lado, a proposta da brincadeira espontânea pode aparecer no atendimento
psicopedagógico também como uma intervenção do psicopedagogo, em casos nos quais
o aprendiz tem seu processo o aprender obstaculizado, como consequência da
dificuldade de simbolizar por meio das brincadeiras. O psicopedagogo propõe a
brincadeira a partir das dicas corporais que o aprendiz dá frente aos materiais
apresentados naquele momento.
Para exemplificar essa possibilidade trazemos a história de Fernando, que, por possuir
uma dificuldade motora severa, isolava-se das brincadeiras infantis, ao mesmo tempo
em que lhe era tolhida, pelos adultos responsáveis por sua formação, a possibilidade de
explorar o espaço. No processo de atenção psicopedagógica, algumas brincadeiras
foram responsáveis pela descoberta da sua capacidade de brincar: a brincadeira com
bolas de diversos tamanhos e cores, a utilização de panos e fantasias para transformar-
se em outros personagens e poder locomover-se com mais facilidade pelo espaço e a
manipulação de tintas foram algumas das possibilidades por meio das quais Fernando
descobriu suas capacidades de brincar e aprender e de aprender e brincar.

Brincadeira disparadora da comunicação


O que diferencia a brincadeira disparadora da brincadeira espontânea é que a
disparadora é criada e proposta pelo psicopedagogo na tentativa de desequilibrar o
aprendiz e provocar uma tensão tal que o leve a buscar caminhos para o equilíbrio e com
isso descubra seu interesse por determinadas coisas pelas quais não se interessava antes
e desenvolva funções e habilidades pouco desenvolvidas
Como exemplo, apresentaremos o caso de Bruno, menino que demonstrava um grande
atraso do desenvolvimento e que, aos 9 anos, quando chegou até nós, ainda não sabia
desenhar, falar, brincar nem realizar outras atividades próprias para sua idade
cronológica. Iniciamos procurando seus interesses e logo percebemos que Bruno tinha
uma forma estereotipada de brincar, o que aniquilava a ludicidade e fazia com que ele
não pudesse se aproveitar da brincadeira como um elemento simbólico importante para a
construção da linguagem, como instrumento de comunicação, e da identidade.
Bruno levantava objetos compridos para o alto, gritava uma combinação de sons que
não podiam ser identificados como palavras em nossa língua. Fazia isso repetidas vezes,
até que conseguimos encontrar um caminho para sua evolução.
Começamos a construir espadas de jornal e com elas fazíamos o movimento que
normalmente Bruno fazia, e a psicopedagoga (uma de nós) dizia: “Eu tenho a força!” e
se colocava em posição de luta convidando-o para brincar. Ele vinha, e esse convite
começava a mudar sua relação com aquele objeto comprido. Nos encontros seguintes o
garoto começava a falar a palavra força, com uma combinação sonora parecida, algo
como “oca”, que acompanhado com o gesto era possível entender que ele, naquele
momento, estava convidando a psicopedagoga para brincar.
Essa brincadeira foi disparadora para outras e também para o seu interesse lúdico
pelos objetos, superando a repetição mecânica que apresentava anteriormente.
A brincadeira disparadora normalmente é extraída do próprio repertório da criança,
visando ampliá-lo, especializá-lo e potencializá-lo, mas é trazida para o interior do
atendimento pelo psicopedagogo.
Embora saibamos que existem outras possibilidades de classificação das brincadeiras,
trazemos essas duas categorias como resultantes da nossa prática psicopedagógica no
espaço da clínica.

O aprendiz e o brincar
Segundo Vera Barros de Oliveira (2000, p. 15), o brincar possui três grandes núcleos
organizadores que atraem e oferecem direção à criança. São eles: o corpo, o simbólico e
a regra. O corpo como primeira referência do sujeito no tempo e no espaço, o simbólico
como a possibilidade de organizar o mundo interno e a regra como organizadora do
mundo externo e como expressão do desejo, na medida em que podem variar, de acordo
com as necessidades dos sujeitos.
As brincadeiras, de forma geral, permitem que o aprendiz perceba suas capacidades,
suas limitações e os limites sociais necessários na exploração do mundo e nas relações
humanas. Oferece condições para que o sujeito supere suas limitações e amplie
capacidades.
A consciência corporal, resultante do primeiro núcleo organizador da brincadeira,
implica o desenvolvimento das consciências individual e social. Segundo Humberto R.
Maturana e Gerda Verden-Zöller (2004, p. 228), a interdependência entre o adulto e a
criança é desenvolvida por meio da brincadeira como elemento promotor da confiança
entre pais e filhos. O mesmo podemos dizer com relação ao psicopedagogo e ao
aprendiz, os quais, por meio de brincadeiras, constroem uma relação de confiança.
O simbólico como núcleo organizador do brincar busca significado nas relações com o
outro e com objetos, os quais podem fazer parte da brincadeira, contribuindo para a
construção mundo interno. Brincar não inibe a fantasia e contribui para não formar
defesas muito rígidas e em alguns casos, até, para quebrá-las. A brincadeira permite que
o aprendiz dramatize o vivido, represente-o, expresse sentimentos, pensamentos e se
fortaleça como sujeito desejante. No atendimento psicopedagógico, a brincadeira não é
trazida com intenção direta de ensino-aprendizagem, mas como um instrumento
simbólico que considera e parte do desejo do aprendiz para promover uma adaptação
constante desse desejo.
A psicopedagogia, neste sentido, apoia-se nos estudos de Lapierre e Lapierre (2002, p.
40):
Temos objetivos, projetos. Se esses objetivos não aparecem de imediato ao
espectador não experimentado, é porque, de início, eles não se manifestam de
uma forma pedagógica, por um desejo concreto de ensinar alguma coisa à
criança, mas de modo muito mais sutil, por uma adaptação permanente ao desejo
da criança, tendo a finalidade de permitir a evolução desse desejo.

O terceiro núcleo organizador da brincadeira está relacionado à necessidade humana


de coexistência, na qual é importante a articulação das regras de convivência às
necessidades individuais. É essencial que as regras não se pautem somente na
competição, mas, sim, considerem também o elemento cooperação, tão raro nas
relações interpessoais atualmente. Na brincadeira, as regras não são postas
previamente, abrindo a possibilidade para a construção e a criação destas no seu
decorrer. No processo de atenção psicopedagógica, a brincadeira pode ser um
instrumento mobilizador da aprendizagem das regras que ajudam a organizar o mundo
externo, ao mesmo tempo em que auxiliam o aprendiz na superação das frustrações.

A brincadeira como possibilidade de desenvolvimento da atenção


Brincar oportuniza vivências que promovem a construção da identidade, a percepção do
mundo real e a relação deste com a fantasia. Fazer de conta não é dispensável, mesmo
sem a intenção de aprender, brincar pode ter esse resultado. Para Maturana e Zöller
(2004, p. 230):
Brinca-se quando se está atento ao que se faz no momento em que se faz. [...]
Brincar é atentar para o presente. Uma criança que brinca está envolvida no que
faz enquanto o faz. Se brinca de médico, é médico; se brinca de montar num
cavalo, é isso que ela faz. O brincar não tem nada a ver com o futuro. Brincar não
é preparação para nada, é fazer o que se faz em total aceitação, sem
considerações que neguem sua legitimidade.

Muitas crianças, hoje, chegam aos consultórios com queixa de transtorno de atenção e
concentração. Nossa cultura ocidental se preocupa mais com o resultado do que se faz
do que com o processo de como se faz. A brincadeira é uma atividade humana que,
indiretamente, ensina-nos a viver um processo, independente do seu resultado. Esse
processo, como já descrito, envolve o corpo como referência do aprendiz, o simbólico
como organizador das relações e do mundo interno e as regras como facilitadoras da
convivência e da organização do mundo externo. Tudo isso é necessário para o
desenvolvimento da atenção, a qual é uma função humana que não nasce pronta. Nesse
sentido, brincar auxilia o aprendiz a constituir essa função. Na medida em que as escolas
diminuem o espaço e o tempo das brincadeiras, com a preocupação da aprendizagem
formal da leitura e da escrita, contribuem para a formação de aprendizes menos atentos
e com atenção descentrada, não necessariamente portadores de transtorno de déficit de
atenção com hiperatividade (TDAH), mas aprendizes do seu momento histórico.
A Psicopedagogia tem como uma de suas formas de intervenção a brincadeira, por
meio da qual é possível promover o desenvolvimento da atenção e da concentração –
sem recriminar a desatenção nem culpabilizar a atenção descentrada, também
necessárias para o processo de aprender –, bem como a percepção do seu entorno e das
funções dos elementos que dele fazem parte.
O atendimento psicopedagógico, visando o desenvolvimento atencional, pode ser
individual e/ou em grupo, e é nesse segundo, que se encontra o que André Lapierre e
Bernard Acouturier (2004, p. 21) chamaram de dimensão essencial, aquela que é
semelhante à da vida.
A criança não vivencia sozinha as suas dificuldades; ela as vivencia no “grupo-
classe” e não é apenas do professor, mas também de seus colegas, que ela
recebe a imagem de si própria. A evolução da criança depende da sua inserção
no grupo, de sua aceitação ou de sua rejeição, das possibilidades de comunicação
que ela consegue estabelecer, mas também da estrutura, [...] que proporcione o
equilíbrio, do grupo em que convive e das suas individualidades que o compõe.

Dessa forma, o ambiente no qual o aprendiz está inserido supõe a presença de seus
iguais para o conhecimento de suas possibilidades e limitações e, com isso, contribui
para o desenvolvimento se sua capacidade de atenção e concentração.
No atendimento psicopedagógico em grupo, a brincadeira acontece em diferentes
momentos, na maioria das vezes trazidas pelos aprendizes e compreendidas pelos
psicopedagogos coordenadores, como indicadores de novos projetos e avanços do
percurso grupal. Assumem novos formatos dependendo dos objetivos e do
encaminhamento dos trabalhos.

A observação e sua importância no processo de intervenção


psicopedagógica
Observar é uma das possibilidades de aperfeiçoamento da intervenção psicopedagógica
e deve ser entendida como um exercício de ver e compreender o que acontece sem
julgar. Apesar de, em algumas instâncias, a observação ser um instrumento autoritário,
na Psicopedagogia ela se desenvolve de tal forma que promove o crescimento do
aprendiz e do próprio psicopedagogo.
Quando um aprendiz, ou um grupo de aprendizes, brinca, o psicopedagogo deve estar
atento para perceber em que momento essa brincadeira está sendo utilizada – como
pré-tarefa. Como elemento de resistência à tarefa principal? Como forma de executar a
tarefa? Ou como projeto, na concepção de Enrique Pichon-Rivière (1988), que mostra o
“vir a ser” do interesse do aprendiz ou aprendizes. Além de perceber o momento em
que a brincadeira está sendo utilizada, é também de suma importância para o
psicopedagogo observar o latente, ou seja, detectar o sentido real escondido e que se
manifesta por meio do simbólico que a brincadeira possibilita. A observação da conduta
permite uma leitura simbólica por parte do observador e é a partir dela que o
psicopedagogo escolhe as intervenções de caráter subjetivo que serão realizadas.
Além da leitura simbólica das condutas do aprendiz, segundo Hurst (2006), a
observação pode sensibilizar os profissionais para a percepção das “diferentes maneiras
do aprendiz explorar, compreender e representar diferentes aspectos do mundo” (p. 202),
ou seja, a síntese do que sabe, suas impressões, percepções e sentimentos.

5.3
Jogos
Enquanto na brincadeira as regras são quase uma imitação da vida, ao mesmo tempo
em que se afastam dela pelo fator imaginário, no jogo aparece o propósito como objetivo
final que pode fazer com que reste, na situação de jogo, menos prazer, pois pode
aparecer, nessa relação, a questão do ganhar e perder.
Para tratar do tema jogo, é necessário definir o significado de jogo a ser utilizado.
Segundo Tizuko Morchida Kishimoto (2000), o termo jogo possui um conglomerado de
significados, o que pode interferir no entendimento da abordagem aqui desenvolvida.
Nesse sentido, o jogo como recurso de intervenção psicopedagógica será abordado
como um sistema de regras que possui uma estrutura sequencial que ajuda a especificar
a sua função e a ação do jogador. Para Johan Huizinga (1968), o jogo é uma atividade
que possui seis características definidoras: é livre, delimitado, incerto, improdutivo,
regulamentado e fictício. Quando falamos na característica livre, referimo-nos ao fato de
ninguém ser obrigado a jogar e à sua natureza lúdica, delimitado por que é preciso fazer
combinados, tanto em relação ao tempo como em relação ao espaço; é incerto porque
não se sabe qual será o resultado; improdutivo porque não gera bens materiais e nem
situações novas; regulamentado porque é sujeito a regras; e fictício porque remete a
uma simulação.
No atendimento psicopedagógico, os jogos podem ser utilizados com diferentes
propósitos: desenvolvimento e instrumentação; alívio das tensões provocadas pelo não
saber; aquecimento para um próximo projeto; construção de novos jogos e modificação
de jogos já conhecidos.
Visca (1996), ao falar da presença dos jogos no atendimento psicopedagógico, dizia
que, ao se trabalhar com jogos, dois aspectos eram importantes de serem levados em
conta: o nível de desenvolvimento cognitivo do aprendiz, assim como o conhecimento
que ele já possui do jogo a ser apresentado.
Além disso, acreditamos que é importante também a exploração de vários jogos, a
escolha e o entendimento dos fatores que estão sendo considerados para a escolha. Em
muitos casos, é possível transformar jogos que foram criados para crianças mais velhas
em jogos possíveis de serem jogados por crianças menores, desde que essas
transformações possam ser realizadas nas regras ou na forma de jogar.

Jogos que desenvolvem e instrumentam


Todos os jogos, embora não sejam, na maioria das vezes, construídos com a intenção de
desenvolver determinada habilidade ou ensinar algo a quem joga, podem promover o
desenvolvimento de competências e, como já dissemos, podem, também, construir a
zona de desenvolvimento proximal. Isso quer dizer que jogando é possível aprender e
desenvolver-se para uma situação real. Conforme Macedo, Petty e Passos (2000, p. 62),
podemos propor situações em que as crianças aprendam a pensar de forma
articulada, coordenada e coerente, o que, sem dúvida, pode ajudar a melhorar
seu desempenho [...] se a criança ainda precisa apoiar-se em objetos,
concretamente falando, pouco adianta propor situações-problema verbais ou
escritas. A situação de jogo com o tabuleiro e peças é vital para viabilizar a
resolução de problemas [...] em síntese, consideramos fundamental que o
contexto de jogo represente um desafio possível de ser resolvido pela criança, ou
seja, não deve ser fácil nem difícil demais, pois nos dois casos, estaríamos
desconsiderando as características do seu desenvolvimento.

No processo de atenção psicopedagógica, é possível utilizar jogos com o objetivo de


desenvolvimento do aprendiz em diferentes aspectos ou dimensões: raciocínio lógico,
oralidade, escrita, percepção, rapidez, ritmo, motricidade, atenção, memória e outros,
porém, cuidando para não perder de vista a ludicidade.
Em nossa prática, quando o recurso de intervenção de caráter objetivo escolhido para
esse fim é o jogo, podemos encaminhar a sessão de diferentes formas: permitindo que o
sujeito escolha, no armário de jogos, aquele que deseja jogar; selecionando jogos que
desenvolvam o mesmo aspecto para que o aprendiz faça a escolha; ou apresentando um
determinado jogo para ser jogado naquele encontro. Qualquer que seja a forma de
encaminhamento, o psicopedagogo necessita pensar o contexto para manter o objetivo
inicial do trabalho em foco.
Partindo da escolha do aprendiz, é possível instigá-lo para novos desafios e, portanto,
ampliar as possibilidades de desenvolvimento e instrumentação. É importante que os
jogos colocados à disposição sejam tanto de caráter competitivo quanto cooperativo.
Os jogos de caráter competitivo ensinam os jogadores a lidarem com as situações de
ganho e perda, auxiliando no fortalecimento das condições para o enfrentamento de
adversidades, tanto pessoal quanto do outro. Nesse sentido, não só aprender a perder é
importante, mas também aprender a ganhar sem colocar o outro em situação vexatória.
Já os jogos de caráter cooperativo enfatizam a convivência, a solidariedade e a
capacidade de ajudar e pedir ajuda, muitas vezes, fragilizadas no aprendiz que
apresenta dificuldades de aprendizagem ou com a aprendizagem.

Jogos que aliviam as tensões provocadas pelo não saber


Aprendizes que apresentam dificuldades para aprender, frequentemente, não
reconhecem o não saber como um requisito para saber. O jogo pode auxiliar no
enfrentamento de situações desconhecidas que provoquem tensões, na medida em que
jogar pode aliviá-las, minimizar os erros e as dificuldades. Jogando o que já sabe, o
aprendiz pode ter segurança e não se sentir ameaçado nos momentos em que, por
ventura, não atingir os objetivos do jogo.
O jogo que o aprendiz já domina serve como elemento para ser reconhecido e
reconhecer-se como sabedor.
André, por exemplo, iniciou o processo de atenção psicopedagógica jogando
“Combate”, o único jogo dos disponíveis no armário conhecido por ele. Durante um curto
período, escolheu esse jogo para permear o encontro. A partir do momento em que o
vínculo de confiança com a psicopedagoga já estava estabelecido e que o medo de
arriscar já podia ser enfrentado, foi-se introduzindo novos jogos para ampliar as
possibilidades de aprendizagem. Já no caso de Luísa, a permanência do jogo Ladrões no
Bosque por um longo período foi possível sem introduzir novos jogos, pelo fato de as
regras serem trazidas paulatinamente e de atividades que eram desempenhadas pela
psicopedagoga, serem delegadas a ela, na medida em que foi sentindo-se potente para
tal.

Jogos como elementos auxiliares


Os encontros de Psicopedagogia permeados pelo jogo não necessariamente precisam
conter somente jogos. Por exemplo, na caixa de trabalho, conforme a necessidade do
aprendiz, podemos colocar jogos como um dos materiais estruturados disponíveis, entre
outros. No processo do projeto de aprender, o jogo pode ter a função, entre um projeto e
outro, de aquecimento para o planejamento de um novo projeto. Na intervenção que se
utiliza do material disparador, isso também é possível.
Luiz, ao concluir o seu projeto – a construção de um vagão de trem com sucatas, cujo
objetivo, além de promover iniciativa e desenvolver a capacidade de representação
mental e a psicomotricidade, era o de reelaborar os vínculos familiares, visando a
superação da dependência excessiva da avó e da mãe – escolheu Uno como um
elemento auxiliar até o planejamento do próximo projeto. O jogo, nesse contexto,
possibilitou lidar com as frustrações, com a rapidez de raciocínio e percepção, com o
seguimento de regras e tantas outras funções que o fortaleceram para superar a
dependência que existe entre ele e as figuras femininas de seu cotidiano. Tanto que o
próximo projeto incluiu o universo masculino – a construção de um jogo que envolvia o
futebol.

Jogos construídos ou modificados


Outra possibilidade do jogo como recurso psicopedagógico de caráter objetivo refere-se
à construção e/ou modificação de jogos.
A construção de jogos articula a vivência do aprendiz à sua capacidade criativa. Ela
pode acontecer de duas maneiras: construir jogos conhecidos ou construir jogos
inventados.
A modificação de jogos implica o exercício da transformação das regras e da estrutura
de jogos conhecidos.
André, o menino já conhecido do leitor, aquele que jogava Combate, voltou a ele após
a vivência com outros jogos, agora para modificá-lo. André mudou a estrutura do
tabuleiro, colocando mais perigos para o adversário e experimentando a segurança, de
forma simbólica, protegendo o seu campo, acrescentou personagens, modificou regras,
dessa forma experimentou sua potência como autor e pessoa capaz de promover
transformações na realidade.
Luísa, menina também conhecida do leitor, aquela do jogo Ladrões no Bosque, depois
de experimentar perder metade do dinheiro, perder todo o dinheiro, ganhar parte do
dinheiro ou ganhar todo o tesouro, resolveu modificar as regras do jogo no sentido de
perder menos e, simbolicamente, lidar de forma mais fácil com as frustrações.
Essa possibilidade de utilização dos jogos é muito rica e permite que o aprendiz crie
regras, modifique-as, interfira na estrutura e no funcionamento do jogo, para que ele
possa assumir uma nova roupagem e ser explorado de outras formas.
Como em todas as outras formas de intervenção psicopedagógica de caráter objetivo,
o jogo, para tornar-se um recurso psicopedagógico, necessita das intervenções de
caráter subjetivo, por meio de atitudes operativas.

Síntese
O jogo e a brincadeira como recursos de intervenção psicopedagógica devem preservar
a ludicidade e servir como instrumento de vinculação afetiva com as situações de
aprendizagem. O psicopedagogo precisa cuidar para não cair na armadilha de querer
ensinar por meio de jogos e brincadeiras, para não correr o risco de torná-las um
exercício enfadonho.
Por outro lado, brincar e jogar por si só não se caracterizam um recurso de intervenção
psicopedagógica. É preciso que o psicopedagogo faça intervenções de caráter subjetivo,
para que o aprendiz vá se percebendo e se construindo.

Indicações culturais
Filmes
ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard Lagravenese. Produção: Richard
Lagravenese. EUA/Alemanha: Paramount Filmes do Brasil, 2007. 123 min.
Nesse filme, uma professora de adolescentes socialmente excluídos utiliza, entre
outros recursos, uma brincadeira corporal para construir uma zona de
desenvolvimento proximal voltada para as relações entre eles.

O FABULOSO destino de Amélie Poulain. Direção: Jean-Pierre Jeunet. Produção: Claudie


Ossard Productions, Union Générale Cinématographique, Victoires Productions, Tapioca
Films, France 3 Cinéma, MMC Independent GmbH, Sofica Sofinergie 5, Filmstiftung
Nordrhein-Westfalen, Canal. Alemanha, França: Lumière/Imagem Filmes. 2001. 122min.
Nesse filme a artista principal, uma solitária brincante, promove situações que
oportuniza o resgate da história pessoal de vários personagens. Para cada um
deles cria uma brincadeira diferente.

A CORRENTE do bem. Direção: Mimi Leder. Produção: Bel Air Entertainment, Tapestry
Films, Warner Bros. Pictures, EUA: Warner
Bros, 2000. 122 min.
Esse filme desenrola-se a partir da criação de um jogo pelo personagem principal
no qual, a única regra era, após ser ajudado por alguém, propor-se a ajudar três
pessoas em situações reais. Esse jogo serviu como um recurso de intervenção a
partir do qual as pessoas envolvidas realizaram aprendizagens importantes.

O CAMPO dos sonhos. Direção: Phil Alden Robinson. Produção: Charles Gordon e
Lawrence Gordon. EUA: Universal Pictures/LK-TEL Vídeo, 1989. 106 min.
Nesse filme, ganhar e perder, cometer faltas e reparar são aprendizagens que
podem ser realizadas por meio do jogo.

Livros
BROTTO, F. O. Jogos cooperativos. Santos: Cooperação 2001.
O jogo cooperativo busca desenvolver o aprendiz para além da competição. É um
recurso importante para os aprendizes que evitam situações de aprendizagem
com medo de errar e de perder; ou para aqueles que só se colocam em situações
de aprendizagem com o intuito de ganhar o jogo ou ter uma recompensa.

DEACOVE, J. Manual de jogos cooperativos. Santos: Cooperação, 2002.


Esse material também se refere aos jogos cooperativos, cujo objetivo é o mesmo
referido acima.

MacGREGOR, C. 150 jogos não competitivos. São Paulo: Madras, 2004.


Esse material deve ser utilizado pelo psicopedagogo como referência de jogos
possíveis de serm colocados em prática na interação com o aprendiz, sofrendo as
adaptações que forem necessárias para o momento - jogos externos e de salão

OS MELHORES jogos do mundo. São Paulo: Abril, 1978.


Esse material deve ser utilizado pelo psicopedagogo como referência de jogos
possíveis de serm colocados em prática na interação com o aprendiz, sofrendo as
adaptações que forem necessárias para o momento - jogos de tabuleiro

CASELATTO, M. S. (Org.). Jogos e brinquedos para fazer e brincar. São Paulo:


Textonovo/ACCU/Unesco, 1999.
Esse material deve ser utilizado pelo psicopedagogo como uma referência de
jogos possíveis de serem colocados em prática na interação com o aprendiz,
sofrendo as adaptações que forem necessárias para o momento.

VON, C. A história do brinquedo. São Paulo: Alegro, 2001.


A sugestão desse livro foi feita para que o psicopedagogo aprofunde seus
conhecimentos sobre o brinquedo e a brincadeira e amplie seu repertório.

Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. “Conheço muitas crianças pequenas que não sabem brincar. Jogos eletrônicos,
programados previamente, brincam com as crianças deixando a sensação de que são
elas que matam, que revivem, que fazem o gol, que vencem a corrida de automóvel,
etc. [...] As crianças que gostam deste tipo de brinquedo, são brincadas por eles e
pensam que estão brincando; o mais grave, porém, é que nós, adultos, também
pensamos que sim.” (Barbosa, 2006 p. 106) Há muitas crianças que apresentam
dificuldade para aprender cuja principal causa é a passividade diante do mundo.
Como é possível articular a tecnologia existente no mundo concreto e a possibilidade
de brincar de forma vivencial e não somente virtual?

2. “A utilização dos jogos lógicos nos atendimentos psicopedagógicos requer a


consideração de, pelo menos, dois aspectos fundamentais que devem ser levados em
conta para a sua adequada aplicação: o nível cognitivo do aprendiz e o conhecimento
que o mesmo tem do jogo. Cada um dos dois aspectos se desdobra em uma série de
questões secundárias que é imprescindível conhecer para poder estabelecer uma
adequada dinâmica de interação.” (Visca, 1996, p. 15) Você tem conhecimento do
desenvolvimento cognitivo dos aprendizes nas suas várias idades? A partir desse
conhecimento você pode escolher os jogos mais adequados para cada faixa etária.

Atividades Aplicadas: Prática


1. Vá até uma praça ou qualquer outro espaço em que existam crianças brincando.
Escolha uma criança para observar. Tente descobrir a sua idade, pela forma como ela
age; perceba se ela tem facilidade ou dificuldade para se comunicar, movimentar-se,
criar estratégias; observe se ela arrisca ou busca apoio em outros; identifique se ela
lidera ou é liderada ou qualquer outra situação que lhe pareça relevante para a
observação. Após dez minutos de observação, imagine quais intervenções
psicopedagógicas você faria com o intuito de auxiliá-la a superar obstáculos ou
ampliar seu repertório para brincar. Após o exercício, vá até a introdução do livro, no
item: “Intervenção de caráter subjetivo” e analise se escolheu a intervenção mais
adequada para o momento. Discuta com seu grupo e com seu professor.

2. Um menino de 6 anos não consegue brincar com outras crianças. Isola-se na hora do
recreio e brinca com objetos usados tais como telefone, teclado de computador,
chaves ou fica sentadinho na mureta observando os colegas brincarem. É inteligente,
entende de assuntos pelos quais a maioria das crianças de sua idade não se interessa,
tem uma boa relação com alguns adultos, mas é rejeitado pela maioria dos colegas de
sua sala. Possui um vocabulário adulto e desenha de forma original, mas persevera
nos traços. Possui um amigo imaginário e não está conseguindo aprender a ler e
escrever.
Se você fosse o(a) psicopedagogo(a) desse menino e fosse utilizar o recurso de intervenção por meio dos
jogos e brincadeiras, num processo de atendimento individual, que jogos você selecionaria para que ele
escolhesse como disparador do trabalho a ser desenvolvido? Que objetivos você destacaria nos jogos
selecionados e como você apresentaria essa seleção para ele? Anote tudo e busque uma supervisão com um
profissional da área de psicopedagogia.

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Bibliografia
comentada

BARBOSA, L. M. S. A psicopedagogia e o momento do aprender. São José dos Campos:


Pulso, 2006.
Esse livro fala da concepção de aprendizagem da autora, fundada na visão de
uma Epistemologia Convergente. Traz como elementos relevantes para compor a
aprendizagem sobre atenção psicopedagógica no espaço da clínica um capítulo
que aborda a investigação da dificuldade de aprendizagem nesse espaço e outro
capítulo sobre o atendimento psicopedagógico em grupo e no grupo, um
instrumento possível também na abordagem psicopedagógica terapêutica. A
atitude operativa também é abordada nesse capítulo e vem reforçar a
aprendizagem das intervenções psicopedagógicas de caráter subjetivo. O livro
todo é um material interessante para o psicopedagogo, pois, apesar de não
abordar apenas o atendimento psicopedagógico no âmbito clínico, traz subsídios
para a relação entre o psicopedagogo terapeuta e a instituição escolar.

CARLBERG, S. O processo educativo: articulações possíveis frente à diversidade – relato de


uma práxis. Curitiba: EIBSG ; São José dos Campos: Pulso, 2006.
Esse material é resultado da ação psicopedagógica no espaço escolar, no entanto,
a sua escolha para ser comentado em uma obra que aborda recursos
psicopedagógicos de caráter terapêutico se deve aos capítulos que dizem respeito
ao ambiente educativo, elemento pouco valorizado na escola e também no
atendimento psicopedagógico clínico. O psicopedagogo terapeuta, ao ler esses
capítulos, deverá pensar em como seria um ambiente educativo no espaço da
clínica, diferente do escolar, mas da mesma forma educativo. Como existe pouco
escrito sobre isso para o atendimento clínico psicopedagógico esse material pode
ser um excelente instigador aos(as) psicopedagogos(as).

CHAMAT, L. S. J. Relações vinculares e aprendizagens: um enfoque psicopedagógico. São


Paulo: Vetor, 1997.
Um material sobre aprendizagem e vinculações afetivas com o conhecimento e as
situações de aprendizado é fundamental para a formação de psicopedagogos(as).
Esse livro traz esse tema com uma linguagem fácil de ser compreendida
apoiando-se nas linhas de estudo escolhidas por Jorge Visca para a
sistematização de sua concepção psicopedagógica. Devido à semelhança da
fundamentação teórica, a autora convidou o Prof. Jorge Visca para prefaciar seu
livro, que o fez de forma carinhosa e concisa. Além de abordar os vínculos em
relação ao aprender e ao não aprender, destacando a internalização de modelos
de aprendizagem, a autora traz relatos de casos que auxiliam na compreensão da
teoria e da prática psicopedagógica no espaço da clínica.

SILVA, M. C. A. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 1998.
Essa obra é uma preciosidade à disposição do psicopedagogo que deseja ir além
de imitação e da reprodução de formas de atendimento. É um convite a um
mergulho teórico, que auxilia o aperfeiçoamento da prática psicopedagógica,
principalmente no âmbito clínico. Maria Cecília questiona a aprendizagem como
objeto de estudo da Psicopedagogia e sugere que o foco dessa área seja colocado
no sujeito cognoscente, aquele capaz de conhecer, de desejar conhecer e de
enfrentar os obstáculos que o conhecimento impõe. Esse sujeito, que é composto
pelas dimensões racional, relacional e desiderativa, na sua relação com o mundo
constitui o seu núcleo pessoal para aprender (o eu cognoscente). É exatamente
nesse processo de constituição deste núcleo que a ação psicopedagógica pode
ser necessária. A autora, então, afirma que o trabalho psicopedagógico é intervir
no sintoma propondo um verdadeiro desmonte e uma instalação de novas formas
de organização do sujeito cognoscente. Esse processo de reconstrução da
capacidade de síntese e de elaborações simbólicas do ser cognoscente realiza a
“cura” pela ação. Dessa forma, a autora estabelece a diferença entre a atenção
psicopedagógica e a psicanalítica.

VISCA, J. Clínica psicopedagógica: Epistemologia Convergente. Buenos Aires: Visca &


Visca, 2000.
Essa foi a primeira obra do autor, reeditada em castelhano, no ano de 2000, por
ocasião de sua morte, como uma homenagem de suas filhas. A tradução em
português está esgotada. O livro traz a ideia geral da Psicopedagogia na visão da
Epistemologia Convergente. Contribui sobremaneira para a práxis
psicopedagógica no âmbito da clínica, pois apresenta um dos instrumentos mais
eficazes na prática clínica – o enquadramento. Saber lidar com o enquadramento
faz do psicopedagogo um profissional capaz de isolar fatores para perceber o que
é relevante na ação terapêutica. Além disso, o autor traz os recursos de
intervenção psicopedagógica como resultado de uma pesquisa cuidadosa,
acompanhados de exemplos que facilitam sua compreensão.

VISCA, J. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.


Nessa obra, Jorge Visca delimita a questão da dificuldade de aprendizagem na
visão da Epistemologia Convergente. Fundamenta com novos aprofundamentos a
sua concepção de Psicopedagogia e contribui de forma singular para o
atendimento psicopedagógico no espaço da clínica, principalmente com os
capítulos que abordam as questões da inteligência e da afetividade no processo
de aprendizagem e na construção da identidade do aprendiz. Esta obra vem
complementar a primeira e clarear alguns conceitos em relação à sua primeira
obra.

ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres.


São José dos Campos: Pulso, 2007.
Essa obra foi escrita por três profissionais da Psicopedagogia que em diferentes
momentos tiveram contato com a Epistemologia Convergente e com a
sistematização da Psicopedagogia pelo Professor Jorge Visca. Essa obra está
dividida em quatro partes: uma primeira que aborda a epistemologia da
psicopedadogia; uma segunda que traz a Psicopedagogia e seu caráter
terapêutico; uma outra que aborda a ação psicopedagógica na instituição e uma
última que trata da Psicopedagogia e sua relação com o mundo atual, suas
configurações e a formação do ser pensante e do aprendiz em novos tempos.
Gabarito
Capítulo 1
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Aqui, é necessário comparar estilos de utilização de uma mesma constante do
enquadramento, nesse caso, a caixa de trabalho, e também exercitar a troca de
informações entre colegas de estudos.
2. Essa atividade é importante para exercitar a análise de uma síntese sobre o que foi
compreendido.

Capítulo 2
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Ao identificar objetos que tiveram valor simbólico em sua história de vida, procure
discutir sobre o significado destes em seu processo de aprendizagem. Alguns símbolos
fazem parte da nossa história por um tempo determinado ou durante muito tempo. O
importante é tentar identificar a mensagem subentendida ao objeto que foi
significativo em sua história. Dessa maneira, terá clareza da função das miniaturas na
construção das cenas na areia. Na teoria junguiana, o significado que atribuímos aos
símbolos, mesclados com as nossas experiências, é que irá determinar o valor
simbólico dos objetos dos quais nos apropriamos. O que pode ser extremamente
significativo para determinada pessoa, pode não ter o mínimo valor para outra. O
importante é tentar descobrir o que determinado símbolo quer nos dizer (nessa
técnica, o símbolo é representado pelas miniaturas).

Capítulo 3
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Se você escolheu uma situação da história na qual aparece um conflito, está no
caminho, pois as intervenções que fazemos como psicopedagogos é sempre a partir
de um momento de desequilíbrio, no qual o aprendiz não consegue encontrar o
equilíbrio sozinho.
2. Se em suas anotações constarem itens como: partir da vivência do aprendiz, evitar
exposição das dificuldades, valorizar o produto dos aprendizes, ampliando o
conhecimento a partir desse ponto, e incentivar os avanços, é sinal de que você está
no caminho.

Capítulo 4
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Resposta pessoal. (Exemplo: Eu tive muita dificuldade com a matemática a partir da
7ª série. Depois, essa dificuldade se estendeu para a física no ensino médio. Hoje,
acho que encontraria uma dificuldade ainda maior para voltar a estudar essas
matérias, pois há muito tempo não tenho qualquer contato com os conteúdos a elas
pertinentes. No entanto, eu poderia fazer a experiência de pegar um livro de 7ª série,
onde começaram as minhas dificuldades, para ver se ainda hoje eu teria as mesmas
dificuldades ou não.)
2. Resposta pessoal. (Exemplo: Ao invés do professor de matemática pedir aos alunos
que simplesmente copiem a correção de um exercício do quadro-negro, ele pode pedir
que comparem essa correção com o exercício que fizeram, encontrem o seu erro e,
mais importante, expliquem por que o que fizeram está incorreto).

Capítulo 5
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Para melhor conseguir desenvolver essa questão, leia o capítulo “Brincar pode ser
Sério?” do livro Educação de crianças pequenas, de Laura Monte Serrat Barbosa
(2006), e ainda, os artigos do capítulo 6 do livro Sou professor: a formação do
professor formador, da Editora Positivo, coordenado por Isabel Parolin (2009).
2. Para apoiar a sua resposta nessa questão, sugerimos leituras sobre o desenvolvimento
da inteligência nas obras de Piaget e Vygotsky.
Nota sobre as
autoras
Heloísa Monte Serrat Barbosa é licenciada em Educação Física pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR), pós-graduada em Psicomotricidade Relacional pelo Centro
Internacional de Análise Relacional (Ciar)e em Psicopedagogia pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). É também formada em Teoria e Técnica de
Grupos Operativos pelo Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da
Aprendizagem (Síntese, PR).
Laura Monte Serrat Barbosa é pedagoga, formada em Psicopedagogia e em Teoria e
Técnica de Grupos Operativos pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba em
parceria com o Centro de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires. É especialista em
Psicologia Escolar e da Aprendizagem pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUCCAMP) e mestre em Educação pela UFPR. É autora de livros na área de Educação e
Psicopedagogia.
Simone Carlberg é graduada em Pedagogia pela UFPR, especialista em Psicopedagogia
pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba e em Teoria e Técnica de Grupos
Operativos pela mesma instituição. É sócia titular da ABPp nº 71 e integrante da equipe
do Centro de Estudos, Desenvolvimento e Aperfeiçoamento da Aprendizagem (Síntese,
PR). Professora em cursos de pós-graduação na área da Psicopedagogia e Educação.
Sonia Maria Gomes de Sá Küster é pedagoga, especialista em Psicopedagogia e em
Educação Infantil e mestre em Educação pela PUCPR. É ainda presidente da ABPp, Seção
Paraná Sul, gestão 2005-2007/2008-2010, e docente em cursos de pós-graduação na
área da Psicopedagogia e Educação.
Vera Regina Passos Bosse é pedagoga pela UFPR, pós-
graduada em Psicopedagogia pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba e mestre em educação pela
UFPR. Atua em consultório particular, atendendo crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizado.
Ministra palestras e cursos para pais e professores da rede pública e particular de ensino de Curitiba. É autora de
vários artigos científicos na área da Educação.

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