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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


ESCOLA DE TEATRO - ESCOLA DE DANÇA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
TEA 503 - TEORIAS DO ESPETÁCULO - A VOZ DA
CRIAÇÃO: DRAMATURGIAS EM DIÁLOGOS
2019.2 – Prof(s): PAULO HENRIQUE ALCÂNTARA
TRABALHO FINAL: TRANSCRIÇÃO

A VOZ DA CRIAÇÃO: DRAMATURGIAS EM DIÁLOGOS


ENTREVISTA COM GIL VICENTE TAVARES

OTÁVIO JOSÉ CORREIA NETO

Salvador - Bahia
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Dezembro/2019

A VOZ DA CRIAÇÃO: DRAMATURGIAS EM DIÁLOGOS


ENTREVISTA COM GIL VICENTE TAVARES

PAULO ALCÂNTARA - Gil, hoje são 22 de outubro de 2019, estamos recebendo aqui Gil vicente
tavares. Gil, um prazer te receber aqui mais uma vez. Que bom que você pode aceito nosso convite.
Né? Eu queria muito ter você aqui, pra mim é muito significativo, a gente vem entrevistando uma
série de dramaturgos e dramaturgas baianos, que estão produzindo seus textos na bahia, que estão
encenando seus textos na bahia, e você é um dramaturgo que hoje traz algo que não tem sido muito
comum, que é o dramaturgo que também dirige. Então, é uma conversa muito informal. A gente leu
seus textos, né? É… A maioria de nós já assistiu, né? Você tem uma produção que é muito intensa, é
anual. Você beira Woddy Allen. Uma peça por ano. É invejavel isso. Eu acredito. Então a gente vai
pegar esse material e reunir ele num livro. E eu tô percebendo que está se transformando num
valiosos instrumento de memoria. Um instrumento de registro, assim, como é que nossa
dramaturgia vem sendo produzida. Os caminhos dos nossos autores, né? Um dialogo sobre a poética
de cada um. Como cada um cria, suas influencias. E eu sempre começo com uma pergunta, pra mim
importante pra gente situar o dramaturgo de hoje. Gil, quando é que você começa a escrever? Como
é que você tem esse estalo, essa percepção, tem esse desejo? Como é que a dramaturgia chega na
sua vida? As influencias? Né? O primeiro texto, a primeira vontade de escrever… Então vamos
pegar do inicio.

GIL VICENTE TAVARES – Tá. Falar do inicio… Do iniciozão assim é… Eu por influencia de
meu pai escrevia muita poesia. Tentava escrever poesia para ele olhar, criticar, esculhambar com
tudo e… que era o mais comum. E, uma vez eu fiz um dialogo, me deu vontade de fazer um dialogo
em decassílabos.

PAULO ALCÂNTARA – Fale um pouco de seu pai, é importante.

GIL VICENTE TAVARES – Meu pai é Ildasio Tavares, poeta, compositor, dramaturgo tambem,
romancista…

PAULO ALCÂNTARA – Intelectual de referencia na cultura baiana.


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GIL VICENTE TAVARES – Pois é. Aí eu fiz um dialogo em decassilabo. Que eram umas duas
páginas, uma coisa muito curtinha. E ai minha mãe era diretora do solar boa vista. Catia Alexandria.
E… Aireza, que era um professor de artes. Inclusive encontrei com ele recentemente, me enche o
saco enviando coisa pelo Whatsapp hoje em dia, a gente se fala, fui lá no colegio dele, ser juri, lá no
Lobato, de um concurso de artes, que tinha o povo recitando poesia, dançando, fazendo a porra
toda, eu me ofereci pra ir la, foi otimo a experiencia, gente jovem lá fazendo coisa. Aí, Aireza foi
dar uma oficina de interpretação. Eu não tinha o que fazer na época, eu só o colegio e tal, minha
mãe perguntou se eu queria fazer eu fui. Mas eu nunca fui muito de palco, né? Isso se transformou
em eu virar o assistente dele, fazer a luz do espetáculo da forma mais tosca possível. Eu não sabia
nem como fazer um plano de luz, era só “gira o refletor, anota o numero”, eu nem sei como é que eu
criei um sistema de operação de luz. E ele gostou desse meu texto, e pegou pra ser o resultado final
da mostra. Isso me deu entusiasmo, mas mesmo assim eu não fui adiante com isso. E ai eu entrei na
escola de teatro em 95. E em 95 mesmo, se eu não me engano, eu encontrei com Paquelet. E
Paquelet… Eu dei o golpe que Ricardo Castro deu de maquiador no Rio, que ele conta em 1,99, né?
Perguntaram a ele “vocÊ sabe maquiar?”, e ele disse “sei”, mentira ele não sabia. E ai Paquelet
chegou e “Gil você escreve pra teatro, né?”, e eu falei “escrevo”, “você podia escrever uma cena
mim e marcia andrade pra gente fazer no ato de 4”, ai falei “tá”, mentira, nunca tinha escrito
realmente uma peça de teatro, e aí escrevi ato único. Que foi um texto que logo depois Hackler
tomou conhecimento, não sei como chegou na mão dele, e Hackler gostou muito do texto, começou
a levar pra tudo quanto é sala de aula, escreveu um negocio super bonito na primeira página do
texto, onde tem outro golpe que eu dei tambem, porque eu não tinha dado titulo da peça ainda, e ai
eu botei no inicio “ato unico”, e ele perguntou “esse é o titulo? Muito bom”. Eu falei “claro que é o
titulo”, claro era mentira, não tinha titulo nenhum a peça mas já virou “ato unico” porque tem a ver
com ato único que a mulher sempre fazia, então tinha uma coisa de uma metalinguagem no próprio
titulo do texto, que eu não tinha pensado, e… só que ai não deu certo, as meninas não montaram, e
ai Hackler acabou dizendo que queria dirigir, inclusive falou “a, viu, vou ter que falar com Yumara,
meu deus e tal”.

PAULO ALCÂNTARA – Era um texto curto?

GIL VICENTE TAVARES – Texto curto. E… Isso acabou que Hackler orientando Ivana
Chashine, na peça de formatura, Ivana decidiu montar meu texto. Hackler apresentou pra ela, ela
decidiu montar meu texto.
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PAULO ALCÂNTARA – Nunca soube disso, Gil.

GIL VICENTE TAVARES – Pois é. E ai ela fez como peça de formatura, Ato Unico, e assim eu
estreio como dramaturgo, tudo uma grande farsa, E…

MARCELO MATOS – Você lembra o ano gil?

GIL VICENTE TAVARES – Lembro, era… a montagem foi 97, a montagem dela. Ficou ai 96 essa
coisa entorno do texto, e tal, se Hackler montava, não sei o quê.

MARCELO MATOS – Quem tava no elenco?

GIL VICENTE TAVARES – Quem tava no elenco era Cristiane Veiga, e… Dione.

PAULO ALCÂNTARA – Dione… Sim… Foi minha colega…

GIL VICENTE TAVARES – Dione, que é irmã de gereba ne?

PAULO ALCÂNTARA – Sim! Sim!

GIL VICENTE TAVARES – Dione Barreto!

PAULO ALCÂNTARA – Dione Barreto!

GIL VICENTE TAVARES – Lembrei por causa de Gereba que o pai era Barreto. Ai fiz a
associação. Dione Barreto. Foi com as duas… E…

PAULO ALCÂNTARA – Fala do quê esse texto?

GIL VICENTE TAVARES – Ato único fala de uma… de uma mulher que tá em casa, é… ela tá
com a mão enfaixada, tá costurando o tempo todo falando de uma pessoa que ainda não chegou que
ela tá esperando, e tal, até que chega uma menina, e ai tem toda uma confusão, que ela fala da cor
do vestido, você não entende muito bem, as vozes, e ela começa, essa senhora começa a perguntar
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pra… pra menina sobre os pais dela, sobre a vida dela, e essa menina começa a contar uma historia,
de um pai que levava ela pro joquei, e ela acabou matando esse pai, e ela… você começa a ver que
essa menina tem uma relação bastante conturbada com a família, até que tem uma hora que se fala
muito dum piano, e tal, e essa senhora fala “voce podia tocar um pouco de piano? O piano tá la
dentro, eu gostaria muito” e ela “ah! Posso.”, ela vai lá pra dentro tocar, e quando ela de lá de
dentro “ah! Fala um pouco de você tambem” e a senhora começa a contar a historia dela, e a
historia dela é um pouco parecida com a historia da menina, mas com coisas meio contrarias, meio
o que a menina conseguiu fazer, tipo matar o pai, ela não conseguiu na verdade, o pai dela matou a
mãe, não sei o quê, ai você começa a ver uma historia meio diferente… diferente… ai no meio do
auge desse, com um acorde que acontece e tal, ai vocÊ ouve uma voz lá de dentro “falando sozinha
de novo?” e ai entra essa menina vestida de enfermeira e fala “Ah! VocÊ tá falando sozinha de
novo, não sei o quÊ, ai você começa a entender que na verdade essa senhora tinha todo um delirio e
projetava nessa enfermeira a menina que ela queria ter sido. E ai a peça termina com esse
golpezinho de teatro, ai.

PAULO ALCÂNTARA – E até você escrever essa peça o quê que você lia de dramaturgia? O quê
que te chamava a atenção? O quê que te mobilizava?

GIL VICENTE TAVARES – Eu lia muito pouco dramaturgia. Eu lembro que quando eu entrei pra
escola de teatro… Eu entrei pra escola com 17 anos.

PAULO ALCÂNTARA – Muito novo.

GIL VICENTE TAVARES – Ai eu peguei literatura dramatica III, e eu lembro de Evelina chegar
na sala de aula e passar pra gente ler Ibsen. E eu perguntar pra Artur Brandão que tava do meu lado,
“vem ca, Ibsen é o nome da peça, ou do autor?” Porque realmente eu não sabia. Cai de paraquedas,
em dramaturgia. A gente não tem acesso, a gente não lê peça de teatro. Uma pessoa comum não lê
essas coisas, entendeu? Até hoje eu recebo elogios e fotos pela internet de publicações de Gil
Vicente, “Pô gil, achei livro aqui, olha.”, ai tira foto, eu “Oh, obrigado, mas esse não sou eu não.
Esse português.” Nem conhece, entendeu, o gil vicente de lá. Natural, a gente tem um país
semianalfabeto, pra dramaturgia é pior, não é tão evidenciada assim. E eu lia muito pouco
dramaturgia, comecei a ler algumas coisas, não a toa a segunda leva de textos que eu faço na
sequencia de ato único é muito influenciada pelo absurdo, porque tem muito a ver com drama II que
eu fiz com Cleise, que é quando eu começo a ler mais texto, já tinha lido bastante coisa no primeiro
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ano né, de escola de teatro, quando fiz drama II comecei a ler muita coisa, 97, e… foi quando
tambem aconteceu uma coisa que foi muito importante pra mim, que foi uma… uma vingança de
marfuz. Eu tinha feito pratica de ensaio II, tava dirigindo Eles não usa black-tie, que era disciplina
da época lá, do… do… da escola de teatro, e hoje em dia ele morre de rir disso, porque até o ultimo
momento ele brigou comigo porque eu tinha que tirar um ator que tava na cena, que era Nei
Wendell, o segundo era esse aqui, e ele ficou puto “porque esse cara”, a piada é que hoje em dia Nei
Wendell, é quase… foi assistente de marfuz, virou quase que um braço direito de marfuz… e na
época ele invocou com nei, que tinha que tirar nei de qualquer forma da cena. E ele ficou puto
porque eu não tirei. E ai na disciplina seguinte a gente ia trabalhar com absurdo e ele falou “agora
vou derrubar esse cara, vou dar fim de partida, que é um texto que tem quase 3 horas de duração e
falar, se vire pra adaptar isso e fazer em 40 minutos”, só que acabou que deu certo, que era muito
minha praia, esse trato de conseguir tirar duas horas de peça, porque era duas horas de peça, criar né
tipo uma nova dramaturgia, que realmente eu criei pra fim de partida, e ai marfuz me deu um
presente, que eu mergulhei nesse absurdo que eu já tinha na relação com cleise, com ele tambem,
e… foi uma peça que até foi legal dentro da escola, dentro do limite da escola. A gente voltou em
cartaz, os professores todos foram ver… E por conta disso me animei muito, que ai foi a segunda
leva de peças que eu escrevi. Quando eu montei essa peça era com Geraldo Cohen e Rodrigo
Selman, e ai na época eu tava muito em contato com emanuelle araujo, e a gente tinha pensado em
fazer um grupo de teatro, eu sempre tive na cabeça esse negocio de fazer grupo de teatro, curioso
que anos depois, marcio brincou comigo, “nao gil, que você é muito carreira solo” e ele não
entendia que eu tinha vontade de criar um grupo, mas queria criar uma coisa assim, que fosse mais
solida, e não fosse “ah, vamos juntar um bocado de gente aqui e fazer teatro”, tinha um elenco que
eu gostasse, esclhas criteriosas, a partir dos meus criterios logico, e… dessa coisa de fazer esse
grupo eu falei “vou escrever uma peça pra essa galera” ai escrevi três textos na sequencia, não vou
lembrar exatamente a exata sequencia, eu escrevi, é… quartos, que são quatro monologos sobre
solidão, que era pra geraldo, rodrigo, emanuelle e cristina, que na época era cantora, cristina dantas,
fazerem… a gente chegou a fazer uma leitura dramatica, mas acabei não montando… montei em
carater experimental depois pelo Nu, na epoco do juri salvador, ai escrevi os javalis, isso tudo em
98, e escrevi canto seco. Foi essa sequencia, que me animei, dentro dessa forma de escrever esse
tipo de coisa e tal.

PAULO ALCÂNTARA – Então o absurdo teve uma influencia muito grande?


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GIL VICENTE TAVARES – Muito! E… E além do absurdo ter tido uma influncia muito grande,
Kafka, que foi uma paixão imediata minha, na sequencia Jorge Luis Borges tambem. Eu comecei a
gostar desse texto… dessa escrita mais estranha, mais… e ai no cinema muito Bergman, Peter
Greenewey, Felini, tudo que era um pouco mais diferente, que não seguia aquela coisa certinha,
quadradinha. Porque mesmo Bergman tem muitos filmes que são um pouco estranhos, né? O
próprio gritos e sussurros que tem aquela coisa meio, é… estranha ali, aquela irmã que aparece e
quase… meio fantasmagorica e… E só a direção dele muito teatral, afinal ele vem do teatro, né?
Então só aquilo tudo esteticamente, aquelas coisas me influenciavam muito, então uma… um
cinema por falta de repertorio teatral, claro que nessa época eu já tava começando a ler muito teatro,
quase por obrigação e não porque eu estava iluminado. Porque tinha que ler mesmo pras disciplinas
todas e…. comecei a ver muito teatro, ne?

PAULO ALCÂNTARA – Isso faz toda diferença pra quem escreve né?

GIL VICENTE TAVARES – Toda diferença! Ai tem uma coisa enfim…

PAULO ALCÂNTARA – É o que eu costumo dizer pros meus alunos.

GIL VICENTE TAVARES – É… não vou entrar de jeito nenhum nessa discussão, mas… essa luta
que se tem muito pra que as peças da companhia hoje em dia sejam 50% aluno, 50% não sei o quê ,
110% não sei o quê lá, porque tem que escolher, tem que ter comissão, tem que ter não sei o quê.
Um bocado de coisa e tal… Eu lembro que na época, o grande lance da companhia de teatro da
UFBA era a gente puder ver peças que jamais seriam montadas no circuito comercial com elenco
70, 80% foda. Porque os professores sempre convidavam um, dois alunos, você lembra disso?

PAULO ALCÂNTARA – Sim… Sim…

GIL VICENTE TAVARES – E ai eu pude ver uma dramaturgia… e lhe confesso que se eu pudesse
voltar no tempo e escolher uma lista de dez peças pra ver no teatro baiano, provavelmente 7, ou 8
dessas peças seriam coisas da companhia, a caixa de sombras, pobre assassino, essas peças todas.

PAULO ALCÂNTARA – Tango!


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GIL VICENTE TAVARES – Tango! Pois é! Entendeu? Que não é da minha época. Porque eu já
peguei ali de noite encantada pra cima, né? Que tambem eu vi grandes peças, mas mais recente.
Mas eu queria ter visto as outras, as mais antigas. Eduardo II, que eu soube que era um negocio e
tal… cenario…

PAULO ALCÂNTARA – Primeira versão de Em alto mar.

GIL VICENTE TAVARES – Sim! Isso foi muito importante pra mim. Tem uma coisa que eu
sempre busquei na minha dramaturgia foi fazer uma dramaturgia pensando na cena. Acima de tudo.
Nunca pensando como literatura. Por mais que eu conseguisse ter frases bonitas, de efeito,
conseguisse ter a pretensão de fazer grandes cenas, que talvez com um certo um monólogo que se
poderia servir de teste de aptidão da escola. Por mais que eu até conseguisse esse caminho, mas eu
pensava muito de escrever para cena. Eu lembro muito de sonho de um noite de verão, que eu
sempre uso esse exemplo, né? Que tem uma cena hiper, mega mal escrita por Shakespeare, que é
aquela cena que eles dormem, aí acordam, e é tudo mal resolvido na dramaturgia e tal, e você tem
que se virar para resolver um problema ali que Shakespeare escreveu daquele jeito…. e não sei se
tem algum mecanismo do próprio palco elisabetano que dava pra ele disfarçar, aquele mecanismo
que ele cria lá… Mas, você lendo na peça, pra resolver aquilo é um problema. Da pessoa dormir e
acordar no mesmo lugar e a pessoa aparece depois… uma cenazinha lá. E aí eu sempre dou esse
exemplo. Que às vezes você quando escreve, a cena na sua cabeça pode funcionar muito bem, mas
no teatro ela não se resolve é por isso que 90% dos dramaturgos quebram… oh! dos romancistas,
quebram a cara quando vão escrever para teatro. Existem grandes romancistas que as peças dele são
Horrorosas não funcionam, ninguém monta por que... ou poeta também, né? Vide aqui, Castro
Alves do Gonzaga que é um mondrongo e Machado de Assis que escreveu para teatro. Quase
ministro é até simpática, mas as peças acabam não funcionando. Ninguém monta. O próprio
Cervantes escreveu alguns misterios, coisas para teatro que também ninguém busca, ninguém vai
atrás.

PAULO ALCÂNTARA – Gil, deixa eu voltar um pouquinho aqui no tempo. o que você falou do
seu pai e você começou a escrever poemas, certamente querendo agradá-lo, né? mostrava para ele e
quando ele viu esses primeiros textos encenados, o que é que ele te dizia? Como é que chegava isso
nele?
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GIL VICENTE TAVARES - Pois é… eu... isso daí foi a primeira grande rasteira que eu consegui
dar meu pai porque ele tentou buscar mecanismos... até dava uma opinião outra ele ficou muito
entusiasmado. Não sei se era o entusiasmo, né? Que as vezes cega a pessoa, mas de início, as
minhas primeiras peças, ele ficou muito entusiasmado, por eu estar escrevendo para teatro, ele foi
para leitura, chegou a ver algumas delas montadas. Então... acho que aí, acabou que ele curujou um
pouco mais do que com os sonetos, as coisas que eu escrevia. Que foram fundamentais. Aquela
coisa do rigor da escrita, que eu acho que se perde muito, né? Eu até conversar muito com meu pai
sobre o grande crime que Walt Whitman e Fernando Pessoa fizeram para poesia Mundial, que foi
criar o verso livre. Por que eles escreveram poesias incríveis em verso livre, mas abriram caminho
para um bocado de porcaria, né? Porque quando você perde a questão do critério, da técnica, abre
espaço para um…. um nicho de coisas que pode ser só uma coisa sentimentaloide e clichê e
panfletária e aí a forma em si se perde um pouco. Porque o soneto, né? Você tem uma forma alí, que
é uma forma perfeita, que pra você conseguir atingir aquele soneto fazendo 14 versos, em
decassílabos, com acentuação na sexta e na décima, com rimas alternadas ou dependendo rima
sobreposta se for um soneto inglês, você pega o soneto , toda essa estrutura cria pra você uma ideia,
não é? de você formatar uma... uma escrita, uma estrutura, que eu acho... eu acho importante, né? É
por isso que a música por exemplo, você não tem muito como enganar, né? é porque exige técnica.
Se você começar a tocar uma musica e pedir pro cara improvisar , se ele não tiver uma técnica, um
conhecimento de improvisação, vai ficar horrível. Todo mundo vai perceber. No entanto, como diria
Tudella, ninguém morre por erro teatral, né? Então... Eu sempre fico pensando muito isso, essa
coisa de estudo, do mergulho, na estrutura da... E meu pai me deu muito isso. E ele sempre foi o
cara que fazia o contrário. Tudo que eu gostava ele falava mal. De alguma forma para me provocar.
Tentava achar algum defeito, mostrar que aquilo não era tão. Então chegava entusiasmado com
chico Buarque, ele buscava os defeitos de Chico Buarque para mim: “Oh, você tá falando que ele é
muito bom mas tem isso aqui, perceba isso, perceba como essa letra é artificial, como ele usa tal
recurso que não fica tão bacana, que nessa tal musica de... eu lembro uma vez ele comparando
morena de Angola com um sama de Martinho da vila que é “é um peixe com cocô eu vou lá é um
peixe com coco”, mostrando como é um peixe com coco soa muito melhor do que “o chocalho
amarrado o chocalho que mexe com ela” que ele fala que não sou tão bem, que é meio feio e o de
Martinho da Vila é muito mais. E realmente a música é fraca de Chico, eu acho. Sou fanatico por
Chico, mas acho essa música chata para caralho. Tem isso, né? O refrão não é tão orgânico quanto
“é um peixe com coco” e ele me mostrou também esse outro lado. É incrível, porque meu pai ele
batia no alto da erudição, da técnica, do rigor, mas louvava o mais popular também e tentava me
mostrar como Caymmi conseguia com “só louco amou como eu amei” fazer uma rima interna, que
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é rimar “só louco” com “mouco”, só louco amoucomo eu amei”, e as coisas todas que Caymmi
criava eram muito simples e funcionavam muito. Porque ele adorava samba de roda, ele adorava
essa coisa mais popular. Ele... Não atoa ele tinha uma ligação gigante com Candomblé, com
capoeira, com tudo isso. Então acho que esses dois extremos é que fizeram uma talvez essa grande
qualidade. Que se vê muito nos sonetos dele. Porque ele tem sonetos de alto rigor de escrita, mas
brincando com as coisas mais corriqueiras brincando com palavrão, com expressões populares e eu
acho que é um achado ali incrível na obra dele. Então isso ele tentou me passar muito também,
entendeu? Acho que com teatro ele corujou um pouco. Não conseguiu ser tão severo e crítico
quanto ele era com a poesia.

PAULO ALCÂNTARA - Oh, Gil. Dessa lavra inicial sua, você falou dos Javalis, né? E os Javalis
ficaram. A peça perdurou. Até recentemente você retomou, né? Fale um pouquinho dos javalis.

GIL VICENTE TAVARES – É. Os Javalis é engraçado.

PAULO ALCÂNTARA – Porque me parece, se eu não tô errado, que é o seu texto que primeiro
chega ao grande público, né?

GIL VICENTE TAVARES – sim! sim sim sim é!

PAULO ALCÂNTARA – Eu tenho essa referencia muito forte. Foi quando eu primeiro te vi, e te
reconheci como dramaturgo.

GIL VICENTE TAVARES - é na verdade o texto que realmente chegou ao grande público eu fiz
em parceria com o Claudinho e que na época, muita gente achava que não tinha porque justamente
essa coisa, né? Que foi Vixe Maria. E foi engraçado que Vixe Maria, quando o Claudinho insistiu
para eu participar do processo, porque o outro dramaturgo entrou em crise e pulou fora, Guerreiro
falou “Não! Gil é muito cabeção. E eu quero uma peça que seja sucesso, que seja comédia” e depois
ele viu que as piadas mais escrotas, mais ridículas, mais escancaradas eram minhas. Inclusive
Claudinho falava “isso é tudo, Gil. Você é besta de não ter chamado ele, não sei o quê”. Porque as
pessoas não conseguem entender muito quando me vem numa sala de concerto e depois me vem
sem camisa pulando atrás de Armandinho, Dodo e Osmar. Porque a gente ainda tem uma coisa
muito no Brasil de separar, né? “ou você é um erudito chato engravatado ou você é popularesco”. e
não consegue entender que a gente pode transitar nessas duas esferas. só dão… só liberam Chico
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nessa história. Chico gostar de futebol todo mundo acha lindo. mas se eu falar de futebol aqui: “ah
Gil, você, um dramaturgo, falando de futebol. Você gosta de futebol?” Tem essas bobagens ainda,
que é muito, né? Do pensamento sub-desenvolvido da gente mesmo, vira-lata, né? Então, mas assim
Vixe Maria teve isso, mas texto meu mesmo, sozinho, escrito… E os javalis é de certa forma o meu
ana julia, né? Porque essa peça já foi montada em já foi montado em não sei quantos lugares. Já foi
montada em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Goiânia, é... onde mais, meu Deus? Porto Alegre,
Goiânia e agora tá em uma montagem em Teresina que parou mas tá voltando de novo. Toda hora
alguem me pede alguma autorização para montar esse texto. Outro dia me marcaram que tava tendo
a leitura desse texto no interior de Goiás, em uma sala de aula. Virou assim, sabe? Uma espécie de
Ana Júlia, assim. Todo canto é essas as pessoas fazem. E é um texto que eu acho que o grande o
grande lance dele que, é porque vai nesse caminho dessa coisa, que eu acho que meu pai me
ensinou muito, porque ele é um texto que ele fala de questões politicas, de questões de nós mesmos,
que tem uma certa profundidade, mas, assim como é minha vida não consigo trabalhar com as
coisas sem humor, sem brincadeira, sem essa coisa jocosa. Então texto que, é pretensioso falar isso,
mas ele diverte e faz pensar. Tá parecendo aquelas propaga assim de banner do teatro do Leblon,
né? “diverte e faz pensar”. Com... ai bota um ator da Globo, assim olha não você vai dizer que vai
pensar também, e tal. Mas é um pouco essa pretensão que eu tinha com os javalis. Ser um texto que
ao mesmo tempo as pessoas rissem… E eu tenho história muito bonita, que foi quando a gente vai
apresentar em Itabuna. A primeira versão da primeira montagem foi em 2008. 10 anos depois de eu
ter escrito a peça. Esse hiato acabou recentemente, quando eu comecei a escrever para dirigir. mas
até pouco tempo atrás eu demorar 10 anos para conseguir montar as coisas que eu queria, né? Eu
tenho um talento também incrível para perder edital, enfim... então sempre era muito difícil e por
isso que eu só montei em 2008 os jávalis. Era um projeto antigo. Ia ser com Gideon e Betão. E
acabou que em 2008 Gideon não pode e eu acabei convidando Marcelo Praddo. Mas, é... o javali se
apresentando em Itabuna, é... Começou a apresentação o publico começou a gargalhar. E ria
parecendo que tava vendo assim, uma “ A bofetada” uma coisa assim. Ai eu na minha santa
estupidez, pensei assim: “ah, o publico não tá entendendo. Publico de interior. Comecei a pensar
assim, né? Acho que eles vieram pra cá achando que era uma comédia, por isso que tão rindo
tanto”. E quando acabou a peça, que foi ter um bate-papo, bocado de gente com caderninho com
frase do texto anotada, as melhores reflexões que eu tive sobre a peça foram nesse dia em Itabuna.
Público altamente inteligente, preparado e com vontade de dizer…

PAULO ALCÂNTARA – Divertiu e fez pensar…


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GIL VICENTE TAVARES – Justamente, entendeu? Apesar de rir muito eles entenderam o que a
peça queria dizer, que era minha preocupação, e aí eu tomei essa rasteira, né? Esse preconceito que
muitas vezes a gente tem. Quando se trata as vezes de interior, de Subúrbio, de não sei o quê, né? Aí
fica achando que nós da capital somos porretas. Pois é. Besteira. E ai isso para mim do javali foi
bem legal assim. por quê foi uma peça que acabou que... que tem essa história toda, né? que eu acho
que é bem feliz assim. Canto Seco foi até montada tem pouco tempo por Rhino lá no Gamboa em
2015 e é uma peça que também às vezes uma pessoa outra fala se interessa mas é uma peça que
acaba não indo muito para frente. Já cheguei a pensar ela... pensar em montar ela também para
algumas pessoas, passou pela mão de Laila, muito tempo. A gente chegou a conversar. Ficou
conversando assim mas nunca foi para frente aí, acho que dessa... dessa safra toda aí os javalis... E
logo depois uma temporã desse... dessa primeira leva de textos que é Os amantes II, tambem chegou
a ser montada já em todos os lugares e... virou uma peça de formatura... de pré formatura de uma
aluna que eu também orientei, de queila, que ela chamou de elefante branco porque ela botou um
conto pequenininho de Hemmigway no meio da peça. Então é uma peça que às vezes também
uma... uma pessoa ou outra se interessa... assim e dá uma lida... mas realmente dessa... dessa safra
toda aí foi javalis que acabou ficando assim se destacando mais.

VERIDIANA NEVES – Em ato único tem o piano. desde lá é consciente essa relação com a
música?

GIL VICENTE TAVARES - Pergunta boa. Por favor me cortem, porque senão vou ficar até meia-
noite falando só disso. Porque eu tenho é uma coisa que é bem importante na minha vida, porque
eu... eu fiz teatro no Rio de Janeiro. Eu fui morar com 8 meses de nascido para lá e voltei aos 10
anos. Então fiz teatro, cheguei a participar de um negocio de pó de piripimpim, do sitio do pica-pau
amarelo, fiz uma peça infantil que eu era uma onça, tenho a roupa até hoje e rodei pelo interior todo
do rio, fui para volta redonda fazer. Rodei tudo eu moleque, né? E ai eu tinha essa coisa muito forte
com teatro, mas quando cheguei em Salvador a música me tomou muito. E com 15 anos meu
padrasto me deu um violão e eu comecei a compor muito cedo. Eu lembro que aos 17 anos, antes de
entrar para escola, eu já estava fazendo parceria com o compositor super conhecido do Rio de
Janeiro, que por acaso me conheceu, foi visitar minha mãe para falar de coisa de candomblé,
descobriu que eu tocava violão, aí eu troquei a música que eu fiz, ele gostou, aí deixou três músicas
para eu botar letra. Eu botei letra em duas e acabou que eu fiquei muito envolvido com música. E
fiz vestibular… Na época você podia escolher primeira e segunda opção, se fosse de arte você pode
escolher a terceira e quarta. Porque se você perdesse na de aptidão dos dois primeiros, a terceira e
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quarta opção passaram a ser primeira e segunda. E eu botei musica em primeiro por influência do
meu pai. Porque a briga lá em casa era que o meu pai queria que eu fizesse composição e regência e
minha mãe queria que fizesse direção teatral. Quase que direito e Medicina, né? Engenharia e
administração, quase isso. A briga era, enfim. Os dois tentando destruir minha vida. E ai, eu perdi o
teste de aptidão em música e era para perder mesmo, porque lá eles exigiam muita coisa de
intervalo, de não sei o quê, umas coisas que realmente eu não sabia, eu era muito despreparado. Se
Armandinho perdeu, quanto mais eu, né? Que Armandinho, pelo menos na prática, era um gênio
com um 3 anos de idade, sei lá… Acho que a mãe quando pariu, pariu primeiro o bandolim e ele
saiu atras buscando o bandolim… E aí eu perdi o teste de aptidão e passei em direção teatral. e aí…
e aí a música ficou... eu continuei compondo, fazendo minhas coisas, mas eu sempre tive um receio
de misturar meus… minhas capacidades, minhas inclinações, né? vamos dizer talentos... Mas
minhas inclinações assim artísticas, tanto que Hackler quando eu me formei dizia que eu tinha que
começar a dirigir minhas peças e eu não queria. Porque eu não queria que o direto impusesse o
texto, o meu próprio texto, achava que podia ser uma coisa assim e acho que queria que outras
pessoas dirigessem, tudo ideia errada, coisa de adolescente idiota mesmo. Aí tinha umas coisas que
eu pensava que não, não vou dirigir meu próprio texto, que é importante dirigir texto dos outros,
talvez outras pessoas dirigirem meu texto para eu ver outra visão do que eu tô escrevendo. Eu
trouxe a coisa que não queria dirigir minhas peças assim, como não queria misturar música com
teatro. Eu tinha essa resistência. E aí eu acho que nesse ponto eu devo dizer que Vixe Maria é
importante na minha carreira porque era naturalmente já uma encomenda que era para gente fazer
uma peça que tivesse músicas de axé. E quando a gente criou essa história de Deu e do o diabo
virem para Bahia e costurar essa dramaturgia com as canções. isso foi importante, foi a primeira
vez, eu acho, que eu posso estar falando besteira, primeira vez que eu mexi com isso. E aí depois,
porra, agora... cronograma é complicado... por cronologia agora é complicado para mim, mas eu
acho que depois veio a encomenda de Zeca Abreu, que foi destinatário desconhecido. Eu não
lembro que veio primeiro foi o destinatário ou alugo minha língua… Foi destinatário desconhecido,
se eu não me engano... Vixe, agora não sei. Bom, enfim eu recebi duas encomendas…

PAULO ALCÂNTARA – Eu acho que destinatário foi encenado antes de alugo minha língua, não?

GIL VICENTE TAVARES - É que eu tô tentando lembrar qual era a peça que eu tava
concomitante em cartaz com alugo minha língua para… não lembro se alugo a minha língua foi no
ano de Sade e destinatário no ano de Quarteto... não vou lembrar… Acho que destinatário foi
primeiro talvez...
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PAULO ALCÂNTARA – Foi peça de encomenda?

GIL VICENTE TAVARES - De encomenda. E nessa peça de encomenda... Zeca virou para mim,
eu perguntei quem é a equipe ela virou pra mim e falou quem vai fazer a direção musical é Jarbas, e
aí eu falei opa... mentira! teve em 2004 o “auto retrato aos 40”, o aniversário do Vila Velha. Que foi
também quando foi um dos dramaturgos e comecei a meter música no meio, fiz um cordelzinho
para fala da morte de João Augusto. Eu comecei já ali também a transitar nessa coisa da música. Fiz
uma parceria com Jarbas pra esse espetáculo, no susto. Porque Jarbas estava tocando piano sem
saber resolver, eu sentei do lado comecei a falar coisa, cantar melodia, a gente fez uma parceria
junto ali. Ai, destinatario desconhecido eu falei: “ah, Zeca se Jarbas está fazendo direção musical,
então vou fazer umas canções na peça para ele músicar, vou me aproveitar dele pra ser parceiro dele
e tal não sei o quê”. Ai fiz destintario desconhecido, fiz essa estrutura, escrevi um texto que foi
“Caymmi - do rádio para o mundo” onde eu fiz uma pecinha de bolsa. Uma peça super levezinha,
sem muita pretensão dramatúrgica, com varias canções de Caymmi e fiz alugo minha língua que foi
também uma... um texto que eu já escrevi pensando nas canções para Jarbas. E curiosamente Jarbas
aceitou as duas... os dois espetáculos pra trabalhar por causa de um verso de uma das canções que
eu tinha feito para ele musicar. Tanto em alugo quanto em destinatário. Era um verso que ele falou:
“Po, esse verso... tá bom eu vou aceitar fazer essa porra”. Que alugo ele não sabia ainda muito bem
se ia fazer, aí eu encontrei com ele na livraria cultura do Salvador Shopping, aí eu falei: “Oh, uma
das letras essa aqui”, aí recitei pra ele, e ele falou “Porra, esse verso, você é um filho da puta, vou
fazer essa merda”, aí pronto. Acabou o que ele fez e tem uma coisa muito importante que eu acho
que tem um com Caymmi é a primeira vez que eu escrevo para dirigir. Que isso é uma coisa
tambem que começa a dar… É um primeiro, é uma guinada na minha vida, como dramaturgo.
Porque até esse momento eu escrevia peça para gaveta. A ultima que eu tinha escrito pra gaveta que
foi Sade, eu demorei quase 10 anos também para montar. E eu nem escrevi para gaveta. Sade eu
escrevi por encomenda. Todas as peças eram de certa forma encomenda, porque as peças javalis,
canto seco, eu escrevia pensando no possível grupo que poderia ter e que não teve. E Sade foi
encomenda de Guerreiro... que foi engraçado que ele chegou lá em casa com... eu já vou
antecipando várias perguntas, que talvez você pudesse, falar mas eu sou assim mesmo... E Sade foi
uma encomenda por que Guerreiro chegou com ele falou “Gil, quero que escreva uma peça sobre
Sade” e lhe fez uma promessa que não cumpriu “eu vou montar de qualquer jeito Por pior que seja
o texto eu mexo mas vou montar”, eu não sei se era pior do que pior do que ele imaginava, mas
enfim, não montou. Se ele achou o pior do que o pior, né? Mas ele me deu vários livros que ele
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queria que eu fizesse uma adaptação das obras de Sade. So que ele cometeu o erro de me dar o Sade
vida e obra de Fernando Peixoto e quando eu li a vida de Sade eu achei muito mais interessante que
a obra e resolvi fazer uma peça sobre a vida dele. E acabou que o projeto não foi para frente era
com a companhia elétrica da Bahia, que depois virou companhia de teatro da Bahia, que depois
desandou, não sei se também por isso a peça não foi montada, porque eu lembro que ali em 2013,
2012, não sei… sei que foi o período que a companhia tava se esfacelando… não tinha mais o
patrocínio da Coelba. Então pode ter sido isso também, não sei. Eu sei que eu fiquei com esse texto
lá engasgado, e montei depois. Mas na sequência de criação mesmo eu me dei conta de todas as
peças que eu escrevi depois de Sade tinha música no meio. Ou músicas que eu criava ou música dos
outros E aí fui numa sequencia até hoje, não escrevi mais nenhum texto sem música e algumas eu
compondo inclusive e outras, né? Pássaros que era Ary Barroso... Cícero são canções de minhas e
de Luciano… O quê mais... Aí tem próprio Caymmi do rádio para o mundo… Enfim. Destinatario e
Alugo minha língua que acho que foram os últimos cinco textos que eu escrevi, se eu não me
engano são todos eles com música no entorno. E realmente assumir isso para mim e minha pesquisa
agora na pós-graduação a minha linha de pesquisa agora o projeto de pesquisa É voltado a questão
da canção no teatro. eu tô pensando muito essa relação, como se deu desde a Grécia até os tempos
atuais e tô muito nessa viagem de pesquisar isso vou agora em março lá para Manchester para dar
uma estudada na dramaturgia inglesa que me interessa muito saber os descaminhos da dramaturgia
inglesa. Porque a ópera dos mendigos John Gay é um marco do teatro Mundial. Porque Brecht vai
lá para fazer a obra dos três vinténs e depois Chico faz aqui A opera do Malandro, tudo nascendo de
uma obra que é inglesa. E hoje em dia você vê a dramaturgia inglesa e ela é muito... ela foge muitos
aspectos da música. Eu queria entender para onde foi essa música no teatro em inglês. Um país com
uma música incrível que tem, ne? Compositores tanto populares, quanto eruditos, e a gente não vê
isso tão potente chegando a gente, né? Então queria até... Eu vou pesquisar isso lá inclusive.

PAULO ALCÂNTARA – Oh, Gil. Você falou de Sade e aí eu queria juntar Sade e o Padre Cícero.
E perguntar o seguinte, como é que se deu o processo de pesquisa. Porque vendo os dois textos,
Sade ta um pouco mais distante, mas Padre Cícero tá muito vivo para mim, você... a gente percebe
ali como espectador uma pesquisa, um acumulo de dados, uma referência, uma bibliografia. como é
que você junta isso e transforma isso numa dramaturgia, que a gente não veja refem da pesquisa.
Uma dramaturgia, uma voz do drama próprio. Como se dá essa pesquisa, esse tempo de pesquisa,
de leitura, você escreve o texto, você volta pra pesquisar, Voce esgota a pesquisa e depois senta e
escreve.
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GIL VICENTE TAVARES - É interessante essa pergunta por que quando eu sentei… Sade foi
resultado do meu mestrado. Eu falei sobre o processo de criação do texto e escrevi o texto como
resultado do mestrado. E Evelina Heisel era minha orientadora. E um dia eu cheguei para ela com
todo esquema, com tudo que eu queria falar sobre Sade, todos episodios... cheguei com a coisa
assim toda esquemática do que eu tava pensando e tal e aí Evelina ficou super receosa e falou assim
Gil Você não acha que sua peça, otexto vai ficar muito duro, muito esquemático, muito... sabe?
Isso... você vê a pesquisa sobrepondo a dramaturgia? Ai eu falei pra ela: Oh, Evelina. Eu tenho uma
questão que é a seguinte, eu tento me munir do máximo possível de referências de possibilidades
para escrever o texto mas na hora que eu vou escrever o texto eu sou completamente irresponsável,
desorganizado e solto. Eu não pego nada do que eu pesquisei... ignoro completamente e vou para
escrita. No máximo, se eu for contar: e aí Padre Cícero deu um tapa na cara de fulano! Ai, eu vou
procurar quem é essa pessoa, num livro qualquer. mas ai eu deixo a dramaturgia fluir. Sem me
preocupar com as questões esquemáticas. Então são dois processos completamente diferentes.
Aquela coisa que Oswald falam da antropofagia, né? De você comer aquilo tudo depois de vomitar,
eu acho que meu trabalho é um pouco assim. minha escrita é muito caótica, ela não é esquemática.
eu não faço… Tudo que eu ensino quando eu vou dar oficina de dramaturgia, eu não faço nada do
que eu ensino. Escaleta, de fazer sinopse, de escrever, de pensar a sequência de cenas, de não sei o
quê, entendeu... eu começo com o que Peter Brook fala de intuição amorfa. Eu sento e falo assim:
“Pra onde eu vou?” E ai espero alguma coisa que surja… uma frase… um dialogo… uma cena… ai
começo a escrever, aquilo me dá um estalo. Os javalis eu comecei pensando em escrever um
monólogo para Harildo e quando eu terminei o primeiro trecho do texto senti vontade de outro
personagem entrar em cena e escrevi numa sentada os javalis.

DAIANE RAMOS – Os javalis é baseado em Ionesco?

GIL VICENTE TAVARES - Bom isso é outra coisa engraçada é só as paredes para falar porque
assim. Tem uma inspiração, quem realmente lê o rinoceronte e lê os javalis vê que não tem
absolutamente nada a ver. A estrutura da dramaturgia, o estilo da escrita e a própria história. Porque
no rinoceronte é uma cidade que se vê todo mundo transformando em rinoceronte e um cara que diz
que não vai aceitar se tornar aquilo, então eu até brinco. Tem um livro meu chamado a herança do
Absurdo que foi o resultado do meu... da Minha tese de doutorado. Onde eu faço uma provocação,
por mais que a capa do livro de Martin Esslen seja um rinoceronte aqui no Brasil, eu digo que o
Rinoceronte não é uma peça absurda. Tem traços de absurdo, mas eu acho ela no estilo muito mais,
no estilo romântico da escrita dessa coisa do herói que luta contra a sociedade que se vê naquele
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embate e a partir do momento que aquelas pessoas entram com cabeça de rinoceronte você sai do
absurdo e entra no surrealismo. Ai eu faço a analise, claro que embasado em varias teorias. Que eu
não vou arriscar minha cabeça assim, tão né, irresponsavelmente assim... eu vou falar sobre isso…
mas tem uma inspiração no rinoceronte, como tem no velho manuscrito que é um conto de Kafka
que mexeu muito comigo, como tem na hora dos ruminantes de José J Veiga... vários, várias
obras…

DAIANE RAMOS – Quando a gente vê as noticias né? Que a peça vai ser montada, a gente
sempre vê os javalis baseado na peça de eugene ionesco.

GIL VICENTE TAVARES – Exato. Chegou a ter uma micro polêmica na época que foi uma
pessoa que foi a público dizer que eu tinha sido desonesto. não assim nessas palavras que eu não
citava no programa que eu tinha feito adaptação de Ionesco. Enfim inclusive no próprio programa
que tinha um texto de Rui madeira, que é um diretor de Portugal que ele falava “apesar de eu ter
lido alhures que Gil se inspirou no rinoceronte de ionesco eu vejo muito mais a linguagem de
Beckett e Pinget, não sei o quê... Então ele mesmo.. No programa já tava desmentindo. Então já
tava desementido, eu não tinha porque dar um jeito de botar aqui só pra dar satisfação… porque
realmente não não tinha muito a ver em termo de estilo de dramaturgia. agora inspirado nisso… tem
uma coisa que eu sempre falo com meus alunos. Eu recomendo para vocês lerem isso que é um
artigo, um texto de Jorge Luis Borges chamado os quatro ciclos. E é interessantíssimo porque ele
fala que só existem quatro ciclos na história da escrita Mundial. alguém que tá indo em busca de
alguma coisa, alguém está voltando da busca de alguma coisa, que é uma variação da primeira,
alguém que está sitiado defendendo-se de alguma invasão, de alguma destruição, preso em algum
lugar e se defendendo de alguma coisa que tá vindo de fora e o sacrifício de um mito. E ele desafia
qualquer pessoa achar qualquer peça de teatro, romance, conto do mundo que não caiba nesses
quatro ciclos que ele fala. E aí se você for parar para rapidamente qualquer coisa que você citar tem
haver com alguma coisa dessa. Jorge Luís Borges.

DAIANE RAMOS – Ainda mais hoje, é dificil criar alguma coisa.

GIL VICENTE TAVARES - É verdade, meu pai sempre dizia “não existe nada depois dos gregos”.
Graças a Deus! Enquanto tem muita gente quer ser genial, maravilhoso e vanguarda e única, né?
descobrir a pólvora, a roda e tudo. Eu acho tão bom quando a gente já tá o prato… tudo isso posto
para gente, né? e as vanguardas históricas acabaram rompendo com todos os últimos muros e
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barreiras que da gente tinha para criar. então de lá para cá, enfim. Não tem um autor… se você
pegar Beckett, você vai ver muita peça, inclusive Vauldevile que Beckett chupou coisa pra cacete. O
próprio Esslin vai mostrar lá o quanto ele se inspira em uma peça tal e não sei o que, sabe?
Ninguém queria mais nada de novo aí você vai falar de brecht, aí , ah, se falar de Brecht mas tem
que falar de piscator. Ah, mas se falar de piscator tu tem que lembrar de não sei quem. aí você vai
indo para trás e você vê que de novo né, depois dos gregos. Graças a Deus! Porque agora a gente
tem todas as possibilidades do mundo para criar. Eu acho lindo isso. Eu não faço questão nenhuma
de ser autentico, inovador e nossa que coisa diferente! Uau! Entendeu? Essa sensação de porra fez...
descobriu uma coisa nova... inventou! nunca me estimulou muito isso não…

DAIANE RAMOS – Eu tinha uma curiosidade. Porque lendo Sade, em vários momentos você
interrompe a fala do personagem como outro personagem, como se outro personagem se
intrometesse ali. Ai depois que você falou que escreve pensando na cena, ai eu já captei mais ou
menos a mensagem, mas assim... Você pensa mesmo “eu vou interromper, ou a frase incompleta e
depois você pensa a continuação”. Como é?

GIL VICENTE TAVARES – Sim! Não, eu penso na interrupção. Acabei. Eu não respondi 100%
ao que perguntou, porque eu faço muita digressão, mas eu vou responder, complementando com o
que você perguntou Paulinho. Que é a coisa da escrita de Sade e também de Padre Cícero, né? Da
pesquisa. Pois é. Vou responder rapidamente pra você que assim... é, eu não tenho nenhum
romantismo de dizer que “ah, na hora que eu tô escrevendo os personagens me dominam, alguma
coisa baixa, não acho isso tudo palhaçada… não é isso, mas realmente quando eu tô escrevendo eu
ouço as vozes. Não sei se eu tenho um nível de esquizofrenia baixo mas assim, eu ouço as vozes da
cena e eu fico muito feliz. Pra mim, não ouço Ninguém fala, mas fico muito feliz para mim mesmo,
quando os atores leem o texto que eu escrevo e as interrupções, a forma como se quebra, a forma
como o raciocínio é cortado, tudo isso funciona na cena. Para mim, estou dizendo. Não estou
dizendo que as peças funciona, mas funciona para mim. eu vejo entendendo essas interrupções que
estão no momento certo. Ficam fluidas, não fica aquela coisa artificial entendeu? no diálogo. Então
isso é muita coisa de você ouvir a voz da cena, você imaginar a cena acontecendo. Eu consigo evitar
muitas vezes na minha dramaturgia buracos de “Porra Gil, eu não tenho como entrar nessa cena
aqui que você escreveu não porque não dá tempo, porque eu não sei o que lá” ou “pô, eu tô nesse
estado de estado espirito, to mudando muito rápido. Será que não dá para você fazer alguma coisa
para ter uma transição”. eu nunca tive nenhum ator reclamando de problemas na estrutura da
dramaturgia, ou nos diálogos, que prejudicassem a construção dele. Seja física, seja mental do
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personagem. Por pensar muito na cena, mais do que na questão literária. De coisas que até que eu
leio, e que lendo eu acho meio prosaico demais, mas que na cena que acaba funcionando. até
piadas, besteiras, trocadilhos, coisas assim, que se eu falasse aqui todo mundo ia revirar o olho
você, lendo todo mundo ia achar uma besteira, mas na cena funciona e pega o público, entendeu? E
ai com essa coisa da pesquisa, é… tem uma, tem uma coisa aqui que para mim é um... uma pedra
fundamental quando eu vou escrever alguma coisa. é trabalhar com contraditório, com paradoxal e
tentando não defender nenhuma ideia. E com isso eu já meio que contrasto e já arrebato tudo que eu
pesquiso. Porque naturalmente a pesquisa vai para um caminho. Então você lê um livro onde mostra
que Padre Cícero foi mais perverso em tal coisa. Outro que defende. eu fico assim... eu tento falar
“bom como é que eu vou mostrar várias facetas desse personagem, sem tomar partido. Apenas
provocando?” É óbvio que quem lê meus textos e fizer uma análise um pouquinho mais profundo
vai perceber minhas inclinações políticas, o que eu penso sobre justiça social, sobre igualdade e
desigualdade, preconceito, tudo que…. as pessoas vão entender minha... minha linha, né?
Provavelmente para determinado brasileiro médio tosco, eu seria um comunista ou petralha. Mas,
é... eu tento não colocar isso como motivação para minha escrita. Tanto que o próprio Sade, a peça
termina questionando a revolução. criticando a Revolução e dizendo que todos nós vamos tomar no
cú. E que é uma coisa que infelizmente, eu estudando História vejo que sempre acontece isso. As
evoluções vem e a gente acaba tomando no cú no final de tudo. Então eu não iria escrever uma
peça, é… Arnold Hauser tem um textinho dele que fala a origem do drama doméstico, onde ele vai
falar que uma sociedade que acredita na sua vitória jamais produzirá um grande drama. é mais ou
menos isso que ele quer dizer. Então, quando você escreve uma dramaturgia afirmativa, achando
que você vai vencer, que você é porreta, e que sua… seu povo, o seu país, sua etnia, seu não sei o
quê lá… o herói, que vai vencer tudo, vai fazer e acontecer. Dificilmente você vai conseguir
produzir uma boa dramaturgia. Ele fala isso lá sobre a dramaturgia burguesa que surge no período
da revolução francesa que é o melodrama. Arnold hauser. E aí engraçado por que o autor de… fazer
uma pergunta aqui. Para vocês quem é o autor de maior sucesso da historia de teatro mundial? De
sucesso! Não tô falando de Glória… De sucesso! Sucesso como a gente vê Renato Piaba fazer
sucesso, qualquer pessoa fazer sucesso. É um cara chamado Picquiser recour, é dramaturgo francês,
que escreveu logo no período da revolução francesa e você lê sobre a história dele, e é um negócio
louco. por que eram multidões! sabe essas coisas dessas filas? lembra aquele video de um show que
foi cancelado dessas banda de adolescente que tem a menina chorando e falando “né Isso é uma
puta falta de sacanagem”, e o outro fala assim “eu vou chegar muito no Twitter, serio”. Que é genial
esse vídeo, né? que é uma dessas bandas, que eu não vou lembrar o nome, que foi cancelado o show
e aquela multidão de gente na porta voltando, gente acampando para ver, era assim com Picquiser
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recour, era um sucesso estrondoso, o cara ficou bilionário, ganhava muito dinheiro fazendo teatro.
So que ele escrevia uma peça que era a peça que a burguesia daquele momento queria… ela queria
se ver representado no palco… e é uma coisa afirmativa “Olha como a burguesia pode estar no
teatro. Olhe como vamos tratar dos nossos temas do que nos interessa, do que a gente pensa que é o
certo, do que a gente pensa que a gente merece, de tudo isso”. Então toda essa perspectiva gerou
uma dramaturgia das piores. Porque ninguém monta Picquiser recour. Esse cara sumiu na história
do tempo. Você não tem uma peça dele traduzida para português se duvidar. o cara de maior sucesso
da história do teatro Mundial ninguém monta mais. Porque eram peças que funcionavam naquele
momento para agradar aquela... aquele pessoal que queria... entendeu? Dizer “Ah, estamos sendo
representados no palco”. Então isso é o que pra gente é importante. Ele tá dizendo o que a gente
quer ouvir. ele está afirmando nossa... nossa classe. Não funcionou entendeu. Então sempre tive
muito atento a isso. por mais que eu tenha minhas inclinações políticas claras, eu sempre achei,
busquei caminhos pra que isso fosse questionado, inclusive para eu me questionar. Porque eu acho
que quando a gente traz muitas verdades é uma pretensão muito grande. Eu não sou cientista
político, não sou Historiador, eu não sou porra nenhuma para chegar e mostrar “olha, a história de
Padre Cícero foi exatamente essa. Foi assim que aconteceu, foi assim que ele falou.” Eu não posso é
muito pretensioso. E dá o veredito final sobre Padre Cícero eu acho que é quase criminoso de minha
parte. Assim como dar um veredito final sobre Sade. A coisa que eu mais amava é quando as
pessoas saiam de Sade “Porra sua peça é foda, tem hora que a gente tá torcendo por ele, achando ele
massa. Depois acha ele um horror, acha ele odioso. E cria uma rejeição com personagem.”Graças a
Deus! glória a Deus! por isso que ele é um grande personagem. Por isso que eu escolhi ele para
montar. Por isso que Sargento Getúlio me fascinou tanto. E me fez transpor pro teatro. Porque
Sargento Getulio é um cara que numa cena ele mata uma mulher grávida com a facada que mata ela
e o filho ao mesmo tempo, porque ele ouviu dizer que tinha tomado um corno, e é uma cena cruel,
que pra uma mulher inclusive ver aquela cena... eu vi as mulheres com a cara de quase querendo
vomitar, porque é um negócio nojento e João Ubaldo escreve de uma forma asquerosa. E logo
depois você essas mesmas mulheres chorando de emoção, quando ele fala de Luzinete que era o
grande amor da vida dele e achando esse personagem... personagem poético, lindo e amoroso. Isso é
que é genial para mim de um personagem. É você falar: “porra, pera aí! O cara acabou de matar
mulher grávida e agora tá amando outra, então ele é bom, ele é ruim, ele é mau?”. E aí entra
naquela famosa palavrinha chamada conflito, que é o que dá o ponto de partida para toda
dramaturgia. Principalmente. Porque que você pode escrever uma peça ou um romance que não
precisa necessariamente ter um conflito, né? Existem exemplos claros aí, e tal não sei o quê... mas
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assim, uma poesia, não sei... agora no teatro se você não gera o conflito, não gera o atrito, não gera
a faisca que faz a peça ir pra frente.

PAULO ALCÂNTARA – Oh, Gil. Deixa eu pegar uma carona ai. O Sargento Getúlio não tava no
hall da tarde. Mas ele é muito bem-vindo. Porque eu particularmente acho que é um espetáculo
primoroso. E ai eu queria saber como foi a adaptação? Como foi pegar aquela obra-prima e
transformar aquilo em teatro?

GIL VICENTE TAVARES - pois é! “Tudo começou há um tempo atrás na Ilha do Sol”! É... eu
tava na casa de meu pai... engraçado... lá em Itapuã, e me lembrei... João Ubaldo era meu padrinho,
né? E lembrei que eu nunca tinha lido ele. Eu falei “Pô, nunca li meu próprio padrinho.” Boa porra,
ele também o pior padrinho do mundo. Ele sempre falava isso publicamente inclusive. mas nunca
me deu um livro eu acho... dele! E ai… mas foi lindo, porque a gente se aproximou através da arte.
Ficamos super proximos depois de Sargento Getúlio. No final da vida eu ia almoçar com ele, a
gente conversava e tal…. a gente ficou muito próximo depois do teatro, e foi até legal porque eu
consegui conquistar pela minha arte e não porque eu era filho de Ildasio, entendeu? mas ai eu me
dei conta de que nunca tinha lido nada dele… Isso eu novo. Isso foi em 1999… 2000... sei lá... E ai
peguei Sargento Getúlio, que era mais fininho que tinha lá, porque eu ia embora no outro dia…
sentei e não consegui parar de ler. Li numa sentada só. Ressonando assim, acordava, levantava,
balançava os pés, sentava e lia todo... li todo! no outro dia de manhã liguei para Betão e falei já
temos... Já temos um projeto! Sargento Getúlio! Eu dirijo e você faz! um monólogo! como eu
sempre falo, aquela coisa do hiato, só em 2011... 11 anos depois, eu consegui montar a peça
finalmente. Mas ai, quando eu falei do projeto, eu comecei a formatar esse projeto para escrever em
edital, essa coisa toda, e comecei a pensar na dramaturgia. E aí, achei como um gancho a relação
dele com o Amaro, né? Tanto que eu chamava esses momentos com Amaro de interlúdios e eu
tentei separar a história dele em blocos que eu achava que era interessante para serem contados. E
esses blocos eram separados por esses interlúdios, que eram os momentos de descansos onde eu
trazia o humor, trazia uma parte mais quieta da coisa toda, ne? E primeira imagem que me veio foi...
“Dizem que quando a gente morre, na beira da Morte, diz que vem a vida toda da gente na cabeça,
né?” sempre se fala muito isso. Virou já um clichê assim... até novela da Globo tem essa coisa. A
pessoa passa por um túnel e vê vida toda… e ressuscita… e aí... enfim. E ai eu pensei muito em
Sargento Getúlio na beira do rio, com as pessoas apontando o fuzil para ele, as balas já vindo na
direção dele, e ele rememorando tudo o que aconteceu com ele, naquele momento... então a peça
começa com ele de costas olhando para... de costa para a plateia... olhando para Rural, onde ele vai
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ser morto ali na frente da Rural… e falando um trecho da… da... do romance que é “quem nunca
viu não sabe o que é. tem quem diga que a morte é calma, tem quem diga que traz até paz, como
num suspiro... só se for depois porque na hora o sujeito se arregala os olhos, e não sei o quê lá, e
estribucha, e parará...” e termina “a hora de cada um, é a hora de cada um”. E aí começava uma
música de Chegança, que é que fiz lá, até essa musica foi a única que eu fiz. que as outras todas são
de Ivan Bastos. eu fiz por falta... porque Ivan não me entregava essa música, eu precisava, ai eu
comecei a tocar ela no piano e acabei fazendo a música. Ivan falou “deixa, que tá ótimo”. É uma
besteirinha. Uma música simples. E aí ele dançava essa Chegança, e aí ele virava e começava “a
coisa que mais tem e morte...” e começava a falar de morte, morte, morte, para contar a história da
primeira mulher que ele mata. Então é como se ele começasse rememorar isso tudo. tanto que no
final ele termina em frente a Rural, com a faca na mesma posição e recebendo os tiros e morrendo...
a parte final é toda do romance, certinho, eu pego da página x até o final exatamente igualzinho,
reproduza ali. Mas a versão que eu fiz foi essa. Parti dessa possibilidade dele estar relembrando na
hora de receber o tiro, coisas de interlúdios, que eram os momentos de descanso. Onde ele lembrava
as conversas com Amaro, à noite, as piadas, o negocio do cú da velha... aquelas coisas todas que…
também pensando no gráfico da dramaturgia, né? Para que ela fosse fluida... porque tinha um
momento de muita violência, que ele falava desbragadamente e tal... de repente, um momento onde
ele parava, sentava, vinha uma outra luz, um momento de descanso, de poesia, de lembrar de
alguma coisa assim... então, eu fiz a estrutura pensando mais ou menos pensando nisso. Por que é
engraçado, que quando eu falo desse... dessa minha criação caótica, porque essa voz da cena, que
você estava perguntando, né? que eu acho que é porque é importante para dramaturgo, é... eu
sempre escrevo, já imaginando. tanto que assim... minhas peças eu termino quando acho que tem
que terminar... e fico muito inseguro… é engraçado tudo isso, porque eu fico inseguro com a
duração das peças quando eu escrevo... eu fico assim: “Pô, será que tá muito curta... Será que tá
muito longa?”. E todas tem um tempo que eu queria que tivessem quando vão para leitura. Porque
ai é o fôlego da cena. É você… é… Por isso que é muito importante ver teatro, aprender lendo e
vendo, e... sabe? Participando, fazendo assistência, fazendo isso, fazendo aquilo outro... porque
você acaba introjetando em você, né? Muito essa coisa. Então eu nunca tive uma peça que eu lesse e
falasse “não, tá muito curta. eu vou aumentar um pouquinho tal cena” ou “Ah, tá muito longa, acho
que é melhor enxugar um pouco”. Todas as peças tinha um tempo que eu queria que tivessem
mesmo. E não é nada pensado “Ah, já estou em tal página, então pelo cálculo em tal página, tenho
que começar a fazer logo o final já chegou no momento em que vai ficar muito grande o texto”.
Não! é porque há uma coisa muito fluida. Nisso, na escrita. De eu sentir na respiração da peça… do
texto, qual o momento que “não. pera aí, isso aqui tá muito romântico, tem que ter um pouco de
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humor... agora tem que ter um pouco de tristeza… aqui tem que ter uma virada e não sei o que é...”
isso eu penso, mas eu não penso raciocinando. isso vai muito fluidamente, fazendo... até para dar
esse colorido da peça, que é uma coisa que, tirando os franceses, os gregos e os franceses, lá chato
que levam muito a sério essa dramaturgia... mas todo mundo tem um pouco isso, não é? Até
Shakespeare, nas peças mais trágicas dele têm cenas de humor, tem cenas mais leves...

PAULO ALCÂNTARA – João Ubaldo viu?

GIL VICENTE TAVARES – João Ubaldo viu na estreia.

PAULO ALCÂNTARA – E ai?

GIL VICENTE TAVARES - Ah... bom. Aí, enfim não sei se... ele parece que adorou. Me
disseram, então isso é fofoca, porque eu não vi… que inclusive tem uma entrevista que ele deu pro
arte 1, onde ele fala assim “olha, que me perdoe meu meu compadre lá, o hermano pena, e não sei o
que, e as pessoas todas”, quando perguntaram sobre adaptação, ele falou assim “a melhor adaptação
já fizeram de uma obra minha, para mim, foi de uma peça lá de um pessoal da Bahia.” Ele só fala
assim inclusive, é até legal porque ele não me cita e nem fala nada disso. E ele me pareceu que
ficou muito feliz, assim... com o resultado. tanto que, a gente fez uma outra montagem no dia do
aniversário dele Itaparica. ele fez questão de sentar, sentou na primeira fila. ficou todo feliz que o
barro bateu nele. ele saiu todo cagado de barro, “cagou minha bermuda toda”, e deu risada pra
caralho… porque tinha sujado a bermuda dele. Acho que ele viu três vezes a peça. Ele ficou bem
feliz assim, com... com... e foi uma das últimas homenagens que coincidentemente, né? A gente
comemorou os 70 anos dele com essa peça. Ele viu, eu acho, que no aniversário de 72 ou de 73, e
ele morreu com 73. Então foi tudo muito... no calor da coisa ali... fiquei bem feliz de ter podido…
de ter feito essa homenagem para ele, né? em vida... sendo meu padrinho e sendo gigante que ele é
na literatura, né? Foi bem legal assim…

PAULO ALCÂNTARA – Perguntas?

LEONARDO DUARTE - Gil, você falou que escreve pensando na cena. Com relação a
visualidade, na tua escrita, em que a práxis dos dramaturgos. E mesmo encenadores, tendem a
terceirizar essa atividade, vira uma coisa quase que estanque, na forma de cenografia, enfim. E aí
você fala isso... é... que pensa nessa cena e traz como referências... o cinema, e cineastas carregados
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de visualidade, como Bergman e a teatralidade, o próprio Greenwich que é um arquiteto. Então


como é essa relação da escrita com a visualidade?

GIL VICENTE TAVARES - é um pouco parecida com a minha relação da direção também com a
visualidade. E mais recentemente a da escrita e da direção estão muito associadas, porque eu tenho
escrito para dirigir. mas quando eu imagino a cena, me vem... a gente jamais vai saber traduzir, até
porque se pedir para qualquer um que desenhar o sonho que você teve ontem, você vai lembrar de
tudo, mas na hora de você... Ninguém vai conseguir traduzir em cores, formas, texturas, realmente o
que você sonhou. Porque é uma coisa meio, né? Embaçada... meio... você não consegue entender
muito bem. E essa visão que eu tenho da cena, ela é um pouco por aí. Como a visão do sonho...
assim, eu vou escrevendo e me vem os atores passando... me vem um lampejos, assim... sabe? como
um insight de coisas que estão acontecendo ali. E já me vem muito do que é... do que eu penso
como resultado visual também do espetáculo. Tanto, que quando eu tenho reunião com meus
cenógrafos, iluminadores, figurinista... eu tento provocar ao máximo… Tensionar, para que eles me
apresentem ideias novas, mas eu acabo sempre influenciando eles... com as coisas que eu penso.
Então já chego para um cenógrafo falando “Oh, as tentações de padre cicero eu vejo uma peça que
eu quero ator próximo do público. Eu quero ser a Arena. Quero que seja uma coisa muito viva. Eu
quero que o público vejo suor do ator. Eles se olhem no olho. Eu não quero coisa distante, uma
história sendo contada distante. Eu quero que eles surjam dessa plateia fique na plateia. Como vai
ser isso e tal? A ideia que pra mim é genial, e resolveu 90% da minha peça, que era da Encruzilhada
lá, é de Márcio Medina. É 100% dele. Eu só... Eu só fiz a interferência a partir da ideia que ele teve.
Ai a gente começou a discutir muito como seria, mas a ideia inicial do “x” veio dele. É incrível.
[…]

1:04:41 – Tempo de transcrição

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