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SÃO PAULO
2019
Introdução
A partir disso, a teoria do valor propõe que existam três formas de gerar
mais-valia: 1) lucro, gerado apenas por meio de transações econômicas; 2) renda,
formada quando há um monopólio, a propriedade de algo necessário a algum
processo produtivo; 3) juros, representados pela movimentação de capitais. Devido
às contradições inerentes às relações capitalistas de produção, o preço desta
produção estaria fadado a tornar-se um preço regulador do mercado que verteria os
lucros de todos os capitalistas para um valor médio, significando, portanto, a
perequação da taxa de lucro.
Nesse caso, a renda comportar-se-ia como recurso para extrair mais-valia
acima da taxa de lucro médio:
1
PEREIRA, 2018 p.59
capital ativo, aquele que detém o privilégio de dono desses recursos em
virtude de título de propriedade sobre uma parcela do globo terrestre.2
Dessa maneira, é atribuído preço à terra, pois a relação social que precifica
aquilo que tem valor pelo trabalho, transforma-se em uma relação entre as coisas,
consolidando o direito a uma renda àquele que possuir a propriedade privada da
terra e transformando esta em um tipo de monopólio. Não é atoa que ao ser inquirido
pela comissão bancária de Londres, o imobiliário Edward Capps afirma que
especialmente nas cidades de grande crescimento, torna-se muito mais lucrativo
especular a renda fundiária do que especular o próprio imóvel construído ou
aumentar sua produtividade (MARX, 1998).
Faz-se necessário ressaltar como a utilização da palavra especulação, pelo
imobiliário, pode funcionar como um impedidor ao entendimento do conceito de
2
MARX 1998 p. 887
3
MARX 1994 p. 81
renda. A especulação a priori significa a simples variação do preço de algo em
função do momento ou lugar, enquanto isso, a renda comporta-se como um modo
de capitalização da mais-valia, ou seja, a reposição de uma pressuposição: ao
compreender os ganhos futuros que determinado monopólio oferece ao proprietário,
este por sua vez transporta-os para o presente, fazendo com que a terra funcione
também como um ativo.
Ao constatar-se de que a terra configura-se como um monopólio e isto causa
um impacto no seu preço mercantilizado, é importante distinguir se é a renda que
gera o preço de monopólio ou se o inverso acontece. A fim de construir-se tal
distinção, é possível separá-la em duas categorias: 1) renda fundiária; 2) renda
imobiliária. A renda fundiária está ligada às qualidades intrínsecas à terra, isto é, a
qualidade do solo, capacidade de estabelecerem-se boas estruturas para as
fundações, grande capacidade para o plantio, ou seja, tudo aquilo que está
relacionado com o processo de produção. Dessa forma, quando algum processo
produtivo consegue ter um lucro extraordinário proveniente da renda fundiária, isso
significa que é a renda da terra que está configurando um preço de monopólio.
Enquanto isso, a renda imobiliária representa a fração de mais-valia capturada
devido ao proprietário do imóvel deter um elemento necessário ao processo de
produção, “o espaço, elemento necessário a toda produção e a toda atividade
humana” (MARX, 1998), assim, como a renda imobiliária não se concentra no
processo de produção, e sim na circulação da mercadoria, é justamente o preço de
monopólio que gerará um lucro extraordinário de onde a renda far-se-á presente.
Ao analisar o gráfico abaixo, é possível constatar que um capitalista B, ao
possuir um custo de produção relativamente menor que os de seus concorrentes,
detêm uma renda fundiária que será responsável pelo lucro extraordinário, acima de
média. Da mesma maneira, o capitalista A obtém um lucro extraordinário que não
vem diretamente do custo de produção e sim da circulação da mercadoria, dos
fetiches em torno dela, do espaço que ocupa:
Dessa forma, chega-se a outro fenômeno notável: como os dois tipos de
renda atuam de maneira independente tem-se algo que pode ser chamado de
espiral do capital, isto é, como ambas as rendas se retroalimentam, sua constante
reprodução, junto à fetichização da mercadoria, acaba por sustentar a elevação dos
preços de monopólio, fazendo com que o preço da terra alcance valores
exorbitantes.
4
PEREIRA, 2018 p. 65
A análise de Lojkine
Jean Lojkine, junto à sociologia urbana francesa nos anos 1970, buscou
compreender as condições pelas quais dava-se a urbanização capitalista. Em seu
artigo, Existe uma renda fundiária urbana?, investigou como a renda agrícola,
discutida por Marx, poderia ser transposta para os terrenos urbanos. Assim, para
que exista uma renda fundiária são necessário dois elementos: 1) a composição
orgânica do capital deve ser inferior à composição orgânica do capital social médio,
ou seja, uma baixa concentração de capital fixo, alta concentração de capital variável
que resultarão em um lucro acima da média. 2) não obstante o primeiro item, é
necessário aquilo que se comportaria para o capital como um entrave, isto é, a terra
comportar-se-ia como “aquilo que cristaliza, que fixa o sobrelucro no setor dado é a
existência de um obstáculo, uma força exterior ao capital que impede a livre
circulação de capitais, logo a equiparação do valor e do preço de
produção”( LOKINE, 1979. pp. 81), caso contrário o próprio livre jogo da concorrência
eliminaria o sobrelucro adquirido.
5
LOJKINE, 1979 p.90
locação de fábricas e de áreas não industriais por proprietários fundiários; d) A
locação de equipamentos coletivos urbanos por um proprietário fundiário;
Entretanto, a mera transposição das condições da renda fundiária para a
áreas urbanas não consegue abarcar a complexidade que é a produção imobiliária.
Além disso, diferentemente da produção agrícola, na produção imobiliária a terra é
vendida junto da transação econômica tornando ainda mais difícil uma análise da
renda a partir dessa transposição. Dessa forma a discussão foi conduzida a um
campo cego que impossibilita avanços quanto a teoria da renda.
Com o passar do tempo a terra deixou de comportar-se como um obstáculo à
circulação do capital para instrumentalizar-se e reclamar mais participação da
mais-valia global para si, comportando-se como um ativo. Assim:
6
PEREIRA, 2018 p. 66
7
LOJKINE, 1979 p. 82
assim, conformar aquilo que é chamado de a espiral do capital, ou seja, a
retroalimentação das rendas que elevam o preço da terra cada vez mais.
Por fim, a partir dessa abordagem, obscurece-se a principal atuação da terra
dentro do mercado imobiliário, o potencial de capturar e transferir mais-valia do
excedente global tanto do mesmo setor quanto de outros setores. Ao analisar-se o
cálculo:
Como a terra, nessa relação não se comporta como capital fixo nem como
capital variável, não há como participar da relação que forma o valor da mercadoria,
ao mesmo tempo que se configura como um valor mercadoria que deve ser
considerado no produto imobiliário final. Dessa forma, a terra não participa no
processo de produção de fato, mas é contribuinte do valor do D’ e, assim:
8
PEREIRA, 2018 p. 67
A problematização de Botelho
9
BOTELHO, 2005 p. 26
capital, não poderia ser considerada como externa ou uma força exterior ao capital
como fez Lojkine.10
Trata-se, nesse caso, da segunda natureza que, no meio urbano, dada a sua
complexidade, cria pareas exclusivas nas quais seus consumidores estão dispostos a
pagar uma renda de monopólio para poderem ai se localizar, seja em função do
status que tal localização oide conferir ao seu usuário, seja em função de um aesso
privilegiado às centralidade do urbano.11
10
PEREIRA, 2018 p. 67
11
BOTELHO, 2005 p. 27
Assim, a terra e o ambiente construído podem formar parte do capital fixo o
que não os impede de circular como valor. 12
Ao qualificar a terra como capital fixo, atribui a ela valor que não poderia
deter, pois tal valor não é fruto do trabalho. Contrariamente a colocação de Botelho,
“a propriedade da terra terra funciona como um ativo que propicia, acelera e
intensifica os movimentos dos capitais, que se relacionam com o capital fictício
(PEREIRA, 2018, pp. 67).”
Além disso, é interessante notar que Botelho considera o aluguel como uma
forma de renda capitalizada e, diferentemente de Lojkine não reduz sua importância
dentro das relações geradoras de renda. Distingue, como Engels, que o preço do
aluguel é a soma da renda da terra, do juros do capital investido, de uma quantia
para reparos e seguros e, finalmente, as anuidades que amortizar o capital investido.
Enquanto isso, Lojkine denota desvirtuada e pouco importante a renda advinda da
relação de aluguéis e venda e, consequentemente, obscurece uma relação de
grande importância para a captura de renda na produção capitalista do espaço.
Outrossim, o papel da terra dentro das relações de produção capitalistas seria
identificável como meio de acumulação do capital através da renda e contribuinte
para a contínua reprodução da classe dos que não possuem os meios de
subsistência e que tem de vender a sua força de trabalho para reproduzir-se, isto é,
a diferenciação entre aqueles que possuem a propriedade privada da terra e aqueles
que não a tem. Assim, a propriedade privada da terra possui dupla função para as
relações de produção capitalistas.
12
BOTELHO, 2005 p. 29
Conclusão
13
HARVEY, 2018 p.259
entender de modo efetivo sua atuação na movimentação de capitais e,
consequentemente, no encarecimento da terra para uso da produção imobiliária: “[...]
a questão chave é que o imóvel representa um valor de troca sempre maior e
independente da produção. Essa normalidade seria em função de que o preço de
monopólio se forma com autonomia em relação ao valor[...]( PEREIRA, 2018, pp.
75).”
Em resumo, reitera-se a importância do estudo da renda da terra e,
principalmente, a especificidade do estudo da renda da terra no setor da produção
imobiliária, a fim de romper com as relações fetichistas entre as coisas, e não entre
as pessoas, que preponderam naturalizadas no cotidiano. A obra coletiva
materializada na construção da cidade, socialmente produzida por um conjunto de
bens imobiliários, públicos e privados, deve colocar em perspectiva a produção do
valor e a retenção de renda a fim de que a cidade do futuro não se concretize como
geradora de novas desigualdades:
14
RUFINO, 2018 p. 108
Bibliografia
LOJKINE, Jean. Existe uma renda fundiária urbana. Livraria Editora Ciências
Humanas. 1979
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 6 vols. Rio de Janeiro: Bertrand,
1994.