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DETECÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO

DE VÍRUS
Mário Celso S. Brum & Rudi Weiblen
3
1 Introdução 61

2 Métodos de detecção e identificação de vírus 61

2.1 Detecção direta por microscopia eletrônica 61

2.2 Detecção de propriedades biológicas dos vírus 63


2.2.1 Hemaglutinação 63
2.2.2 Hemadsorção 65

2.3 Detecção de antígenos 65


2.3.1 Imunofluorescência 65
2.3.2 Imunoperoxidase 66
2.3.3 Ensaio imunoenzimático 67
2.3.4 Radioimunoensaio 67
2.3.5 Imunocromatografia 68
2.3.6 Aglutinação em látex 68
2.3.7 Imunodifusão em ágar 68
2.3.8 Imunoblots 68

2.4 Detecção/identificação de ácidos nucléicos 69


2.4.1 Técnicas de hibridização (Southern, Northern blot) 69
2.4.2 Hibridização in situ 70
2.4.3 Reação de polimerase em cadeia 70
2.4.4 Análise de restrição 73
2.4.5 Eletroforese em gel de poliacrilamida 73

3 Multiplicação de vírus 73

3.1 Inoculação em animais susceptíveis 74


3.2 Inoculação em ovos embrionados 74
3.3 Inoculação em cultivo celular 75
4 Quantificação de vírus 81

4.1 Diluição limitante 81


4.2 Ensaio de placa 81
4.3 Outros métodos de quantificação 83

5 Identificação e caracterização de um isolado 84

5.1 Sensibilidade a solventes orgânicos 84


5.2 Concentração e purificação por ultracentrifugação 84

6 Biossegurança laboratorial 85

7 Bibliografia consultada 86
1 Introdução realização de duas ou mais técnicas para a confir-
mação definitiva da presença do agente. A esco-
Os grandes avanços no entendimento dos lha de uma determinada técnica de detecção está
mecanismos de replicação, transmissão e patoge- diretamente relacionada com a forma de infecção
nia de vários agentes virais somente foram possí- e com o tropismo do vírus por determinados te-
veis após o desenvolvimento de métodos de pro- cidos e órgãos. Por outro lado, a disponibilidade
pagação e detecção de vírus in vitro. No princípio de equipamentos, qualidade dos reagentes e de
da Virologia, antes mesmo da classificação dos pessoal capacitado para a execução das técnicas
vírus como agentes filtráveis, as alterações pro- também podem determinar a escolha da técnica a
duzidas nos animais durante as infecções virais ser empregada. A simples detecção do agente vi-
já eram observadas e descritas. No entanto, a fal- ral em uma amostra clínica deve ser considerada
ta de conhecimentos sobre o agente e de equipa- com cautela, pois a sua presença pode não ser um
mentos adequados fez com que a diferenciação indicativo seguro da etiologia da doença.
entre as infecções fosse realizada apenas entre Os métodos de detecção dos agentes virais
as enfermidades com sinais clínicos característi- podem ser divididos em métodos diretos e in-
cos. Inicialmente, o único método de propagação diretos. Os métodos diretos compreendem as
viral era a inoculação em animais susceptíveis. técnicas em que o agente viral é diretamente de-
Embora essa forma de amplificação viral tenha tectado, ou seja, a partícula viral é observada e
sido muito útil nos primórdios da Virologia, esse identificada de maneira precisa. A única técnica
método de amplificação restringiu o estudo dos que se enquadra nesse princípio é a microscopia
vírus devido à dificuldade de manutenção de eletrônica. Os métodos de detecção indireta iden-
animais e também pela baixa reprodutibilidade tificam as propriedades biológicas ou produtos
da maioria das enfermidades víricas. resultantes da replicação viral, como proteínas
A maior revolução na Virologia ocorreu ou ácidos nucléicos. Neste capítulo, serão apre-
após o advento dos antibióticos, o que possibili- sentadas e discutidas as técnicas utilizadas para
tou o estabelecimento de cultivos celulares livres a detecção de partículas víricas, proteínas ou ma-
de contaminantes bacterianos. O uso dos cultivos terial genético viral. A aplicação dessas técnicas,
celulares contribuiu de maneira decisiva para a com finalidades diagnósticas, será abordada no
detecção e multiplicação dos vírus com diversas Capítulo 11. Além disso, serão abordadas as ma-
finalidades, viabilizando o diagnóstico, estudos neiras de multiplicação, quantificação e caracteri-
bioquímicos e moleculares e produção de vaci- zação viral, bem como alguns aspectos de segu-
nas. Nesse sentido, a citopatologia, produzida rança laboratorial.
por alguns vírus em células de cultivo durante a
sua replicação, é uma característica amplamente
2 Métodos de detecção e
identificação de vírus
utilizada para demonstrar a presença do agente
em material clínico, permitindo a realização do
diagnóstico. 2.1 Detecção direta por microscopia
As técnicas de detecção viral foram desenvol- eletrônica
vidas inicialmente com fins diagnóstico, ou seja,
para pesquisar vírus em amostras clínicas; porém A maioria dos agentes virais possui partí-
passaram a ser utilizadas para uma ampla gama culas víricas com características morfológicas e
de finalidades em laboratórios de virologia. estruturais peculiares às famílias as quais perten-
A confirmação da presença do vírus em te- cem. Com base nesse aspecto, o método mais sim-
cidos, secreções ou excreções pode ser realizada ples de detecção e identificação de vírus é a visu-
pelo uso de técnicas que demonstrem o agente, o alização direta das partículas na amostra (Figura
efeito da replicação em cultivo celular, produtos 3.1). Exemplos clássicos do uso da microscopia
intermediários do processo replicativo (proteínas, eletrônica (ME) com fins diagnósticos incluem a
corpúsculos de inclusão) ou o material genético detecção de partículas víricas em crostas de le-
(DNA ou RNA viral). Muitas vezes recorre-se à sões causadas pelo ectima contagioso dos ovinos
62 Capítulo 3

e pseudo-varíola bovina (parapoxvírus) ou, ain- rotavírus ou coronavírus em fezes de bezerros


da, a detecção do parvovírus em fezes caninas e com diarréia.

A B

C D

E F

Figura 3.1. Microscopia eletrônica. (A) Partículas de parapoxvírus em material coletado de lesões de ovinos suspeitos
de ectima contagioso (50.000x); (B) Partículas típicas de rotavírus em fezes bovinas diarréicas (260.000x); (C) Partículas
características de calicivírus em células de cultivo, inoculadas com secreção nasal de um felino com doença
respiratória (40.000x); (D) Partículas típicas de herpesvírus no núcleo de células de cultivo, inoculadas com material
coletado de um touro com balanopostite (48.000x); (E) Partículas do vírus da parainfluenza bovina 3 (bPI-3),
observadas em sobrenadante de cultivo celular (260.000x); (F) Arranjo cristalino de partículas típicas de picornavírus
no citoplasma de células de cultivo, inoculadas com material coletado de um bovino com doença gastrentérica e
respiratória (315.000x).
Detecção, identificação e quantificação de vírus 63

A ME possuiu grande aplicabilidade na pes- mentar a sensibilidade do teste. Após o processo


quisa e identificação de vírus que não replicam de clarificação e concentração, a amostra é cora-
com eficiência em cultivo celular. Essa técnica da negativamente, geralmente com tungstênio, e
permitiu a identificação de vários agentes entéri- examinada sob ME.
cos de difícil cultivo, tais como: poxvírus, rotaví- Além do seu uso em diagnóstico, a ME tem
rus, calicivírus, astrovírus, entre outros. Quando sido utilizada para o estudo da morfologia e ul-
as partículas víricas estão presentes em grande tra-estrutura de partículas víricas e também em
quantidade, são facilmente observadas nas fezes estudos de patogenia. As características obser-
de animais com diarréia ou em líquidos vesicula- vadas para a identificação e caracterização do
res de infecções cutâneas. agente são: o diâmetro dos vírions, morfologia
A maior restrição da ME é a sua baixa sensi- do nucleocapsídeo, presença ou não de envelope,
bilidade. Amostras clínicas que contenham quan- presença de projeções na superfície das partícu-
tidade inferior a 106-107 partículas víricas por mi- las, organização dos agregados de partículas e a
lilitro não são detectadas como positivas por essa localização celular dos vírions.
técnica, gerando resultados falso-negativos. Essa
quantidade de vírus é geralmente encontrada em 2.2 Detecção de propriedades biológicas
fluidos vesiculares e fezes, o que não ocorre com dos vírus
tanta freqüência em secreções respiratórias. A
sensibilidade, no entanto, não é o único limitante 2.2.1 Hemaglutinação
dessa técnica. O custo elevado do equipamento
e a exigência de técnicos altamente capacitados Vários vírus possuem proteínas de superfí-
para a operação e interpretação dos resultados cie que se ligam a eritrócitos, provocando a sua
também representam limitações. O período ne- agregação e aglutinação, fenômeno denominado
cessário para a obtenção dos resultados varia en- hemaglutinação (HA) (Tabela 3.1). A propriedade
tre 15 minutos, nos casos em que o material é ob- de aglutinar eritrócitos é restrita a algumas famí-
servado diretamente no microscópio, até alguns lias de vírus (exemplos: ortomixovírus e para-
dias quando há necessidade do processamento mixovírus) e, para cada um desses vírus, a HA
prévio da amostra para aumentar a possibilidade ocorre apenas com eritrócitos de determinadas
de detecção. Pode-se também realizar a ME em espécies animais. Nos vírus da influenza, por
células de cultivo previamente inoculadas com o exemplo, a ligação entre a proteína do envelope
material suspeito. viral (hemaglutinina ou HA) com o ácido N-ace-
A sensibilidade da ME pode ser aumentada tilneuramínico da membrana dos eritrócitos de
pelo uso de técnicas que permitam a concentração galinha é a responsável pela aglutinação. Basean-
e facilitem a visualização das partículas víricas. A do-se nesse princípio, a técnica de HA pode ser
clarificação de amostras por centrifugação de bai- utilizada para a detecção dos vírus que possuem
xa rotação é empregada para remover partículas essa propriedade biológica. O teste é realizado
e substâncias que possam interferir na técnica. pela incubação de uma suspensão de eritrócitos
A ultracentrifugação é utilizada com o objetivo com o material suspeito (puro ou em diluições)
de concentrar as partículas virais. A aglutinação em microplacas com fundo em “V” ou “U”. Após
com soro hiperimune é rotineiramente utilizada o período de incubação, a presença do agente
e denomina-se imunoeletromicroscopia. Nesta hemaglutinante será indicada pela formação de
metodologia, utiliza-se um soro hiperimune es- uma rede difusa de eritrócitos no poço. Em amos-
pecífico contra o agente suspeito, cujos anticor- tras negativas (ausência do agente hemaglutinan-
pos irão se ligar e promover a concentração das te), as hemácias não serão aglutinadas, irão rolar
partículas, facilitando a visualização. Anticorpos e se acumular no fundo da cavidade, formando
marcados com micropartículas de ouro (técnica um botão bem definido (Figura 3.2). Esse teste é
de imunogold) também são utilizados para au- de fácil execução, porém falha em detectar quan-
64 Capítulo 3

Tabela 3.1. Vírus com atividade hemaglutinante sobre eritrócitos animais

Vírus Fonte de vírus Eritrócitos (espécie)

Adenovírus bovino (BAdV) Sobrenadante de cultivo celular Rato, bovino ou macacos rhesus
BOVINOS

Amostras fecais e sobrenadante


Coronavírus bovino (BoCV) Camundongo, hamster e rato
de cultivo celular

Parainfluenza 3 bovino (bPI-3) Sobrenadante de cultivo celular Bovino e cobaia

Encefalomielite eqüina Macerado de cérebro de Ganso ou pinto de 1 dia


(EEEV, WEEV) camundongo
EQÜINOS

Sobrenadante de cultivo celular


Influenza eqüina Galinha e cobaia
ou líquido amniótico

Adenovírus eqüino (EAdV) Sobrenadante de cultivo celular Rato ou macaco rhesus


Suspensão de cérebro de
Encefalite japonesa (JEV) Ganso ou pinto de 1 dia
camundongo
Peste suína africana (ASFV) Sobrenadante de cultivo celular Suíno

Encefalomielite Galinha, rato, camundongo e


SUÍNOS

Sobrenadante de cultivo celular


hemaglutinante dos suínos hamster
Influenza suína (SIV) Fluido alantóide Galinha

Extratos de tecidos fetais ou Humano, macaco, camundongo,


Parvovírus suíno (PPV)
sobrenadante de cultivo celular cobaia, gato, galinha e rato

Adenovírus canino (CAdV) Sobrenadante de cultivo celular Rato, macaco rhesus, humano e aves
CANINOS e
FELINOS

Amostras fecais ou
Parvovírus canino (CPV) Suíno ou macaco rhesus
sobrenadante de cultivo

Panleucopenia felina (FPLV) Amostras fecais ou Suíno ou macaco rhesus


sobrenadante de cultivo

Influenza aviária (AIV) Fluido alantóide Mamíferos e aves


AVES

Doença de Newcastle (NDV) Fluido alantóide Galinha

Bronquite infecciosa
Fluído corioalantóide Galinha
aviária (IBV)
LEPORINO

Doença hemorrágica dos Suspensão de tecidos e


Humano do tipo O
coelhos (RHDV) sobrenadante de cultivo

tidades pequenas de vírus. Outra restrição é que pos antivirais no soro de animais foi desenvolvi-
a atividade hemaglutinante é uma propriedade do e denomina-se inibição da hemaglutinação (HI).
restrita a algumas famílias de vírus, ou seja, a téc- A técnica de HI pode ser utilizada tanto para
nica não possui aplicação universal. a detecção de anticorpos antivirais como para a
A atividade hemaglutinante pode ser inibida identificação de vírus hemaglutinantes. Após a
pela presença de anticorpos anti-hemaglutininas detecção da atividade HA, a técnica de HI é rea-
específicos. Os anticorpos específicos irão ligar-se lizada, utilizando-se um anti-soro específico con-
à proteína hemaglutinante do vírus, impedindo a tra o vírus suspeito para confirmar o diagnóstico.
ligação desta com os eritrócitos. Dessa maneira, A aplicação desse método em diagnóstico será
um método para se detectar e quantificar anticor- abordada com detalhes no Capítulo 11.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 65

para a detecção de ortomixovírus, paramixovírus


e asfarvírus.

+ 2.3 Detecção de antígenos virais

Amostra Eritrócitos
suspeita
2.3.1 Imunofluorescência

Incubação A imunofluorescência (IFA) é uma técnica


1 hora
de detecção de antígenos e baseia-se na reação de
anticorpos específicos com o antígeno presente
no material suspeito. Os anticorpos são conjuga-
dos com uma substância que emite luminosidade
fluorescente (fluoresceína) quando exposta à luz
ultravioleta (UV). A presença do antígeno no ma-
terial é revelada pela emissão de luminosidade
fluorescente. Essa metodologia pode ser aplicada
em monocamada de células, em esfregaços celu-
lares, em tecidos frescos, congelados ou incluídos
em parafina. Geralmente, o material deve ser
previamente fixado em etanol, metanol ou ace-
tona. Após a fixação, incuba-se o material com o
anticorpo específico marcado com o fluorocromo
(FITC – isotiocianato de fluoresceína ou Texas
Red). Posteriormente, sucessivas lavagens são re-
alizadas para a remoção do anticorpo não-ligado.
A Amostra B Amostra O material é, então, examinado ao microscópio
positiva negativa
de luz UV. A coloração verde-maçã ou vermelha
(para anticorpos marcados com FITC e Texas Red,
Figura 3.2. Teste de hemaglutinação (HA) para a respectivamente), visualizada contra um fundo
pesquisa de vírus. A amostra suspeita de conter o vírus é escuro, indica a presença de antígenos virais na
misturada com uma suspensão de eritrócitos e incubada amostra. A emissão de fluorescência resulta da
a 37 °C por 1 hora. (A). A presença do vírus é indicada
pela aglutinação dos eritrócitos e formação de uma rede excitação do fluorocromo conjugado ao anticor-
fina difusa no fundo da cavidade; (B). Na ausência do po quando exposto à luz UV. O resultado final é
vírus, os eritrócitos rolam para o fundo da cavidade, a observação de uma região ou de toda a célula
formando um botão de contorno bem definido.
corada, pois as proteínas virais estão dispersas no
2.2.2 Hemadsorção seu interior (Figura 3.3).
Existem basicamente duas variantes da téc-
Durante o ciclo replicativo de alguns vírus nica: a imunofluorescência direta (IFD) e a indi-
em cultivo celular, determinadas proteínas virais reta (IFI). Na IFD, o anticorpo primário (mono-
são expostas na superfície das células infectadas. clonal ou policlonal) específico para o agente é
Algumas dessas proteínas possuem a capacidade marcado com o fluorocromo e adicionado direta-
de se ligar a eritrócitos quando esses são adiciona- mente sobre a amostra. No caso da IFI, a técnica
dos ao meio de cultivo. Esse processo é denomi- é realizada em duas etapas. A primeira incuba-
nado hemadsorção (HAD), e é restrito à interação ção é realizada com o anticorpo primário espe-
de alguns vírus com eritrócitos de certas espécies cífico para os antígenos virais e, após a remoção
de mamíferos e aves. A HAD é um indicativo da dos anticorpos que não se ligaram aos antígenos,
presença desses vírus no material suspeito. Essa por sucessivas lavagens, adiciona-se o anticorpo
técnica é de simples execução, sendo empregada secundário, marcado com o fluorocromo. O anti-
66 Capítulo 3

corpo secundário (específico para a espécie ani- ou peroxidase) ou a fosfatase alcalina (AP). O
mal na qual foi produzido o anticorpo primário) termo IPX tem sido utilizado quase como sinô-
reconhece e se liga ao anticorpo primário. nimo, embora deva ser ressaltado que essa não é
A IFA é uma técnica simples e se constitui a única enzima utilizada na técnica. Essa técnica
em uma das técnicas mais utilizadas em Viro- pode ser aplicada em monocamadas celulares,
logia, possuindo diversas aplicações, incluindo esfregaços ou diretamente em tecidos, sendo de-
o diagnóstico de infecções víricas. A aplicação nominada de imunocitoquímica (ICQ) ou imu-
dessa técnica em diagnóstico será abordada no noistoquímica (IHC), respectivamente. A meto-
Capítulo 11. Como desvantagens, incluem-se a dologia é semelhante à IFA, existindo também a
necessidade de um microscópio de luz UV e a IPX direta e indireta. Na IPX direta, o material
possibilidade de alguns tecidos ou células emiti- fixado é incubado com o anticorpo antiviral mar-
rem fluorescência natural, o que pode dificultar a cado com a enzima, seguido da lavagem e adição
interpretação do resultado. do substrato. A presença do antígeno no material
é revelada pela ação da enzima no substrato. Uti-
lizam-se substratos cromogênicos (aminoetilcar-
A B
bazol – AEC; diaminobenzidina – DAB; ou 4-clo-
Imunofluorescência Imunofluorescência
direta indireta ronaftol) que produzem uma coloração marrom
ou marrom-carmim pela ação da enzima e for-
mam um precipitado na célula positiva (Figura
3.4). A IPX indireta utiliza o anticorpo primário
específico para o antígeno, e o anticorpo secun-
Célula infectada Anticorpo antivírus
dário é marcado com a enzima. Essa variação da
Antígenos virais Anticorpo
Anticorpo anti-IgG-FITC A B
antivírus-FITC
Imunoperoxidase Imunoperoxidase
direta indireta

Célula infectada Anticorpo antivírus


Antígenos virais Anticorpo
anti-IgG-HRPO
Anticorpo
antivírus – HRPO Substrato

Figura 3.3. Ilustração demonstrativa da técnica de


imunofluorescência para a detecção de antígenos virais
em células. (A) Imunofluorescência direta (IFD); (B)
Imunofluorescência indireta (IFI).

2.3.2 Imunoperoxidase

A técnica de imunoperoxidase (IPX) baseia-


se no mesmo princípio da IFA, com a diferença Figura 3.4. Ilustração demonstrativa da técnica de
imunoperoxidase (IPX) para a detecção de antígenos
que os anticorpos são marcados com uma enzi- virais em células. (A). Imunoperoxidase direta; (B)
ma, que pode ser a horseradish peroxidase (HRPO Imunoperoxidase indireta.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 67

técnica apresenta maior sensibilidade devido à para o vírus, conjugado com a enzima (HRPO ou
amplificação do sinal. A técnica de IPX possui AP). Novamente os anticorpos que não se liga-
as mesmas aplicações da IFA, porém apresenta ram são removidos por lavagens. A confirmação
a vantagem de não necessitar do microscópio de da presença do antígeno viral é evidenciada pela
luz UV, já que as reações podem ser visualizadas adição de substrato e desenvolvimento da colo-
sob microscopia ótica comum. ração específica nas amostras negativas. A leitura
é realizada pela inspeção visual ou pelo uso de
fotocolorímetro.
2.3.3 Ensaio imunoenzimático
A B
O teste imunoenzimático (ELISA) pode ser
utilizado para a detecção de antígenos virais e Anticorpos
antivirais
também de anticorpos. É uma técnica que apre-
senta vantagens, tais como: a boa sensibilidade,
Incubação da
especificidade, baixo custo, repetibilidade e ver- amostra suspeita
Lavagem

satilidade. Em alguns casos, o uso da técnica per-


mite a detecção de até 1 ng (nanograma) de antí- Antígenos na
geno por grama de tecido coletado diretamente amostra
suspeita
do animal. Os testes podem ser executados em
amostras individuais, como recurso diagnóstico Anticorpo Lavagem
antivírus
em clínicas ou consultórios; ou em grande esca-
la, como realizado em laboratórios totalmente
Anticorpos
automatizados. A técnica permite uma variação marcados
de formas e aplicações, dependendo do objetivo e
da disponibilidade de reagentes. Basicamente, os Adição do
substrato
testes de ELISA podem ser classificados em dire-
tos, indiretos ou de competição. Mudança
A técnica baseia-se na imobilização da re- de cor

ação antígeno-anticorpo em um suporte sólido Positivo Negativo


(placas de poliestireno), seguida de uma reação
colorimétrica. Por se tratar de uma técnica que
Figura 3.5. Ilustração demonstrativa do ensaio
apresenta inúmeras variações, neste capítulo será
imunoenzimático (ELISA) para a detecção de antígenos.
apresentado apenas o fundamento geral da técni- (A) Amostra positiva; (B) Amostra negativa.
ca. Para um detalhamento maior, recomenda-se a
literatura específica. 2.3.4 Radioimunoensaio
Um exemplo simplificado para facilitar o
entendimento da técnica será brevemente descri- O método de radioimunoensaio (RIA) de
to. No ELISA de captura direto (Figura 3.5) para detecção de antígenos foi muito utilizado antes
detecção de antígenos virais, placas de 96 cavi- do surgimento dos testes de ELISA. A diferença
dades são recobertas com anticorpos específicos básica entre os dois métodos reside no tipo de
para um determinado agente. A amostra suspei- marcação utilizada. Na RIA, utiliza-se um isó-
ta da presença viral (sangue, secreções ou leite) é topo radioativo em vez de enzima. O método é
adicionada e incubada por um determinado tem- muito sensível e pode ser automatizado, porém
po. Nesse período, ocorre a captura do antígeno os equipamentos requeridos são caros. A prin-
(amostras positivas) pelo anticorpo fixado na pla- cipal restrição do teste refere-se ao uso de subs-
ca. Após essa etapa, são realizadas lavagens para tâncias radioativas e ao descarte dos reagentes.
a remoção de substâncias inespecíficas. A seguir Dessa forma, a técnica encontra-se em desuso
adiciona-se um segundo anticorpo, específico progressivo.
68 Capítulo 3

2.3.5 Imunocromatografia matriz de ágar. As amostras difundem-se radial-


mente pelo gel e, ao se encontrarem, proporcio-
A imunocromatografia é uma técnica de nam a reação antígeno-anticorpo, seguida da in-
visualização simples, geralmente realizada em solubilização e precipitação. A precipitação deste
dispositivos plásticos, podendo ser executada em complexo forma linhas opacas no gel (linhas de
clínicas e ambulatórios. A prova é baseada na rea- precipitação), que podem ser visualizadas a olho
ção antígeno-anticorpo, em que a amostra suspei- nu, com o auxílio de uma fonte de luz (ver Figura
ta (vírus ou antígenos virais) é passada através de 11.9, no Capítulo 11). A IDGA é uma técnica bas-
um filtro e, então, impregnada em uma membra- tante difundida para a detecção de anticorpos,
na, onde reagirá com o anticorpo específico pre- porém sem muita aplicabilidade para a detecção
viamente imobilizado. A presença do antígeno é de antígenos ou partículas víricas.
revelada pelo aparecimento de focos ou bandas
coloridas, pois os reagentes são conjugados com 2.3.8 Imunoblots
substâncias cromógenas. O resultado depende
essencialmente da qualidade dos reagentes. Um O princípio dos imunoblots é semelhante ao
dos problemas do teste é o seu custo elevado. Vá- da IPX. Os antígenos virais são detectados pelo
rios testes diagnósticos são baseados nesse prin- uso de anticorpos marcados com enzimas, que
cípio (Capítulo 11). agem no substrato, provocando mudança de cor.
A diferença fundamental entre a IPX e os imuno-
2.3.6 Aglutinação em látex blots é que o material suspeito deve ser previa-
mente solubilizado e imobilizado em um suporte
O ensaio de aglutinação em látex provavel- sólido, geralmente membranas de nitrocelulose
mente seja o método mais simples de detecção de ou nylon. A membrana é, então, incubada com
antígenos virais. O princípio da técnica baseia-se o anticorpo antiviral não-marcado (anticorpo pri-
na mistura do material suspeito com anticorpos mário), seguido de lavagem e incubação com um
previamente adsorvidos a partículas de látex. A anticorpo antiespécie do anticorpo primário (an-
presença do antígeno resultará na sua ligação ticorpo secundário) conjugado a uma enzima. A
aos anticorpos e na aglutinação das partículas. presença do antígeno pesquisado é revelada pela
A leitura da reação é visual e pode ser realizada adição do substrato, que muda de coloração pela
imediatamente após a sua execução. Esta técnica ação da enzima. Substratos que emitem lumino-
tem aceitação por pequenos laboratórios e entre sidade capturável em filmes de raios X também
técnicos de campo. As suas principais restrições têm sido utilizados e aumentam a sensibilidade
referem-se à baixa sensibilidade e especificidade. da técnica (Figura 3.6).
Por isso, resultados falso-negativos são freqüen- Existem duas variações principais dos imu-
tes, a não ser que grandes quantidades de antí- noblots: os dot/slot blots e o Western blot (WB). No
genos estejam presentes no material suspeito. A dot/slot blot, o homogenado de proteínas é dire-
resolução dos problemas de sensibilidade e espe- tamente imobilizado na membrana, em pontos
cificidade pode aumentar a sua aplicabilidade. (dots) ou fendas (slots), seguida pela detecção com
os anticorpos. Essa variação da técnica é mais
2.3.7 Imunodifusão em ágar simples e rápida, porém não fornece informa-
ções acerca da massa da proteína detectada. No
O teste de IDGA foi desenvolvido para a WB, as proteínas solubilizadas são separadas por
detecção de antígenos, porém tem sido mais uti- eletroforese em um gel de poliacrilamida (SDS-
lizado para a detecção de anticorpos. A prova é PAGE), transferidas para a membrana e, então,
baseada na precipitação de complexos antígeno- submetidas à detecção com os anticorpos marca-
anticorpos em gel de ágar. O ensaio é realizado dos. Essa técnica permite a detecção da proteína e
pela adição da amostra suspeita e do soro con- também a determinação de sua massa molecular,
trole em orifícios em posições opostas em uma pelo padrão de migração no gel.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 69

nósticos, deve ser realizada com cautela. O resul-


Amostra positiva tado positivo pode não significar necessariamente
a associação do agente suspeito com a doença em
Substrato questão. O material genético de agentes que pro-
Anticorpo anti-IgG-HRPO duzem infecções latentes, como os herpesvírus,
Anticorpo antivírus (IgG) pode ser detectado sem que os agentes estejam,
Antígeno viral necessariamente, associados com a enfermidade
Membrana em questão.
A detecção de ácidos nucléicos possui apli-
Amostra negativa
cação especial para os vírus de difícil adapta-
ção ao cultivo celular; casos em que o material
suspeito contenha pequenas quantidades do
Removidos
pelas lavagens agente, que esteja com viabilidade comprometi-
da por problemas de conservação e em estudos
retrospectivos. Essas técnicas também possuem
Membrana
- + - aplicações importantes na detecção de infecções
latentes, quando o único indicador da infecção é
a presença do genoma do agente.
Figura 3.6. Western blot para a detecção de proteínas
virais. Os antígenos são separados por eletroforese em
gel de poliacrilamida, transferidos e imobilizados em 2.4.1 Técnicas de hibridização
uma membrana de nitrocelulose. A membrana é (Southern/Northern blot)
incubada com o anticorpo primário (anti-antígeno) e
subseqüentemente com o anticorpo secundário
conjugado com a enzima peroxidase. A presença do A detecção de ácidos nucléicos virais pelo
antígeno é revelada pela ação da enzima no substrato
que resulta na marcação do filme de raios X no local
uso de sondas marcadas com isótopos radioati-
correspondente à migração da proteína-alvo. vos ou com enzimas tem sido muito utilizada em
Virologia, tanto em diagnóstico como em pesqui-
2.4 Detecção/identificação de ácidos sa. A técnica baseia-se na complementaridade
nucléicos das moléculas de DNA ou RNA. Inicialmente,
escolhe-se a região-alvo do genoma a ser detecta-
As seqüências únicas de nucleotídeos do ge- do, que deve ser um segmento conservado entre
noma dos vírus, associadas com técnicas de am- isolados de campo. A sonda deve ser sintetizada
plificação e hibridização de ácidos nucléicos, pro- com base na seqüência de nucleotídeos da re-
porcionaram o desenvolvimento de metodologias gião-alvo e deve ser exatamente complementar
para a detecção e identificação de agentes virais a esta. Essa sonda pode ser um oligonucleotídeo
em uma variedade de amostras. As técnicas de sintético, um segmento de DNA inserido em um
hibridização e a reação em cadeia da polimerase plasmídeo ou um produto de PCR. A sonda é,
(PCR) tornaram-se muito úteis para a detecção e então, conjugada com um isótopo radioativo ou
identificação de agentes virais e impulsionaram com uma enzima, para possibilitar a sua detec-
os estudos da biologia molecular desses agentes. ção. O material suspeito é imobilizado em uma
A disponibilidade das seqüências genômicas dos membrana, seguido pela incubação com a sonda
vírus em bancos de dados possibilitou a iden- marcada e de lavagens para remover as sondas
tificação de regiões conservadas, viabilizando não-ligadas. Na presença do ácido nucléico do
a síntese de primers e de sondas, utilizadas nas vírus suspeito, a sonda irá hibridizar com a se-
técnicas de PCR e hibridização, respectivamente. qüência-alvo. A presença da sonda revela-se pela
A interpretação dos resultados dessas técnicas, exposição da membrana a um filme de raios X ou
principalmente quando utilizadas com fins diag- pela adição de substrato (Figura 3.7).
70 Capítulo 3

Filme de raios X
Amostra positiva Amostra negativa

Radioatividade Removidas

C
CA

A
pelas lavagens

C
A
TG
Sonda marcada

G
C CAT GACA

T
A

A
CA
' 'G' T' A' C' 'T'G' T' T A T T

C
AT C G DNA/RNA viral

C
Membrana Membrana

Figura 3.7. Técnica de hibridização de ácidos nucléicos (dot blot). O material genético do vírus é extraído de tecidos e
imobilizado em áreas de uma membrana. Posteriormente a membrana é incubada com uma sonda com seqüência de
nucleotídeos complementar ao DNA do vírus, marcada com uma substância radioativa. A presença do DNA viral é
revelada pela marcação do filme de raios X pela emissão radioativa da sonda.

A técnica de hibridização possuiu variações Essa metodologia tem sido amplamente utilizada
de acordo com o ácido nucléico a ser detectado para a localização espacial e temporal da presen-
e com a forma como o material é imobilizado ça e expressão de determinados genes. Também é
na membrana. Quando o ácido nucléico (DNA, utilizada na identificação de agentes causadores
RNA) é imobilizado diretamente na membrana, a de tumores. O princípio da técnica é o mesmo da
técnica é denominada dot ou slot blot. A presença anterior, porém o ácido nucléico é detectado di-
do ácido nucléico será demonstrada pelo apareci- retamente nos cortes de tecido. A reação é revela-
mento de uma marca ou borrão no local onde foi da pelo uso de sondas marcadas com substâncias
aplicado o material. Porém, se o material for pre- radioativas ou com proteínas que são, posterior-
viamente submetido à eletroforese, para a sepa- mente, detectadas com o auxílio de anticorpos.
ração das moléculas de ácido nucléico de acordo As reações positivas podem ser visualizadas pela
com o tamanho, e então transferido para a mem- exposição a filmes radiográficos líquidos ou com
brana, a técnica denomina-se Southern blot (para uso de substâncias cromógenas, permitindo a lo-
DNA) ou Northern blot (para RNA). A reação po- calização e identificação das células infectadas.
sitiva aparece na forma de bandas marcadas na Devido ao fato de ser trabalhosa e demorada, a
membrana, correspondentes à migração do ácido ISH não é utilizada na rotina laboratorial, sendo
nucléico durante a eletroforese. Em razão da ne- empregada em casos específicos, principalmente
cessidade da eletroforese e transferência para a em estudos de patogenia.
membrana, as técnicas de Southern e Northern blot
são mais trabalhosas e demoradas, porém os re- 2.4.3 Reação da polimerase em cadeia
sultados são mais informativos.
As técnicas de hibridização possuem boa A reação da polimerase em cadeia (PCR) é
sensibilidade e especificidade, e, quando imple- uma técnica altamente específica e sensível, que
mentadas na rotina do laboratório, permitem a consiste na síntese in vitro de uma grande quan-
obtenção dos resultados em poucos dias. Outra tidade de cópias de um segmento de DNA exis-
vantagem é que podem ser aplicadas a qualquer tente na amostra. Ou seja, consiste em amplificar
agente infeccioso, necessitando-se apenas de uma o número de moléculas a partir de uma molécu-
sonda específica. As restrições dessas técnicas re- la-alvo original, denominada template ou molde.
ferem-se à necessidade de pessoal especializado Essa amplificação pode ser realizada a partir de
e à disponibilidade de reagentes. uma quantidade mínima do ácido nucléico-alvo;
uma PCR bem padronizada, teoricamente, é ca-
2.4.2 Hibridização in situ paz de detectar e amplificar até uma única cópia
do molde existente na amostra.
A hibridização in situ (ISH) detecta a presen- A região-alvo a ser amplificada é delimitada
ça do material genético do agente (DNA ou RNA) por primers, que são oligonucleotídeos sintéticos
diretamente em cortes histológicos de tecidos. de aproximadamente 20 nucleotídeos. Esses pri-
Detecção, identificação e quantificação de vírus 71

mers hibridizam com suas regiões complemen- léculas correspondentes à seqüência-alvo duplica
tares, que se localizam nas cadeias opostas do e, no final da reação, acumulam-se milhões de có-
DNA, nas regiões flanqueadoras da seqüência- pias idênticas correspondentes à seqüência-alvo
alvo. Os primers são sintetizados de acordo com a inicial. Essas moléculas, denominadas generica-
seqüência a ser amplificada, e a sua especificidade mente de produtos de PCR (ou amplicons), po-
depende do seu grau de conservação e comple- dem, então, ser detectadas visualmente em géis
mentaridade com a seqüência-alvo. A reação de de agarose, corados com brometo de etídio, sob
PCR envolve a realização de vários ciclos (entre luz UV (Figura 3.8). Os produtos de PCR podem
30 e 40) de desnaturação (separação da fita du- também ter a sua identidade confirmada por hi-
pla), hibridização dos primers e polimerização da bridização com sondas específicas. Essa técnica
cadeia de DNA a partir dos primers, pela enzima tem tido inúmeros usos nos diversos campos da
DNA polimerase. A cada ciclo o número de mo- Biologia e Medicina.

Seqüência-alvo
Molécula de DNA 270pb
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Denaturação (95°C)

'''''''''
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Primer 2
Primer 1 '''''''''
Reduz a '''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' Eleva a
temperatura temperatura

1 ciclo 50-60°C 72°C


Eleva a
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' temperatura
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Anelamento
Polimerização
dos primers

''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' O número de cópias


30 ciclos duplica a cada ciclo
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''

Gel de agarose

250pb

M 1 2 3 4 5

Figura 3.8. Ilustração demonstrativa da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). A partir da molécula molde
original (genoma viral), um segmento específico é amplificado por sucessivas etapas de síntese de DNA. O produto
da amplificação pode ser visualizado sob luz UV em um gel de agarose corado com brometo de etídio, após migração
por eletroforese. O tamanho dos produtos pode ser comparado com um marcador molecular de massa conhecida. (M)
marcador molecular, (1) controle negativo, (2) controle positivo, (3, 4 e 5) amostras teste.
72 Capítulo 3

A grande difusão da PCR somente foi possí- Em relação à PCR tradicional, a nested-PCR
vel após a identificação de uma enzima polimera- possui as vantagens de maior sensibilidade (duas
se de DNA resistente ao calor (Taq – Thermophilis etapas de amplificação) e especificidade. Uma va-
aquatics), o que levou à simplificação da técnica riação dessa técnica é o semi-nested PCR, em que,
associado com o desenvolvimento de equipa- na segunda reação, utiliza-se um primer interno
mentos cada vez mais acessíveis. Essas novas tec- e em conjunto com um dos primers da primeira
nologias proporcionaram um domínio maior da reação.
técnica e o desenvolvimento de variações, como
O método da multiplex-PCR baseia-se na uti-
a nested-PCR, multiplex-PCR, RT-PCR e real-time
lização de dois ou mais pares de primers na mes-
PCR.
ma reação. Cada conjunto de primer é específico
A nested-PCR é realizada em duas etapas. Na
para uma região do agente ou de diferentes agen-
primeira etapa, um determinado segmento é am-
plificado pelo método tradicional. Uma segunda tes. Devido a sua versatilidade, essa técnica é uti-
etapa é, então, realizada, utilizando-se o produto lizada para a busca de variantes do mesmo vírus
da primeira reação como molde e um outro con- ou no diagnóstico de enfermidades que podem
junto de primers, complementares às seqüências ser causadas por diferentes agentes. Um exemplo
localizadas internamente no produto da primeira é o diagnóstico de aborto em bovinos, quando é
reação. Com isso, uma seqüência interna do pri- realizada uma reação com diferentes pares de pri-
meiro produto é reamplificada (Figura 3.9). mers, cada conjunto sendo específico para um dos
agentes suspeitos.
Seqüência-alvo 1 A técnica de RT-PCR (reverse transcriptase
DNA molde PCR) consiste na amplificação de segmentos de
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Primer 2 RNA. Através da transcrição reversa, realizada
Primer 1
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' pela ação da enzima transcriptase reversa, uma
Primeira cópia de DNA complementar (cDNA) é sinteti-
30 ciclos
reação zada a partir da RNA viral (genoma ou produto
intermediário do processo de replicação). Essa
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Produtos da
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' primeira
nova molécula sintetizada será usada como tem-
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' reação plate (molde) para a reação de PCR convencional.
O desenvolvimento desta técnica proporcionou
um grande avanço no estudo e diagnóstico dos
Seqüência-alvo 2 vírus RNA.
DNA molde O PCR em tempo real (real time PCR) é uma
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Primer 3 Primer 4 variação do PCR, com a capacidade de se detec-
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
tar e quantificar a amplificação do produto à me-
Segunda
30 ciclos
dida que vai sendo sintetizado. Essa técnica uti-
reação
liza, além dos primers, uma sonda marcada com
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' Produtos da um fluorocromo. A sonda é complementar a uma
'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' segunda região interna do produto e é marcada com uma
' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' reação
substância fluorogênica. A cada ciclo de síntese,
o fluorocromo é liberado da sonda e essa libera-
ção é captada e medida na forma de intensidade
Figura 3.9. A reação de PCR-nested é realizada em duas
etapas. Na primeira etapa, é utilizado um par de primers luminosa. Esta técnica tem grande aplicabilidade
externos (1 e 2), que permitem a amplificação de um quando a quantificação do ácido nucléico pre-
segmento do genoma viral (seqüência-alvo 1). A segunda
sente na amostra é necessária. Também possui
etapa utiliza o produto da primeira reação como molde.
Esta utiliza um par de primers internos (3 e 4), que aplicabilidade em diagnóstico de viroses de im-
permitem a amplificação de um segmento interno à portância sanitária estratégica (exemplos: febre
seqüência inicial (seqüência-alvo 2). O PCR- nested é
utilizado para aumentar a sensibilidade e especificidade aftosa e peste suína clássica), pois permite a ob-
da amplificação. tenção dos resultados em poucas horas.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 73

2.4.5 Análise de restrição tera o sítio e resulta em falha de clivagem. Assim,


o genoma de um determinado vírus DNA é cli-
Diferentes isolados de vírus podem ser vado com um conjunto de enzimas, produzindo
identificados e distinguidos entre si pela análise um conjunto de fragmentos de determinados ta-
dos fragmentos gerados pela clivagem de seus manhos. Outros isolados do vírus que possuam
genomas por enzimas de restrição (endonucle- diferenças em quaisquer dos sítios de clivagem
ases, Figura 3.10). Essas enzimas clivam o DNA irão gerar padrões de clivagem distintos, poden-
em seqüências específicas, compostas por quatro do-se, assim, fazer a diferenciação entre isola-
a oito bases; a alteração em uma dessas bases al- dos. A análise por restrição enzimática (REA) foi
muito utilizada na classificação e caracterização
Genoma BoHV - 1 135.301bp Genoma BoHV - 5 138.390bp de isolados de campo. Atualmente, o advento e
difusão do seqüenciamento de DNA substituiu,
com algumas vantagens, essa técnica, que se en-
Sítios de clivagem da enzima BamHI contra restrita a alguns vírus ou em desuso.

2.4.4 Eletroforese em gel de


poliacrilamida
9 locais de clivagem 16 locais de clivagem
A técnica de eletroforese em gel de poliacri-
DNA viral genômico lamida (SDS-PAGE), além de ser usada para se-
paração de proteínas nos passos iniciais do WB,
Enzima de restrição BamHI = também é utilizada para a detecção do genoma
Digestão do genoma em fragmentos e em estudos epidemiológicos de rotavírus, cujo
genoma é composto por vários segmentos de
RNA. Uma característica dos rotavírus é a pre-
Eletroforese em agarose sença de sorogrupos (ver Capítulo 30), que são
correlacionados com diferenças na extensão des-
ses segmentos. Essas diferenças irão produzir um
BoHV - 1

BoHV - 5

padrão de migração na eletroforese, e isso será


utilizado para a identificação do agente e classi-
ficação em sorogrupos. A metodologia consiste
na extração do RNA a partir de fezes, separa-
ção dos fragmentos por SDS-PAGE e coloração
do gel com nitrato de prata. Após a realização
desse procedimento, as bandas correspondentes
aos segmentos genômicos são analisadas, e os
padrões de migração dos segmentos são com-
parados. O SDS-PAGE possui boa sensibilidade
e especificidade quando comparado com outras
técnicas de detecção dos rotavírus.

Figura 3.10. Ilustração demonstrativa da análise de


restrição do genoma do herpesvírus bovino. A enzima
3 Multiplicação de vírus
BamHI reconhece e cliva o genoma do herpesvírus
bovino tipo 1 (BoHV-1) em nove sítios (A) e o genoma A obtenção de vírus em grandes quantida-
do BoHV-5 em 16 locais (B). Os produtos da digestão são
separados por eletroforese em agarose e visualizados
des é essencial para diversos procedimentos viro-
sob luz UV. Os diferentes padrões de clivagem resultam lógicos. Após o seu isolamento, o vírus deve ser
em fragmentos de tamanho diferentes, cuja análise identificado e caracterizado. Para isso, deve ser
comparativa permite a identificação dos respectivos
amplificado a partir da amostra original. Quan-
genomas. No exemplo acima, os locais de clivagem e o
tamanho dos fragmentos são meramente ilustrativos. tidades consideráveis de vírus são necessárias
74 Capítulo 3

para a realização de testes sorológicos (soro-neu- dongos lactentes é ocasionalmente utilizada para
tralização – SN, HI), produção de antígenos para o diagnóstico do FMDV. Para alguns vírus que
a imunização de animais (obtenção de anti-soros não replicam eficientemente em cultivo celular,
ou anticorpos monoclonais) ou para uso como como o vírus da peste suína africana (ASFV), a
imunógenos em vacinas. A reprodução da mani- inoculação de animais, para se obter altos títulos
festação clínica de uma enfermidade, sob condi- do vírus, é empregada.
ções experimentais, também requer altos títulos
do vírus. Em resumo, a rotina de um laborató- 3.2 Inoculação em ovos embrionados
rio de virologia envolve necessariamente etapas
repetidas e contínuas de multiplicação de vírus Vários vírus de aves e alguns de mamíferos
com finalidades diversas. Como os vírus neces- replicam com eficiência em tecidos de embrião de
sitam células vivas para se multiplicar, sistemas galinha. A habilidade desses vírus em se multi-
biológicos são utilizados com esse propósito. plicar nesse sistema biológico tem sido utilizada
Três sistemas biológicos têm sido classicamente para a multiplicação de vírus em laboratório, seja
utilizados para a multiplicação de vírus: animais para a detecção de vírus em material clínico, seja
susceptíveis, ovos embrionados de galinha (OE) para a amplificação de vírus. Essa metodologia
e cultivos celulares. teve grande difusão antes do desenvolvimento
e estabelecimento dos cultivos celulares, porém,
nos dias atuais, está limitada a poucos vírus,
3.1 Inoculação em animais susceptíveis
principalmente àqueles que não replicam em cul-
tivos.
Durante muitos anos, a reprodução da do- O material pode ser inoculado por várias
ença em animais se constituiu na forma mais ob- vias, dependendo do agente suspeito (Figura
jetiva de detecção de vírus em material suspeito. 3.11). A presença do agente pode ser evidencia-
A inoculação de animais também serviu para a da pelo desenvolvimento de lesões macro e mi-
amplificação do agente para diversos fins, entre croscópicas características no embrião e/ou nas
eles a produção de vacinas. Os fatores limitantes membranas vitelínicas (Tabela 3.2). Também se
para esse procedimento incluem o custo elevado pode observar retardo no desenvolvimento e
de manutenção, a imunidade prévia dos animais morte do embrião. A presença do agente – e a sua
ao agente e a baixa reprodutibilidade da enfermi- quantificação – também pode ser detectada pela
dade. Nos últimos anos, questões éticas referen- pesquisa da atividade biológica do agente (HA),
tes ao uso experimental de animais somaram-se a de antígenos (IFI) ou de ácidos nucléicos virais
essas restrições. (hibridização, PCR).
No princípio do século, os bovinos eram
inoculados com o vírus da febre aftosa (FMDV)
Cavidade
no epitélio lingual. Após o desenvolvimento de Casca
Embrião amniótica
vesículas, o fluido era coletado, inativado e uti- ||
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lizado para a produção de vacinas. A utilização


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de extratos de cérebro de camundongos infecta- Albumina

dos com o vírus da raiva (RabV), para a produção Cavidade


alantóide
de vacinas, é outro exemplo da inoculação em
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animais. Com o desenvolvimento dos cultivos


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Saco da gema
celulares, essa metodologia deixou de ser utili- Membrana
cório-alantóide
zada. Atualmente, a multiplicação de vírus pela
inoculação de animais possui uso muito restrito,
dentre os quais se destacam a prova biológica
para o diagnóstico da raiva em camundongos Figura 3.11. Vias de inoculação de vírus em ovos
lactentes (Capítulo 11). A inoculação de camun- embrionados.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 75

Tabela 3.2. Vírus animais que replicam em embriões de pinto e efeitos da replicação

Vírus Idade do embrião Via de inoculação Lesão/conseqüência

Focos esbranquiçados (pocks)


Varíola bovina 10-11 dias Membrana corioalantóide
na membrana, morte do embrião
BOVINO

Vírus da estomatite Membrana corioalantóide ou


7 dias Morte do embrião
vesicular (VSV) cavidade alantóide

Lumpy skin vírus (LSDV) 7 dias Membrana corioalantóide Pocks na membrana cório -alantóide.
EQÜINO

Influenza eqüina 10-11 dias Cavidade alantóide -

Encefalomielite eqüina 10-11 dias Qualquer via Morte do embrião


(EEE, WEE e VEE)
OVINOS

Vírus da língua azul


9-11 dias Intravenosa Morte do embrião
(BTV)

Lesões na membrana
SUÍNO

Vírus da doença de corioalantóide, invasão do sistema


Aujeszky (PRV) 10 dias Membrana corioalantóide nervoso central, e protusão cerebral
do embrião, morte do embrião.
CANINOS e
FELINOS

Retardo do crescimento, distrofia


Raiva (RabV) 7 dias Gema muscular, encefalomalácia

Membrana corioalantóide ou
Newcastle (NDV) 9-11 dias Morte do embrião
AVES

cavidade alantóide

Influenza aviária (AIV) 9-11 dias Cavidade alantóide Morte do embrião

3.3 Inoculação em cultivo celular O isolamento em cultivo celular é considera-


do a prova ouro (golden standard) em diagnóstico
A detecção e identificação de vírus em amos- virológico, sendo utilizada como padrão de com-
tras clínicas, após a sua multiplicação em cultivo paração com qualquer outro método. Esse méto-
celular, constituíram-se em uma das primeiras do também é capaz de detectar amostras ocasio-
formas de detecção viral. O advento dos antibió- nais de vírus em material clínico. Vários agentes
ticos contribuiu de forma decisiva para o desen- virais conhecidos resultaram de achados aciden-
volvimento da Virologia, pois somente a partir tais em cultivo de células, entre estes o circoví-
daí foi possível estabelecer cultivos celulares em rus suíno (PCV-1) e o vírus símio 40 (SV-40). Os
grande escala. A propagação do agente em cul- cultivos celulares ainda se constituem na forma
tivo celular permite que quantidades mínimas mais simples e econômica de obtenção de gran-
de partículas víricas viáveis sejam detectadas, des quantidades de vírus viável para a pesquisa
amplificadas e, posteriormente, caracterizadas. e produção de vacinas.
Para os vírus que replicam bem em células de Devido ao fato de nenhuma linhagem celu-
cultivo, esse sistema biológico possui aplicações lar ser susceptível a todos os vírus, muitos labo-
virtualmente ilimitadas, incluindo: a) isolamento ratórios mantêm cultivos celulares susceptíveis
e identificação com fins diagnósticos; b) obtenção a diferentes agentes. A escolha de um tipo celu-
de estoques virais para caracterização biológica lar para o isolamento ou multiplicação do vírus
e molecular; c) uso em testes sorológicos; d) pro- está, muitas vezes, associada com a espécie de
dução de estoques virais para estudos de patoge- origem do material e com o histórico clínico da
nia; e) produção de antígeno para a imunização enfermidade. Geralmente, são utilizadas células
de animais (produção de anti-soro ou anticorpos originárias da espécie animal de origem do vírus.
monoclonais); f) produção de vacinas, entre ou- No entanto, isso não é regra, pois existem vários
tros. vírus que replicam em células de cultivos de ou-
76 Capítulo 3

tras espécies. Por exemplo, o FMDV é cultivado suem capacidade de multiplicação quase indefi-
em células de rim de hamster (BHK-21); o vírus nida. Por estarem bem adaptadas às condições do
da síndrome reprodutiva e respiratória dos su- cultivo, são de fácil manipulação e propagação.
ínos (PRRSV) é cultivado em células de rim de A maioria dos laboratórios dá preferência a esse
macacos (MA-104); e o herpesvírus eqüino (EHV) tipo de cultivo celular devido à sua uniformidade,
é cultivado em células de rim de coelhos (RK-13) estabilidade e facilidade de manuseio. Por causa
ou em células de rim de macaco-verde africano dessa alta taxa de propagação em laboratório, as
(Vero). linhas celulares podem sofrer alterações morfoló-
Basicamente existem dois tipos principais gicas e fisiológicas que alteram a sensibilidade à
de cultivos celulares: cultivos primários e as li- infecção viral. No entanto, a sensibilidade à infec-
nhagens contínuas. Cada um desses tipos apre- ção com alguns vírus pode ser inferior nas linha-
senta vantagens e restrições. Os cultivos primários gens celulares em comparação com os cultivos
originam-se da remoção de um órgão fresco de primários, mas as vantagens citadas acima com-
um embrião ou feto recém-sacrificado. O órgão pensam este aspecto. Linhagens celulares podem
removido é submetido a um processo mecânico e ser obtidas pela transferência entre laboratórios
enzimático para fracionamento do tecido e indi- ou pela aquisição junto a bancos depositários.
vidualização das células. As células individuali- Diversas linhagens celulares são utilizadas
zadas são cultivadas em frascos ou garrafas, onde rotineiramente em laboratórios de virologia em
irão aderir e formar uma monocamada. O cultivo atividades de diagnóstico e pesquisa. O nome
é realizado com meio nutritivo e promotores de dessas linhagens geralmente está relacionado
crescimento, a temperatura de incubação é de com o órgão de origem e freqüentemente contém
37ºC. Nesse processo, a divisão celular é bastan- as letras iniciais do nome do descobridor ou ou-
te restrita, com uma propagação lenta e limitada, tra característica marcante. Alguns exemplos de
podendo-se dizer que ocorre uma divisão celular linhagens celulares comumente utilizadas em Vi-
a cada 24 horas. Assim, é necessária a realização rologia Veterinária são: MDBK (Madin-Darby bo-
de subcultivos periódicos, e isso é realizado atra- vine kidney), MDCK (Madin-Darby canine kidney),
vés da individualização da monocamada pela CRFK (Crandell feline kidney), CRIB (cell resistant
ação enzimática, ressuspensão e semeadura em to infection with bovine viral diarrhea vírus), RK13
novos frascos de cultivo. Nesses novos cultivos, (rabbit kidney), PK15 (porcine kidney 15), SK6 (swi-
o número celular irá duplicar ou quadruplicar ne kidney), BHK-21 (baby hamster kidney clone 21),
em poucos dias. Após um número variável de IBRS2 (Instituto Biológico rim de suíno clone 2), cé-
subcultivos (10 a 30 passagens, dependendo do lulas Vero, entre outras.
tipo celular), as células começam a apresentar ta- Existem ainda cultivos de células que se
xas reduzidas de multiplicação e, eventualmen- multiplicam em suspensão, ou seja, não necessi-
te, cessam a multiplicação. Os cultivos primários tam de uma superfície de contato para adesão e
são os preferidos para a realização da multiplica- multiplicação. Uma grande vantagem desse tipo
ção viral, pois possuem características morfoló- de cultivo é a concentração do número de células,
gicas e fisiológicas bastante semelhante às célu- reduzindo a relação do número de células, tama-
las dos órgãos originais. Sendo assim, possuem nho do frasco e volume de meio utilizado. Essa é
uma maior sensibilidade para a infecção viral. A uma característica desejável e amplamente utili-
restrição que esse tipo de cultivo apresenta é o zada para a produção de vacinas. Células BHK-21
número limitado de subcultivos, gerando neces- que se multiplicam em suspensão são utilizadas
sidade de preparação contínua nos laboratórios para a multiplicação e produção de estoques do
com alta demanda celular. RabV e o FMDV para uso em vacinas.
As linhagens celulares ou linhagens contínuas Alguns vírus não replicam eficientemente
são derivadas de células tumorais ou de tecidos em células de cultivo, assim, a sua amplificação
normais que sofreram transformação in vitro. Es- requer o uso de outro sistema biológico, como
ses tipos de cultivos celulares são cultivados de animais susceptíveis (animais de laboratório ou
maneira semelhante aos cultivos primários e pos- os hospedeiros naturais) ou ovos embrionados.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 77

Outros vírus não replicam em quaisquer dos sis- lo é desprezado, e a monocamada é lavada para
temas biológicos utilizados atualmente, como os remover ou reduzir a presença de substâncias
papilomavírus, vírus da hepatite C de humanos tóxicas e/ou contaminação bacteriana e fúngica.
e os vírus causador da hepatite B (família Hepad- Após, o meio de cultivo é reposto, e as células são
naviridae). incubadas a 37ºC, com uma atmosfera de 5% de
O processamento de amostras que poten- CO2. As monocamadas devem ser observadas
cialmente contenham vírus deve ser realizado diariamente para a presença de alterações mor-
rapidamente e seguir algumas regras para au- fológicas celulares associadas com a replicação
mentar a probabilidade de detecção e multipli- viral (Figura 3.12). Essas alterações, conseqüên-
cação do agente. Para o diagnóstico, as amostras cias do processo replicativo dos vírus, são deno-
devem ser inoculadas em cultivos celulares o minadas genericamente de efeito citopático (ECP
mais brevemente possível. A inoculação consiste – cytopathic effect). Uma grande parcela dos vírus
na deposição do material suspeito sobre as mo- produz alterações morfológicas nos cultivos celu-
nocamadas, seguido de incubação por 1 a 2 horas lares, que, muitas vezes, são características de um
(período de adsorção). Posteriormente, o inócu- determinado agente ou grupo de vírus. As altera-

A B

C D

E F

Figura 3.12. Efeito citopático produzido pela replicação viral em células de cultivo. Células de linhagem de rim
bovino não-infectadas (A) ou inoculadas com o BoHV-1 (B); BVDV (C); BoHV-2 (D); enterovírus bovino (E); e PI-3v
(F). Pode-se observar diferentes tipos de efeito citopático. Para descrição detalhada ver tabela 3.3.
78 Capítulo 3

ções freqüentemente produzidas pelos vírus são descritos os efeitos citopáticos produzidos pelos
vacuolização citoplasmática, formação de células principais vírus de interesse veterinário.
gigantes multinucleadas (sincícios) e arredonda- A visualização dessas alterações ao micros-
mento celular entre outros. Na Tabela 3.3, estão cópio óptico é apenas um indicativo da presença

Tabela 3.3. Principais vírus animais, células susceptíveis para replicação in vitro e efeito citopático

Vírus Tipo celular Efeito citopático

Adenovírus bovino Células de origem renal ou Arredondamento e desprendimento celular, formação


(BAdV) primárias de testículos de bovinos. de focos infecciosos como “cachos de uva”.
Corpúsculos intranucleares.

Vírus da diarréia viral MDBK, SK-6, PK15, BT, cultivos Vacuolização citoplasmática, degeneração celular,
bovina (BVDV) primários de pulmão, corneto nasal, enrugamento do tapete, desprendimento e lise celular
rim e testículo de bovino. (somente as amostras citopatogênicas).

Herpevírus bovino tipos MDBK, CRIB, HeLA, BT, EBTr e Desorganização nuclear, arredondamento e
1 e 5 (BoHV 1 e 5) cultivos primários de pulmão, corneto desprendimento celular; formação de focos
nasal, rim e testículo de bovino. infecciosos com o aspecto de “cachos de uva”, lise.
Corpúsculos intranucleares.
Parainfluenza bovina MDBK, BT, HELA e cultivos primários Arredondamento, citomegalia e refringência celular, formação
tipo 3 (bPI-3) de corneto nasal e de rim de de grandes sincícios, desprendimento das células.
bovino. Corpúsculos intracitoplasmáticos.

Vírus respiratório MDBK, BT, cultivos primários de Arredondamento e refringência celular, formação de
sincicial bovino (BRSV) células do trato respiratório de pequenos sincícios e desprendimento das células.
bovinos. Corpúsculos acidofílicos intracitoplasmáticos.

Rotavírus bovino CV-1, VERO, MA-104, BSC-1, Vacuolização citoplasmática, degeneração e


(BRV) Aubek, MDBK desprendimento celular. Corpúsculos
intracitoplasmáticos.

Coronavírus bovino VERO, HRT-18, cultivos primários de Formação de sincícios.


(BCoV) rim de bovino.

Parvovírus bovino MDBK, EBTr, BT e cultivos primários Citomegalia e refringência celular, arredondamento e
(BPV) de rim de feto bovino. desprendimento.
Bovinos

Virus da mamilite MDBK, CRIB e cultivos primários de Arredondamento celular, sincícios multinucleares.
herpética (BoHV-2) origem bovina. Corpúsculos eosinofílicos intranucleares.

Vírus da leucose Cultivo primário de baço e pulmão Formação de sincícios.


bovina (BLV) bovino e células embrionárias
diplóides de humanos.

Vírus da febre aftosa BHK-21, IB-RS-2 cultivos primários de Condensação nuclear, arredondamento,
(FMDV) tireóide bovina, cultivos primários de desprendimento e lise celular.
rim de suíno, bovino ou cordeiro.

Vírus da estomatite VERO, BHK-21 ou IB-RS2. Arredondamento, retração e desprendimento celular,


vesicular (VSV) lise.

Vírus da estomatite BT, cultivo de rim de fetos bovinos. Arredondamento, agregação, lise celular.
papular (BPSV) Corspúsculos intracitoplasmáticos.

Vírus da varíola e Cultivos primários de células de Formação de sincícios. Corpúsculos intracitoplasmáticos.


pseudovaríola bovina testículo bovino.

Rinderpest (RPV) VERO ou cultivos primários de Arredondamento e refringência celular, seguido


rim de terneiros. de retração com alongamentos citoplasmáticos
“pontes” e formação de síncicios. Corpúsculos
intracitoplasmáticos.

Vírus da doença Lumpy Skin LT ou cultivos primários de origem Arredondamento e retração da membrana celular
(LSDV) bovina, caprina ou ovina e marginalização da cromatina nuclear.
(preferencialmente de raças Corpúsculos intracitoplasmáticos.
laníferas).

Vírus da febre do vale VERO, BHK-21, CER e cultivos Arredondamento e rápida lise celular.
Rift (RVFV) primários de rim de terneiro e cordeiro.

Vírus da febre catarral Cultivos primários de células de Sincícios grandes,


maligna (MCFV) rim, baço, tireóide, pulmão, contração, arredondamento e desprendimento
testículo e plexo coróide de fetos celular da monocamada. Corpúsculos
ovinos ou bovinos. intranucleares.
Detecção, identificação e quantificação de vírus 79

Tabela 3.3. Continuação.

Vírus Tipo celular Efeito citopático

Língua azul (BTV) BHK-21, VERO Arredondamento celular, fusão.

Ectima contagioso HeLa, VERO, cultivos primários Arredondamento celular, aglomeração e desprendimento
(ORFV) de rim e testículo ovino e bovino; celular. Corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos
fibroblastos de galinhas e patos. eosinofílicos.
Ovinos e caprinos

Artrite e encefalite Células da membrana sinovial de Formação de sincícios.


caprina (CAEV) fetos caprinos e cultivos primários
de testículos de caprinos.

Pneumonia progressiva Cultivos de pulmão fetal, de células Formação de sincícios e degeneração celular.
dos ovinos – Maedi-Visna do plexo coróide de ovino ou de
(OPPV) leucócitos sangüíneos periféricos.

Poxvírus ovino e Cultivos primários de testículo Vacuolização nuclear. Corpúsculos


caprino de cordeiro. intracitoplasmáticos eosinofílicos.

Peste dos VERO e cultivo primário de rim Arredondamento, agregação celular e formação de
pequenos de cordeiro síncicio com o núcleo na forma circular. Vacuolização
ruminantes (PPRV) de algumas células. Corpúsculo de inclusão
intracitoplasmáticos e intranucleares.

Herpesvírus eqüino VERO, ED, RK-13, MDBK, BHK-21 Desorganização nuclear, arredondamento e
(EHV 1, 2, 3 e 4) e cultivos primários de rim eqüino e desprendimento celular; formação de focos
fibroblastos da derme eqüina. com o aspecto de “cachos de uva”.
Corpúsculos intranucleares.

Anemia infecciosa ED, PBMC eqüino, fibroblastos Formação de sincícios somente em leucócitos.
Eqüinos

eqüina (EIAV) de derme eqüina.

Encefalomielite eqüina VERO, RK-13, BHK-21 e cultivos de Lise celular


(EEE, WEE e VEE) fibroblastos de embrião de
galinhas e patos.

Arterite viral eqüina RK-13, VERO, LLC-MK2 e cultivos Desprendimento celular do tapete, lise
(EAV) primários de células de macaco,
coelho e eqüino.

Influenza eqüina (EIV) MDCK Arredondamento, desprendimento celular

Doença de Aujeszky PK-15, SK6, MDBK, cultivos Desorganização nuclear, arredondamento e


(PRV ou SuHV-1) primários de origem suína. desprendimento celular e formação de focos
com o aspecto de “cachos de uva”.
Corpúsculos intranucleares.

Adenovírus suíno Cultivos primários de rim suíno, Citomegalia e arredondamento celular,


PK-15 e SK6. desprendimento das células da monocamada.
Copúsculos intranucleares.
Suínos

Peste suína clássica SK6, PK-15. .A maioria dos isolados não causa citopatologia
(CSFV)

Síndrome respiratória MARC-145, MA-104 e células de Aumento de tamanho, arredondamento e


e reprodutiva suína origem de símios. agregação celular, lise.
(PRRSV)

Enterovírus suíno PK-15, IB-RS-2, SST e cultivos Lise e desprendimento celular,


(PEV) de células de rim e testículos destruição da monocamada.
de suínos.

Parvovírus suíno Cultivos primários de rim suíno, Arredondamento celular e picnose.


(PPV) ST, PK-15 e SK6. Corpúsculos intranucleares.
80 Capítulo 3

Tabela 3.3. Continuação.

Vírus Tipo celular Efeito citopático

Parvovírus CRFK, MDCK, A-72 e Aumento do núcleo, enrugamento da membrana


canino (CPV) cultivos primários de células de rim celular, arredondamento das células, lise.
e pulmão de canino e felino.

Coronavírus CRFK, A-72 e cultivos de rim, timo Formação de sincícios.


canino (CCoV) e sinóvia de canino.

Rotavírus MA-104, A-72, CRFK e cultivos Vacuolização citoplasmática, degeneração e


canino primários de rim de canino. desprendimento celular. Corpúsculos
intracitoplasmáticos.

Herpesvírus MDCK e cultivos primários Desorganização nuclear, arredondamento e


canino (CaHV) de rim de canino. desprendimento celular e formação de focos
com o aspecto de “cachos de uva”.
Corpúsculos intranucleares.
Caninos e Felinos

Vírus da cinomose VERO, MDCK e PBMC de Formação de sincícios, desprendimento celular


(CDV) caninos e furão. do tapete, inclusões intracitoplasmáticas.

Adenovírus canino MDCK, cultivos primários de Arredondamento e desprendimento celular,


(CAdV) testículo ou rim de canino e felino. lise e destruição do tapete. Corpúsculos intranucleares.

Vírus da raiva (RabV) CV-1, BHK-21, VERO, HeLa e cultivos Arredondamento e desprendimento celular.
de fibroblastos de embrião de galinhas. Corpúsculos intracitoplasmáticos.

Calicivírus felino CRFK, FCWF-4, Fe3TG, VERO Arredondamento e desprendimento celular,


(FCV) e fibroblastos felinos. lise e destruição do tapete.

Vírus da rinotraqueíte CRFK e cultivos primários de pulmão, Desorganização nuclear, arredondamento,


felina (FeHV) rim e testículo de felino. desprendimento celular e formação de focos
com o aspecto de “cachos de uva”.
Corpúsculos intranucleares.

Vírus da peritonite CRFK, A-72, FeWF e cultivos primários Arredondamento e desprendimento celular.
infecciosa felina de tecidos fetais de felinos.
(FeCoV)

Vírus da panleucopnia CRFK e Fe3TG. Arredondamento e aumento da refringência


felina (FPLV) das células.

Vírus da imuno- PBMC felino. Formação de sincícios.


deficiência felina
(FIV)

Doença Cultivos primários de rim de embrião Formação de sincícios, morte celular.


Galinhas e Outras Aves

de Newcastle (NDV) de galinhas, cultivos primários de


fibroblastos de galinhas e BHK-21.

Doença de Cultivos primários de células da .Efeito pouco discernível


Gumboro (IBDV) bursa, rim e fibroblastos de
embrião de galinha.

Vírus da laringo- CEK e cultivos de rim, fígado e Citomegalia, formação de sincícios.


traqueíte aviária pulmão de galinhas.
(ILTV)
Vírus da anemia MDCC-MSB1. Citomegalia, lise celular.
aviária (CAV)

Vírus da doença CK e fibroblastos de embrião Desorganização nuclear, arredondamento e


de Marek (MDV) de galinhas ou patos. desprendimento celular. Corpúsculos intranucleares.

Poxvírus aviário QT-35, cultivos primários de rim ou Arrendondamento, refringência celular e


derme de embrião de galinha. desprendimento.

de um agente viral na amostra suspeita. Alguns dem ser observadas. No entanto, a ausência de
vírus possuem a capacidade de infectar cultivos alterações não indica necessariamente a ausência
celulares de diversas origens, como o vírus da de vírus. Alguns vírus infectam as células sem
língua azul (BTV), que infecta células de mamí- causar ECP e são denominados de não-citopáti-
feros e insetos e variações do efeito citopático po- cos, como é o caso do circovírus suíno (PCV-2).
Detecção, identificação e quantificação de vírus 81

Outro exemplo é o vírus da diarréia viral bovina mero determinado de cultivos celulares. Quanto
(BVDV), que possui amostras citopatogênicas e maior o número de réplicas, mais preciso será o
não-citopatogênicas (Capítulo 22). A confirma- resultado. Essa técnica geralmente é realizada em
ção e identificação do agente são, geralmente, placas de microtitulação de 96 cavidades, e cada
realizadas por métodos que detectam alguma ati- diluição do material é inoculada em oito répli-
vidade biológica (HA ou HAD), antígenos (IFA cas. Após um determinado período de incubação
ou IPX) ou ácidos nucléicos virais (PCR, hibridi- (varia entre 48 h e vários dias, dependendo do
zação). A neutralização com anti-soro específico vírus), os cultivos são monitorados em relação ao
também pode ser usada para a identificação do aparecimento do ECP (ou submetidos à IFA ou
agente causador do ECP nos cultivos. Coloração IPX para detecção de antígenos virais), que são
direta, como Giemsa ou hematoxilina e eosina os indicadores da presença de infectividade na
(para corpúsculos de inclusão), também podem respectiva diluição.
ser utilizadas para a confirmação da presença de O título viral geralmente é expresso como a
alguns agentes. recíproca da maior diluição capaz de provocar re-
ação específica (ECP ou antígenos virais) em 50%
4 Quantificação de vírus dos cultivos e a unidade será TCID50 (tissue cultu-
re infection dose). Quando a titulação é realizada
A realização de várias técnicas virológicas em animais ou em OE, e o indicador é a morte,
requer o conhecimento da quantidade aproxi- a unidade usada é dose letal 50% (LD50). Quando
mada de partículas víricas presente no material. o resultado da infectividade é medido de outra
O procedimento de quantificação é denominado forma que não a morte (ex.: paralisia, presença
titulação, e o valor obtido é dito título viral. Exis- de lesões de pele, prurido), a unidade emprega-
tem técnicas diretas e indiretas para a quantifi- da é dose infectiva 50% (ID50). Para os vírus com
cação das partículas víricas. As técnicas diretas capacidade hemaglutinante, aplica-se o teste de
baseiam-se na contagem das partículas presentes HA, então a unidade de expressão será unidade
em uma amostra e observadas ao microscópio hemaglutinante (UH).
eletrônico. Esse método é capaz de informar o Os valores obtidos nos ensaios de titulação
número preciso de partículas, porém não dife-
são submetidos à análise matemática, que conver-
rencia partículas infecciosas de não-infecciosas.
te os dados de infectividade em valores numéri-
Devido a essas particularidades, o método direto
cos com uma acurácia aceitável. Alguns métodos
de quantificação viral não é utilizado na rotina
de cálculo são utilizados, no entanto, o método
laboratorial. As técnicas indiretas possuem como
de Reed e Muench é o mais difundido para o
base a infectividade do vírus, que é medida por
cálculo de título viral (Quadro 3.1). Os métodos
meio de um indicador biológico. A quantificação
de Spearman e Kärber; e Seligman e Mickey são
da infectividade de uma determinada suspensão
viral requer necessariamente o uso de sistemas menos populares. Esses métodos, apesar de di-
biológicos para a replicação do agente (cultivos ferirem na metodologia aplicada, baseiam-se na
celulares, OE ou animais). Como já mencionado, observação da infectividade, portanto, somente
os cultivos celulares são muito utilizados com consideram as partículas infecciosas.
esse propósito. Para os vírus que não replicam
em cultivo, pode-se recorrer aos OE ou animais. 4.2 Ensaio de placa

4.1 Diluição limitante Outro método muito utilizado para a quan-


tificação de vírus é o ensaio de placa, descrito ini-
Os testes que utilizam a diluição limitante cialmente por Dulbecco, em 1952. Diluições seria-
foram os primeiros desenvolvidos e são mui- das da suspensão viral são inoculadas em tapetes
to utilizados pela sua simplicidade. O material celulares pré-formados, geralmente em placas
é inicialmente submetido à diluição seriada, e poliestireno de seis cavidades. Após a adsorção
cada diluição serve como inóculo para um nú- e a remoção do inóculo, os tapetes são recobertos
82 Capítulo 3

Testes de infectividade são rotineiramente utilizados para o partícula viral viável capaz de infectar e replicar em uma célula
cálculo do “título” viral (número de unidades infecciosas por susceptível.
unidade de volume), que é comumente expresso por TCID50/mL 1.TCID50 É definida como a diluição de um determinado vírus
ou PFU/mL. Uma unidade infecciosa é definida como a menor necessária para infectar 50% dos cultivos celulares inoculados.
quantidade do vírus capaz de produzir um efeito biológico Esse tipo de teste consiste na produção e detecção de ECP nas
detectável (efeito citopático, ECP) em células de cultivo in vitro, células infectadas. O cálculo da TCID50 em uma suspensão
ou doença clínica, ou morte em animais. No caso de cultivos inicial de vírus pode ser feito pelos métodos de Reed & Muench
celulares, uma unidade infecciosa equivaleria a uma ou Spearman-Kärber.

Cultivos celulares Índices acumulados


Diluição Porcentagem (%) =
Não-
infectados [Infectados/(infectados
Não- +
Não-infectados Infectados infectados infectados
+ não-infectados)] X
Infectados
-1
10 0 8 0 41 41 41/41 =100%

-2
10 0 8 0 33 33 33/33 =100%

10-3 0 8 0 25 25 25/25 =100%

-4
10 0 8 0 17 17 17/17 =100%

10-5 2 6 2 9 11 9/11 =81%

-6
10 5 3 7 3 11 3/11 =27%

10-7 8 0 15 0 15 0/15 =0%

-8
10 8 0 23 0 23 0/23 =0%

Para o cálculo dos índices acumulados dos cultivos não- Este índice ou distância proporcional é utilizado para o cálculo
infectados (isto é, onde não se observou ECP), soma-se os do título viral pelo uso da equação: (fator da diluição onde se
valores dos cultivos não-infectados, iniciando-se a partir da observou ECP em mais de 50% das culturas de células) + (índice
-8
menor diluição (10 ). Já o cálculo do índice dos cultivos ou distância proporcional multiplicado pelo logaritmo do fator de
infectados, é realizado pelo somatório das culturas infectadas diluição). Assim, tem-se (-5) + (0,57 x 1) = -5,57. Desse modo, a
-1
(onde o ECP foi visualizado) a partir da maior diluição (10 ). diluição limitante da suspensão inicial do vírus capaz de infectar
-5,57
Assim, a diluição apresentada no Quadro 3.1 necessária para a 50% dos cultivos celulares será de 10 . A recíproca deste
infecção de 50% dos cultivos celulares, obviamente estará entre número será o título viral por unidade de volume empregado para
-6 -5 -5,57
as diluições 10 (27% infectados) e (10 ) (81% infectados). A a realização da prova, ou seja, 10 TCID50 em 50μL.
distância proporcional entre essas duas diluições é calculada Rotineiramente, o título viral é expresso em mililitros (mL). Para
da seguinte forma: isso, basta multiplicar o valor obtido por 20 (1 mL contém 20 vezes
(% positivo acima de 50%) - 50 o volume de 50μL utilizado para a realização da prova).
------------------------------------------------------------------------ = -5,57 6,57 6,87
(% positivo acima de 50%) - (% positivo abaixo de 50%) Finalmente, tem-se 10 que é equivalente a 2 x 10 ou 10
TCID50/mL.
Assim, tem-se: 81-50 = 0,57
81-27

Quadro 3.1. Quantificação de vírus por diluição limitante

com uma camada de meio semi-sólido à base de distância. A transmissão do vírus a partir das cé-
ágar ou carboximetilcelulose, e incubados por 24 lulas inicialmente infectadas ocorre apenas para
a 72 horas, variando conforme o agente. As partí- as células vizinhas, pela transmissão direta entre
culas virais que penetraram nas células durante a células. Após alguns dias, são observados focos
adsorção irão replicar e produzir progênie viral. de destruição celular nos tapetes, denominados
A cobertura semi-sólida, no entanto, impede que placas. Cada placa representa um determinado
as partículas víricas produzidas se disseminem à número de células infectadas e destruídas a par-
Detecção, identificação e quantificação de vírus 83

tir de uma célula originalmente infectada. O nú- atividade antiviral de compostos químicos; e) es-
mero de placas produzidas no tapete, portanto, tudos de cinética e replicação viral, entre outras.
corresponde ao número aproximado de unidades
infecciosas presentes na diluição inoculada. Para
uma melhor visualização e contagem das placas,
os tapetes são corados com cristal violeta (Figura
3.13).
Nessa técnica, a quantificação é expressa
como unidade formadora de placas por mililitro
(PFU/mL). Para o cálculo final do título, leva-se
em consideração o número de placas produzidas
em cada diluição e o volume utilizado para ino-
culação. Um exemplo de titulação, usando essa
técnica, está descrito no Quadro 3.2. Os ensaios
em placa são utilizados principalmente para a
quantificação de vários vírus citopatogênicos (ou
Figura 3.13. Ensaio de placa. Tapetes de células BHK-21
citopáticos), mas podem também ser utilizados foram infectados com diferentes diluições do vírus da
para vírus que não induzem citopatologia. Nes- estomatite vesicular (VSV) e, 48 horas após, foram
ses casos, os focos (e não placas) de replicação corados com cristal violeta. Linha superior: a ausência de
placas é indicativa da ausência de vírus; Linha inferior:
viral podem ser detectados e contados após a re- observa-se inúmeros focos infecciosos, indicando a
alização da técnica de IPX. replicação viral e lise celular.
Além de quantificação viral, os ensaios de
placa são também utilizados com outras finalida- 4.3 Outros métodos de quantificação
des, incluindo: a) clonagem biológica e purifica-
ção de vírus; b) análise de fenótipo de variantes Métodos mais modernos que utilizam a
virais; c) ensaios de neutralização viral por anti- biologia molecular têm sido empregados para a
corpos monoclonais ou policlonais; d) testes de quantificação de vírus, principalmente em medi-

O título de uma suspensão viral do VSV foi calculado utilizados 200μL/cavidade. Após o período de adsorção,
pelo método de ensaio de placa. Para isso, três placas o inóculo foi removido e meio de cultivo contendo
de seis cavidades, contendo uma monocamada pré- carboximetilcelulose foi adicionado. Após 24 horas de
formada de células BHK-21 foram inoculadas. A partir da incubação, os tapetes celulares foram corados por
suspensão original, realizou-se oito diluições seriadas cristal violeta. Os números da contagem das placas
na base 10, que serviram como inóculo. Cada diluição foi estão apresentados abaixo.
inoculada em duplicada e, para isso, foram

Número de placas

Diluição 10-1 10-2 10


-3
10-4 10-5 10-6 10-7 10-8 Controle

incontáveis incontáveis 168 96 35 0 0 0 0


Réplicas
incontáveis incontáveis 150 89 27 0 0 0 0

Média - - 159 92,5 31 0 0 0 0

Para a obtenção do título, utiliza-se o número médio de Normalmente o título é expresso em mililitro (mL), nesse
placas presentes na maior diluição em que foi possível caso, o volume inoculado foi de 200μL e, para realizar a
observar a replicação do vírus. Dessa maneira, tem-se: 31 transformação, deve-se multiplicar por 5. Tem-se, então,
5 6 6 7
x 10 PFU/200μL, que é o equivalente a 3,1x10 15,5 x 10 PFU/mL ou 1,55 x 10 PFU/ml.
PFU/200μL.

Quadro 3.2. Quantificação de vírus por ensaio de placa


84 Capítulo 3

cina humana. Essas técnicas mensuram a carga A caracterização de uma amostra viral é
viral (ou quantidade de vírus) pela análise quanti- uma etapa posterior à sua detecção e identifica-
tativa do material genético viral presente em uma ção. Essa etapa geralmente envolve a caracteriza-
amostra clínica. A quantidade de vírus presente ção antigênica ou sorológica, que pode ser defi-
nas secreções e excreções de animais infectados nida como o perfil dos antígenos de um vírus. A
com o FMDV pode ser estimada através da téc- obtenção deste perfil é realizada pelo uso de tes-
nica de real time PCR. Essa mesma metodologia tes que detectam e identificam os determinantes
também pode ser aplicada para os vírus da peste antigênicos presentes nas proteínas virais. Várias
suína clássica (CSFV) e AFSV, entre outros. Imu- técnicas são utilizadas com essa finalidade, in-
noensaios quantitativos e outros procedimentos cluindo a IFA com anticorpos monoclonais, soro-
imunológicos que fornecem a titulação e que neutralização, fixação do complemento, ELISA,
avaliam a presença do vírus em cada diluição são além de outras técnicas sorológicas. A forma de
amplamente usados. Esses métodos apresentam caracterização a ser utilizada depende das parti-
a vantagem de permitir realizar diluições, adição cularidades de cada família de vírus e da dispo-
de reagentes e leituras colorimétricas automatiza- nibilidade de técnicas e reagentes do laboratório.
das. Os dados da leitura crua são posteriormente A identificação de seqüências específicas pode
analisados por métodos matemáticos que permi- ser realizada pelo uso de técnicas como o PCR,
tem a identificação correta e precisam das unida- análise de restrição ou seqüenciamento do geno-
des infectantes presentes no material testado. No ma viral.
entanto, esses métodos possuem aplicabilidade
restrita em medicina veterinária e dificilmente 5.1 Sensibilidade a solventes lipídicos
serão substituídos pelos métodos tradicionais.
Existe uma correlação entre presença do en-
5 Identificação e caracterização de velope e susceptibilidade dos vírus aos solven-
um isolado tes lipídicos. Durante muito tempo, uma forma
de identificação e caracterização da presença de
Os termos isolado ou amostra de vírus refe- vírus envelopados foi o tratamento com solven-
rem-se a um vírus que foi detectado e identifi- tes lipídicos previamente à inoculação em cultivo
cado, mas que ainda não foi completamente ca- celular ou ovo embrionado. No envelope viral,
racterizado. O termo cepa designa um vírus cujas encontram-se inseridas glicoproteínas, que são
principais características genotípicas e fenotípi- responsáveis pelas interações iniciais vírus-célu-
cas já foram estudadas e são conhecidas. As ce- la. A remoção do envelope dos vírus resulta em
pas são geralmente utilizadas como referência perda de infectividade e inativação da partícula.
em testes de diagnóstico, em pesquisas e para a A maioria dos vírus envelopados é sensível ao
produção de reagentes. éter e/ou clorofórmio, que são os solventes nor-
A primeira etapa após a detecção de um malmente utilizados (paramixovírus, herpesví-
agente viral a partir de amostras clínicas é a sua rus, mixovírus entre outros); no entanto, alguns
identificação. Isso pode ser realizado prelimi- vírus, como os poxvírus, apresentam variações
narmente pelas características do ECP produzi- de sensibilidade ao éter.
do nos cultivos ou pelas alterações produzidas
no embrião de galinha. A ME pode ser utilizada 5.2 Concentração e purificação por
para a identificação inicial do agente, de acordo ultracentrifugação
com as suas características morfológico-estrutu-
rais. A confirmação da identidade do agente, no Estudos estruturais e ultra-estruturais, pro-
entanto, depende do uso de anticorpos específi- dução de antígenos para imunizações ou métodos
cos (IFA, IPX), de anti-soro específico (SN ou HI) de detecção, entre outros, requerem soluções con-
ou de métodos de detecção e identificação de áci- tendo altas concentrações de vírus e com elevado
dos nucléicos (hibridização, PCR). grau de pureza. A obtenção de soluções com es-
Detecção, identificação e quantificação de vírus 85

sas características pode ser feita de várias manei- de infecções inadvertidas ou disseminação de en-
ras, das quais se destacam a ultracentrifugação. fermidades entre humanos e animais. Isso pode
A ultracentrifugação é um método relativamente ser observado em várias descrições do passado.
fácil, rápido e prático, em que o material de alta O FMDV, devido a sua alta infecciosidade, talvez
qualidade é obtido. Seu princípio baseia-se na tenha produzido os exemplos mais conhecidos.
taxa de sedimentação do vírus, que, por sua vez, A infecção de pesquisadores pelo vírus Marburg,
é dependente do tamanho, densidade, morfolo- em um laboratório da Alemanha na década de
gia da partícula, bem como da natureza do meio 1970, é outro exemplo. No princípio, uma alterna-
e da força de centrifugação. A maior restrição é o tiva para evitar acidentes, como a disseminação
custo do equipamento, que difere das centrífugas do vírus febre aftosa ou introdução de agentes
por atingir velocidades que variam entre 20.000 e exóticos no rebanho de um país, foi a construção
100.000 rotações por minuto (RPM). de laboratórios em ilhas, o caso mais conhecido é
de Plum Island Animal Disease Center, nos Estados
6 Biossegurança laboratorial Unidos. Posteriormente outros laboratórios de
segurança elevada e acesso restrito, para mani-
A manipulação em laboratórios de agentes pulação de agentes virais e animais infectados,
infecciosos, como os vírus, pode representar risco foram estabelecidos, tais como: o Australian Ani-

Tabela 3.4. Níveis de biossegurança para manipulação de agentes virais

Nível BSL-1 BSL-2 BSL-3 BSL-4

Agentes altamente perigosos


Associados com Agentes exóticos ou ou exóticos, com risco de
infecções em humanos,
Vírus

selvagens, com potencial de vida para humanos,


Vírus não-zoonóticos. risco de auto-inoculação, transmissão por aerossol e de transmitidos por aerossóis,
ingestão ou exposição produzir doença severa ou ou agentes de periculosidade
da pele e mucosas. letal. desconhecida.
Procedimentos

Normas do BSL-3, com


Normas do BSL-2, com
BSL-1, com acesso limitado, mudanças de roupas ao
acesso restrito e controlado,
identificação das áreas de ingressar na área
Normas básicas de prática coleta de soro do
manipulação, primeiros contaminada. Requerimento
laboratorial. trabalhadores,
socorros e descontaminação de banho para saída,
descontaminação de todo o
do lixo e resíduos. descontaminação de todo o
lixo e resíduos e esterilização
material antes da remoção
das roupas antes da lavagem.
do laboratório.

BSL-3, utilização de cabine


Equipamentos

Aventais, luvas, óculos, Requerimentos do BSL-1 e de fluxo laminar tipo III ou


de proteção

conforme a necessidade. toda manipulação em cabines tipo I e II em


Manipulação de material cabine de fluxo laminar do ambiente com pressão
Nenhum requerido. tipo I ou II. Uso de luvas,
que produz aerossol em positiva, macacões de
cabine de fluxo laminar do aventais, respiradores, corpos inteiro com
tipo I ou II. conforme a necessidade. respiradores para todos os
procedimentos.
de segurança

BSL-2 acrescido de
Equipamento

separação física para BSL-3, área ou prédio


corredores e áreas de isolado com suprimento de
Bancada laboratorial. BSL-1 com autoclave. circulação, porta duplas, ar e exaustão, vácuo e
pressão negativa nos sistema de
laboratórios, sistema de descontaminação.
filtração do ar.

Herpesvírus dos símios


Exemplos

Adenovírus humano, (vírus B), vírus da encefalite


BoHV, BVDV, BLV, BTV, Vírus Ebola, Marburg, sabiá,
citomegalovírus, influenza A, japonesa, hantavírus, febre
PRV, CDV, outros. febre do vale Rift, entre
B e C, rubéola, poliovírus, amarela, encefalite eqüina
outros.
parainfluenza, vírus da raiva. venezuelana, vírus do Nilo
Ocidental.

Adaptada de Murphy et al., 1999.


86 Capítulo 3

mal Health Laboratory na Austrália, o Onderstepoort RICHMOND, J.Y.; McKINNEY, R.W. (Eds). Biosafety in
microbiological and biomedical laboratory. 4.ed. Washington,
Veterinary Institute na África do Sul, o Institute for
DC: U.S. Government Printing Office, 1999. 265p.
Animal Health na Inglaterra, o Center for Disease
Control (CDC) em Atlanta e, mais recentemente, ROVOZZO, G.C.; BURKE, C.N. A manual of basic virological
o Canadian Science Center for Human and Animal techniques. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1973. 287p.

Health, em Winnipeg, no Cánada. STORCH, G.A. Diagnostic Virology. In: KNIPE, D.M.; HOWLEY,
A manipulação de amostras infectadas para P.M. (eds). Fields virology. 4.ed. Philadelphia, PA: Lippincott
pesquisa ou diagnóstico deve seguir as normas Williams & Wilkins, 2001. Cap.18, p.493-531.

da boa prática laboratorial. Dessa maneira, con- STRAW, B.E. et al. (eds). Diseases of swine. 8.ed. Ames, IA:
taminações inadvertidas de amostras ou dissemi- Iowa State University Press, 2002. 1209p.
nações da infecção entre humanos ou animais são
SWAYNE, D.E. et al. A Laboratory manual for the isolation and
evitadas. Conforme a infra-estrutura do laborató- identification of avian pathogens. 4.ed. Tallahasse, FL: Rose
rio e o risco dos agentes manipulados, os labora- Printing, 1998. 311p.
tórios de virologia são classificados em Níveis de
TIMONEY, J.F. et al. Hagan and Bruner’s microbiology and
Segurança (BSL) 1, 2, 3 ou 4 (Tabela 3.4). O uso de
infectious diseases of domestic animals. 8.ed. Ithaca, NY:
técnicas assépticas, roupas adequadas (avental, Comstock Publishing Associates, 1988. 951p.
máscaras, luvas e óculos) e desinfetantes apro-
VERSTEEG, J. A colour atlas of virology. Weert, Netherlands:
priados são cuidados básicos e necessários em
Wolfe Medical Publications, 1985. 240p.
todo trabalho laboratorial, independente do nível
de segurança. O uso de equipamentos, tais como:
cabines de fluxo laminar, sistema de filtração do
ar, tratamento e esterilização de dejetos, descarte
e incineração dos dejetos são requisitos necessá-
rios para laboratórios que manipulem agentes
com risco médio a elevado, conforme o caso.

7 Bibliografia consultada

BARTLETT, J.M.S; STIRLING, D. Methods in Molecular Biology:


PCR protocols. 2.ed. Totowa, NJ: Humana Press, 2003. 545p.

CASTRO, A.E.; HEUSCHELE, W.P. Veterinary diagnostic


virology: a practitioner’s guide. St. Louis, MO: Mosby, 1992.
285p.

FRESHNEY, R.J. Culture of animal cells. 2.ed. New York, NY:


Wiley-Liss, 1987. 397p.

HIRSCH, D.C.; ZEE, Y.C. Veterinary microbiology. Malden,


MA: Blackwell Science, 1999. 480p.

KAHRS, R.F. Viral diseases of cattle. 2.ed. Ames, IA: Iowa State
University Press, 2001. 324p.

MAHY, B.W.J.; KANGRO, H.O. Virology methods manual. San


Diego, CA: Academic Press, 1996. 374p.

MURPHY, F.A. et al. Veterinary virology. 3.ed. San Diego, CA:


Academic Press, 1999. 629p.

OIE. Manual of standards for diagnostic tests and vaccines.


3.ed. Paris, France: OIE, 1997. 723p.
GENÉTICA E EVOLUÇÃO VIRAL
Mauro Pires Moraes & Hernando Duque Jaramillo1 4
1 Genética viral 89

1.1 Conceitos e definições 90


1.2 Mutação 92
1.3 Classificação genotípica 93
1.4 Classificação fenotípica 93
1.5 Taxa de mutação 94

1.6 Interações genéticas entre vírus 95


1.6.1 Recombinação 95
1.6.2 Ressortimento 97

1.7 Outras interações virais 97


1.7.1 Complementação 97
1.7.2 Mistura fenotípica 98
1.7.3 Poliploidia 98

2 Evolução viral 99

2.1 Origem dos vírus 99


2.2 Quando se originaram os vírus 100
2.3 Como os vírus ampliaram o seu repertório protéico 100
2.4 Capacidade de mutação viral 100
2.5 Estudos laboratoriais de evolução 102

2.6 Exemplos de evolução viral 102


2.6.1 Vírus da estomatite vesicular: tempo versus fatores ambientais 102
2.6.2 Mixomatose na Austrália 103
2.6.3 Vírus da influenza 104
2.6.4 Parvovírus canino 105

2.7 Conclusões 105

3 Bibliografia consultada 106

1
Responsável pela seção de Evolução Viral.
1 Genética viral pode produzir uma progênie de mais de 100.000
novos vírions em pouco mais de 10 horas. Isso
As populações virais, principalmente aque- corresponde a uma cópia do genoma produzida
las de vírus RNA, são excelentes modelos para a cada meio segundo. Considerando-se infec-
estudos de evolução genética. Devido ao ciclo ções de hospedeiros multicelulares – ou mesmo
replicativo dos vírus ser extremamente rápido, cultivos celulares – as gerações se sucedem em
tanto em infecções naturais como em cultivo ce- magnitude (número de indivíduos produzidos)
lular, os processos de seleção e evolução podem e velocidade inimagináveis. Um ingrediente adi-
ser observados em um curto espaço de tempo. cional nesta complexidade é a potencial variação
Assim, a genética de populações virais pode ser genética da progênie. Nos vírus RNA, geralmen-
considerada uma visão minimalista e simplista te ocorre uma mutação para cada 10.000 nucleo-
da evolução das espécies. tídeos incorporados aos novos genomas, ou seja,
Ao longo de sua história natural – que pode cada novo genoma potencialmente contém, pelo
remeter há milhões de anos – os vírus vêm reali- menos, uma mutação e, em alguns casos, a gran-
zando um número incontável de ciclos replicati- de maioria da progênie pode ser distinta do vírus
vos em seus hospedeiros, sendo constantemente parental. Esses eventos, em conjunto, proporcio-
transmitidos entre hospedeiros. Alguns necessi- nam uma grande capacidade de adaptação des-
tam utilizar diferentes espécies de hospedeiros sas populações, resultando em novas gerações de
– mesmo invertebrados – para assegurar a sua vírus com propriedades distintas das parentais,
manutenção na natureza. As infecções naturais de acordo com o ambiente em que replicam.
resultam em pressão de seleção constante, que A genética dos vírus possui implicações
acaba moldando o perfil genético e fenotípico dos em todos os aspectos de sua biologia, incluindo
vírus, pois favorece e permite a sobrevivência das a evolução e seleção de variantes adaptados ao
variantes que melhor se adaptam ao hospedeiro e meio, distribuição espacial e temporal, espectro
que são mais eficientemente transmitidas. Dentre de hospedeiros, patogenicidade e virulência, in-
as propriedades que favorecem a sobrevivência terações com o sistema imunológico do hospe-
e evolução dos vírus destacam-se: a) capacidade deiro, entre outros. O estudo da genética viral
de replicar e ser excretado em altos títulos; b) ca- tem como objetivos conhecer a composição gené-
pacidade de se adaptar a novos tecidos, órgãos tica do genoma e como as informações genéticas
e/ou hospedeiros; c) capacidade de ser excretado nele contidas se refletem no fenótipo do vírus.
por longo tempo; d) capacidade de se reproduzir Assim, o conhecimento da genética viral pode ter
e ser excretado sem produzir doença severa na um amplo espectro de aplicações, que vão desde
maioria de seus hospedeiros; e) capacidade de a sua utilização para otimizar o manejo sanitário
escapar dos mecanismos imunológicos do hospe- de um rebanho até a produção de recombinantes
deiro; f) capacidade de resistir no meio ambien- atenuados para uso em vacinas.
te, tanto fora de células vivas como em animais A genética viral clássica era baseada no iso-
vertebrados ou invertebrados, assegurando a sua lamento e análise fenotípica de um grande nú-
sobrevivência até alcançar um novo hospedeiro; mero de mutantes naturais, estudos de comple-
g) habilidade de ser transmitido verticalmente mentação, recombinação natural, determinação
entre hospedeiros. da ordem e posição dos genes no genoma e, final-
Dentre as características que apresentam mente, na análise fenotípica dos mutantes para
relevância na genética das populações virais e determinar a função dos genes. Notáveis avanços
facilitam a compreensão da sua evolução, des- foram obtidos com o desenvolvimento dos culti-
tacam-se a grande quantidade de progênie viral vos celulares na década de 1950 e com o advento
produzida a partir da infecção de uma única cé- das técnicas moleculares a partir do final dos anos
lula e o curto período de tempo de geração. Para 1970. Essas técnicas permitiram a análise detalha-
se ter uma idéia desta dinâmica, a infecção de da da seqüência, estrutura e função de ácidos e
uma célula, com uma única partícula infecciosa, proteínas virais e inauguraram uma nova etapa
90 Capítulo 4

no estudo da genética dos seres vivos. Embora apenas algumas aplicações da tecnologia de DNA
alguns procedimentos genéticos clássicos conti- recombinante e técnicas moleculares em geral no
nuem em uso, grande parte foi substituída por estudo da genética e biologia dos vírus. Consi-
métodos modernos que permitem uma análise dera-se que os limites da manipulação genética
mais detalhada e aproximada das relações entre dos vírus serão impostos apenas pelas restrições
genótipo e fenótipo. biológicas, ou seja, será possível modificar tudo e
A seqüência completa do genoma de vir- apenas o que a biologia permitir.
tualmente todos os vírus de interesse humano e Este capítulo abordará os principais meca-
animal já foi determinada e, atualmente, encon- nismos genéticos e de evolução das populações
tra-se disponível em bancos de dados de acesso virais. Dentre esses, serão discutidos os meca-
público. As funções de grande parte das proteí- nismos relacionados diretamente com as carac-
nas virais também já foram estabelecidas, tanto terísticas de replicação do genoma, como as mu-
por métodos diretos como por inferência a par- tações; aqueles resultantes de interações entre
tir de seqüências de aminoácidos e estrutura de diferentes vírus, como a recombinação, rearranjo,
outras proteínas semelhantes. De especial rele- complementação; algumas interações entre vírus
vância para a Virologia é o conjunto de procedi- e hospedeiros, como a integração; e as interações
mentos denominados genericamente de “genéti- não-genéticas entre vírus. A seção de evolução
ca reversa”, que realizam a análise fenotípica a abordará alguns aspectos e hipóteses sobre a ori-
partir da composição genética, ao contrário da gem e evolução dos vírus, e de como esses micro-
genética clássica. Assim, o conhecimento da ge- organismos conseguem se perpetuar e evoluir,
nética e a disponibilidade das técnicas molecula- apesar das constantes restrições impostas pelo
res têm permitido a manipulação do genoma dos meio e pelas defesas dos hospedeiros. Ao final,
vírus, a produção de recombinantes com muta- serão apresentados alguns exemplos de evolução
ções em genes específicos e o estudo do impacto de vírus humanos e animais e as conseqüências
dessas mutações no fenótipo viral. Essas técnicas biológicas nas interações desses agentes com os
e conhecimentos adquiridos têm proporcionado seus hospedeiros.
um progresso notável na Virologia, permitindo
a identificação e manipulação de genes envolvi- 1.1 Conceitos e definições
dos em virulência e nas interações com o sistema
imune, como, por exemplo, para a produção de Os princípios básicos, conceitos e termino-
vacinas mais eficientes e seguras. logia utilizados em genética de vírus são basi-
A seqüência completa de nucleotídeos do camente os mesmos empregados no estudo da
genoma dos vírus pode ser determinada por téc- genética de outros organismos. Assim, eventos
nicas de seqüenciamento de DNA. Em se tratando como mutação, recombinação e seleção possuem
de vírus RNA, a análise e manipulação dos geno- significado semelhante quando aplicados aos ví-
mas são facilitadas pela sua conversão em molé- rus. A genética viral, no entanto, possui algumas
culas de DNA complementar (cDNA) por meio particularidades que são derivadas das peculiari-
de transcrição reversa. Genomas recombinantes, dades da biologia desses agentes. A replicação e
contendo deleções de genes, inserções de genes a conseqüente expansão viral, por exemplo, é um
heterólogos ou mutações pontuais em nucleotí- processo muito mais rápido do que em outros or-
deos ou seqüências específicas podem ser obtidos ganismos uni- ou multicelulares. Para se ter uma
pelo uso de técnicas moleculares de manipulação idéia dessa dinâmica, a infecção de uma célula
enzimática e clonagem de DNA. Vírus conten- por uma única partícula vírica pode resultar na
do genes de outros vírus de interesse podem ser produção de uma progênie de mais de 100.000
produzidos in vitro para estudos de patogenia, vírions em poucas horas. Considerando-se as in-
usos em terapia genética e em vacinas. Proteínas fecções naturais em hospededeiros multicelula-
virais, para uso terapêutico ou vacinal, podem res – vertebrados, por exemplo – ou mesmo em
ser expressas em sistemas heterólogos. Essas são cultivos celulares, a população derivada de um
Genética e evolução viral 91

único progenitor se expande exponencialmente desses vírus, que apresentam diferentes taxas de
em uma velocidade impressionante. Como resul- erro ao replicarem os genomas.
tado, as gerações de vírus se sucedem a uma ve- Em razão da heterogeneidade genética e fe-
locidade incomparável com aquela observada em notípica que pode existir em uma população de
organismos multicelulares. Essa característica faz vírus de uma mesma espécie – sobretudo em ví-
com que os vírus sejam muito utilizados como rus RNA – os estudos genéticos geralmente são
modelo para estudos genéticos e evolutivos. realizados com vírus purificados. Através de clo-
Assim, quando se estuda os diversos aspec- nagem biológica e posterior expansão dos clones
tos da biologia e genética dos vírus, na verdade obtidos, é possível se obter populações homogê-
está se estudando uma população numerosa de neas de vírus derivados de um único ancestral.
indivíduos (vírions), e não um indivíduo isolado Os vírus purificados (ou clonados) a partir de
ou um grupo pequeno (como em estudos gené- populações mistas são geralmente aqueles mais
ticos em bovinos, por exemplo). Então, quando abundantes e predominantes na população, sen-
se refere a uma cepa ou um mutante viral, a refe- do, por isso, os seus verdadeiros representantes.
rência é feita ao conjunto de unidades víricas que À medida que esses clones são expandidos, no
compõe aquela população de vírus. entanto, a tendência é que a progênie viral se
Quando se refere a um determinado vírus torne gradualmente divergente geneticamente
– vírus da cinomose (CDV), por exemplo – está se devido à geração contínua de indivíduos com
referindo a uma espécie viral. Uma espécie viral mutações. Por isso, quando se deseja trabalhar
é definida como uma população de vírus geneti- continuamente com populações homogêneas de
ca e biologicamente muito semelhantes entre si, vírus, essas populações devem ser periodicamen-
derivada de ancestrais comuns. Assim como os te clonadas.
demais organismos uni- ou multicelulares, as di- Além dos conceitos acima, algumas defini-
ferentes espécies virais – ou os diferentes vírus – ções são também necessárias para o entendimen-
são compostos por inumeráveis indivíduos, que to dos princípios de genética viral, embora a sua
podem ser mais ou menos semelhantes entre si. aceitação e terminologia nem sempre sejam uni-
Ou seja, a similaridade genética e fenotípica entre versais. Cabe ressaltar que as definições a seguir
os vírus que compõem uma espécie variam entre – como já definido –, referem-se aos vírus como
as espécies. Os componentes de uma população populações, colhidas diretamente dos hospedei-
de vírus RNA (vírus da influenza, por exemplo) ros ou de cultivos celulares onde são multiplica-
são mais variáveis entre si do que os vírus DNA. dos:
Em outras palavras, as populações de vírus va- – Vírus de campo (wild-type): é o vírus original
riam em sua homogeneidade/heterogeneidade, ou parental, a partir do qual se realiza estudos
sendo que os vírus RNA são mais variáveis. Cabe biológicos, genéticos ou moleculares. Esta po-
recordar que uma célula infectada com um úni- pulação de vírus serve de base para as compa-
co vírion pode produzir centenas de milhares rações genotípicas e fenotípicas feitas com popu-
de novas partículas, não necessariamente idênti- lações derivadas dela ou com outras populações
cas em suas seqüências de nucleotídeos. Assim, da mesma espécie viral, porém de outra origem.
uma amostra do vírus da diarréia viral bovina Embora a denominação remeta ao vírus original
(BVDV), isolada no Brasil, é provavelmente di- que foi obtido de animais infectados, os vírus de
ferente genética e antigenicamente de amostras campo, utilizados em estudos biológicos e genéti-
isoladas em outras partes do mundo. Por outro cos, nem sempre são exatamente iguais àqueles
lado, os vírus DNA tendem a ser mais estáveis originalmente isolados. Isto porque a obtenção de
geneticamente e pouca variação é encontrada en- títulos virais compatíveis com vários estudos re-
tre os vírus de uma mesma espécie. As diferenças quer a sua multiplicação, às vezes, por passagens
nos níveis de homogeneidade/heterogeneidade sucessivas em cultivos celulares ou em ovos em-
entre os vírus DNA e RNA devem-se principal- brionados. Esses ciclos sucessivos de replicação
mente às propriedades das enzimas replicativas podem resultar em alterações genéticas e fenotí-
92 Capítulo 4

picas no vírus. De forma ideal, os vírus de campo a partir da sua caracterização laboratorial. Em
utilizados em quaisquer experimentos devem ter outras palavras, as cepas são alguns isolados ou
sido cultivados o menor número de vezes possí- amostras de um determinado vírus que sofreram
vel. O termo selvagem também tem sido utilizado caracterização após o seu isolamento. No entan-
para designar os vírus de campo; to, essas definições não possuem utilização uni-
– Mutante: é o vírus que difere do vírus pa- versal, e o termo cepa é, muitas vezes, utilizado
rental na seqüência de nucleotídeos de seu geno- para designar isolados não-caracterizados e vírus
ma, ou seja, apresenta alterações de bases e/ou de campo.
de segmentos genômicos em comparação com O termo cepa de referência é utilizado para de-
o vírus de campo. Algumas mutações não se re- signar cepas virais conhecidas que são utilizadas
fletem em alterações fenotípicas e, por isso, são por diferentes laboratórios com fins diagnósticos
chamadas de mutações silenciosas (silent muta- e/ou produção de reagentes, vacinas e mesmo
tions). Nesses casos, o fenótipo do vírus mutante para estudos de patogenia.
é indistinguível do parental e a sua identificação
depende de análise da seqüência do genoma. Por 1.2 Mutação
outro lado, as mutações que resultam em altera-
ções fenotípicas podem ser detectadas pela ob- O termo mutação é utilizado para designar
servação e análise das características fenotípicas alterações na seqüência de nucleotídeos no ácido
alteradas. Vírus temperatura-sensíveis (TS), por nucléico genômico de um determinado organis-
exemplo, são mutantes que não replicam bem à mo comparando-o com o seu parental. As mu-
temperatura corporal (37-38°C), ao contrário do tações surgem naturalmente como resultado da
vírus parental. Os vírus TS geralmente necessi- infidelidade das polimerases – principalmente as
tam uma temperatura mais baixa (30-34°C) para polimerases de RNA – que incorporam nucleo-
replicarem com eficiência. Mutantes de placa tídeos incorretos durante a replicação do geno-
pequena (small plaque mutants) são vírus que se ma. Mutações também podem ser induzidas por
disseminam deficientemente em cultivo celular, métodos químicos (hipoxantina, bromodeoxiu-
produzindo focos menores de destruição celular ridina) ou físicos (raios X, ultravioleta e gama).
do que os produzidos pelo vírus parental. Esse Acredita-se que muitas mutações que ocorrem
fenótipo está geralmente associado com uma ca- naturalmente resultam na produção de vírus in-
pacidade reduzida de transmissão direta entre viáveis, ou seja, constituem-se em mutações le-
células. Mutantes de gama de hospedeiros (host tais. Esses tipos de mutações não são percebidas
range mutants) são vírus que diferem dos vírus e não possuem impacto na adaptação e evolução
parentais em relação ao espectro de hospedei- viral, pois os genomas mutantes são incapazes de
ros que infectam in vivo, ou em relação aos tipos replicar. Logo, quando se faz referência a mutan-
celulares que podem infectar in vitro. O termo tes, cepas, tipos ou variantes virais, sempre são
variante é usado para designar um determinado consideradas as mutações não-letais, que permi-
vírus (uma população de vírus) que apresenta al- tem diferenciar o indivíduo e a sua progênie do
guma diferença fenotípica em relação ao vírus de vírus parental.
campo, ou seja, é uma definição essencialmente Como foi mencionado, as mutações podem
fenotípica. As diferenças fenotípicas entre os ví- ser espontâneas (resultados de erros durante a
rus parentais e os seus variantes certamente são replicação) ou induzidas (resultados de danos
reflexos de mutações no genoma; ao ácido nucléico por agentes químicos ou físi-
– Cepa (ou estirpe): é um vírus cujas carac- cos). As mutações naturais são mais freqüentes
terísticas biológicas e/ou moleculares são razo- nos vírus RNA (um nucleotídeo incorreto entre
avelmente conhecidas. Em contraste, uma amos- 103 a 104 nucleotídeos inseridos) do que nos vírus
tra (ou isolado) é um vírus isolado de animais DNA (um erro a cada 108 a 1011 nucleotídeos in-
sobre o qual não se tem um maior conhecimento. corporados). A maior taxa de mutação observa-
Amostras (ou isolados) podem se tornar cepas da nos vírus RNA deve-se à menor fidelidade da
Genética e evolução viral 93

polimerase de RNA, que incorpora nucleotídeos aminoácido incorporado à proteína e da possível


incorretos com maior freqüência, além da inca- alteração da conformação e/ou função protéi-
pacidade de corrigir os erros cometidos. As po- ca. Mutações missense podem ser absolutamente
limerases de DNA, por sua vez, cometem menos inócuas (se o aminoácido incorporado não alte-
erros e, ainda assim, são capazes de corrigi-los, rar a função da proteína) ou mesmo letais (se o
substituindo os nucleotídeos incorretos incorpo- novo aminoácido alterar drasticamente a função
rados às cadeias nascentes. da proteína codificada). Mutações sem sentido
Os mutantes gerados durante a replicação (nonsense) resultam na produção de um códon de
viral, quando apresentam uma vantagem seletiva terminação da tradução (stop codon) em uma se-
em comparação com os parentais, serão amplifi- qüência aberta de leitura (ORF). Com isso, ocorre
cados com maior eficiência e rapidamente tor- a produção de uma proteína truncada, cuja fun-
nam-se predominantes na população viral. Por cionalidade pode variar amplamente, dependen-
outro lado, mutantes que não apresentam van- do do local onde a mutação é introduzida. Essas
tagem seletiva tendem a permanecer em propor- mutações são classificadas como âmbar (amber =
ção pequena e ocasionalmente desaparecem da UAG), ocre (ochre = UAA) ou opala (opal = UGA).
população, caso repliquem com menor eficiência As conseqüências de mutações nonsense também
do que os demais indivíduos. Ou seja, a evolução variam amplamente, e muitas delas são prova-
de uma determinada população viral depende da velmente letais ou, pelo menos, deletérias para a
taxa de mutação e da seleção a qual os vírus gera- viabilidade do vírus.
dos são submetidos. Embora as mutações e suas conseqüências
sejam mais estudadas em seqüências codificantes
1.3 Classificação genotípica de proteínas, certamente também são importantes
em regiões regulatórias de transcrição e replica-
Um dos critérios usados para a classificação ção (promotores, enhancers, origens de replicação
de mutantes baseia-se nas características genotí- etc.), e em seqüências nucleotídicas envolvidas
picas da mutação. Mutações causadas por simples na encapsidação dos genomas recém-formados.
substituições de nucleotídeos são chamadas de
mutações pontuais. As mutações pontuais podem 1.4 Classificação fenotípica
ser do tipo transição, quando há substituição de
uma purina por outra purina (A ou G) ou pirimi- Os mutantes virais também podem ser clas-
dina por outra pirimidina (C ou T); ou transversão, sificados quanto às conseqüências fenotípicas de
quando ocorre a substituição de uma pirimidina suas mutações. Várias características fenotípicas
por uma purina ou vice-versa. Outras mutações podem ser consideradas nesta classificação, e os
envolvem deleções ou inserções de segmentos de mutantes podem ser selecionados pela sua ha-
tamanhos variáveis de ácido nucléico. bilidade em produzir placas de lise celular; por
Outra forma de classificação das mutações exemplo. Alguns mutantes de adenovírus podem
pontuais considera as suas conseqüências na egressar precocemente da célula infectada, em
codificação de aminoácidos, quando a mutação comparação com os seus parentais, e, conseqüen-
ocorre em seqüências codificantes do genoma. temente, produzem maiores placas de destruição
Assim, as mutações podem ser silenciosas (silent celular in vitro. Essa característica pode estar rela-
mutations) quando a troca do nucleotídeo não cionada com alterações da virulência do vírus, ou
resulta na codificação de outro aminoácido. A seja, mutantes virais que produzem placas maio-
proteína sintetizada permanece a mesma e não res in vitro podem possuir maior virulência em
ocorre mudança no fenótipo do vírus. Mutações hospedeiros susceptíveis in vivo. Este fenômeno
de sentido trocado (missense) são aquelas em que já foi observado em diversos vírus, incluindo o
a troca de nucleotídeos resulta na codificação vírus da peste suína clássica (CSFV). Em outros
de outro aminoácido. As conseqüências dessas casos, pode não existir uma correlação entre ta-
mutações são variáveis, dependendo do novo manho de placa in vitro e virulência in vivo. Nes-
94 Capítulo 4

ses casos, o fenótipo serve apenas como um parâ- tornam predominantes na população. Esses vírus
metro para a seleção de mutantes com diferentes são chamados de mutantes de escape antigênico. A
habilidades replicativas in vitro. geração natural de mutantes de escape é uma es-
Outro fenótipo observado para a seleção tratégia utilizada por vírus que produzem infec-
de mutantes é a capacidade de replicação a di- ções persistentes, sobretudo os retrovírus, pois
ferentes temperaturas. Como já mencionado, os podem seguir replicando no hospedeiro mesmo
mutantes TS replicam bem a temperaturas de na presença de anticorpos.
30-34°C (denominada temperatura permissiva) e Mutantes deficientes em atividade enzimá-
não replicam com eficiência a 37°C (temperatu- tica são aqueles que apresentam mutações nos
ra não-permissiva). Mutantes adaptados ao frio genes que codificam determinadas enzimas,
(cold adapted) replicam melhor sob temperaturas como a timidina quinase dos herpesvírus. Esses
baixas, mas retêm alguma capacidade de repli- mutantes apresentam capacidade de replicação
car a 37°C. Freqüentemente, essa característica é semelhante a dos vírus parentais in vitro, mas a
atribuída a alterações conformacionais de deter- sua virulência é atenuada quando são inoculados
minadas proteínas, especialmente as polimera- em animais susceptíveis. A exemplo dos mutan-
ses virais, dependendo da temperatura. Ou seja, tes TS, esses vírus também podem ser utilizados
pela mudança na sua seqüência de aminoácidos para a produção de vacinas. Os mutantes que
em determinada temperatura, essa proteína não apresentam atenuação da virulência, sem que ne-
manteria sua conformação secundária ou terciá- cessariamente se conheça a causa, são conhecidos
ria e perderia a sua função. Esses mutantes po- como mutantes atenuados.
dem ser utilizados em vacinas atenuadas, pois
replicam apenas em áreas superficiais do corpo, 1.5 Taxa de mutação
sem se disseminar sistemicamente no organis-
As taxas de mutação natural dependem ba-
mo.
sicamente da ‘fidelidade’ da enzima polimerase
A alteração da gama de hospedeiros é outra
e da sua capacidade de corrigir eventuais erros
característica fenotípica utilizada na classificação
cometidos durante a polimerização das novas ca-
de mutantes. Alguns mutantes podem não repli-
deias de ácido nucléico. As polimerases de DNA,
car com a mesma eficiência nos mesmos hospe-
que utilizam moléculas de DNA como molde
deiros que os vírus de campo, reduzindo, assim,
para a síntese de novas moléculas, geralmente
a sua abrangência. Um exemplo típico é um mu-
apresentam um sistema de correção (proofreading)
tante do vírus da febre aftosa (FMDV) que surgiu,
para aqueles nucleotídeos incorporados erro-
em 1997, na Tailândia. Esse mutante natural não
neamente. Esse processo envolve seqüências
possuía a habilidade de infectar bovinos – prin-
funcionais específicas (motivos) com atividade
cipal espécie hospedeira do vírus – infectando
exonuclease, que são capazes de remover os nu-
apenas suínos.
cleotídeos incorretos e substituí-los pelos corre-
Uma forma importante de seleção de mu-
tos. Em contraste, as enzimas que polimerizam
tantes é a resistência a determinadas drogas. A
RNA a partir de RNA não possuem a capacidade
pressão de seleção exercida pelas drogas antivi-
de proofreading. Como conseqüência, as polime-
rais permite o seu uso para a seleção e pesqui- rases de DNA apresentam uma taxa de um erro
sa desses mutantes. Anticorpos neutralizantes para cada 1010 a 1011 nucleotídeos incorporados,
também podem ser utilizados para a seleção de enquanto as polimerases de RNA apresentam um
vírus resistentes à neutralização. Para isso, os erro a cada 103 a 104 nucleotídeos. Isso significa
vírus são cultivados in vitro na presença de an- que a taxa de erros cometida durante a replicação
ticorpos neutralizantes. Os mutantes originados dos vírus RNA pode ser até um milhão de vezes
que eventualmente não forem reconhecidos pe- maior do que aquela resultante da replicação dos
los anticorpos – por alterações nas proteínas de vírus DNA. A diferença nas taxas de mutação se
superfície – são rapidamente amplificados e se constitui na principal causa da grande variabi-
Genética e evolução viral 95

lidade genética e antigênica dos vírus RNA em enzimas e fatores auxiliares do hospedeiro. Em
comparação com os vírus DNA. tese, a recombinação homóloga pode ocorrer en-
Os erros de incorporação são essencialmen- tre o genoma do vírus e da célula e entre dois ge-
te randômicos, mas a sua detecção em mutantes nomas virais. As conseqüências da recombinação
naturais indica que podem existir regiões onde entre dois genomas virais variam de acordo com a
há uma maior concentração de erros, conhecidos similaridade das seqüências recombinadas e com
como pontos quentes (hot spots). Essas diferenças o seu impacto no fenótipo viral. Cabe ressaltar
estão relacionadas com a habilidade dos mutan- que a recombinação entre dois vírus geralmente
tes sobreviverem com essas mudanças. Regiões ocorre entre vírus da mesma espécie e depende
mais conservadas são aquelas em que as muta- de uma infecção concomitante por esses vírus.
ções eventualmente introduzidas não se perpetu-
am na população por provocarem efeitos deleté-
rios aos novos genótipos. Genoma A

1.6 Interações genéticas entre vírus


Pareamento e troca
de um segmento
1.6.1 Recombinação

Classicamente, o termo recombinação é uti-


lizado para designar um intercâmbio de seqüên- Genoma B
cias genéticas entre dois genomas. Esse processo
é muito estudado em moléculas de DNA e ocor-
re, com grande freqüência, na maioria das célu-
las eucariotas e procariotas. Alguns mecanismos
de reparo do DNA, por exemplo, baseiam-se em Genomas recombinantes A/B

eventos de recombinação genética entre os cro-


mossomos homólogos. Mecanismos semelhantes
são observados em vírus DNA e parecem fazer
parte do seu processo evolutivo. Esse processo
Figura 4.1. Ilustração simplificada da recombinação
envolve o alinhamento de duas moléculas com homóloga entre duas moléculas de DNA.
seqüências semelhantes, a clivagem da cadeia
contínua do DNA, o intercâmbio de uma região
do genoma e a religação da cadeia de DNA, ori- Nos vírus RNA clássicos, esse evento é mais
ginando moléculas híbridas ou recombinantes raro e, provavelmente, não utiliza enzimas celu-
(Figura 4.1). Por causa da necessidade do alinha- lares. Os picornavírus – e provavelmente outros
mento de seqüências entre moléculas semelhan- vírus RNA de genoma não-segmentado –apre-
tes, este processo é denominado recombinação sentam uma forma de recombinação pouco efi-
homóloga. Na biologia dos vírus, recombinações ciente e diferente da recombinação homóloga. A
podem ocorrer entre dois vírus de uma mesma recombinação genômica desses vírus envolve o
espécie viral ou, ocasionalmente, entre o genoma mecanismo de escolha do molde (copy-choice). Nes-
viral e o DNA da célula hospedeira. ses casos, a polimerase de RNA inicia a síntese
A recombinação homóloga parece ser co- da cadeia filha utilizando uma molécula de RNA
mum entre os vírus DNA e aqueles que apresen- como molde, mas troca de molde durante a poli-
tam moléculas de DNA intermediárias de sua merização, resultando em moléculas híbridas de
replicação, como os retrovírus. Em células infec- RNA, com seqüências mistas derivadas de mais
tadas, esse processo é realizado com o auxílio de de uma molécula molde (Figura 4.2).
96 Capítulo 4

é a recombinação entre RNA viral e seqüências


Genoma A celulares (provavelmente de RNAs mensagei-
ros), além de recombinações intramoleculares,
A polimerase que ocorrem durante infecções persistentes com
troca de molde
o vírus da diarréia viral bovina (BVDV). Nesses
casos, o vírus que produz a infecção persistente
Genoma B é não-citopático e replica continuamente no ani-
mal, muitas vezes sem conseqüências clínico-pa-
tológicas. No entanto, eventos de recombinação
e/ou rearranjos genômicos, envolvendo o geno-
Genoma recombinante A/B
ma viral e seqüências celulares, ocasionalmente
resultam na geração de mutantes citopáticos. A
geração desses mutantes no animal persistente-
Figura 4.2. Ilustração simplificada do modelo de
recombinação de RNA pelo mecanismo de copy choice. mente infectado é seguida do desenvolvimento
de doença fatal, denominada doença das muco-
Alguns exemplos de recombinação de vírus sas. Os mutantes citopáticos podem conter uma
RNA na natureza servem para ilustrar as suas variedade de mutações, inserções e rearranjos
possíveis conseqüências. Um exemplo clássico genômicos (Figura 4.3.). Casos de recombinação

A
pro Rns
5’ N C E E1 E2 NS2-3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B 3’

Inserção
B
pro Rns
5’ N C E E1 E2 Ns2 Ns3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B 3’

Inserção Duplicação
C
pro Rns
5’ N C E E1 E2 NS2-3 Ns3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B 3’

Duplicações
D
pro Rns pro
5’ N C E E1 E2 NS2-3 N Ns3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B 3’

E
pro
5’ N Ns3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B 3’

Rns
C E E1 E2 Ns2

Deleção

Figura 4.3. Ilustração de genomas do vírus da diarréia viral bovina (BVDV) contendo alterações genéticas. A) Genoma
do vírus de campo não-citopático; B-E) Genomas de mutantes citopáticos gerados por recombinação genética; B)
Genoma contendo uma inserção de seqüência celular; C) Genoma contendo uma inserção de gene celular e
duplicação do gene na proteína NS3; D) Genoma contendo duplicações dos genes Npro e NS3; E) Genoma defectivo
contendo uma deleção que abrange os genes das proteínas estruturais e a NS2.
Genética e evolução viral 97

de amostras de campo e cepas vacinais do BVDV,


com conseqüências diversas, também já foram re- Vírus parental A Vírus parental B
latadas.
Eventos de recombinação também têm sido
descritos nos togavírus e coronavírus, com con-
seqüências que incluem o surgimento de novos
vírus, apresentando espectro de hospedeiros e
virulência alterados. No entanto, esses processos
ainda não estão totalmente elucidados. Provavel-
mente, há uma correlação direta com a estraté-
gia de replicação utilizada por esses vírus. Até o
momento, não há evidência desse tipo de recom-
binação em vírus com genoma RNA de sentido
negativo.
O mecanismo natural de recombinação tem
sido explorado em laboratório, para a produção
de vírus recombinantes, com características de- Progênie A Progênie A/B Progênie B
terminadas para usos diversos, incluindo estudos
genéticos de virulência e produção de vacinas.
Figura 4.4. Ilustração do mecanismo de ressortimento
entre dois vírus da influenza resultante de uma co-
1.6.2 Ressortimento infecção em suínos.

Esse mecanismo é exclusivo dos vírus que 1.7 Outras interações virais
possuem o genoma RNA segmentado (ortomi-
xovírus, buniavírus, arenavírus, reovírus e bir- 1.7.1 Complementação
navírus) e pode ocorrer quando há uma infecção
concomitante por duas cepas do mesmo vírus. Esta interação é puramente fenotípica e
Nesses casos, os segmentos genômicos recém- funcional e não resulta de modificação do ge-
replicados são redistribuídos de maneira irre- noma viral. Por exemplo, se dois mutantes TS,
gular na progênie viral, resultando em vírions determinados por mutações em genes distintos,
que contêm uma mistura de segmentos dos dois infectarem concomitantemente uma célula, a ca-
vírus parentais. Esse mecanismo tem sido bem racterística fenotípica pode ser revertida e ambos
documentado nos vírus da influenza e tem sido os vírus podem replicar a 37°C, porém as carac-
responsabilizado pelo surgimento de cepas alta- terísticas genotípicas permanecem as mesmas.
mente patogênicas resultantes do ressortimento Esse tipo de complementação é do tipo intergêni-
entre vírus aviários e de mamíferos (Figura 4.4). ca ou não-alélica (nonallelic). Quando as mutações
Esses eventos ocorrem com maior freqüência em determinantes dos TS ocorrem no mesmo gene,
suínos, que podem ser infectados tanto por vírus mesmo que com modificações diferentes, é pouco
aviários como por vírus de mamíferos. De fato, provável que ocorra complementação.
várias cepas do vírus da influenza que causaram Com menor freqüência, a complementação
surtos em humanos e suínos podem ter resultado pode ser intragênica ou alélica (allelic). Essa com-
de ressortimento entre vírus previamente exis- plementação pode ocorrer quando o produto do
tentes. Do ponto de vista evolutivo, o ressorti- gene mutante origina uma proteína com múlti-
mento representa um importante evento para o plas subunidades, e as subunidades que são fun-
vírus, pois resulta em uma alteração genética e cionais podem complementar a deficiência do
fenotípica muito rápida. complexo final.
98 Capítulo 4

O processo de complementação também


ocorre em determinadas populações de vírus que Vírus parental A Vírus parental B
são submetidas a várias passagens in vitro. Du-
rante esse processo, são gerados genomas defec-
tivos contendo deleções em um ou mais genes.
Esses genomas defectivos não são capazes de
replicar autonomamente, pois não contêm genes
que codificam proteínas essenciais para a repli-
cação. A presença concomitante de um genoma Co-infecção de
um hospedeiro
íntegro nas células infectadas, no entanto, permi-
te a complementação das funções ausentes nos
genomas defectivos e, assim, esses genomas são
continuamente replicados. Embora esse evento
seja bem caracterizado na biologia de vários ví-
Progênie
rus in vitro, a sua ocorrência e significado biológi-
co in vivo permanecem incertos.

– Fenótipo misto
1.7.2 Mistura fenotípica – Sem alterações no genoma

Possível: – Host range alterado


Essa alteração é caracterizada pela interação – Resistentes à neutralização
entre dois vírus com a produção de progênie dis-
tinta dos vírus parentais. Os vírus resultantes são
caracterizados pela presença de diferentes deter- Figura 4.5. Ilustração da mistura fenotípica resultante da
minantes antigênicos e as partículas virais pos- co-infecção de uma célula por dois vírus diferentes. A
progênie viral pode conter vírus com fenótipos mistos,
suem componentes de ambos os vírus parentais
porém com o genoma de um dos dois vírus parentais.
(Figura 4.5). Como a complementação, a mistura
fenotípica não envolve mudanças genéticas na
progênie. Ou seja, os vírions resultantes possuem
componentes estruturais oriundos dos dois vírus 1.7.3 Poliploidia
parentais, porém os seus genomas são idênticos
aos dos vírus parentais. A mistura fenotípica A grande maioria dos vírus animais é ha-
pode ocorrer entre vírus da mesma família ou de plóide, ou seja, possui apenas uma cópia do ge-
famílias diferentes. noma nos vírions. Os retrovírus se constituem
Um exemplo de mistura fenotípica entre em exceções, pois os vírions contêm duas cópias
famílias distintas ocorre entre membros da Rhab- idênticas do genoma (são diplóides). Porém, os
doviridae e Paramyxoviridae. Os vírus dessas duas paramixovírus podem, ocasionalmente, apresen-
famílias possuem proteínas distintas no envelo- tar múltiplas cópias de seu genoma – encapsi-
pe, porém com funções semelhantes e, quando dados em múltiplos nucleocapsídeos – em uma
co-infectam uma determinada célula, podem re- única partícula vírica, fenômeno denominado
alizar a mistura fenotípica. Há também a possibi- poliploidia.
lidade de produção de pseudovírions, quando o Existem descrições de isolados do vírus do
nucleocapsídeo pertence a um vírus e o envelope sarampo que, eficientemente, produzem vírions
a outro (exemplo: nucleocapsídeo de retrovírus com, pelo menos, duas cópias do genoma. Essas
e envelope de um rabdovírus). Nesse caso, o tro- duas moléculas de RNA são complementares e
pismo dos vírus resultantes será o mesmo dos ra- possuem mutações diferentes, existindo a neces-
bdovírus, enquanto a progênie formada será de sidade da presença das duas fitas para ocorrer a
retrovírus. replicação.
Genética e evolução viral 99

2 Evolução viral 2.1 Origem dos vírus

Quando se fala em evolução, geralmente O estudo da origem e evolução dos vírus é


se relaciona esse termo com um processo longo, realizado principalmente por alinhamento e com-
que ocorre durante milhões de anos. No entanto, paração de seqüências de ácidos nucléicos e pro-
mesmo para os vírus muito antigos (alguns com teínas, análises filogenéticas e por estudos das es-
indícios de existência por mais de 220 milhões de truturas tridimensionais das enzimas e proteínas
anos), o processo de evolução ocorre rapidamen- estruturais. Ainda que não exista uma evidência
te e é permanente, em razão do grande número inequívoca que permita determinar quando se
de gerações produzidas em um curto espaço de originaram e com que rapidez evoluíram, pode-
tempo. As mudanças evolutivas dos vírus se pro- se afirmar que os diferentes vírus não possuem
duzem em questões de dias, e é possível avaliar uma origem comum e que vários grupos deles
as suas conseqüências no fenótipo viral em nível surgiram independentemente. Através dos anos,
laboratorial. Essa capacidade de mudança possui têm-se proposto várias teorias sobre a origem
implicações importantes na emergência de novos desses agentes. A teoria regressiva propõe que os
patógenos, como tem sido testemunhado duran- vírus evoluíram por simplificação ou regressão
te as últimas décadas, com a emergência de vírus de parasitos intracelulares que perderam os ge-
como o da imunodeficiência humana (HIV), o nes requeridos para a replicação independente.
parvovírus canino (CPV) e as mudanças periódi- A teoria de origem celular defende que os vírus sur-
cas que capacitam os vírus da influenza a iniciar giram de componentes celulares que adquiriram
novas pandemias. a habilidade de replicar de forma autônoma den-
A evolução viral tem sido tema de estudos tro da célula hospedeira. A teoria da co-evolução
intensos nos últimos anos e, conseqüentemente, com as células – muito favorecida na atualidade,
tem permitido a compreensão dos seus mecanis- mas de difícil comprovação – propõe que tanto
mos e efeitos. Esta seção não pretende ser um tra- os vírus RNA como os vírus DNA se originaram
tado exaustivo de um tema tão complexo, apenas de plasmídeos (cromossomos acessórios que re-
se trata de um resumo geral, que inclui algumas plicam independentemente do DNA celular).
das teorias recentes sobre a origem dos vírus, sua Estes plasmídeos poderiam ter adquirido, prova-
rápida capacidade de mudança, a maneira como velmente por recombinação com o genoma das
se estuda a evolução em laboratório e no campo, células hospedeiras, genes que permitiam a sua
as implicações da evolução viral na patogênese e transformação em elementos genéticos com as
aparecimento ou emergência de novas enfermi- três características básicas dos vírus. Essas carac-
dades. O conhecimento acerca dos mecanismos terísticas são: a) codificar mecanismos que per-
utilizados pelos vírus para alterar as suas pro- mitam a replicação intracelular; b) capacidade de
priedades genéticas e fenotípicas pode permitir a empacotar o ácido nucléico em partículas víricas,
utilização de manejos mais adequados dos surtos que são biologicamente inativas e relativamente
e o planejamento mais efetivo de programas sani- resistentes no meio extracelular; e c) capacidade
tários para o controle de infecções virais. de ser transmitido entre células. Pode-se dedu-
Todos os seres vivos evoluem com o decorrer zir, portanto, que antes de se converter em vírus,
do tempo, mas a rapidez de evolução dos vírus esses plasmídeos já continham as funções neces-
RNA situa-se várias ordens de magnitude acima sárias para a sua replicação independente e que
da velocidade de evolução dos organismos cujo alguns deles começaram a desenvolver parte da
genoma é formado por DNA. Essa característica maquinaria protéica (polimerases) que permite
pode ser explicada pela infidelidade e incapaci- a replicação do seu material genético. Posterior-
dade de correção das polimerases de RNA, o que mente, teriam adquirido os genes que codificam
resulta em um número maior de erros durante a as proteínas necessárias para empacotar o seu
replicação do genoma. genoma e transportá-lo entre células. Teriam ad-
100 Capítulo 4

quirido também um variado repertório de prote- genoma viral com o ácido nucléico de outros ví-
ínas, para uma melhor manipulação das funções rus ou das células hospedeiras. A recombinação
celulares, do sistema imunológico do hospedeiro do genoma pode ocorrer entre vírus diferentes,
e para a produção de uma progênie mais abun- inclusive entre vírus que pertençam a famílias
dante. distintas. Os vírus são muito ativos na obtenção
de seqüências genômicas por recombinação com
2.2 Quando se originaram os vírus outros vírus durante a sua evolução, e essa ca-
racterística tem dificultado a construção de árvo-
A dependência de uma célula hospedeira res filogenéticas únicas, que facilitem uma clas-
para a ocorrência da replicação poderia impli- sificação lógica e única. Como resultado dessas
car que os vírus se originaram depois das célu- recombinações, vírus de grupos muito distintos
las eucariotas. No entanto, alguns elementos que podem possuir genes relacionados e seqüências
compõem os vírus podem ter se originado antes homólogas.
da evolução celular. O genoma dos vírus RNA, A recombinação pode ocorrer entre regiões
por exemplo, pode ter surgido nos primórdios do próprio genoma viral (recombinação intra-
da vida, em um mundo constituído por RNA e molecular), resultando em duplicação de genes,
que consistiria de moléculas de RNA catalíticas e deleções e inserções, com a transformação em
auto-replicativas. novos genes. Assim, uma determinada seqüência
Aparentemente, todos os vírus RNA se origi- de nucleotídeos pode duplicar-se várias vezes e,
naram de um único ancestral ou desenvolveram dessa maneira, originar famílias de genes, como
soluções comuns para problemas similares. A ocorre nos poxvírus e no vírus da peste suína
análise comparativa das seqüências de aminoáci- africana (ASFV).
dos das polimerases dos vírus RNA (enzimas que Os vírus também podem obter novos genes
sintetizam cópias do genoma RNA) favorece a hi- mediante a síntese de uma nova seqüência de
pótese de que o seu gene seja codificado por vírus nucleotídeos ou pelo uso de seqüências abertas
de procariotas e de eucariotas. Essa observação de leitura (ORFs; open reading frame) alternativas.
indica que a molécula ancestral das polimerases Combinações desses mecanismos já foram descri-
de RNA provavelmente se originou antes da di- tas, como a duplicação de um gene acompanhada
vergência evolutiva em procariotas e eucariotas. de mudança de ORF.
Outras superfamílias de enzimas comuns a todos Esses processos de recombinação seguem
os vírus RNA e que, como as polimerases, apre- ocorrendo e podem ter conseqüências diversas
sentam um alto grau de similaridade, também na biologia dos vírus, incluindo alterações na
reforçam a hipótese de uma origem muito antiga especificidade de hospedeiro, tropismo tecidual,
e monofilogenética dos vírus RNA. Essas super- patogenicidade e virulência, como também po-
famílias são as helicases e algumas proteases se- dem resultar na emergência de novos vírus.
melhantes a quimiotripsinas.
2.4 Capacidade de mutação viral
2.3 Como os vírus ampliaram o seu
repertório protéico O estudo das enzimas que catalisam a repli-
cação dos ácidos nucléicos – as polimerases – tem
Após a aquisição dos genes básicos que per- demonstrado que as polimerases de DNA celula-
mitiam a replicação e construção do capsídeo res possuem uma alta fidelidade. Isto se deve, em
viral contendo o genoma, os vírus continuaram parte, à capacidade dessas enzimas de remover
evoluindo e ampliando o número de genes do nucleotídeos inseridos equivocadamente. A taxa
seu genoma, para codificar novas proteínas, e, de erro dessas polimerases tem sido calculada em
conseqüentemente, adquirir novas funções e pro- 10-8 a 10-11 nucleotídeos por replicação. Isso sig-
priedades evolutivas. nifica que, em uma molécula de DNA de um bi-
Um dos mecanismos utilizados para a aqui- lhão de nucleotídeos polimerizados, apenas um
sição de novas seqüências é a recombinação do nucleotídeo errado será incorporado. A taxa de
Genética e evolução viral 101

erro das polimerases virais de DNA é 20 a 100 A característica das polimerases de intro-
vezes maior. duzir mutações é muito favorável para os vírus,
Em contraste, as polimerases dependentes permitindo a produção de mutantes que, even-
de RNA não possuem mecanismos de correção, tualmente, possam se adaptar ao hospedeiro ou
e, por isso, a sua taxa de erro é muito alta: entre a diferentes condições do meio. Em alguns casos
10-3 a 10-4 nucleotídeos/replicação. Portanto, cada específicos, os vírus que possuem polimerases
novo genoma RNA viral com 10.000 nt contém com maior fidelidade apresentam deficiências
uma média de três mutações pontuais (três nu- em sua aptidão biológica. Isso sugere que a evo-
cleotídeos diferentes do genoma parental). Algu- lução tende a conservar esta capacidade de erro
mas dessas mutações podem ser prejudiciais aos das polimerases, mas mantendo-as abaixo de um
vírus, enquanto outras são neutras e não possuem limite denominado nível de erro limite (threshold
nenhum efeito. É provável também que algumas error). Acima desse nível não seria possível a so-
mutações introduzidas durante a replicação re- brevivência dos vírus como espécie.
sultem em benefícios para a replicação viral, con- Os vírus constituem a combinação da gran-
ferindo vantagens evolutivas aos vírus mutantes. de diversidade de indivíduos, com seqüências
Uma mesma mutação pode ter efeitos diferentes diferentes e que possuem a propriedade de pro-
para um vírus, dependendo do meio em que se duzir progênie abundante. Como exemplo, o
encontre. Por exemplo, uma determinada muta- vírus da poliomielite (um picornavírus) produz
ção pode conferir vantagens para a replicação do uma descendência de 10.000 indivíduos em uma
vírus em suínos, porém pode ser adversa para a única célula infectada. A população viral sofrerá,
sua replicação em bovinos. Essas mutações, que então, um processo de seleção natural cada vez
ocorrem ao acaso, são mantidas ou descartadas que as condições do meio se alterem. Assim, os
por meio dos processos de seleção natural por indivíduos com maior aptidão para sobreviver
conferir maior aptidão biológica. O conhecimento a essas novas condições se tornarão também os
das conseqüências dessas mutações pode ser útil mais abundantes.
para a manipulação viral, pois possibilita o de- A alta taxa de alterações produzidas no ge-
senvolvimento de vacinas baseadas em variantes noma dos vírus RNA é o motor que permite a ex-
virais atenuadas ou adaptadas a outras espécies. ploração rápida de novos espaços evolutivos. Em
Como cada novo genoma de RNA viral outras palavras, as mutações no genoma podem
sintetizado possui pelo menos três mutações, refletir em mudanças de aminoácidos e essas no-
as seqüências genômicas e os vírus individuais vas combinações de aminoácidos podem gerar
produzidos continuamente são diferentes entre novas estruturas protéicas com propriedades e
si. Essa distribuição de indivíduos não idênti- funções inéditas. Essas propriedades e funções
cos, porém muito semelhantes, foi denominada podem ser importantes para a adaptação do ví-
por Manfred Eigen como quasispecies. Portan- rus a novos hospedeiros ou para escapar da vigi-
to, os indivíduos que compõem uma quasispecie lância do sistema imune, por exemplo.
apresentam pequenas variações nas seqüências É importante também observar que a sele-
genômicas, porém aqueles indivíduos que apre- ção natural faz parte do processo evolutivo. O
sentam uma maior aptidão biológica e eficiência processo de seleção faz com que os indivíduos
de replicação tornam-se predominantes sobre os que contenham mutações que favoreçam a sua
demais e são produzidos em maior abundância. replicação em determinado meio produzam
Apesar do polimorfismo existir em virtualmen- maior descendência e predominem na popula-
te todos os seres vivos, o termo quasispecie viral ção. Por exemplo, uma mutação nas proteínas do
é utilizado para enfatizar a grande variação que capsídeo pode fazer com que um vírus escape da
os vírus componentes de uma mesma população neutralização por anticorpos. Esses vírus que es-
exibem. Esse termo é utilizado para os vírus RNA capam da neutralização sofrem um processo de
pela sua grande variabilidade genética. Assim seleção quando infectam animais vacinados e,
mesmo, os diferentes vírus RNA apresentam ní- com o tempo, passam a predominar e substituir a
veis variáveis de variabilidade genética. população viral original.
102 Capítulo 4

2.5 Estudos laboratoriais de evolução mais benignos, alguns animais não adoecem e
podem desenvolver imunidade natural por con-
O estudo da dinâmica de evolução dos vírus tato com o vírus de baixa aptidão biológica.
RNA in vitro tem sido realizado principalmente
em bacteriófagos e no vírus da estomatite vesi- 2.6 Exemplos de evolução viral
cular (VSV). A freqüência de recombinação do
VSV é muito baixa e não é detectável. Esse fenô- Mesmo que a capacidade teórica de muta-
meno permite que se utilizem duas populações ção e exploração do espaço evolutivo por parte
virais competindo em células, sem que haja in- dos vírus pareça ilimitada, a estrutura e funções
tercâmbio genético entre elas. Caso se consiga das diferentes proteínas e ácidos nucléicos desses
uma característica ou marcador que identifique agentes, assim como as interações com os hospe-
e diferencie essas populações, é possível saber as deiros, já sofreram um processo intenso e pro-
proporções de cada população ao longo de pas- longado de otimização da aptidão biológica. Por-
sagens seriadas em cultivos de células e avaliar a tanto, provavelmente há restrições que limitem
aptidão biológica relativa de cada população. Uma a capacidade real de mudança. Por essa razão, é
característica fenotípica utilizada nesses estudos possível que vírus isolados de uma mesma região
é a resistência (ou escape) à neutralização por com um grande intervalo de tempo sejam virtu-
anticorpos, presente em uma das populações, almente idênticos. Ou seja, já teriam atingido um
devido a mutações introduzidas pela polimerase. genótipo/fenótipo equilibrado e suficientemente
Dessa maneira, foram isolados mutantes cujas se- evoluído ou, por outro lado, já teriam esgotado a
qüências consenso diferiam da seqüência da cepa sua capacidade de evolução.
progenitora somente em um aminoácido, sendo Quando se analisa a evolução viral, pode-
resistentes à neutralização por um anticorpo mo- se observar como os diferentes vírus utilizam
noclonal específico. Quando a cepa progenitora e distintas estratégias evolutivas. Em seguida, são
a cepa resistente à neutralização são misturadas, apresentados alguns exemplos que ilustram essas
é possível determinar a proporção de placas pro- mudanças evolutivas que conduzem à aquisição
duzidas por cada uma das cepas cultivadas na de uma maior aptidão biológica, isto é, à produ-
presença ou ausência do anticorpo monoclonal. ção de progênie viral mais bem adaptada e mais
No cultivo com a presença do anticorpo, somente numerosa.
são amplificados os vírus da cepa resistente à neu- Existem vírus cujas mutações facilitam a
tralização, enquanto no cultivo sem anticorpos sua adaptação ao meio e outros cujas alterações
são produzidas placas produzidas por vírus das genéticas alteram a sua virulência. Existem tam-
duas cepas. Dessa forma, é possível quantificar a bém aqueles que alteram as suas propriedades
proporção de placas formadas por componentes antigênicas para garantir seus ciclos contínuos de
de cada cepa e determinar qual cepa apresentou transmissão e alguns que usam estratégias que
maior aptidão biológica. ampliam seu tropismo para outras espécies e/ou
Esses experimentos podem ser relacionados tecidos. Todas essas alterações ocorrem com o
com muitas observações epidemiológicas realiza- objetivo único de garantir a sobrevivência e ma-
das em populações animais. As altas densidades nutenção desses agentes na natureza.
animais nas criações intensivas requerem progra-
mas sanitários especiais, pois, após a introdução 2.6.1 Vírus da estomatite vesicular: tem-
de um patógeno, a aglomeração de animais fa- po versus fatores ambientais
vorece os ciclos de infecção iniciados com gran-
des populações de vírus, e a evolução viral con- O vírus da estomatite vesicular (VSV) é um
tribuiria para uma maior aptidão biológica. Em vesiculovírus pertencente à família Rhabdoviridae.
contraposição, as baixas densidades de animais O VSV infecta uma grande variedade de rumi-
na população produzem indiretamente um “gar- nantes e suídeos domésticos e silvestres, causan-
galo genético” e, como conseqüência, os vírus são do uma doença clinicamente semelhante à febre
Genética e evolução viral 103

aftosa, caracterizada por febre e lesões vesicula- A cepa viral utilizada era oriunda do Brasil,
res na boca, focinho, patas e em regiões do corpo isolada pelo Instituto Oswaldo Cruz em 1911. Ini-
com abrasões ou lesões mecânicas. cialmente, a disseminação do vírus não foi ampla
As análises filogenéticas de isolados do VSV e permaneceu restrita aos habitats onde era in-
de várias regiões da América Central e do Norte troduzido, sem disseminação para ecossistemas
têm demonstrado que as seqüências de cepas de vizinhos. Porém, observaram-se, posteriormente,
uma mesma região geográfica apresentam um centenas de coelhos doentes em locais muito dis-
alto grau de conservação, mesmo quando isola- tantes dos locais originais de introdução do vírus.
das a grandes intervalos de tempo (até 30 anos). A doença se distribuiu principalmente pelas mar-
Essa característica não é observada para os vírus gens dos grandes rios, onde os mosquitos eram
isolados na mesma época em diferentes regiões. mais abundantes. O verão seguinte foi úmido, e a
A distribuição filogenética mostra um melhor enfermidade se disseminou rapidamente, resul-
agrupamento dos vírus por regiões geográficas. A tando em mortalidade de até 99%. No entanto,
evolução desse vírus depende de pressões de se- no ano seguinte, observou-se que uma variante
leção relacionadas com fatores ecológicos, como menos virulenta do vírus estava gradativamente
os vetores que transmitem o vírus e os animais substituindo a cepa original de alta virulência.
reservatórios que o mantêm. Para esse vírus, não A virulência da cepa original e das cepas de
foi detectada a evolução por pressão imunológi- campo isoladas na Austrália foi determinada em
ca seletiva, que é muito evidente para o vírus da coelhos de laboratório e a cada isolado se atri-
influenza, por exemplo. buiu um grau de virulência entre I e V. A cepa
original foi 100% letal em 11 a 13 dias após a ino-
2.6.2 Mixomatose na Austrália culação (virulência grau I). Algumas das cepas de
campo produziram uma letalidade entre 70-95%,
Muitos estudos clássicos demonstram a evo- com média de sobrevivência de 17 a 20 dias (vi-
lução dos vírus nas populações humanas e ani- rulência grau III). Outras cepas matavam menos
mais. Em um deles, observou-se como o vírus da de 50% dos coelhos infectados e produziam uma
mixomatose dos coelhos evoluiu após a sua intro- doença mais benigna (virulência grau IV). Após
dução na Austrália. A mixomatose é uma doença dois anos, todos os vírus de campo recuperados
produzida por um poxvírus, cujos hospedeiros na Austrália possuíam grau III.
naturais são os coelhos americanos do gênero A seleção de cepas menos letais ocorreu em
Sylvilagus. Essa enfermidade é conhecida desde conseqüência da transmissão do vírus para os
1896, e a transmissão ocorre mecanicamente por mosquitos, que foi prolongada para os vírus com
insetos. Nos hospedeiros naturais, a infecção pro- virulência de grau III pela maior sobrevivência
duz fibromas localizados e benignos. Porém, ao dos coelhos. Como conseqüência, os animais in-
contrário da enfermidade branda produzida nos fectados produziam vírus por mais tempo, dan-
coelhos americanos, o vírus do mixoma produz do maior oportunidade aos mosquitos de se con-
uma infecção letal nos coelhos europeus do gêne- taminar e transmitir a doença. Por outro lado, os
ro Oryctolagus. coelhos infectados com a cepa original de grau I
Nas primeiras décadas do século passado, morriam rapidamente, e o ciclo de transmissão
coelhos europeus foram introduzidos da Aus- era interrompido.
trália propositalmente e, como não existiam pre- A população de coelhos na Austrália tam-
dadores naturais, esses animais se reproduziram bém sofreu uma seleção para a resistência à mi-
rapidamente, tornando-se uma praga para a agri- xomatose. A nova geração de coelhos descendeu
cultura e pecuária. Assim, em 1950, um progra- dos 10% da população original que sobreviveu à
ma de controle biológico dos coelhos com o vírus doença. Durante sete anos, antes de começarem
da mixomatose foi aplicado naquele país com o os surtos de mixomatose na primavera, coelhos
objetivo de solucionar o problema da superpopu- jovens eram capturados nas áreas endêmicas
lação. e mantidos em cativeiro até atingirem a idade
104 Capítulo 4

adulta e os níveis de anticorpos maternos desa- a composição da superfície viral por estas proteí-
parecerem. Esses coelhos foram desafiados com nas (H3N2, H5N1, H3N8).
uma cepa de virulência grau III. A mortalidade A hemaglutinina (HA) é a proteína que se
foi superior a 90% no primeiro ano e somente liga a moléculas da superfície celular que pos-
30% no sétimo ano. suem ácido siálico, que servem como recepto-
Embora a mixomatose tenha sido introduzi- res para o vírus. A HA é também a proteína que
da deliberadamente na Austrália, pode-se consi- induz a produção de anticorpos neutralizantes
derar que esse foi um caso de enfermidade emer- e protetores pelo hospedeiro. A neuraminidase
gente. Humanos infectaram coelhos europeus (NA) atua durante o egresso do vírus, clivando
com o vírus da mixomatose, uma espécie na qual o ácido siálico dos glicoconjugados e permitindo,
o vírus produz uma doença muito mais severa. A dessa maneira, que a progênie viral seja liberada
emergência de uma enfermidade pode estar rela- da célula.
cionada com uma mudança evolutiva no agente Os vírus da influenza são mestres nas mu-
causal, porém a enfermidade pode emergir mes- danças genéticas e antigênicas. Ao se estudar os
mo na ausência de mutações virais. diferentes isolados, são observadas variações an-
No caso da mixomatose na Austrália, o vírus tigênicas pontuais e progressivas na HA. Essas
evoluiu, reduzindo a sua virulência. No entanto, pequenas variações denominam-se drift antigê-
não há um consenso de que todos os vírus evo- nico (pode ser traduzido como substituição ge-
luem no sentido da atenuação. É muito comum nética, principalmente por mutações em ponto)
se considerar que os vírus evoluem para uma e permitem ao vírus reinfectar uma população
forma inofensiva para o seu hospedeiro, o que, parcialmente imune, que ainda possui anticorpos
provavelmente, poderia ser melhor para o futuro produzidos por uma infecção recente, mantendo
da população viral. Aos parasitas interessa não o vírus circulante na população. Contrastando
produzir muitos danos na população hospedeira, com essas variações pequenas, as alterações ra-
para que esses sobrevivam e permitam a sua am- dicais na HA e NA denominam-se shift (troca),
plificação e transmissão. Contudo, o êxito evolu- e ocorrem pelo intercâmbio dos respectivos ge-
tivo de uma espécie depende essencialmente da nes entre dois vírus da influenza quando estes
geração de uma descendência numerosa, e isso co-infectam um mesmo hospedeiro. Esses shifts
não está necessariamente associado com atenua- antigênicos foram responsáveis pelas pandemias
ção da doença nos hospedeiros. de 1957 e 1968, e acredita-se que são produzidos
periodicamente pela criação conjunta de aves e
suínos. Ao contrário, os segmentos genéticos do
2.6.3 Vírus da influenza vírus que causou a pandemia de 1918 se origi-
naram completamente de um ancestral aviário.
Os vírus da influenza têm utilizado uma Além do drift e shift, são detectadas inserções de
série de estratégias e alterações evolutivas que seqüências e outros mecanismos que permitem o
permitem a sua contínua circulação mesmo em processamento proteolítico da HA, alterando o
populações com certo grau de imunidade. Exis- tropismo tecidual e a patogenicidade.
tem razões evidentes pelas quais se estuda muito Assim, os vírus da influenza evoluem por
esses vírus: ocorreram quatro pandemias de in- meio de dois mecanismos principais: mutações
fluenza em um século e, na pandemia de 1918, em ponto, que conferem pequenas alterações an-
morreram entre 20 e 50 milhões de pessoas. tigênicas; e ressortimento, que proporciona gran-
O vírus da influenza é um ortomixovírus, des alterações antigênicas e/ou de virulência. A
possui envelope e seu genoma é composto por espécie animal que geralmente abriga os eventos
oito segmentos de RNA de sentido negativo, a de ressortimento é a suína, que pode ser infecta-
maioria dos quais codifica somente uma proteí- da tanto por vírus aviários como por vírus huma-
na. O envelope viral possui duas glicoproteínas: nos ou suínos.
a hemaglutinina (16 tipos) e a neuraminidase Em 2005, foi publicado um artigo que des-
(nove tipos), e as cepas são designadas conforme creve como o vírus que ocasionou a pandemia de
Genética e evolução viral 105

1918 foi recriado em laboratório. O mais marcan- Estudos das mutações responsáveis pelo
te deste fato é que esta pandemia ocorreu muito cruzamento da barreira entre espécies indicam
antes da identificação do vírus da influenza, que que mudanças em apenas dois códons (posições
somente foi isolado no princípio dos anos 1930. 93 e 323) da VP2 do FPLV possibilitaram ao ví-
Os segmentos genômicos de RNA do vírus foram rus infectar cães e linhagens celulares de origem
recuperados de amostras de pulmão fixadas em canina. Posteriormente foi demonstrado que as
formalina, que estavam guardadas, e também de mesmas substituições desses códons no CPV pe-
tecidos de uma vítima da pandemia de 1918 que los correspondentes do FLPV eliminam a predi-
havia sido enterrada na permafrost (terra perma- leção do vírus pela espécie canina.
nentemente congelada, no Alasca). Por meio de Como a população canina não possuía an-
metodologia de genética reversa, foi possível re- ticorpos contra o novo agente, os primeiros seis
criar o vírus em laboratório e estudar algumas de meses após o surgimento do CPV foram seguidos
suas características. As seqüências dos genes do de uma pandemia mundial, que produziu gas-
vírus de 1918 são relacionadas com o vírus H1N1 trenterite hemorrágica grave com altos índices de
aviário, mais do que com qualquer outro isolado mortalidade em cães. Esse agente foi denomina-
H1N1 de mamífero. Esses achados aumentaram do CPV-2 e, nos anos seguintes, sofreu algumas
a preocupação atual com os casos de influenza alterações que permitiram uma adaptação maior
de origem aviária pelo vírus H5N1, que pode aos hospedeiros caninos, originando os biótipos
infectar humanos. Até o momento, não há evi- CPV-2a e CPV-2b. Um terceiro biótipo, o CPV-2c,
dências de que este vírus possua a habilidade de tem sido descrito na população canina nos últi-
ser transmitido entre humanos, pois a replicação mos anos. Acredita-se que o CPV não perdeu a
viral é confinada ao trato respiratório inferior e sua capacidade inicial de infectar felinos, pois a
provoca a morte de pessoas em poucos dias. Po- infecção natural tem sido demonstrada em gatos
rém, à medida que o número de pessoas infecta- domésticos. Os CPVs que existem atualmente cir-
das aumente, a probabilidade de mutações que culando na população canina são menos virulen-
permitam a transmissão entre humanos também tos do que os originais, provavelmente refletindo
aumentará. uma evolução do vírus no sentido de se adaptar
Os três tipos de alterações evolutivas descri- aos novos hospedeiros.
tas, drift e shift antigênico e inserções na hemaglu-
tinina conferem ao vírus da influenza uma maior
aptidão biológica, uma vez que podem reinfectar
2.7 Conclusões
uma população parcialmente imune ou ampliar
o tropismo tecidual, produzindo uma progênie Os vírus são os mestres das mudanças e
mais abundante. evolução genética. É importante conhecer as es-
tratégias que esses agentes utilizam para melhor
2.6.4 Parvovírus canino reconhecer enfermidades produzidas por vírus
emergentes e por vírus conhecidos que produ-
O parvovírus canino (CPV) surgiu subita- zam doenças atípicas. À medida que se intensifica
mente como causa de enfermidade de cães na a exploração pecuária e se aumenta a densidade
década de 1970 e, em 1978, foi diagnosticado si- dos animais, torna-se necessária a implementação
multaneamente em vários países, causando enfer- de programas sanitários especiais que reduzam a
midade grave na população canina. Este vírus se possibilidade de introdução de novos patógenos
originou a partir de um parvovírus já conhecido nas criações. É importante considerar também
anteriormente, o vírus da panleucopenia felina que todos os vírus são importantes, mesmo os
(FPLV), por mutações em ponto na proteína VP2 que aparentemente não produzem enfermida-
do capsídeo, sítio de ligação do vírion aos recep- des no homem ou em animais, pois esses agen-
tores celulares. Assim, o novo vírus foi capaz de tes podem alterar a sua gama de hospedeiros e
infectar e, posteriormente, se adaptar a uma nova produzir enfermidades devastadoras. Exemplos
espécie hospedeira. recentes incluem a infecção de humanos, cães e
106 Capítulo 4

felinos com novos subtipos do vírus da influen- PARRISH, C.R. Emergence, natural history and variation of
canine, mink, and feline parvoviruses. Advances in Virus
za, o surgimento do SARS-CoV, que matou cen-
Research, v.38, p.403-450.
tenas de pessoas na Ásia e a inusitada infecção
de mamíferos marinhos com variantes do CDV, PARRISH, C.R. et al. Global spread and replacement of canine
causando alta mortalidade no mar Mediterrâneo. parvovirus strains. The General Journal of Virology, v.69,
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Assim, tendo em vista a sua plasticidade e capa-
cidade de adaptação e evolução, nenhum vírus PARRISH, C.R. et al. Natural variation of canine parvovirus.
pode ser considerado sem importância. Science, v.230, p.1046-1048.

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REPLICAÇÃO VIRAL
Eduardo Furtado Flores & Luiz Carlos Kreutz
5
1 Introdução 109

2 Conceitos básicos: infecção, susceptibilidade, permissividade 109

3 Etapas da replicação 110

3.1 Adsorção 111

3.2 Penetração 114


3.2.1 Penetração por fusão na superfície celular 114
3.2.2 Penetração após endocitose 114
3.2.3 Outros mecanismos de penetração 117

3.3 Etapas após a penetração 118


3.3.1 Desnudamento 118
3.3.2 Movimentação intracelular 118
3.3.3 Penetração nuclear 119

3.4 Expressão gênica 119

3.5 Replicação do genoma 121


3.5.1 Replicação dos vírus DNA 122
3.5.2 Replicação dos vírus RNA 126

3.6 Morfogênese, maturação e egresso 131


3.6.1 Maturação intracelular (citoplasmática ou nuclear) 131
3.6.2 Maturação por brotamento em membranas celulares 132

4 Bibliografia consultada 134


1 Introdução embora a penetração (ou infecção, no significado
estrito da palavra) seja uma etapa indispensável
A produção de progênie genética e fenotipi- à replicação viral, por permitir a introdução do
camente semelhante ao vírus parental se constitui material genético na célula, o termo infecção pos-
no evento central da existência e perpetuação dos sui um significado mais amplo em Virologia. A
vírus na natureza. Por isso, por uma visão evolu- penetração do vírus na célula, por si só, não as-
tiva simplista, a multiplicação dos vírus possui segura a produção de progênie viral, pois outras
uma finalidade única e objetiva: produzir progê- etapas intracelulares são necessárias. Por isso, o
nie viável. As alterações da fisiologia celular, as- termo infecção tem sido utilizado para definir o
sociadas com as infecções virais – que podem re- processo replicativo do agente como um todo, in-
sultar em doença e até em morte do hospedeiro –, cluindo a penetração e as etapas subseqüentes da
são meras conseqüências das interações do vírus replicação. A série de etapas que inicia com a pe-
com as células; interações que são absolutamente netração e culmina com a liberação de progênie
necessárias para o agente atingir esse objetivo. viral é também denominada ciclo replicativo.
Os vírus são os organismos mais simples Se todas as etapas da infecção forem com-
que existem: os mais simples são compostos por pletadas e resultarem na produção de progênie
uma molécula de ácido nucléico envolta por uma viral viável, a infecção é dita produtiva. Se, após
camada protéica. Quando estão fora de células a penetração, o ciclo replicativo for interrompido
vivas, os vírus são estruturas químicas, despro- em alguma etapa, a infecção é dita abortiva. Sus-
vidas de qualquer atividade biológica. Não pos- ceptibilidade e permissividade são propriedades
suem metabolismo próprio, não são capazes de complementares que definem a capacidade das
produzir autonomamente nem os componentes células de suportar as etapas da replicação viral.
mínimos para a sua multiplicação. Por isso, ne- Susceptibilidade refere-se à capacidade das células
cessitam utilizar as organelas e o metabolismo de serem infectadas naturalmente pelo vírus, en-
celular para replicar o seu genoma e produzir as quanto permissividade refere-se às condições intra-
proteínas necessárias para a construção de novas celulares para a ocorrência da multiplicação viral.
partículas víricas. Esses agentes só adquirem ati- Assim, as células que suportam o ciclo replicativo
vidade biológica dentro de células vivas. Mesmo completo, após a infecção natural, são simulta-
os vírus mais complexos e evoluídos são depen- neamente susceptíveis (permitem a penetração) e
dentes de processos biológicos celulares para a permissivas (permitem a ocorrência das etapas in-
sua multiplicação. Por isso, os vírus são, tradicio- tracelulares). Essas duas propriedades, no entan-
nalmente, classificados como parasitas intracelu- to, nem sempre ocorrem concomitantemente em
lares obrigatórios. uma célula. Em algumas situações, células per-
O termo replicação – que em sua origem sig- missivas podem ser não susceptíveis à infecção,
nifica a síntese de moléculas de ácidos nucléicos devido à falta de receptores para a adsorção e pe-
a partir de um molde – tem sido universalmente netração do vírus. Essas células somente poderão
utilizado para designar o processo de multiplica- ser alvo de uma replicação produtiva se o mate-
ção dos vírus como um todo e assim será utiliza- rial genético viral for introduzido artificialmen-
do neste texto. Este capítulo abordará os aspectos te (i.e., por transfecção). Por outro lado, células
gerais da replicação dos vírus; os aspectos pecu- susceptíveis à infecção natural podem apresentar
liares de cada família serão abordados nos capí- um bloqueio intracelular em alguma etapa da
tulos específicos. replicação, sendo denominadas não-permissivas.
Se esse bloqueio ocorrer após algumas etapas do
2 Conceitos básicos: infecção, ciclo, essas células são ditas semipermissivas. Para
susceptibilidade e permissividade simplificar, neste texto, o termo susceptibilidade
será utilizado para definir a capacidade das célu-
A palavra infecção deriva do latim infere, que las de suportar todas as etapas da replicação viral
significa inserir, penetrar, introduzir. No entanto, após a infecção natural.
110 Capítulo 5

A susceptibilidade é determinada pela inte- las e iniciam a infecção. A coleta e quantificação


ração de múltiplos fatores virais e celulares. Em do vírus presente no sobrenadante dos cultivos a
razão da complexidade dessas interações, as es- diferentes intervalos, após a inoculação, permite
pécies animais (e também as células de cultivo) a identificação de três fases: eclipse, maturação e
apresentam uma ampla variação de susceptibili- inativação (Figura 5.2).
dade a diferentes vírus. O termo espectro de hos-
pedeiros (host range) é utilizado para definir o con-
9
junto de espécies animais (host range in vivo) ou de
1
diferentes células (host range in vitro) que podem
ser infectados naturalmente por um determinado
vírus. O termo tropismo refere-se à predileção do 2 8

vírus por determinadas células, tecidos ou órgãos


do hospedeiro para se multiplicar. O principal
3
fator celular – mas não o único – determinante 5

da susceptibilidade e do tropismo é a presença Citoplasma


7
de moléculas específicas na superfície celular,
denominadas genericamente de receptores virais. 4
6

Os receptores virais são moléculas da membrana


plasmática que desempenham funções diversas Núcleo

na biologia das células, das quais os vírus se utili-


zam para se ligar e iniciar a infecção.

3 Etapas da replicação Figura 5.1. Representação esquemática do ciclo


replicativo de um vírus DNA. 1) Adsorção; 2) Penetração;
A multiplicação dos diferentes vírus apre- 3) Desnudamento; 4) Transcrição dos genes virais; 5)
Tradução dos RNA mensageiros (mRNA) e produção
senta várias etapas em comum, apesar da di- das proteínas virais; 6) Replicação do genoma; 7)
versidade estrutural, do tipo e da organização Morfogênese; 8-9) Egresso.
genômica e das diferentes estratégias de replica-
ção. Essas etapas ocorrem de forma ordenada e Após a remoção do material que foi inocu-
seqüencial e envolvem interações complexas en- lado e durante um período variável, apenas uma
tre as proteínas e o genoma viral com organelas e pequena quantidade de infectividade pode ser
macromoléculas celulares. O ciclo replicativo de detectada no sobrenadante. Esse período em que
todos os vírus inclui necessariamente as etapas o vírus virtualmente desaparece é denominado
de adsorção, penetração, desnudamento, expres- eclipse e coincide com as fases iniciais da infecção.
são gênica (transcrição e tradução), replicação do A duração da fase de eclipse depende do ciclo re-
genoma, morfogênese/maturação e egresso. Es- plicativo de cada vírus, que varia entre quatro a
sas etapas estão ilustradas esquematicamente na seis horas nos picornavírus e mais de 40 horas em
Figura 5.1. alguns herpesvírus. A fase de eclipse é seguida
A maior parte dos conhecimentos sobre os por um período em que a progênie viral vai sen-
mecanismos biológicos e moleculares da mul- do produzida e gradativamente liberada pelas
tiplicação dos vírus somente foi obtida a partir células, acumulando-se no sobrenadante (Figura
do estabelecimento dos cultivos celulares. Após 5.2). Essa fase é denominada maturação. Nos vírus
a inoculação do vírus em células cultivadas in que produzem lise celular, a quantidade de vírus
vitro, os cultivos são deixados em repouso para no sobrenadante aumenta até atingir um platô,
que as partículas víricas iniciem gradativamen- que coincide com a perda da integridade funcio-
te a entrar em contato com a superfície celular. nal e estrutural das células. A partir daí, o título
Essa etapa é denominada adsorção. Imediatamen- viral no sobrenadante tende a decrescer gradati-
te após a adsorção, os vírions penetram nas célu- vamente – dependendo do vírus – devido à ina-
Replicação viral 111

tivação da infectividade das partículas víricas e à rus, vírus da febre aftosa [FMDV]) enquanto ou-
perda da viabilidade das células. Essa fase é de- tros podem utilizar receptores alternativos para
nominada inativação. Em infecções por vírus não- iniciar a infecção (exemplo: herpesvírus, alguns
líticos, as células podem produzir progênie viral togavírus). A capacidade de utilizar mais de um
indefinidamente, mas o balanço entre a produção receptor para iniciar a infecção pode representar
e a inativação não permite que o título viral no uma vantagem evolutiva, pois oferece a esses ví-
sobrenadante aumente indefinidamente. rus a possibilidade de infectar diferentes tipos de
células e/ou hospedeiros.
Os receptores celulares para vírus são molé-
Eclipse Maturação Inativação
culas de membrana que desempenham funções
diversas na biologia celular e que, ocasionalmen-
te, servem para os vírus se ligarem e iniciarem
Título viral no sobrenadante

a infecção. Os receptores celulares para vários


vírus animais já foram identificados (Tabela 5.1).
Na maioria dos casos, a presença dos receptores
determina o espectro de hospedeiros e o tropismo
do vírus. Conseqüentemente, a presença e distri-
buição dos receptores também são determinantes
fundamentais da patogenia da infecção. O núme-
ro de receptores na superfície de uma célula pa-
rece ser extremamente variável. Essas moléculas
Inoculação Horas
podem ser raras e específicas de algumas células
ou abundantes e amplamente distribuídas em vá-
Figura 5.2. Fases da infecção por vírus líticos em cultivo
rias células.
celular: eclipse, maturação e inativação. Em alguns casos, as interações entre as VAPs
e os receptores não são suficientes para permitir
o início da infecção. Nesses casos, a interação dos
3.1 Adsorção
vírions com proteínas adicionais da membrana
celular, denominadas co-receptores, é necessária
A primeira etapa da replicação é a ligação
para que ocorra a penetração. Por exemplo, a in-
específica das partículas víricas na superfície das
teração inicial dos adenovírus com a célula hos-
células hospedeiras – evento denominado adsor-
pedeira envolve a ligação da proteína fiber com
ção –. Essa ligação é mediada por proteínas da
um receptor celular. Essa interação não é sufi-
superfície dos vírions (viral attachment proteins,
ciente para assegurar a penetração, mas é neces-
VAPs) que interagem com os receptores na su-
perfície das células. Nos vírus sem envelope, a sária para que a proteína viral penton interaja com
função de ligação é exercida pelas proteínas do uma segunda molécula da membrana celular – a
capsídeo; nos vírus envelopados, pelas glicopro- vitronectina – e resulte em penetração. O vírus
teínas do envelope. Os receptores celulares para da imunodeficiência humana (HIV-1) liga-se ao
os vírus são geralmente proteínas (glicoproteínas) receptor CD4 e utiliza como co-receptor um re-
ou carboidratos (presentes em glicoproteínas ou ceptor de citocina. A interação inicial do vírus do
em glicolipídios da membrana). Em comparação herpes simplex humano (HSV-1) com as células é
com os receptores protéicos, os carboidratos são mediada pela interação da glicoproteína gC (ou
menos específicos, pois podem estar presentes em gB) com o sulfato de heparina na superfície celu-
uma variedade de moléculas de membrana. Al- lar. A fusão e penetração, no entanto, dependem
guns vírus são estritamente dependentes de um de interações secundárias entre a gD (e também a
receptor específico (exemplos: rinovírus, polioví- gH) com outras moléculas da membrana.
112 Capítulo 5

Tabela 5.1. Receptores celulares e mecanismos de penetração dos principais vírus animais
.
Família Vírus Receptor Viral Forma/local de Penetração

Sulfato de heparina/receptor homólogo


Fusão na membrana plasmática
Herpesviridae Herpes simplex ao fator de necrose tumoral (TNF) e
fator de crescimentonNeuronal (NGF)

Sulfato de heparan (HS), Fusão na membrana


Pseudoraiva
proteoglicanos (HSPG) e coreceptores plasmática

Receptor para adenovírus e Endocitose dependente


Adenoviridae Adenovírus 2
vírus Coxsackie B (CAR) de clatrina
Vírus DNA

Membrana plasmática e/ou


Poxviridae Vaccinia Fator de crescimento epidermal (EGF)
macropinossomo

Moléculas do complexo maior de


Endocitose caveolar e/ou
Polyomaviridae SV-40 histocompatibilidade (MHC)
retículo endoplasmático
classe I

Papilomavírus Integrina a-6 e moléculas Endocitose dependente


Papillomaviridae bovino semelhantes ao heparan de clatrina

Parvovírus
Parvoviridae Receptor da transferrina Endossomos
canino

Peste suína b
Asfarviridae nd Endossomos
africana

Moléculas do complexo maior de


Vírus elevador da Endossomos
Arteriviridae histocompatibilidade (MHC) classe II
desidrogenase láctica

Vírus da Hepatite dos Glicoproteína biliar dos murinos/ Endossomos


Coronaviridae
Murinos antígeno carcinoembriogênico

Coronavírus
CD13 (Aminopeptidase) Membrana plasmática
humano 229E

Orthomyxoviridae Vírus da influenza Ácido siálico Endocitose dependente de clatrina

Paramyxoviridae Vírus do sarampo CD46 Membrana plasmática

Togaviridae Semliki Forest Moléculas do MHC classe II Endocitose dependente de clatrina


Vírus RNA

Vírus da diarréia viral


Flaviviridae CD46 bovino Endossomos
bovina

Rhabdoviridae Vírus da raiva Receptor da neurotropina (p75NTR) Endocitose dependente de clatrina

Filoviridae Vírus Ebola e Marburg Receptor folato a(FR-a) Caveola

Retroviridae HIV-1 CD4 e receptor de citocinas Membrana plasmática

Bunyaviridae Vírus Hantaan Integrinas (b3) Endocitose dependente de clatrina

Picornaviridae Vírus da febre aftosa Integrinas (av) Endocitose

Caliciviridae nd nd Endossomos

Ácido siálico e molécula 1 de adesão


Reoviridae Reovírus Endossomos
jjuncional (JAM 1)

Integrinas aVb3 e proteínas cognatas


Rotavírus Membrana citoplasmática (lipid rafts)
do choque térmico (hscp70)

a
* Adaptado de Klasse et al. (1998); de Pelkmans e Helenius (2003) e referências selecionadas. CAR: receptor de virus
b
coxsackie B e adenovirus. não determinado.
Replicação viral 113

Em cultivo celular – e provavelmente tam- truturais nas proteínas de superfície dos vírions.
bém in vivo – o contato de um vírion com uma Para alguns vírus (p. ex.: poliovírus), essas alte-
célula é um evento que ocorre ao acaso. Ou seja, rações são absolutamente necessárias para a pe-
a célula hospedeira não atrai a partícula vírica a netração, desnudamento e continuação do ciclo.
distância. Uma vez em contato com a superfície Por isso, além de servir para a ligação inicial, os
da célula, componentes externos dos vírions in- receptores, para alguns vírus, podem ser necessá-
teragem quimicamente (interações eletrostáticas, rios para a desestabilização das partículas víricas
pontes de hidrogênio etc.) com moléculas da e conseqüente liberação do genoma no interior
membrana plasmática, podendo resultar ou não da célula. Nos vírus envelopados, a ligação ao re-
em penetração e início da infecção. ceptor pode induzir alterações conformacionais
O processo de adsorção é independente de nas VAPs, que promovem a fusão do envelope
energia e do metabolismo celular e ocorre com com a membrana celular. No caso do HIV-1, a
a mesma eficiência à temperatura corporal ou a ligação do vírion ao receptor CD4 é necessária
4°C. Embora seja de alta especificidade, a intera- para estimular a capacidade fusogênica da glico-
ção de uma molécula de VAP com o receptor é de proteína TM.
fraca intensidade e, isoladamente, não seria sufi- Em alguns casos, a ligação dos vírions aos
ciente para proporcionar a ocorrência das etapas receptores também pode induzir sinais químicos
seguintes da penetração. Para isso, é necessária intracelulares, que podem estar envolvidos na
a ocorrência simultânea de dezenas ou centenas facilitação da endocitose, no transporte intrace-
dessas interações. Ou seja, a adsorção viral na lular dos nucleocapsídeos e até mesmo na sobre-
superfície celular é um processo cooperativo, re- vivência da célula. Por outro lado, a penetração
sultante de múltiplas interações entre proteínas e a posterior replicação viral ativam mecanismos
da superfície dos vírions com os seus respectivos imunológicos de defesa, como a produção de in-
receptores. terferon do tipo I (IFN-I).
Embora a adsorção dos vírions à superfície A distribuição dos receptores na superfície
celular seja a etapa inicial e indispensável para o apical das células parece ser aproximadamente
início da replicação, esse evento nem sempre re- uniforme. A penetração dos vírions, no entanto,
sulta em infecção produtiva. É provável que um parece ocorrer preferencialmente em alguns lo-
número muito grande de interações entre vírions cais. Isso ocorre porque a ligação das partículas
e células não resulte em penetração, seja pela au- víricas aos receptores é acompanhada de movi-
sência de receptores específicos para o vírus, seja mentos laterais dessas moléculas, resultando na
pela debilidade dessas interações. Partículas ví- aglomeração dos receptores em determinados lo-
ricas podem se ligar à superfície da célula e não cais. Esses locais são facilmente observáveis sob
serem internalizadas. Outro cenário possível é a microscopia eletrônica (ME) e aparecem como
ligação, porém com internalização e liberação do espessamentos da membrana plasmática. Esses
nucleocapsídeo em compartimentos inadequados espessamentos são decorrentes do acúmulo de
para a replicação (p. ex.: lisossomos). É possível uma proteína denominada clatrina, envolvida em
também que vírions sejam internalizados em cé- sistemas de transporte intracelular por vesículas.
lulas que não possuam os componentes necessá- A aglomeração dos vírus que penetram por en-
rios à continuação do ciclo. Resumindo, a ligação docitose mediada por receptores, em determina-
dos vírions a moléculas da membrana celular é dos locais, precede e promove a invaginação da
uma etapa absolutamente necessária, porém nem membrana, com a conseqüente formação da vesí-
sempre suficiente para garantir a continuidade cula endocítica contendo os vírions em seu inte-
do ciclo replicativo. rior. A endocitose mediada por receptores é um
Além de proporcionar o contato inicial com processo fisiológico utilizado pelas células para
a célula, as interações dos vírions com os recep- internalizar diversas moléculas, das quais os ví-
tores também podem desencadear alterações es- rus tiram proveito para iniciar a infecção.
114 Capítulo 5

3.2 Penetração 3.2.1 Penetração por fusão na superfície


celular
A penetração é a etapa subseqüente à ad-
Alguns vírus com envelope (p. ex.: retroví-
sorção e envolve a transposição da membrana
rus, paramixovírus e herpesvírus) penetram na
plasmática, permitindo a introdução do nucleo-
célula após fusão do envelope com a membrana
capsídeo (genoma viral + proteínas) no interior
plasmática, evento que ocorre na superfície celu-
da célula, local onde ocorrerão a expressão gêni-
lar (Figura 5.3A). A fusão resulta em um canal
ca e a replicação do genoma. A transposição da
entre o interior da partícula e o compartimento
membrana pode ocorrer na superfície celular ou
citoplasmático, através do qual o nucleocapsídeo
já no interior do citoplasma, a partir de vesículas
penetra no citoplasma. A fusão entre as membra-
produzidas por endocitose, fagocitose ou macro-
nas do envelope e a plasmática requer a ação de
pinocitose. Dependendo da biologia do vírus, a
proteínas de fusão presentes no envelope dos ví-
penetração pode ocorrer sem prévia internalização
(se ocorrer na superfície celular) ou após inter- rions (p. ex.: glicoproteína TM nos retrovírus e F
nalização (se ocorrer a partir de vesículas intra- nos paramixovírus). Nesses vírus, o mecanismo
citoplasmáticas). No entanto, a internalização de de fusão ocorre sob pH neutro, ou seja, indepen-
vírions em vesículas endocíticas não assegura a de de acidificação, e, por isso, esses vírus são de-
ocorrência de penetração. A internalização em nominados pH-independentes.
vesículas ou a penetração direta são processos A membrana plasmática não é a única bar-
que ocorrem imediatamente após a ligação dos reira que o nucleocapsídeo viral deve ultrapassar
vírions aos receptores da membrana plasmática. para ter acesso aos locais intracelulares apropria-
Ao contrário da adsorção, a internalização e dos para a replicação. Algumas células possuem
penetração são processos dependentes de energia um citoesqueleto cortical espesso logo abaixo da
e não ocorrem eficientemente a 4ºC. Uma forma membrana plasmática, o que impede o acesso de
de sincronizar o início da infecção viral in vitro é ribossomos e outras organelas à área imediata-
realizar adsorção a 4ºC durante uma hora (ocorre mente adjacente à membrana. Essas estruturas
adsorção sem penetração) e, a seguir, transferir o também dificultam a progressão dos nucleocap-
cultivo para 37ºC, quando ocorrerá a penetração sídeos até as regiões mais internas da célula. Não
simultânea das partículas víricas adsorvidas. obstante, os vírus que penetram por fusão na su-
As etapas iniciais da infecção viral têm sido perfície celular desenvolveram estratégias para
estudadas com o recurso da ME e com a utiliza- superar esses obstáculos e conseguir liberar os
ção de químicos que inibam a internalização e/ seus nucleocapsídeos nos locais adequados.
ou a acidificação de vesículas intracelulares (i.e.,
endossomos). Dessa forma, quando a infecção 3.2.2 Penetração após endocitose
por um vírus é prevenida por substâncias inibi-
doras da endocitose, deduz-se que a sua pene- Esse mecanismo é característico da penetra-
tração dependa de prévia internalização; quando ção de vários vírus envelopados (p. ex.: flavivírus
a infecção é inibida por agentes que previnam a e ortomixovírus) e de alguns vírus sem envelope
acidificação dos endossomos, conclui-se que o (p. ex.: adenovírus, picornavírus e reovírus). A via
pH ácido dessas organelas seja necessário para a endocítica parece ser o caminho mais adequado
penetração. para a internalização dos vírus, pelos seguintes
Em geral, os vírus penetram nas células uti- aspectos: a) a endocitose é um processo fisiológi-
lizando um (ou alternativamente mais de um) co comum à maioria das células; b) somente ocor-
dos seguintes mecanismos: a) penetração por re em células com transporte de membrana ativo,
fusão na superfície celular; b) penetração após evitando a penetração em eritrócitos e plaquetas,
endocitose (mediada por clatrina, caveolina ou onde a infecção seria improdutiva; c) os vírions
agrupamentos de lipídios); c) fagocitose. Esses podem se ligar em qualquer local da superfície
mecanismos estão ilustrados na Figura 5.3. celular para serem internalizados; d) a endocito-
Replicação viral 115

se assegura a internalização e o transporte dos ví- 3.2.2.1 Endocitose mediada por clatrina
rions aos locais de expressão gênica e replicação;
e) a penetração a partir dos endossomos reduz os Os endossomos recobertos por clatrina são
riscos de detecção pelo sistema imunológico, pois vesículas de aproximadamente 100 nm de diâme-
não deixa proteínas virais expostas na superfície tro e se formam pela invaginação de pequenas re-
celular; e f) o ambiente endossomal se acidifica giões da membrana plasmática revestidas inter-
gradativamente, o que auxilia na ativação dos namente por moléculas de clatrina (clatrin-coated
mecanismos de fusão e penetração. pits). Quando examinadas sob ME, essas regiões

Microtúbulos

plasmático
H+
H+
H+

Retículo endo
H+
H+
B H+

Núcleo

D ?

?
E

Meio extracelular Citoplasma

Figura 5.3. Principais mecanismos de penetração dos vírus nas células hospedeiras. A) Penetração na superfície
celular, por fusão com a membrana plasmática; B) Penetração por fusão após endocitose mediada por clatrina; C)
Penetração por fusão após endocitose mediada por caveolina; D-E) Penetração após endocitose mediada por
agrupamentos de lipídios.
116 Capítulo 5

aparecem como espessamentos da membrana, membrana endossomal (picornavírus) ou por


adjacentes aos locais de ligação dos vírions. Após lise/perturbação da integridade dessa membra-
a invaginação, o revestimento de clatrina é remo- na (adenovírus e reovírus). A acidificação pro-
vido e as vesículas trafegam em direção ao inte- gressiva dos endossomos e as interações com a
rior da célula. Nesse trajeto, o ambiente endos- membrana provocam alterações estruturais e
somal é gradativamente acidificado por meio de desorganização do capsídeo, podendo ocorrer a
ATPases associadas à membrana, que bombeiam dissociação de algumas proteínas. Nos picorna-
prótons H+ para o seu interior. Nos endossomos vírus, o rearranjamento das proteínas do capsí-
tardios e lisossomos, o pH pode atingir 5,0 a 5,5. deo induzido pelo pH baixo, leva à formação de
Dessa forma, os vírions internalizados por essa aberturas através das quais o genoma é transloca-
via são submetidos à redução gradativa do pH. do para o interior do citoplasma. As partículas ví-
Essa forma de penetração é a mais estudada e, ricas do reovírus, internalizados por endocitose,
provavelmente, a mais importante entre os vírus sofrem alterações estruturais e algumas proteínas
animais, sendo tratada com mais detalhes a se- do capsídeo são ativadas, tornando-se capazes
guir (Figura 5.3B). de lisar ou permeabilizar a membrana do endos-
Ao contrário da fusão e penetração dos ví- somo. Dessa forma, permitem a penetração dos
rus pH independentes, a fusão do envelope de capsídeos semidesintegrados. Nos adenovírus, o
muitos vírus com a membrana celular só ocorre capsídeo sofre alterações estruturais pela expo-
sob pH baixo (5,5-6,5). Esses vírus são denomi- sição ao pH progressivamente baixo, resultando
nados pH-dependentes e não conseguem fusionar na desorganização da partícula e na ativação das
e penetrar na superfície celular sob pH neutro. A proteínas fibra e penton. Essas proteínas partici-
acidificação progressiva dos endossomos propor- pam da lise ou da permeabilização da membrana
ciona condições para a fusão do envelope com a endossomal, permitindo a penetração do com-
membrana endossomal, resultando na liberação plexo nucleoproteína no compartimento intrace-
do nucleocapsídeo no citoplasma. Embora vá- lular.
rios vírus penetrem dessa forma, esse é um me-
canismo particularmente bem caracterizado nos 3.2.2.2 Endocitose mediada por caveo-
vírus da influenza. A proteína de fusão desses lina
vírus (hemaglutinina, HA) é também a proteína
responsável pela ligação aos receptores (ácido si- As caveolas são pequenas invaginações em
álico). Após a ligação nos receptores, os vírions forma de cantil, que são formadas na membrana
são internalizados por endocitose. A acidificação plasmática de diversos tipos de células. As caveo-
dos endossomos induz alterações conformacio- las podem ser internalizadas com auxílio da actina
nais na HA que resultam na fusão do envelope e, até o presente momento, não há evidências de
com a membrana do endossomo. O pH baixo nos que o seu conteúdo seja entregue à via endocítica,
endossomos também facilita a dissociação dos ou seja, constituem um mecanismo independente
nucleocapsídeos do restante do envelope, resul- de internalização. As caveolas internalizadas são
tando na sua liberação no citoplasma. Nos vírus transportadas até a região perinuclear, próxima-
pH-dependentes, a penetração deve ocorrer no ao retículo endoplasmático (RE). Recentemente,
momento apropriado, pois a acidificação excessi- evidenciou-se que o vírus símio 40 (SV-40) utiliza
va que ocorre após a fusão dos endossomos com essa via para a internalização e penetração (Figu-
os lisossomos pode inativar o vírus. Drogas que ra 5.3C). Após a ligação aos receptores, os vírions
inibem a endocitose (óxido de fenilarsina) ou im- se deslocam lateralmente na superfície celular
pedem a acidificação dos endossomos (monensi- até serem capturados por caveolas. As caveolas
na, cloroquina e cloreto de amônia) previnem a são, então, circundadas parcialmente por fibras
penetração de vírus pH-dependentes. de actina, conferindo à vesícula uma aparência
Os vírus sem envelope transpõem a mem- de cantil. Posteriormente, a vesícula caveolar,
brana pela formação de canais proteináceos na contendo os vírions, é entregue aos caveossomos,
Replicação viral 117

que são organelas de pH neutro preexistentes no acidificados, potencializando a capacidade de fu-


citoplasma, ricas em caveolina e colesterol. Após são e penetração dos vírions pH-dependentes.
algumas horas da infecção, os caveossomos libe-
ram túbulos membranosos repletos de vírions, 3.3.3.2 Macropinocitose
que trafegam ao longo dos microtúbulos até o RE.
Posteriormente, as partículas virais deixam essa A macropinocitose é um processo celular
organela, entram no citosol e penetram no núcleo não específico (pode ocorrer na ausência de ligan-
através dos poros nucleares. Essa via de penetra- tes aos receptores) de internalização de volumes
ção parece não ser exclusiva do SV-40. Estudos grandes de fluidos e de regiões de membrana.
recentes com o vírus ebola (filovírus), poliomaví- Substâncias internalizadas por essa via também
rus e echovírus (picornavírus) têm sugerido um são direcionadas aos endossomos e lisossomos.
mecanismo semelhante de penetração. O vírus da vaccinia (poxvírus) pode penetrar por
essa via, uma vez que os seus vírions são muito
3.2.2.3 Endocitose mediada por grandes para serem internalizados por endocito-
agrupamento de lipídeos se mediada por clatrina. O vírus HIV também pa-
rece utilizar essa via para infectar macrófagos.
Esfingolipídeos e/ou glicoesfingolipídeos e
moléculas de colesterol podem se associar late- 3.2.3.3 Translocação através da mem-
ralmente e formar microdomínios na membrana brana plasmática
celular, denominados de lipid rafts (o termo raft
denota as toras de madeira utilizadas na constru- Esse é um mecanismo pouco conhecido, pro-
ção de jangadas). Esses microdomínios contêm vavelmente raro entre os vírus animais e parece
proteínas específicas e participam de funções ocorrer somente com os vírus sem envelope.
celulares, como o transporte de membrana, mor-
fogênese e sinalização celular. A internalização 3.2.3.4 Transferência direta entre
dessas estruturas é independente do revestimen- células
to por clatrina e caveolina. Os vírions internali-
zados por essa via são direcionados aos endos-
Além dos mecanismos específicos de pe-
somos, a partir dos quais ocorre penetração no
netração, alguns vírus podem ser transmitidos
compartimento citoplasmático. Essa via de pene-
diretamente entre células, sem a necessidade de
tração tem sido sugerida para o SV-40, em células
egresso e infecção de uma nova célula. Essa trans-
que não contêm caveolina, e também para alguns
missão é possível pela inserção de proteínas vi-
picornavírus, papilomavírus e retrovírus (Figu-
rais na membrana lateral da célula. As proteínas
ras 5.3D e 5.3E).
virais produzem fusão entre as células vizinhas e
transferência do material genético do vírus para
3.2.3. Outros mecanismos de
penetração a nova célula. Esse mecanismo de transferência
direta (observada nos paramixovírus e poxvírus,
3.3.3.1 Fagocitose entre outros) permite ao vírus infectar novas cé-
lulas sem se expor ao sistema imunológico.
O papel da fagocitose na penetração dos Como já mencionado, a simples internaliza-
vírus nas células hospedeiras ainda não está es- ção da partícula vírica não assegura que a repli-
clarecido. No entanto, partículas do vírus da in- cação irá ocorrer. O desnudamento e a entrega do
fluenza já foram observadas em vesículas fagocí- material genético aos locais apropriados são ne-
ticas, e os poxvírus possivelmente utilizam essa cessários para o prosseguimento do ciclo. Além
via para a internalização e posterior penetração disso, a célula deve apresentar as condições in-
celular. Após a sua formação, os fagossomos se tracelulares necessárias para a expressão gênica
fusionam com os endossomos e lisossomos e são e replicação do genoma. Sob ME, é freqüente a
118 Capítulo 5

visualização de vírions internalizados em células, Nos vírus que penetram por fusão com a
porém localizados em sítios inapropriados para membrana plasmática, a remoção do envelope,
o prosseguimento da replicação. Alguns desses que ocorre pela fusão faz parte do desnuda-
vírions podem ser eventualmente reciclados e mento. Em alguns vírus RNA de cadeia positiva
liberados na superfície celular, podendo infectar (togavírus), a remoção das proteínas do nucleo-
produtivamente outras células. A maioria, po- capsídeo ocorre logo após a penetração, pela sua
rém, parece estar destinada à inativação por pro- interação com o RNA dos ribossomos. Nos vírus
cessos catabólicos celulares. pH dependentes, a acidificação dos endossomos
desencadeia a fusão e também pode facilitar a
3.3 Etapas após a penetração dissociação das proteínas do genoma. Isso resul-
ta na liberação do nucleocapsídeo ou do genoma
3.3.1 Desnudamento desprovido de proteínas diretamente no citoplas-
ma. Nos herpesvírus, adenovírus e papovavírus,
O termo desnudamento (do inglês uncoating) o capsídeo permanece parcialmente íntegro após
refere-se à serie de eventos que ocorrem imedia- a penetração, sendo transportado até as proxi-
tamente após a penetração, em que os componen- midades do núcleo associado aos túbulos do ci-
tes do nucleocapsídeo são parcial ou totalmente toesqueleto. O desnudamento e a penetração do
removidos, resultando na exposição parcial ou nucleocapsídeo no núcleo ocorre próximo aos
completa do genoma viral. A remoção das proteí- poros nucleares. Nos picornavírus, a acidificação
nas do nucleocapsídeo é necessária para a exposi- dos endossomos provoca alterações conforma-
ção do genoma às enzimas e fatores responsáveis cionais no capsídeo que proporcionam interações
pela transcrição (vírus DNA e RNA de cadeia de suas proteínas com a membrana, resultando
negativa) ou tradução (vírus RNA de cadeia po- na formação de aberturas através das quais o ge-
sitiva). No ciclo replicativo de alguns vírus, a re- noma é liberado no citoplasma.
plicação do genoma ocorre após o desnudamen- O desnudamento torna o genoma acessível
to completo do genoma (poliovírus e flavivírus). às enzimas e a outros fatores celulares respon-
Em outros vírus, a remoção parcial das proteínas sáveis pelas etapas subseqüentes da replicação.
do nucleocapsídeo já é suficiente para a ocorrên- Dependendo do tipo de genoma, as etapas que
cia das etapas seguintes do ciclo (paramixovírus, se seguem ao desnudamento diferem entre os ví-
rabdovírus, ortomixovírus e reovírus). Portanto, rus.
o desnudamento parece ter uma definição mais
funcional do que estrutural. A estrutura e com- 3.3.2 Movimentação intracelular
plexidade de cada nucleocapsídeo é que determi-
na os passos subseqüentes na replicação. Após a penetração, o genoma viral precisa
O produto do desnudamento depende da ser transportado até o local onde ocorrerão a ex-
estrutura do nucleocapsídeo. Nos picornavírus, pressão gênica e a replicação. A movimentação
o resultado é a liberação do RNA genômico to- dos vírions no citoplasma ocorre inicialmente
talmente desnudo, com uma proteína de 23 ami- de forma passiva, no interior de vesículas endo-
noácidos (VPg) ligada covalentemente à sua ex- cíticas. Após a penetração, os nucleocapsídeos
tremidade 5’. Em alguns vírus (paramixovírus, podem interagir com os componentes do cito-
rabdovírus, arenavírus e ortomixovírus), o geno- esqueleto ou com proteínas transportadoras. Os
ma nunca é totalmente desnudo. Os processos de paramixovírus (que penetram na célula por fu-
transcrição e replicação ocorrem com o genoma são direta do envelope com a membrana celular)
recoberto por proteínas (ribonucleoproteína). e os picornavírus (que penetram através de poros
Nos reovírus e poxvírus, a transcrição e a replica- na membrana endossomal) não necessitam de
ção do genoma ocorrem no interior de capsídeos transporte intracelular antes de iniciar a síntese
parcialmente desintegrados. de proteínas, pois os ribossomos podem estar
Replicação viral 119

próximos ao local de penetração. Outros vírus DNA viral através do poro nuclear. O adenoví-
penetram na célula em vesículas endocíticas, que rus tipo 2 é transportado ao longo dos microtú-
se movimentam entre a densa cadeia de microfi- bulos até as proximidades do núcleo e liga-se a
lamentos e entregam a sua carga aos locais apro- filamentos dos poros nucleares. Após, com o au-
priados. Os herpesvírus e retrovírus penetram na xílio das importinas, e pela ligação com histonas,
célula por fusão do envelope com a membrana ocorre a desmontagem do vírion e o DNA viral é
plasmática, e o genoma viral deve ser transpor- translocado para o interior do núcleo.
tado até o núcleo para a replicação. Para iniciar
a transcrição reversa de seu material genético, os 3.4 Expressão gênica
retrovírus interagem com filamentos de actina,
necessitam funções relacionadas à miosina e dos A síntese de proteínas virais pela maqui-
microtúbulos. O HSV ultrapassa o córtex celular naria celular é o evento central da multiplicação
(composto basicamente de actina) por mecanis- dos vírus. O genoma viral codifica diferentes
mos ainda desconhecidos, e os nucleocapsídeos proteínas que devem desempenhar pelo menos
são transportados até o núcleo associados com os três funções básicas: a) assegurar a replicação
microtúbulos. Os adenovírus e parvovírus tam- do genoma; b) subverter funções celulares em
bém são transportados por microtúbulos até o seu benefício e c) empacotar os genomas recém-
núcleo da célula hospedeira. replicados em novas partículas víricas. Os vírus
não possuem metabolismo próprio e são inteira-
mente dependentes da maquinaria celular para a
3.3.3 Penetração nuclear produção de suas proteínas. Ou seja, as informa-
ções genéticas contidas no genoma dos vírus são
O núcleo é o local de replicação da maioria decodificadas em proteínas virais pelo aparato
dos vírus DNA e também dos ortomixovírus. No de síntese protéica da célula hospedeira. Para uti-
entanto, a presença da membrana nuclear repre- lizar esse aparato para a produção de suas pro-
senta uma barreira adicional à progressão dos ví- teínas, os vírus tiveram que evoluir de forma a
rions ou dos nucleocapsídeos, pois os poros nucle- satisfazer algumas restrições impostas pelas célu-
ares permitem a passagem somente de partículas las hospedeiras. O ponto-chave desse processo é
com até 39 nm de diâmetro. Conseqüentemente, a síntese (ou apresentação) de mRNAs que sejam
o transporte dos nucleocapsídeos ou do genoma adequadamente reconhecidos e traduzidos pelos
até o interior do núcleo depende de interações ribossomos. Dependendo da estrutura e organi-
específicas com componentes celulares. Vírions zação genômica, os vírus de diferentes famílias
pequenos, como os parvovírus (18-24 nm) e os convergem para a produção de mRNA por dife-
capsídeos do vírus da hepatite B (36 nm), podem rentes vias (Figura 5.4).
ser transportados intactos (ou semi-íntegros), por O aparato celular de transcrição (RNA poli-
meio de mecanismos citoplasmáticos especializa- merase II e fatores de transcrição) e de processa-
dos (microtúbulos, microfilamentos e proteínas mento dos transcritos se localiza no núcleo das
motoras), e, posteriormente, translocados através células hospedeiras. A maioria dos vírus DNA
dos poros nucleares por proteínas especializadas. replica no núcleo e, assim, pode utilizar esses
Os vírions ou capsídeos maiores necessitam ser mecanismos. Os genes desses vírus contêm re-
previamente desintegrados ou deformados para giões regulatórias (promotores, enhancers) que
permitirem a introdução do genoma viral pelos são reconhecidas pela RNA polimerase II (RNA-
poros nucleares. O nucleocapsídeo do HSV, por polII) e pelos fatores de transcrição celulares. Os
exemplo, é transportado do córtex celular até o transcritos (mRNA) produzidos contêm a estru-
núcleo ao longo dos microtúbulos e liga-se, na tura cap, são poliadenilados e alguns são subme-
face citoplasmática da membrana nuclear, por tidos a splicing antes de serem exportados para
meio de uma molécula denominada de importi- o citoplasma. Embora sejam vírus DNA, os po-
na. Posteriormente ocorre uma abertura parcial xvírus e asfarvírus replicam no citoplasma e são
de um dos vértices do capsídeo e a liberação do independentes da maquinaria nuclear de síntese
120 Capítulo 5

Vírus DNA Vírus RNA

Poxviridae Circoviridae Vírus que realizam Reoviridae Paramyxoviridae Picornaviridae


Adenoviridae Parvoviridae transcrição reversa Birnaviridae Orthomyxoviridae Flaviviridae
Herpesviridae (Classe II) (Classe III) Arenaviridae Caliciviridae
Polyomaviridae Rabdoviridae Astroviridae
Papillomaviridae Hepadnaviridae Retroviridae Bunyaviridae Coronaviridae
(Classe I) (Classe VII) (Classe VI) Filoviridae Arteriviridae
(Classe V) Togaviridae
(Classe IV)

dsDNA ssDNA pdsDNA ssRNA dsRNA ssRNA ssRNA


(+) (+ / -) (-) (+)

ssDNA

1 .dsDNA .dsDNA 4 5 6 7

dsDNA

2 3

mRNA

Tradução

Proteína

Fonte: adaptado de Baltimore (1971).

Figura 5.4. Estratégias de produção de RNA mensageiros (mRNA) e expressão gênica das diferentes classes de vírus.
Nos vírus da classe I, os promotores virais são reconhecidos por fatores celulares, e os genes são transcritos pela
RNApolII celular, resultando em mRNAs traduzíveis pelos ribossomos (1). Nos vírus da classe II, o genoma DNA de
fita simples linear (parvovírus) ou circular (circovírus) é, inicialmente, convertido em fita dupla e transcrito pela
RNApolII (2). Apenas as cadeias negativas dos vírus da classe III (genoma RNA de fita dupla) são transcritas pela
polimerase viral, originando os mRNA (5). O genoma dos vírus da classe IV (RNA fita simples de polaridade
positiva) pode ser diretamente traduzido, em toda a sua extensão (flavivírus, picornavírus) ou parcialmente (outros)
(7). Nestes, o restante dos mRNA são produzidos pela transcrição do RNA intermediário pela polimerase viral. Nos
vírus da classe V, o genoma RNA de polaridade negativa é transcrito pela polimerase presente nos vírions (6). Nos
hepadnavírus (classe VII), os mRNA são produzidos pela transcrição do DNA viral pela RNApolII e fatores celulares
(3). Nos retrovírus (classe VI), os mRNA são produzidos pela transcrição do provírus DNA (uma cópia do RNA
genômico) pela RNApolII e fatores celulares, após a integração do provírus ao genoma celular (4).

e processamento de DNA e RNA. Isso só é pos- ção e convergem para a produção de mRNA por
sível porque esses vírus trazem, nos vírions, as vias diferentes. Os retrovírus utilizam a maqui-
enzimas e fatores auxiliares para a transcrição e naria celular para a transcrição dos seus genes,
processamento dos seus mRNA. após a integração de uma cópia DNA do genoma
Os vírus RNA, com exceção dos retrovírus, (provírus) nos cromossomos celulares. A transcri-
não dependem da maquinaria celular de transcri- ção resulta na produção de mRNA para a síntese
Replicação viral 121

protéica e também de cópias de RNA genômico mRNA exige o reconhecimento de seqüências


que serão encapsidadas. específicas localizadas próximas ao códon de
Os vírus RNA convergem para a apresenta- iniciação, mecanismo ainda não identificado em
ção de mRNA traduzíveis de duas formas: a) o eucariotas. Por isso, os vírus desenvolveram di-
próprio genoma dos vírus RNA de sentido posi- ferentes estratégias de codificação de suas pro-
tivo serve de mRNA e é parcial ou integralmente teínas: produção de mRNA monocistrônicos
traduzido pelos ribossomos. Nos vírus cujo geno- (contendo uma ORF = um gene) ou produção
ma é parcialmente traduzido, os mRNAs, para a de mRNA policistrônicos. Os mRNAs policistrô-
síntese das proteínas estruturais, são produzidos nicos contêm uma única e longa ORF que codi-
pela transcrição do RNA de sentido antigenômi- fica uma longa poliproteína. À medida que vai
co, que é produzido pela replicação do genoma; sendo traduzida, essa poliproteína é clivada por
b) os vírus RNA de sentido negativo trazem a proteases celulares e/ou virais, dando origem às
sua própria RNA polimerase nos vírions. Assim, proteínas virais individuais. Do ponto de vista da
no início da infecção, essa enzima se encarrega tradução, os mRNA que contêm uma única ORF,
de transcrever o genoma viral, produzindo os que é traduzida em poliproteína, comportam-se
mRNA para a síntese protéica. Nos vírus RNA como mRNAs monocistrônicos, pois a tradução
de cadeia dupla, a RNA polimerase trazida nos se inicia no primeiro códon de iniciação e termina
vírions transcreve as cadeias genômicas negati- no códon de terminação. As proteínas individu-
vas em mRNA. ais são geradas após este processo, pela clivagem
A maquinaria de síntese protéica das célu- enzimática.
las eucariotas (ribossomos e fatores auxiliares) se Além de superar essas restrições, os vírus
localiza no citoplasma; somente traduz mRNA tiveram que desenvolver estratégias que os per-
monocistrônicos e que possuam a estrutura cap mitam utilizar a maquinaria celular de tradução
na extremidade 5’. Os mRNA dos vírus DNA que em seu benefício. Isso porque os mRNA celula-
replicam no núcleo são produzidos, processados res estão presentes em muito maior quantidade e
e exportados para o citoplasma pela maquinaria competem com grande vantagem em relação aos
da célula e, como tal, assemelham-se aos mRNA mRNA virais. Dentre as estratégias virais utiliza-
celulares. Os mRNA do vírus DNA que replicam das pelos vírus para competir pelo aparato celular
no citoplasma (poxvírus, asfarvírus) são produzi- de tradução destacam-se: a) inibição da transcri-
dos e modificados no próprio citoplasma por en- ção celular (vírus da estomatite vesicular, VSV);
zimas virais, também à semelhança dos mRNA b) inibição do processamento e/ou maturação e
celulares. Para serem traduzidos diretamente, exportação de mRNA celulares do núcleo (ade-
os genomas dos vírus RNA de sentido positivo novírus, HIV); c) degradação de mRNA celulares
possuem cap 5’ (alguns flavivírus, coronavírus, no núcleo (ortomixovírus, HSV) ou no citoplasma
arterivírus e togavírus) ou uma estrutura secun- (buniavírus); d) inibição seletiva da tradução de
dária que permite o reconhecimento pelos ribos- mRNA celulares (poliovírus, FMDV); e) facilita-
somos e o início da tradução. Essa estrutura é ção do processamento, transporte e tradução de
denominada IRES (internal ribosomal entry site) e mRNA virais (HIV); g) alteração da especificida-
está presente próxima à extremidade 5’ do geno- de de reconhecimento de mRNA para a tradução:
ma dos picornavírus e de alguns membros da fa- a tradução de mRNA que possuem cap é inibida
mília Flaviviridae (pestivírus). Nos vírus RNA de e as células infectadas passam a traduzir mRNA
sentido negativo e RNA de cadeia dupla, a RNA virais, que são reconhecidos pelos ribossomos
polimerase viral produz mRNAs com cap e cauda através da estrutura IRES (picornavírus).
poliA.
A maquinaria de tradução das células eu- 3.5 Replicação do genoma
cariotas não é capaz de traduzir mRNAs policis-
trônicos, ou seja, mRNAs que contenham mais Dependendo do tipo e organização genômi-
de uma ORF. A tradução de ORFs internas no ca, os vírus podem utilizar diferentes estratégias
122 Capítulo 5

para cumprir as etapas de expressão gênica e re- rus. A contribuição dos fatores virais na replica-
plicação do seu genoma. Baltimore (1971) propôs ção desses vírus, no entanto, varia muito entre as
a classificação dos vírus em seis grupos, de acor- diferentes famílias. Em geral, os vírus DNA mais
do com o tipo de genoma, local e estratégia de simples (circovírus, parvovírus e poliomavírus)
replicação. Essa classificação foi posteriormente utilizam extensivamente a maquinaria celular,
ampliada para contemplar novos vírus e estra- pois os seus genomas codificam poucos produ-
tégias identificadas, resultando em sete grupos tos associados com funções replicativas. Por ou-
ou classes (Tabela 5.2). A seguir serão abordados tro lado, os vírus DNA complexos (herpesvírus
os principais aspectos da replicação de cada um e poxvírus) codificam muitas enzimas e fatores
desses grupos. Os detalhes da replicação dos ví- envolvidos na replicação. Esses últimos seriam,
rus de cada família serão abordados nos capítu- teoricamente, menos dependentes da maquina-
los específicos. ria celular para a replicação de seus genomas e a
conseqüente produção da progênie viral.
3.5.1 Replicação dos vírus DNA A replicação da maioria dos vírus DNA
ocorre no núcleo da célula hospedeira. O genoma
A replicação dos vírus DNA é realizada pela desses vírus contém regiões regulatórias que são
ação orquestrada da maquinaria da célula hospe- reconhecidas pela maquinaria celular de trans-
deira associada com fatores codificados pelo ví- crição e, assim, podem utilizá-la para a produção
Tabela 5.2 Classificação dos vírus de acordo com o tipo de genoma, local de replicação e estratégia utilizada para
produzir os mRNAs.

Classe Genoma Local de replicação Famílias

Polyomaviridae
Papillomaviridae
Ia. Núcleo Adenoviridae
I DNA de cadeia dupla Herpesviridae

Ib. Citoplasma Poxviridae


Asfarviridae

Parvoviridae
II DNA cadeia simples Núcleo Circoviridae

III RNA de cadeia dupla Citoplasma Reoviridae


Birnaviridae

IVa.Tradução integral Flaviviridae


do genoma Picornaviridae
RNA de cadeia simples,
IV Citoplasma
sentido positivo
Astroviridae
IVb.Tradução parcial Caliciviridae
do genoma; mRNAs Togaviridae
subgenômicos Coronaviridae
Arteriviridae

Va. Núcleo Orthomyxoviridae


Bornaviridae
RNA de cadeia simples,
V sentido negativo Bunyaviridae
Arenaviridae
Vb. Citoplasma Rabdoviridae
Paramyxoviridae
Filoviridae
RNA de cadeia simples e
VI Citoplasma/núcleo Retroviridae
intermediário DNA

DNA de cadeia parcialmente


VII Núcleo/citoplasma Hepadnaviridae
dupla e intermediário RNA

Fonte: adaptado de Baltimore (1971).


Replicação viral 123

dos mRNA necessários à síntese de suas prote- nante de fatores celulares e se inicia com a síntese
ínas. Em diferentes graus, esses vírus também da fita complementar. Nos parvovírus, a própria
utilizam enzimas e fatores celulares para o meta- extremidade 3’ do genoma serve de primer para
bolismo de nucleotídeos, para a síntese de DNA o início da replicação. A replicação do genoma
e replicação do genoma. linear de fita dupla dos adenovírus se inicia com
Os poxvírus e asfarvírus se constituem em um primer de proteína, ocorre de forma contínua
exceções, pois trazem, nos vírions, as enzimas e e em duas etapas. Apenas uma das cadeias é re-
fatores necessários para a transcrição e modifica- plicada em cada etapa. A replicação do genoma
ção dos mRNA e codificam as enzimas e fatores dos herpesvírus e poxvírus é mais complexa e
envolve a participação de vários fatores codifica-
requeridos para a replicação do genoma. Mesmo
dos pelo genoma viral. Os herpesvírus parecem
assim, são dependentes da maquinaria celular de
replicar o seu genoma por um mecanismo de cír-
síntese protéica. A replicação desses vírus ocorre
culo rolante, no qual a replicação inicia-se após a
inteiramente no citoplasma.
circularização do genoma e resulta na produção
O mecanismo de replicação do genoma
de multímeros, que são posteriormente clivados
também apresenta diferenças entre as famílias,
em unidades genômicas. A replicação do genoma
devido a peculiaridades de estrutura, topologia dos hepadnavírus inclui uma etapa de transcri-
e organização genômica. A replicação do geno- ção reversa, na qual um RNA produzido a partir
ma circular de fita dupla dos poliomavírus, por do DNA genômico é convertido em DNA de fita
exemplo, é realizada quase que exclusivamente simples e, posteriormente, em DNA de fita du-
por enzimas e fatores celulares. A síntese das no- pla.
vas cadeias utiliza um primer de RNA e ocorre de As etapas do ciclo replicativo dos diferentes
forma bidirecional e semidescontínua, a exemplo grupos de vírus DNA estão ilustradas esquema-
da replicação do DNA celular. A replicação dos ticamente nas Figuras 5.5 a 5.8 (a forma de apre-
genomas DNA de fita simples (circovírus e parvo- sentação das etapas de replicação foi adaptada de
vírus) também envolve a participação predomi- ROIZMAN e PALESE, 1996).

3
Genoma dsDNA DNA Progênie
Replicação

6 Morfogênese
Transcrição Transcrição
1 genes iniciais 4 genes tardios

mRNA mRNA Vírions Egresso

2 Tradução 5 Tradução
6 Morfogênese

Proteínas Proteínas tardias


iniciais (NS) (estruturais)

Figura 5.5. Ciclo replicativo dos vírus da classe Ia (Adenoviridae, Herpesviridae, Polyomaviridae e Papillomaviridae).
Os genes iniciais são transcritos antes da replicação do genoma (1) e geralmente codificam proteínas não-estruturais
(NS) envolvidas nas etapas seguintes da replicação (2). Essas proteínas, isoladamente ou em conjunto com fatores
celulares, atuam na replicação do genoma (3). Os genes tardios são transcritos após a replicação do genoma (4) e
codificam proteínas estruturais em sua maioria (5). As proteínas estruturais são importadas para o núcleo, onde
ocorre a morfogênese (6).
124 Capítulo 5

3.5.1.1 Vírus da classe Ia de infecção, também são produzidas nessa etapa


e incorporadas na progênie viral (Figura 5.5).
Os genes desses vírus são transcritos pela
maquinaria celular de transcrição, pois possuem 3.5.1.2 Vírus da classe Ib
as regiões regulatórias (promotores, enhancers),
que são reconhecidas pela RNApolII e pelos fato- Os poxvírus e asfarvírus realizam o seu ciclo
res de transcrição da célula hospedeira. Os genes replicativo inteiramente no citoplasma. Para isso,
são classificados em duas ou mais classes e são trazem, nos vírions, as enzimas e fatores necessá-
transcritos seqüencialmente sob regulação tem- rios para a transcrição dos seus genes e proces-
poral restrita. Os genes iniciais (immediate-early e samento dos transcritos. O genoma desses vírus
early nos herpesvírus; early nas demais famílias) codifica vários produtos que atuam no metabo-
são transcritos logo após a penetração na célula e, lismo de nucleotídeos e na replicação do genoma
geralmente, codificam proteínas não-estruturais (DNA polimerase, helicase, proteína de ligação
que possuem funções regulatórias sobre outros no DNA e quinase de timidina), que, portanto,
genes e também enzimas e fatores envolvidos na é realizada predominantemente por enzimas e
replicação do genoma. A replicação do genoma fatores virais. A expressão gênica ocorre em três
dos poliomavírus e papilomavírus é realizada etapas principais: inicial, intermediária e tardia.
quase que exclusivamente por fatores e enzimas Os genes iniciais são os primeiros a ser expres-
celulares; já os herpesvírus e adenovírus codifi- sos, e os seus produtos possuem funções diver-
cam várias proteínas com funções replicativas sas, incluindo a conclusão do desnudamento, a
(DNA polimerase, proteína de ligação no DNA, replicação do genoma e ativação da transcrição
helicase e quinases de nucleotídeos). Os genes dos genes intermediários. As proteínas inter-
tardios são transcritos após a replicação do geno- mediárias atuam principalmente na ativação da
ma e codificam principalmente proteínas estrutu- transcrição dos genes tardios, cujos produtos são
rais e/ou proteínas envolvidas na morfogênese. predominantemente proteínas estruturais e/ou
Algumas proteínas não-estruturais (NS), que são que participam da morfogênese da progênie viral
necessárias nos estágios iniciais do próximo ciclo (Figura 5.6). Esses vírus codificam vários produ-

3 DNA 4
Genoma DNA DNA progênie
(encapsidado) livre Replicação

5 Transcrição 7 Transcrição 9 Morfogênese


1 Transcrição
inicial

mRNA iniciais mRNA mRNA


intermediários tardios Vírions Egresso

2 Tradução
6 Tradução 8 Tradução
9 Morfogênese

Proteínas Proteínas Proteínas


iniciais (NS) intermediárias tardias

Figura 5.6. Ciclo replicativo dos vírus da classe Ib (Poxviridae e Asfarviridae). Os genes iniciais são transcritos pela
RNA polimerase viral ainda com o DNA parcialmente encapsidado, resultando nos mRNAs (1) que são traduzidos
nas proteínas iniciais (2). Essas proteínas participam do desnudamento completo do genoma (3), na sua replicação (4)
e na transcrição (5) dos genes que codificam as proteínas intermediárias (6). Estas proteínas estão envolvidas na
transcrição dos genes tardios (7), que codificam principalmente proteínas estruturais (8). Estas proteínas participam
da morfogênese dos vírions, juntamente com o DNA recém-replicado (9).
Replicação viral 125

tos que interferem com a resposta do hospedei- Os parvovírus encapsidam predominantemente


ro à infecção, dificultando o reconhecimento das cópias de DNA de sentido negativo (aquelas que
células infectadas pelo sistema imunológico do serão transcritas), mas algumas espécies podem
hospedeiro. encapsidar também cópias positivas e, ocasional-
mente, uma mistura das duas (Figura 5.7).
3.5.1.3 Vírus da classe II
3.5.1.4 Vírus da classe VII
A replicação do genoma dos parvovírus e
circovírus é realizada predominantemente por A replicação do genoma dos hepadnaví-
enzimas e fatores da célula hospedeira. A primei- rus envolve uma etapa de transcrição reversa e
ra etapa da replicação é a síntese da cadeia com- ocorre parte no núcleo e parte no citoplasma. No
plementar de DNA. O DNA de fita dupla (linear núcleo, o genoma de cadeia dupla parcial é con-
nos parvovírus, circular nos circovírus) é, então, vertido em um círculo covalentemente fechado
transcrito pela RNA polII celular, originando os (ccc) por fatores celulares e virais e, subseqüen-
mRNAs para a síntese de proteínas virais. A re- temente, transcrito pela RNApolII celular. Além
plicação dos parvovírus está intimamente asso- dos mRNA para a produção das proteínas virais,
ciada com a fase S do ciclo celular, demonstran- a transcrição produz RNAs com a extensão do
do a dependência de fatores celulares presentes genoma (pgRNA). Esses pgRNAs servirão de
nesta fase. O genoma dos parvovírus é replicado molde para a transcrição reversa, que é realizada
de forma contínua, a partir de uma 3’-OH loca- pela polimerase viral, e ocorre no interior de cap-
lizada na extremidade do hairpin, formado pelo sídeos pré-formados no citoplasma. A síntese da
pareamento das regiões complementares termi- cadeia complementar de DNA inicia em seguida,
nais. A síntese da nova cadeia é seguida pelo des- mas é interrompida por ocasião do egresso dos
locamento da cadeia original, originando conca- vírions. Com isso, as partículas víricas contêm
têmeros, que serão posteriormente clivados para uma molécula de DNA de fita parcialmente du-
originar os monômeros de extensão genômica. pla (Figura 5.8).

1
Genoma DNA DNA fita dupla DNA ss (-)
(cadeia simples)

2 Transcrição 4 Morfogênese 5

mRNA DNA ss (+) Vírions Egresso

3 Tradução
Morfogênese 5

Proteínas estruturais
e
Não-estruturais (NS)

Figura 5.7. Ciclo replicativo dos vírus da classe II (Parvoviridae e Circoviridae). O genoma DNA de cadeia simples é,
inicialmente, convertido em DNA de cadeia dupla por polimerases e fatores auxiliares da célula hospedeira (1).
Apenas uma das cadeias (DNA de sentido negativo) é transcrita pela RNA polimerase II celular, originando os
mRNAs (2), que são processados e exportados para o citoplasma, onde são traduzidos (3). A replicação do genoma
depende da interação entre fatores celulares e virais e resulta na síntese de cópias de DNA de cadeia simples de
sentido positivo (4) e negativo (5). As moléculas de DNA recém-replicadas são então incluídas nos vírions, através de
interações específicas com as proteínas do capsídeo (6).
126 Capítulo 5

Genoma DNA
(Parcialmente ds)

1 A cadeia dupla Egresso


é completada
7

2 3 Proteínas estruturais 8
DNAccc mRNA e polimerase Vírions
Transcrição Tradução DNApds
parcial

6 Síntese da
cadeia complementar

4 5
PgRNA CDNA
Transcrição Transcrição
completa reversa

Figura 5.8. Ciclo replicativo dos vírus da classe VII (Hepadnaviridae). O DNA genômico é, inicialmente, convertido
em uma molécula circular de cadeia dupla completa ccc (1). Essa molécula é transcrita pela RNA pol II celular,
originando inicialmente mRNAs (2), que são processados e exportados para o citoplasma, onde serão traduzidos em
proteínas estruturais e não-estruturais (3). RNAs com a extensão integral do genoma (pgRNA) são, então, produzidos
(4) e exportados para o citoplasma. A polimerase viral recém-produzida realiza a transcrição reversa do pgRNAs,
resultando em cDNA (5), que é convertido em DNA de cadeia dupla (6). Capsídeos contendo o DNA de cadeia
parcialmente dupla podem voltar ao núcleo e reiniciar o ciclo (7) ou participar da morfogênese das partículas víricas
(8).

3.5.2 Replicação dos vírus RNA genoma logo no início da infecção. Uma vez pro-
duzida, essa enzima se encarrega de replicar o
genoma, produzindo cópias de RNA de sentido
A replicação dos vírus RNA enfrenta algu- antigenômico, que servem de molde para a sínte-
mas dificuldades adicionais, impostas por pecu- se de mais cópias de sentido genômico. Por isso,
liaridades dos processos biossintéticos das célu- o genoma desses vírus é dito infeccioso, ou seja, a
las hospedeiras. A replicação do genoma desses sua introdução por métodos artificiais em células
vírus envolve a síntese de moléculas de RNA de permissivas (transfecção) resulta na ocorrência
sentido antigenômico, que servem de molde para de todas as etapas do ciclo replicativo e na pro-
a subseqüente síntese de RNAs de sentido genô- dução de progênie viral.
mico. Essas reações são realizadas por polimera- Por outro lado, o genoma dos vírus RNA de
ses específicas, que produzem moléculas de RNA polaridade negativa não pode ser traduzido, pois
a partir de moldes RNA (polimerases de RNA de- possui o sentido complementar ao mRNA. Esses
pendentes de RNA). No entanto, as células euca- vírus solucionaram esse problema de forma di-
riotas não possuem tais enzimas e, por isso, não ferente: trazem associado ao material genético
são capazes de replicar o genoma desses vírus. algumas moléculas da polimerase de RNA (repli-
Assim, para replicar o genoma, os vírus RNA de- case). Uma vez no interior da célula, a replicase
vem codificar as suas próprias enzimas replicati- sintetiza cópias de RNA de sentido antigenômico
vas. As polimerases de RNA virais, cuja função que servem de mRNA para a síntese das proteí-
é produzir cópias do genoma, são denominadas nas virais. Esses RNAs também servem de molde
genericamente transcriptases ou replicases. para a síntese de mais cópias de RNA de sentido
Os vírus RNA de polaridade positiva solu- genômico. O genoma dos vírus RNA de pola-
cionaram esse problema pela própria natureza ridade negativa não é infeccioso, ou seja, a sua
do genoma: a enzima replicase é codificada pelo introdução (desprovido de proteínas) em células
genoma e é produzida pela tradução direta do permissivas não resulta na ocorrência das etapas
Replicação viral 127

seguintes da replicação. Em resumo, a necessida- entre outras, já foram identificadas entre as pro-
de da polimerase de RNA para replicar o geno- teínas NS dos vírus RNA.
ma foi suprida, de formas diferentes, tanto pelos Como os vírus RNA independem da ma-
vírus RNA de sentido positivo como pelos vírus quinaria nuclear para a síntese e modificação
RNA de sentido negativo. de ácidos nucléicos, o seu ciclo replicativo pode
A replicação do genoma dos vírus RNA ocorrer inteiramente no citoplasma. Os ortomixo-
ocorre em duas etapas. A primeira etapa envolve vírus constituem as exceções, pois dependem de
a síntese de um RNA de sentido antigenômico, segmentos dos mRNA celulares para a produção
também denominado replicativo intermediário e funcionalidade de seus mRNAs e, por isso, re-
(RI). Nos vírus RNA de polaridade positiva, o plicam no núcleo da célula hospedeira.
RI possui polaridade negativa; nos vírus RNA Os retrovírus apresentam um mecanismo de
de polaridade negativa, o RI possui polaridade replicação que difere dos demais vírus RNA. Em-
positiva. A segunda etapa envolve a síntese de
bora possua polaridade positiva, o RNA genômi-
RNA de sentido genômico, utilizando o RI como
co não é traduzido pelos ribossomos, e sim con-
molde. Em alguns vírus RNA de sentido positivo
vertido em uma molécula de DNA de fita dupla
(Classe IVb), o RI também serve de molde para a
pela enzima transcriptase reversa (RT) presente
síntese de mRNAs. Embora essas duas etapas fa-
nos vírions. Essa molécula de DNA, denominada
çam parte do processo replicativo, às vezes, rece-
bem denominações diferentes: a síntese de RNAs provírus, é integrada ao genoma da célula hospe-
de polaridade positiva é denominada transcrição; deira e, posteriormente, transcrita pela RNApo-
a síntese da cópia negativa de RNA é denomi- lII. A transcrição resulta em mRNAs para a sínte-
nada replicação. Essas duas etapas são realizadas se de proteínas estruturais e da enzima RT, e em
pelas replicases virais, pois as células eucariotas cópias do RNA genômico, que é então incluído
não possuem enzimas e funções para replicar o nas novas partículas víricas.
RNA. Além das replicases, esses vírus codificam As etapas do ciclo replicativo dos diferentes
outras proteínas não-estruturais (NS) com fun- grupos de vírus RNA estão ilustradas esquema-
ções diversas e que auxiliam, de algum modo, ticamente nas Figuras 5.9 a 5.13 (a forma de apre-
na replicação do genoma. Atividades de helicase, sentação das etapas de replicação foi adaptada de
protease, ligação no RNA, ATPase, ribonuclease, ROIZMAN E PALESE, 1996).

4
RNA
Replicação Genoma RNA (+)
anti-genômico
(-) 3

7 Morfogênese
1,6 Tradução

Poliproteína Vírions Egresso

2 Clivagem

7 Morfogênese

Proteínas não-estruturais

Proteínas estruturais

Figura 5.9. Ciclo replicativo dos vírus da classe IVa (Picornaviridae e Flaviviridae). A ORF única do genoma é
traduzida em toda a sua extensão logo após o desnudamento, resultando da produção de uma longa poliproteína (1).
À medida que vai sendo produzida, essa poliproteína vai sendo clivada por proteases celulares e/ou virais dando
origem às proteínas individuais, entre as quais a RNA polimerase viral (2). A RNA polimerase é responsável pela
replicação do genoma, que ocorre via produção de um intermediário RNA de sentido negativo (3, 4). As novas cópias
de RNA de sentido positivo são, então, utilizadas em novos ciclos de tradução (6), replicação (3,4) e/ou participam da
morfogênese da progênie viral (7).
128 Capítulo 5

3.5.2.1 Vírus da classe IVa mas a organização genômica e a estratégia de


expressão gênica diferem do grupo anterior. Os
O genoma desses vírus contém uma ORF genes que codificam as proteínas NS ocupam os
única e longa, flanqueada por duas regiões não dois terços iniciais do genoma; o terço restante
traduzidas (5’UTR; 3’UTR). Os genes das prote- contém os genes das proteínas estruturais. No
ínas estruturais ocupam o terço 5’ do genoma; o início da infecção, o RNA genômico é traduzido
restante da ORF contém os genes das proteínas parcialmente, resultando na produção de uma
não-estruturais (NS). Essa ORF é traduzida em poliproteína que abrange a região das proteínas
toda a sua extensão logo após o desnudamento, NS. A clivagem dessa poliproteína resulta nas
originando uma poliproteína longa, que é cliva- proteínas NS, incluindo a replicase viral. Utili-
da em proteínas individuais à medida que vai zando o RNA genômico como molde, a replicase
sendo produzida (Figura 5.9). As proteínas NS sintetiza uma cópia de RNA de sentido antigenô-
recém-produzidas – incluindo a replicase viral mico (polaridade negativa) com a extensão com-
– realizam a replicação do genoma, que envolve a pleta do genoma. Esse RNA antigenômico serve
síntese de um RNA de sentido antigenômico (de
de molde para a síntese de vários mRNAs de
polaridade negativa); que serve, então, de mol-
extensões variáveis (denominados mRNAs sub-
de para a síntese de cópias de RNA de sentido
genômicos), que serão traduzidos nas proteínas
genômico. As regiões 5’UTR e 3’UTR do genoma
estruturais. O RNA antigenômico também serve
contêm seqüências importantes para a transcri-
de molde para a transcrição completa e produção
ção e replicação. O genoma dos vírus do gênero
de RNAs de sentido e extensão genômica. Resu-
Flavivirus possui a estrutura cap na extremidade
mindo, embora o genoma desses vírus possua
3’; os demais membros da família Flaviviridae e os
picornavírus possuem estruturas secundárias (in- polaridade positiva, apenas a região da ORF, que
ternal ribosomal entry site, IRES) na região 5’UTR, corresponde às proteínas NS, é traduzida pelos
que são reconhecidas pelos ribossomos para o ribossomos. As proteínas estruturais são produ-
início da tradução. zidas pela tradução de mRNAs subgenômicos,
que, por sua vez, são produzidos pela transcrição
3.5.2.2 Vírus da classe IVb do RNA antigenômico. Uma característica mar-
cante dessas famílias – e que difere do grupo an-
O genoma desses vírus é constituído por terior – é a produção de mRNAs subgenômicos
uma molécula de RNA de polaridade positiva, (Figura 5.10).

6
RNA
6
Genoma RNA (+) Replicação anti-genômico Genoma RNA (+)
(-) Replicação
3

Tradução 4 Transcrição 7 Morfogênese


parcial 1

Poliproteína mRNA
subgenômicos Vírions Egresso
região 5’

Clivagem 2 5 Tradução

7 Morfogênese

Proteínas Proteínas
não-estruturais estruturais

Figura 5.10. Ciclo replicativo dos vírus da classe IVb (Coronaviridae, Togaviridae, Arteriviridae, Caliciviridae e
Astroviridae). O RNA genômico de sentido positivo é traduzido parcialmente, resultando em uma poliproteína (1) que é
clivada em proteínas não-estruturais, incluindo a replicase (2). A replicase recém-produzida replica o genoma em toda a
sua extensão, produzindo uma molécula de RNA de sentido antigenômico (3). O RNA anti-genômico serve de molde
para a transcrição e produção de vários RNAm subgenômicos de extensões variáveis (4), cuja tradução resulta nas
proteínas estruturais (5). Posteriormente também são produzidas cópias inteiras do genoma RNA de sentido positivo (6),
que servirão de molde para ciclos adicionais de replicação (3) e serão oportunamente encapsidadas (7).
Replicação viral 129

3.5.2.3 Vírus da classe V Nos vírus com o genoma segmentado, a transcri-


ção dos segmentos genômicos de RNA também
Esses vírus possuem um genoma RNA de resulta em dois tipos de RNAs, com funções dife-
sentido negativo, não-segmentado (paramixoví- rentes (mRNAs para a tradução; RI RNAs para a
rus, rabdovírus e filovírus) ou segmentado (or- replicação). Os mRNAs e RIs, derivados de cada
tomixovírus, buniavírus e arenavírus) e trazem a segmento, no entanto, possuem tamanhos apro-
replicase viral nos vírions. Nos vírus com o ge- ximados. Os mRNAs possuem alguns nucleotí-
noma não-segmentado, os genes são transcritos deos a mais e a estrutura cap na extremidade 5’
individualmente, originando mRNAs que são e uma cauda poliA na extremidade 3’. Os RNAs
traduzidos nas proteínas estruturais e NS (Figura RI, sem cap ou poliA são produzidos tardiamente
5.11). Nos vírus com o genoma segmentado, cada na infecção e servem exclusivamente de molde
segmento contém um (ou dois) gene(s), que tam- para a replicação e produção de segmentos de
bém são transcritos individualmente. Nas etapas RNA genômicos. Todas as etapas de transcrição
iniciais da infecção, a transcrição é direcionada e replicação desses vírus ocorrem com o genoma
para a síntese de mRNAs para a produção de pro- intimamente associado com proteínas, principal-
teínas virais. Em fases tardias do ciclo, o modo de mente a nucleoproteína (NP), formando o com-
transcrição deve ser alterado, de modo a produ- plexo ribonucleoproteína (RNP).
zir os RNAs intermediários de replicação (RI) de Os arenavírus e os vírus do gênero Phlebovi-
sentido antigenômico. Nos vírus com o genoma rus (Bunyaviridae) apresentam uma estratégia pe-
não-segmentado, esses RI possuem a extensão in- culiar de expressão de alguns de seus genes. Os
teira do genoma e servem de molde para a síntese RNA genômicos possuem polaridade negativa
de moléculas de RNA de sentido genômico. Dois e a maioria dos genes é expressa pela estratégia
tipos de RNAs de sentido positivo são, então, descrita acima. No entanto, um dos segmentos
produzidos: os mRNA com a extensão dos genes genômicos contém seqüências codificantes de
individuais (para a tradução); e o RNA RI, com a proteína tanto no sentido do genoma (sentido ne-
extensão inteira do genoma (para a replicação). gativo) como no sentido antigenômico. Essa es-

4
RNA Replicação Genoma RNA (-)
antigenômico
(-) 3

Transcrição 6 Morfogênese
1, 5

mRNA Vírions Egresso

2 Tradução

6 Morfogênese

Proteínas estruturais

Não-estruturais + NP

Figura 5.11. Ciclo replicativo dos vírus da classe V (Paramyxoviridae, Rhabdoviridae, Filoviridade, Orthomyxoviridae
e Bunyaviridade). Os genes individuais são transcritos pela RNA polimerase presente nos vírions, produzindo
mRNAs correspondentes a cada gene (1). A tradução desses mRNA resulta em proteínas estruturais e NS (2). As
proteínas NS, incluindo a replicase, participam da replicação do genoma. A replicação ocorre via síntese de RNAs de
sentido antigenômico (3), que servem de molde para a síntese de RNAs de sentido genômico (4). As moléculas de
RNA de sentido genômico servem de molde para novos ciclos de transcrição (5), replicação (3, 4) e serão
posteriormente encapsidadas (6).
130 Capítulo 5

tratégia é denominada ambissense e é única dessas deo com os complexos pré-formados entre o ge-
famílias. noma e outras proteínas estruturais. A liberação
dos vírions maduros ocorre de forma ineficiente
3.5.2.4 Vírus da classe III após a lise celular. As moléculas de RNA genô-
mico possuem funções distintas: as moléculas de
O genoma desses vírus é composto por 10 RNA de polaridade negativa servem apenas de
a 12 segmentos (reovírus) ou dois segmentos molde para a transcrição. A função aparente das
(birnavírus de animais) de RNA de fita dupla. moléculas genômicas de RNA positivo é apenas
Nos reovírus, a maioria dos segmentos codifica parear com as cadeias negativas. Já as moléculas
apenas uma proteína; poucos segmentos contêm de RNAs de sentido positivo, produzidas duran-
dois genes. Logo após a penetração e ainda em te a infecção, possuem duas funções: podem ser
capsídeos semi-íntegros, a polimerase viral pre- traduzidas em proteínas (mRNAs) e/ou servem
sente nos vírions realiza a transcrição primária de de molde para a síntese das cadeias negativas (Fi-
cada segmento. Os mRNA resultantes possuem gura 5.12).
duas funções: são traduzidos em proteínas e, já
associados com as proteínas estruturais recém- 3.5.2.5 Vírus da classe VI
produzidas, servem de molde para a replicação
(síntese de RNAs de sentido negativo). Dentro de A replicação do genoma dos retrovírus in-
capsídeos pré-formados, os segmentos de RNA clui etapas que ocorrem no citoplasma (logo após
de polaridade negativa recém-produzidos são a penetração do nucleocapsídeo na célula hospe-
transcritos (transcrição secundária). Os transcritos deira) e no núcleo (após a integração do material
resultantes são utilizados predominantemente genético viral no genoma da célula). O genoma
para a produção de proteínas nas fases tardias do desses vírus é composto por duas moléculas idên-
ciclo. Os eventos que ocorrem nas fases finais do ticas de RNA de sentido positivo que, no entanto,
ciclo não estão esclarecidos, mas parecem envol- não são traduzidas pelos ribossomos. No inicío
ver a associação das proteínas externas do capsí- da infecção, a molécula de RNA genômico é con-

Pré-capsídeos Replicação
+ mRNA Genoma RNA
4 (cadeia dupla)

Transcrição 6 Morfogênese
1,6 primária e
secundária

3
mRNA Vírions Egresso

Morfogênese 2 Tradução
3
inicial 6 Morfogênese

Proteína não-estruturais

Proteínas estruturais

Figura 5.12. Ciclo replicativo dos vírus da classe III (Reoviridae e Birnaviridae). A replicase viral trazida nos vírions
realiza a transcrição primária, produzindo mRNAs (1), que são traduzidos em proteínas estruturais e não-estruturais
(2). Esses mRNAs formam complexos com as proteínas estruturais recém-produzidas (3) e, no interior desses
complexos, servem de molde para a síntese de RNAs de sentido negativo, com a participação das proteínas NS (4). As
moléculas de RNA de cadeia dupla, resultantes da replicação (4), servem de molde para a transcrição secundária (5) e
para etapas adicionais de replicação (4). Essas moléculas, já conjugadas com algumas proteínas estruturais,
eventualmente participam da morfogênese pela associação com as demais proteínas do capsídeo (6).
Replicação viral 131

vertida em uma molécula de cDNA pela enzima fator viral, o genoma dos retrovírus é o único ge-
viral transcriptase reversa (RT, DNA polimerase noma viral a ser sintetizado exclusivamente por
dependente de RNA), que, em seguida, é con- enzimas e fatores celulares (Figura 5.13).
vertida em uma molécula de DNA de fita dupla.
Essa molécula, denominada provírus, ingressa no 3.6 Morfogênese, maturação e egresso
núcleo e é integrada no genoma da célula hospe-
deira, pela atividade integrase da polimerase vi- Os vírus das diversas famílias apresentam
ral. A integração do provírus no genoma celular uma ampla diversidade estrutural, que vai des-
assegura a perpetuação das informações genéti- de partículas formadas pelo genoma e uma ca-
cas do vírus no hospedeiro, e é absolutamente ne- mada simples de proteínas até vírions altamen-
cessária para a continuação do ciclo replicativo. te complexos. No entanto, independente da sua
A próxima etapa é a transcrição dos genes virais complexidade estrutural, uma série de interações
pela RNApolII e fatores de transcrição celulares. entre os seus constituintes são necessárias para a
A transcrição parcial do genoma produz mRNAs montagem das partículas víricas e a conclusão do
que serão processados por splicing e serão tradu- processo de replicação. Essas interações incluem:
zidos nas glicoproteínas do envelope. A transcri- a) formação das unidades estruturais do capsí-
ção completa do genoma origina mRNAs com deo pela interação entre as respectivas proteínas;
duas finalidades: servirem de molde para a tra- b) incorporação do genoma ao capsídeo pré-for-
dução em proteínas (RT, proteína da matriz, do mado ou em formação; e c) liberação da progênie
capsídeo) ou constituírem o RNA genômico para viral da célula infectada. No caso dos vírus enve-
a morfogênese da progênie viral. Considerando- lopados, a formação no nucleocapsídeo é seguida
se que a transcrição do provírus que produz o pela aquisição do envelope a partir de membra-
RNA genômico é realizada pela maquinaria celu- nas celulares, nas quais as proteínas virais foram
lar de transcrição, sem a participação de nenhum previamente inseridas.

Transcrição
reversa
ssDNA Genoma RNA (+)
1

Síntese da 8 Morfogênese
2 cópia complementar
7

Tradução Pol+In 8
dsDNA
(provírus) Proteínas do Vírions Egresso
5 capsídeo

3 Integração
8 Morfogênese

Provírus DNA Transcrição RNAs de extensão Splicing +Tradução


Glicoproteínas
Integrado genômica do envelope
4 6

Figura 5.13. Ciclo replicativo dos vírus da classe V (Retroviridae). Logo após o desnudamento, a enzima viral
transcriptase reversa (RT) sintetiza uma molécula de DNA complementar ao RNA genômico (1) que, em seguida, é
convertida em DNA de cadeia dupla (dsDNA), também pela ação da RT (2). Esta molécula de dsDNA, denominada
provírus, penetra no núcleo e é integrada no genoma da célula hospedeira pela atividade viral integrase (3). Os genes
presentes no provírus são, então, transcritos pela RNA polII celular, originando mRNAs de extensão subgenômica (4)
para a tradução nas proteínas do envelope (5). A transcrição do provírus em toda a sua extensão resulta em mRNAs de
extensão genômica (6), que podem ser traduzidos nas outras proteínas estruturais e polimerase viral (7) ou participam
da morfogênese das partículas virais (8).
132 Capítulo 5

Diferentemente de células eucariotas e pro- fogênese das partículas (e a conseqüente matura-


cariotas, que se multiplicam por fissão binária, ção) integralmente no citoplasma (vírus RNA) ou
os vírions são formados pela associação de com- no núcleo (vírus DNA). Dessa forma, a progênie
ponentes pré-formados (genoma + proteínas). viral infecciosa pode ser encontrada nesses com-
O processo de montagem das partículas víricas, partimentos, mesmo com a célula ainda íntegra,
que ocorre ao final do ciclo replicativo, é deno- ou seja, a maturação ocorre previamente ao egres-
minado genericamente de morfogênese ou reunião. so. Esses vírus geralmente são liberados quando
A aquisição da capacidade infectiva pelas partí- ocorre a destruição das células infectadas (Figu-
culas víricas recém-formadas – que ocorre prévia ra 5.14). Os vírus não-envelopados das famílias
ou concomitantemente com o seu egresso da cé- Polyomaviridae, Papillomaviridae, Adenoviridae e Pi-
lula – denomina-se maturação. Como, para muitos cornaviridae e também os membros da Poxviridae e
vírus, esses processos ocorrem simultaneamente, Asfarviridae (com envelope), enquadram-se nessa
serão aqui abordados conjuntamente. categoria.
As diferentes etapas da formação da partí-
cula vírica não ocorrem ao acaso. As associações 3.6.2 Maturação por brotamento em
entre os componentes são direcionadas e favore- membranas celulares
cidas por interações químicas específicas entre as
unidades protéicas estruturais e entre estas e o No ciclo replicativo dos vírus envelopados,
ácido nucléico. Dependendo da estrutura e com- as glicoproteínas do envelope recém-sintetizadas
plexidade da partícula vírica, da estratégia e local são inseridas em membranas celulares, isto é, na
de replicação, os vírus desenvolvem diferentes membrana do retículo endoplasmático rugoso
estratégias de morfogênese e maturação/egresso (RER), no aparelho de Golgi ou na membrana
de sua progênie. plasmática. Os nucleocapsídeos recém-formados
interagem com a proteína da matriz e/ou com
3.6.1 Maturação intracelular extremidades citoplasmáticas dessas glicopro-
(citoplasmática ou nuclear) teínas e inserem-se (ou projetam-se) através da
membrana, incorporando o envoltório. Esse en-
Alguns vírus (principalmente os desprovi- voltório (envelope) é composto pela membrana
dos de envelope) completam o processo de mor- lipídica dupla, contendo as glicoproteínas virais

Meio extracelular

Membrana plasmática 3

2
1 Citoplasma

Figura 5.14. Maturação intracelular e egresso dos vírus sem envelope. Os componentes do capsídeo interagem entre si
e com o genoma (1), resultando na formação de partículas víricas infecciosas (2), que são liberadas por lise celular (3).
Replicação viral 133

inseridas. O processo de aquisição do envelope envelope e completar a sua morfogênese/matu-


é denominado brotamento, pois o nucleocapsídeo ração, podem ser liberados por exocitose sem in-
literalmente brota para o interior do RER (Figura duzir necessariamente à lise da célula.
5.15), do Golgi ou para o exterior da célula (Fi- Os vírus RNA de sentido negativo, alguns
gura 5.16). Os vírus que realizam brotamento em vírus RNA de sentido positivo (togavírus) e os re-
membranas celulares, como forma de adquirir o trovírus completam a morfogênese e a maturação

Meio extracelular

Membrana plasmática

1
Citoplasma

Figura 5.15. Maturação intracitoplasmática de vírus envelopados por brotamento em membranas celulares internas.
Interação dos nucleocapsídeos com as caudas das glicoproteínas do envelope (1), brotamento e transporte no interior
de vesículas (2), liberação por exocitose (3).

Meio extracelular

3
Membrana plasmática

2
1

Citoplasma

Figura 5.16. Brotamento e maturação de vírus envelopados na membrana plasmática. Interação do nucleocapsídeo
com a proteína matriz e/ou caudas citoplasmáticas das glicoproteínas do envelope (1), brotamento através da
membrana plasmática e aquisição do envelope (2, 3), egresso de partículas infecciosas (4).
134 Capítulo 5

somente no momento da liberação dos vírions na BROWN, P. O. 1997. Integration. In: COFFIN, J. M.; HUGHES,
S. H.; VARMUS, H. E. (eds). Retroviruses. Plainview, NY: Cold
superfície da célula. Nesses casos, não é possível
Spring Harbor Laboratory Press, 1997, p.161-204.
detectar progênie viral infecciosa no interior das
células. Os vírions de outras famílias (Flaviviri- CANN, A.J. Principles of Molecular Virology. 2.ed. San Diego,
CA: Academic Press, 1997. 310p.
dae, Coronaviridae, Arteriviridae, Bunyaviridae, Po-
xviridae) realizam o brotamento no RER e/ou no CARRASCO, L. Entry of animal viruses and macromolecules
aparelho de Golgi. Vírions infecciosos podem ser into cells. FEBS Letters, v.350, p.151-154, 1994.

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das desses compartimentos, nas quais são trans- pathogenesis and control. Washington, DC: ASM Press, 2000.
portados até a membrana plasmática, onde são 804p.

liberados por exocitose. HAY, R.T. et al. Molecular interactions during adenovirus DNA
Os herpesvírus apresentam uma estratégia replication. Current Topics in Microbiology and Immunology,
particular de morfogênese, maturação e egres- v.199, p.31-48, 1995.

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nucleocapsídeos ocorrem no núcleo, para onde nucleoprotein localizes to the nucleolus. Journal of Virology,
as proteínas estruturais são importadas após a v.75, p.506-512, 2001.

sua síntese no citoplasma. Os nucleocapsídeos HISCOX, J.A. The interaction of animal cytoplasmic RNA viruses
podem adquirir o envelope pelo brotamento na with the nucleus to facilitate replication. Virus Research, v.95,
membrana nuclear interna – vírions completos p.13-22, 2003.

envelopados podem ser observados no espaço HUNTER, E. Virus assembly. In: KNIPE, D.M.; HOWLEY,
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capsídeos podem perder o envelope ao sair desse Williams & Wilkins, 2001. Cap.8, p.171-197.
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tamento na membrana do RER. Nesses casos, WILLETT, H.P.; AMOS, D.B. (Eds). Zinsser’s microbiology.
são transportados em vesículas e liberados ao 20.ed. Norwalk, CT: Appleton & Lange, 1992. p.789-835.
exterior por exocitose. Outros nucleocapsídeos
KLASSE, P.J.; BRON, R.; MARSH, M. Mechanisms of enveloped
podem ser transportados através do citoplasma virus entry into animal cells. Advanced Drug Delivery Reviews,
até a membrana plasmática, onde adquirem o en- v.34, p.65-91, 1998.
velope por brotamento. Ao contrário de alguns
KLUMPP, K.; RUIGROK, R.W.; BAUDIN, F. Roles of the
vírus envelopados, que não são líticos, a replica- influenza virus polymerase and nucleoprotein in forming a
ção dos herpesvírus inevitavelmente leva à lise e functional RNP structure. The EMBO Journal, v.16, p.1248-1257,
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Os efeitos da replicação viral na célula hos-
MARSH, M.; BOLZAU, E.; HELENIUS, A. Penetration of semliki
pedeira são muito variáveis e vão desde infec- forest virus from acidic prelysosomal vacuoles. Cell, v.32, p.931-
ções que não provocam alterações detectáveis até 940, 1983.
a morte e lise celular. As conseqüências da repli-
MARSH, M.; HELENIUS, A. Virus entry into animal cells.
cação viral em nível celular possuem importância
Advances in Virus Research, v.36, p.107-151, 1989.
na patogenia das doenças víricas. Esses temas se-
rão abordados no Capítulo 8. MURPHY, F.A. et al. Veterinary virology. 3.ed. San Diego, CA:
Academic Press, 1999. 629p.

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Replicação viral 135

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Science, v.304, p.237-242, 2004.
REPLICAÇÃO DOS VÍRUS DNA
Gustavo Delhon1 6
1 Introdução 139

2 Poliomavírus 140

2.1 O ciclo replicativo 140


2.2 O genoma dos PoVs 142
2.3 Expressão dos genes iniciais 142
2.4 Replicação do DNA 144
2.5 Expressão dos genes tardios 145
2.6 Morfogênese e egresso 146
2.7 Conclusões 146

3 Papilomavírus 147

3.1 O ciclo replicativo 147


3.2 O genoma dos PpVs 147
3.3 Expressão dos genes iniciais 148
3.4 Replicação do DNA e interferência com o ciclo celular 148
3.5 Expressão dos genes tardios 150
3.6 Conclusões 151

4 Adenovírus 151

4.1 O ciclo replicativo 151


4.2 O genoma dos AdVs 151
4.3.Expressão dos genes iniciais 153
4.4 Replicação do DNA viral 154
4.5 Expressão dos genes tardios 154
4.6 Conclusões 156

5 Herpesvírus 156

5.1 O ciclo replicativo 156


5.2 O genoma dos HVs 156
5.3 Os genes virais 157
5.4 Expressão gênica 158
5.5 Replicação do DNA viral 159
5.6 Expressão gênica durante a infecção latente 160

1
Traduzido por Fernanda S.F.Vogel.
5.7 Conclusões 160

6 Poxvírus 160

6.1 O ciclo replicativo 160


6.2 O genoma dos PoxVs 160
6.3 Expressão gênica 161
6.4 Replicação do DNA 162
6.5 Conclusões 163

7 Bibliografia consultada 163


1 Introdução Os mecanismos de replicação do genoma
também variam entre os vírus DNA, de acordo
A replicação dos vírus DNA é realizada pela com a estrutura e topologia do genoma e também
ação orquestrada da maquinaria da célula hos- com a participação relativa de fatores celulares
pedeira, associada com fatores codificados pelo e/ou virais (Figura 6.1). O genoma circular de
vírus. A contribuição relativa dos fatores virais cadeia dupla dos poliomavírus (e provavelmente
na replicação desses vírus, no entanto, varia mui- dos papilomavírus), por exemplo, é replicado de
to entre as diferentes famílias. Em geral, os ví- forma bidirecional e semidescontínua, a partir de
rus DNA pequenos (parvovírus e poliomavírus) uma origem única. O complexo replicativo utili-
utilizam extensivamente a maquinaria celular, za um primer de RNA para iniciar a síntese, e o
ou seja, os seus genomas codificam poucos pro- mecanismo de replicação é semelhante ao utiliza-
dutos associados com funções replicativas. Por do pelas células eucariotas para replicar o DNA
outro lado, os vírus DNA grandes (herpesvírus cromossômico. O genoma linear de fita dupla dos
e poxvírus) codificam muitas enzimas e fatores adenovírus possui uma origem em cada extremi-
envolvidos na replicação. Esses últimos seriam, dade. A replicação ocorre em duas etapas, e cada
teoricamente, menos dependentes da maquina- cadeia parental é replicada em uma dessas etapas.
ria celular para a replicação de seus genomas e a O complexo replicativo utiliza uma oxidrila (OH)
conseqüente produção da progênie viral. Dessa ligada a uma proteína viral (pTP), que está ligada
forma, qual seria a estratégia mais eficiente para em cada extremidade do genoma como iniciador
a manutenção desses vírus na natureza? Na ver- da síntese de DNA (protein priming). A replicação
dade, ambas, pois tanto os vírus DNA pequenos dos genomas dos herpesvírus e poxvírus é mais
como os grandes têm conseguido se perpetuar, complexa. O genoma dos herpesvírus possui três
sugerindo que uma perfeita adaptação a um ni- origens e parece ser replicado por um mecanis-
cho tecidual é mais importante do que a comple- mo de círculo rolante, no qual multímeros line-
xidade do genoma e a estratégia de replicação. ares são produzidos e, posteriormente, clivados

A B C D E

Ou

Poliomavírus
Papilomavírus Adenovírus Parvovírus Herpesvírus Poxvírus

Fonte: adaptada de Dulbecco e Ginsberg (1980).

Figura 6.1. Ilustração da replicação do genoma dos principais vírus DNA. Os estágios intermediários foram propostos
a partir de estudos físico-químicos e, microscopia eletrônica, realizados a diferentes intervalos após a infecção.
140 Capítulo 6

em unidades genômicas. A replicação do genoma sido amplamente estudada. De fato, a replicação


DNA linear de fita dupla dos poxvírus parece se dos vírus DNA grandes pode ser considerada
iniciar com a clivagem de uma das cadeias próxi- como uma evolução progressiva de complexida-
ma a alça terminal do genoma, seguida de elon- de quando comparada com os esquemas relativa-
gação a partir da extremidade 3’, gerada pela cli- mente simples de replicação dos poliomavírus. A
vagem. A replicação do genoma DNA linear de seguir, serão apresentados os principais aspectos
fita simples dos parvovírus – não abordada neste da expressão gênica, replicação do genoma e in-
capítulo – inicia-se com a elongação da extremi- teração com funções celulares dos papilomaví-
dade 3’ livre, que se encontra flexionada, e pros- rus, adenovírus, herpesvírus e poxvírus, respec-
segue continuamente. Uma ilustração esquemá- tivamente.
tica da replicação do genoma de diferentes vírus
DNA está apresentada na Figura 6.1. 2 Poliomavírus
O objetivo fundamental da replicação viral é
produzir progênie viral viável e abundante, que A família Polyomaviridae contém um único
assegure a propagação do vírus e a conseqüente gênero, Polyomavirus, que inclui o protótipo da
transmissão a novos hospedeiros. A produção de família, o vírus símio 40 (SV-40), e os vírus JC e
progênie depende da síntese de milhares de có- BK, que têm sido, esporadicamente, associados
pias do genoma viral e das proteínas componen- com tumores em humanos. Os poliomavírus
tes do vírion, associado com a montagem correta (PoVs) são vírus DNA pequenos, sem envelope,
e liberação eficiente das partículas víricas. Esse de simetria icosaédrica, que infectam um amplo
processo envolve uma série de etapas reguladas espectro de hospedeiros – desde pássaros até hu-
temporal e espacialmente, que incluem a expres- manos –. As infecções pelos PoVs são geralmente
são de genes virais e a indução e/ou repressão subclínicas. No entanto, a infecção de células que
de alguns genes do hospedeiro. Muitas vezes, a não suportam uma replicação produtiva freqüen-
replicação viral está associada com alteração da temente resulta em transformação neoplásica.
fisiologia celular, o que pode determinar dife- Por isso, os PoVs são também conhecidos como
rentes graus de patologia e até a morte da célula os pequenos vírus DNA tumorais.
hospedeira. Apesar de sua pequena importância clínica,
Embora a grande maioria dos vírus DNA os PoVs foram alvo de intensivos estudos bioló-
replique no núcleo, alguns deles desenvolveram gicos e moleculares, principalmente devido às
estratégias especiais que permitem a sua replica- suas propriedades tumorigênicas. As pesquisas
ção no citoplasma da célula hospedeira. No de- com os PoVs elucidaram importantes aspectos
correr deste capítulo, serão abordados os aspec- da biologia celular. Dentre as maiores descober-
tos replicativos das principais famílias de vírus tas resultantes do estudo dos poliomavírus des-
DNA e a estratégia de replicação dos protótipos tacam-se: a) estrutura do DNA superenrolado,
de cada família, enfatizando-se os aspectos mole- b) estrutura e função da origem da replicação do
culares e biológicos da expressão gênica, a inter- DNA, c) estrutura e função dos promotores, d) des-
ferência com funções celulares, para assegurar a coberta dos enhancers e o seu papel na expressão
replicação (entre elas a indução do ciclo celular), gênica, e) descoberta do mecanismo de splicing
e a replicação do genoma propriamente dita. A alternativo dos transcritos (RNA mensageiros,
replicação dos circovírus e parvovírus será abor- mRNA) e f) replicação do DNA cromossômico.
dada nos Capítulos 13 e 14, respectivamente. A
replicação dos hepadnavírus será tratada, resu- 2.1 O ciclo replicativo
midamente, no capítulo destinado às famílias de
interesse limitado em medicina veterinária. O mecanismo de penetração dos PoVs nas
Inicialmente, será descrita a replicação dos células hospedeiras ainda não está completamen-
vírus da família Polyomaviridae, vírus relativa- te esclarecido. Embora estudos recentes tenham
mente simples, cuja estratégia de replicação tem demonstrado o envolvimento de moléculas do
Replicação dos vírus DNA 141

complexo maior de histocompatibilidade do tipo cado. Os mRNA virais produzidos são processa-
I (MHC-I) como receptores para o SV-40, ainda dos por splicing e exportados para o citoplasma,
não há evidências conclusivas nesse sentido. Após onde são traduzidos. As proteínas virais recém-
a ligação aos receptores, os vírions são internali- produzidas são transportadas de volta ao núcleo,
zados por endocitose caveolar e transportados ao onde participam da replicação do genoma e, pos-
longo dos microtúbulos até o retículo endoplas- teriormente, da montagem das partículas víricas.
mático. O mecanismo de transporte para o cito- Durante esse processo, os mRNA e as proteínas
plasma e daí para o núcleo não está esclarecido, virais necessitam interagir com componentes da
porém, sabe-se que o desnudamento do genoma maquinaria celular responsável pela exportação
ocorre no interior do núcleo. Após a sua liberação e importação nuclear de macromoléculas. A mor-
no nucleoplasma, o genoma é transcrito pela RNA fogênese das partículas virais ocorre no núcleo.
polimerase II celular e, subseqüentemente, repli- As partículas recém-formadas são transportadas

A B

1 1

4 7 4

3
2 6 3 2
5
x
x

5a
8

Transformação
Núcleo celular

Citoplasma
9

Célula permissiva Célula não-permissiva

Fonte: adaptado de Cole e Conzen (2001).

Figura 6.2. Ciclo replicativo dos poliomavírus em células permissivas (A) e não-permissivas (B). A) Após a penetração
do vírion (1), o genoma é desnudo no interior do núcleo (2), onde os genes iniciais são transcritos pela maquinaria
celular de transcrição (3). Os mRNAs são traduzidos nas proteínas iniciais, ou seja, os antígenos T (4). Os antígenos T
ingressam no núcleo e interagem com o DNA viral e com fatores da célula hospedeira, resultando na replicação do
genoma (5). Após a replicação, os genes tardios são transcritos (6) e a tradução dos mRNAs origina as proteínas
estruturais (7) que ingressam no núcleo e interagem com o genoma para formar as novas partículas víricas (8). Os
vírions se acumulam no núcleo, são exportados em vesículas para o citoplasma e liberados por lise celular ou por
exocitose (9). Em células não-permissivas (B), as etapas 1 a 4 ocorrem normalmente. No entanto, o antígeno T falha em
interagir com os fatores celulares, não ocorrendo a replicação do DNA viral, nem a transcrição e expressão dos genes
tardios. O DNA viral persiste no núcleo da célula (5a) e os genes dos antígenos T continuam sendo expressos (3, 4),
podendo levar à imortalização e transformação celular. Não há replicação do genoma e nem produção de progênie
viral.
142 Capítulo 6

até a superfície celular, no interior de vesículas, e dos vírions, pois interage com a VP1. Os PoVs de
liberadas por exocitose ou por lise celular, depen- roedores codificam uma terceira proteína T, o an-
dendo do tipo de célula. tígeno T médio (mT), e não codificam a proteína
A infecção de células permissivas resulta na agno.
ocorrência de todas essas etapas e na conseqüen- Em vez de possuírem regiões codificantes
te produção de progênie viral infecciosa. Por ou- com seqüências regulatórias individuais, os PoVs
tro lado, a infecção de células semipermissivas solucionaram o problema do genoma pequeno
(geralmente de espécies heterólogas) resulta em realizando splicing alternativo em alguns trans-
replicação abortiva, na qual ocorre apenas a ex- critos, resultando, assim, na tradução em prote-
pressão dos genes iniciais, sem a replicação do ínas diferentes parcialmente homólogas. Além
genoma ou produção das proteínas tardias (pro- disso, o genoma apresenta uma concentração das
teínas estruturais). A persistência do genoma seqüências regulatórias para a transcrição e re-
viral nessas células, associada com a expressão plicação do DNA em uma pequena região, o que
contínua dos antígenos T, pode levar à imortali- contribui para a compactação genética (Figura
zação e transformação celular. As etapas do ciclo 6.3).
replicativo dos PoVs em células permissivas e
não-permissivas estão representadas esquemati- 2.3 Expressão dos genes iniciais
camente na Figura 6.2.
Após o desnudamento do genoma no in-
2.2 O genoma dos PoVs terior do núcleo, o minicromossoma do SV-40 é
transcrito pelos complexos de transcrição da cé-
O genoma dos PoVs é constituído por uma lula hospedeira (RNA pol II e fatores de trans-
molécula de DNA de fita dupla circular, com crição). O primeiro gene a ser transcrito é o do
aproximadamente 5.000 pares de bases (bp), que, antígeno T, e a sua transcrição contínua resulta
na maioria dos PoVs, está associado com proteí- em um acúmulo gradual do mRNA específico
nas. O genoma desses vírus encontra-se associa- durante as primeiras 10 a 12 horas de infecção.
do com histonas celulares, formando estruturas Como os mRNA do antígeno T são os primeiros
semelhantes aos nucleossomas e assumindo uma a serem transcritos e detectados, são denomina-
configuração helicoidal semelhante à cromatina dos transcritos iniciais (E = early). Os transcritos
celular. Por essas razões, os seus genomas são ge- primários do gene do antígeno T sofrem splicing
ralmente denominados minicromossomos virais. A alternativo para originar mRNAs, que serão tra-
replicação do genoma do SV-40 é realizada basi- duzidos em duas proteínas: o antígeno T grande
camente por fatores e enzimas da célula hospe- (lT) e pequeno (sT). Com isso, as proteínas lT e sT
deira, com a participação de apenas uma proteína possuem parte de sua seqüência de aminoácidos
viral, o antígeno T. Por isso, a replicação do DNA em comum; sendo que o lT possui uma região
do SV-40 tem sido utilizada como modelo para se adicional não presente no sT.
estudar a replicação bidirecional semidescontí- A transcrição dos genes iniciais é controlada
nua do DNA cromossômico celular. por uma região regulatória de 250 pb, localiza-
A organização do genoma do SV-40 está re- da imediatamente na direção 5’ do sítio inicial
presentada na Figura 6.3. Cerca de 90% da exten- de transcrição do gene do antígeno T (Figura
são do genoma é codificante, e os 10% restantes 6.3). Essa região regulatória apresenta pequenas
representam regiões não-traduzidas que possuem seqüências de nucleotídeos, dispostas em fila, ou
funções regulatórias. O genoma do SV-40 codifi- motivos (motifs) que, juntos, constituem o promo-
ca seis proteínas, sendo três delas componentes tor inicial do SV-40. Esses motivos atuam como
da estrutura do capsídeo (VP1, VP2 e VP3) e três sítios de ancoragem e ligação de componentes do
proteínas não-estruturais, denominadas antígeno aparato de transcrição celular, incluindo a RNA
T pequeno (sT) e grande (lT), e a proteína agno. A pol II e os fatores de transcrição. Logo acima do
proteína agno parece participar na morfogênese promotor (na direção 5’), existem duas cópias re-
Replicação dos vírus DNA 143

m RNA iniciais
m RNA tardios

Enhancer 72 72 21 21 22 TATA Promoter inicial

III II I

ORI Aux-2 Core Aux-1

Origem da replicação bidirecional

320 240 160 80 0/5243 5163 bp

PL Ori PE

VP2

Organização genômica
do SV-40 ST

VP3

LT
17kT
VP1

Fonte: adaptado de Cole e Conzen (2001).

Figura 6.3. Estrutura e organização do genoma do SV-40 (inferior) e organização das regiões regulatórias da
transcrição e replicação (superior). ORI: origem de replicação; PE: promotor dos genes iniciais; PL: promotor dos
genes tardios; lT: mRNA do gene do antígeno T grande; sT: mRNA do gene do antígeno T pequeno; VP1, VP2 e VP3:
mRNA das proteínas estruturais. >>: sítios de ligação do antígeno; I: sítio de regulação negativa da transcrição dos
mRNA iniciais; II: sítios de ligação e separação do DNA para o início da replicação; III: sítios de regulação positiva da
transcrição dos genes tardios.

petidas de 72 pb que atuam como enhancers do hospedeiras. Esse aspecto molecular é crucial
promotor. Essas seqüências de 72 pb são respon- para o parasitismo do vírus. Possuindo regiões
sáveis pela ligação específica de fatores de trans- regulatórias semelhantes às da célula hospedeira,
crição, ou transativadores, cuja função é se ligar o vírus pode seqüestrar os componentes da ma-
ao DNA e aumentar a eficiência da transcrição a quinaria celular de transcrição para sintetizar os
partir do complexo basal de transcrição. seus mRNA.
Alguns motivos presentes nos promotores Além disso, a região regulatória do SV-40
e enhancers virais são encontrados também nas contém várias seqüências repetidas que servem
regiões regulatórias de certos genes das células de sítios de ligação para o antígeno lT, o que in-
144 Capítulo 6

dica que esta proteína regula a sua própria ex- Dependendo do estágio fisiológico da célula, a
pressão. Quando a quantidade de antígeno lT, na p53 pode retardar o progresso do ciclo celular
célula infectada, atinge níveis altos, a ocupação ou induzir apoptose. Pelo seu papel na transição
desses sítios pelo próprio antígeno lT regula ne- G-S1, tanto a pRb como a p53 podem ser consi-
gativamente a transcrição do seu gene. deradas guardiãs que evitam a divisão celular
A próxima etapa do ciclo replicativo é a re- extemporânea e a transformação maligna das
plicação do genoma viral. Como o genoma dos células. Por isso, são conhecidas como proteínas
PoVs não codifica os produtos necessários à sua antioncogênicas.
própria replicação, esses vírus dependem inte- Apesar desses mecanismos de controle do
gralmente de enzimas e fatores celulares para re- ciclo celular, os PoVs conseguem induzir o início
plicar o seu DNA. No entanto, apenas um peque- da fase S em células quiescentes porque o antí-
no número de células no organismo encontra-se geno lT dos PoVs exerce um importante papel,
na fase S do ciclo celular, fase em que a célula ex- alterando o controle do ciclo celular por intera-
pressa os fatores necessários para a replicação do gir diretamente com a proteína Rb e, em alguns
DNA nuclear. A maioria das células do organis- PoVs, também com a p53. Um pequeno domínio
mo já são diferenciadas ou são células que neces- próximo a região N-terminal do antígeno lT se
sitam estímulos externos (fatores de crescimen- liga especificamente às proteínas da família Rb,
to, hormônios ou outros estímulos mitogênicos) enquanto seqüências próximas à região C-termi-
para iniciar o ciclo celular. Os PoVs, assim como nal são requeridas para a associação com a p53
outros vírus DNA, solucionaram esse problema (Figura 6.4). As conseqüências dessas interações
ao desenvolverem mecanismos para estimular as são a inibição da função da pRb e p53 e a conse-
células a entrarem em fase S e, assim, produzi- qüente expressão dos produtos necessários à re-
rem os fatores necessários à replicação do seu ge- plicação do DNA viral e também celular.
noma. Dessa maneira, o SV-40 é capaz de infectar Além do efeito da ligação nas pRbs, o an-
de forma persistente células renais diferenciadas tígeno lT é capaz de estimular diretamente os
– e que não estão em divisão – de seu hospedeiro promotores dos genes envolvidos no controle do
natural. ciclo celular, incluindo os genes que codificam as
A replicação do DNA cromossômico das cé- ciclinas. Dessa forma, o antígeno lT utiliza dois
lulas ocorre durante a fase S do ciclo celular, mas mecanismos para assegurar que a célula infecta-
a síntese e o acúmulo dos fatores necessários à da entre em fase S e, assim, propicie um ambiente
replicação do DNA iniciam na fase anterior (G1). favorável à replicação viral.
A transição entre as fases G1 e S é controlada par- A função exata do antígeno T pequeno (sT)
cialmente pela proteína do retinoblastoma (pRb) durante a infecção produtiva ainda não está com-
e pelas proteínas relacionadas p107 e p130. Em pletamente esclarecida, porém sabe-se que esta
células que não estão em divisão, as proteínas da proteína é capaz de interagir com a fosfatase 2,
família Rb impedem o início da fase S pelo se- uma enzima reguladora do ciclo celular. Assim, o
qüestro de fatores de transcrição que ativam os sT poderia colaborar com o lT na indução da fase
genes das enzimas relacionadas com a replicação S em células infectadas.
do DNA, incluindo a DNA polimerase α. Após o
estímulo mitogênico, a ciclina D liga-se nas cdk 2.4 Replicação do DNA
4 e cdk 6, ativando-as, o que leva à hiperfosfori-
lação da proteínas Rb e resulta na liberação dos A replicação do DNA circular dos PoVs en-
fatores de transcrição (E2F) e início da fase S. volve o relaxamento e a separação das cadeias do
Outros fatores também estão envolvidos no DNA, a síntese da cadeias filhas de DNA e a reso-
controle da transição entre as fases G1 e S. O fator lução e a separação das moléculas replicadas. O
de transcrição p53 pode prevenir a síntese não- multifuncional antígeno lT exerce um papel fun-
programada de DNA e bloquear o início da fase damental no início da replicação do DNA viral
S quando são detectadas lesões no DNA celular. ao se ligar em seqüências regulatórias, localiza-
Replicação dos vírus DNA 145

Antígeno T

L
X N ATPase
Domínio J C L Liga na ORI Zn HR
X S Liga na p53 Liga na p53
E

Hsc70 pRB p53

p107 p300

p130

Fonte: adaptado de Cole e Conzen (2001).

Figura 6.4. Estrutura funcional do antígeno T do SV-40. Nessa representação, estão indicados os motivos funcionais
do lT. Domínio J: sítio de ligação da proteína Hsc70; LXCXE: sítio de ligação das proteínas da família pRb; NLS: sinal
para localização nuclear; sítio de ligação na ORI; sítio de ligação de Zn+; sítio com atividade ATPase; sítios de ligação
nas proteínas p53; HR: sítio envolvido na determinação do host range.

das nas proximidades do promotor/enhancer do (contínua) e lagging (descontínua). A exonuclease e


genoma do SV-40. Essa região, conhecida por ori- ligase I da célula hospedeira são necessárias para
gem da replicação (ori), consiste de uma seqüên- a remoção dos primers e ligação dos fragmentos de
cia central de 64 nucleotídeos, flanqueada por Okazaki, produzidos pela replicação descontínua
seqüências auxiliares (Figura 6.3). Como outras de uma das cadeias. Como as cadeias parental e
proteínas que se ligam ao DNA, o antígeno lT oli- recém-replicada de DNA, são circulares e perma-
gomeriza ao interagir com os sítios específicos na necem entrelaçadas. A próxima etapa envolve a
ori. Hexâmeros do lT formam um anel duplo ao separação dessas moléculas pela ação da enzima
redor da ori e promovem a separação das cadeias celular topoisomerase II (Figura 6.1). As histonas
do DNA viral nesse local. Esse processo é depen- acumuladas no núcleo celular durante a fase S se
dente de energia, que é fornecida pela hidrólise associam com os genomas virais recém-replica-
de ATP catalisada por uma atividade ATPase do dos, formando, assim, uma progênie de minicro-
próprio antígeno T (Figura 6.4). mossomos. As células infectadas contêm mais de
As regiões de fita simples do DNA associam- 200.000 cópias de DNA viral e, aproximadamen-
se, então, com a proteína replicativa A (RPA), que te, 50% destes são encapsidados para formar a
é uma proteína celular que se liga e mantém as progênie viral. Em resumo, a replicação do DNA
regiões de fita simples separadas. Isso permite a do SV-40 compartilha várias etapas e componen-
separação bidirecional das cadeias mediada pelo tes essenciais envolvidos na replicação do DNA
antígeno lT, expondo regiões de cadeia simples da célula hospedeira.
para a processividade da replicação. O recruta-
mento da DNA polimerase α (primase) e da topoi- 2.5 Expressão dos genes tardios
somerase I resulta na formação do complexo de
iniciação. A etapa de elongação envolve a síntese A replicação do DNA viral provoca uma
bidirecional do DNA, que é precedida pela ati- alteração no padrão de expressão gênica, fa-
vidade helicase do antígeno lT, que se move à vorecendo a transcrição e expressão dos genes
frente do complexo replicativo (Figura 6.1A). Os tardios (L = late), que codificam as proteínas do
fatores do hospedeiro (PCNA e a DNA polime- capsídeo. O mecanismo de transição, passando
rase δ) participam da síntese das cadeias leading da expressão dos genes iniciais para a expressão
146 Capítulo 6

dos tardios não é bem conhecido. A redistribui- dois mecanismos atuam para reduzir a expressão
ção dos nucleossomos nas regiões regulatórias do antígeno lT em fases tardias da infecção: a re-
do genoma possivelmente desempenhe alguma pressão da transcrição pelo próprio antígeno lT
função nesse processo, pois resulta na exposição e a interferência pelos miRNAs. Surpreendente-
dos sítios regulatórios dos genes tardios para o mente, células infectadas com isolados de campo
reconhecimento pelo aparato celular de transcri- do SV-40 são menos susceptíveis à lise por linfó-
ção. O promotor que direciona a expressão dos citos T citotóxicos do que células infectadas com
mRNA tardios possui alguns motivos presentes cepas mutantes que não induzem a síntese de
também nos sítios regulatórios dos genes iniciais, miRNAs. Provavelmente, a capacidade de sínte-
incluindo as seqüências para a ligação do antíge- se de miRNA se constitua em um mecanismo de
no lT. evolução viral, permitindo a esses vírus escapa-
Dois mRNA tardios principais são trans- rem da vigilância do sistema imunológico.
critos na direção oposta aos mRNA iniciais e
sofrem splicing alternativo. Os mRNA pequenos 2.6 Morfogênese e egresso
são traduzidos na proteína VP1 do capsídeo, e os
transcritos grandes originam a VP2 e VP3. Como Após a síntese no citoplasma, as proteínas
a seqüência que codifica a VP3 está contida na virais VP1, VP2 e VP3 são transportadas para o
seqüência da VP2, a VP3 poderia ser produzida interior do núcleo para a montagem dos vírions.
pela clivagem da proteína VP2. No entanto, tem Esse transporte é mediado por sinais de locali-
sido demonstrado que a tradução e síntese da zação nuclear (NLS, seqüências específicas de
VP3 e VP2 são independentes. aminoácidos) presentes nessas proteínas. Essas
A quantidade de mRNA tardios nas células seqüências são responsáveis pela interação das
infectadas é muito superior a dos mRNA iniciais. proteínas virais com o aparato de importação nu-
Isso se explica pelo fato de que uma única partí- clear.
cula vírica contém 360 moléculas de VP1. Portan- O mecanismo de montagem das partículas
to, para uma progênie viral de 105 vírions por cé- virais (morfogênese) dos poliomavírus não é co-
lula, são necessárias 3.6 x 107-8 moléculas de VP1. nhecido. Capsídeos vazios podem ser inicialmen-
Assumindo que cada molécula de mRNA pode te pré-formados, seguidos da incorporação dos
originar de 5.000 a 10.000 moléculas de VP1, mais genomas (como minicromossomos). Alternativa-
de 30.000 moléculas de mRNA da VP1 seriam ne- mente, os capsômeros individuais formados pe-
cessárias para a produção de proteína suficiente los pentâmeros da VP1, associados com a VP2 e
para encapsidar a progênie viral. O acúmulo da com a VP3, podem interagir como o minicromos-
progênie de minicromossomos durante a replica- somo para a montagem dos capsídeos. A proteí-
ção do DNA viral, com a conseqüente amplifica- na agno, uma proteína altamente básica, codifica-
ção dos moldes DNA e a ativação da transcrição da pela região líder dos mRNA tardios de alguns
pelo antígeno lT, são os responsáveis pelos níveis PoVs, facilita a morfogênese por interagir com a
altos de mRNA tardios nas células infectadas. VP1. Nos PoVs de humanos, a agnoproteína atua
Recentemente, foi relatado que microRNAs também na transcrição e replicação do DNA.
(miRNAs) são transcritos do genoma do SV-40
em fases tardias da infecção. Os miRNAs são 2.7 Conclusões
pequenos (aproximadamente 20 nt) e desempe-
nham funções regulatórias na expressão gênica A importância crítica de uma única prote-
de eucariotas. A hibridização desses miRNAs ína – o antígeno lT – em várias etapas do ciclo
com determinados mRNA-alvos resulta no silen- replicativo, como a transcrição, indução da fase S
ciamento dos genes correspondentes. Esse silen- e replicação do DNA, constitui-se em um aspecto
ciamento pode ocorrer por interferência com a único da família Polyomaviridae. O antígeno lT é o
tradução ou pela degradação dos mRNA. Assim, protagonista principal e possui várias atividades
Replicação dos vírus DNA 147

biológicas. Atua como regulador da transcrição dos queratinócitos (ou das células equivalentes
viral, como proteína ligante de DNA, possui ati- em superfícies não-cutâneas). Na epiderme, os
vidade helicase e ATPase e de chaperone, além de queratinócitos representam cerca de 90% das cé-
interagir com várias proteínas da célula hospe- lulas e encontram-se em diferentes fases de dife-
deira. A atividade do antígeno lT é regulada por renciação. As células menos diferenciadas estão
várias modificações pós-tradução, como fosfori- localizadas no compartimento basal (estrato ger-
lação, glicosilação, acetilação e adenilação. minativo), e as mais diferenciadas localizam-se
Os PoVs são também conhecidos como pe- no compartimento apical (estrato córneo). As cé-
quenos vírus DNA tumorais, por causa de sua lulas em estágios intermediários de diferenciação
capacidade de induzir a formação de tumores. A estão localizadas nos estratos granuloso e espi-
infecção de células não-permissivas pode resul- nhoso. As células-tronco do compartimento basal
tar em replicação abortiva. No entanto, a integra- se multiplicam de forma assimétrica, originando
ção freqüente do genoma viral nos cromossomos outras células-tronco e também células de transi-
da célula hospedeira pode resultar em expressão ção para a posterior diferenciação. Essas últimas
contínua das proteínas iniciais. O antígeno T pos- deixam o estrato basal e penetram no estrato es-
sui um papel decisivo nos processos de imortali- pinhoso, onde iniciam o processo de diferencia-
zação, transformação celular e oncogênese, pro- ção celular. O ritmo de multiplicação das células
vavelmente por suas interações com múltiplos basais assegura uma substituição contínua das
fatores celulares e pela interferência com a regu- células escamosas da superfície apical que vão
lação do ciclo celular. sendo desfoliadas.
A infecção de animais e pessoas pelos PpVs
3 Papilomavírus provavelmente ocorre por meio de microlesões,
que expõem o compartimento basal, permitindo
A família Papillomaviridae possui apenas o a penetração e início da replicação viral. A liga-
gênero Papillomavirus, que inclui vários vírus de ção dos vírus às células é mediada pelo sulfato de
mamíferos e de aves. Esses vírus estão freqüen- heparina. No entanto, não se conhecem os recep-
temente associados com lesões proliferativas na tores específicos que mediam a ligação e penetra-
epiderme e nas mucosas (papilomas ou verrugas). ção do vírus nas células e tampouco o mecanismo
Além de células epiteliais, alguns papilomavírus de desnudamento.
(PpVs) também infectam células do tecido con- A infecção das células basais não é produ-
juntivo, causando fibropapilomas (p. ex.: papi- tiva, ou seja, não resulta na produção de progê-
lomavírus bovino-1, BPV-1). As lesões causadas nie viral. O ciclo replicativo inicia nessas células
pelos PpVs são geralmente benignas, mas alguns com a expressão limitada de genes virais (genes
desses vírus estão associados com a produção de iniciais) e replicação do DNA. No entanto, a re-
neoplasias malignas. plicação só é completada nas células diferencia-
Os vírions dos PpVs são icosaédricos, sem das, onde ocorre a amplificação do DNA viral,
envelope e possuem aproximadamente 55 nm de a expressão dos genes tardios, a morfogênese e
diâmetro. O genoma consiste de uma molécula egresso da progênie viral. Embora as células ba-
de DNA de fita dupla circular, com 6.800 a 8.400 sais representem a fonte de fatores de replicação,
pb que, a exemplo dos poliomavírus, está asso- a infecção viral necessita de fatores que somente
ciada com histonas da célula hospedeira, forman- estão presentes em células que estão na fase S,
do um complexo semelhante à cromatina celular para assegurar a expressão temporal dos genes e
(minicromossomo). a replicação do genoma.

3.1 O ciclo replicativo 3.2 O genoma dos PpVs

O ciclo replicativo dos PpVs está estreita- A Figura 6.5 apresenta a organização do ge-
mente associado com o processo de diferenciação noma do papilomavírus bovino tipo 1 (BPV-1).
148 Capítulo 6

Os genes do PpVs são classificados em iniciais ção diferencial de mRNAs em diferentes células.
(E) ou tardios (T) e, ao contrário dos PoVs, são Os mRNA dos PpVs são policistrônicos, ou seja,
codificados em apenas uma das fitas do DNA contêm mais de uma seqüência codificante (open
genômico. Assim, a transcrição do DNA viral é reading frame, ORF). No entanto, apenas uma des-
realizada em apenas uma direção. Uma região sas ORFs é traduzida de cada mRNA. Nos PpVs
não-traduzida, conhecida como região longa de de humanos e de bovinos, os primeiros genes a
controle (LCR), contém as seqüências regulató- serem expressos são o E1 e E2, pela RNA pol II,
rias, incluindo a origem da replicação do DNA com o auxílio de fatores de transcrição específi-
e enhancers para a transcrição. Seis diferentes cos de queratinócitos.
promotores foram identificados no genoma do A proteína E2 desempenha um papel funda-
BPV-1. Entre os diferentes PpVs, existe uma va- mental na transcrição e na replicação do DNA.
riabilidade muito grande dos promotores, prova- Essa proteína contém uma região para a ligação
velmente refletindo os aspectos peculiares de re- no DNA e outra com função de ativação da trans-
gulação em diferentes espécies ou em diferentes crição. A E2 se liga especificamente em determi-
sítios de replicação. nados promotores no LCR e controla positiva e
negativamente a expressão dos genes iniciais,
dependendo da sua concentração e das intera-
E6
ções de suas regiões regulatórias com o DNA.
LCR E7 Essa regulação é ainda mais complexa devido à
P7940 presença de diferentes isoformas da E2, que, pro-
P89
P7185
PL E8 vavelmente, possuam diferentes propriedades
AL
CE 7946/1
P890
regulatórias. Por outro lado, a única e importante
L1 7000 1000
função da E2 na replicação do genoma é estimu-
E1
lar a ligação da E1 ao DNA, principalmente no
início da infecção, quando a concentração da E1
6000 BPV-1 2000
ainda é baixa.
A E1 é a maior e mais conservada proteína
P2443
dos PpV. É a única proteína viral diretamente en-
5000 3000
L2 P3080 volvida na replicação do DNA viral. Essa proteí-
4000
na apresenta atividade ATPase/helicase e forma
AE
E3 hexâmeros simples e duplos ao redor do DNA vi-
E2
E5 E4 ral. Além disso, a E1 forma complexos com pro-
teínas do hospedeiro que estão envolvidas com
a replicação do DNA, incluindo as subunidades
da DNA polimerase α, a RPA e chaperone Hsp40.
Fonte: adaptado de Fowley e Lowy (2001).
Portanto, a E1 dos PpV é semelhante ao antígeno
lT dos poliomavírus com relação à atividade en-
Figura 6.5. Estrutura e organização do genoma do zimática, capacidade de recrutar fatores celulares
papilomavírus bovino tipo 1 (BPV-1). LCR: região longa
de controle (contém a origem de replicação); CE:
e no papel fundamental na iniciação da replica-
enhancer constitutivo; P: promoters (os números ção do genoma viral.
indicam a posição no genoma); AE: sítio de
poliadenilação dos transcritos iniciais; AL: sítio de
poliadenilação dos transcritos tardios; E1 a E8: mRNAs 3.4 Replicação do DNA e interferência
dos genes iniciais; L1 e L2: mRNAs dos genes tardios.
com o ciclo celular
3.3 Expressão dos genes iniciais
O resultado da atividade conjunta da E1 e
A expressão dos genes dos PpVs é comple- E2 é a formação do complexo de iniciação que se
xa, em razão da presença de múltiplos promoto- liga na origem de replicação do DNA. Esse even-
res, de sítios de splicing alternativo e pela produ- to precede e permite a elongação da cadeia, resul-
Replicação dos vírus DNA 149

tando na produção das cópias de DNA a serem nada replicação vegetativa do DNA, representa
encapsidadas na progênie viral. É importante sa- um desafio para o vírus, pois essas células encon-
lientar que todas as fases da replicação do DNA tram-se na fase G0 do ciclo celular. Acredita-se
viral ocorrem em sincronia com a replicação dos que duas pequenas proteínas virais, a E6 e a E7,
cromossomos da célula hospedeira. sejam responsáveis pela criação de um ambiente
A replicação do DNA viral no compartimen- favorável para a replicação vegetativa. Essas pro-
to basal produz entre 20 e 100 cópias do genoma, teínas também desempenham um papel central
que são mantidos como DNAs extracromossômi- na transformação celular e na indução de neopla-
cos no núcleo da célula hospedeira. Os genomas sias, especialmente nos PpVs humanos de alto
virais são fielmente distribuídos entre as células- risco. De fato, sabe-se muito mais sobre o papel
filhas, e o processo de replicação só é reiniciado dessas proteínas na transformação celular do que
nos queratinócitos em estágios avançados de di- em infecções produtivas. Por isso, deve-se anali-
ferenciação (Figura 6.6). sar com cautela as informações a respeito do pro-
A amplificação dos genomas virais que vável papel da E6 e da E7 na infecção produtiva
ocorre em queratinócitos diferenciados, denomi- no contexto da replicação vegetativa do DNA.

Vírus introduzido
por microlesões
Diferenciação dos Replicação dos
queratinócitos papilomavírus

Estrato córneo Liberação de vírions maduros


Camadas
granulares Vírions maduros

Morfogênese dos vírions


Camadas
Produção das proteínas tardias
espinhosas
Amplificação vegetativa do DNA
superiores
Níveis altos de proteínas iniciais (E4)

Camadas Proteínas dependentes


espinhosas da diferenciação E6 e E7
inferiores Proteínas iniciais E1, E2, E3 e E4

Células amplificadores Possível sítio alternativo


em trânsito (mitóticas) de infecção
Proteínas iniciais E1 e E2
Células basais
e de reserva Infecção primária
(substituem as Estabelecimento da replicação
amplificadoras) Proteínas iniciais E1 e E2
Membrana basal
Derme
(tecido conjuntivo,
fibroblastos, endotélio
vascular)

Fonte: daptado de Chow e Broker (1997).

Figura 6.6. Diferenciação do epitélio cutâneo e etapas da replicação dos papilomavírus em infecções benignas (não-
tumorais). As fases de diferenciação celular estão apresentadas à esquerda da figura; e as etapas do ciclo replicativo
estão apresentadas à direita.
150 Capítulo 6

De forma semelhante ao antígeno lT dos Em resumo, a E6 e a E7 atuam sobre regula-


PoVs, as E6 e E7 dos PpVs interagem com as dores importantes do ciclo celular e da sobrevi-
proteínas celulares pRb e p53, que são proteínas vência das células infectadas, com o objetivo de
antioncogênicas envolvidas no controle do ciclo proporcionar tempo suficiente para assegurar a
celular. Quando a E6 é expressa em camundon- replicação e produção de progênie viral em célu-
gos transgênicos, ocorre a hiperproliferação do las diferenciadas. A progressão do ciclo e a dife-
epitélio e o desenvolvimento de tumores epite- renciação celular são eventos mutuamente exclu-
liais. Esses efeitos dependem parcialmente da dentes. De fato, a progressão não-programada do
habilidade da E6 de se ligar à p53 e recrutar uma ciclo celular em células diferenciadas geralmente
ligase celular, que adiciona uma ubiquitina, a leva à morte celular. Assim, a E6 e a E7, ao in-
p53, direcionando-a a degradação. A E6, então, fluenciarem simultaneamente o ciclo celular e o
ao remover a p53, que é envolvida no controle do mecanismo de sobrevivência, são capazes de re-
ciclo celular, estimularia a célula a entrar em fase solver o impasse que levaria à morte celular.
S e retardaria a apoptose. Além do papel da E6 e E7, experimentos in
Estudos recentes sugerem que, além dos efei- vitro têm demonstrado que a E5 do BPV-1 ativa
tos mediados pela interação com a p53, a E6 pode o receptor para o fator de crescimento derivado
interferir com o ciclo e na sobrevivência celular das plaquetas (PDGF), uma proteína que se liga
por outros mecanismos. A E6 induz a hiperfos- ao PDGF e proporciona o sinal mitogênico. As-
forilação e inativação da pRb, o que é importante sim, por mimetizar o PDGF, a E5 é capaz de criar
para entrada da célula na fase S. Também induz a sinais adicionais para criar um ambiente de fase
expressão da telomerase, uma enzima que repli- S propício à replicação viral.
ca as extremidades do DNA e impede o encurta-
mento dos cromossomos após a divisão celular. 3.5 Expressão dos genes tardios
A inativação da pRb e a expressão da telomerase
são importantes no processo de imortalização de A transcrição dos genes tardios é controlada
células pelos PpVs. Além disso, a E6 pode intera- por um promotor, que é estimulado por fatores
gir com a BAK, que é uma proteína pró-apoptose, de transcrição presentes somente em queratinó-
que é expressa em altos níveis na camada apical citos em fase final de diferenciação. Isso pode ex-
do epitélio estratificado. Assim como a p53, a in- plicar porque a síntese das proteínas estruturais e
teração da E6 com a BAK resulta na ubiquitina- a morfogênese das partículas virais ocorrem ape-
ção e posterior degradação da BAK. Por induzir a nas em células diferenciadas. No entanto, evidên-
degradação da p53 e BAK, a E6 impede ou reduz cias indicam que a expressão dos genes tardios
a probabilidade da célula infectada sofrer apop- em queratinócitos menos diferenciados é repri-
tose em resposta à infecção, aumentando o tempo mida por fatores do hospedeiro. Isso indica que
para o vírus completar o seu ciclo replicativo. a regulação dos genes tardios e a conseqüente
A E7 interage com várias proteínas celula- continuação do ciclo podem estar sujeitas tanto a
res envolvidas no controle do ciclo e na diferen- regulação positiva como negativa, ambas depen-
ciação celular, incluindo os membros da família dentes de condições e fatores associados com o
das proteínas pRb, as deacetilases de histonas, estágio de diferenciação celular.
as ciclinas, cdk’s e fatores de transcrição da fa- O mesmo promotor tardio direciona a sínte-
mília dos AP-1. Embora o significado de várias se de mRNAs que codificam a E4, uma das pro-
dessas interações permaneça incerto, sabe-se que teínas menos conservadas dos PpV. Dessa forma,
a ligação da E7 com a pRb resulta na degradação embora o gene da E4 esteja localizado na região
da pRb e na conseqüente liberação do fator de dos genes iniciais, é expresso em fases tardias. O
transcrição E2F. A interação da E7 com fatores de gene da E4 é completamente sobreposto ao gene
transcrição AP-1 está associada com a modulação da E2. No entanto, a sua seqüência de aminoáci-
da transcrição de genes envolvidos com resposta dos é codificada por uma ORF diferente, fazendo
inicial a sinais mitogênicos. com que as seqüências de aminoácidos da E2 e
Replicação dos vírus DNA 151

da E4 sejam completamente diferentes. A E4 se de mediar a importação do genoma viral para o


associa com a queratina e, quando é expressa em núcleo da célula hospedeira.
altos níveis, pode induzir o colapso da cadeia de A expressão gênica do AdVs divide-se em
queratina. Com base nessas observações, é pro- fases inicial e tardia. As proteínas iniciais são
vável que a E4 participe da replicação, facilitando necessárias para a transcrição dos genes virais
o egresso das partículas víricas. e para a replicação do DNA. Também estão en-
volvidas com a interferência com os mecanismos
3.6 Conclusões inflamatórios e de apoptose desencadeados pelo
hospedeiro. Após a replicação do DNA, ocorre a
Os PpVs dependem da diferenciação do epi- expressão dos genes tardios, cujos produtos são,
télio para completar o seu ciclo de replicação, e em sua maioria, componentes estruturais das
a expressão dos seus genes é regulada à medida partículas víricas. O ciclo replicativo se completa
que as células basais migram em direção à super- em 20 a 24 horas e resulta na produção de apro-
fície do epitélio. Os produtos virais não apenas ximadamente 104 partículas víricas por célula in-
controlam a expressão gênica dos genes virais e fectada.
a replicação do DNA viral como também modu- Embora a divisão da expressão gênica em
lam o ciclo celular e os programas de apoptose fases inicial e tardia seja conveniente do ponto de
para assegurar a produção de progênie viral. Em vista didático, o limite exato entre essas fases não
algumas circunstâncias, infecções abortivas, sem é claro. Por exemplo, alguns genes iniciais conti-
a realização completa do ciclo replicativo viral, nuam a ser expressos em fases tardias da infec-
podem ocorrer. A exemplo de outros vírus DNA ção; e baixos níveis de expressão de genes tardios
pequenos, essas infecções abortivas podem resul- podem ser detectados já no início da infecção.
tar em transformações neoplásicas. Essa sobreposição da expressão gênica inicial/
tardia é também observada durante a replicação
4 Adenovírus de outros vírus DNA.

A Adenoviridae é uma família de vírus DNA 4.2 O genoma dos AdVs


grandes, não-envelopados, que infectam verte-
brados e produzem enfermidade leve no trato Os genomas dos AdVs de mamíferos são
respiratório, gastrintestinal e genitourinário. Os constituídos por moléculas lineares de DNA de
adenovírus (AdVs) possuem a capacidade de in- fita dupla, com aproximadamente 35 kb. Seqüên-
fectar uma grande variedade de células que não cias repetidas invertidas (ITRs) com 36 a 200 pb
estão em divisão. Por isso, têm sido muito utiliza- são encontradas nas regiões terminais do geno-
dos como vetores para a transferência de genes e ma. O genoma encontra-se associado com quatro
também para vacinas vetoriais. Por essas razões, proteínas virais (V, VII, X and TP) para formar o
a biologia molecular dos AdVs é conhecida com núcleo (ou core) da partícula viral. A proteína V
detalhes. provavelmente medeia as interações entre o nú-
cleo e o capsídeo. Maiores detalhes da estrutura
4.1 O ciclo replicativo das partículas víricas dos adenovírus estão apre-
sentados no Capítulo 16.
Aproximadamente após 40 minutos da pe- Embora a organização genômica seja conser-
netração na célula, os vírions podem ser observa- vada dentro dos gêneros, diferenças importantes
dos próximos ao núcleo. A internalização parece podem ser observadas entre vírus de gêneros di-
ativar a protease viral L3, que inicia o desmonte ferentes. A maioria dos genes gênero-específicos
da partícula vírica. A proteína terminal (TP), que se localiza próxima às extremidades do genoma,
é uma proteína que está associada de forma co- enquanto os genes conservados na família ten-
valente na extremidade 5’ do genoma, contém si- dem a se concentrar na região central. Essa ca-
nais de localização nuclear, que são encarregados racterística também é observada em outros vírus
152 Capítulo 6

DNA de fita dupla lineares, como os poxvírus infecção. Duas pequenas unidades (IX e Iva2) são
e herpesvírus. Nessas famílias, vários genes gê- expressas em fases intermediárias. O genoma do
nero-específicos estão envolvidos nas interações AdV humano pode ser descrito como um bloco
do vírus com o hospedeiro, provavelmente para central de genes com orientação para a direita,
favorecer a sua sobrevivência em determinados interrompidos por genes iniciais da região E3 na
nichos biológicos. Alguns desses genes parecem mesma cadeia, e por genes E2 na cadeia oposta.
ter sido capturados do hospedeiro em um passa-
A região terminal à direita é ocupada pelos genes
do remoto.
E4, e, à esquerda, pelos genes E1A and E1B e dois
O genoma dos AdVs codifica aproxima-
genes intermediários (Figura 6.7).
damente 45 proteínas, das quais apenas 12 são
encontradas nos vírions. Os genes virais são or- Vários mRNA são produzidos a partir de
ganizados em unidades de transcrição, cuja ex- cada unidade transcripcional. Com poucas exce-
pressão é regulada temporalmente. Cinco unida- ções, os transcritos primários das várias unidades
des – E1A, E1B, E2, E3 e E4 – são expressas em são processados por splicing. De fato, uma das
fases iniciais e uma (L) é expressa tardiamente na mais importantes contribuições dos AdVs para a

Leader: 1 2 i 3

x y z

L5

L4

ML

L3

L2

L1 E3 (tardio)
IX
E1B
VA
E3
E1A
L1 (iniciais)

10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

E2A

E2B
IV a2 E4

Fonte: adaptado de Shenk (2001).

Figura 6.7 Estrutura do genoma e mapa de transcrição dos adenovírus. A linha dupla representa o genoma. Os
números abaixo representam as unidades genômicas. Os transcritos iniciais (E: early) são representados por setas
finas; os transcritos tardios (L: late) são representados por setas espessas. A extensão das setas corresponde à região
codificante dos mRNAs. A maioria dos transcritos tardios inicia na região próxima à unidade 16 do mapa e contém
uma região líder composta por três seqüências (1, 2 e 3). As regiões entre as seqüências líder e as respectivas setas são
removidas por splicing (representam os íntrons).
Replicação dos vírus DNA 153

Biologia foi a descoberta do splicing de RNA rea- As proteínas E1A inibem a p300/CBP, uma
lizada durante estudos de expressão gênica. proteína que modifica a estrutura da cromatina
A maioria das unidades de transcrição co- para facilitar a atividade de fatores de transcrição,
difica uma série de polipeptídeos com funções como a p53. Ao se ligar na p300/CBP, as proteí-
relacionadas. Por exemplo, a unidade E1A co- nas E1A antagonizam a ação da p53, liberando o
difica duas proteínas que ativam a transcrição e bloqueio para a progressão do ciclo celular. Além
induzem a célula hospedeira a entrar na fase S, disso, a E1B de certos AdVs pode se ligar direta-
enquanto a E2 codifica três proteínas que atuam mente e bloquear a p53. A razão por que os AdVs
na replicação do DNA viral. (e também os polioma e papilomavírus) utilizam
dois mecanismos para estimular o ciclo celular é
4.3 Expressão dos genes iniciais desconhecida. Uma possibilidade é que, in vivo,
podem existir células nas quais um dos mecanis-
A região da E1A, a primeira unidade trans- mos é mais eficiente do que o outro. Uma análise
cripcional a ser expressa, resulta em um transcri- mutacional demonstrou que, embora a ligação da
to primário único, que é processado por splicing E1A nas proteínas pRb ou p300/CBP possa indu-
diferencial em dois mRNAs. Os seus produtos, zir a síntese de DNA em células quiescentes, am-
as proteínas 12S e 13S (em razão de diferenças bas as regiões são necessárias para induzir a fase
no coeficiente de sedimentação dos mRNA), são M, sugerindo que eventos tardios do ciclo celular
idênticas, com exceção de 46 aminoácidos adicio- são, provavelmente, requeridos para assegurar
nais presentes na E1A 13S. uma replicação viral eficiente. Funções virais que
Uma função importante das proteínas E1A induzem a progressão do ciclo celular estão en-
é estimular a transcrição generalizada de genes volvidas na transformação de células de cultivo
virais. Essa função depende da habilidade das por alguns sorotipos dos AdVs. No entanto, ne-
proteínas E1A de se ligarem em uma variedade nhum AdV tem sido associado com tumores em
de fatores regulatórios da transcrição celular, seu hospedeiro natural.
como as proteínas CREB, AP1 e fatores basais Os AdVs induzem apoptose na célula hospe-
de transcrição como a proteína ligante do TATA deira em fases iniciais da infecção, principalmen-
(TBP). A ligação da E1A nesses fatores é media- te através de efeitos indiretos da E1A. Por outro
da pelos domínios conservados CR1 e CR2 (12S e lado, várias proteínas virais, incluindo as E1B/55
13S) e CR3 (somente na 13S). Uma interação críti- kDa, E1B/19 kDa e E4orf6, atuam bloqueando a
ca ocorre entre o CR3 e a subunidade mediadora apoptose por vários mecanismos. A E1B e E4orf6
MED23, que estimula a montagem do complexo bloqueiam o mecanismo pró-apoptótico depen-
de pré-iniciação nos promotores dos genes ini- dente da p53, ligando-se e inativando essa proteí-
ciais e, provavelmente, também aumente a taxa na. A E1B/19 kDa é semelhante à proteína celular
de início da transcrição desses genes. antiapoptótica Bcl-2, que se localiza na membra-
As proteínas E1A também desempenham na mitocondrial e impede a ativação da caspase-
um papel importante de indução do ciclo celular. 9, uma efetora da apoptose. Mutantes do AdVs
A exemplo dos poliomavírus, as proteínas iniciais defectivos na E1B/19 kDa induzem morte celular
dos AdVs focalizam a sua ação nos reguladores rápida, resultando em produção de progênie vi-
principais do ciclo celular, a pRb e p53. A intera- ral em quantidade reduzida quando comparada
ção entre as E1A e a pRb resulta na dissociação com o vírus de campo.
dos complexos E2F-pRb e ativação da transcrição A sobrevivência das células infectadas tam-
de genes cujos produtos promovem a entrada na bém depende da interferência com sinais de mor-
fase S. Interessantemente, a E2F também se liga te celular induzidos pela resposta imune. A E3
e ativa os promotores da E1 e E2. Isso provavel- 19 kDa é uma glicoproteína transmembrana que
mente represente um mecanismo para coordenar fica retida no retículo endoplasmático (RE) e cujo
a progressão do ciclo celular com a expressão gê- domínio luminal se liga em moléculas do MHC-
nica e replicação do DNA viral. I, provocando a sua retenção no RE. A E3 19 kDa
154 Capítulo 6

também se liga no complexo TAP e o impede de 51 bp, localizadas nas regiões terminais repeti-
transferir peptídeos ao MHC-I. O efeito dessas das, servem de origem de replicação (ori). Duas
atividades é a proteção das células infectadas do proteínas virais codificadas pela região E2, a pro-
reconhecimento e lise mediada por linfócitos T teína pré-terminal (pTP) e a polimerase de DNA,
citotóxicos (CTLs). Os CTLs também podem in- se ligam nas primeiras 20 bases da ori. Uma ter-
duzir lise celular, desencadeando sinais através ceira proteína da E2, a proteína ligante do DNA
do receptor de Fas expresso nas células-alvo. O (DBP), juntamente com fatores celulares, ligam-
complexo viral E3 14.4-kDa/E3 10.4-kDa interfe- se um pouco abaixo (na direção 3’) e interagem
re com a apoptose mediada pelo Fas, induzindo com o complexo pTP/polimerase. A principal
a degradação do seu receptor. Além disso, esse função da pTP é servir de primer para a inicia-
complexo também inibe a lise celular pelo fator ção da replicação do DNA viral. Essa proteína é,
de necrose tumoral alfa (TNFα), uma citoquina posteriormente, clivada para originar a TP, que
antiviral potente. Provavelmente, as atividades permanece ligada às extremidades 5’ do genoma.
imunomodulatórias das proteínas E3 dos AdVs A DBP forma multímeros em uma das cadeias
desempenhem importantes funções durante e re- do DNA, provocando a separação das cadeias,
plicação viral in vivo. evento que é necessário para a elongação das ca-
Uma das respostas mais precoces contra deias-filhas. A síntese de DNA se inicia na extre-
infecções víricas é aquela mediada pelos interfe- midade de uma das cadeias e se prolonga até a
rons (IFNs) α e β, que agem de forma autócrina outra extremidade, resultando em uma molécula
e parácrina, induzindo um estado de resistência de cadeia dupla recém-replicada e uma molécula
antiviral nas células. Os IFNs atuam por meio de parental de cadeia simples. No segundo estágio,
seu receptor, provocando a ativação da transcri- a cadeia simples deslocada na reação inicial serve
ção de genes cujos produtos possuem ações anti- de molde para a síntese da cadeia complementar.
virais. Elementos-chave nesse mecanismo são as Em células de cultivo, a replicação do DNA viral
quinases citoplasmáticas denominadas STATs, se inicia 5 a 10 horas após a infecção e continua
que, uma vez ativadas, são translocadas para o até a morte celular. Uma ilustração simplificada
núcleo, onde se ligam e ativam os promotores da replicação do genoma dos AdVs está apresen-
responsivos ao IFN. As proteínas E1A dos AdVs tada na Figura 6.8. Maiores detalhes sobre este
atuam diretamente nos mecanismos mediados mecanismo estão apresentados no Capítulo 16.
pelos IFNs, ligando-se e inativando a STAT1 e,
assim, bloqueando a ativação dos genes respon-
sivos aos IFNs. 4.5 Expressão dos genes tardios
Em resumo, as proteínas iniciais dos AdVs
atuam para assegurar uma expressão gênica ade-
quada, progressão do ciclo celular e modulação O promotor principal tardio exibe um nível
das respostas do hospedeiro, até que o ciclo repli- baixo de atividade durante as fases iniciais da
cativo seja concluído. Indiretamente, essas ativi- infecção e direciona a expressão da proteína L1
dades contribuem para a disseminação do vírus 52/55-kDa. Esta proteína se associa com o geno-
no organismo do hospedeiro. Estudos de infec- ma e o empacota em etapas avançadas do ciclo.
ções pelos AdVs in vivo têm demonstrado que
À medida que a replicação do DNA progride, a
esses vírus não são inerentemente inflamatórios,
atividade do promotor tardio aumenta e se torna
indicando que conseguem moderar a resposta in-
centenas de vezes mais ativo em fases tardias da
flamatória do hospedeiro.
infecção. Esse promotor é fortemente ativado pe-
4.4 Replicação do DNA viral las proteínas E1A, mas as razões de sua ativação
tardia são desconhecidas.
A maioria das funções necessárias para a re- A transcrição da região tardia do genoma re-
plicação do DNA dos AdVs são codificadas pela sulta em um transcrito primário longo, que é pro-
região E2 do genoma. Seqüências específicas de cessado por poliadenilação em diferentes sítios,
Replicação dos vírus DNA 155

Primeira Segunda
etapa etapa

Tp
3’ 5’
5’ 3’ .pTp
OH
Tp
3’
.pTp OH

-OH 5’

-OH

Lineariza

5’ 3’
5’

3’ 5’
5’ 3’

+
5’ 3’

Circulariza

5’ 3’
3’ 5’
3’
5’

Fonte: adaptada de Flint et al. (2000).

Figura 6.8. Ilustração esquemática da replicação do genoma dos adenovírus. Na primeira etapa, apenas uma das
cadeias é replicada de maneira contínua, a partir de uma das extremidades. A cadeia não-replicada circulariza então
para a formação de uma nova origem de replicação. A replicação desta cadeia inicia na extremidade e prossegue ao
longo da cadeia, que, em seguida, assume a topologia linear. Ao final das duas etapas, as duas cadeias de DNA estão
replicadas.

e por splicing para gerar vários mRNA tardios. O virais. Um desses mecanismos é a inativação do
acúmulo citoplasmático dos mRNA tardios é fa- fator de iniciação da tradução eIF-4F, que, nor-
vorecido por duas proteínas virais, a E1B 55 kDa malmente, se liga aos mRNA para facilitar a
e E4 34 kDa, que facilitam o movimento desses tradução. As extremidades 5’ dos mRNA virais
transcritos do núcleo para o citoplasma. Conco- tardios contêm uma região não-codificante de
mitantemente, o transporte de mRNA celulares 200 nt, que permite a esses mRNA serem tradu-
para o citoplasma é inibido. A natureza dessa
zidos na ausência de eIF-4F ativo. Em contraste,
discriminação (mRNA virais versus mRNA celu-
os mRNA celulares não são mais traduzidos na
lares) não é completamente conhecida, mas pode
ausência do eIF-4F.
envolver a relocalização de fatores celulares re-
A maioria das proteínas tardias dos AdVs
queridos para o transporte de mRNA nos centros
de transcrição virais. são componentes estruturais dos vírions e fatores
Além disso, os mRNA virais são preferen- envolvidos na morfogênese que, juntamente com
cialmente traduzidos em etapas tardias da infec- a replicação do DNA, produzem o cenário para a
ção, por causa de vários mecanismos regulatórios morfogênese e egresso da progênie viral.
156 Capítulo 6

4.6 Conclusões gênie viral infecciosa. A infecção produtiva com


produção de progênie é incompatível com a so-
Os adenovírus codificam uma série de pro- brevivência das células e resulta inevitavelmente
dutos envolvidos na interferência com os meca- em lise. Esse ciclo lítico pode ser facilmente re-
nismos de regulação do ciclo celular. As proteínas produzido in vitro pela inoculação de HVs em
E1A são ativadores promíscuos de vários genes células de cultivo.
virais e também induzem a célula a entrar em Após a replicação lítica inicial, os HVs po-
fase S. Por outro lado, os efeitos indiretos dessa dem permanecer em determinadas células do
ativação podem levar a célula infectada à apopto- hospedeiro em um estado não-replicativo duran-
se. Por isso, os AdV codificam também produtos te um longo período, provavelmente por toda a
com atividade antiapoptótica. Com isso, o vírus vida do indivíduo, sem que este apresente sinais
tem tempo suficiente para completar o seu ciclo da infecção. Essa forma não-produtiva de infec-
replicativo. No hospedeiro, os AdVs interferem ção, que ocorre sem a expressão de genes virais
com o reconhecimento de células infectadas pelo ou produção de progênie viral, é denominada in-
sistema imunológico, também com o objetivo de fecção latente. No entanto, estímulos específicos
preservar a integridade das células infectadas – muitos deles relacionados ao estresse – podem
pelo tempo necessário para a conclusão do ci- induzir o vírus em latência a retomar a replicação
clo. Os AdVs têm sido intensivamente estudados ativa e, assim, iniciar um novo ciclo de infecção
como potenciais vetores para terapia genética e produtiva que culmina com a produção da pro-
vacinas contra vírus. gênie viral. Essa retomada da replicação ativa é
denominada reativação. Grande parte dos conhe-
5 Herpesvírus cimentos sobre a replicação produtiva dos HVs
foram obtidos a partir de estudos da replicação
Os herpesvírus (HVs) são vírus grandes in vitro pelo herpesvírus humano tipo 1 (vírus do
(120-200 nm de diâmetro), com envelope, que herpes simplex, HSV-1), que é o protótipo da fa-
possuem uma molécula de DNA de cadeia du- mília Herpesviridae. Em contraste, muito menos se
pla linear como genoma. A família Herpesviridae conhece sobre a infecção latente pelos HVs pela
é dividida em três subfamílias, de acordo com dificuldade de sua reprodução in vitro.
aspectos biológicos e moleculares em comum:
Alphaherpesvirinae, Betaherpesvirinae e Gammaher- 5.2 O genoma dos HVs
pesvirinae. Todos os herpesvírus possuem a capa-
cidade de estabelecer infecções latentes em seus O genoma dos herpesvírus consiste de uma
hospedeiros. Os herpesvírus são encontrados em fita dupla linear de DNA com 125 a 240 kb. Os ge-
praticamente todas as espécies de vertebrados. nomas dos HVs são classificados em seis classes
(A-F), com base na organização do genoma – pre-
5.1 O ciclo replicativo sença, número e localização de regiões repetidas e
terminais (Figura 6.9). Por exemplo, nos genomas
Os HVs replicam o seu genoma no núcleo da classe E (p. ex.: HSV-1), as seqüências termi-
da célula hospedeira e utilizam fatores virais e nais são repetidas em uma orientação invertida
celulares no processo de replicação. Dependendo e justapostas internamente, dividindo o genoma
da expressão de determinados genes e das inte- em uma região curta (S) e outra longa (L), onde
rações com a célula hospedeira, os HVs podem cada região é flanqueada por regiões repetidas
apresentar dois tipos distintos de ciclo replica- e invertidas. O genoma do herpesvírus bovino
tivo. O primeiro ocorre nas células epiteliais ou tipo 1 (BoHV-1) é um genoma do tipo D, no qual
do tegumento durante a infecção aguda inicial, apenas a região curta (US) é flanqueada pelas re-
logo após a penetração no hospedeiro. A infecção giões repetidas invertidas (Figura 6.9). Em ambos
dessas células resulta na expressão do conjunto os casos, os componentes únicos podem estar na
completo de genes virais e na produção de pro- mesma orientação ou invertidos em relação ao
Replicação dos vírus DNA 157

outro. O DNA extraído dos vírions consiste em Epstein-Barr (EBV), são sintetizados microRNAs
populações equimolares que diferem apenas na que apresentam potencial para silenciar a expres-
orientação relativa dos dois componentes. Os ge- são de genes celulares e/ou virais.
nes presentes nas regiões repetidas obviamente
se encontram em mais de uma cópia no genoma. 5.3 Os genes virais

Aproximadamente 30 genes dos HV (deno-


A minados centrais ou core genes) são conservados
entre os membros da família Herpesviridae, ou
B seja, estão presentes nos genomas de todos os
R4 R3 R2 R1
C HV examinados até o momento. Os produtos
UL
Us desses genes são responsáveis pelo metabolismo
D dos nucleotídeos, pela replicação do DNA e pela
Us
E
UL morfogênese e estrutura dos vírions. Outros ge-
nes são conservados apenas entre membros de
F uma determinada subfamília. Por exemplo, os
alfaherpesvírus codificam transcritos associados
Fonte: adaptado de Roizman e Pellet (2001). à latência, uma proteína do tegumento que ativa
a transcrição dos genes iniciais e um regulador
Figura 6.9. Estrutura e organização dos genomas dos
herpesvírus. As linhas representam seqüências únicas; da transcrição relacionado ao ICP4 dos HSV-1.
os blocos representam seqüências repetidas. Além desses, vários outros genes são peculiares
Representantes de cada grupo: A) Herpesvírus do catfish
a algumas espécies de vírus.
de canal; B) Herpesvírus Saimiri; C) Vírus Epstein-Barr;
D) Vírus da varicella-zoster; E) Vírus do herpes simplex; Os HVs da subfamília Gammaherpervirinae,
F) Herpesvírus Tupaia. Note que somente os genomas principalmente, codificam genes de origem do
do tipo F não apresentam seqüências repetidas. Os
alfaherpesvírus de maior importância veterinária
hospedeiro, provavelmente adquiridos por re-
(herpesvírus bovino tipo 1 [BoHV-1] e vírus da doença trotransposição de cDNAs. Em alguns casos, os
de Aujeszky [PRV]) possuem genomas do tipo D. genes virais codificam funções similares as dos
correspondentes celulares. Em outros casos, es-
O genoma dos HVs contém entre 70 e 200 ses genes foram alterados para modificar a sua
genes, e a maioria destes são monocistrônicos, função. Por exemplo, o homólogo da ciclina tipo
portanto, codificam apenas uma proteína. Os ge- D (no herpesvírus humano tipo 8 [HHV-8]) não
nes estão presentes e são transcritos a partir de responde a sinais que atuariam sobre a versão ce-
ambas as cadeias de DNA. A expressão gênica lular do gene, fazendo com que a ciclina tipo D
é controlada por promotores com TATA box e a viral permaneça constantemente ativada e capaz
transcrição é realizada pela RNA polimerase II de promover transformação celular. Na seção 5.4,
celular. Quando os genes são sobrepostos, as suas será visto que a aquisição de genes do hospedeiro
regiões regulatórias estão localizadas na região é uma característica marcante dos poxvírus.
codificante do gene adjacente. Uma característica Cerca de 50% dos genes do HSV-1 não são
comum dos genomas dos HV é a existência de necessários para a replicação viral em cultivo ce-
grupos de transcritos co-terminais da extremida- lulares, por isso são ditos não-essenciais (NE). No
de 3’, cada um expressando uma ORF diferente. entanto, esses genes são importantes para a repli-
Ao contrário dos adenovírus, a grande maioria cação e patogenia durante a infecção natural. Vá-
dos transcritos dos HVs não sofrem splicing. rios genes NE atuam antagonizando os mecanis-
Alguns transcritos de genes dos HV parecem mos de defesa antiviral do hospedeiro e, assim,
não conter ORFs traduzíveis. Um exemplo clássi- favorecendo a replicação do vírus.
co é o transcrito associado com a latência (LAT) Os HVs são capazes de alterar o ambiente
do HSV-1, que é o único RNA viral transcrito celular para favorecer a sua replicação, provocan-
durante a latência desse vírus. No caso do vírus do a inibição ou indução da síntese de macromo-
158 Capítulo 6

léculas, indução ou inibição da síntese de DNA tras classes de genes virais. Além do sítio para
celular e, ainda, podem induzir a imortalização a ligação do complexo VP16/HCF/Oct-1, esses
da célula hospedeira. Os HVs podem bloquear a promotores contêm sítios específicos para a liga-
indução de apoptose, ativar os mecanismos me- ção de uma variedade de fatores de transcrição
diados pelo interferon e a apresentação de antí- do hospedeiro (Figura 6.10).
genos e mimetizar determinadas funções imu-
nomodulatórias. Uma conseqüência geral dessas
atividades é o retardamento na erradicação da
infecção das células hospedeiras, por um período Classe Promotor
suficiente para permitir a replicação viral com- do gene
TATAA
pleta ou o estabelecimento da infecção latente. TIF SP1 SP1 SP1 ICP4 SP1 TIF SP1 ICP4
IE (ICP4)
- 300
5.4 Expressão gênica +1

E (TK)
A cinética da expressão dos genes dos HVss CCATT, SP1 SP1 TATA
+1
durante a infecção aguda produtiva tem sido es-
TATAA Inr DAS
tudada detalhadamente em cultivo celular, mas L (UL38) -30
acredita-se que variações possam ocorrer in vivo +20

e também entre tipos celulares diferentes. Como +1

na maioria dos vírus DNA, os genes dos HV são


expressos sob regulação temporal estrita. Os ge- Fonte: adaptado de Roizman e Knipe (2001).
nes alfa ou de transcrição imediata (IE) são os pri-
Figura 6.10. Organização dos promoters dos genes de
meiros a serem expressos, seguidos pelos genes
transcrição imediata (IE), iniciais (early) e tardios (late)
beta ou iniciais (E), gama 1 (parcialmente tardios) do vírus do herpes simplex (HSV-1). Cada classe é
e pelos genes gama 2 ou tardios (L). Embora os representada pelo promotor de um determinado gene.
Os retângulos indicam os sítios de ligação dos fatores de
genes virais sejam transcritos pela RNA polII ce- transcrição/ transativadores. As setas indicam o início e
lular com o auxílio de fatores celulares de trans- direção da transcrição. IE: sítios para a ligação do
crição, proteínas virais são necessárias e auxiliam complexo VP16/HCF/oct-1 (TIF), do fator de transcrição
celular SP1 e do produto do gene ICP4; TATAA (TATA
em cada etapa de transcrição. box). Inr: iniciador; DAS.
Após a penetração do vírus, o nucleocapsí-
deo envolto pelo tegumento é transportado para
as proximidades dos poros nucleares, de onde o
DNA viral é translocado para o interior do núcleo As proteínas IE ICP4, ICP27 e ICP22 regu-
e rapidamente circularizado. No HSV-1, a prote- lam a expressão dos outros genes virais e, por-
ína VP16 do tegumento liga-se a duas proteínas tanto, são indispensáveis para a continuação do
celulares, HGF e oct-1, formando um complexo ciclo replicativo. A deleção experimental do gene
que se liga especificamente aos promotores dos do ICP4, o mais importante transativador viral,
genes IE, ativando a sua transcrição. A ativação resulta em um vírus incapaz de replicar. Outras
da transcrição é dependente da região C-termi- funções dos genes IE incluem a inibição de spli-
nal da VP16, que atua facilitando a reunião dos cing de mRNA (ICP27), a modulação do sistema
fatores de transcrição celulares responsáveis pela de degradação das proteínas celulares (ICP0) e a
maquinaria de transcrição basal. A dependência redução da expressão das ciclinas indutoras da
da VP16 parece ser maior em células quiescentes fase S (ICP22/Us1.5). A expressão das proteínas
e diferenciadas encontradas in vivo. IE alcança o pico máximo em 2 a 4 horas após
Seis produtos IE são codificados pelo HSV- a infecção. Como o ICP4 é capaz de reprimir a
1: os polipeptídeos ICP0, ICP4, ICP22, ICP27 e 47 sua própria expressão, acredita-se que contribua
e a proteína Us1.5. Os promotores desses genes para a supressão dos genes IE, que é observada
geralmente são mais complexos do que os de ou- nas fases tardias da infecção.
Replicação dos vírus DNA 159

As proteínas codificadas pelos genes E (beta) nas virais envolvidas na replicação do DNA viral.
atingem o pico máximo de síntese cerca de 5 a 7 A ICP27 movimenta-se entre o núcleo e o cito-
horas após a infecção, embora alguns produtos plasma das células infectadas, com funções nos
(p. ex.: a subunidade maior da ribonucleotídeo dois compartimentos. Evidências indicam que a
redutase, RR) sejam sintetizados com cinética se- ICP27 participa no recrutamento da enzima RNA
melhante aos genes IE. As proteínas E apresen- polimerase II celular para a transcrição dos ge-
tam diferentes funções, relacionadas com o me- nes tardios; auxilia na exportação dos transcritos
tabolismo de nucleotídeos e com a replicação do tardios para o citoplasma e estimula a tradução
DNA viral. O seu acúmulo nas células infectadas desses mRNA nos poliribossomos.
prenuncia o início da replicação do DNA. Os pro-
dutos dos genes E envolvidos no metabolismo de 5.5 Replicação do DNA viral
nucleotídeos (timidina quinase TK, dUTPase, RR)
e aqueles envolvidos na modificação e reparo do No início da expressão dos genes iniciais, as
DNA (uracil-N-glicosilase e nuclease alcalina) proteínas UL9 (proteína viral que se liga na ori-
não são essenciais para a replicação viral em cé- gem de replicação), UL29 (proteína que se liga em
lulas de cultivo. Isto se deve ao fato de as células DNA de fita simples) e UL5, UL8 e UL52 (com-
em multiplicação expressarem enzimas próprias plexo helicase-primase) se dirigem ao núcleo e
com atividades semelhantes. No entanto, as pro- se associam ao DNA viral, formando estruturas
teínas E são importantes in vivo e mutações nos focais chamadas de sítios pré-replicativos. Após
seus genes resultam em vírus que apresentam o recrutamento do complexo viral de replicação
replicação deficiente. Isso faz sentido principal- de DNA (UL30/UL42), uma fração dos sítios pré-
mente nos alfaherpervírus HSV-1 e BoHV-1, que replicativos maturam para formar os comparti-
são capazes de infectar diferentes tipos celulares, mentos virais de replicação.
inclusive neurônios. Os neurônios são células di- As funções mais importantes da proteína
ferenciadas que não se dividem e não expressam UL9 são a de ligação específica na origem de re-
proteínas envolvidas no ciclo celular, incluindo plicação (ori) e a separação das cadeias de DNA
várias proteínas envolvidas no metabolismo de neste sítio. Acredita-se que isso favoreça a mon-
nucleotídeos e na replicação do DNA. Por isso, tagem do complexo de iniciação, incluindo a as-
essas e outras proteínas virais podem ser cruciais sociação da DNA polimerase viral. A síntese da
para possibilitar a infecção de determinados ti- cadeia contínua envolve a separação das cadeias
pos celulares. do DNA e a síntese de um primer pelo complexo
A expressão dos genes gama 1 inicia em ní- helicase-primase, a partir do qual a cadeia nas-
veis baixos após o início da replicação do DNA, cente pode ser sintetizada de forma contínua pela
mas o seu nível de expressão aumenta com o DNA polimerase. A síntese da cadeia descontínua
avanço do processo replicativo. Os genes gama é mais complexa e envolve múltiplos ciclos de
2 (L) começam a ser expressos após a síntese e síntese do primer, extensão, remoção dos primers
replicação do DNA viral. A transcrição dos genes e ligação dos fragmentos de Okazaki adjacentes.
tardios ocorre a partir de genomas recém-replica- A síntese de DNA viral ocorre pelo mecanismo
dos, localizados em compartimentos de replica- de círculo rolante (rolling circle), que resulta em
ção nuclear, nos quais a ICP4 e a RNA polimerase moléculas longas, contendo várias unidades do
II se localizam. genoma unidas linearmente entre si. Essas mo-
Os promotores dos genes tardios consistem léculas contêm as quatro possíveis formas iso-
de seqüências regulatórias localizadas a certa dis- méricas do genoma (no caso do HSV-1), que são,
tância dos genes, como também de seqüências lo- então, clivadas em unidades genômicas, que são
calizadas na região 5’não-traduzida (Figura 6.10). encapsidadas nos nucleocapsídeos (Figura 6.1).
Além da ICP4, a transcrição dos genes tardios Os fatores celulares induzidos na fase inicial
exige a presença da ICP27, uma proteína multi- da infecção, incluindo vários componentes da
funcional que estimula a transcrição das proteí- maquinaria de reparo do DNA, acumulam-se nos
160 Capítulo 6

centros de replicação viral. Esses fatores parecem permitir a permanência do vírus no hospedeiro.
ser importantes para os centros de replicação do A reativação ocasional dessas infecções permite
HSV-1 se tornarem funcionais, sugerindo que um ao vírus ser transmitido e infectar novos hospe-
estresse celular pode ser necessário para a repli- deiros, perpetuando-se, assim, na natureza.
cação eficiente dos HVs.
6 Poxvírus
5.6 Expressão gênica durante a infecção
latente 6.1 O ciclo replicativo
A expressão de genes virais durante a in-
Os poxvírus (PoxV) são vírus DNA que re-
fecção latente é muito restrita e apenas um ou
alizam o seu ciclo replicativo – incluindo a repli-
poucos genes virais são transcritos. Por exem-
cação do genoma – integralmente no citoplasma,
plo, durante a latência em neurônios de gânglios
uma propriedade que é comum também ao vírus
sensoriais, o HSV-1 e o BoHV-1 sintetizam uma
da peste suína africana (ASFV), único membro da
série de transcritos a partir de uma região bem
família Asfarviridae. Como as enzimas celulares
determinada do genoma (região associada à la-
que participam da síntese de RNA e DNA estão
tência, LRT; transcrito associado à latência, LAT).
localizadas no núcleo, os PoxV devem trazer nos
As demais regiões do genoma permanecem ina-
vírions as suas próprias enzimas e fatores auxilia-
tivas em relação à transcrição. A razão dessa res-
res. Esse cenário ilustra o nível de independência
trição da transcrição é desconhecida, mas o am-
relativa que esses vírus conseguiram atingir em
biente neuronal e sinais derivados de células do
relação à célula hospedeira. No entanto, embora
sistema imunológico têm sido implicados. Vírus
codifiquem grande parte das enzimas e fatores
recombinantes que possuem mutações na região
de transcrição, os PoxV ainda são dependentes
do LAT/LRT são capazes de estabelecerem infec-
de vários fatores auxiliares da célula hospedeira.
ções latentes, mas são defectivos na reativação,
O ciclo replicativo dos PoxV foi estudado in vitro,
o que sugere um papel para esses transcritos na
utilizando-se o vírus da vaccinia (VV) como mo-
reativação da infecção.
delo. Apesar da sua complexidade, o ciclo repli-
cativo do VV é relativamente rápido, e a progênie
5.7 Conclusões
viral pode ser detectada já oito horas pós-infec-
ção (pi).
Os herpesvírus possuem um genoma mais
complexo e codificam várias proteínas envolvi- 6.2 O genoma dos PoxVs
das nos processos replicativos. Com isso, esses
vírus são capazes de replicar em uma variedade Mais de 50 seqüências genômicas completas,
de células, independente do seu estado de divi- representando vários gêneros, espécies e isolados
são ou diferenciação. Ao contrário do que ocorre de campo dos PoxV já foram obtidas, permitindo
com os vírus DNA pequenos (polioma, papiloma uma descrição detalhada da estrutura, organiza-
e adeno), os HV não necessitam induzir as células ção genômica e dos genes individuais.
a entrarem na fase S, pois codificam e/ou trazem O genoma dos PoxV consiste de uma mo-
nos vírions grande parte dos fatores necessários lécula de DNA linear de fita dupla com 130-390
à replicação de seu genoma. No entanto, depen- kbp, contendo seqüências repetidas invertidas do
dem da maquinaria celular de transcrição e pro- tipo hairpin (ITRs) de 0.1 a 12.4 kb nas extremi-
cessamento dos mRNAs. A replicação dos HVs dades (Figura 6.11). Nos Chordopoxvirus (ChPVs),
geralmente induz uma supressão da síntese de o número de genes é de aproximadamente 150,
macromoléculas das células, geralmente levando embora mais de 300 genes já tenham sido deduzi-
a alterações metabólicas incompatíveis com a vida dos no genoma do PoxV do canário (canaripox).
celular. O estabelecimento de infecção latente se A densidade gênica é alta, com uma média de um
constitui em uma estratégia muito eficiente para gene por kb.
Replicação dos vírus DNA 161

Repetição invertida Seqüências únicas Repetição invertida


10 kbp 160 kbp 10 kbp

Seqüências repetidas Seqüências repetidas

0,9 kbp 1,3 kbp 1,3 kbp 0,9 kbp

Fonte: adaptado de Murphy et al. (1999).

Figura 6.11. Estrutura do genoma dos poxvírus. O genoma consiste de uma molécula contínua de DNA de fita dupla,
sem extremidades livres. Nas duas extremidades, situam-se regiões repetidas invertidas de aproximadamente 10 kb
cada. As seqüências únicas abrangem o restante do genoma.

Aproximadamente 90 dos 150 genes são ção dos genes do VV pode ser dividida em três
conservados no genoma de todos os ChPVs se- etapas: inicial, intermediária e tardia. A transcri-
qüenciados até o presente, e codificam produ- ção de vários genes, no entanto, parece não obe-
tos que participam da replicação do DNA, da decer a essa regulação estrita, ocorrendo continu-
transcrição, da morfogênese e da estrutura das amente ao longo do ciclo replicativo.
partículas virais. Nesses genes, tanto as regiões Os fatores de transcrição e enzimas neces-
codificantes quanto os promotores são altamente sárias para a transcrição dos genes iniciais estão
conservados. Em geral, grande parte dos genes presentes nas partículas víricas infectantes. As-
conservados estão localizados na região central sim, a transcrição desses genes inicia poucos mi-
do genoma. nutos após a penetração viral, ainda no interior
Os genes localizados entre a região central de partículas parcialmente íntegras e, portanto,
e as extremidades do genoma tendem a ser es- antes do desnudamento ser completado. A trans-
pécie-específicos e codificam proteínas cujas fun- crição inicial resulta na produção de aproxima-
ções antagonizam a resposta imune do hospedei- damente 100 mRNA diferentes, que são expor-
ro. Esses genes são chamados coletivamente de tados do interior dos vírions para o citoplasma
genes de virulência. Estão incluídos nesse grupo para serem traduzidos. Entre as proteínas dos
os genes que codificam produtos homólogos às genes iniciais estão aquelas envolvidas nos me-
citocinas e quimioquinas do hospedeiro, e genes canismos de evasão do sistema imunológico, no
de receptores de citocinas e quimioquinas que desnudamento completo do genoma, na síntese
foram adquiridos do hospedeiro e modificados de DNA viral e na regulação da expressão dos
durante a evolução. Ao contrário dos genes cen- genes intermediários.
trais conservados, vários genes de virulência são Os produtos dos genes intermediários são
dispensáveis para a replicação viral em cultivo principalmente fatores de transcrição utilizados
celular. para a expressão dos genes tardios. As proteínas
tardias, por sua vez, estão envolvidas na morfo-
6.3 Expressão gênica gênese, fazem parte da estrutura das partículas
víricas e também incluem as enzimas e fatores de
Como os outros vírus DNA, os PoxVs co- transcrição que serão incluídos na progênie viral
ordenam os processos de replicação genômica e para o próximo ciclo de replicação.
morfogênese por meio de uma regulação tempo- Os genes dos PoxVs são transcritos pela
ral da expressão de grupos de genes. A transcri- RNA polimerase viral, que é composta por nove
162 Capítulo 6

subunidades. As duas subunidades maiores RNA polimerase, fatores ITF-A (helicase), ITF-B
apresentam um alto grau de similaridade nos (enzima que coloca o cap), VITF-2 (fator derivado
aminoácidos, com as subunidades maiores das do hospedeiro) e B1R (proteína quinase viral).
RNA polimerases de eucariotas e procariotas, Os promotores dos genes tardios também
mas as duas subunidades menores não apresen- são bipartidos e contêm um elemento iniciador
tam similaridade significativa com as suas cor- e uma região rica em A-T logo acima. Além da
respondentes. RNA polimerase, três produtos de genes inter-
Aproximadamente a metade dos genes do mediários e um produto inicial são necessários
VV pertence ao grupo dos genes iniciais. Os pro- para a transcrição dos genes tardios, embora as
motores desses genes possuem um resíduo de funções desses produtos sejam desconhecidas.
guanina (G) extremamente conservado na posi- Um fator de transcrição do hospedeiro também
ção –21, flanqueado por uma região variável rica parece estar envolvido na transcrição dos genes
em A-T. A transcrição dos genes iniciais requer a tardios. A terminação da transcrição dos genes
RNA polimerase viral, o fator de transcrição ini- tardios é diferente daquela dos genes iniciais,
cial (ou ETF, a única proteína de ligação ao DNA mas também requer a participação de produtos
codificada pelos PoxV) e ATP. No modelo atual, virais.
o ETF se liga nos promotores iniciais e recruta
o complexo da RNA polimerase. A hidrólise de 6.4 Replicação do DNA
ATP pelo ETF e a sua subseqüente liberação do
complexo permite a RNA polimerase iniciar a A replicação citoplasmática do genoma se
transcrição. constitui em um aspecto único do ciclo replica-
Estudos recentes sugerem que vários fatores tivo dos PoxV e ASFV. A replicação do DNA do
de transcrição dos genes iniciais formam comple- VV ocorre em “fábricas virais”, que são áreas cito-
xos que se ligam aos promotores durante a mor- plasmáticas totalmente envolvidas por membra-
fogênese das partículas virais. Com isso, parte nas derivadas do retículo endoplasmático rugoso
dos fatores necessários para a transcrição inicial (RER). O envolvimento dessas áreas pelas mem-
já estaria posicionada nos promotores, permitin- branas do RER é um processo que se completa
do o rápido início da transcrição, logo após a pe- em, aproximadamente, 45 minutos a partir do
netração na célula hospedeira. As enzimas virais início da infecção e parece ser influenciado por
guanilyl-transferase (capping enzyme), polimerase proteínas virais de membrana. Em etapas tardias
poly-A e um fator de terminação da transcrição da infecção, quando se inicia a morfogênese, es-
também são importantes para a transcrição ini- ses “envelopes” membranosos do RER não são
cial. A transcrição desses genes termina logo após mais visíveis na estrutura celular.
o final das ORFs, em resposta a uma seqüência Alguns PoxVs codificam enzimas envolvi-
TTTTTNT (onde N é qualquer nucleotídeo), lo- das na síntese de deoxiribonucleotídeos (dNTPs),
calizada na cadeia de DNA oposta (codificante). para favorecer a síntese e replicação do DNA em
Até o presente, nenhuma função da célula hos- células que na estão em divisão. No caso do VV, a
pedeira foi identificada como necessária para a replicação do DNA ocorre entre 3 e 12 horas pós-
iniciação e terminação da transcrição inicial. infecção e resulta na produção de aproximada-
Após o desnudamento completo do geno- mente 10.000 cópias por célula, metade das quais
ma, seguem-se as etapas de transcrição dos genes serão incluídas nos vírions.
intermediários, a replicação do DNA e a transcri- Acredita-se que a replicação do DNA dos
ção dos genes tardios. Os promotores dos genes PoxV se inicie com uma clivagem em uma das ca-
intermediários são bipartidos, possuindo um ele- deias nas proximidades dos hairpins, seguida de
mento iniciador no sítio de iniciação da transcri- polimerização seqüencial a partir da extremidade
ção e uma seqüência rica em A-T, localizada pró- 3’, deslocamento da cadeia complementar e reso-
xima (na direção 5’). A transcrição desses genes lução por concatêmeros (Figura 6.1). A região ter-
requer fatores virais recém-sintetizados, como a minal de 200 pb do genoma provavelmente serve
Replicação dos vírus DNA 163

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164 Capítulo 6

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REPLICAÇÃO DOS VÍRUS RNA
Maria Elisa Piccone1 & Eduardo Furtado Flores
7
1 Introdução 167

1.1 Diversidade de estrutura, organização e funcionalidade dos genomas 167


1.2 Sítios de replicação 169
1.3 Infidelidade das replicases e diversidade genética 169
1.4 Outras proteínas virais envolvidas na replicação 169

2 Vírus com genoma RNA de sentido positivo 169

2.1 Genomas com uma única ORF, sem produção de mRNA subgenômicos 171
2.1.1 Estrutura e organização do genoma 171
2.1.2 Tradução e replicação do genoma 172

2.2 Genomas com mais de uma ORF e produção de mRNAs subgenômicos 174
2.2.1 Estrutura e organização genômica 174
2.2.2 Expressão gênica e replicação do genoma 174

3 Vírus com genoma RNA de sentido negativo 176

3.1 Vírus com o genoma não-segmentado 176


3.1.1 Estrutura e organização do genoma 177
3.1.2 Transcrição 178
3.1.3 Replicação do genoma 179

3.2 Vírus com o genoma segmentado 180


3.3 Vírus com o genoma ambissense 181

4 Vírus com RNA de fita dupla 182

4.1 Estrutura e organização do genoma 182


4.2 Transcrição 183
4.3 Replicação do genoma 184

5 Retrovírus 184

6 Bibliografia consultada 185

1
Responsável pela seção de vírus RNA de sentido positivo.

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