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REFLEXÕES ACERCA DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS

MOVIMENTOS NEGROS NA EDUCAÇÃO BÁSICA


Luane Bento dos Santos
PPGCIS/PUC-Rio

Resumo: Neste trabalho, abordaremos a importância das ações políticas pedagógicas dos
movimentos negros na Educação Básica. Demonstraremos como essas atuações têm
contribuído na criação de identidades negras afirmativas e na construção de educação
democrática que vise à promoção de equidade e emancipação de sujeitos na sociedade. Para
este intento, utilizaremos depoimentos de mulheres negras inseridas no nível superior.
Analisaremos os relatos delas e buscamos compreender como elas construíram, ao longo de
suas trajetórias escolares, identidades corpóreas e representações de história e cultura africana
e afro-brasileira. Apoiamos nossa pesquisa nos pressupostos teóricos e metodológicos da
Educação e Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. Realizamos uma abordagem
qualitativa baseada em método etnográfico. Além disso, refletimos sobre o silêncio e omissão
da escola em torno das práticas racistas e discriminatórias.

Palavras-chave: Educação e Relações Étnico-raciais, Etnografia, Movimentos Negros, Práticas


Pedagógicas, Identidade Negra.

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como proposta apresentar as ações políticas pedagógicas dos
movimentos negros enquanto intervenções que promovem a diversidade corroboram para o
fortalecimento e reconhecimento das identidades negras e para a luta antirracista nos espaços
de educação formal (escola). Tomamos como base para nossa análise os resultados
encontrados em pesquisa produzida no campo da Educação e Relações Étnico-raciais e
Antropologia Social. O estudo teve como objetivo investigar as representações sociais e
percepções estéticas de mulheres, autodeclaradas negras1 e pertencentes ao nível superior, em
torno de seus corpos e cabelos. A pesquisa foi realizada para a finalização de curso no campo
das Ciências Humanas e Sociais no ano de 2010. Realizamos uma pesquisa etnográfica
baseada na utilização das seguintes ferramentas metodológicas: entrevistas semiestruturadas
(perguntas abertas e fechadas), observação participante, história de vida e história oral, diário
de campo, levantamento bibliográfico e revisão de literatura. Entrevistamos 15 mulheres,

1
Para esse trabalho seguimos a definição de população negra para o conjunto de pretos e pardos, conforme a
definição adotada também pelo Movimento Negro do Brasil e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
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ativistas do movimento negro, simpatizantes ao movimento negro e não ativistas sem
considerações formadas sobre o movimento negro. O grupo entrevistado era bem heterogêneo
com mulheres oriundas de formações acadêmicas diversas, classe social, religião, bairro e
cidade, geração, orientação sexual e perspectivas políticas distintas. Todo o trabalho de campo
foi realizado em instituições universitárias e de pesquisa, tais comoꓽ Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, Universidade Federal Fluminense/UFF, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro/UERJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e na
instituição de pesquisa Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz.
Durante o processo de produção do estudo etnográfico nos deparamos com
depoimentos que enfatizavam a influência de instituições sociais família, religião e escola na
elaboração de suas identidades corpóreas. Dessas instituições a escola foi referenciada com
um dos principais locais a ajudar a demarcar negativamente a corporeidade negra. De acordo
com os relatos, o ambiente escolar foi o espaço onde se vivenciou inúmeras práticas racistas
que a nosso ver culminaram em traumas de origem racial. Notamos que a maioria das
entrevistadas trazia em seus discursos experiências ligadas aos preconceitos raciais e que estes
eram, de certo modo, constantes na esfera escolar. Também pudemos perceber que essas
situações foram silenciadas e compreendidas como problemas menores pela escola. Segundo
Cavalleiro (2005, p.147) isto se deve ao fato de “ao se achar igualitária, livre do preconceito
e da discriminação, muitas escolas têm perpetuado desigualdades de tratamento e minado
efetivas oportunidades igualitárias”. Observamos que as questões relativas às práticas de
racismo eram tomadas pelo corpo educativo das seguintes formas:
 situações em que se podiam fazer pouco-caso, em outras palavras, os
educadores estavam autorizados a serem indiferentes;
 situações em que não precisavam possuir nenhum tipo de estratégia para a
eliminação dos conflitos;
 situações em que não necessitavam serem solidários com as vítimas de
preconceito e discriminação.
Vale salientarmos que o espaço de educação formal foi descrito e compreendido como
instituição responsável pela disseminação de aspectos negativos para a construção da
identidade negra ao reiterar a imagem do negro, no que se refere à história, apenas na
condição de escravizado. Os sujeitos da pesquisa abordaram que ao longo da trajetória escolar
a corporeidade negra era associada constantemente a características físicas e morais
pejorativas, tais como fealdade, ruindade e maldade.
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Argumentaram também que não foi nesse ambiente que aprenderam a valorizar, a construir ou
ressignificar identidade, história e cultura africana e afro-brasileira (GOMES, 2002). Pelo
contrário, as memórias que trazem dele são de incessante sofrimento, negação, desvalorização
e desinformação sobre quaisquer aspectos das culturas africanas e afro-brasileiras. De tal
modo, que os levaram a renegar durante parte de seu percurso escolar e acadêmico os
elementos simbólicos de negritude e os sinais de pertença étnico-racial.
Para mais esclarecimentos sobre a temática abordada nesse artigo informamos que a
palavra racismo compreende as seguintes acepções:
O racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da
humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características
físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características
psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores
desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças
naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico
e o intelecto, o físico e o cultural.
(MUNANGA, 2003, p.24).
A partir das breves considerações expostas acima, buscamos demonstrar como o
espaço de educação formal, a escola, interfere nas construções corpóreas de pessoas negras,
quais são as principais representações acessadas pelos indivíduos negros nesses ambientes e
como as práticas políticas dos movimentos negros colaboram com a criação de outras imagens
e concepções sobre ser negra, além disso, ajudam a transformar o espaço escolar.
Como dissemos, os pressupostos teóricos e metodológicos da nossa pesquisa são
baseados nos debates da Educação e Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. A
pesquisa foi uma abordagem qualitativa de caráter etnográfico que procurou analisar os
comportamentos e representações estéticas e identitárias de mulheres negras e teve como base
suas trajetórias de vida. Realizamos treze entrevistas com mulheres do estado do Rio de
Janeiro e outras duas entrevistas com uma mulher do estado de Pernambuco e outra do estado
de São Paulo.
O trabalho está dividido da seguinte maneiraꓽ primeiramente, serão apresentados os
fragmentos das entrevistas, as análises antropológicas das relações étnico-raciais na educação,
no segundo momento, a definição de movimento negro e as questões relativas às suas práticas
pedagógicas e por fim as considerações finais.

I. QUAIS IDENTIDADES NEGRAS A ESCOLA CRIA?

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Em pesquisa encomendada para UNESCO “Relações Raciais na Escolaꓽ reprodução de
desigualdades em nome da igualdade” Castro e Abramovay (2006) apresentam dados
alarmantes sobre as implicações do racismo na educação básica. Os resultados da investigação
revelam desigualdades acentuadas nas proficiências médias entre negros e brancos.
No Saeb de 2003, não apenas os alunos brancos alcançaram uma proficiência média
maior que a dos alunos negros em todas as séries pesquisadas, como também essas
diferenças entre as médias de brancos e negros aumentam à medida que os alunos
avançam no sistema educacional. Ou seja, as menores diferenças entre as
proficiências médias de alunos brancos e negros são encontradas na 4ª série do
ensino fundamental, havendo um aumento tanto na 8ª série do ensino fundamental
quanto na 3ª série do ensino médio (CASTROꓽ ABRAMOVAY, 2006, p.106).

Apesar de a pesquisa considerar os índices socioeconômicos similares e situações


educacionais idênticas, ainda assim o desempenho de negros é mais baixo do que de brancos.
E como podemos verificar as diferenças de desempenho médio aumentam ao passo que os
estudantes avançam nas séries do sistema educacional. A conclusão da pesquisa é que a
discriminação racial tem sido um fator desestimulante que gera baixo rendimento escolar,
aumento e possibilidade de repetência, além de atuar como redutor na frequência às salas de
aulas por parte desses estudantes. Cavalleiro comenta que as discriminações raciais, no
cotidiano escolar, acarretam para os indivíduos negros:
Auto-rejeiçao, desenvolvimento de baixa auto-estima com ausência de
reconhecimento de capacidade pessoal; rejeição ao seu outro igual racialmente;
timidez, pouca ou nenhuma participação em sala de aula; ausência de
reconhecimento positivo de seu pertencimento racial; dificuldades no processo de
aprendizagem; recusa em ir à escola e, consequentemente, evasão escolar. Para o
aluno branco, ao contrário acarretam a cristalização de um sentimento irreal de
superioridade, proporcionando a criação de um circulo vicioso que reforça a
discriminação racial no cotidiano escolar, bem como em outros espaços da esfera
pública (2005, p.12).

Por esses motivos, acreditamos que seja pertinente trazer os fragmentos dos
depoimentos de nossas interlocutoras como forma de desvelar os efeitos do racismo e
discriminação racial nos estudantes negros (as). A seguir expomos parte do relato de Kesi2,
estudante de Serviço Social da UFRJ, moradora a cidade do Rio de Janeiro, bairro de
Jacarepaguá, nos fala sobre suas primeiras experiências no ambiente escolar, especificamente
na Educação Infantil:
Eu lembro que quando eu era criança, que era coisa muito marcada porque assim é
quando eu. Eu lembro da minha infância um pouco antes de entrar na escolinha, me
lembro de pequenininha minha mãe conversando: “Olha agora você vai entrar na
escolinha” sabe? Eu lembro que ela comprou os caderninhos, ou seja, eu lembro
muito bem dessa infância de três, quatro anos que muitas pessoas não lembram. E aí,

2
Os nomes utilizados nesse artigo são fictícios com intuito de resguardar a integridade pessoal de nossas
depoentes. (83) 3322.3222
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assim eu lembro que eu era muito feliz em casa porque não tinha essa: “Aí ela tem o
cabelo duro!”não tinha sabe. O meu cabelo era igual ao da minha mãe, igual ao do
meu pai, não tinha esse problema. E quando foi pra escola foi muito aquela coisa
olha“Você tem cabelo duro. Você é assim! Você é assado”sabe? Aí eu comecei a
perceber essa diferença sabe:“Nossa, eu sou negra!” (KESI, 2010).

Com base no depoimento de Kesi, podemos notar que o ato de se reconhecer como
negra na escola acontece por viver experiências de natureza discriminatória como nos fala
Gomes (2002) e Cavalleiro (2005).
Mondisa, estudante de Psicologia da UERJ, moradora da comunidade Cantagalo no
Rio de Janeiro comenta sobre o processo de não ser reconhecida como bela e branca no
ambiente escolar. Mondisa, filha de um casal negro sempre se considerou mestiça, mas a
chegada à universidade transformou este olhar, contudo na escola ela já se questionava sobre
quem eraꓽ
Quando eu comecei a ir pra escola, e como eu sempre estudei em escola de gente
com dinheiro, de gente branca, eu não era bonita, eu não era vista como bonita, eu
não era olhada, não tinha mais os traços finos. Porque naquele lugar os meus traços
comparados aos das outras meninas eram grossos nessa linguagem. E não tinha mais
isso. e não tinha mais isso. Então eu comecei a questionar que beleza era essa sabe.
Porque lá na favela eu era chamada de bonita e quando eu ia pra escola no asfalto,
no meio que não era o meu, eu já não me via tão bonita assim (MONDISA, 2010).

Apesar do silenciamento sobre sua pertença étnico-racial no contexto escolar Mondisa


começa a refletir por que o seu padrão de beleza era exaltado no “morro” e na escola não era
vista como bela. Constatamos que as primeiras apreensões realizadas por nossa interlocutora
as leva a crê numa possível condição estética de feiura e de não se ajustar ao local de estudo.
Layla, professora de Língua Portuguesa e Literatura da rede estadual do RJ, moradora
da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Jacarepaguá e militante do movimento negro,
discorre sobre seu percurso escolar em instituições privadas de ensino. Descreve a experiência
de ser a exceção negra em ambientes majoritariamente compostos por estudantes brancosꓽ

No CA, eu só me lembro de crianças brancas, na primaria série só me lembro de ter


estudado primeira série, na quarta série a tá.. teve um colégio deixa eu ver se tinha
crianças pretas. Tinha sim eu estudava me lembro que as crianças pretas que tinham
eram tipo deveriam ser mistura de negro com índios. Sempre tinha um cabelo assim
mais macio, cacheado e nunca assim um cabelo crespo ou “blackzinho” não tinha. E
na quarta série tinha um menino negro assim. Mas engraçado todos os era só menina
assim e a maioria era branco (LAYLA, 2010).

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Os espaços escolares descritos por Layla são formados prioritariamente por alunos
brancos. A identidade negra da professora foi marcada por não se identificar nos corpos de
seus colegas, num processo de não reconhecimento e identificação. Como sinaliza Woodward
(2000),“O corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem
quem somos, servindo para a identidade”. Neste sentido, Layla percebe a sua negrura a partir
da composição étnico-racial das turmas que frequentou ao longo de sua vida escolar.
Outro ponto a ser mencionado é que nossa entrevistada alega que as informações sobre
seu corpo, cabelo e história e cultura africana são recentes e em processo de construção. Ela
nos relata a sua pertença ao movimento negroꓽ
Eu comecei primeiro a frequentar o grupo de estudo do Coletivo D., que é o coletivo
de estudantes negros da UERJ, formado por homens e mulheres negras, depois eu
fui meio que automaticamente também fazendo parte do grupo só de mulheres
negras Associação A. (LAYLA, 2010).

Souza (1983) nos diz que tornar-se negro é um processo de reconstruir a identidade
negra por outras vias, é se afastar da estrutura hegemônica branca narcísica, é ter consciências
do processo ideológico que aliena cabeças e corpos negros. Para nós, o processo de tornar-se
negra de Layla está imbricado na sua participação nos movimentos negros. Para ela, os
movimentos negros têm oferecido a oportunidade de tornar-se negra por outras vias.
A professora de história, moradora da cidade de São Paulo, Xandê, nos fala sobre os
sofrimentos vivenciados ao longo de sua trajetória escolar:
Difícil né estudar enquanto você é a esquisita, a estranha, nas festas ninguém vai
querer dançar com você, você é a neguinha do cabelo duro. E o ambiente escolar eu
acho que é um ambiente muito perverso, pelo menos para mim e para várias outras
crianças negras e mulheres este ambiente escolar é onde de fato ela vai descobrir e
experimentar, né, a questão do racismo. E na maioria das vezes da forma mais
perversa possível (XANDÊ, 2010).

A fala de Xandê nos levar ao seguinte questionamento: será possível tornar-se negro
como defende Souza (IBIDEM) em ambientes considerados perversos por nossas
entrevistadas? Ainda será possível tornar-se negro em ambientes que silenciam
costumeiramente as abordagens e práticas discriminatórias racistas?
Verificamos através desses depoimentos que para o negro e mestiço é uma relação
complexa criar identidade positiva no contexto escolar, são inúmeras pesquisas que
descrevem o drama racial brasileiro enfrentado por negros (as) durante o processo de
escolarização (CAVALEIRO, 2005; GOMES, 2002; MUNANGA, 2003). Na seção seguinte
esboçaremos as propostas e ações educativas dos movimentos negros nas instituições de
ensino e os resultados alcançados por essas iniciativas.
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II. AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DOS MOVIMENTOS NEGROS

De acordo com Pereira (2013. p147), o movimento negro pode ser definido como
movimento social que tem por especificidade a atuação em relação à questão racial. Considera
que a formação do movimento negro é complexa e engloba um conjunto de entidades,
organizações e indivíduos que lutam contra o racismo e por melhores condições para a
população negra.
Pereira (IBIDEM) também frisa as práticas políticas culturais, a criação de
organizações voltadas excepcionalmente para a ação política, as iniciativas no âmbito da
educação e saúde. Adicionalmente, o autor ressalta e caracteriza as três diferentes fases do
movimento negro ao longo do século XX:
A primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, em 1937; a segunda, do
período que vai do processo de redemocratização, em meados dos anos 1940, até o
Golpe militar de 1964; a terceira, quando o movimento negro contemporâneo surge
na década de 1970 e ganha impulso após o início do processo de Abertura política
em 1974. A primeira fase teria tido como ápice a criação e consolidação da FBN
(Frente Negra Brasileira) como uma força política em âmbito nacional [...] nessa
primeira fase, teria como principais características a busca pela inclusão do negro na
sociedade, com um caráter “assimilacionista”, sem a busca pela transformação da
ordem social [...] um nacionalismo declarado da Frente Negra Brasileira. Na
segunda fase do movimento destacam-se o Teatro Experimental do Negro (TEN),
fundado por Abdias Nascimento em 1944 no Rio de Janeiro, e a União dos Homens
de Cor (UHC), criada inicialmente em Porto Alegre, m 1943, mas com ramificações
em dez estados da federação. Da mesma forma que na fase anterior, a inclusão da
população negra na sociedade brasileira [...] continuava como característica
importante do movimento. Mas, por outro lado, a valorização de experiências vindas
do exterior, principalmente da África e dos Estados Unidos.[...] A tradição de luta
contra o racismo, identificável nas duas fases primeiras do movimento negro
brasileiro, foi importante para o surgimento, [...] do movimento negro
contemporâneo do Brasil, no início da década de 1970.(PEREIRA, 2013, p.149,).

Considerarmos que o período da terceira fase do movimento negro é o momento em


que aparecem no cenário brasileiro inúmeros movimentos sociais. Estes movimentos têm
como objetivo atuar para a consolidação de um sistema democrático. Eles nascem no período
de abertura democrática e se colocam como atores e forças sociais. No bojo destas
manifestações como salienta Lima (2005, p.41)ꓽ
Um novo impulso é dado ao movimento negro, em virtude do surgimento
Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNCDR), em 1978, na
cidade de São Paulo, constituído a partir de uma to de protesto pelas mortes dos
trabalhadores Robson Silveira da Luz, em Guaianazes, e de Newton Lourenço, no
bairro da Lapa, pela polícia. Essa organização, além dos atos de denúncia, buscou
situar que as desigualdades entre negros e brancos não se davam apenas pela luta de
classes, assim como indicava importância da questão da educação como uma
bandeira prioritária.

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Lima (ibidem) ainda salienta, “Para além da denúncia do racismo e das desigualdades
raciais perpetuadas historicamente nos sistemas de ensino, o movimento negro elaborou
propostas pedagógicas e de intervenção, em contraposição a um cotidiano singular e
etnocêntrico nos espaços educacionais”.
Nesta direção de focalizar as ações educativas dos movimentos negros no ambiente
escolar Lima (2005) realiza estudo pesquisando sobre a Pedagogia Interétnica na cidade de
Salvador. O autor considera três iniciativas no Brasil como Pedagogia Interétnica, a (PI) do
Núcleo Cultural Afro-brasileiro em Salvador em 1978, a Pedagogia Multirracial (PM)
desenvolvida por Maria José Lopes e por último a proposta elaborada em Santa Catarina pelo
programa de Educação do Núcleo de Estudos Negros (NEN) em 2000. As propostas narradas
pelo estudioso acontecem no espaço de educação formal através de organizações dos
movimentos negros institucionalizadas em setores públicos, transcorrendo em Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) o NEN ou em grupos organizados fora das
intuições públicas e particulares de ensino as Organizações Não Governamentais (ONG),
Associações ou Coletivos.
O sociólogo observa como a aplicação das propostas pedagógicas do movimento
negro “nos espaços de educação impulsionaram a abertura para a busca de uma educação
que incorporasse os valores culturais e históricos de origem africana” (2005, p.51).
Ana Beatriz Gomes também investiga as práticas pedagógicas do movimento negro e
as descreve em sua tese de doutorado A pedagogia do Movimento Negro em Instituições de
Ensino em Teresina, Piauí: as experiências do NEAB ÌFARADÁ e do Centro Afrocultural
“Coisa de Nego” (2007)”. A pesquisadora ao descrever o protagonismo de dois grupos do
movimento negros nas escolas públicas de Teresina (PI) revela o impacto positivo das
intervenções na mentalidade dos estudantes negros (as) e não – negros (as)ꓽ
A participação dos (as) alunos (as) das escolas pesquisadas nas atividades
pedagógicas dos projetos desenvolvidos com os grupos do Movimento Negro que
expressaram a presença das africanidades através da história, da literatura, do teatro,
das artes, da educação, da saúde, da religião, da dança, do ritmo, da música, da
percussão e da corporeidade interferiu de maneira positiva na afirmação da
identidade, mesmo que tal processo não tenha se dado de forma consciente. Os (as)
alunos (as) afirmam que, após o envolvimento com a linguagem cultural e aquisição
de conhecimentos, passaram a se ver mais como afrodescendentes e a se orgulhar
mais da cultura de seus antepassados. Além disso, a participação em outros espaços
culturais, sociais, políticos e educativos que primam pelo respeito à diversidade
étnica também contribui para essa afirmação (GOMES, 2007, p.70)

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Algumas de nossas entrevistadas também expuseram em seus relatos a participação
em eventos promovidos pelos movimentos negros e como eles foram primordiais para
construírem outras representações sobre sua corporeidade e autoestima, sobretudo, auxiliaram
a desfazer as imagens distorcidas (etnocêntricas) que aprenderam a construir sobre si e sobre
as culturas africanas e afro-brasileiras ao longo de sua trajetória escolar. Kinda, estudante de
Filosofia da UERJ, moradora do bairro da Penha, discorre que sua participação em eventos
ministrados pelo movimento negro foram fundamentais para se tornar negraꓽ
Depois que elas (primas) conheceram o pessoal e tal (pessoas do movimento negro).
Aí a gente começou a mudar mesmo. Essa conjuntura (de beleza) assim, mas antes
não, antes não [...] Porque quando eu era...principalmente quando eu era criança né o
padrão de beleza não é ter o cabelão cheio, você se toda desconjuntada, você tem
que ser igual a uma princesa, ter cabelo louro, liso, escorrido, olho azul.[...] Então
me assumir como mulher negra, é isso que me faz realmente assumir meu cabelo, a
gostar do meu cabelo (KINDA, 2010).

Desse modo, a fala de Kinda nos revela como as ações políticas dos movimentos
negros geraram resultados significativos para as pessoas negras. A partir dos eventos, ela e
suas primas tiveram a oportunidade de ser pensar como negras por outras vias de acesso
(SOUZA, 1983).
Outra entrevistada também comenta a relevância dos movimentos negros em seu
processo de afirmação identitária. Quilamu, estudante de Estética-SENAC-RJ, profissional
trançadeira, moradora da cidade do Rio de Janeiro, bairro Santa Teresa, discorre sobre o papel
fundamental dos movimentos negros para a sua afirmação étnica e estéticaꓽ
Foi através do movimento hip hop que nós fortalecemos a nossa autoestima como
jovens mulheres negras, entendeu? E aí começamos a expressar né essa nossa
identidade através do cabelo. Mas não tinha essa coisa de trançar é...as outras
pessoas como e ter isso como forma de gerar renda. Era uma trançava a outra pra
curtir, pra ir pra festa, pra ficar bonita (QUILAMU, 2010).

Em outro momento, Quilamu relembra a participação de toda a sua família em


movimentos negrosꓽ
A minha família mesmo não é muito engajada, quer dizer minha família não é tão
engajada como a família da Quênia que é pai, mãe, tia, avô e papagaio. Começou
com a minha tia, que é mãe da Marlise que é de movimento negro, que é da ONG
Maria Mulher lá no Sul. Aí sim nosso, na realidade nosso estreitamento né com o
movimento negro começou por esse viés, por conta da família da Quênia por sermos
amigos desde infância. Teve um grupo de mulheres chamado Voudu de muitos anos
atrás e aí eu me lembro assim que era só de mulheres, mas meu pai por ser assim um
pouco de faz tudo entrou, por ser um pouco de carpinteiro, eletricista, então ele
ajudava na parte de cenário, e tal. Nós fizemos algumas apresentações de criança
fizemos algumas apresentações do Iya Dudu que tinha essa questão assim da arte,
elas dançavam, contracenavam (QUILAMU, 2010).

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Estas participações como colocar Gomes (2007) se refletem na autoestima dos
estudantes negros (as) por ela pesquisados (as). Notamos através das análises das entrevistas
que os movimentos negros ocuparam lugares de destaque e significação para o processo de
construção identitária de nossas entrevistadas. Semelhantemente contribuíram para a
autoestima de Layla, Kinda e Quilamu.
Em relato de experiência, Santos e Oliveira (2017) avaliam que a inserção da temática
étnico-racial através do estudo da trajetória de vida de intelectuais negros (a) para os
estudantes da rede pública de ensino tem impacto positivo e expressivo no ensino-
aprendizado dos discentes. Segundo os autores os resultados alcançados com atividade são:
Como resultados auferidos revela-se no ambiente escolar o desconhecimento da lei
10.639/2003 nas diversas disciplinas que compõem o currículo escolar por partes
dos docentes, quando os jovens ficam surpresos por não lhes serem apresentados
informações a respeito da presença do negro na construção da sociedade brasileira.
Notam que o lugar dos negros e mestiços perpassa todos os espaços sociais para
além da determinação operacional. Identificam que os conteúdos que eles têm
acesso ainda seguem orientações de base eurocêntrica. Percebem o descaso da
escola com a Lei 10.639/2003. Refletem que é não é natural o modo pelo qual vivem
nos espaços constituídos em sociedade. E que seus direitos adquiridos não são dados
pelo poder hegemônico e que na realidade são frutos de lutas sociais através dos
seus antepassados e de seus contemporâneos. Também observam que o ambiente
escolar ainda não oferece condições para que eles tenham uma educação de
qualidade, no sentido de dar continuidade aos seus estudos em etapas posteriores e
conseguir acessar o mercado de trabalho. Além, de entender uma série de situações
correntes vividas cotidianamente, que tratam o negro de forma desqualificada nos
diversos espaços sociais e por autoridades constituídas que deveriam tratar a todos
com respeito e dignidade. Adicionalmente consideram que a pesquisa e as reflexões
realizadas contribuem em sua cidadania e consciência de existir dignamente (p.2).

Podemos perceber que atividades pedagógicas que colocam a população negra em


lugar de destaque e status social desconstroem inúmeros paradigmas que cristalizam as ações
do negro no imaginário social como excluídos e sem participação política.
Para Lima (2005) as propostas educacionais dos movimentos negros iniciadas na
década de setenta ressoaram no estabelecimento de uma área de estudo de história e cultura
africana nos currículos escolares e acadêmicos. Entramos em concordância com seu
argumento por entendermos que todas as iniciativas dos movimentos negros brasileiros,
avaliadas aqui, têm sido em busca de educação e sociedade mais democráticas.
Desse modo, podemos perceber que as atuações políticas dos movimentos negros para
a aplicação da lei de História e Cultura Africana e Afro-brasileira (10.639/2003) são contínuas
e quando eles não estão representados em organizações coletivas, eles se traduzem nos
espaços de educação formal através das intervenções pedagógicas de docentes comprometidos

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com a aplicação da legislação como é narrado por Santos e Oliveira (2017).

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, é imprescindível que todos que buscam uma educação democrática
problematizem as questões étnico-raciais e os conflitos oriundos delas. Nosso estudo se ateve
as práticas racistas que ocorrem no espaço escolar e nas diversas ações, estratégias, formas de
combate dos movimentos negros para eliminá-las. Destacamos as experiências racistas
vivenciadas por nossas interlocutoras como seus relatos essenciais para compreendermos as
minúcias do racismo. Demonstramos como o racismo deixa traumas indeléveis em suas
vítimas. Além disso, apresentamos a instituição de educação formal como espaço permissivo
para tais ocorrências. Apontamos as práticas educativas dos movimentos negros como um dos
caminhos a serem seguidos para a construção de identidades afirmativas para as pessoas
negras, bem como um modo de educação que possibilita aos brasileiros, negros e não negros,
reconhecerem na história do país a participação dos africanos e afro-brasileiros como
fundamentais para a construção da nação e igualmente descobrir a participação das
populações africanas na história mundial.
Notamos como as práticas pedagógicas dos movimentos negros, nas suas mais
diversas composições, afetam os estudantes de maneira considerável e possibilitam outras
afirmações de identidade estética e negra. Através dos relatos de nossas interlocutoras
trouxemos para o debate parte do desespero que crianças negras passam na estrutura escolar
que além de não mencionar a existência de grandes feitos da população africana e afro-
brasileira, geralmente nega e silencia as práticas racistas. Do mesmo modo, utilizamos
fragmento dos depoimentos para mostrar como as mesmas interlocutoras que foram ao longo
da trajetória escolar vítimas das mais variadas formas de violência racista a partir do contato
com atividades dos movimentos negros tiveram possibilidade de ressignificar seu lugar na
história e sociedade (GOMES, 2002; SOUZA, 1983).
Assim, chegamos às considerações finais desse trabalho apontando a importância das
atividades pedagógicas das organizações negras que fragmentam os discursos coloniais e
racistas sobre as populações, historicamente, marginalizadas. No entanto, ao longo do
levantamento bibliográfico e da revisão de literatura percebemos que elas poucos são
estudadas no campo da Educação e Ciências Sociais. Pensamos que cabem mais investigações

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a cerca dessas iniciativas que pelo que vimos são fundamentais para causar outras vozes.

IV. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional 9.394/96 para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Oficial da União.
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CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam. (Coords.). Relações raciais na escola:
produção de desigualdades em nome da igualdade. Brasília: Unesco, 2006.
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