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Antes mesmo de pensar em escrever sobre esse assunto eu fiz uma boa pesquisa
em torno dessa suposta e lendária cidade perdida conhecida como "La Ciudad
Blanca" ("A Cidade Branca", em português) ou "La Ciudad del Dios Mono" ("A
Cidade do Deus Macaco"), e sinceramente achei esse assunto simplesmente
fascinante. Muitos sites divulgaram no ano passado, baseando-se apenas em uma
matéria publicada no site da National Geographic, que havia sido descoberta essa
suposta cidade, que por sua vez estaria encoberta por uma densa floresta na
região de La Mosquitia, em Honduras, na América Central. O maior problema é
que na verdade não havia absolutamente nada provando a existência dessa
suposta cidade perdida em questão, ou seja, até hoje ela nunca realmente foi
encontrada. O que se tem atualmente são apenas especulações.
Como sempre tentamos fazer, e isso está quase virando uma benéfica rotina,
teremos que contar a vocês sobre essa suposta essa cidade perdida. Entretanto,
existe muito conteúdo sobre esse assunto, e eventualmente poderia virar até
mesmo um especial com mais informações detalhadas para vocês. Assim sendo,
vamos tentar limitar a informação ao "essencial". Combinado?
O primeiro foi o conquistador espanhol Hernán Cortés, que em sua quinta carta
enviada ao Rei Carlos V (também conhecido como Carlos I da Espanha),
descreveu sua busca por uma cidade chamada Hueitapalan ou Xucutaco, uma
cidade de abundante riqueza em algum lugar em Honduras. Tal como acontece
com as lendas espanholas similares de "El Dorado", "A Ilha das Sete Cidades de
Ouro" (derivado das míticas sete cidades cristãs de Antilla), e Quivira, a história da
"Cidade do Deus Macaco" muito possivelmente seria apenas um exagero. Isso
graças a poderosa combinação de crenças locais, ambições europeias, e a
imposição de ideias culturais estrangeiras em territórios de nativos.
O conquistador espanhol Hernán Cortés, conhecido por ter destruído o Império Asteca de Moctezuma II
e conquistado a região central do atual território do México para a Espanha.
Pouco depois que Cortés escreveu essa carta, ouro e prata de verdade foram
encontrados em Honduras, levando a uma operação de mineração por parte da
Espanha, e dando credibilidade ao mito da Xucutaco. Em 1537, os nativos
entraram em conflito contra os espanhóis que os tinha escravizado, e com o tempo
os escravos africanos substituíram os nativos nessa função.
Duas décadas depois Cortés ter escrito a Carlos V, o bispo espanhol Cristóbal de
Pedraza informou ao imperador-rei que ele tinha ouvido falar de uma princesa
nativa, que pertencia a uma fabulosa civilização "além do mar", onde os nobres
bebiam em copos de ouro. Todas cartas enviadas são reais, porém não fazem
nenhuma menção de uma "Cidade Branca" ou uma "Cidade do Deus Macaco".
Rei Carlos V (também conhecido como Carlos I da Espanha)
Nada de muito relevante aconteceu até o início do século 20, quando um homem
chamado Eduard Conzemius deixou registrado uma versão da lenda em "Los
Indios Payas de Honduras", no "Journal de la Société des Américanistes 19"
(1927). Na verdade a história de Eduard Conzemius foi contada por um seringueiro
local, que alegou que tinha tropeçado nas ruínas de edifícações de cor branca em
algum momento entre 1900 e 1910. "Todos os indígenas dizem que eles não
sabem sobre isso, e que tudo é uma lenda", relatou Conzemius.
De alguma forma, por volta de 1958, este relato de 1927 passou a ser confundido
com vôos arqueológicos de pesquisa realizados por Charles Lindbergh, nas
Honduras Britânicas (agora Belize) em 1929. Assim sendo, depois de 1958, foi
alegado que Lindbergh havia descoberto as ruínas da "Cidade Branca". Não existe
nenhum registro disso, mas a lenda é tão forte que é replicada centenas de vezes
em sites renomados e livros considerados best-sellers.
Antiga concepção artística de como poderia se parecer a lendária "Cidade do Deus Macaco"
A lenda do "Deus Macaco" foi mais ou menos criada em 1939 por alguns
aventureiros americanos e, em seguida, incorporada ao mito da "Cidade Branca".
Nessa versão basicamente haveria uma cidade perdida com uma imensa estátua
do "Deus Macaco" sendo que alguns apontavam que ela seria inteiramente feita de
ouro, porém em nenhum momento da história foi dada a localização exata da
mesma. De qualquer forma, não entraremos em maiores detalhes para não
alongar muito sobre essa questão, apesar de termos muito conteúdo para escrever
sobre isso futuramente.
Os Escaneamentos Aéreos
Realizados na Região de "La
Mosquitia" em 2012
Voltando rapidamente no tempo, mais precisamente no ano de 1997, cientistas do
Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, em Pasadena, na Califórnia,
supostamente ao analisarem as imagens de satélite de um determinado vale na
região de La Mosquitia, em Honduras, teriam identificado características não
naturais "retilíneas e curvilíneas", porém as imagens eram muito "embaçadas e
ambíguas", fora isso nenhuma expedição até então tinha conseguido alcançar o
local indicado. Vale ressaltar que estamos falando de uma floresta densa, tropical,
em uma região dominada pelo tráfico de drogas, e também por doenças tropicais
como a malária.
Mapa de Honduras mostrando a região de La Mosquistia e a quantidade de sítios arqueológicos que já foram
descobertos
naquele país. Lembrando que as coordenadas exatas onde foram feitos os escaneamentos não foram divulgadas
A ideia então era sobrevoar a área, um vale com 62 km², com um equipamento
chamado LiDAR. O local foi apelidado de "Target One" ("Primeiro Alvo", em
português), ou simplesmente T1, porém suas coordenadas exatas nunca foram
reveladas (mesmo hoje em dia) para supostamente evitar que ocorressem "saques
arqueólogicos" ou que aventureiros pudessem destruir artefatos / danificar
possíveis estruturas. Posteriormente, outras regiões chamadas de T2, T3 e T4
foram mapeadas.
A Notícia da "Descoberta da
Lendária "Cidade do Deus Macaco"
Publicada no Site da National
Geographic
Em meados de junho de 2012, Christopher Fisher, um especialista sobre a cultura
mesoamericana, pertencente a Universidade Estadual do Colorado, nos Estados
Unidos, se juntou a equipe de Steve Elkins. Durante vários anos, Fisher vinha
estudando um assentamento pré-colombiano em Michoacán, México, chamado
Angamuco, que data entre o século XI ao século XVI. Em 2010, Fisher utilizou o
LiDAR em Angamuco, sendo que ele pode ter sido o primeiro arqueólogo a ter
usado essa tecnologia no México, e teria obtido resultados muito interessantes.
O local, no entanto, novamente não foi revelado para "proteger o sítio arqueológico
de saqueadores". O problema é que a região não é tão "desabitada" assim quanto
parece, visto que a mesma é amplamente utilizada pelo cartel de drogas, ou seja,
não é exatamente o local onde ninguém nunca esteve antes conforme se quis
dizer até então.
Uma efígie do que Christopher Fisher chamou de "Homem-Jaguar", provavelmente representando uma combinação
de um "animal humano" e do "espírito", sendo parte de um assento cerimonial ainda parcialmente enterrado
Anna Cohen, antropóloga da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, documentando artefatos
encontrados no solo no local denominado como T1, na região de La Mosquitia
Como se isso não fosse suficiente, o "National Geographic Channel" (NatGeo),
realizou um documentário chamado "Legend of the Monkey God" ("A Lenda do
Deus Macaco", em português), e o exibiu mundialmente em outubro de 2015,
justamente com Steve Elkins explicando "a importância da descoberta dos
mistérios de uma cultura antiga". E teoricamente isso não chamou a atenção
apenas da imprensa, mas sim do presidente de Honduras, que viu nisso uma
oportunidade de negócio.
Dois dias depois daquele artigo, no dia 4 de março de 2015, o jornal La Prensa
publicou uma notícia chamada "Ciudad Blanca es un mito para arqueólogos
hondureños" ("Cidade Branca é uma lenda para arqueólogos hondurenhos", em
português), que dizia que uma eventual confirmação da "Cidade Branca" seria a
descoberta mais importante do século 21 (pelo menos em Honduras).
Especialistas recomendavam que o governo formasse uma comissão de alto nível,
mesclando profissionais do próprio país, bem como do exterior para estudar a
região e fazer um trabalho científico sério.
"Até onde eu sei, isso tem pouco critério científico. Também acho estranho que
uma notícia como essa tenha sido publicada primeiro no exterior do que em
Honduras", disse Ricardo, observando ainda que o que foi mostrado pela National
Geographic não possuía as características do que a lenda mencionava. Aliás,
nunca foi segredo algum que existiam muitos sítios arqueológicos na região de La
Mosquitia.
Ricardo Agurcia, renomado arqueólogo hondurenho
"O que eles encontraram foi uma cidade? Uma cidade se define
arqueologicamente como um sítio de ocupação humana com uma população maior
do que 10.000 habitantes. Isso é verificado com arqueologia de campo e registros
de casas. São brancas? Em nenhuma das imagens se vê isso", continuou.
"Na lenda da Cidade Branca que eu conheço, deveria existir uma estátua de
macaco feita de ouro. Se esta é a Cidade Branca, onde está esse macaco? Eu
vejo muitas nuances de aventura, um filme de Hollywood como o de Indiana
Jones. Isso não é ciência", completou.
"La Mosquitia foi estudada por arqueólogos durante décadas. O lugar mencionado
pela National Geographic pode ser um dos sítios arqueológicos já previamente
registrados no Instituto Hondurenho de Antropologia e História (IHAH). Qualquer
sítio arqueológico em La Mosquitia poderia receber esse nome. A Cidade Branca é
um mito, uma lenda. A publicação não é uma pesquisa acadêmica e dá uma ideia
errada do trabalho de arqueologia", disse Eva.
"Nós nunca dissemos que era a "Cidade Branca" ou a cidade perdida do Deus
Macaco. Os artigos não são artigos científicos, mas não negamos que a população
local possa ter conhecimento desses sítios. Entretanto, a região estava inabitada e
relativamente intacta depois de todos esses séculos", disse Christopher Fisher,
que como sabemos pertence a equipe de Steve Elkins.
A National Geographic tentou se defender dizendo que sua cobertura havia sido
imparcial e que não dava créditos a declarações fantasiosas do passado em
relação as lendas locais.
Entre as diversas declarações dadas por Chris Begley, estava uma onde ele dizia
que ao invés de ser uma cidadela isolada em uma selva ou alguma civilização
misteriosa esquecida no tempo, na região de La Mosquitia quase todo vale de rio
possui algum achado arqueológico. Conhecer a cultura local, bem como o povo
Pech teria muito mais importância e valor arqueológico do que qualquer
escaneamento aéreo, muito embora ele reconhecesse a relevância da tecnologia.
A região teria abrigado diferentes culturas que se mesclaram ao longo do tempo,
não apenas somente uma.
Chris Begley (à esquerda), antropólogo da Universidade da Transilvânia, em Kentucky, nos Estados Unidos
De qualquer forma, como dissemos anteriormente, a National Geographic realizou
o documentário, o divulgou, exibiu e isso não passou desapercebido, ao menos
não para um homem chamado Juan Orlando Hernández, o presidente de
Honduras.
No começo desse ano, ele declarou que cerca de 60 milhões de pessoas, em mais
de 15 idiomas, viram o documentário da National Geographic, e que Honduras
nunca antes havia tido tamanha exposição. Apontou ainda que em termos
turísticos eles não possuem apenas sol e praias, mas que tinham que se preparar
para "pessoas que gostam de pássaros e ouví-los cantar".
Ele destacou ainda a questão sobre o ecoturismo e o turismo científico, que eram
setores muito importantes em sua concepção. Assim sendo, a "descoberta" da
"Cidade Branca" contextualizava em relação a uma nova "infraestrutura", que
estariam construindo em termos de estradas, aeroportos e portos, pois tinham que
preparar o país aproveitar esta grande oportunidade. Assista como foi o anúncio
do presidente Juan Orlando Hernández:
...
Uma visão aérea do sítio arqueológico de Kaha Kamasa ("Cidade Branca", na língua Pech)
Acessível apenas por helicóptero ou através de árdua caminhada através de uma
selva dominada por traficantes de drogas, o local da escavação perfaz uma
atração improvável. Darío Euraque não acredita que Hernández irá investir milhões
para manter o processo de escavação, tão pouco conseguir conquistar novamente
a confiança de arqueólogos e construir estradas seguras até o sítio arqueológico.
A Masta, uma organização de índíos Miskito, denunciou a missão por uma série de
razões, incluindo por falar de cidades lendárias e a ideia de que os sítios poderiam
ser "oficialmente descobertos". Eles inclusive fizeram isso por meio de uma carta
aberta.
"Há uma enorme quantidade patrimonial que está à espera de ser recuperada,
mas a maioria dos Pech que eu conheço não acredita que as pessoas que criaram
esses lugares sejam seus antepassados", disse Bonta, acrescentando ainda que a
maioria nunca foi ensinada sobre povos, sem ser os maias, que teriam cruzado a
região.
"Imagine gregos que nunca tivessem ouvido falar do Parthenon. Esta é a maneira
como você tira a terra do povo: dizendo que não podem ser o povo que construiu
tudo aquilo, ainda mais usando o jargão 'Cidade Branca'", continuou Bonta, se
referindo claramente ao tom de pele dos nativos em relação a de descendentes
europeus.
Durante sua segunda visita a "Kaha Kamasa" o presidente de Honduras revelou "novas descobertas"
"Estamos vendo peças com um acabamento bem detalhado, o que significa que
levaram muito tempo para produzí-las, mas também que possuíam uma grande
importância para fossem produzidas. Estamos diante de algo que vai demorar
muitos anos para descobrir cada um desses detalhes, mas é preciso promovê-las
para que o mundo possa conhecê-las e compartilhar esse conhecimento", disse o
presidente.
"Estamos preparando as primeiras exposições em Tegucigalpa para podermos
dizer ao mundo científico, estudantes e pessoas em geral, o que encontramos em
Kaha Kamasa", continuou. Ele também ressaltou que agora havia a possibilidade
de criar réplicas idênticas as peças originais, e que estas também poderiam ser
levadas até outros países (museus) ao redor do mundo, como por exemplo, aos
Estados Unidos.
"Estamos diante de algo que vai demorar muitos anos para descobrir cada um desses detalhes, mas é
preciso promovê-las e que o mundo possa conhecê-las e compartilhe esse conhecimento", disse o
presidente
Disse ainda que em sua visita a Alemanha em 2015, o prefeito de Berlim, disse
que sabia sobre a "Cidade Branca", e que assim que as primeiras peças fossem
escavadas, ele estaria a disposição para realizar e promover uma exposição na
capital alemã. Aliás, o presidente revelou que entraram em contato com "The
Explorer's Network" durante a Cúpula do Clima em Paris, no final do ano passado,
e que assinaram um acordo para que o documentário sobre a "Cidade Branca"
pudesse ser produzido com o intuito de promover o orgulho nacional, as
exportações, os investimentos, o turismo, entre outros objetivos.
Enfim, quem sabe uma hora não fazemos um especial contando todos os detalhes
sobre a lendária "Cidade do Deus Macaco"? De qualquer forma, agora você está
bem mais informado sobre a realidade por trás de toda essa história.
Fontes:
http://www.theguardian.com/world/2016/jan/17/honduras-lost-city-president-hernandez-doubts-
archaeology
http://www.theguardian.com/world/2015/mar/11/honduras-lost-cities-open-letter-national-
geographic-report
http://www.jasoncolavito.com/blog/honduran-president-embraces-white-city-myth-in-push-for-
tourist-cash
http://www.laprensa.hn/honduras/917222-410/arqueólogos-preparan-excavación-de-piezas-de-
ciudad-blanca
http://www.laprensa.hn/honduras/886502-410/national-geographic-estrena-la-leyenda-del-dios-
mono-en-honduras
http://www.laprensa.hn/honduras/816926-410/ciudad-blanca-es-un-mito-para-arqueólogos-
hondureños
http://www.latribuna.hn/2016/01/30/presidente-hernandez-anuncia-nuevos-hallazgos-en-kaha-
kamasa-o-ciudad-blanca/
http://www.ancient-origins.net/news-history-archaeology/honduras-begin-investigations-ancient-
jungle-ruins-believed-be-legendary-020694
http://news.nationalgeographic.com/2015/03/150302-honduras-lost-city-monkey-god-maya-
ancient-archaeology/
http://www.newyorker.com/magazine/2013/05/06/the-el-dorado-machine