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Nãc Desanimarl

Romance contemporaneo brasileiro

por

F~ej pet(~o Sitlzig, O. f. M.

Teroeireo. e d i ç ã o

TYPOGRAPHA DAS •VOZES D E PET ROPOLIS*


PETROPOL1S
1925
Até pouco antes de pegar na penn a para
cscre\'er o Não Dcsanimnr! nunc a m e haYia
passad(> pela cabeça que, um ctia, escr<:veria cu
algun· conto mais desenvolvido, ou até um ro-
mance. Muito pelo contrario, tinha tal admiração
pelos autores de romances, qu e ju lga va dem a -
s iadamente des pida de recursos a minha phan-
tmoia, para pensar em s~ g-ttil-os nesse t erreno .
Uma longa viagem ferrovi ,1 ria. porém , de
Curityba a São Paulo, fe z-me ler co m a tt en ção
r interesse o bello r om an ce de «Ansgar Albing»
(M o nscnhor Paul, Barão von Mathics) : ,H oribus
Prrtemis, ma is tarde tradu zi d o c editado p e las
officinas das Vozes dr PefrotJolis. Achei tud o
quanto dizia esse pri vi legiado cscripto r tão na-
tural, tão si mp les, tão espontan eo, tã o tirado
da vida de cada dia, que, pela primeira vez, me
surgiu a idéa: «E si tentasse o utr o tanto ? .. . ):
Puz-me a recordar factos reacs, a co ncate-
nai-os e, termin ado m ais ou mcno:; o q undro na
imaginação, fui f ixai-o com a pcnna, dentro de
um mez, mais ou meHos : N iio D esanúnar!
Ao primeiro segu iram o utros: Pela mão
d'11ma menitza, traduzido por u ma revis ta be lga
para o france z, sob o titul o L' êtoile du F oyer ;
~ /l i.' meu fJortugai! e, fin a lmen te, Ouerrq.!! l Si
4 Apresentando ~ terceira ediçào

houve nisso algo de bem, é devido ao autor


do Moribus Palemis, que para t anto, sem o sa-
ber, me animou.
Era m inha intenção retoca r em sua nova
edição o Não Desanimar! Trabalhos de o utra
ord em, que me roubaram o ultimo resti nho das
24 hor as do dia, não m'o permittiram . Vae, pois,
co tn o mesmo frescor - ou a mesma .pallidez
-- d as primeira:; ed~ções, cujo rapido esgotamento
agra deço muito sinceramente ao pu blico. Si con-
tin úa a ter defe itos, que desejaria tivessem d es-
apparecido, co nto, todavia, com a indu lge ncia
qu e j á en con t rou a primeira edição, e com o
effeito apologetico da narração d e factos reaes,
q ue an imam .
Verei tambern esgotada a Ja eddção? Vel-o-e]
em vida, ou da eternidade? Tudo como Deus
qu izer.
Petropo l<is , de M.a1o de 1925.

Frei Pedro Sinzif(. O. F. M.

- ---~
Duas palauras

Erubora me tenh a s ervi do da lin:nça con-


cedida aos romancistas, a maioria de to dos os
e pis odios narrados nes tas foi h as haseia-se em
f ad os rcae s . N as sccn as h is toric as preferi servir-
mc das proprias palavras que cons tam de actos
offic:ae <> ou da imprensa.
Na fórm:t li h:raria so1r devedor á brilhante
peuna d o illustrado jornalista e companheiro
Julio T apa jós, a quem, além d o s laços de gr<J·
tidilo , m e pre nde m orrtrm de estima e de arn i-
tad~.
No nrais, basta d izer que desejo ser util ás
a!m:1s pela leitura desta tentCJt: va, tah·ez ousada,
d(' ro mance , e, si tanto conseguir, que cllas se
lembrem, nas preces á Santíssima Virgem, do
bem esp iri tu a l do

AUTO R
r·ríropolis. 7. Xl i I . 1911 .

-o••·-- -
PRlMEIRJ\ PJ\RTE
lo theatro real de Wiesbaden

innrz;I\·;J o seg-undo acto, quando,


pela se~~ma nz, em br ados en-
thusiasticos, chamava a platéa ao
prosce rüo a grande cantora ber-
lionc n Friiulrin li cmpc l, que ao
pape l de Ru ía da o pera Obrron
soubera da r in terpretação tão jus-
ta e \"ig urosa, qu e ill .:' lh ,Jr não a poderia exi-
gir ncrrt imagi nar q proprin Wcher. O dd irio
das acclamações, <I expl osão cs tro ndeantc do:-.
<lpplar•SO" freneticos continua,·a imperiosa ai nda,
quan do o régiss eu.r. forçad·o a inten·:r para qu e
o espectaculo proseguisse c a tempestade triu m-
phal se i.nte rromp;:sse, por já 'l uasi importu na,
f ez impiedosam ente corr,·r entre a scena c a
plat t a o Pelariu•n.
Num !nstante clcspov•Jou-sc o cleg·ante re-
cin to, freq uentemente hon rado com a presença
de Oui lhe rm c 11, u idolatrado imperador alie-
mão. Senhoras gentis e caval heiros elega ntes af-
fluiam para o foya luxuosn, onde a luz jorrava
estonteante, o ffu sca nd o a vista aos o lhos e re-
alça ndü o fu lgo r das ge mmas e pero las das n-
qui ssi mas toilettes femi ninas.
Parecia qu e ali, n aquell c fóco tlcslurubrantc
de bom to m e arte requintada do vive r mun,
dano, haviam-se dad o rendez-vous to das as sum-
midad es d o mund o elegante, numa interessante
·promiscu idad e cosmo p olita.
Apr imorados ma nequins armado · passeiavam
len(amente, ou melhor, oste ntavam em passeio
as ulti mas creações da futilidad e im·cntadas pe-
los W urth e mais tyrannetes da moda; algu ns
lwbitués a custo disfarçavam Ulll bocejo de en-
fado, s em nem mais resquíci o d as impressões
recebidas na represent ação da o pera de Weber.
Ali estavam, porque ali os p rendia a «moda», co-
mo p ela man h an os fo rçá ra a exhibir-se no l(ur-
garien e á tarde a j ogar lenms, e como os fo r-
çaria, no dia seguinte, á excursão pe lo Rhe no ,
em va r>or especial, rumo e visita a Rüdesheim.
Pes ada lhes era a vida, e mon o to n.a, c se m en-
canto. O ;oyer deslumbrante os abo r recia ; de
facto, tolerariam a rea l elega ncia de algnn.s , mas
chocavam-se .. . oh! chocavam-se co m a to la os-
tentação de outros, o's mexeri cos ridicnlos, os
projectos casamenteiros ali brotados, as p eq ue ni nas
intrigas, to do esse f e rvilhante mund o d..:spresi\"cl
ali concentrado em fóco; idéas, pro jectos, pla-
nos, ambições e arrojos de audaci a ap enas ini-
ciados uns, outros mais abertamente lembrados,
postos outros em in icio uc execuç;io ... U ma de-
ploravel insipidez. aquillo tudo!
Nem todos, porém , pcn s av3m da mes ma
fó rma. Rostos juvenis reflectiam a jus ta e san
:.~legria de ,.[,·cr, depoimentos \"Í\'os de prazer
verdadeiramente sentid o, acicateados de esperan-
ça ; outros g uard avam aind a, no ref lexo d os se n-
timentos íntimos, as impressões que lhes dcsper-
t:lram na :.~lma c no c,>ração as e moções da opera.
Unica, a nossa I fem pcl! .1rfirmo u pc-
rcn lpto riam cn lc ao comp a nheiro. jo\'CII d<.! un s
25 an nos, t ll ll !.{ordu c:l\·al hciro ;.mar! , cujus lll:ios ,
tr atadas c ot ll carin ho, b r iu~:ava m ucgligentemente
cortt a pesada corrente ele oiro do re logio!
- Oh! nem tanto ao mar, nem tant'o á
terra' Acho-a bôa, mesmo excell cnte, mas creio
que c lla não poderá ser ju lgad a no papel de
Hezi;, t al c qu anto v~rdadeira . n ente é.
- E po r que n ão?
- E' o bv io. O Oúcrun não é uma dessas
'-'J>t ras qu,· emp o lguem, que pre nd am a alma do
esrwctad"r. qllt' o façam sent ir, soffrc r, alegrar-
se, \'ibrar, e111fim, co1n os prn tago1 ri:;tas, en1 cnj as
mãos. mas exclusivamente neste caso, reside o,
poder de f o rçar ao successo ou ao fracasso da
peça.
-- 1\-\ as não negará o g r ande effeit o que
produz essa o bra do mais allemão de todos os
compo sitores ?
Effeito ? Grande effeito ? Infelizmente
acho-l he cff eito demasiado ... so bre os ol hos. A
mise-en-sdne é sem du,·ida gra ndi os a ; excede
talvez tud o qu anto se poss a apreciar na propri:t
Ber lim c na O rancl e Opera d~ Paris, mas ... pcr-
clôe-mc, qu<mto aD lado ,·erdadciramente artis tico,
ahsolubmen te não me satisfaz.
- Muito exigente: é V. Excia. !
Talvez, mas justo. O ra, diga-me V. Exrt:.,
qtt ~ tão ex ttbera utcmente aprecia Frâulein J-le m-
r el. si no mesmo g r:íu ap recia e louva os ele-
mais artistas ...
Krause, no H üon, me rece franco lo uvo r,
e as k Teermâdcllen fora m, na rea li dade, es plen-
clidas.
De p le no accordo. Schc rasmri n, no en-
tanto, é mediocre, como Fatime, para não falar
nos o utros ...
- · Absolutame nte não o nego, nem o posso
negar; mas (: impossi\'e l em um conj unto en-
co ntrare m-se pr imeiras figmas para todos os
papeis, nem mesmo vozes e artistas exce llentes
para os secun darias, a não ser ta h·ez em Bavreu th.
Não resta úuvid<t que n:to ha nad a per-
feito n est e mundo - reto rqu iu grave111c nte o j o-
ven - nem mesmo· a preço d e bom dinheiro ...
Pausa.. . Para que mais? ... O cavalheiro
go rdo cumprilnentou levemente e di ri g i ~1-se para
u bujjet, emquanto se u in terl ocutor, aind a pen-
sati vo, vo ltou a passei ar, meditando:
Felicidade é um sonho nebuloso . ..
A vida, n.este 11/llluio, e sempre assim:
Do f[O ZO em meio a veladora eterna
Nos arranca da :ncsa do fe stim .

Pensára-os ape nas, ou chegaram a vir-I he


aos labio;; esses formosos versos de Fagundes
Varella ? Deveri a ter pen;;ado alto, polis , de su-
bito, o despertaram do alh~i amento os accordcs
h arm oniosos de uma leve vo z fe minina desco nhe-
cida, que, b a.ixin ho, m as be m clarame nte, r xcla-
mav.'l, dirig indo-se a um cavalheiro de seus cin-
coen ta an nos:
· · Papae, um brasilelro!
Voltou-se incon ti nenti o sonhador e deparou
com linda c es belta joven, de um as vi n te prima-
veras, olhos viv os e t ez alvissirn a, aco nrp an h ada
por um senhor de feições dis tinctas, e ambos com
in teressada atten.ção voltados rara e lle.
- Dr. Anton io da Costa Barros, para se n ·ir
a VV. Excs. - pressu roso s e apresentou o joven..
-- C omrncnd ad or M<1rcos d e Castro Mo-
reir a, em commissão d o governo de n osso paiz,
e Judith de Castro Moreira, m inha fi lh a -- res-
po nden amavelmente o o utro, para Jn g o accr escen-
tar Immen so prazer em e ncon tr a r um patrício,
tão lo ng e d a patria ...
-. Não é me nor o meu j ubJ lo, sr. corn-
mc ndad or, principa lmente aqu:, onde nã o co-
nheço n4ngue rn . . . Deparar com um compatriota
é corno q11e e ncontrar um ped aço da n ossa pa-
tri:>. .. . e enco ntrar uma p atricia .. .
Pro hibidas as liso njas 1 exclam o u a
rnu\a, ri ndo.
·-· Esteja V. Exc. certa de q ue - tã o longe
es wm o~; de noss o paiz! - cu prefe riria a com-
panhia de qualquer um bras ileiro ü de todos esses
f i1.,r.urõ~ .... do high -liic. ~ principalmcnk :l de pa-
tr1cius tão d istinctos ! .. .
O brigado, Jou wr repl icou amavel-
mente C> contnH~ ndad o r Es pero qu e nos tl:lr;í
o praze r de suas visitas ao . 1rlll'r f /r) lei. a co-
mcca!· am an han mesmo.
Todo me tt o prazer; sóm cule devo pre-
venir a VV. E xcias. ljlle scg Lú,·i , depois de a1na-
nhan, até Münch cn, po is tc nh (l qu e estar qu arb-
kir.. em Oberamme r gau.
Obcrammergau J - cxclattlll\1 \·i\·atll c ntc
Jud ith o douto r vac assisti r á rep res entação
da celebre Paixão"?
Ju st<unente, lllinlla ~;c nh o r a.
O h! Pa pac . .. /\ Paixão~ Eis o que
ai nda nos falta n~ r! l(e!.! ressar ao Arnsi l sc111 td-a
apree;ado, c qu an d (J justamc ntl' chegnmos no
anHo tm qu~· ''ac ~er r e p res entada~ Nã o !'C'
n· cord ;, com que en thu s~a sm o Affonsu r:c lso
dc·~ cre\'l' a Paixãoi de Ohcrammergau ?
- Si m, filhi nha, mas ago r a será tarde. Dis-
seram-me> q ue a freq ucncia a essas rep rescn t~; çõcs
é eno rme, c qu<: é diffiai ll imo o bter-se um c!lrt:lo
t..lc ing resso, qu an{lo 11 ii o ~ solioi,tado en m b:J!;-
tan tc antccedencia. ·
Por que não tenta r~ Ta h·e7 n;l o queira
ir por motivo de crenças, papac?
·- Cre io que devo apoiar o r ed ido de sua
filha, sr. commendado r. Pe lo que me d,i sse-
ram. :l r epresentação da P aix ão deve ser ttnica
uo ge ncro, e cur ioso estou em ve rificar s i l llt'
satisfa z rnilis do q11 e a d o Oberon, tão ht xtwsa-
rncnte montado, tão sup eriormente cantado c acom -
ranh ado, mas, ili nda ass im. tão ôco e fr io.
·- T ental-o-ci ; além de s atis fazer o desejo
de minha filh inha, terei o prazer de passar mai6
al g um as horas em co mpanhia de meu Jistin cto
patrício.
- Obrigado, sr. commendador. Confio em
que nã o se arrepe nder á .
- Oxalá seja ass±m, pois sentiria que jus-
tamente minhas ultimas impressê>es do estrangeiro
não fosst: m de todo bôas.
Prete nde. então, partir e m breve?
Dentro de qu,i nzc di as, d outor.
Que pena. para mim. deixar tão ced o a
companhia d e buns p at rí cios, e que saudades m e
desperta a pa rti da d e VV. Excs., saudades de tu d o
quanto d eixei n o Bras il ...
-- Se rei indiscret o em ptrgcmtar-lhc si d t.:i-
xou l á sua família t
--- Não, s r. commcn d ador; tcnlw até mu ito
prazer em falar dos meus, ou, mais cxactarnente,
em minha querida mã e e :rman , as un,icas p ~s ­
sôas que s into min has, porque meu pae h a muito
que fallecc.u, e outros irmãos nunca tive.
- E o se nh o r ai nela solteiro? ! . . . Cujdado
que não deixe o co raçiio cnleiar-se nos fcüiços
de algu ma sereia estrangei ra!
- - Nã o ha pe rigo, s r. co mmendado r.
- Mas que mal h avercia q u e assim fosse,
papae? l . . . E ntão o amo r h a de respeitar f ron-
teiras p olíticas !
-- Sabença de meni n a inexperie nte ! O u p or-
ven tura já descobriste tu algum loiro a llemão,
que em-resp o n da ao ideal de teus d ezenove an-
nos ?
- N ão caçôe, p apae ; mas ...
As palav ras que se segu ira m perderam-se
no estrepito de passos apressad.os, despertad os
pelas cam p ainhas e lectricas, que chamav am p ara
o u l timo acto do Oberon.
E Antonio, subitamente se pa rad o de seus
compatriotas, cuj as pala vras lhe cheg-avam como
um raio que nte do sol de seu paiz, procurou
conce ntrar n ov amente a attenção no que se pas-
sava n o palco. E ma·is uma vez se ntia a irn pres-
são que sentira nos Ju,:s primeiros actos: o jar-
dim do Emir de Tunisi:~ ~::ra simplesmcnt~ csplen-
dido, de uma naturalidade espantosa; os effe:-
tos ele luz incxccdivc:s; lux o verdad~iramentc
oriental no palaciu do Emir: a \'iagern marítima
era o 11011 plus ultra da arte t heatral ; a sccna·
em Aachen, diante do imperador Carlos Magno,
era o que de mais gTandioso podia haver ern
qualquer grand'c thcalro do mundo; esplendida
a urch::stra, dirigida rur Fclix Mottl ; mas ...
com tudo isso, o Obero11 não u satisfazia. Al-
guma coisa de superior devia haver que lhe c.n-
chesse a alma toda inteira; mas alguma coisa
de real, não 'e sses ment.irosos bastidores ele falsos
palacios c prados, de falsos jardins c maJrcs, de
falsos desertos e de falsos boudoirs; alguma
coisa de real; não a farandulagcm desses actores
e cantores, que são hoje r~is fingidos e men-
digos amanhan; que se apresentam heróes h{)je
e anwnhan vagabundos; fingimento ... comedia ...
falsidade tudo ...
Haverá uma re;:didade :· Haverá uma felici-
dade?.. . E no\·amentc á memoria se lhe des-
pertaram os famosos versus de Fagundes Varella:

Feliridade é um sonho nebuloso . ..


A vida, neste 1/Wildo, é sem prc assim:
Do gozo em meio fl veladora eterna
Nos runtllm da mesa do jcsfirn ...

- -«0 »- -
TI

Em Oberammergau

strepi tosamen !e e ntr a va o expresso


matu tino de M ünc hen na pequena
cstacão àa a lde iazinha bavara de
Oberamrnerg au, e pouco a pouco
foi como que pe rd endo o folego .
até parar, obedie nte aos frei os,
como urna fe ra domada. Os Clll-
pregados, sol icitos. co rr!am a
abrir as purti11h olas es trei tas dos wagons replc-
tos, fonnigand o de p assagei ros apn:ssados, que
detxavam o comboio e desci am á es tação, c rJ il lü
si fos se Ohe ram mergau uma d as mo dernas B:l-
bylu nias. Incrível e ra o n um ero dos viajantes
que s<.~lt:ivam do trem ; mas igua lllle nte cons idc-
rave l fôra o dos que h aviam ch egado na \·es-
pe ra, a per noi tar na pittoresca aldeio la, cum o
justo dese jo d e am a.nhecercm ma is leves e d c~ ­
cansados do que os que d ese111 b arcasse m no pro-
prio dia das fatigante s \'iagens d1' Mün c h~.:n,
Ausbu rgo e outro s p-ont os .
Que im an p oderoso assim attrahia us fo-
raste iros?
Quando, e m 1634, pela g ue rra d os 30 an-
nos, os suecos in vadiram a Allcmanha, avan-
çand o até Amm ergau, a liás tão afastado das
gramks est radas, vi1 t-se novv) flagell o augrn entar
..
os já d{: ~i tnri \'l.:is horrores da g uerra : a peste,
~:xp'todind o e propag:111d o-se cotll extrema vi nr-
le ncia, q11~.: c:;us ava \"ictimas nu rnerosissimas.
Os an ci ;J os c os magistrados da aldeia,
diant<.: dD i n ~ll ccesso dcsesperan te das 111ecl idas
~a.nitu-ias ent:uJ pos tas e m execução, em bô a
hora lem braram-se de n::correr á Providencia dQ
Senh or alt iss imll da vida e da morte, f aze ndo a
p r(JJTI C~sa de r-.:prcse nt tr, publi ca c solemnemen tc,
de de z em dt.:/ anu os, a s an ta Paixão de Jesus
C hri sto.
H t>I~JJ\ 1 as vdh as c.: hro nicas q u e, na n1esm a
data, éibandonou a mo rte sinistra ;;11a ceifa deso la-
dora, n;ic• ma is faze ndo to mbar de peste u ma
unica \·ictima.
All- hoje, a so le mnc rcprese nta\:ã" da P ai-
xão, em O bcrammcrgau, meno:> se reveste do ca-
racte r de u111 a exhibição thcatral, do que de
um g randt· acto re ligioso, que reco rda os tuys-
terios na idade mc d i ~1 rep resen tados no propr io
redn to das egrejas.
Si rorll'~ iro s ha e iJS ha ao~ mi lhares
qu ~ em J e ru ~al ém fazem r~surg ir na mente
a ~ a g-rada figura do Sah ·ad or, gue, vacil lante,
~c arrastára po r aqu c l1 as m as pedregosas, car-
rcganuo ás costas a dur a cru z, g-otejante de
s.:·n g-ue ; si nutms procuram evocai -o cn t sua
resi dc ncia, e no tabemaculo ; s: o utr o- aind a
nas galerias art ística· e nos museus lhe contem-
plam, nas prod ucções de arte, as fe ições d ivinas
absolutamen te não é de admirar que os com-
boios ve iQzes, o<> autus r<t pidos, os carros com -
m odos co ndu zam os mi lh ares que qu crern ve l-o
•I'Ttd e p arece que cllc se aprese nta vivo, agi ndo
e prégand o, morrendo c resurg :ndo. Dand o á
cotnmerno ração da Paixão um caracte r de ren-
dez- vouc; internaciona l, c mesmo interconfcssio na1,
até da Ame ri ca c da Ing laterra apor tam vapo res
Iigciros, tra-ns portand o de terras longínq uas, pe lo
do rso das ag uas, legiões e legiões de foras teiros
;i pequ\: na aldeia bavara .. .
8 horas da manhan. Do Kofcl c de outras
soberbas moulanh<is, os trcs tiros de morteiro
da praxe cstrug~m, para signal do inicio do
irnponcnte actn rdig:uso.
O dr. Antonio da C osL1 B <IITOs, entre Judith
c o commendado r, occupa um a Jas caueiras ccn-
traes da prim ~i r a orden;, sob a enorme abo bada
do c~paçn rcscn·adu aus esp~:d:~d orcs. O aspecto
que apresenta o g raudc quad ro é. Ul' fac to, sur-
prehendentc. ( >r ig inal :'· o pako: na parte centra l,
scmclhanil: ao de urn thcalro, ~ coberto; de cada
lado ha um vasto portão , pelo qu al se f ign ram
vêr al~umas ruas ck Jerusalém; á esquerda do
espectador, ve-se a casa de Pilatos, c á dirêita
a de Ca-iphás, com alta e ampla esca daria á
en trada. Ao fun do do scc nario - impressio nante
c unico Jclinearn-se as grandiosas monta-
nh a,; da Bavie ra, compondo um conj unto ad-
mirm·el c grandio.:;o, que sobreleva em ,-anta-
gem e bctleza empolgante, qualquer reproducção
scenographi ca de qualquer dos mais imro rtantcs
lheatros tnotlcrnos.
T oda a fren te d u enorm e pako é J t;>sco-
bcrta. Ao cnvcz de luzes arLficiaes, esparg em-se
brilhantes os pro prios r;Ú),; elo so l ru tilo, pondo
em relevo adm irave l a va r i~:dad c pol_vchroma d-os
vestu ar ios pi ttorescos.
Em Judi th, todo esse ~ccnario surprdt t>n-
úentc, produziu imp ress ão prof:tnda, a cuja in-
fh:cnc ia ;1 do nLclla se entrcga,·a, fa scinada. Seu
pac tin ha 110 ros to um a cxpn:ss à o cn ig m atica
c indccifran:l. Anto nio firnwva-sc no anterior
pruJH'sit u d<: tu do acompanhar com a severidade
impiedosa de seus olhos criticul:i.
Não é a pontuali dade virtudt· exclu~iYa­
rncnt(' ingleza. Mal nas anfractuosidadcs ~ eles-
vãos das mon tanhas os ul timos echos das ex,
plosõcs dos mo rteiros mo rr iam, quando das duas
casas later aes surgiram 38 gcnios, fo r mosos em
sua:; vestes multicôres, conduzidos po r unt arauto
que, em voz al ta, recitou exprcssi\'o pro log-r.>.
Anto ni o, co111 st-11 anf ig·ü \·et:o tk 111ais ai-
tentar para os ddt'ifu:; d l l que para as perfei-
ções de pessôas c cois:t,;, colheu cnm o laço
de seu ~s pirito criti co o ce r to d ese mbaraço, ei-
vado d t curiosidade instin d iva, co m que os ~erúos
o lh avam para a lintw dos es pe ctadores, e não
se ()Ôde r>rivar ela censura, e m \ ' OZ de 4tH1si
segredo. num mu rmmio:
Adores e :td r izes !
Entrctnnto, ag raclaratn-lhc as claras voz~s
seguras d os figur ank s. e tanto qu<.: chegou a
ao ()Onto d e prefer il-as f rancame nt e', p or s upe-
riores e mais ar>rcc:aveis qtH' os acce ntos tre-
mul os das que se ouv~·m IJOS thca tros; logt.) de·-
pois vantajosamente as co1tcjou co m as que ouvira
pouco antes, na lTpr esc ll la~ãu d u _Oberon , em
W ie s baclen.
- Ternos aqui a llJ <Jtc ria prima para mais
de um : Friiulein 1-i em pd, confesso u e lle no
intimu. No theatru não ranlam co m a me s ma
naturalidade, que suhsti tu e111 p or uma a ffecta-
~,·ão que de natural abso lutament<: nada tem.
Os prim e.iros quadros \·:v os s ucccdcram-se ,
bo nitos, sem duvida, mas nã o ex lr ao rdinarios.
Mal term iná ra, por~m , a adoraçã o d a C ru z, por
crean\·as e anj os, quand o, de ao lo ng e, das rua s
de Jerusalém, se o u\·irarn e xclam ações isol a das d ~
H osannah / f/ os anna/i_, ao Filho de David! Le nta,
ma s forteme nte, ess :ts exclamações de jubilo se
for am to rna ndo cada vez mai,; vigorosas. Viam-
se os h abitantes d a cidade santa salú á rua, de
t od os os lados. Agora, pe las sacad as c po rtas,
a multid ão se avol uma\·a; cres cia e to rnava-se
compact a a ag_g-lo meraç ã o do pO \'O, e mais trium-
phalme nte j ubi losos ec ho avarn os brados de 1/o-
sanllah! irrompidos de mil peitos . _. Sonh o ou
rc:did<ode ? .. . T he atro ou vida? . _.
Já n ão era m a li rep resent antes ele cle ter-
rniné\da s classes; e ra o povo, o verd ade iro povo,
vibrante, impetu oso, in co nf undível, que ali tu-
multua\• a em massa ; que estend ia as vestes de
côre,; rariegadas no ehão ; qu ;: alcatifa\' a de fi(,.
res u caminho; qu<' agitm·a os ra mos d os lou-
reiros e as palmas; que se cxpaudia, jov~al e
são, dr ~anto jub!lo ; que conduzia em glorioso
triumph n Aquelk, em cuja honra, de todos os
coraçt>cs, e vibr:.111do em tocl ~ JS os labios, irrom-
piarn os brados aurcolantes d o,; 1/os{llltlllhs! As
mães erguiam n os braços, l> ~ m alto, as crcanci-
nhas que :mtcs tinha m ao collo, para qu ~ os
olhos do-; in nocentes se santificasselll an po isa-
rem-se sobre a figur:1 d o Desejado das !'\ações.
Ag itando-se e m grupos, ora dispersos, o r a
de novo compactos, gesticulando co m cxpressi\'o
e irreprimi\'el t: nthusiasmo, <~qucllc pm·u tod o,
na v:u·iedadc das co loraçõ::s d ~:: traj t:s c na rnul-
tipla cambiante das expressões p hys:onomica.s,
cndli:J agora as ruas a abarrotar. Vinha o cor-
tejo im·ad indo o centro da sccHa., num a va n ç a~·
lento <' solem ne. Um alacre tropel de creanças
occupa a frente esquerda, quando ao fundo sur-
-~c m os vu ltos tão f ami liares dos apostolos -·
e logo após, singelamente mo nt ado em u•H ju-
mento, Aquclle cu ja f igura ainda mais fami-
liar {> a todos ; Aquelle que j:í a crt'a·ncinha ín-
tuitivameu tc conhece e am~t, quando ergue as
delicadas mãozin has em prect:, Aque lle que C:
o consolo c o balsamo para o ancião c <• j oven
que o buscam nas horas an gustiosas ua tribul a-
çã o : Jesus !
~i m, é Jesus ; tal corn o o conheceum$ pdas
s uas mn umc ras grav uras c cstatu as; como '''te-
rn os presente á mente e ao coração. Jc:;us , doce,
meigo, bom, di vino ...
Jám ais vi coisa igua l - murnnrro u o
commcndador ao \"izin ho, que, absorto, n;io tinha
olh os sinão para a scena impone nte, de g rand:.'J:a
unica. Judith, !nscnsivelmente, se havia le\·antado;
deslisa\"am-lhe lagr imas sere nas r elas faces jo-
vens, c não mais pôde clesfitar os o lhos da fi-
gu ra fas cinadora de Jes us, que segui a, manso ~.:
lluw!lde, cn 1 1n ~ iu áqudla l!tllltid ão de cen tenares
de pcssôas a saudarern-n' <J ...
Antonio rontemrlou, um momen to, sua gen-
til vi1i nh a, in v c j and o-lltc o ard or da f (· since r a:
E si Christo fo:'~<' realmente De us! . ..
Si IJS Padres ti,·csse m raz3o I ... Mas, não póde
ser. C:hristo suggestionott as m assas por sua
bondade im:xcedivel, por perdoar se mpre, e a tudo
c a todos, por não offe nd~r j ám ais a ninguern,
por n:io pronunciar nunr;t urna palan a as pcra ...
ets tudo! . . .
C lamore s violentos da ~cena sacud iram-n\)
de seus pensamen tos: Chri!'to, o llleigo j ::sus,
havi a entrado no pateo do t::mp l o, c, preso de
justa indig ruçiio, enxo tava da casa de seu P ae
us vendilhões que a prufanav am , derrubando-
lhes as mesas, rn;í.u grado a att itu dc ameaçadora
dos phariseu s e escribas. que aco rriam celeres.
Tod os co nt ra um! Tre me -se por Jesus.. . Ah !
mas es te j á não era o mesmo Je s us qu~ antes ...
Raios cham ruc j antes lh e fu lg ur avam do s olhos
incend idos ; em toda a s ua altura e lev a\· a-se al-
tiYo e g rande ; uma majestade dom inad o ra e im-
po nente lhe tr ansforma ra em sev era e impl a-
cavel a feição meiga e doce: era ag-o ra n juiz,
que fulm ina . . .
Juiz~... Co mo An toni-o queria afas tar do
pen sam~nto essa idé a, ~i rnples , mas te rrível ...
Ju iz! ... Oh! com o e ra o mes m o ardente desej('
o do commenclado r, a seu lado, force jando por
extjngu·i·r da ment·e semelhante pensamento, 4tte,
no e nt an to, lh e voltava sempre, i mpiedoso e
aterror iza nte! .. .
No pal co, a representação p ro seg uia. O s
merca dores e xp u lsos do templo, qu a nd o em mei(l
a se u lucrati \·os negocios, e os sacer dotes, cu jo
pres tigio se cs boro á ra, j urar am ent re si te rríve l
vin g ança . Reu n-e-se o S ummo Consel ho; ex p lo-
dem vi<J ientas as pai xões e os despeitos contra
o accus ad o au sente ; d ecretam : J esus d eve r <Í mor-
rer. Não con hece o judeu ou tr a lei qu..: n;lo a
4uc alvitra : olho por olho, dente por d~· JJ! (.' .
A assistencia soffre. Toda a vasta p latéa
vibra, presa pela tragedia q ue a seus o lh os, na
maior parte marejados de lagrimas, se desenrola.
Não so brevirá na scc na um quadro que mitigue
a angustia daquclla rep rese ntação trag•ica?
Como em resposta á aspi ração gera l de um
ref1 igerio, en tra em scena, pela pr~meira ,·ez ,
Maria Magclalcna. que, com o balsamo p recioso
q ue trouxera, unge, hu milde, os pés Ãquclk a
quem tanto ama\·a, enxug a-os na sedosa toalha
de sua cabelleira opu lenta, c meiga, e do ce, c:
castamente, os beija com oscu lo humilde. Proxi-
mo, a alma f (lrreta de Judas - o l scariote -
e n gelha-se de colcra pelo desperdício da cssenc:a,
e no t a-se-lhe evidente nos olhos, no ges to, na
attitudc toda , que o prende c domina o -:spirito
máu d a av<U·eza c da cu bica.
Agora.. . ·
J udith, em todo seu se r sensivel e vibratil,
es tremece, até as palpebras, onde trc111Uiam lím -
p idas gotas do on·alho celeste que siio as lar
g ri mas por amor de Jesus. e de Mar<ia . .. O pro -
prio sceptico e critico dr. AntDn·í o, como o cccn-
mendador, sentem-se tocados de írreprírnivel com-
moção .. . A Mãe de Jesus veiu despedir-se do
F il ho, sobre tudo amado e sobre todo:> . . .
Em revistas illustradas, em cartões postaes,
em photographias, Antonio já muitas vezes vira
reproduzidas as feições de Ottilia Zw:ink, qu e,
em 191 O, figuraria Maria Santiss.ima, e - nã o
lhe agradára. Aquella ... representar a Virgem
Mãe ? .. .
Mas, hoje . .. agora ... seria aquella a mes-
ma que elle de antes conhecia? . . . Imrossivel! ...
O que alti, diamtle de seus o lhos m ara\'i lhados, s~
passava, não lhe parecia ficçã o, mas sim perfeita
realidade. Os espectadores, aos milhares, nern ou-
savam respirar . Silencio absoluto pesava e111 toda
a amr lissima platéa, estendia-se ao scenario . . . e
ap~.:n a:', (k t..: 1np1i a tem p o, o rui dü secco do vi-
rar LL1s pagin as d o Libretto, ou, cada vez me n os
ahafad(l, 11 11 1 solu ço, outro, mais o utro, ali, ma:s
l ongt:, co1: t id o a principi o cst..:, aque ll c quasi se
d csab:.>to;-~ndo em pranto ...
Um co11dem nado ... an tes, um consag rado ;i
IJ1ort{', jo \·cn, no pl~nn vigo r dos annos, despede-
se do::- seu s an1 igos fie i::;, des pede -se em seguida de
s ua fv\:lc extremosa, que não quer, <J11(: não póde
querer d ~::ixa l- o. que uma, e outra \ 'CZ, e sem -
pre, '-' c~ treita a.o coraç;'i:, aman te; que preferir: a
mil \TI.C!.' mo rrer po r cl lc, L' nã o obsta nte o \'ae
deixar ir, porque salw que deve deix ai-o ir .. .
Um derradeiro abraço, o uWm o ... um d ~rrade·iro,
11m ultim o beij o . .. e d-o que parte, esse ad~J­
ravc l Filh o ... para não mais reg ressar a seus
braços carinhosos, qm: agor a ali ma l se alteiam
e esten dem tr:: mulos, c como que ain da suppli-
cantes por estr-?ital-o mais um a vez.
Va c! L: .. . Nov amente seu doce rosto ir-
r<Hiiante de ce leste bo ndade se ,·o lta .. . u.n il-
tim u c lancina nte ad eus de desped ida, de )png·c,
j á t;"io de lo nge ... O sol, como nun1 garg a lhar
de c-scarneo luminoso con tra aquella dôr angus-
tiosa, au g men ta com subita v!o lencia a intensi-
dade da luL de s eus rai os ...
Ell a, na su prema ansia da saudade, s aben do
l) f im da jor·tacla para q ue o Fi lho seu F i-
IIH• ! marcha, lllais um a \<'1 estende, olhos em
p ra nto, os braços a bu scai-o ... mas J esu s \·ae
longe, c segue manso, hu milde, sereno, doce c
bom, pa r:t o fi m, para a tragica conSIIIIllll:H;:i<:•
d n fim . ..
Qu er 1• commcndadnr, q uer Anto nio, nii o
r odiatr> apreciar ma!s com segurança de crit ica
o qu e se ia a seg uir; os olhos de ambos 001110
que se ha\·iam enne\'oado, arrasad os de lagri-
mas rebeldes, que l hes borbul ha\'am sem q uasi
mesmo c it es se aperceberem dellas. Commovera-
os d e facto, c máu grado s eu, a dol orosa scen a
da despecli d;1. Judith frall\:amente dei xa,·a qu e
os soluços, a lhe agi tar o peito, exp lodjssem,
e não era ella a unica ...
O tempo corria vertig inoso; quatro ho ras
ha,·iam passado cele res . Iam segu ir-se du as horas
para descanso, para alg uma refe ição, mas não
podiam cllal' ser passadas n a Halle. O CU IIl tnen-
dador, a filha c o rec€!nte am igo, d esconh ccedo-
n :s do Jog ar, seguiram um casal ing lcz que se
d irigia a pressado em dirccção a um do~ muitos
pequenos hoteis de Obcram mcrgau .
Aqudla mole de ge nte em mov imc nto, o ntro-
pelo, a ansia da pressa com que tod os busca-
vam correr aos boteis para vo ltare m cedo, o pro-
prio rumon'jo da multid ão , esse rum or surdo
qut: aco111panha rum o voz intima toda g ra nde
mass;1 popular que, ali, ago ra, p o uco depo is f e-
rido por um g rito, uma voz, um brado mais
alto, flra sokmne, quasi trag ico, ora num rolar
nwnoton<; e aterro rizante de peças de artilharia,
tudo isso, a inco nfundi vel conf usão da o nda hu-
mana, aco to ve lando-se, empu rrando -se, magoan-
d o-se - aqu i, num a rap ida impacie ncia, irri tan-
do-se, ali descu lpand o-se cavalheirosa - tudo
isso concorria para a todos desviar da preoccura-
ção d as s cenas a ntes representad as. No e ntan to,
de ta l fó n na fôra a recordação forte, que nen hu-
ma verdadeira com·c rsação puder am sustentar
nossos personagens . como igua lmente se nã o
travavam nos ou tros g rupos, onde apenas obse r-
\·açõcs rapida5, ~eccas, irrornpian1, po r vezes,
q u asi soffrcgas I?Or \'Oitar á pn:occupação 4ue,
no e ntan to, pungta.
O commendador, J udit h c o doutor procu-
raram um Jogar mais solitario p ara tomarem sua
refeição apressada .. . Afastaram-se de pois um
pouco e m direcção ao celebre Santuar1 o de Ettal.
Já se arre pe ndeu, sr. com mendad or?
-· Si me arrependi .. .
De ter conse ntido e m vi r assist ir ~ re-
pn:se nt<~ção da P aixão?
N ã o, niio, meu a migo; antes, CQ ncordo
ph.:tiam<:nte e lll qu e O hcrarn rne rg au não tem ri \· al
no mund o inte iro.
- E por que nã o ser á possível rea li za r num
palco moderno o que esses simples carnpo nezc s
co n ~.t:gucnt tão admíra vr lrn e ntr lc>v ar a dfeito, e
l'Ofl'l fW rf<: i~·;\o !alll:tllh a?
· A h! dout or , - in k rrom pe u Judith e
si mples: no theatro, os nrti stas rep resent am JK>r
din lwiro. e aqui os c ampo nezes rcpresen t alfl po r
fé ...
O ra, se mpre h ão de ter algu nt lucro zi-
nh•l repontou o com me nd ad or.
Ne m p or isso lhes vale chamar- lhe lu cro ,
p apac. Li, ainda ha p ouco, que os fi gur an tes d.a
Pai xão de O bc r:unme rgau são muito ma l pagos.
O p roprio Christo, em 1890, não recebeu s inão
2.00 0 marcos, p o r tod as as representações d aque lle
ann o. Parte do que h o jc so brar d as despesa$
do espectacul o será repartido e ntre seiscentos o u
se tece nt os adores; que, então, tocará a cada um ?
N ão, n ã o é pel o ganh o que elles assim reprc-
sentatn t ão bem , mas po rque 9inceram e nte se
compe ne tram d e seus pa peis .
- Is to só, minh a senh ora - disse o d() UkJr
a inda não exp li ca tudo, p ois que nos gran-
des p alcos essa comprehe-nsão, esse sentimento
de fidelidade á represe ntaç ão das person agens
n ão é desconhecido.
- C oncordo ape nas e m parte, doutor. O s
g randes artis tas dos nossos theatros r ealme nte
co mpe netrare m-se de se us papeis, m as se não póde
este nder igual j uizo a tod os. Al ém disso, é-lhes
impossíve l, em pap e-is que sem pre \'ariam, co mpe-
ne t rar-se a o po nto co mo o fazem os artist as da
P aixão, p ois p ara estes o pape l é o unico a es-
tud ar, e se m pre o mesmo nas re pr esentações do
a n no inteiro. Cada vez mais se aproximam de seu
ideal, <= até ph ysicamente se assemel ham áque lles
q ue pretendem representar. Os pro pr ios homens,
detestando o recm so á ficção dos thea tros, d ei-
x am crescerem-lhes os cabe llos, e . .. olhe, lá ,·ae
o Judas. p apae interro111 p e u-s~ Judith a si
mesma ...
Dois outros pares de o lhos seguiram a d !-
rccçi'i.o uos o lh os da que fize ra a exclama,;:io.
Effccti,·amente, nã o po dia have r dudda ; era
Johann Z wink, que no drama represe nta\'a o des-
gr açado traidor, ess<:' que l á ia, c cuj o talc~ato
no pa lco só poderia se r com pa rac..lu, c ;;em d ~·s ­
v antagcm, com o de Antonio Lan g·, qu-: fazia u
Cliristo, c ao ele sua filha, Ottilia Zwink, a Maria
da Paixão de 191 O. Como co nseguira esse h omC il l
sa ber imprcssio11ar t anto ? Alé m de seu incontcs-
tavel ialcnto, tah·ez a dôr que algumas ;·e1.es
soffrcsse, intima, o habi litasse para a rcp rtscnta-
ção diffici l .. . De fact o, grandes dc sgo-;lus não
o haviam poup ado, p ois, além de lutar co111
difficuld adcs mate riaes prementes, pe rd era, havia
pouco, o filho mais \e lho, jove n de notan:is
d ons physicos e espirituaes.
O c:; brasileiros cumprimen ta ram -n'o, e .fadas
l h~s re tribuiu gen t ilmente as saudações qu e, mais
d o que nos gestos, se ref lectiam nos o lhares ar-
dentes que nell c po isa\'am, admirand o o g-rand e
artista. E todos regressaram á ,·as tissi ma Halle.
para ass is tir á segunda parte d o imponente dra-
ma sacro .
Chega ram de vo lta ao recin to, c mal h a-
vi am tido tempo para de novo occupa rcn1 seu l.o -
garcs quand o cstrugiram das alt'llras do Kofe l os
tiros que, pela praxe, annuncia\·am a todos que
ia proseguir a representaçã o da Pa;xão. Inicio u-
se a segunda parte co m o mesmo csplcndu r scc-
nographi co, que tão deslumbrante impressão cau-
sár<. na pr1moi r a. Os g randes qu adros \'Í\'OS d::
scc nas do Antigo Testamento altenJa \· alll com as
da Paixão, mostrand o e no rmes ma<;sas agg-lumc-
rada'3 c verdadei rame nte vi\'as, mm :mcntando-se
com U1I1 H 11 at uralid ade comple ta, tk efh:i to sllr-
prchcnclt:Hte l' i nexced i \'ei.
O espírito cr·i tico dn d outo r pretende u des-
cobri r n a scena anim ada d a fuga de José para
o Egypto a lgo de se mel h a nte, e m ar te, co m a
entra da d a r~ainha d e Sabá, na op era d o mes mo
nome, de Kar l G o ldm ark mas não houn~ re-
med io s in iio co nfessar q ue a representa ção rne-
sentc a seus olh os co nhe cedo res sobrepuj ava em
mu ito t udo q uanto hav ia vi sto antes nos ralcos
d os g ra ndes t heatros.
í: us qua dros s uccccli<tm-sc . . . O publico,
sc tn dcllntar, ne m de levC', u m sig n:tl de ·fad iga,
seg u ia as scc nas qu e se d ese nro lavam, com um a
:.~tte n<:<l o inte nsa. e m g rá u \·erd adeiramente extra-
o rcli n;trio. A acc usaçào de Chri sto , brutalmen :-:
ergv id a pc lus jude us e t11 fre ute ao so berbo r o-
ma n<' . . . a i ! . .. não, aquill o não , aq ui !l o não po-
dia ser uma si ntples f icç ã o th eatra l ! Era a pura,
a fl agran k, a e \· idQ nte re producçã o Ja reali dade
qu asi p a lp arcl, mas, p or issn, certame nte dolorosa.
Oas ruas agitadas, das praças tumu ltuosas ,
corria agora o po ,·o e m a\·a lanc hes vio lentas , a
cla ma r e m odi o sata nico co ntra j eSils, a exigir
illlpcri os a c san g uinariamen te sua conde mn ação á
tn o r k Aqui c a li, on de o furor parecia es tagnar-
. e . como q ue ca nsados e pres tes a aq u ietar-s e,
g ru pof pe rfidos d e p haris~ u s ~ ,·end·ilhões t o r-
pes insinua\·am-se , instigando novas exp losões de
odio. instil lan do a peçor. h a de ma is \·rne no, des-
pe rt a-ndo e pile psias de rai Ya cliabo lica, co nvulsões
conges tas de sêd e de sangue. Em vão Pilato s,
com arg-ume nt os de u ma logica de ferro, qu e ao
menos u m pouco consol ava os co ra ções emo-
cinnado;; do :n1 ditorio, arranco u a 111 ascara de zel o
c fervor rc l i~ioso co m que se aprese nta vam sa-
ce rdo tes E' escribas : em rão lh es atiro u e lle em
face a h ypocrisia re\·o ltante e C) nica, a inj ustiça
clamorosa, a invej a vesga, causa instigadora de
seu ocJ.io .. . Em vã o . Sempre no\'arncnt c acica-
tt·:'d os, t oman to to rmentosa attitudc :tmeaçad{Jra,
t • p uv illo, a lllllltidão ludibriada, grita\·a, esbra \·e -
java, estrondeava ensurdecedoramenk:
Crucifica-o ! Crucifica-o ! Crucifica-o !
Então, diante da intimação violenta da pa··
tuléa e nfurecida, o juiz, o soberbo romano, co-
vardeme nte se curvou.

O açoite havia furiosamente rasgado as car-


nes ao misero corpo de Jesus . . . Mãos impie-
dosamente barbaras teceram uma corôa de es-
pinhos, que lhe encravaram na angustiada ca-
beça, abrindo-lhe rasgões de que o sangue bro-
tava copioso, a cobrir-lhe de uma onda rubra
a augusta face dolorosa ...
Por momentos se es,·azia o scenario. Ape-
nas o cant o lugubre dos genios se faz ouvir,
plangente e magoado.
Subito, um estremecimento agitou toda a
assistencia. Nem o mais leve rumor se deixava
ouvir em toda a vasta Halle. Apenas os peitos
oppressos, arquejando . . . as rc. pirações synco-
padas, curtas . . ..
Ao fundo, pelas ruas tragicas de j erusalém,
á esquerda, c acompanhada de algumas piedosas
mu lheres e do discípulo amado, ad:anta-se a Mãr
do sentenciado ...
Conhecerá já e lia a realidade tristíssi ma? ...
Adivinha-a, adivinha-a por certo, pois tem o passo
vacillante e lento, santo temor das mães a con-
trah ir-lhc as feições puríssimas . . . Pede com in-
sistencia que· a acompanhem a procurar Jesus!
E lentamente adianta-se o vu lto commovedor de
Marin . ..
Novo e ríspido estremecimenk> percorre a
multidão comrnodda. Parece que em todas as
veias o sangue se gela ...
Do outro lado da scena, pelas ruas da di-
reita de J erusalém, l011ge, muit.J longe ainda, in-
visivel aol' olhos atormentados de Maria, surgem
OS primeirOS nJitos de Unt cortej'o 'horrível: SOl-
dadOS peões t a cavallo, typos da rua, mulhe·
res do povo, algozes com escadas lo ngas, mar-
tellos, cravo!>. . . Além . . . m ais além . . . coberta
de sangue que mancha as pedras do ca minho, ã
figura de u m homem avu Ha, cu rvado ao peso
lancinante de u ma cruz op probriosa .. .
Com o silencio sacro do aud itorio contrasta
a algazarra do p ovil éo na scena. Um violento
e rasgado tóque de tro m beta f ére lancinante-
n,ente os ouvidos e o coração alanceado da Mãe
de jt:sus. Iam realizar-se . . . já se teriam reali-
t.ado suas appn: hensõe · tragücas? . . . Ma.ria sente
que se lhe esvatlll as fo rças . . . pre11de-a co mo
que um desmaio ... camba le ante, encosta-se á pa-
rede ... amparan1-n'a mãos p iedosas . ..
A ma is e mais o funebre cortejo ${! apro -
xima, e ncllc, á frent e, o senten ci ado, que s e
curva ao peso e sma.Qado r do lenho opp robrioso ...
Eil-o que vc111 , o p asso ince rt o de cansaço,
o olhar, oh! afJuelle div ino o lhar m:se ricordi oso,
empan ado por l agri mas d o rid as de sang ue ! ...
Um passo a·inda .. . o utra passo, e o Marty r to m-
ba desamparad amentc sobre os pedroiços pon-
teagudos da estrada, f eri nd o nos calh á us as car-
nes já tão laceradas, e sob a imminenc!a d e ali
rnesnh, rn orrer, esm agado so b o peso enorme da
cruz .. . Barb aras mãos arrastam-n' o c o e rguem
sob um gargalhar de ironi a satanica, e e mpu-
xam-n 'o c o e mpurram, p ara a fre nte! para a
fre nte -- sem descanso, <>em pausa . . . e os chi-
cotes infam es ergue m-se e r c\·oluteiam am eaça-
dores no ar, empunh ados po r pulsos g rosseiros c
fo rtes ...
Ma ri a, o lhos p as mados e desmesuradamente
abertos, como q ue longe de tudo, co mo que a lheia
de tud o e de todos e d e s i mes ma, vê aproxi-
marem-se os soldados, os a lgozes, o poviléo, em
al gazarra, a turba em dese nfre iada desordem, vê,
mas vê com ol h os que parecem não vêr, olhos
qu~ se ntem apen as, mas que sen tem numa inten-
sid ade vi brante . . . e, d a li a pouco . . pobre M ãe!
\'trá ma·is com os o lhos, verá e ~entirá, com
o coração traspassado de a•ngusti a, que seus ne-
gros prcsentimentos não a ha•iam .i Iludido . . . que
todo aquell e explodi r de odio e de rancor, de
inveja vingativa c raiv :1 as qu er os a e r a contra
Elle, ElleJ seu Jesus, seu a mor, sua ,·ida, seu
tudo.. . que é E lle mes mo que a li vem, a ndar
i.n certo e t ropego, arqu ejante o peito emma-
grecido, e a fron te gotejan do su or de sangue,
que lhe co rre em fios das chagas abertas pel-o<'
duros espinhos da corôa sa rcastica e cruel ... Oh!
do peito de Maria não ir ru mpe un1 g rit o : tod o
o hrado de sua a ngustia treme nda e xplode cnmo
que p ara dentro, c todo o al a rido f ormidavel d e
seus clamores d :! ag onia concentra-se num so-
luço mudo, qu e lhe com prim e, co mo num:t pre nsa,
o co ração gn lpcad o, c ape nas te ntn arran car-se
num ímpeto, pelo g rilo mu do dos o lhos esbra-
s(•ador. c e m feb re, qu e, pas mados c an siosos,
conte mp lam a fi g ura andr ajos a c martyrizada do
Filho, do I"ilho que \"a<: para a 1no rt:.:, c li!Orlc
de cru z! .. .
Numa connil sà o ktTiYe l o co ração co mo
que tenta impe llil-a p ara o Martyr. Este nd e-lhe
os braços trem ul os ... T<:nta, o h! si pudesse an-
dar, si pudesse correr, precipitar-se a arrancar o
Filho das mãos dos algozes! M as as f orças phy-
sicas tráem-n'a .. . As pern as, como si f oram de
chum bo, pesam e cáem immo bi lüadas no solo ..
Uma nu vem trevosa passa-lhe, nu ma Yertigcm, c
cntenebrece-l he os o lhos.. . O n ome suav~ssimo
de Jesus, como sómente Maria o po de r ia pro-
nunciar, s áe -l he, num bal buci o, pelos lab!os en-
treabe rtos, mas . ..
Rapid a, dura, inflexivel e m seu o dio e na
loucura de seu :!ncrgumenismo diabolico, a multi-
dão, em clamores e chasqueias asp eros, envol -
ve-a, empurra-a, magôa-a, fere-a e afasta-a, impie-
dos a, se m um olhar para toda aq uell a angustia,
a ntes aggravando-:.. com os apôdos e iuj urias
cçbardes contra o Ma rtyr , contra Jesus. contra
seu Fi lh o, seu lindo e meigo Filho! ...
... Na s al a, oppre~:>a, ahafavanH;;c os so-
luços .. .
Judith nunca p ôde COIH[>reite nder co m o. n em
p o r que nã o desmai 1íra naqu c lla occas iao, diante
do espcrtacul o horro roso. o comm cnu ad or c seu
vizin h o , apesa r de to da inse ns ibilidade que antt's
haviam quer id o affcctar, não ma:s procuravam
disf:lrçar as lagTimas que, s: lcnci osas e copiosa-
mente, se lhes deslis;l\·am pela:> faces pallidas
de comrn oção.
Gra ças a Deus! ... !L' )!enios , surg indo no -
vaml·nte, d os Úllis lados d o ~cc nari o, viera111 tr a-
zer alguma var-iação, q uasi co nsolad or a, á op-
pressão em que s e (!<:batiam todos os corações
na li al!f:, apes ar d e se :tpr esc n ta re m ag-ora ln-
gubrerncn tc \·cstidos com :ts cc'H·cs p esadas do
lu i o .
Cantam ... sàn a telo pt-as dolentes ... Os ul-
tilll os vers o s a i•mla pairam ll!> a r, e m ondas de
h armoni ~· triste ...
Suhito ... lllas que r um or é esse? ... Que
estranho arruido se faz om· ir, d cshann on~oso.
secco c duro, por ddraz do vefaricttn?.. . Pa~
rccem marte ! los a baicr ríspid os sobre. . . O h !
Deus misericurtJ.: oso! Então, será que ...
E m toda a sal a o si lencio pesa como s i n
ambiente f nnnnsse a !age d r u•u sepulcro . Len-
tam ente a sce na se abre ...
Horror! . .. Eskn didn, mí, Elle, si m, Ell~.
Eil-o que j:í1. so bre a cruz, qu e pouco antes
canegan1 . .. Umas ill art c llatlas a·i·nda ... As mã os
e os pés d o Ma ríyr s aii J~Tam , c po(aS tlc s an g ue.
rubro c quente fonn ;u n-se o u tl c s~ lhes a p rox i-
mam as mã os c os pés de Jes us . . . De seus Ja-
bios, e ntreaber tos num rict us de dôr, um k\'C
c angus tiad o g·emi d o balbu ci a . . . C:o mo urn ccho
de contraste, tinta \'·OZ bn1ta l r aspe ra ord rn a
da turb a:
Erg :1111-11 1o ! ...
To da s as pul;;ações s ttspc ndc ut-.;; e, na assi ,.;-
te nci a innnrn s:1 . . . Não .:;e pt'ltk tl ('rt l respi rar ...
Avallk I Não affrnii :XC lll ! ..
A cruz é pesada.. . 1\rq ucjalll os algot.cs
corpule ntos, incham- se-lhe~ as vci as cntumcscidas
nos br::ços mu scttlosos .. . Po uco a pouco yac-
se erguendo do sólo <1 pesado madeiro ... ,·acil-
la.. . ,·ae cahir ...
F o rçn !.. . Mai. f orc:a aiHda! ...
Uma cs pecie de longo terror in ,·:tdc a s:th
totb. Os espectadOJ"es achegam-se un s aos ou-
tros ... Não é pos<;i v<:l ... Não, mil ,·czes não ...
;tquilJc, é demais 1 Um home m soffrcr tanto? I
Ma·is 11111 p(lllC(J !. . . Fon;:t! Prompto 1...
A cmz, crg11ida viu leuta111 ente ma is alto, com
tre mendo fragor foi dcixad:l cahir no f11 ndo bu-
r:tco preparad o para re cebe i-a. Com o abaln, ''
,:: r~_g·u(' de Jesus m ais copiosamente jo rro u ...
0 11! Não c nga uam os ulll os?! .. . T rcmulos
de f<'hre, geliclos dr es pan to, os t·specl ad nres
c(ln !i.:mplam . . .
C:tuisto . . . I kus crucificado! ...
Ah ! F ugir pa ra se111prc áq uella ,·isão kr ri-
n :l ! ... Ou, si fosse poss~ ve l , destruir, th• 11111
golpe, todo o 111 al j á feito, e s alvar Jesus .. . Je-
sus, morto, assi m, tão tr iste c abando nad o ! ...
Dia nte dos corações confran gidos da plat(a,
e am: ol hos ind·iffere ntes d ns barbaros alg0zcs
de icidas, su rge ao lado da cruz a f-ig ura dolor osa.
Je Maria . .. O h ! a s a<nta heroí na!... Hcro.ina
que tem f orças par a vêr , \"êr em se u Fil h(l tod o
aquc ll<. cortejo de ho rrores, aquelll' r eq uinte de
ma ldade a f azcl-o soffrer e mo rr er .. . t• vê, e
sente mais qu e todos, e tem f orças para não
succumbir nem desesperar! . . . T mce , an gus tia-
da, os braços; afogada na dô r, parece qu e \·ae
desfa lleccr. . . mas arrast a-se ai-nd a, até ~t os pés
ensar.gucntad os do Fil ho.
Levanta r ara Elle os o lhos magoa dos, ergue
os braços tremulos e como qu e s up rl icantcs, e
um queixume amargurado lhe s:íe dos labios ;
Jesus !. . . Jesus !. . . meu Filho! ...
2
Proximo a se us olhos dolorosos, vê os gros-
sos cravos que lhe rasgam a Elle as car·nes e
lhe atravessam os pés ... Do alto, o sa ngue de
Jesus cáe, e cobre-lhe a cabeça, as mãos, as ves-
tes da Mãe, que chora.. . Ah! si pudesse ella
derramar o seu, gota a gota, para poupar aquelle
cujo calor s·e ntia que se lhe ~nfiltrava pelo cor-
po'.. . Si pudesse! . . . Mas es tar ali, impotente,
e Elle a morrer ... sem poder ella soccorrel-o em
nada .. . sem ao menos poder alliviar uma só de
sua:; dôres tremendas ... se m o supremo consolo
de poder-lhe nem siquer armar o utro leito de
morü menos h orroroso ! ...
<,O h! Vós todos que pass aes pelo caminho,
attendei e vêde si ha dôr que se compare á
minha dôr! ... >>

--- «0>>- -
l[J

• Uma nonl Republica

angerhanns -- J o ão Comprido -
era chamado o comma11dantc úo
g rande paquete alkmão Cap Ar-
ama, t: ·isso, apes ar de ser elle
justamente a antithcse: baixinho
<~ gordo. Como quer qu e seja,
porém , a importante com pa11 hia
hamburgueza de vapores sabi a
por que o es colh er a para commandar o então
maio r e melhor d e seus paquetes üa li.nha sul-
am~ricana. Sobre ter uma compctcncia nautica
de verdade<iro «lobo d o man>, de cxperienc:a mH
vezes robustecida, de prudencia e calma compro-
vadas em numerosas si tu ações difficeis, o capi-
tão Langerhanns se djstingu.:a por uma deli-
c1tdeza de maneiras e. de trato extraordinaria.
Durante todo o tempo que durava, por exemplo,
a travc~s ia da Mancha, ou etn qu alquer outro
po nto de imminente perigo possivel, o capitão
nerr. um -instante abandonava a po nte de com-
mando : mal, porém, o máu po nto passava, e
entregava elle a direcção ao i.mmed iato - eil·o
pressuroso a descer ao convés e aos ·s alões,
c:umprímentand o amavelmente ao~ viajan tes , co m
uma palavra d e ve rd ad ei ro e solicit o amigo p ara
cad;J um delles, ora g racejando, ora an:mand o-os,
sempr<' co;n rnmli c;J tiv o e lou ção. Estimavam-n'o
todos ta:nto como o admiravam. Sentiam-se b t: nl,
perfeita me nte a \·ontade, no conforiavel monstro
de aço; e, confia nt es no co mma ndo e na expe-
rie nci t desse capitão habit, niu g uem deixava pe-
netrar no espirito apprchcnsões e temo res.
M uito trabalh o tivera o dr. An ton:o para
conseguir lo g::r no p aquete , no qual havjam
tom ad o passagem o commend ador e a fi lha. As
saudades que no cora çã o s;: l h~ d espe rtaram, ao
rec~b er uma carta em qu e lhe ia a no t ic!a de
achar-se e nferm a s ua mãt· e xtremosa e querid a,
deram-lhe an imo e fo r ça pa ra vencer todas as
difficuld ades; fo rça ram-n'o mesmo a i nterrompe r
seus estudos e a via~c m de le itosa, que a co·n-
selho e a pedido da pro pria mãe e 111p reh e nde r a;
e, depois de fati g antes es fo rços po r o hter tatn-
bem urna passag-cnt a b ordo, elllba1·dra em Bou-
logne sim.
O Co rnme ndador, que conH.:çava devéras a
sentir affcição p o r aqucltc ra paz d:stincto de
educação e trat o, arrancã ra-1 h e a promessa de
passar a lg un s d ias e m sua residenC:a de Bo-
tafogo, para con hece r sua f a111i lia; e o j oven
doutor, o brigado a a ~ uardar no 'Ri o o despac h o
de suas bagagens, antes de proseguir é1 viagem,
não podia , sem se llh>s tr ar descortcz, recus ar o
offerecim cnto Renti l, qu e d e fó rm a tão capti-
vantc I he er a fe ito.
No Cap Arcona, o ndl' se co mpttlllw de al-
le màes . e a rge nti nos a mai o ria dos passagei ros,
l"l dr. Antonio da Costa Barros parecia perte n ce r
á f amíli a do connn c nd ador, com o q uai penna-
ncci a a mór parte do te mpo, ora nos lentos e
prolo ng ados pa sseios d iscretean tes pe lo tom ba-
dilho, o ra faz<: ndo UJila p artida no co nfortavel
salão de fum an tes , o ra entre t e ndo palestra ani-
•ada n o luxu oso salão.
A' noite era-lhes costume assts t1r, no mes-
mo ~alão de palestras, aos co ncertos da orchestra
de bordo , em cujo repcrtorio se encontravam,
ao lado de s!z udas peças classicas, as part:t uras
ligeiras das ulti mas o peretas de F ranz Le h :í r c
Lco Fali.
Nos dois ultimus co ncertos, p orém, Ja a
a!tep~·[l( , d o~ passagei ros cst;n ra mui to longe d e
se.· ;, mes lll a que nos primeiros d ias : o appare-
Jh o do tele grapho sem tio havia tra nsndtitlo gra·
ves not icias de impo rtantes per turbações da or-
dem em Lisbóa, onde ex p lodi ra uma rc,·o lta, á
qua l h avia ad her id o a tnar!nha.
Os passageiros, cuja curios-idade estava su·
pt>rex ci hda, agg lo mera\ am-se di an te da tah oa on-
de os des pachos e ra m affi xados, :i proporção que
chegavam. 1\ espcct:üiva ans iosa crescia a cada
r. ovo marconi g ramma. As noticias já davam a
revolução co mo victo ri{1sa, c muitos passageiros
re ceia\·;m1 qu e o vapor t in~ sse de ser forçado
:; d~nwrar- sc em Lisboa, c I.Jll~ estivesse em
g r ande parte pe rdida sua corrcspo nd cncia.
O desp~rtar da .nadru.gada de 5 de Outubro
de 19i O encontrou em g r ande ah·oroço os pas-
sageiros do Cap Arcona, d.iante de Lisbôa. En-
ch i<Jm cllcs o cnnvt~s, rrecipita11do-sc par a a
<tfln!rada, c com binocu los inYest :·gavam ao lon-
g<' a cid ade, o castell o re al, as fortalezas, exami-
nando os g randes estragos produzidos pelos pro-
jcctis d;1 ar ti lhar:.a nos ultirnos com bates c bom-
b;,rdcios.
O COlll!tJentJ.alor não pen: tittiu q ue Jud!th,
dese j osa de vêr de p 2rto a cidade conflagrada,
de!.cess·<: a te rr a, mas r ~so l vcu ir resso aln tentc:, em
compa·n hi a do d outor. que se offcrecia a ir bus.
car noticias. D!minuto foi o numero de passa~
gciros corajosos que se anitnaram a dese mbar-
cai· <' tom ara m o pcqlleni n o vapor da compan hia,
qu~· os tr:wsp ortou ao cães.
Toda a c idade esta\·a a! nJa deba!xu da im-
rr<. ~~ã (l de trrror das rrimeiras horas de comba-
tes, e , pela manhan, não se abriram os bancos,
as lojas e mesmo muitas outras casas. Pouquís-
simo movi 11:cn to nas ruas, apenas quas.i exclu-
siv<.mcnte percorridas por pequenos grupos de
so ldados e paisanos armados, que conduziam
presc- alg um mo n:n-c hista. ou qualquer outro in-
d: \i idu o, ho mem nu senhora, que fosse su~;pejto
aos rev olucionari a s de intensos ao 110\'0 regimen
repu blicano, ou, por qualqu ~T outro moti\'o, lhes
nhi~f. C em desagrado.
Da g-ranàt> praça D. Pedro em d iante, o s
es1r::;gos rnakPiaes pro duzid os pelas bombas c
bal:1s dos co mhutt·s da 11 ()i(e c da madrugada
ar)J'escntavaill-Se mai s numerosos e importailtes.
Largos rombos, aqui c ali, em muralha,;; e pare-
des, dt•munstnvam a violcncia da jornada san-
r;·renta, de que r ~sultára a quéda do secular throno
bra gantino. O grand~ monumento que se erg-ue
á ent rada da amiJla a\"CTI•i da da L·iberdade fôra
attingid o e damn!ficado por um projectil de ca-
n hã o. Al g un s postes da illuminaçã o elettrica viam-
se fendid os pelas balas; os fios que trausmittem
a energia ao s trrunways esta vam cortados. De
quando em vez se csharrava em uma barricada,
á guisa de tr inche ira, ou s<~ ouvia a voz rí spida
e im peri-osa de urna se ntinclla, impedtndo a pas-
sage m por est a ou aquella direcção.
Pelas ru as quasi se não viam senhoras. Os
cocLciros de praça, pouco numerosos, conduzindo
em tipoias r aros fregueze s, hav:arn prendido ao s
seus carr os u ma es pecie de banclcirlnhas das c ô-
res grita-ntes da n ove l republica, verde e encar-
nad c. Os autom ovcis quas i todos haviam sido
postos á dis posiçã o elo go ve rno provisorio.
U m ~, impres são es tr anha apoderava-se do
espectad or im p assíve l do despertar el a cidade,
áquel b h ur a mati-nal, q ue s ucced ia á f orl1I ida vel
tra r: dorma çào po lítica e n acio na l po rtu g ueza:
abso l utam ente s;;· no t ava o m enor s.i•gnal
n ão
de en t h u ~i as11 w
cs pont ane o Lia m assa. Llo verda-
dd ro po Yo, pe lo ad\'c nto d as novas instituições
dtmocraticas. Os elementos que ergu ialll, de quau-
do em vez, os «VÍ\'ilS» <Í rcpuulica, ~m saudação
aos bandos de soldados ou grupos armados, eram
suspeitissimos, ger alm ente for mados por ind iv!-
duoc; de caras patibulares c ameaçadoras.
O commendador, obs<:rvando a frcqucn cia
com que se Sltcccdiam os gru pos dos paizanos
ma llrapilh os, typos rnal encarados, que não po-
diam insp irar a mínima co nfiauça. atcrrororiza-
doramentc ar111 ados, com a carabina ás costas
ou (' rewolver carregad-o na miio, ostcnsi-..· ame ntc
ás c~cancara s, nu;iJa cxhibiçã() imn1oral de f o r-
ça c violenda, não pôde de ixar d.? d izer ao
ccmpad1ciro:
Ai! da nove l republica, quando se vir
forç ad;• a chamar ;i ordem esses perigosos ele-
mentos de que se \'ale ag-ora.. . Esses ho me ns
ferozes não se deixar ão facilmente desarmar, e
não será t<.~rcfa sem pc:rigo o f orçai-os a con-
ter-se nos limites da ordem, nem a soffrear-J hcs
os appetites sangu inarios, despertados e postos
em furor esta noite!
Palavras propheticas eram e::.sas, que os
sangrentos successos posteri()res, as viole ntas de-
predações, as pcrsCJ.,ruições politicas e reli giosas,
os ultrajes ;í rnnral ~.: ;Í lih~rdack, as inféltnc:s
<.~ffro ntas á civilizaçã o, as ca lumnias clamo rosas
contra a honra, a propriedade e a vida até de
senhoras indefesas e .• por isso m:::smo, d: g-nas d o
maximc_: respeito, c antes da protccção que do
aggravo, toda essa longa e t-e•·oltantc s~rie dz:
crimes c de miser:as que se succedcrmu á al-
vor a da tragi ca de 5 de O utubro, veiu con Fir-
mar, para ete rno opprobrio e lut() da nohrc i:
dt:sgnçada nação lusitana.
O doutor sentia s ubir-lhe o asco, ao vêr
quantas victimas da sanha selva.g ern dos vence-
dores do dia eram brutalmente arrastad as p ara
os calaboiços, perseguidas por um odio sec tario
infamiss.i rn o, a pretexto de prolllovcr a s.!guran ça
da rcpublica! ...
Buscando fugir ás dolorosas impressões que
os ass altavam, reso lveram os dois atn iJZos tomar
um automo\'cl, depois do allrloço qu~ ligeira
e rap idamenk to maram em um hotel, e partir
em vis·i ta ao celebri' convento dos Jerony mos,
a grande maravi lha de arc hiltctura, verdadc!ra
obra dt• renda em pedra. Fo i-lhes im pos~·i n:: l , po-
rém, encontrar um s<Í auto dispnni\'e); d:' carro
não lhes sobrava tem po; arriscavam-s-: a perder
o vapor que , dentro em pouco, ia partir, e scnia
imprudencia permanecer por d..:masia do teut po no
meio daquelle :unbientc ameaçador, onde as fé-
ras humanas, momentan(·amente n:pousando, a
todo instante poderiam de no\·o despertar e m
seu fur01 satani·co.
Na praça D. Pedro acautpa\·a um batalhão
de arti lharia e ut etralhador as, que t:l!ltos estn-
g-os ha\'iarn causado pouw antes. Assistia-se a
um incessante ,·ae-vcm J~ soldactus e pa.izanos
armados ; uma H'l. ou outra llfll militar a ca-
vallo, ga lopando, diri?'ia-sc ao qu artel ge ne ral ,
a levar ou buscar ordens , a trans111 itti r a lgtl ma
cornmunicação importante; de tt mpus a te mpos
atravessava a praça um ufficial de alta pate·n te,
esquecid o do jurament o de fid e lidade que fi zera
ao rei, a dispôr-st- ao serv iço de s<?us novos s·,:-
nhores .. . Triste!
- · V amos, doutor. Já que nflo r odemos ir
aos Jeronym os, \' amos ver -;i desco brim os al gu-
ma outra coisa notavcl na cidade.
Seguiram por algu mas ruas. Em toda parte
o mesmo espectaculo desolador, o mesmo en--
llw siasmo pela mu dança de govern<l. Em frent e
da egreja, o commcndador parou.
Entremos. doutor r t·la\'e r<Í talvt>z ahi
Jen tro aJg1tma CO.isa digna de vt'r-SC'.
C oltt o qui zer. Vamos !
Subir am os poucos degráus e entraram. Su-
hito, estacar am immoveis, corno que paralysados.
O templo, nãu muito grand<: e de aspecto vul-
llar, tinha sido theatro de profanações incri ve~s .
Sobr~ o altar, omk ainda pouco antes se havia
celebr:ldO a santa M!ss a. sentava-se agora um
soldado, <k cig:trrn â bocca, palestrando com dois
typos, Í g"H~lilll e llte :lrm::ldos, tllaS <:S tes ;í raiLana.
Uma ima ~;~I Il do Sagrado Coração de Jesus, ou-
tra da Sant issillla V1r gem, jaziam derrullad.1s no
chão, I? Ulll d o~ r <l·iZ!l·;toS, lllll carbon:tri o, justa-
m<:-nh: ;w en!r:m_ ·m os do is brasileiros, C~Jill um
brutal pontapt:, que. mai!' ri go rosamente, se de-
via dizer um coice, atirou pa ra um canto a ima-
l{<'m da Virgem.
O tabcmarulu, aiH.:rl t>, fô ra c\·identementc
profanatkJ . o ~i bo ri<l d:: ouro, uespu jado das
sag-r;;das l iostias, fôra Illiscrav<~lmenk injuriado
a scn·ir de ... v<1so noch1rno 1 . • •
O co mn:u :dador, presa de irresi sli 1·cl accesso
de cólera. exclam ou:
Cu sou r~·pub l ic:Jtlll e maçon, mas isto
é di;;bolico!
Ca-n alhas! gritou o douto r em voz
f orte.
O soldado, as~ c n tado sobre o altar limita-
va-se a rir cvnicame nte. mas 0~ dois cark)J1arios
avunçararr; aYÍ1eaçadorcs. para os brasileiros. Um
já chef; Íira lll·esmo a ergu-er a arma contra o
cotnrn<'ndador, fJUando. uum abrir e fechar d'olhos,
Anlot;io appl.icou-lhe urn f orm:darcl soccu que
u prostrou, c, ;;rrancando-lltc a carabin a carregada,
hradou :
S~ se mexerem, s ão homens mortos! Ca-
nalh as ! __ . Féras! .. .
Prçso~ de terror, os tres rq lllhlica nos, ~
l}rd crn do douto r, retirara m-se le ntam ente para
o ca nto opposl·o, deixand o as armas nndc ellas
já antes dc scansavalll.
-- Cnd1m endador. \-o lk o senh or immedia-
tame-ntc para bordo! 'Eu scguin'i depois.
Aband o-nai- o em pe rigo ? Isso, unr bra-
sileiro não n faz, doutor!
Não estou e m perigo :llg-uru. A4uelles
co bnrde., a2'or-a se i t i armas, não ousa rãtJ tugir
nem mugir. Si,porém, salürmos juntos, atiça-
rão contra nós toda essa matilha canalha de
catbo n:Jrios. Vá, pois, o senhor sózinho e sem
escrupulos .
.. _ Só si prometkr seg'uir-me logo c não
se cxpôr a outro perigo.
···- Promdto, pois não ; mas não demore.
E' o unico meio de nos salvarmos CQtn vida. De
mais, si o lanchão chegasse ao vapor s~rn o se-
nhor, que tcrrivel seria para sua filha!
· -- Bem, VDll, meu amigo ; mas antes re-
ceba este abraço, que é s~ncero.. . E agora
arrematou co mmo vid·o até bn've!
- At~ á dsta, commendador.
Mal o con11m:ndaclor Marcos de Castro dei-
x<ir a o amigo, puxou do rdogio c affligiLI-se:
o lanchão lanraria o cães dentro em dez mi-
nutos. Que pe.~saria Jud.ith, si não o visse en-
tre os pass ageiros d e volta! ...
Impaciente c rccc~i-oso de maior atrazo, cor-
reu quanto lhe permittiam as pernas cansadas,
mas infelizmente não conseguiu chegar tão de-
pressa quanto desejava. Ao virar de uma es-
qu:n:~ viu-se envolvido por um grupo turbulento
de carbonarios, soldados, garôtos c pov iléo, que
e';coltavam un1 padrt~ e algumas freiras entre
cb .:tc:otas c insultos os mais baixos e vilões.
- Escap<·i de uma para cahir em outra.
~ ue republica id éal , qu'(; ass im, infamemente,
maltrata se!lbon1s l que de: llLiliCira tão covarde ;;:
injuriosa trata filhas das mais distindas famí-
li as! Pod\":riam c! las fa ze r algum mal? ... Que
m al ? ...
As chalaças em al~FlZail'fa au g mc n!avam, a
cad a nov a brutalidade que irromp ía da bo cca al-
\·:,:r cic um dos gloriosos ca rbonarios, a cada
urn d os !.!,"l'O ssei ros empurrões que esses animaes
e m fur ia achavam be m dar a s~·nhoras virtuo-
sissimas. filhas do paiz, que h<1Yian1 co!llmettido
ape n as o cri:m· m:fandu d e preferir o modesto
ha bito re li·giü ~ l) ao fig1 tri !ln rtq u intado de Pa-
ris, c :is illundanices frivulas p n:f:~rinun ;1 vida
de sacrific:o pelos 4ue soffrem.
O ultimo si lvo do pequen:rw \·:~por da co m-
p a nhia vibrára, chamando os reta.rclatarios ; estava
a embarcação prestes a lt~rg ar o cáes, qua•ndo
o capítão, vendo um dos passa ~c iros qu~ corria
a toda pre ssa, >llandou que ::spera~sc um pouco
ainda, a n:colher o atrazado.

P:tpae, como est:Í pallido ! t!Xclamou


Judlth, qu;;ndo o cotmnendador subia a cscml:nha
do p ortaló do Cap Arcona.
- Estou? ... All! mJnha filha l isto de pro-
clarnaçãü de repLtblica, como ago ra a fazem, é de
pn' vocar nauseas!
Contar-me-á tudo, papae, sim?.. . Mas
onde está o dr. Antonio de Barros? Não o v ~ jo
cnlrc os passageiros. . . N5o ve iu com papac ?
Não, filhi'llha; t:vemos d e separar-n o~ .
- Deus do ctu! Acontcc;:u-lhe alr,•'lllna coi-
sa? O vapor vae larga>r ferro . . .
O doutor viní, Jndith ... e tu, filhi·nh<t .. .
tu ...
Papac ? ...
Tu, que ten ~ fé, miuha f·i lha, vac rezar
para que ell e volte bom e feliz.
- Assus t a-me, papae! Ellc está e m perigo?
- Tal vez não. Mas vae, filha, vae ao ca-
marote, e faze o qu e te pedi. Devo--lhe muito, a
cs:;e n-o bre mot o.
- Vou j ( papac. Re zarei ::i Virge m Santis-
simu com confiança. Log-o papae me contará tudo.
E judith se foi , appre hc nsiva ..
Seu pac, agitado, inquiet-o, percorria a p as-
sos largo s o tombadilho, examinando com olhos
pcsquisadoramcnk iuk rrogalivos todas as em-
barcações que s~ aproxi mav am -do grande trans-
atlantico. Consu ltava o relogio ... emp un h ava
ansioso o binocuio ... ia de u m bo r do a outro
bordo e.. . nada! Fi11a lme nte, não ma.is se po-
uendo conter e111 sua ansiosa ~ ~npacicncia, que
de minuto a minuto cresc:a e s-e 111 ~ to rnava
do lnrosa. foi ter co11a o commandan te :
(..2uanto tempo ainda aqui nns dem<Jra-
remo", commandantc:.
-- Estamos na hora da partiJa - respon-
deu o capitã o Lan ~er han ns - mas foi comb:-
nadú que, (~UI attenção ao marechal Herm es,
cuja familia temos a bo rdo, es perar íamos que l;;-
va·ntc ftrros o Dreadnoug ht brasil eiro SZio Paulo,
e m que viaj a :.1 Prcsicknk elci tD tio Brasil. Va~
sahir j á.
-· Po is, comrnandantc, meu am!g ü , o dr.
Antonio da Costa Barros, a•i nda não n:gressou a
bordo Tendo-o deixadtl em um a situaçãu um
tanto critica, receio po r su a vitla, c cks-:jaria
de scer n o vamente a terra a procurai- ·• e, si pre-
ciso fôr, dirigir-me ao cons ulad o de meu paiz.
- Não será c llc q ue m a li ches-a naque lla
e mb arcação? - pe rguntou o capit:io Lan gc rha nns,
apon tando em direcção á cidade.
- Onde, commandante? Nada vej o ...
Mas, os olhos r erspicazes e aqui!:n vs d,> ,·e-
lho lobo do mar não se engan avam . Momen tos
;tpós, o commendador descobr·ia tambí.' rn a em-
barcação, ainda q ue não co nseguisse perceber si
estu.va ou não nella o seu ami.go.
- Por Neptu no ! - e xcl amo u o comman·
dantc - elle parece qu e vem ferido ~ ...

--«O;;--
IV

Final da uma aventura

ut ~e havi a fechad o a p o rta


do templ o, pela qual sahira o
coltl li JCndaclor, An ton io avan-
ço u reso luto para se apo de-
r:!r da o utra carabi<na e do
rewo h·er qu e a i.nda jaziam no
chão. Attcntos, os t res revo-
luc io narios o bservavam seus
mo vi1Hentos, mas, conhecen-
d o, pela cxpe r ie ncia d<' ha pouco, o a nimu re-
solv ido do brasile iro, e sen tindo amc aç adora<-
menl<.' contra ellcs vo ltado o f usil de que o jo-
VCH se ap odcrára, nada ousaram tentaL Entre-
tantu, os o lh os lhes luzia m sin.istros, u que nã o
cscapotl <i f: na o bscr\'ação d o d outor. Conser-
vand o a arma sempre .:Jn min e bôa di spos~­
ção, Antonio se abaixou le nta ,·n cnt<.:, p ara ap a-
nhar as outras duas arm a s e de scarregai-as, ou,
pelo menos, pôl-as e111 segura nça. Es tcn~ j á
para e llas a mão esque rda , 4uando, subi t alrtente,
cstru giu proximo u m hro de r e ~·olver; a bala
roçou-lhe a fronte. Vacillou um mom ento, um
insLn te rapido, m as que fo: o bastan te para
que se l ançassem com vio lencia sobre e lle os
tr~ mise ra veis, e mais o qu arto, :~té t' ntã·O es-
a&-1.·----r-
cor.d-ido por detraz dü altar. Antonio disparou
a arma, que falhou, e sentiu-se immediatamente
seguro por quatro pares de mãos. O choque
e a surpresa foram violentos, mas o energico
brasileiro não ceder:a facilmente, e estava re-
solvido a vender caro a vida.
A justa colera duplicava-lhe a força physica,
e um, logo outro, d(Yis dos atacantes num apicc
foram arremessados :10 chãQ com tal ímpeto, que
se magoaram, berrandQ blasrhemias, enfurecidos.
O soldado, porém , nãü o largára de seu pulso
forte, e o quarto carbonario, que traiçoeiramente
desfechára o rewolver, deu-lhe um golpe nas
rerna~, embaraçando-lh'as por detraz, o que o
fez cahir de chofre.
Pelas amplas abobadas do sa·ntuariQ reboa-
ram gritos satanicos de jubilo. Presas as mãos,
<!finda num supremo esforço de energia conse-
guiu o doutor, com terrível pontapé, derrubar o
outro carbonario, mas os dois, que antes ha-
viam cahido e agora se reerguiam mais enrai-
vecidos ainda, atiraram-se sobre o h('róe, termi-
n&ndc por subjttgal-o, fi·nalmente.
·- Matem este cão! - .. esbravejou o SQl-
dado, fóra de si.
- Pois não, camarada; mas antes havemos
de vingar-nos deste gringo do infernQ.
Novo pontapé cncrgico do doutor foi a
resposta.
·-·· Alto lá, cão damnado! Si não gTitas Ja
(Niva a republica ':·>, estripo-te com este punhal,
que está doidinho por se te enfiar na pança.
Viva o Brasil! - bradou Anton:o.
-· Pois vae-te então para as profundas do . ..
A lamina brilhou em meio á phrasc ... ln-
sHPdivamente, o doutor cerrou os olhos, espe-
rando o golpe f atai, e ...
- Raios os partam! rompeu colerica
a voz de um official que, attrahido pelo rumor
da disputa, accorrcr a, e com braços vigorosos
arranca v a a nobre victima á sanha canibalesca
'" ~....._...\-...
. .;_ (.-
dos sanguinarios algozes. Pois, nã o ~stão
a vêr que é um es tran geiro?. . . En tão q uere m
vocês crear difficulclade~ á rc pub lica ? . .. Corja
de imbecis! Si é criminoso, prc ndam-n ' o r'ra
a hi , mas não o matem!
-- Sr. te ne nte - diss~ , arquejante de cansa-
ço, o d outor - s i que r que se pre•ndam cri-
minosos, eil-os, ahi estão ! O u , p or acaso, o go-
verno provisorio autori zou av,grcssôes a rerub li-
canos que manifestam jus ta i11dignação pelas vi-
lezas que presenciam em Jogares respeit avc i~ co-
mo este ?
-· Na guerra, como na g uerra, senhor! E '
realmente estrangeiro?
- Tenho a ho nra e o orgulh o d e ser bra-
silt'iro, em tra ns·i to p or Lisbôa, com passagem
no Cap Arcona.
- P ois en tão, pcrmitta qu e lhe dê o co n-
selho de regressar quanto antes p'ra bordo. Os
anim os exaltados .. .
Não, sr, tenente, não! M il vezes nã o !
Eu não irei si·nã o depo is de ter J·ece bido as
nec<·ssarias sat-is fações pelo attcntado coba rde d e
que fui victima, <: que em nad a ab ona o g o~
vemo civil de Lisbôa.
- ·· Ca ramba ! - murmurou entre dentes o
official - era o que faltava, agor a que o ma-
rechal Hermes é uosso hospede t - e continuou
em voz alt a ; - - O governo provisorio term i-
nante mente pro hibiu tod a c qualq uer hos tilidade
contr a estran geir os; al ém disso, não pôd e ell c
ser resp onsavel po r todQs os desatin os qu e em
tempo~ anormaes praticam alg-un s espír itos exal-
tados. (Os carbonar ios murmuravam, desco nten-
tes) Si quer, com prazer o acompanharei até
a bordo.
- Neste caso, acceito, sr . offidal - disse
Antonio; c sa hiram da egreja, e ntre o resmun -
gar ameaçad or dos carbo·n arios, fur iosos por ve-
rem arrebatada ás suas g arras a vidima, cuja
morte já tinham tão certa.
Ch~gados á rua, o dou tor, com ;unabiHdade,
~str~itou nas mãos a tl~x (ra do offici al , confes-
.;ando-se sinceramente reconhecido pela interven-
ção salvadora, que tão orr)orh1name nte o soccor-
~ra, e accrescentou: ·
- Nã o sei s;i ainda uma vez mais nos ve-
~mos, sr. tenen te. Em todü caso, si tiv~ r ill g11m
dia precisão de 11111 am igo., s aibil que tem um
no dr. Antonio da Costa Barros, advogado, ..::m
Sant:l Cath arina ou no Rio. Aqu i tem meu en-
dereço.
· Agradecidissimo, sr. doutor - respo•n-
dca com certa effusão o o fficial, retribuindo a
ge-ntilen com o offerccimC"nto tambern do seu
cartão, em que se lia:

Alfredo Mourão
Te nente d o 4. l:lat. d • lnf~ nt e ri-n

Li rbóa

Oe repente, o official \'!U que o brasileiro


ernpa I I ideei i1
extraord in ar i amen t ~ .
- V. Exda. está fe rido? . . . A pr ecipitaçào
não me deixou tem po p ara ve rif icai-o . ..
-- Não é nada - respondeu Anloniu, mas
logo o desme nti ram algumas go tas de san gue,
que, com o movimento da cahcça, lhe sahiam
da fonte d ire íta, por sob o charéu. Até então
o official não as ckscobr:ra, por achar-:.;c collo-
caclo á esque rda.
--- E' preciso lavar-lh e a fer ida j á e já. En-
tremos nu ma pharmacia.
- Não, senhor. La\·al-a-ci a borúo . 1\ão
tenho tempo a perde r, pois, com certeza, o com-
m :~ ndantc do paque te niio ha de atrazar a v:a-
~rem p ara es p c r ar-nH~.
O official teve de cede- r; mas, ao ehe2'aJ.
ao cães, e antes (k embarcar no bote, tomou
um pouco de agua em uma fontain ha proxima,
e, com cu•idado carinhoso, lavou a ferida ao
companheiro. O ferimento não era grave: o ti-ro,
desfechado de uma d.istancia de menos de dnco
metros, teria prostr:tdo morto o brasileiro, si
este, em subito e rapido movimen to, não hou-
vesse desviado o corpo.
Como agradecerei a V. Excia., sr. te-
n~nte?! ...
--- Ora, não fak nisso, sr. do utor; si me
qu<·r fazer obsequio, não guarde ran e0r a este
pobre Portugal. f)csd·:.: mu·ito kmpo é a repu-
blica meu ideal, mas.. . já h oje cá estou a vêr
que os homens são sempre os mesmos. Enver-
gonho-me de certas scenas c da brutalidade de
certoc; indâviduos contLl victimas indefesas ... Re-
ceio dias amargos para o meu querido paiz ...
F aço sinceros votos para que se não rea-
lizem suas apprehensõts dolorosas , tenente, e que
o no\·o rcgimcn traga á sua patria a lib:.>rdade
e o progresso que dizem não lhe soube dar o
antigo.
Oxalá seja assim!
- Viva a rcpubl-ica! - - gr ita vam lm iças em
uma lancha, com a qual o bote cruzava. Mas
Antonio e o knente, ainda sob a impr·.:ssào do-
lorosa das deprimentes scena,:; anteriores. não
responderam.
O capitão Langerhanns Yeiu pessoallilentc
rl.'ccher ao portaló seu passageiro c o nfficial que
o acompanhava. Co n\'idado a subir, <) tenente
prefe riu despedir-se di: Anton:o no proprio bo te,
o que fez com uma cordialidade q ue surprehen-
deu o commandante. Avisado por este. aproxi-
mava-se já o med.ico de bord·o, bonacheirão, ver-
dadeiro typo ge rmani co, que alliav;J a uma real
proficiencia medica u m coração extremam.'ntc
sensivel. Not ando a pallidcz do b ra sdciro, con-
duziu-o incontinenti á pharmacia, onde examinou
ó ferimento, tratando-o com verdadeiro cuidado
df: mãe.
--- O senhor teve so rte! -- disse-lhe; ---·
estes repltblicanos.. . raios os partam!... feliz-
mente não sabem atirar ... F oi aggredido na
rua?
Não; t-ive de defender-me quand o, in-
dcignado, pela inaudita profanaçã o de urna egrc-
ja, apostrophci-os, como canalhas que effccti-va-
mente são.
- Apoiado! Então, o senho r é catho lico ...
como se diz? ... crente?
-- Nasci no catho licisrno, sr. doutor; mas
os cst!ldos f.izeram-mc aba-ndonar as praticas re-
l-igiosas e tornar-me livr e pensador.
- Mas, como então o revo lto u tanto a
profanação de um Jogar que deixou de l he ser
sagrado?
-- Ah! para isso não é preciso ser cren-
te 1 Basta ser-se ho mem de bem e respeitar as
crenças alheias. De mais a mais, o catholicismo
~empre me merecerá alg urna symp ath ia, p or ser
a religiã o de mi-nha mãe, que a pratica, que por
ella vive, que pc}r ella daria a propr!a vida .. .
- Muito bem, meu amigo. Vejo que é h o-
mem que se presa e é bom filho. Não co-
nheço o Brasil, mas si todos os brasi lei ros são
comu o senhor, não p osso deixar de lhes querer
bem.
- Obrigado, doutor, o br:igado !
-- Mas, cheg-a de palestra. O senh or, fe li z-
mente, não precisará de mais nada, a não ser
de algum de scanso. Aco mpanhal-o-ei ao s-eu ca-
marote, e depois . durma até á hora do ja<11tar,
que, S=.i quizer, poderá tomar mesmo na cabine.
- Não será necessario, d{)utor. Antes de·
mais nada, preciso falar ao commcndador Castro,
a quem, na volta de terra, ape nas rapidamente
pude abraçar, e que deve estar afflicto por ter
noticias.
- Pois seja ; mas fale p ouco; de-ixe os
pormenores para depois de kr descansado um
pouco.
·-· Obedecered.
A' sahida do compartimento onde se acha-
va installada a phannacia, eram o medico e o
ferido esperados pelo sr. Castro, que, ansiosa-
mente, procurava lêr nas feições do facultativo
noticias sobre o estado do amigo.
Tranquillizc-se ... Seu amigo não tem
nall<>.. . . Algum descanso das emoções, para evi-
tar consequencias a este leve ferimento na fron-
te, e poderá desembarcar em busca de novas
aventuras ...
Isso não, doutor, mas agradeço-lhe as
bôas notícias, e esperarei que o nosso amigo
haja descansado.
-· Não, sr. commendad<lr - · protestou An-
tonio, com affect<l. · · Contar-lhe-ei antes, em-
bora rapidamente, o que se passou, e só depois
irei cochilar um pouco.
Acceito; mas só si se sentir bem dis-
posto.
Perfeitamente bem. Além disso, para
meu proprio socego, desejaria saber corno o sr.
commendador regressou para bordo, si não foi
incommodado nas ruas por aquelles fanatjcos, si
D. Judith não se assustou muito com a demo-
ra ...

Já era tarde quando, cmfim, pôde o com~


mendador narrar á filha tudo quanto nas pri-
meiras horas se havia passado. Depois de attenta
e commovida ouvir a narração do pae, novamente
voltou Judith para seu camarote; desta vez, po-
rém, não para pcd~r, mas para ag-radecer com
todo o ardente fervor de seu coração bem for-
mado, a~,rradecer do fund(J de sua alma <Í mí-
sericordia divina o ter attendido á sua prece ...
e, ma:is ainda, ter disposto tudo de maneira que
seu pae lhe pedisse orações ...
v

RIYIBS

m vapor! -- exclamou para a es-


posa o general argentino, indi-
cando um ponto no horizonte.
-- Onde?... Não vejo nada,
Carlos.
Olha, ali.. . ass-i m... Vês
agora?
· - Ainda nã o ... Sim, sim ... Agora pare-
ce-mt: que vejo . . . Mas é apenas um ponto-
zi·nho pequeno c tão longe ...
-- Deve ser um i-n glez - affirmou o me-
dico do Cap Arcona, aviz:nhando-sc do casa l.
-- Oh! doutor - · respo ndeu a argentina --
como é que u percebe? Eu não o consegu iria
descobrir com o melhor dos hinoculos.
- Tem raziio, rni·nha senhora -- rcspon·
deu cortezmentc o medico - mas t: que tambem
eu estou tão longe de ter tão cega conf,iança
em meu olhos . ..
E então, co mo . ..
- · Vi, ankhontem, que o Aragoll, da Mala
Real ln gleza, sahin umas dez horas antes do
nosso, c como soube que se didge tambem para
o Brasíl . . .
Ah! isso t- outra co]s a!
P t>is, eu puuhu 111i.nhas duvidas de q ue
cfkct ivamenk seja o Ara,;on -- interve!u o ge-
neral. -- Si fosse el !e, t cr.i amos durante t odo o
tempo consen·ado a me sma d istanc·ia a sepa-
rar-nos.
- Já viram o vapor? -- interro mpeu de
subito o sr. H age nbcck, surg-in-d o. O sr. Hagen-
bcck era filho d o con hecido fundad o r e proprie-
tario do grande jardim zoD logico de H amburgo.
- · Vens tarde, meu am igo -- com carinhosa
iro n:a respondeu o medico -- nã·o f alamos nós
em ou tra co-isa, já que a monotonia d a vida de
bordo descobre em qualquer fu g itivo ~ indeciso
pün to no hmizontc motivo interessante para ap-
p licar a atte~1çào.
Sabe m, então, que vapor é?
-- Ao certo, não; mas calcu lo que seja
o inglcz Aragon.
·- - E acertou. Posso affirmal-o, poôs com
e lle se está commtmicando o nosso telegrap hista
de bordo.
O clr. Costa Barros veiu avolu mar o gru-
po, e1r companhia do co;nmendador e de JudHh.
Depois de, como os d c ma~s, have rem cxarrün ado
\ 1 h orizontt:, e trocad.o com 05 d rcumstantcs a l-
g-um as id éas so bre o paqHete q ue, ao longe ,
apenas se ind ic ava po r um ponto ligeiro, dispu-
zer am-se a se ntar-se.
As confortave is cadeiras de braços, aluga-
das para a travessia do oceano, foram arras t ad as
u mar. para o m ais proximu possíve l das o utras,
L: todos, inter ~ssados, ag-uça\•am o uvidos, p ara
não perder Uill a p a lavra das narrações do ver-
boso gcn<::r:ll aq:re ntin o, prosador exuberante e
c nth usiasta. Mais tk uma hora rap idam ente se
cscoôu, sem qu e ningt1c m se apercebesse.
Chega, agora, de e pisodios -de g uerra -
o b~érvou o gener<J I. E, d1ri g! ndo -sc a Judith,
continuou, com o sorriso de u m perfeito gentle-
man :
--- V. Excia. melhrH· sabení entreter-nos a
todos, com sua graça encantadora, do que o
velho e rude soldado ... Conte-nos alguma co.isa
do que apreciou na Europa, sim?
- Ah! s1m, sim, conte-nos, minha queri-
da! ·- secundou a argentina. - Aprecio tanto
as narrações bem feitas.
- Mas. .. é que eu nã o sei nada ... Sou
ainda tão inexperiente! .. - protestou judith, en-
rubecendo.
- Modestia de lado! -- insistiu <J general.
--· Veja V. Exoia. como t odos estão ansiosos por
ouvi l-a.
- Olhe que eu preferia ·ir tomar um copo
de cerveja - murmurou baixinho Hagenbeck ·ao
ouvido do medi·co - Quem sabe lá si essa pe-
querruch<~ tem geito para narradora . ..
- E eu não ponho duvida que o te nha
e muito - · respondeu o facultativo. - Você
não conhece os brasile-iros. Nós, os allemães,
temos o defeito de entender que os outros po-
vos nos são inferíl()res em tud o.
- Pois não é mesmo assim?
- Não é, mas.. . psiu! ... Parece que vae
ella satisfazer ao desejQ do general.
Effect:ívamcnte judith, não se querendo fa-
zer de rogada, resolveu ceder diante filas ins-
tancias dos passageiros e, nã o tendo presente
outra impressão que mais a houvesse to cado , ex-
pôz, com admiravel naturabdadc, a vibrante emo-
ção que della se apodeníra ao assistir a Paixão
de Oocranunerg-au.
O medico, o general, sua esposa, o pro-
prio Hagenheck em pouco sentiram-se como
que arrabatados pela inimitavel graça e pelo co-
lorülo · espontanco da phrase, com que Judith
fazia sua narrativa. O dr. Costa Barros não
podia desprender della os olhos.
Em simples toilettc de casa, uma le ve t ou-
ca de lan branca nos bastos cabellos ne-gros,
os olhos c(}mo que a sonharem, reflectindo-se-
lhe no lindo rosto as puras emoções da ai-
ma, a joven brasileira encantava a tod os, dei-
xando os ouvintes em verdade empolgados de
sua palavra quente e rnagica. Quando evocou
á mente dos passageiros a scena horrorosa da
crucificação, as laccran tes angustias que pun-
giam o coração da Mãe d4vina, dôres atrozes
que parecia sentir ella mesma, a argentina nã o
se pôde mais conter. Erguendo-se num ím-
peto, abriu-lhe os braços , estreitou-a ao pe ito
e beij ou-a com effusão. O general felicitou-a
viv<~mente e deu um largo e enthusiastico abraço
ao commenda<.lor, que sorria desvanecido .
Confesso-me arrependido de nã\) ter id.:>
tambcm a Oberam rnergau.
·-·· Não é para men os. Eu mesmo con-
fesso que o espectaculo me impressionou viva-
mente. Minha filha não exaggerou circurnstancia
alguma.
-- Ah! papae, bem poderia completar o
que eu disse!
--· Compktar? Como? - exclamou a esposa
do general.
-·-· P oucos dias após termos deixado Oberam-
mcrgau, meu pae viu uma das scenas da Pa.ixâo
reprodu7.ida, não no palco, mas na V'ida real.
-· - Esta, agora! -- exclamou Hagenbeck
mas isso é impossíve l!
N àu é verdade, papac?
M~nha filha quer referir-se a um epi-
sodio a que assJ sti ern Lishôa, c que, com cf-
feito, se asse melhou á subida de Christo ao
Cah ari o, com a cruz ás costas.
- · Mas.. . que coisa foi? - interrompeu
Hagcnheck.
- Nada de extraordi·nario, p elo menos aos
olhos da grande multidão. A scena da subida
de Christo ao Calvario não pôde deixar de ser
evocada em minha imaginaçã-o, quando assisti á
passagem dolorosa de pobres frades presos e in-
sult<tdo ~. {~ apedrejados pelos carbona,1·~os, com
um furor a.nalogo ao dos judeus co ntra Chri-sto.
Ah l mas tratava-se apenas de uns jesuí-
tas! disse H agenbeck em ar de despres o .
- Jesuítas'. . . Pó de ser que fossem j c-
suitas. De catbolico cu não ti~nh o milito mais
que o nome; porém, mesmo assim, o jesuíta
não deixa de ser para m1m o mesmo cavalheiro
digno de consâderaçiio c com dire ito (J e stima
dos outros, crnquanto se nã.o prova:· que é dellas
indigne
Não quiz offendd-o, sr. cummendador,
mas, afinal, ·isso de jestdas irrita-me os nervos.
- Demais, eu soube que não s:: tratava
apenas de jesuítas, mas tambem de outros rc-
ligivsos, que eram da mr.:srn a torllta cobarde-
mente maltratados, até senhoras disbnc h simas,
brutu.lmente injuriadas pela plebe, com os ap-
plausos dos g<wernantes da revolução.
- Quem poderá affinnar que ellas, effecti-
vamente, eram merecedoras de respeito?
- -· Oh! sr. H :w c nbeck! Ti\'C oceasiào, ha
pouco, de obs<::rv<J.r, -~0 salão d e ralcstra, a ex-
trem:l gentile la co111 q1F~ o senhor cedeu o lo-
glr a algumas senhoras que, nào muitn t~mpo
depo1.>, disse-me absolutamente nào conhecer;
estou certíssimo que não procederia cl·e outra
fórm·1 no trem, no bonde, em qualquer parte ..
- Simplc~ dever de cavalh;::iro ...
- Cí:.'Ttamentc, mas e sse simpl es dever de
cavalheirismo foi lame ntavelmente csyuecido em
Lisbôa. Ol!a:, até senhoras, na verdade religúo-
sas, sim, mas qnc, pur i·~so. n;lO deixaram de
ser senhoras, com direito :i mc~111a 1·: g orosa con-
sideração e res pe ito, f o :aíll presas t: g uardadas
pela soldadesca da m <tis infima classe, na mes-
ma s ala, se m que lhe s fosse dada permissão
nem si quer por um mo meu to para, ao me nos, la-
varem-se e fazere m sua toilette .
---- Isso é forte! --- cxclanwu o general,
emquanto o medico d e ixou escapar uma praga
violenta, em allem ã-o leg-itimo e rndc-.
Nesse mo mento nm iu-se um toq tw alt:grc
de clarim, que vibrava do passadiço, dando <>
primeirc' &.ignal para o a\Jiloço. Le va-n taram-se
tod os, c, d·ispondo-se a descer ao camarote para
pr("parM-se, a espos a do general exclamou:
Olhe m o \'apor! Já se vê mais disti-ncta-
mente.
De facto d i S~t' u dr. Costa Barros
(Jtl está agora a atmosp h ~:ra mais clara, ou o
Au:gon j.i se ac ha mais prox•im o.
Qu t'tli sab e si não o v amos alcançar
de11tro ctn pouco? obs;?rvou H agcnbeck.
Não serú facil --· respo tldeu o medrico
·-· elle tu 11 :t mcsrna força de machinas, e o
inglc.- brú tucl\l para não ser \'enoido pelo al-
le mii v.
- E he tn maior seria a victor·i a deste, s~
vencesse - · disse o general. - Mas, vamos.
As se nhoras já desce ra m.
Hag\:nbeck não pôde deixar d e murmurar
ao ouvido clro nH.' d.i co:
Temos ma;is um jesuita a bordo, doutor.
--· Ma-is um jes uita? Que quer d izer?
Ora, alé lll d o frade que embarcou em
rl a mburgo, ha esse co mmendador bras.ilciro, que
~ Hm« cspcc•ic: Jc :jcsu:ita de casaca.
D~~ i xe-se de historias! Em primeiro Jo..
gar, c: frade é tan to jesuíta como nós dois,
pois qw: é fran cisc ano; dep ojs, o cornmendadúr
nem siquc r <.: cat holico pratricante,
N ão pe rcebo patav:i-na dessas distincções
to das; mas o do utor ha de vêr: a pequena do
brasileiro chega a ser fan alica ...
Lérias, m('u ,-clho' Vamos preparar-nos
para o alm oço .
Vam os.
A refeição passou sem novidade. Os alie-
mãe!' a bordo deram cabo de f o rtes baterias de
g:~rrafas de cerveja, para < <Se aquecerem», comú
diziam nu tcw p o fr,io , da mesma maneira como
achavam optim u o ren1eúio universal para refres-
cai-os no calor.
-- Desejaria assistir amanhan á missa, pa·
pae. faz-me o favor de perguntar ao franciscano
a que hora celebrará?
- Po.is, então ha missa a bordo? --- in-
terrogou estupefacto o commendador - Ainda
não percebi nada.
Nem eu tampouco -- secundou Antonio.
- E' que se levantam tarde. T odos os d-ias
celebra-se 11 missa no salão; eu mesma cheguei
tarde para assistir; mas amanhan a missa é de
obrigação.
- Qual obPigação, qual nada! ·- murmu-
rou o cornmcndador.
-· Si não quizt'r pergun tar, papae, per-
guntarei eu mesma.
- Si V. Excia. perrnitte, O. Judith, prestar-
lhe.ei eu mesm o esse pequeno serviço, e da me-
lhor vontade - disse o doutor.
- E' favor, e desde já o brigadissima.
···· Oh! não por isso, minha senhora.
Logo após o almoço, o dr. Costa Barros,
que até entã-o não havia trocado a menor pal:v
vra com o franciscano, a não ser em res posta
ao cumprimento que lhe dirigira, foi em pro-
ema do religioso.
Com licença, uma pergunta, r everendo.
Pois não! Inteiramente ás ordens, se-
nhor.
A filha d o me-u amigo desejaria saber
a hora da missa, arnanhan.
C omeçará ás 9 1/ 2 em p<)nto, no salão.
Agradecido, reverendo. Ella ficará satis-
feita de assim c:u mpr.ir urna o bri g ação propria
de seu sexo.
A h! .uma novidade para mim, senhor ...
s1 me permitte, com quem t enho a honra de
falar ?
Antonio da Costa Barros, doutor em
direito.
E eu, Frei Estevam, da Ordem de São
Fr::..nciscó.. . Póis, o doutor realmente me traz
uma novidade que me interessa ...
-- De que a moça é piedosa?
-·· Não; isso absolutamente não me sur-
prchendc; mas de que a pratica da religião é
ohrigação só para o sexo femi'n,no.
·-- Modos de vêr, sr. Padre. Eu não des-
conheço a conveniencia do sentimento religioso
na mulher; mas o homem, de organizaçã-o phy-
sica tão d,jfferent-e, talhado e apparelhado para
as grandes lutas da vida e das conqu-istas scienti-
ficas, é chamado a outro . . . como dizer? .. .
tem outra vocação, de\'e mesmo libertar-se de .. .
perdôe a franqueza!.. . de preconceitos religio-
sos.
- De preconceitos ... concordo, doutor; mas
si, em nosso caso, se trata de algum preconcei-
to, pcrdôc-me igualmente a franqueza, nem mes-
mo na mulher deverá o homem admittil-o. Si
é rawavel a pratica da reli gião, como de facto
é, deve sel-o para ambos os sexos; si, porém,
não passa de preconceito, para nenhum dos dois
serve.
· ·· O reverendo põe-m (' diante da alterna-
tiva . ..
Po~s, n ão! Uma coisa exclue a outra,
e o sen h or, que é doutor e m djrcit o, será o
u ltime a sus tentar que possam ser verdade am-
bas a um. tempo.
- ·- No entretanto, essa opin~ão vae de en-
contro ao que eu li nas Mentiras Convencionaes,
de M ax Nordau, e mesmo a muitas coisas q~
tenho ouv-ido de verdadeiros homens de sciencia.
-· · Póde bem ser; mas, mesmo assim, ape-
nas um dos dois póde ter razão, e eu ficaria·
muifl. agradecido ao doutor sã me convencesse
de que, até hoje, tenho laborado em erro..
- Interessa-me o problema, reverendo, a.in-
da que lhe receie certas consequencias. Franca-
mente, mu•itas \·ezes julgttei qu e os padres não
prégassem si-não por dever de officio.
- Mas · é mesmo por offioio ~ Isso, po-
rém, não qU{::r dizer não seja tambem por con-
vicção. Si esta me faltasse, é 1nduhitave l qut:
eu nãc continuaria a prég-ar nem a .. .
- Vidoria ! -·· cs tmg~u vibrante a voz ·~ n­
thuS!iastica de tiagenbec k, qu e appareceu correndo,
rubro de jubilo - Victoria! Venceremos o Ara-
gon! Vi\·a a Allemanha!
- De fa cto, a d-istancia d:minuiu - - af-
fi-rm ou o medico, !gualmc ntc jubiloso , co mo quas]
todos os demais passag-eiros, para os quacs o s'r.-
gular dudl o, a corrida catre os do is gTandes
transatlant.icos, em pkno oceano, fo:·mcia agra-
davel diversão para SlJaviza,r a mo noton ;a da
viagem.
Os proprios argentinos, uma fam! Iía fran-
cez.~. outros passag~iros, eram s ylll pn thicos aLl
Cap Arcona, para cuja optüna disp osição c di-
recção não enco ntravam bastantes exprcssôes de
elogio
- Até ás 5 horas da tarde - üissc o dr.
Costa Barros ·- parece que o poderemos :J!ca1l-
çar, desde que prosigam ambos na mesma marcha.
- · Então, ainda umas 4 h oras ·· acc rr:sc-en-
tou a argentina.
O assumpto tornou-se a prcoccupação geral
em todas as palestras de bordo. ConvenC:do s
agora de que o paquete allemào v-en ceria na
carreira o in g lcL, faziam apostas so bre quem
acertaria em rel ação á h ora em qu e o triumpho
se havia de dar.
Como aos passageiros , tam hem á m<.~ru .ia
não passiÍra despercebi-da a luta entre os d ois
grandes transatlanticos, ~ até mesmo pare ciam
os m:-.rinheiros ma:s enthusiastas e intcrcss<.~dos
na victoria do navriO que tripulavam. Com extra-
ordi·naria presteza corriam a dar execução imme-
djata ás ordens que s uccessivamentc r cccb(am,
como si por esta Mrma po dessem accelerar a
marcha do Cap Arcona. Os officiacs sorr!am :
a victoria de seu navi-o, que, ao mesmo t eill po·,
consistia na da industria dos estakiros de sua
patria contra os da sua orgulhosa rival br:tannica;
não era nem lhes podia ser ind~ffere ntc. D
commandante La ngerhanns, ainda mais jovial e
expansivo que de costume, percorria prazentei,r o
os grupos que aqui e ali, espalhados pelo con-
vés, pelos salões e fu,noirs , trocando amaveis
palavras com todos os que e ncontrava.
Passaram-se assim mais trcs horas, que pa-
reciam lo ngas, extremamente lonf{as, para a im-
p aciencia geral. O paquete :nglrz, ao violento
esforço de suas machinas possantes, ia ainda lon-
ge, embora já consideravdmcntc estivesse redu-
zida a distancia qu-e separava os dois rivaes, a
ponto de se distingu:rcrn já alguns porme nores
de seu bordo. Os passage'i ros commentavam-n'os.
Mais meia hora escoou ... lenta . .. lenta c
ansiosa. . . Pouco mais, ~ ia ser alcançado . ..
Dt: repe-nte, o Cap Arcona muda um pou-
co de rum o, aproxilllanclo-sc mais do Aragon.
Que pretcn deri::~ o capitão Langcrhanns com essa
manobra inesperada? ... O so l, descendo no ho-
ri zonte, dentro em pouco ia occu ltar-sc além do
amplíssimo lençol liquido.. . Seria o ínglez al-
cançado antes da no.itc? .. .
Dez minutos passam ainda. . . outros dez ...
Su híto, novo aivoroço no meio dos passag-eiros:
a banda de musica de b ordo sóbe ao tombadilho,
cem os metacs reluzir1do aos derradeiros raios
oblíquos do sol. Um viva.' estrondoso recebe os
musicas, 4ue se co llocam prox1mo ao corrimão.
A bordo do Aragon tambem já claramente
se delineiam as s:l huetas de seus passageiros,
do m<'smo modo agglomerados no tombadilho.
Mais um pequeno movimento na . roda d-o
leme, e o Cap Arrorza, aprox-imando-se o mais
possíw:l do paquete í.nglcz, vae passar-lhe perti-
nho.. . Como são demasiadamente morosos os
minutos!. . . Faltarão muitos ainda?... Tres? ...
Dois?. . . Só um? ...
A batuta do mestre da b anda dá o s.ignal,
e, em me·io aos vivas e hurrahs de um enthu-
&iasmo electrizante, a fanfar r a de bordo faz s<J-
lemnemente vibrar os accordcs do hy mn o naci<mal
da Allemanha, cujas notas patriot icas são acom-
panhadas em alta voz pm t odos os allemães
de bordo.
Ao l<Jnge, quasi a beijar a fim b ria do ho-
rizonte, vae morrer o disco e nor me do so l poe n-
te, que envia seus derradeiros r aios numa aureola
de ouro, como urna arothcós ::: fu l g-u rante ao qua-
dro commovedor.
Hagenbeck - - e notav a-se, p or sig nal, q ue
tinha a voz um tanto rou ca -- refo r ça va o côro
geral, com todo o vig-or d e que é capaz um
bom hamburgucz legitimo. Vo lta-se de re pen te,
e pasma: a seu lado percebia o escu ro burel do
pobre franciscano e, estupef acto, obse rvo u que
tambcm o frade cantava o glo rios o hymn o alie-
mão!
-- Pois, o senhor.. . o sen h or . .. a can-
trar?! - dirigiu-se cllc, p asmado, ao icscúta. a
quem, antes, nem uma só vez se a n·i má ra ou se
dignára a dirigir a palavra.
- - E por qu e não, sen hor? Canto, c af-
firmo-Jhe que do intimo d'alma .
- Mas, o senhor ...
-· Tem razão: eu h o je sou cidadã o bra-
sile~ro. Mas é que nas c'Í na Alle m anh a, lá me
ficaram os que mais caro s me são no mund o ...

d)cutschland, f..)cutsch l and übe r alies,


übu alies j,n d er Wcl t !))

oontinuou vigorosa a ento ar a voz do francis-


cano, e Hagenbcck, que p erceber a uma lagri ma
furtiva a brilhar nos olhos do fr ade - s auda·
de, quem sabe? d() carinhoso l ar qu e lhe ficára
tão longe! - não se pô de. conter:
- Caramba! Parece que tambem elles têm
alma! ...
VI

Salnl Terra de Santa Cruz I

magi.nem: uma hor a, uma formida-


vel hora i.nteira já havia que o
antigo senador Coelho vociferava
improperios e invectivava céu e
terra, arengando no f amoso mee-
ting anticlerical annunciado pelas
gazetas do dia. O Largo de São
Francisco rcgorgitava, e não era
de admirar: aonde, de qualquer especic, ha urna
no\'idade, q ue se previne de antemão ser escan-
dalosa e rubra, o povo sempre afflue, curioso
e tumultuantc. Parece que u m prurido irreSiis-
tivel arrasta as grandes massas populares para
esses espectaculos da exhibiç ão pantomineira da
verborrhagia demolidora de certos tribunos de
fancaria, e é vêr correr e m ondas a multidão
par a apreci ar-lhes os csgares e os commentari<>s,
nem sempre lisonjeiros á pessôa do m eeti ngue-i-
ro, ás mais das vezes maltratado pela ironsa
ferina, mas justiceiramente implacavel e feroz,
dos que elles pensam ali estão para em bevecer-
s·e na belleza, que julgam deslumbrante, de seUcs
trópos oratorios . ..
P obres oradores de rua, sem ideal nobr.e
nem echo na alma popular! Quando, d·iante da-
quella massa humana, que os escuta a rir e, ás
vezes, mesmo a gargalhar, acreditam que são
olhados e ou vidos como m-aculos c verdadeiros
conducto res e orientadores do povo -- - o povo
di\'erte-s<:: á custa dcllcs c apen as corre a aprt-
cial-os como a palhaços de f-eira grataita! ...
Como nos circos de c:J.vallinhos , nos thea-
tros de burla e arte barata, c nas casas de
sdzopps e cançrmctas de infima classe, oncll.' a
falta de pudor só 0 ig-ualada pela ausencia de
qualqun rcsqnici.o de arte; como nessas platéas
inferiores acontece, quando o figurante sern voz
nem graça desafina, assim sóe acontecer em cer-
tos meetinr.;s anticlcricacs: o orador sacódc tru-
mlentamente a juba des_g-rcnhacla de suor, berra
suas apostrophes, que jlllga í'nergicas po·r que
são violentas e g-rosseiras, e a multidão, num
entrechocar de risos, de commentari.os e de bravos,
faz uma al g azarra tremenda, que u misero tri-
buno risonhamente ag-radece, como si fôra uma
ovação enthusias tica. De facto é vaia, é vaia
chocarrcira c folgazan, vaia Jc quem apupa sem
zanga, porque o logro n~ o lhe custou c~itil,
ma;-, vaia, assuada, legitima e vibrante, tal como
dos antros das bcksg·a;~ mal illuminadas irrom-
pem á:> vezes num f:dsn estrugir de palmas, que
abafam a voz esg-aniçada da cantadcira d~ g·ar-
ganta avinhacta e olhos ~· S!Jrrisos ..:sturidos,
agradecida ~í homenagem.
O famigerado Coelho vibrava. O popular
arengudor estava illl ill de seus dias.
O h orne {'Stá brabo-' - upi nou um car-
rocdro a um engraxador de botas.
Cala esta bocca, estupido! Elle tem ra-
zão.
Cal a a bocca tu, pedaço _d' a~ . : . Não se
pôde ouvir o resto da expressao IllJUnosa: a
multi-clã(' berrava ensurdecedores r·ivas! que, num
criterio rigorosarnen tt: de uwcrahco, <tbafava, num
mesmo estrondear de b erros e graçolas, as vozes
asperas do engraxad or c: do carroceiro , e o vo-
zeirão truculento do tribuno, suado de ... enthu-
siasmo. Mas o Coelho, que corria pela assembléa
o olhar furibu.ndo, agitando á s·!nistra uma gran-
de e luzente c;JrtoLl, qu.: o longo exercício tri-
bunicio arr!piára ás ab<~s, e passando pela fronte
c pda~ mel~nas agrisalhadas da cabelleira leo-
nina um grande lenço apardal h ado de poe·ira e
suor, limitava-se a curvar-se mesureko uma, duas
vezes, até que, impacientr , reclamou silencio.
Ainda não tinha acabado! 1!
A constituirão! senhores!.. . A consti-
tuição! ... O divirHi parto fundamental da re-
public:l, não aclmittc que ás plagas de nosso
nobre (' livre p~~iz aporte a corja de misera-
veis frades, corridos a po·ntapés de todos os
paizes ~.:ivilizados ela Europa ...
A voz do Coelho estr.i dulava, agora, agu-
da, daqui em pou co ribombante, s empre enrai-
vecid<l, alto, a embasbacar, pela força dos pul-
mccs, os atto.ni!os carregadores que o admira-
vam, de olhos arregalad-os.
- · A constituição, violada por altos políti-
cos, carolas c idiotas que, em pleno seculo das
luze:; affrontaín a nação, assisti.ndo a exequias! ...
a constitu,ição brada vingança l vingança terrí-
vel ! ...
A voz do Coelho athngia o pathetico.
Que te leve a peste! - voltou a res-
mungar, praguejando, o carroceiro --- era me-
lhor que me arranjasses a vida mais barata ou
então freguezes que me fizessem ganhar para
ella!
Cal a esta bocca, animal! -- intimou o
engraxate, cmqu ant o o Coelho , com o suor a
escorrer-lh e pe las faces co nge stas, agit ando fu-
riosamente a cartola luzid ia, tentav a pro seguir,
cravando o s o lhos numa e xotic a fig ur a feminina,
que tambem, de o lhos es brase ados , co ntemplava
o orado r. Perceb ia-se perfeit amente que aqu ellas
d11 as creah1ras cornpre hendi am-se, completavam-se ;
,,
"
clle, auda:t: e dt!Jlllllidor, tonitroaule c forte, dar-
dejando ra:os com o verbo in flammado, contra
a Egreja, contra os padres, contra a religià<l,
cc,ntra as «misc raveis crend ;ccg c sup ersti ções
pueri ~- dos ignorantes, ex plorados pela fradalha-
da estrangeira»; - e!la, sum ida em sua pequena
estatura <1!nda mais morena na so mbra do ves-
tido preto, scan elegancia nem talhe; uma fi-
gura de sombra, mas sombra ameaçadora, 4uasi
viril, desdenhosa d os atav!os externos, qu;.o são
a preoccupação de seu sexo ; tambem aque11a
senhor: parecia q uerer desp render-se de suas
qualidades intimas, quasi maçonoizandu-se na unica
idéa d e odio ant:clerical, ap~::nas des\'iado ás
vezes para a carnavalesca cxhibição de meia du-
zia de api·nagés d o mesticados, que apresentava
pela:> principaes r uas d a cidad e, no escandalo
de suas longas cabclki r as lu strosas c lisas, su-
bre as costas ele cachcmira dos casacos mal
talh<id o~ c mal postos aus pobres i·nd·ios ...
Ainda agora mesmo al.i es tavam os apina-
gés, de olhos nrregalad os, ao lad o da professora,
olh;:ndo ora o orad or esb ravejante, ora aquclla
mul!idãn tumultuante c mid osa ...
O Coelho, cada vez mais agitado, tentava
prcst' guir na sua aren ga :
. ... A cons ti tuição! - hcrrava ellc pela cen-
tesima vez .. . Mas nã o pôde cCJntinuar. Um
grupo de tndiv!duos mal encarados invadira a
praça, unindo-se ao d os que mais de perto cer-
cavam o orador, e aos api na.gés atrapa lhados,
e um vo:t:er: o ensu rdecedor exp lodiu, violento,
intercalndo de vivas 1 c morras-' em todos os
tons. Num dado momento, os recem-chegados
lançaram então ao ar, a plenos pulmões, o
cla m o ~- revoluci onari<l :
ÁS freiras da Aj uda! Mo rram as freiras!
Nu m redemoinhar vertigi noso, o g rande po-
viléo se desconj unto u t<l do, desennovelou-se num
ton·elin ho, ondulando, berrando sem pre, e for-
mou logo uma turbulen ta corre nte t!t: uwn~fes-
tantes furiosos, que enveredou pela t ravessa de
São Francisco, até á Rua 7 de Setem bro. Ahi, o
magote se divid-iu em du as colum nas gritadoras,
UtnJ pela travessa Flora, outra pela Rua 7 de
Setembro, donde virou pela Uruguayana, s~~ mpre
aos berros, até de novo se reunirem todos no
largo da Carioca. Alg umas casas de commercio,
cat;telosas, fechavam as portas, dia nte daquella
nmltidãc em furia. Em algumas sacadas assoma-
vam caras cu riosas, algumas já pall idas, imagi-
n:mt!u uma rew>luçã o, a espreitar a lo nga serpente
human <! da multidã o, que colleava em di re.i tura do
convento da Ajuda , dobrava por defron te do pa-
lacio ela Imprensa Nacional, dep o~s d estruido por
um incendio, e atirava-se, rev olucio naria, para a
sun:ptuosa Avenida Central, em cujo extremo,
csquinr, da rua do Passeio, e fazendo face para
o celebre palacio Mo nróe, erguia-se o vasto ca-
sarã<' do histori co convento da Ajuda.
A g uarda ci,·il era impotente para conter
ns mai s exaltados e pediu reforços. E mquant o
não chegavam estes, as pedradas brutacs arrc-
lllCf.~<. ram-se cont ra os vetustos paredões do claus-
tro, felizme nte pouco numerosas, porque são ra-
ros os calháus naqucllas immed iações.
Morram as f reiras ! - · be rrav am alguns
rnai.s loucos, desfechando valentem ente seus re-
wolver::; contra as grossas muralhas silenciosas
do mosteiro. Co m pesados cacetes e bengalas
mnr1ell avam fr agorosamente nas portas largas da
entrada, enchendo d e terror as míseras r eli g::o-
sas ali recolhidas em r ecato e oração, e que se
senliam ameaçadas por todo aquelle grand(;! gru-
po desvéliirado de anticlericaes em d elírio.
Os passagei ros d os bondes electrkos r e-
pleto.' revo ltavam-se diante da inaud.:ta scena de
selvageria cobarde, e alguns protestavam, sem
teme;· as am eaças dos arruaceiros mais proxi-
ximos. P arecia que ia travar-se então u m me do -
nho conflicto entre os desordeiros guiados e açu-
lados pelo t11ibuno Coelho e a parte sensata
do povo, que se ~'n d1gnava com a brutalidade
da aggressão planej ada contra senhoras indefe·
sas, quand o, felizmente, surgiram os cavallaria~
nos da pol icia. O asphalto d a Avenida resoa-
va sob as patas dos animaes em galop~ pre-
cipitado, c os s oldados avançaram r apidos para
dispersar os turbulentos manifestantes ...
Justamente a essa hora, o g igaptesco Cap
Arcona deixava a amp lidão fo rm idave l dos infi-
nitos horizontes do Oceano Atlan t!co, e rompia
a entrada da barra, deixand o á esque rda o ainda
mais !,>igantesco rocht:do do Pão d' Assucar, a
etern:: scntinella vigilante da maior e mais bella
bahia d o mundo, para lan çar ancora quasi em
frente ao novo Mercado da cidade.
O espectaculo qu e aos olhos dos estran-
geiros recem-chcgados apresentava a bahia de
Guanabara era admiravcl de pittoresco.
As leves, apes ar de bojudas, barcas da
Cantareira, cruzavam·s~, atop ctadas de passagei-
ros, na azafau1a de seu scndço de eomm unicaç<ies
entre a capital do Estado uo Rio c a capital da
Republica, por sobre as aguas rchrilhantes d~
myríadas d~ fulgu rações reflectidas do s o l. Bo-
tes minuscu los, movidos a e lectr!cidade, lalll:has
a vapor ou a gazoli na, re bocadores pesadões ·~
lêrdos, movendo-se co mo que numa scena de
magia, uns lentos, outros vertig: nosos de aço-
damento, outros ainda, ora apressados, ora numa
espf-cie de somnolencia, parencendo condensar
toda a energia no atrôamento estridente das s:-
renas e quas-i soturno dos rug.idos roucos das
\'alvula.~ abertas, em meio aos nove!los torve-
linhades das neg ras ondas de fumo que lhes
esco.pavam d os tubos e ncarvoados das chaminés,
todo esse seenario phantas tico de nd peque-
ain~t-> embarcações celer es, a corre rem pela su-
perfidc encarne:rada das agu as, e, ao alto, o so l
a dardejar g lorioso os se us raios d e ou ro em
catadupas, po l\'ilhamdo o ar de um a especie de
pequeninas borbo letas luminosas, quasi um a p11l-
verização de s6es , que davam irrad!ações es-
tranhas ás g aivotas al igeras, a mergu lharem , de
quandc em quando, nas aguas, em busca do
alimen to predilccto.
Era a \·ida, a vida i·nkns a e febril, que ali
em plena bah ia \'ibrava, com a mesma intensi-
tladl· de febre com que se desenYo l via nas am-
plas avenid as e nas movimentadas arterias da
gr~.nde capital.
Um possante couraçado ín g-lez, urn ~.~ sbe lto
crun:dor allem ão, d ois vasos de g uerra itaEa-
nos, tod os em contraste com o ambiente mo\'i-
menlado, silenciosos e graves, comp letaYalll o
quadre surpre hend ente.
F <1scin ad os diante de belleza tão adnúavel,
sentindo o sangue q ue lhe~ co rria mais impe-
tuoso nas veias, fazendo-lhes bater mais aprc5-
sadas as pu ls ações, os bras ileiros, qu<! Y:aja-
Yam no Cap Arcona, aspir avam a largos haus tos
as brisas caridosas que sentiam virem balsa-
mica~ c reco nfo rtantes da patria amada.
Lançada a ancora da prôa, requin tou-se em
quasi formigamento o atropelo em volta ao trans-
atlantico. Os catrae.iros, equ:l ibrando-s e com pro-
díg ios de acrobac:a, de pé, sob re as banquetas
de seu!' bar cos osci ll antes, invecti,·ando-se ás ve-
zes vio le ntamente, quasi abriam conflicto, ans iosos
cada qual por mais se aproximar d a escad:lha
do portaló, por o nde desce ri am os passageir os,
logo que o medico d a Saude d o P orto c o re-
presentante da Polk ia franqueassem o nav!o.
Aqui e ali ·um choque brutal en tre do:s
b ote~, palavrões asperos que S<! cruza vam entre
os maritimos, como punhaes arremessado s, c lo go
a seguir momen taneo silcnc!o, immediatamcntc
rompido d ali o u daqu i :
- 0' patrão! a Flôr da Esperança.' - A
Gaivota ! - - Joarma Maria.' - E m cinco minu-
tos no cáes ! - Ra ios te partam, que rne arreben-
tas o remo! - Não m'o p uzesses a entravar! -
Abn·! Ali ten ho rassag-eiro! - 0' r atrão7:nho,
já lá vae a Luria! Afasta 1 -·· Ora, recua o
teu, si pódes ...
Papae ! - excl amou re pentinamente Ju-
dith -- ali vem mamãe ! . .. c Dulce .. . olha ...
c Carlinhos .. . Mamãe ! .. . oh! mamãe ! ...
De uma lancha elega nte, evidentemente dtl
Alfandega, responderam alvorotados e joviaes á~
exclam ações da joven, elllquanto o dr. Co sta Bar-
ros, que não tin h a quem o esperas,;<: 110 Rio ,
se sentia profttndame ntc cmocionadu d !antl' da ~
scen<.<; e ff us.j,· a~ de ternu ra <' al egria que pn.:-
senciava nesse bc llo quadro de reent:o ntro.
Com difficuld ade a fa111ilia do ~.:omm c ttda­
dor conseguiu dcs\' enci lhar-sc da con fus ão dos
barcos, e fazer apr1 lXÍl1L ar sufficienkmcntL· a lan-
cha da pequena escada levadiça. Suhiram-n'a nu m
;ítimo, e precipitaram-se todos no,; braços de Ju-
dith c do commendador, qtt l' j<í os aguard a,·am
tremu los d<: impacicnc-i a. As lag-rimas, abençoadas
lagri mas de alegria, brola \' atn dus ol h0s com-
mo,·idos. sem que n;:s_.:;a dfusâ l> ,·ibrant;· dt
amor e carinhoso juhil o, que fr emia em qu<Jsi
convu lsi\'C)S abrac.;os · <: beijos, f,i;r.:o;s{'lll 111 <>'-'S::l os
curiosos olhares. taln~z indisr rctos, dos <krnais
passageiros indiffercntes ...
E mi I pergun tas a um mesmo 1empo . . . t:
r iso ~ .. . Novas lagr.i.m as jubil osas .. . Mai s per-
guntinhas insistentes. . . exclamações . .. avisos .. .
novos abraços, novos be ijos ... Evidentemente,
era aquella um a famíli a abençoada! . ..
Passados os primeiros transportes, o colll-
mendado r Marcos part-iu em busca de seu recente
amigo. dr. Costa Barros, e trouxe-o a apresen tai
á família. Fosse pe la satisfação de que se ac ha-
vam todo:; possuídos, fosse porque a f igu ra gen-
til do jo\'en ad,·ogado logo captivassc todas as
sympathias, o acol himento foi cordialissimo, da
rnes ma fórma por que rf." tribttidos os cu mpri-
me ntos.
<>lhe. minha 111ul hcr, qlleir;l 11111 i t o ht' lll
"'Ó 71 1.'::7>

aqui ao d outo r. E111 ~ itlla t;à<"l hem cr.itica, ellc


me sal\· ou a vida !
- - EstiYcsk em perigo ? M eu Deu s do c(·u !
M as corno f oi isso? ...
Esti,·e. Depois contarei como foi. Mas
agr adu;am-l hc a dle o estar e~1 aqui e n tre vocês.
Oh! s r . t·ommcndador! Não conti núc a
C<illfundir-mc desta maneira! - jnte rp ô7. o dr.
Cost<: Aarros, coon s ince ra c c.:ortez modcstia. -
Eu absolutamente nada fiz qu e . ..
O Si nhá, com o na intimid ade c h am a vam
ern casa á senh o ra do c o mm end ad or, não de:xou
que I• jovcn terminasse a phrase. Com ambas
:ts mãos, tnrnou-lh l· ag-radeci danJente a dextra,
apcrt ou-lh'a l'Olll a cxubcr an cia g ratiss:111a de
tod o o fen·or lfllC lh l' inspirm·a o co r ação sen-
~ibili zado . Si ess a manifes t açã o d e am izade c
gratid ã o cnc il ia de co nfu~iio o co ração do jo -
\'ell adyogado, aiuda m <!is se s entiu e l lc preso
de indescriptive l l'nl~io qu and o viu fixos nos
seus os g randes o lh os profund os c negro da
mo(a __ . o lhos largos e doces, e e loq uen tes, q ue
tão be m sa biam falar, e que ali cs taY am agora
falandn tão bem!._ .
Agradecendo, nã o se di stin guiu o d n utor IH I
espírito. A COIIIIllOÇà CJ em ba rg ay a-l he a voz . ..
balbt:cia\·a com um col legia l, c o p t<imo lh e f oi
qu e C arl in hos, com a natu r al travessura d e seus
12 a nnos, ti,·esse a idéa de e mb arafu s tar á cata
de desco be rtas, Colombo m in-usculo, e co r aj osa-
mente se embren hass e pel o mundo desconhecido
d os tomh ad ilhos e corredores d o Cap Arcona ...

Uma ho ra de p ois, atracava ao cáes d.o P ha-


ro ux a lancha que conduz.ia o c-om mendad.or
M arcos de Castro, s u a fa m íli a rejubilan te de ale-
gria e o dr. Costa Barros, q ue se não p ode ra
escusar ao cunvit{' para Jco mpan hal-os. Marcos
suprt• hendeu-st· um p ouco ao de parar-se-lhe ta-
matõh:l afflucncia ao cáes , e de certa ansiedade
que e m todos os n.J stos se estampava.
Ha aqui muita e xaltação de an~nws con-
tra os re ligiDsos expul sos de P ortu ga l - - res-
pondeu D. Sinhli ;í interrogação muda . de seu
esposo. - - Todos os co nvent os na cidade estão
guardados pela policia.
· P ap;tc --· interrompeu judith, nutll mur-
murio - ali vac ·no bonde o franciscan o que
veiu co mn osco a bordo.
Sim, vejo.. . Mas q11antas precauções
para garantir-se uma pessôa se faze m agora nc-
ccssarias neste n os so Rio , tão p ac ato! ...
E, de fa cto, era p:tra s urprchend er. Mal o
frade, consegu indo Iivr ar-s..: da onda incv .!rente
dos curiosos, que lhe es to rvav am o cam-inho, a os
coxixos de «Um expul so d e P ortugal!», conse -
guiu, pelo estribo, sub.ir a um bonde l: assen-
tava-se em seu logar, urna quasi leg ião d e guar-
das civis c pol-iciacs occupararn incontinenti os
outro.; bancos, para protegei-o.
E o trniJlwa_r partiu . . . segu ido, ;Í d:stan-
cia, pe lo automovel em qut• se fazia conduzir o
prGpr ío chefe dl' policia ! ...

--((0))--
VII

Em casa do commandador

a barulh o c ns mdccedo r no g-rau-


11 : 1!
LI:: patc(J do colli.:g-io dos jesui-
t<t s, á rua d'2 Sã o Clemc·ntc. Pu-
d es~cr u cllcs falar, c como res-
mtlllg"a r:arn zan g-ados os altos mu-
ros que o ccrca\·am, nas horas
baru lhentas d o r ecre io, admira-
dos da paciencia dos padres , que
os muros inlc rpre1avarn corn o uma csp<'<' k de
negligencia c perigoSoO laissez-/aire. Conr rapa-
zes, só o rigor qu adr a l>" •ll, c a t~ bell1 pwprio
é castigai-os a páu cli r::1111 u~ :dto s muros,
~i pudessem fa lar . ..
Mas esses padres 1 .
Effccti vame nte. tiveram os muros ma:s de
111na vez motivos de queixa, e ~ utii q ag-ora, que
o Nhéco, admi rado por todos os alnmnos da 2<~
divisão, por sua ro bustez e fo r ça, com ,·:go roso
pol!tapé atirára a grand-e bola co111 velocidade
tã o \'ertiginos a contr a a ala esq uerda dD etEfi-
d o que 11cnhunr dos jogado res de joof.f,a!l 011-
""Ó 71 t..,.,

sou enfrentar-lhe o irnpdo ! O grande muro pa-


reccll estre mecer com o choque, emqu anto a
g-ritaria dos r apazes recrudes ceu , aprec:ando ell es
todos, enthu~iasmados, o combak do spori da
moda, que S(! tornava cada \TI. mais ren hi do c
\'ir,lentn.
Subitu, quandn mais acccsa ia a luté! , o pa-
dre prefeito fn. cor11 a mão um leve gest o, e,
instantane amente, tud o parou; até o prop rio Nhé-
co n ão o uso u termin ar o mm·imen t<• iniciado
com o pé cont ra a bola, que ia nova,nente ar-
reme&sar a rom per n goal advcrs ario.
Esse s jcsu·itas s abem f azer-se obed ecidos!
O p are dão, que ainda ha pouco, si pudesse, t {.'-
ri:t resmun g ado ra i vo~o contra os padres, agor;t
desejaria fal ar, mas para fazer ju stiça CKJ p:L-
drc prefeito, que le ntamente scgu·ia os rapaz es
p ara a sala de estudo.
Ca r linh os nã o en trou. Send o es~ o se-
g u nd o dia do regresso d o pat· c Ja innan, de-
pois de t ão lo ng a a usen cí a, obti.vc ra licença
pa ra retir ar-se d u coll egiP logn após o re cre:o .
Deixa nd o o pateo, di r igi u-se rap.i<lo atl- á es-
qui na proxim a, onde tomo u o e lectr :co; dez mi-
nutos depois, t ra ns punha (l portão d'.J ei~gan tt
p alacete que seu p ae fizera construü em Bo-
tafogo, onde ag ora se otn·ia, enchendo -o tk u111 a
a k g ri a confortado ra, a ,-nzinha delicada e a o
mesmo tempo e loqucnk de jud ith, que co nti-
nua\'a a narr ar á mãe c ;í irm an as impr~s;;ües
que sentira e as rlo,·idades qt r:: (lbsen·á ra e m P a-
ris, e n. Bruxe ll a s, e m \Víc~bad en, 11 0 Rh en\l . . .
peripecias da viage m ... a série dos mil n ad as
que par~cem todos interessantíssimos, quando ou-
vidos de labi{'ls que ridos, íjU C t ão longame nte
se haviam co·nservado au sen tes.
A.· du as attentas o uvintes c ra.n insaciaveis.
Tudo lhes parecia de u ma impo rta.ncia exce pci-o-
nal. Não se f atig av a m de c ont e mp lar, e mb ~ Yc­
cidas, as fciçõc,; linda<; e q ueridas da irrna n, a u-
scnt<: 5 longos mezes, oh' 5 secul os ! . . . e q u e
~lliÍina\· am-sc tk \·ida ~- e xpressão no ent husias-
mo da narrati\' a.
A s~nhora do corn me ndad or nii () retcbera
:1 ll!csma aprimorada educação qu e sou bera dar
a s uas fil has, qu e haviam appl icadamente cur-
sado as aulas do importan te coll egioQ de N. D.
de Sion, em P.:>tro po lis. Si, p orém, n ão t inh a
:tq t: c llcs brilh os que a e d uc ação e instrucção es-
ltH:r adas s6cm emprestar ao espí rito das sen ho-
r:t s, tinha clla, com o co mpe nsação mil vezes
\ an t<: josa, ltllla cxtrem:> .: extraordinaria bondade
tk coraçã o . que nã o mcd:ia sa crifícios, desd<: que
q u:!lqucr dcll cs res ultasse em bem dos fi lhos,
qut: desvehdamet.tc amava.
Ah! mam à~.: , si ti,·c sses id o comnosoo,
c tivesse,; visto tudo o qu e vi! .. .
Tu bem s:~ bcs, filhinha, que me n ão
bltou vontadl' de ir c,,m voc ês; m a ~, com a mo-
k s t ia de Carlinhos, era imp ossíve l.
-- Se: ; mas foi pen a. Si ao me nos papae
nã o tin~ ss~: sido o brigado a f aze r a vi agem
justamente quando Carlinhos en trav;t em co m ·a-
lcscc nça !. . . T;:r,ja,nos 1do todQS, não er a tão
hum, Du lct:?
O h! si e ra ! Mas t:ll 11ào pod-ia d eixar
mamãe sózinha com C ar linh os ...
- Ah! sei que t en ho q ue agradecer-te,
Dulce! E ras tu que ti nh as d irei to de ir wm
papac, porque és a mais ,-;: lha, c , n o e ntanto,
preferiste fi car para que eu fo sse, po rque sab!as
qu e desejo arden te c 11 t inha ele conhecer a Eu -
ropa.
- O ra, Judi th! Fiquei de mu ito bôa vo n-
r:td~·. Não ·e stavam sempre co rnlll igo a b ôa ma-
,n ~k e Carli n hos?
Judith não respo ndeu . Bem sabia qu e a
irman tam bcm desejaria ter id o, mas que re-
nuHci;1ra a viagem <i Euro pa, p or saber q uanto
a mai s nova ardia e m des~ j os p or ~r. A moça,
ag radecida, e sem uma p al vara, ergueu-se e , com'
urna meigui ce infinita, enlac;anclo ca rin h osamente
o busto da irman com u br::Jço ._:squertto , corn o
dircitll voltou-lhe a cabec:nha formosa e pousou-
lhe na testa um franco c gratissimo be: j o fra-
ternaL
F oi nessa occasí ão que entron Cart:n hos,
que logo, jub:l oso, se atirou para Ju (Lth, ab ra-
çando-a com cffus;1o, em que se revela va quanto
saudosa para o menino tarn bem f ôra :1 ausen cia
da marúnha.
- C:on ta-m e tam bcm a mim co mo aos ou-
tros, Judith!
- Mas, contar c que, Carlinhos? Já disse
quasi tudo !
-··· E', contou tudo cmquanto eu tive de ir
aborrecido para o co llegio ! · -· que ixou-se o ra-
pazc lho.
- - Aborrecido~ riu Du Ice · - Tu que
não páras nunca em casa com o tal fooi-ball .. .
Isso é outra coisa; o collcgío não é
máu; o que pre judica são as lições e os es tu-
dos ... O recreio é esplendido ... Sab"? --· com-
pletou, inflando o peito, orgulhoso - o Nhéco
disse hoje que, depois d;: lle, era eu o m::llwr
foot-baller do collegio!
- Ora veja! Grande honra, não ha du-
vida ! Aposto que isso tt- agradou mais que uma
bôa nota em aula'
-- Natur almente! .. . Po r que te ris?... As
moça ~ nào percebem di-sto .
-- Não; mas o q ue pe r cebo é que na tal
luta de bolas sah:sie mal f~rido: faltam do!s bo-
tões á blus a, e ... nhts , \'e:jam só! ... que ras-
gão eno rme na manga!
-- !sso não é possive l e vitar.
- Vá d·izer á Phil omena que cos:t isto
intervt>iH severamente a ve lha sen hora.
P hilomcna não póde, mamãe; está na
cozinha.
Está bem, -- disse Dulce \'ou coser
eu mesma.
- · Não va i{· ;, pena repontou () reque-
no. -- Ninguem repara! Quero ouvir Judith con-
tar a viagem!
_... Nã o, Carlinhos - ins:stiu Dulce com
serena autoridade ·-- ainda mesmo que não es-
pcrassemos visitas, não pod:as ficar desta ma-
Jwira, e muito me110s na s ala.
Por travess o que fosst', Carli nh os não ou-
sou replicar. Effect·i\·am.:nte, a :irm an mais velha
exercia sobre o petiz rna:or autorid ade do que
a propria mãe. O pae, comtanto que lhe não fal-
tass<'m gravcmt•nte ao respeito, nã o se envo l-
vera na educação dus filh os, nem se preoccu-
pav'l muito com <<esses negoci.os;>, como d:zia.
Foi as.sim que Dul cc, pouco a pouco, se foi.
constituindo a educadora do irmão caçu la, não
como irm;m, lllas co mo verdadeira mãe. T odos
os cuidados a respeito do men:no tornára-os
ell a sobre si. Ning-ucm poderia imag inar que
aqucll <t jo\·cn, apparcntemeute ião franzina e de-
bil, ti,·esse em s.: tan ta dose de energia e von-
tade. E , apesar dessa f ortaleza de animo intran-
sigente, ou, talvez, por isso mesmo, não tinha
um u nH~o inimig o ou desaffecto, nem mesmo des-
3ffecta. E que m pela p rimeira vez a v ~sse, ir-
n ·s isti,·clm e nte sent:a-sc dú! llin ado por um sen-
timento cstr:1nho d e a ttracçào impcr :osa, que, 110
entanto, a moça só exercitava com a magia mei-
ga do S·<:U s orrisr~. E' que Du lce sabia sorri:r,
dum nwdo unico, como unicas em g raça eram
3:; dua~ covi.nhas fcitic<'iras qu e quasi s-empre
se lhe ah r::un na face, a lhe darem um enca nto•
especial e alt: gTe em seus frequentes momentos
de expansão commu nicativa. A moça era um
typo perfeito c encantador de g-raça c de bon-
dade cxcepcionaes. Vestia-se, além d!sso, com
gosto, mesmo com arte, si bem que f ormalmente
detestasse toda c qualquer os ten tação frh•o la ou
pretenciosa.
Queri<.la, extremamente querida, era-o Dulce
na sociedade, mas não o e ra menos entre os
pobres, em soccorro dos quaes empregava g ran-
d~ parte 1.k seu h'rnpo de todos os dias. M as d(>S
sacrifícios a que, muitas ve zes, se su jeitava a
caridosa menina, só me nte sua mãe t:nha no t icia.
Por vezes, mesmo, che g ava a censu rai-a p or sua
ded icação aos pobres, qu e Dulce lnava aos ex-
tremos de uma paixão; aconsel h ava-a a que se
poupasse de tantas f ad igas, e q ue s~ entregasse
com mais moderaçã o á pratica da car:d ade; ra-
lhava-lhe me smo, mas , no int imo do co ração,
adm:rava a filha c tin h;~ por c l la mais que un1
\'ehcrnente am o r materrw: t inha- lh e re s peito ...
Entre a pobreza, Du lce era venerad a co-
mo um<;. santa. Em qu a lquer di fficuldade amar-
ga, quando a ming-ua de re cttrsos ou o temor
de desesperança alanc2<wa zJs coraçôes e como
que desvairava a cabe ça, era clla a salv açã o
almejada:
-·-- Corram a chamar D . Du lce ! A bôa me-
nina providenciará.
Os medicos, que fr equentement e a encon-
travam solicita j unto á enxerga d e seus enfer-
mos mais p obres e mais aban d on ados de todos,
tinham u ma ve rdadei ra eshna e s ent iam uma
sincera ad miração po r a~lu c llc anjo da car!dadc,
de urna dedicaç ão inqn:.:lJ ranta vel.
Assistiam, m arav:Ih ados d e tamanha bonda-
de, ao e spectaculo e d ifi cante dessa joven gen -
tíliss:ma~ filh a de fam ília rica, p re ndad a d os
ma is li ndos dotes de educação e instrucção, que
se ent reg-ava sem rc luctan cia nem hesitação aos
mais pesados m is téres na casa dos seus querid os
pobrezinhos - como lhe s cham av a -- p roced·e n-
do á lim peza dos aposentos, oncl·e, ás vezes, ago-
Llizava u m m oribundo ; levava o requ:ntc de seu
amo;· aos infelizes ao ponto de lavar em t!nas
grosseir as e com as suas mãos p atricías as rc>u-
p,'!s das pequen inas c.reanças d os lares, o n ck a
mokstia c a miser:a penetravam!
Era de vêr com que solioih1de, na verd a de
angelica, Dulce se cu rvava, carinhos a e doce, so-
bre o le ito do enfe rmo, a dar-l he o s rcmedios
rigoJO!.amentc á h ora Jll arcada pelo medi co, pro-
curaqJdn, com s ua graça toda especial, alliviar
a an gustia das f <~ mi l!as desgraçadas, e m cujas
m a m=arda~ lo breg-as e ntr ava como um rai o de
luz, co mo be111di to anjo tu te lar.
(.)11 a11dn nos salões d o palacete de seus paes,
ou nos da s fa,uil ias de suas re lações, Ou !~ se
movi a tà{ • facil ~ . cg-unnn ente, como si j á mais
outra coisa holl\·esse f~ ito em toda a su a vida
sinão d ar e frequ enta r recepções e lcgant·es. Apre-
ciava immc nsamcnte a palestra, embora não h-
vessc sua co nversação o brilho estonteante da
de Judith, cujo es pid(J, nw·is irreq uieto, encon-
trava deli cioso e ncanto qu ando consegu ia e mpe-
nh ar-se em 11m a discussão anim ad a e brilhante.
Um a coisa era ger allll en te notad a p o r todas
as pessôas que fr.:qu cntanun o s salõ es de seu
pae : estando Dulce presen1c. ninguern $e atre-
vi a a p ro nu nciar a mais leve incon venicncia.
Por mai-; franca me nte ex pans1\·a q ue se mostrasse
sempr{', jámais pe rm ittiria qu alquer fam ili aridade
menos co rrecb.
Os mais iu t:m os, de vez e m quando, jul-
gavam descobrir-lh e ass im com o que urna es peC:c
de sombra de um desgost o o ccu lto. Q ue seria?
Algum caso banal de amor n ão correspondido ?
Seria isso possh·ei em joven tão realmente fo r-
mosa e occup an d o posição social tão in vejave l ?
As duas irm ans, que, juntas, soffriam pelo
mesmo m oti vo, e r am as u ni cas que tinha m a
chave d o mystedo, e mutuam ente se compre-
he ndiam . Foi, pois, curn ansiedade , que, no pri-
mei ro momento em que conseguiu e ncontr ar-se
a sós com a irman, Dulce interrogou- a:
-· Tens ainda esper anças?
..- Tenho uma bôa noticia a da·r -te. No d:a
de nossa partida de Lisbôa, quan do estava dl e
muito affi.icto, imagina o que me v eiu pedir,
Dulce ~ . ..
Q ue foi:) Dize, d ep ressa!
- Veiu pedir-111(' que fosse rezar mu.íto
e muHo!
--- Graças a Deus! - com um largo sus-
piro de :tlliv:o exclamou Dul ce, que no pedi<lo
do pae a Judith descobria um:1 scentclba d~ es-
perança, a grata esperança de que um dia dei-
xasse elle de ser maçon e se tornasse um ca-
tholico praticante.. . Nem a propria mãe das
duas jovens suspeita\'a quanto se prcoccupavam
e se magoavam ellas (bm!e da ind!ffcrcnça re-
ligiosd do pae.
E elle? ... Via muita co~sa, o h ! via; mas
affectava não perceber nada ...
O commendador e seu hospede, que tinham
descido á cidade, vo ltavam nesse momento para
casa.
En controu cartas no correio, doutor? -
interrogou Judith.
·--- Felizmente, minha sen ho ra. Estava afflicto
por noticias.
Que, g rac; as a Deus, são hôas ; não é
\'crdade?
Mi·nha mãe, felizmente, vac mu it o me-
lhor, quasi restaoclecida. Ella mes ma me escre-
veu, mas dil. que minha innan adoeceu devido
á fadiga do tratamento, que a prostrou ... Ella
é tão dedicada á mam ãe!
---- Faço \·otos para que não seja coisa de
gravidade, e qu e, na volta, o d outor as e ncon-
tre de p erfeita sau de.
- Me us votos são os mesmos, dr. Bar-
ros ·-- secundou Dulce, qu e accrcscentou - e
de muito bôa vontade H1ll p edir por cllas a
Nossa Senhora.
Si outrem hou vesse falad o em o ra~·õcs na-
quelle instante, talvez o dr. Costa Barros hou-
vesst' respondido com alguma pilheria. No ;:n-
tanto, agora, nada lhe parecia mais natura!: tra-
tava-se de sua m ãe e de sua irman, e a voz
que f:tl~l\·a p artia de labios fHTt<:ncentes a qué,lll
já desde bordo lhe des pertára viva e esponta.-
nea syrnpathia.
S'yrnpathia. . . apenas?. . . O joven advoga-
do nem queria pen sar nisso, mas a verdade é
que antes de conciliar o som1w, á noite, nãio
pôde deixar de confessar inbnam::ntc:
- Não h:1, e m todas essas Franças c Alie-
manhas, como as moças brasi leiras!
E quasi nem usou o plural ... Toda a noite
sonh ou com uns lindos ol ho s, grandes e elo-
quentes, com umas covinhas rison has, e um oor~
ris o de anjo, e uma voz.. . ah! um a voz mais
melodiosa e mei ga do que todas as que ouvira
até então ...

--«0»--
VIII

Em pleno campo

esd c que lhe morrera o pac, o


dr. Cost<l Bar ros f i zer a te nção
de arren dar ou \" ~ nder a fa zen-
d a, que lhe ficá ra no planalto
de Santa C:ath arina, have odo rc-
sol\'ido fixa r rcs:dencia co m a
mãe e a irman na capibl fe-
deral, o nde conseguiri a U111a collocaç ao vanta-
jos a ou exe rceri a a ad \'ocacia. Su a mãe ~Ta Co-
ri oca, e, longe d e se oppôr ao desej o do filh o ,
animava-o, contando que algun s p a re ntes lo n-
ginquor, co ncorressem para des bravar o caminho
á vi da d o j oven chef e de f am íl ia.
Nu nca se dér a clla bem com o clima as p~ u1
do campo, aq uellas bruscas mudanças de te m pe-
ratura, pri ncipalmente o inve rn o, em demasi a ri-
goroso. O que apenas de no me con hecera em
mo ça - o gelo e a ne ve - vier a vel-o e se n-
til-o n o campo, sem que wnt.ra a calamidade a
cas a a protegesse, como protege , na 'Euro p a, ás
p opulações. No entanto, apesa r de extrem ame nte
fraca, cumu s.:nq>rc to1, sobn~vivcra ao marido
idolatrado, robusto filh o das plagas catharinen-
ses, c que, quando estudante, a lcvára para a
fazenda paterna.
A viagem de estudos do filho á Europa, pro-
jcctada ainda em \·ida do pae, fôra adiada por al-
guns annos, devido aos multipl os affazeres na
fazenda de S. Januario. que sobrecarregavam de
occupaçües o jovcn. Só dfcctivalllcnte se reali-
zou mais tard e, quan d<) o nwçc' bacharel fazen-
deiro cpnsegui11 preparar ;1~ coisas ele fórma a
ficarem tranquil!as sob a checção do fie l ca-
pataz, o velho C:yrino, homem mele e sempre
em conflícto aberto com as regras ela etiqueta,
mas realmente probo e d otad o de um coração
de ouro.
D. t lelena c sua f i! h a, a Uertrudes, resol-
veram que, duran te a ause ncia do filho, per-
maPeceriarn na fa zenda , do nde transfeririam a
residencia para o R:o sóme nte quando Antonio
rcg1 cssasse da Europa.
Por ess<: tempo, o inverno fôra inclemente
em todo o campo. De Sã o Joaquim da. Costa
d:t Serra vi nham notic! as de repetidas e abun-
dantes geadas, que, sobretudo nas plantações ,
causavam pre juízos considerav eis. A nev e era
tanta, que sob seu peso chegavam a qu~brar-se
os galhos dos pi nhe iro s. As mattas, em segu!da
ás 11evadas, deso lav am-s e, co mo si por ellas hou-
vesse passad o um tufã o. O temp o, frio t.• humido,
em toda a zo na causára a morte a innumeras
rezes, enregeladas no s pa ntanaes . Durante sema-
nas inteiras quasi por co mp leto s e interromperam
as commu nicações com o litto r al. O estafeta
p os tal úe Flo ri an opolis chegá r a a Lages com o
atrazo de tres dias, e vez h ouve em que se
:ltrazo L: quatro. Algu mas t ropas de gad o e cargas
viram-se forçadas a estacionar á s duas margens
do C aet hé, sem consegui<em transpô l-o. Escas-
seavam os p astos, e ve lhos trope iros experi-
mentados, tiritando de fri o e encharcados até
aos ossos, apprchensivos, consideravam o futuro,
receiosos do que lhes reserv ariam os dias vin-
d ouro;; . ..
O vigario de Lages c seus coaujuto res,
todos religioso s franc·!sc anos, mais que nunl:a
eram chamados a d oen tes c111 estado grave, e,
por mais que á~ mortificações estivessem affci-
tos, percorria-os um calafrio() doloroso quan.do,
sob o penctrant ~ e int ~ nso vento frio do sul,
de enregelar, viam-se forçados a viaja~· leguas
e Jeguas, para levar conforto a algum pobre
enfermo distante.
Na humilde e pequena cozinha d.o con-
vento achava-se proximü a·O fogão Frei José,
aquec-endo os lllembros gelados, por não o po-
der fazer na cella, desprovida de estufa. E feliz
era elle em conseguir algum saudavel calor-
zinho, quando todos os demais rel~giosos, á
excepção de Frei Adolpho, um po uco adoe-n-
tado, achavam-se fóra, martyres do dever que a
vocação lhes impunha, arrostando a to rmenta
e o frio. Como sabia bem aquelle de licioso
calor do fogão em dia de tanta tempestade! ...
Oh! um tempo para ursos, aquelle! E era
urna verdadeira delic!a para o pobre franciscano
aquellc cantinho modesto de cozinha, onde podia
aquecer um pouco os membros entorpecidos pelo
frio .. .
Mas. . . pobre Frei José ! Ainda !a longe
o fim do dia!.. . e fóra se uuvüt de subi to o
tropel de duas mulas.
-- P o bre tropeiro! -- murmura o frade,
- pobre trope iro, que tem de viajar com um
tempo dest es !
O tropel cessa. Poul:O depo is, retine vibran-
te a campainha da porta.. . Frei José estre-
mece ... Agora, era o que faltava! ser chamado
á cabeceira de um doente com uma geada da-
quellas! Quizesse Deus que não f osse isso!
Não se enganava, porém. O porteiro appa-
receu:
--- Está lá fóra um homem que pede um
padre para uma doente ...
····· E para onde?
- Para os fundos do Capão Alto.
- Min ha Nossa Senhora ! Para os fund<ls
do Capão Alto! . . umas cinco leguas bem pu-
xadas! . . . E' para morrer-se de vez !
- E diz que ha pressa --- accrescentou o
Irmão porte iro.
--- Pois, ell vo u. Diga ao Irm ão Mauricio
que encilhc a mul a. Vou engolir ás pressas
qualquer coisa, que não posso esperar pelo jan-
tar, emquanto o mensageiro póde tarn bem comer
algt!ma coisa . . . Apre ! Que tempozi.nho hor-
rível' ...
Quinze minutos depo!s, já eram 5 horas
da tarde, Frei José, acornp<~nhado pelo rapaz
qu~ o viera buscar, diri giu-s e a trote largo para
o Capào Alto. Envolvera-se o mais possível no
g rosso po11cho azul escuro, corno é de uso em
todo o campo do sul, mas assim mesmo o V{.Y~to
frio c penetrante parecia feril-o até aos ossos.
O co mp ;mhdro, já todo molhado, tremia da ca-
beça aos pés; não hav ia tardar muito que cto
mesmo modo ficasse encharcad<l Frei José, com
a chuva impied osa que já lhe atravessava o ha-
bito e lhe corria pelos canos das botas altas.
A estraJa, já de si detestavel em tempo
secco, estava ag-ora quasi íntr::JJnsitavel. Aqui um
g ran de buraco ameaçador, ali uma bar reira ca-
hida e transformada em lameiro; ma~s adiante
um ato leiro, o nde as mulas negavam-se a passar,
teimosas e cmpacantes, máu grado os incita-
mentos encrgicos dos cavalle iros. Ma:s além,
ponte~· estragad as, oscillantes, ameaçando ruína . ..
agora, um cam i.nho mais l:so, escorreg adiço, para
seguir-se novo atok·iro .. . Peior qu e tudo isso,
porém, com a queda da noite, seguiu-se uma es-
curidâ(• completa, que mal permiWa ao padre
descortinar o vu lto indeciso da mula tordilha,
que lhe trota\'a á frente, guiando-o.
H aviam já trot ad o 11 111as quatro leguas, quan-
do o proprio, avisand o o padre, aban don ou a
estrada para se embren h ar na matta, seguindo
um a estreit a e si n uosa p:cada qu e, em plena luz
do dia, mal se p oderia acompanhar, c agora, á
noite, era quasi impraticavcl. A cada instante,
os ga lhos fri os <:- humidos das a rvores fu stiga-
vam o r os to au sacerdote. Alguns ramos mais
fortes ubrig;l\·am-n' o a deitar-se sobre o pes-
coço do anim a l, para evitar ttm g-o lpe perigoso
contru a cabeç<L Os a.nimaes já qu asi se nàu
ague nt avam, de c ans ad os ; grossos troncos de ar-
vores, c;~ h iuos e atr av essados na picada, força-
vam-n'os aind a a esforços maiores, e elles, afi-
nal, venciam o obstaculn a custo, levantando per-
na po r pern a a vence i-o.
Os c;~va ll ei.ros dav am de esporas, a apressar
a marc hn pe r igosa, p ois, p or m ais imp raticavc l
que f<,sse o canünho, e r a preciso apressarem-
se, que a d oente estava ma l.
Seria por volta de 9 1 / 2 da noite, quando
o g uia se nJltou para '' religioso :
- Agora já estamos pc rtinho, sr. padre.
Graças a Deus ! ...
Uma longa hora escoou ainda até que
fosse tra nsposta a porteira tlu rancho, pa ra o
qu a l hadam ido cham ar o fra de. Frei José,
que n ão trazia o Viat:co, mas tudo o que era
preciso p ara cele brar a san ta Missa, apeou -se ás
pressas. ind ag-and o d a doente.
Mo rreu já lia d uas ho ras. sr. Pad re ...
O sac<:rdote sentiu-se \'i brar como si ti-
\Cs se recebi-do um vio lento choque clectrico.
Tudo e m \' ào. .. Chegá ra tard e . .. E n a sua
dt:solação nem se apercebia qu e a c huva, ago-
ra mai; g rossa, cont·inuava a escorrer-lhe pelo
habito abaixo.
- Mas en tre , sr . padre. A hi na chuva não.
póck ficar. O lá, Cyrillo, desarreia os animaes,
esfrtg;t-l hes bem o lomb o c cond11zc-us ao po-
treiro 1
O padre entrou. O rancho tinha uma unica
sala, na qual jazia, coberto por um lençol, so-
bre doi.; bancos rudes, o cadaver de urna mu-
lher, ladeada por al gumas velas de sebo. As
toscas paredes de barro deixavam-se atravessar
pelo vento ululante, e a co berta de fol has de
palmeira achava-se crivada de goteiras, por on-
de as aguas da chuva cabiam quasi que corno
lá fóra .
A f amí li a toda, o viuvo, quatro filhos c
uma irman da fallecida, assentavam-se no chão
em derredor ao fogo da cozinha, depend encia
do rancho, e de vez em quando entravam neste
a aparar o pavi·o de uma das ve las fumegantes.
Frei José olhou em volta, a vér si desco-
bria um Jogar qualquer onde recostasse o cor-
po moído e ansi<>so de repouso. Tinha que dor..
mir ali: voltar á noite, com os anirnacs exhaus~
tos, ou procurar siqucr outra pousada, era sim-
plesmente impossível.
·-- O sr. padre queira desculpar, mas não
lhe podemos offcrecer outro c"ommodo . Vou
preparar uma cama aqui a urn canto da sa la.
- Obrigado - respondeu o sacerdote
mas não se incommode. Faça-llle o favor de
trazer sómente os arrc·ios, que do resto me in-
cumbi.rei cu mesmo.
E Frei José, que já tinha prat:ca de situa-
ções ídcnticas, estendeu no chão a coro na e ou-
tros pertences do arreiat11cnto da mui a, esco-
lhendo para travesse·i ro a sclla. Tirou da ma-
leta de couro alguma roupa qu e fic:íra mais ou
menos enxuta, e ...
Dormir assim, a~l lado li ~ um cadaver! .. .
Era a primeira vez em toda a sua vida, mas .. .
desde que não hav ia rem c d~ o !. . . rect.:u um
guarda-chuva, abriu-o, ao men os pa,ra proteger
a cabeça das goteiras que contüntavam escor-
rendo . . . e procurou dormir . , .
Pela madrugada, depois de mttitas vezes
despert11do de 11111 somno ag-itado, frei Jos{- rw-
diu tllll;J. mesa qualquer onde armasse um altar,
afim de celebrar a santa Missa pela fall ec:da.
Ma s não havia mesa alguma apr ovci tavel. Ape-
nas encontr aram, depo is de muita procura, do!s
caixotes de kerozene que, collocados um sobre
o o utro, e compl etados por uma taboa curta
e estre ita, formavam um a especie de flltar , de-
masiadame nte ba.ixo c minusculo, mas que ha-
veri a de scrv·ir nesse caso de necess:dade. Frei
J osé retírou da mal a a pedra com as reliquias
p ara o altar, um a toa lha de linh o que dobrou
para que o altar f osse trip11 cemcnte coberto, e
tudo m:tis de que necessitava para a celebração
da san ta M:ssa; desprendeu a cruz de seu ro.
sario e dep end uro u-a na parede, po r não haver
mais espaço alg um no improvisado altar. Aju-
dante para a Missa não havi a, e elle mesmo
teH de resp o nder ás o rações.
A p rovcitou a occasião para instruir um pou-
co ás pessôas presentes, consolando -as, ao mes-
mo tempo, pel a p erda soffrida. Terminada a
Missa, ~ feit a a cncommendação do corpo, Frei
José torn ou um a c híca ra de café, e mo ntou a
mul a para regressar a Lages, acompanhado p or
J oãozi nh o, um dos quatro filhos da falleC:da.
Sabend o por es te, j á e m caminho, que na dis-
ta nci a de uma legua havia um a mulher po bre
enferma, resolveu fazer a vol ta para levar-lhe
os socco rros da sa nta relig ião, a!nda que lhe
não pudesse dar a santa Cornmunhão.
Effccti vame ntc, e m um rancho um pouco
menos m<Íu q ue aquel le qu e dei xára, encontrou,
bast ante doen te , a mulher d e um aggregado. An-
tes de conf essai-a procurou preparai-a e ínstruil-a
sobre os pon to s t!ss-:: nciaes da santa religião. A
e nfe rma parecia bem dispos ta. Ouvira o padre
com a maior vo ntade, e qua ndo este, acreditando-a
agora bas ta nte esclarecida, 'i nterrogou-a so bre si
sentia verdadeiro arrependimento, não hesitou
e! la em res po nder :
· · Sim. sr. padre , CLt es tou muitu arr~· r ~·ll­
dida de . . . me ha ver cas ado !
Pobre Frei José! Q ue re co miJH<ncfação para
teus fóro~ de cakchist a!
Teve de recomeçar ;ts instrucçõcs, até que
afinal co nsegui u prep ara r a pobre mu lher para
uma morte chris ta n. Só a santa C o mllnt uh ào
lhe não podia dar, p ois já IJ a,·ia cel e brado c n ã o
trazia o Viatico. Dirigiu-se por isso ao ma rido:
· ·· Si, o que cu 11ào es peru , sua sen ho ra
pe iorar, mande um p!·oprio á cidade , challlar um
padre que lhe traga a santa C Oili iHIInhii o .
O homem, talve7 por nã o qu e rer cansar
um de seus ani111ac s co m a \'iag en1 de l llll proprio.
insistiu para qtte o padre déss e a Communhào
á mulher ag ora mesmo.
- M as e u n ã o p osso. N ã o tro uxe o s anto
Viatico, e já ce lebrei Missa h oj e !
- M a s o Joãozinho não acurnpanlta o sr.
reverendo a té á cidade -~
Aco m panha.
- Está bo m. Ent ã o o Joâ ozi11 h o pôde tra-
zer a Co mmunhão para minha mulh er!
M ais uma ve z Fre i José t ~ v e de dar, por
breve e ligeiro que fosse, au la de catecismo
antes de proseguir ua volta para a cidade ...
t-laviam caminhad o cerca de legua c 1neia,
qu andl•, numa cncmzilh ada, \"ira m p ar a r u m ca-
bôclo que, além do ani mal que IIH.> nta\'a, trazia
outro pe la ré d ea. Fre i J osé te n · ••m prcse nt1-
rn<:nto, mas nada disse. C heg ancl u pro xi rn o ao ho-
mem, cumprimentou-o c ia passar ad ia nte, quan-
do o cabôc lo, um filho d o velho Cyri-no, o reteve:
- Eu vi m buscar o sr. rc vercndo para urna
doente.
- Meu Deus ! M as cu não p osso m ais de
cansado. Estou co mpletamen te e ncharcado ! Ve-
nh a você comm ig o á cidade bu scar ou tro pad re.
- T enha p aciencia, sr. r e vere ndo. A mu-
lher está muito ma l, e até á cidad;: é vo lta de
muitas leg-uas . ..
Mas o nde é?
Na fazenda São fanuario. na Coxilha
Ric d.
Q ue m adoeceu?
E' a p atr ôa, que está b asta•nt c ruim.
E Frr; José, por ma is que desej asse r e poi-
:.·!r un~ p ouco, apeou , ma>ndo u e nci lhar o o utro
<lni mal, I'O lt ar o J oãozinho, e segu!u co m o fi-
lho do ve lho Cyri.no para a faze nda São Ja-
1/ llario . a ass is tir e m co nfissão a 111 àt: J o dr.
A lllOlljf> ua Costa Barros.

--<U»--
IX

lo leito da dôr

ndubitavelmcnte, a fazenda Siio Januario


era urna das 111ais prosperas e bem tra-
tadas da Cochi lha Rica . .Possu:ndo ma-
g níficas invernadas, o gado, mesmo nos
mczes maü; rigorosos d o anno, co nse-
gui:! viver sem soffrer de mas.:aúan:~nte.
A fazenda era em grande extensão cortada por
um riacho e alguns corregos, e, além do mais,
tinha bons e extensos capoeirões. uos quacs um
deites junto <i casa de residencía, ao contra1-:o
do que se d ava em :autras fa zendas, na rna: o-
ria dellas.
O fallccidu Casim::.ro Bar ros não p oup<Íra
esforços nem dinheiro para transfo rm ar a he-
rança dos paes em um a faze nd a-mode lo. O Cy-
rino, agora capataz, que já ao ve lho pa:.: do
fazendeiro servira de pdo, ajudára ao novo pa-
trão com uma dedicação extremada, qu e parecia
tradicional n a fam!lia. Pela morte d e Casirniro,
a fazenda fico u mome nt an e amente d esl eixada;
mas o novo fazendeiro, o doutorzinho, como lhe
chamava o velho Cyrino, reve loll de pr ompto
geito e energia, c consegu:u, com a ajuda dv
fiel capataz, restaurar a faz\:llda ao qu<' era no
tempo do pae.
Cyrino amava sinceramente o patrão. ~ntia­
se apenas de que o doutorzinho tanto temp<l
dem or asse em dar á prop!'ied ad e uma patrêJa .. .
A propria mãe de Anton,io ficava por vezes ap-
prehensiva, notando que o W ho absolutamente
não cogitava em casar-se, e, pelo co ntrario, in-
commo dava-se com qualquer allusão que sobre
o assumpto lhe fosse feita. Teria elle fei to já
uma escolha em alguma de suas freque nt es via-
gens? Prova\·elmente nã o, pois nunca dcixára
de ser fran co com sua miic, e até agora nada
lhe confiára.
Tres semanas havia que cahira enferma
Dona ~iclena, ou, antes, que se vira f orçada
a procurar o leito, já que um tanto ou quanto
doente sempre estivera. C ham aram o dr. Sartori,
que fez ás pressas as 8 leg uas que de Lages
o separavam da f aze nda, receitou uma multidão
de rernedios e prescreveu um rcg-inten rigoroso.
Mas a doença não cede u, e n os ultimas dias
o estado de D. Helena se aggravára a ponto
de inspirar ser :os cuidados . A febre cada vez
nú.is a enfraquecia, e nào fosse a i·nexcedivel
solicitude da filh a, Tru.dinl! a, como lhe chama-
vam em casa, que jámais se afastára do leito
da mãe enferma, talvez já tivesse su ccumbido a
pobre senhora.
Frequentemente os f:J.zcndeíros da viz:nhança
mandavam pedir noticias do estado da estimada
senhora, c cada vez m:~.i s desani mad oras e ram
ellas.
Uma vaga impressão de tr-is teza pa:rava em
toda a fa ze nda. Os peões, co nduzin do o gado,
p:na o sal, n ão faziam o trabalho com aquella
mesma antiga e jovial presteza, aquella sat:sfa-
ção singela e bôa de outros tempos.
Si bem que houvesse recebido a santa
Ccmrnu n hão pouco tempo aules, por occasião da
festa de N ossa Senhora d os Praze res, padroeira
da matriz, O. Helena, com pre hend cnd o a g ravi-
dade da molestia que a afkcta\·a, e ncarregou a
filh:1 de mandar pedir a um padre da cidad~
que viesse confess_al-a.
O \'clho cap ataz, que n ão podia ir pes-
soalmente, porque ti nha de arrematar um ne-
gocio co m un s co mpradores de gado, d o Rio
Grande, e nviou o f,jJho, caval leiro destemido, e
que nunca deix ava de ass·istir ás corridas de ca-
vallos de 4 lcg uas em de rredor, e muitas vezes
tomar parte ne llas. O rapaz, es perto corno todos
os pequenos cam po n ezes, soube ern caminho que
um padre, na \·esp ra, h ayia sid o chamadü para
assistir á mulher do Maneco Braz, que se ach ava
a morrer, pôz-se então de espera na cncru~ il h ada,
onde sabia que forçosam ~ ntc h avia de pa~sar o
sacerdo te .
F rei j osé co n h{'cia a fazend;t e a fam1 1ia
do finado Casim :ro, e mais de ttma \·ez, ··indn
para Pelotas, o u regressand o de lá, pousára na
f azenda São Jan.unrio. Venceu, poi". o cansaço
e a f o me qu e o p r os1ravam, e o mal estar f]IIC
lhe produziam o pessim o tempo e a c huva !u-
clemente, para attcnder ao appel lo de D. H ele na.
Eram macis de 11 horas, qu ando o pad re t'
seu companhe~ro passara m pela f azen d a d o g(l-
vernador do Estado, que era fi lh o elo mun id-
pio de Lages; não fa ltava muito para alca nça r
a de São l anuario.
Recebido por T rud i,nha. r informado de que
não ha\'ia imminente per igo de morte, accedcu
o s acerdote ao convite de tirar as ro upas en-·
ch arcadas e faz.er al gu·ns preparos de toilette.
Na fazend a havia sempre u m outro quarto que
estava p osto á disposição de al gum h os pede in -
esperado. As 1eis da f ranca hospital~dade e m
p oucof. Jogares são observadas tão linda e rigo-
r~amente como no campo, o nde r icos e pobres
pódern bater confiantes a qu alquer porta, cer-
tos de que j ámais lhes será negada comida ~
po isada p ara efles e o a.nim al que mo ntem.
l="rei José, inteiramente rccon'fortado, depo is
de se h aver lavado e d e ter m udado a rou pa.
penetrou no qu arto d a t:nfen na que, apesar
de <:x tr ema m ent~ de bilitada, cumprime ntou-o sor-
rindo e com verdadeira sat:sfação . O sacerdote
não se pôde liv rar de assus tar-se um tanto ao
verificar a p all-:de z mo rtal e a grande fraqueza
da pobre sen hora qu e, pouco te mpo <lntes, 3Jil!l-
da vi ra comple tamente ou tra n a f es ta d e Nossa
Senhora dos Praze res. Consolo u-a q u anto pôde,
ani mou-a com palavus du ma!Í()r carinh o de que
é p ossível ao coração sacerd otal e, e m seg uida,
ouviu-Hu~ e m segredo a co nfissão.
A ped1d o d a doen te prometteu ficar o resto
do dia na fa zenda hospitale: ra, para ce lebrar p ela
madrug-ada c dar-lhe e ntão o santo Viatico.
D. t-!eleua, ma.is co nfortada d e pois ela ab·
sc lviçào sacramental, pediu tarnbem o s s a~1to s
oleos, qu e Frei José, p ara não f a tigai-a mu ito,
adiou para a ta rde .
Tl'lluin h a, m al o p adre sahia d u aposento
da doente, p rocurou lêr·lhe nas fei ções s:i lhe
revelavam o ve rd adeiro estado de su a mãe, a n·
siosa por qtte alg uma esperan ça lhe fosse ruinda
permittida. O sacerdote co nsol ou-a, inspirando-
lhe sen tim e nt os de co nfia n ça no effeito so brena-
tural <: naturnl dos santos s acrame ntos, e, g-ra-
ças á s ua p alavra persuasiva, interprete fiel d o
sacerdo te, conseguiu re anim al·a.
Mes mo assim, d mante o almoço pouco fa-
laram, p ois q ue, além da 4n l'eHci vcl tristeza
q ue não se dissnpav a, T rudinha, s olicita, tinha
a aHenção presa a qu alqu er mm or que se fi-
lesse no quart o da e nfe rm a. A mãe, que varias
vezes dirigdr a o o lhar co ntrito para o orat()or·i o,
adonnecêra, afi nal, tranqu:illame ntc, a primeira
\·ez que conseguia f aze l·o desde qu a tro ddas.
Deixara m- n' a e ntã o repousar até que, d e pois de
um s omno reconfortante, ella por si mesm a des-
pertou e, com surp res a geral, pediu alg um alá-
menta.
- V. Revm a. fe7 um mi lagre! - exclamou
Trudinh a, diri g indo-se agradecida ao p adre.
- As melhoras não são para admirar; a
doente está mais tranquWa e conf:ante - ahi
tem os requisitos essenc:aes a todas as melhoras.
Meia hora depois, a novas !nstancias de O.
Helena, Frei José, como promettcra, admin:s-
trou~lhe os santos oleos, tendo-a antes escla-
recido sobre a natureza e a efficacia desse s a~
cramento.
A' noite, accentuararn-se as melhoras da
doe-nte, e, pe la primeira vez, depo~s da enfer-
midade de sua mãe, foi a joven lambem descan-
sar e dormir um pouco, mas ali mesmo, pro-
xima ao leito da en ferma.
No dia seguinte, Fre~ José celebrou a
santa Missa, no altar, enfeitado com gosto e
arte, pelas mãos habeis de Trudinha. Em todo
o districto de Coch:Iha Rica não havia capellas,
e por isso frequentemente os padres tinham que
celebrar em casas particulares, e Frei José
lembrou-se então do tosco altar improvisado
em que celcbrára na vespcra. A doente •pôde
st.guir as santas ccremonias celebradas na sala
contigua a seu aposento e receber a sagrada
Communhão com todo o recolhimento e fervor.
Tinha tanto que confiar a seu Jesus! ...
A' indagação carinhosa da filha, sobre si
não se sentia fatigada, respondeu:
-- Não, queridinha; fka tranquilla. Quero
agora falar a sós com o meu Salvador, e re-
commendar-lhc tooos os que me são caros, para
que clle os proteja a tocl.os, quando eu .. .
- Oh! mamãe I Tu ficarás comnosco a~nda
por muitos annos! - exclamou a joven, de-
bulhada em lagrimas. - Antes queria eu mesma
morrer do que morreres tu! ...
Depois da Missa, o padre s~ preparou para
regressar a Lages. Antes de partir, porém, a
doente mostrou desejos de falar-lhe.
- Eu agora estou preparada pa-ra tudo,
sr. padre. A unica coisa que ainda me pre-
occupa, e muito, s·i hem que Deus me haja per-
doado todo pcccado, desleixo e fraqueza, é a
incredulidade de meu filho. Elle era tão pie-
doso, quando pequeno! Ainda hoje é bom fi-
lho e bom irmão. Mas o collegio onde foi edu-
cado, c, mais tarde, a Faculdade de Direito,
juntamente com os perigos do mundo, fizeram-
lhe perder a fé. Apego-me a Nossa Senhora
para que não m'o deixe perecer. Todas as mi-
nhas orações, no purgatodo e no .rroprio céu,
serão por sua conversão. E o sr. padre me
ajudará, sim?
Farei todo o possível, D. Helena, e
de bôa vontade rccomrnendarei o mesmo a meus
confrades.
Oh! como lhe agTadeço, sr. padre! E'
urna mãe, que pede a Deus que tambem so-
bre o senhor derrame as suas mais ricas bençãos!
Obrigado, muito obrigado, minha se-
nhora! ...
O futuro de Trudinha me preoccupa
menos; sei qu~ é muito hôa c pura, e que o
irmão nunca d~ixará de interessar-se por ella.
Vê, sr. padre, aqucll-e quadro ali na parede? ...
E' uma cabeça de creança, intitulada lnnocencia.
Um pintor hespanhol, ha mu·itos annos o fez,
quando meu marido o recolhêra, pobre e famin-
to, <i fazenda. Quiz mostrar-se gTato e, impres-
sionado pelas feicões de aniinhô de minha fi-
lha, pi-ntou aquelle qc~adro, c1ue guardei sempre
como um thesouro precioso. Pois, sr. Padre, o
que Trud•inha era em cr-eança, ainda o é hoje:
é pura e bôa; é um anjinho.
- E' certo, D. Helena, que Nosso Senhor
lhe confiou um rico thesouro a zelar; oxalá
que as orações de sua filha contribuam para
que seu filho volte a ser crente e praticante!
--· Sim, tenho toda confiança. Deus não
deixará de ouvir as suppl.icas de um coração
materno e as oracões de tantos outros.
Frei Josl: reti'rou-se, rea·nimando novamen-
te a enferma, e tambem dando mu-itas esperan-
4
ças a Trudi•nha. Quando :>c despedia desta, não
lhe passaram despercebidas as consequencías
das muitas noites de insomnia que a joven ti-
nha passado.
·-- D. Trudinha, é prec·iso 4ue a senhora
cu~dc melhor d <! sua propria saude. Su a mãe
vae melh or, mas precisa inda de sçus desvela-
dos cuidados. Veja lá, não vá cahir tambem
doente agora! Cu·idado, mjnha f ! lha! e, s-obre-
tudo , muit a cor agem e muito ju~zinho, ouviu? ...

- -·<{]»--
X

Escaramuças

:!ois um pouco deste bife, d outor?


O dr. Antonio da Costa Barros
prderia sempre um bom e succu-
lento churrasco ao melhor dos bi-
fes, mas agora o bife sabia-lhe
á iguaria mais delidosa deste e
de alguns outros mundos do bom Deus, poi s
era Dulce quem lh'o offerecia, e no d e lio:oso
prazc~ que sentia sô uma sombra o contraria-
va - ·· era ter de repartir a atte nção entre a
joven e uma outra, amiga desta, Julia Rodri~
gues, filha do socio da f:nna Marcos de Cas-
tro & Ca.. Verdade é que o doutor era bas-
tante injusto, de grande parcialidade, no repaT-
tír as attençõe<s, pois sua vizinha da esquerda,
a Julia, por bonitõ.nha que fosse, recebia dcllas
uma reduzida quarta parte, ap;::sar de coms~go
mesmo o doutor affirmar que á mesa procedia.
c:om a mais escrupulosa imparc·:alida·de. Afinal
de contas, e com todas as theorias, quando Q
coração, rebelde que é, não s~ dirige á pes-
sôa com quem se fala, os labios não pód-ern
ter eloquenc.~a nem ~incerida.de , . . Julia, pqrém ,
""'Ó 100 t'?'

parecia não dar por isso, e teimava em fDrçar


seu viri·nho a uma palestra animada.
--- O doutor vac assi~ tir ao proximo e<>n -
curso, no Conservator·i o de mu sica?
- Nã o sej si meus affazeres o pennitti-
rã o, minha senh ora.
- · Oh! deve assist.ir! Somos 23 este an-
no e. . . mas 4sso em segredo, d ou tor . . . c u es-
pero obter o primeiro Jogar.
- Antecipo-lhe meus parabcn s, neste caso
- respondeu Anto nio, fu ri()so por se pro longar
o dialogo - · Como deve a senh ora te r estu-
dado, para assim tã o confian te aguar d ar o pri-
me>Íro premio !
- Estudado . . . cstudadu. . . ~im, cu estu-
dei, mas as mi-nhas collcgas q uas-i t odas estu-
daram mais do que eu.. . Ora, eu nem sempre
tenho tempo para estudar .. . visitas ... passeios ...
o doutor comprchendc .. .
- Comprch-cndo, e desej o que a senhora
veja real-izarem-se s11as csperamças.
- · Não tenho medo. Agarre i-me a N ossa
Senhora Auxi!iadora e, e mqua nto o con curso
durar, faço arderem algumas velas no altar de
Santo Anto-n.io. Isso me h a de va ler, po·is nã:o é?
-- Sem estudos c exercicios freq uente~. n ão
póde _. . -- - ia diz-er o doutor, ago r a franca-
mente aborrecido; mas. felizm ente, sua vizinha
da direita, que era Dulce, cortou -lhe a palavra.
Decid-idamente o doutor não se sente
bem em no~sa t:asa. 1\ão come, não beb~, nã o ...
Oh! minha se nh ora, posso garantir-lhe
qu~ tão sómente me sinto acabrunh ado sob tão
gentis attenções, de qu ~ tão immer ecidam en te ·me
Cl,!mulam. Nunca me se nti tão bem cotuo aqui!
. - - Como f olgo em sabel-o_! Por mais .. .
O comme-nd ador fizera ·rct-in.ir um --copo de
crystal, e ergueu-se para fazer , com toda a so-
lcmnidade, urn hrind-t• ao dou tor, aprc~e ntando-o
novamente como n .~a l vadnr d e Sll<~ v ida c ;1
~ lOI ~

quem, por tsso, affirmou seu sincero reconhe-


cimento e o de sua família.
Por mais que protestasse o doutor não me-
rece:- tão honrosas rcfercncias, toda " família,
gratamente emoci·onada, demonstrou-lhe inequivo-
cas pro \:as de estima c gratidão, que sensibili-
zaram profu ndamentc o joven.
Carlinhos, que, apesar da vig.ilancia d e sua
mã ·~ c de Dulce, conseguira mandar novamente
encher ll copo, ve.iu dar-lhe um apertado abra-
ço, e exprimir o que ncllc era o llOn pias ultra
da adm·i ração:
·-·- Doutor, eu agora att- g-osto mais diQ se-
nhor que do Nh~co !
·-- Não sei quem seja, mas agradeço-te sin-
ceramente, meu amiguinho.
Sómente a Dulce o doutor não agradeceu
com palavras; scntiu-st• su bitamente mudo, quan-
d o a jovcn, com \1111 si ngelo aperto de mão,
exprimiu-lhe sua comHtovic.la gratidão por ter
salvado a vida a seu pae, mas o rubor que lhe
subira ás faces, a perturbação evi-dente, e, mais
que tudo, o eloqucnte fulgor de seus olhos, fa-
lavam portuguez bem claro. Procurou dominar
a emoção que delle se apossára, e conseguiu-o
afinal, embora sú quando já se retiravam todos
da mesa.
Juli a quiz á fina f orça que lhe dissesse An-
toniQ qual a so nata de Bccthove n que prefe-
ria, -- si as moças fra:ncezas tinham para a J11U·
sica mais gcito 4ue as brasileiras, - emfim,
uma i·nfinidade de pequeninas coisas, que já iam
surdamt~ntc irritando o doutor, que quasi já se
não continha. Ellc, que fôra sempre tã o gentil
para com todos, sobretudo as senhoras, sentia
agorn um furioso desej o de que Peary ou Cook
surgiss(•rn ahi, na sala, e arrebatassem aquella
mocinha para uma das suas longínquas excur-
sões ás regiões polares, c a deixassem lá bem
longc, hem so hre o polo, para que tão cedo
nii.o pudcss\" c! la ,·oltar a imrortunal-o .. ,
~ 102~

Mas. nada de um Peary, e nada de um


Cook! ...
--- ü' Julia, toca-nos uma , ·alsa de Cho-
pin, sd m? - interveiu Judith , que assim s uppria
a falta d os exportadores arcticos.
Eu?!.. . Nã o estou bem certa... Es-
tes dias não tenho tocado ...
-· · Não te faças d<' r ogad a, Julia --·· ata-
lh ou Jttdith e, emquanto as duas amigas, em
longa palestra, metteram-se a di scutir, o do utor
dirigiu-se rapidame11tc para outro grupo , f orma-
do pela dona da cas a, Dulce e Carlin hos .
Pretendia agora mesmo convidai-o
accrcscentou D. Sinhá - Mand ei encomm cndar
uma Mi ssa, crn acção de graças pelo regresso fe-
liz de meu marido.
- · Seria falta de del-icadeza não atte ndcr
a pe d id o tão ge ntil respondeu C ns ta Barros.
Mamãe c as man'inhas vâ<' commigo
cott11nung ar. Só papac não \·ae nttnca ··- com t'ço u
nov;.rnentc Carlinhos O clout-tl r tambem não ...
Ca la-te, Carlinhos ! interrompe u D.
Sinhá --- Que modos são esses? -- e, dir! g ind o-
se ao moço - Quei ra desculp ar a ind-'srri ção
c a I iberclade de meu fi I h o . ..
Oh! mi•nha se nhora, não fale niss o !
Mas, para dúc r a verc.lalk, Cll muito c·nv ~ j o as
pessôas que na prat.i ca da religião encontram
a felicidade; cu mes mo ...
Não continu ou . Notand o a pa!l.idez que no
rosto d<: Dulce alte rnava com o vivo rubor, s u-
bito, sentiu o que se passava na a lma da jovc n,
e teri ~t dad o um lllttndo inte·iro si conse,t~'lti ss~~
ttm meio d<" dissi p:tr a mú imprcssi\o qnc su as
palavras lhe tinh am produzido.
-·- As sen horas desculpem-me. 1\:ão é que
ut nã o tenha o ma ior r~spe-it0 ús :2r ..: nços e
convict:ões a lheias; mas não p osso p art:I hal-as ...
o~: gra nck s fJI hi)S de Dulce fitaram-n' o tri s-
il'mcnt-e.
Sr. dout or - di~s c dia minha farni-
lia dt:H 1an1o aCJ st:nhu r, qu<: sua sorte não
nos pód<' ser indifferente. IJevéras eu sinto \'êl-o
entre esses para os quacs a religião é uma coisa
superflua .. .
-·· Obr·ig-ado, O. Dulce, m_uito obr·i gado por
seu bo;n interesse. Mas eu nao menosprcso os
scnt·illlentos relig:osos; eu mesmo sou religioso.
Crcír, em D eus c \'t: ncrn-o, ainda que me pare-
ça m cxaggeradas as cxigencias c prc tençiics da
Egrej:t catholica.
Exaggeraclas?. . . E por que?
Sua Egrcja prete nde tudo unifo rmizar
debaixo de seu criterio; prescreve que se deve
fazct isto, e que se não deve fazer aqu.ill o ; cs-
tabckcc C impõ;: uogmJS que violentam a razão;
oppc'i<~-se diametralmente a t odo progresso rn o -
dcrn o . ..
Ah ~ tudo isso é muito de uma vez s<Í,
doutor! O ~e nhor t: grato ao bom camponio
que na estrada lhe mostra o verdadeiro cami-
nho a seguir. Por que nã o procede p o r fórma
igunl cnm a Egreja, 4ue Jaz D m esmo?
Sim, minha senho ra 'r' Mas isso mesmo
dize m tod as as Egn:jas. Cada qual pretende ser
a verdadeira.
·- ·- No e ntanto, apenas uma poderá ser essa
Yerdadeira, não lhe parcc,: ·~
Não se.i.. . E por que não pod..:riam
tuda::; citas ...
--- Ser verdadeiras? ... Nã o continue ilS~t n!
O se nhor, como h omem ins truido que é, não
sustent:1rá que duas affirmações, uma <i outra
diarr.etralmente oppost:ls, sejam ambas Jg-ualrrL~nte
vcrd<~deiras .
- M as, por que h a de ser cxactarn~ n1e a
Egreja catholica que t enha razão em tudo, nas
grandes, como nas men o res coisas?
-- Isso é outro p o-n to . Sim, a Egreja es-
tahekce d ogmas, como disse o doutor, mas não
para violentar a razão, c s im ..
""'<r.'§ 104 1>?>

Desculpe-me, D. Dulce; acce itar dogmas!. ..


Mas isso repugn:J. á san razão!
Doutor - - replicou a moça, fazendo-
se muito seria e empallidecendo ···· o senhor
terá notado qu~ aprecio e sinceramente me de-
dico á minha religião; se m el la e u não poderia
viver. Pois bem; tomo-lhe sua palavra: p ro-
ve-me, solida e seguramente, q u e na religi5o ca-
tholica ha um dogma, um u nico q ue seja, q ut
contrarie os dictames da r azã o. Prove-o, c cu,
na mesma hora, abjurarei do cathol icism o !
·-·-· Dulce! ··· exclamou a mãe, com u rn g r i-
to in voluntiario -- Dulce I por amor de Deus,
que estás dizendo ?
· Senhora! Minha Sen hora! - - excl amou
igualmente o doutor, não men os e~tu pefact o -
a que extremos chegamos !
-- Oh! nã.o se assustem - reto r qui u tran -
quillarnente a joven E' assiní como l hes d i-
go. Eu amo s incera e convencidamente minha
religião, porque absoluta mente sei, repito-o em
todo o rigor da palavra, sei q ue é el la a ver-
dadeira. Logo, sei que tudo q 1wnt o ell a diz é
justo e cedo. Si um dogma, um só q u e scj a,
cahir, todo o edifício ruirá por ter ra. Falhando
a Egrcja num unico p onto sique r, nem um a
unica de suas outras affirmações merece f é.
--- V. Excia. é de uma logica implacave l,
minha senhora!
Mas vamos, doutor , t·sto u á espera de
su:ts provas!
--- Desculpe-me, D. Dulce, não q uer o agora
tratar de assumpto tão gr ave. CO>nfesso mesmo
que acredito laborar ern erro nttm ou o utr o p onto,
mas li com bastante interesse a lgu mas ob r as so-
bre a religião.
- Que obra~, doutor ? Catho li cas?
Du.lce, nã o importune assim t ant o ao
doutor - atalhou reprehen s ivamente ;i mãe; mas
o dr. Barros respondeu:
- - Não, minha senhora, lllltito pe lo cuntra-
~ 105 1::::?>

rio; est;~ con\'ersa interessa-me profundamente,


e são tão raras a si nceridade c a fraflqueza que
nesta casa encontro, que as apreci·o cxtra<Jrdi-
nariamt!nt<'.. . Não foram cxactamente obras ca-
tholicas: Li Strauss , Ren~m, Max Nordau, Scho-
penhauer, e ouiro~.
- .. O que quer dizer que f oi pe<.ltir sobre a
religião catholica () parecer de se us inirnig<>s de-
clarados, c, pelo menos, sHspeihlS. E isso será
justo ? Não deveri;1 , de prdcrencia, o doutor pro-
cttrar ou \'ir a voz dos que pcrtenCt!lll á Egrcja?
Perdão; cuncord~> em que me não de-
vo deixar levar exclusivamente pt'las opiniões
que aquelles escriptorcs sustentam; mas tambem
smpcitos me parecem os filhos da Egreja, jus-
tamente por sc rent se us filh os. .
Não concu rdo , do utor. Quando u se-
nhor quer informar-se. p:">r exemplo, sobre a
ultim ;1 descoberta na scic ncia biologica, é ao
camponu que se dirj g!rá? Ou será ao soldado
raso que irá pedi-r informes sobre o desenvolvi-
mento dl' feminismo? Qu;mcb precisa consul-
tar al g uma autoridade sobre um problema jurídico,
recorrerá <Ís luzC's de um prof~ ssor de li.nguas?
Cuto que n:"i o. P ois leia o dv ut{Jr um bom livro
apo iogc tico, dando-lhe só o valor que lhe me-
t-ecem seus argumentos, l' diga-me, depois, si a
Egrcj a, pur qualquer d e seus dogmas, violenta
a razii o, e, assim, naturai!JH:nte, a consci<:ncla ...
Mas que runycrsas são essas, minha fi-
lha! Você está aborrece ndo o nosso bom am.i-
go! ---· interrompeu de subit(J o cummcridadür,
que chcga,·a.
-.. Ora, papae, ent<lo a gente se deve sem-
pre prcoccupar d e coisas futcis?!
bn nada me importuna, JllCU amig<> - -
dis~c Antonio Pelo contrario, cu desejaria
con~e guir obter sempre destas palestras, embora
m" visse vencido.
Ah! o senhor tílmbem venrido? A' mi-
t'tÓ 106 ~

nha filha rnetteu-se-lhe na cabeça converter o


mundo inteir-o - disse, gracejando, o ~r. Castro.
Oxal á pudesse eu conseguil-o, papae!
E começarias certam en h:! por casa, não é?
Ora, papa-e, isso nã o é para gracejos ...
Então, eu sou mesmo assim tão máu?
Tu és meu bom, meu querido paezinho
qut:: eu am o de todo o coração. Mas si tu pra-
ticasses a religião, si nos acompanhasses á mesa
da sagrada CommunhàQ, oh! então tu serias
o melhor de t odos os mdhores paes do mundo!
Olha, filhinha, a mesma panaâa hão é
util para toda gente. A religião, para o povo
baixo, rara as classes infe11iores, como freio a
contei-as, vá lá, cu admitto; mas para gente
instruída ...
- Qu\: attenção <is tuas filhas ! -·· disse
Dulce, meio gracejando , para continuar, séria: -
Não são os muito i:nstru·i dos que menos della
precis am. Sem religi ão, ell ~ s só pódem tornar-
~ perversos c p ~ rnkiosos, c é das suas f.:Ieiras
que sáem os defraudadores dos dinheiros publ~­
cos, os caudilhos c chefes revolucionarios sem
um ideal nobre; os ridículos, mas damninhos ty-
rar;ndes das n~ publicas noveis.. . c depois, pa-
pae, onde é que começa a instrucção qu~ dis-
p<:nsa a pratica re lig.:osa? No terceiro d~ enge-
nharia de machinas o tt no segundo anno de d·!-
reito? No burg 11ez, que arreb enta e apodrece
de rico c asslg-na () Mal/10 , 01 1 no ca~: xc•ir o da
esquina, que lê Emile Zola? ...
Tcxlos riram, irrc~istiq•lrnente, diante da vi-
vacidade da _iovtn apol (lg'ista christa·n.
Bem, agora chega, fillünlla. Nosso hos-
pede e amigo devl! estar cansado, c creio que
teremos de ouvir ainda algum tre cho de musica
de tua amiga julia, que es tá louca por f a zer-se
OliV•Í r.
- - A proposito, D. Dulce, que me dirá a
sen hora das maximas re lig-i-osas dessa rno~:a ?
Fr::ncatnclltc me disse I)_ J~tli a que potrquissi-
mo ~st-uduu, ~ tão súm:.: nk confia svr fel ii'. 110
ccn!'.ervatorio, contando até com o primeira' pre-
mio, apenas por se haver empenhado co m ·Nos-
sa Seuhora Auxiliadora, e porque r~su l vêu dei-
xar, durank todo o tempo que durarem as pro-
vas, arderem duas velas no altar tk Santo An-
tcmi o ! Que dogma da Egrcja é esse, D. Dulce?!
-· · Não, não ha de ser com tanta facilidade
que me pegue, dr. Barros! O dogma da substi-
tuição de applicação nos estudos por exercicios
de piedade e velas a q ueimarem-se num altar,
aind:.: está longe, o h! por extravagante, lo nge
de ser proclamado. . . ou talvez o seja um dia
por alguma egrejinha positivista, ou algum cir-
culo espi rita, ou alguma loja maço nica, ou, mes-
mo - quem sabe? -- por algum parl amento
illustr~dis si m o.. . Pe la Eg reja catholica é que
nunca foi, ne m é, nem será. A Egrcja prohibiu
a preguiça e a decla ro u um dos peccados capi-
taes!
- Estrí ouvi.ndo, doutor? Minha filha é ter-
rível nessas coisas de religião !
- · Não, papae, não sou terrivcl. Apenas
defendo o que me é tã o caro, e q ue des-ej ava
fosse igualmente caro a to da gente. Nada te-
nh o a vêr com a falsa pi.edade, c mnito mcn{>$
deve clla ser imputad<t á Egr~ja catholica, que
positivamente a repudia ...
rom peram nesse momento a~ prim\! iras notas da
sonata op. 1 O de Bcethoven. Julia não se con-
tivera, e ·não podia mais esperar o filll da ani-
mada palestra, que ameaçava eternizar-se, e que,
si não cessasse, a impediria de ant cgozar o tri-
umpho que haveria de conqwistar no prox.imo
ccmcurso do conscrvatorío: o glorioso 1 o pre-
mio . ..

- -<<0»- -
XI

Moderno?

rcsa de uma forte nccessidad~


de concent-rar-se, de ficar só,
Antonio 5e recolheu ao caraman-
chão fl orido do jardim do bello
palacete, a reflectir sobre as
multip las e variadas impressões
que recebera nesses ultirnos dias,
e, para conseguir esses mJ.n u-
tos dt: isolamento, Yalera-se do pretexto de pre-
ci~ar 11111 pouco de repouso. Pela ma.nhan esti-
vera no morro de Santo Antonio, onde assistira
á Missa mandada celebrar e111 acção de graças
pelo feliz regresso do commendador, e onde
encontrou, com s11rprcsa, Frei Estevarn, compa-
nhe-iro de bordo.
Maotevc com o religioso animada palestra
quando, depois da missa, o commendador seguju
a visitar o convento, a convite do Guardião,
frei Diogo, cmquanto na egreja as senhoras fa-
ziam sua acção de graças á santa Cornmunhão,
que acahavam de receher.
-·· Folgo immenso em ,·êl-o, doutor.
~ 110 1:::;PJ

Agradt:ciuo, sr. padre. E' com ()razcr


que me record-o de ·nossas palestras de bordo.
t-loje, si o tempo m'o p-ermitisse, des-ejaria tro-
car com o senhor algumas idéas sobre certos
ronto:; qllc bastante me preoccupam.
- C.omo sabe, estou s~rnpre ás ord·c ns.
Vamos passeiar um pouco aqu•i, por este qua-
dro.. . si o não íncommoda o ar do claustro,
que, talvez com perigo para suas convicções,
respiras~e aqui --· disse n n'ligioso, gracejando.
·· ·· Sim, convicções.. . convicções!... Co-
meço a crer que me não são ellas tão inabala-
ve-is como sempre me pareceram.
- Alguma novidade, doutor?
- Sim e não. Nada holl\'e de extraord.ina-
rio, nada que pudesse interessar a attenção da
multidão, e, entretanto, houve muito, que a m!m
me impressionou seriamente.
·-- ? ! ...
- V. Revma. conhece a família do com-
mendador. O pae não é nada religioso, mas a
mulher c as filhas o são. A mais velha, e·n-
tão.. . nem se f ale! E o que me irrita é que
eu não posso responder com vantagem a seus
argmnentos. Honkrn chegou ella ao cumulo de
prometter abjurar do catholicismo, si eu conse-
guisse provar-lhe ;1 impDssibilidade ou o contra-
senso de um unico dogma que fosse! Um es-
car:dalo!.. . Ella fala com uma segurança, e eu
não sei como ~ que um a mulher, que não es-
tudon philosophia, pôde assim avançar propo-
sições tão ousadas.
--- Púde, doutor, pódc ava.nçal-as com a
mais serena confiança. Nenhum escandalo ha
nisso, nem no que ella prometteu, pois justa-
menk toda a nossa força e felicidade ~ stá em
que todos nós, illustrados ou não, temos ab-
soluta certeza da vc>rdade da nossa fé.
···- ? ! ...
Desanime, doutor. Não ha sciencia que
consig<t minar as bases do cathoJ..icismo. Gran-
~lll~

des espíritos tentaram a aventura, mas foram


~nfelizes.
Mas isso não que r dizer que no ca-
tholicismo não haja mu ita coisa que repugne
á san razão?
-- Eu affirm o justamente o contrari<l, c é
que nem o do uto r, nem qu alque r outro, já mais
conseguiu nem co nsegu irá demonstrar a falsidade
em um unico dogma siquer da Egreja catholica.
- --- Isso é um pouco forte, reverendo!
- Tão pouco , que assum<l o compromisso
que, na occasião de que fala, tanto o surpre;.
hc-ndeu: no dia ern que me provar a c-ontra-
dicção ou a falsidade que haja em um só dogma
da religião catholica, eu atirarei decididame nte
este habito ás urt>igas, e abandonarei o sacer-
docio t
- - Padre! __ _
-·-· Asseguro-) he qu e o farei, e commig<l
farão o mesmo tod os os meus companheiros,
pois, comprchende o d o-utor que, si não o fi-
zessemos, não passaríam os de miseraveis hypo-
critas.
O senhor me parece muito convencido
de sua religião!
Não pareço, estou absolutamente con-
vencido !
-· Mas, muitos ;;:spiritos superiores ...
-· P ois não, cu sei que se esforçaram p<lr
pro\'ar que existe o a bsurd o na relig.Iã-o catho-
lica, 111 a,; já mais o co nseguáam.
····- Não? ...
-· Vamos ás pro vas, d o utor. Para que tan-
tos rodeios? Prove-me, como lhe pedi, e lá se
irão meu habito e <l de meus ~rm ãos d e Or-
dem, e amanhan terão os jo rnaes farto manjar
para um prato sens acional!
-- O senhor te m affirmações muito cate-
goricas, mas não negará que o christianismD
tem al g·o de antiquad o, que a propria pe!<SÔa
de seu fundador não se coaduna !>em com os
t~mpo; modernos.
Mod os de vêr, meu caro senhor! Para
começar por sua ultima observação, que é que
não ficaria bem a Christo, si vivesse hoje na
capital federal, por exemplo?
-- Ora, sr. p adre ! Seria um escandal o !
Teria elle uma sorte muito p:-ior do que a
que teve em J:'rus além! O que dcllc os Evan-
gelhos narram, absolutamente não serve para os
nossos tempos.
- Hum! Vamos vêl-o já, ao menos em
parte. Far-lhe-ei um rap iclo res umo da vida de
Chrísto, segundo os e van g-elhos, e o doutor me
dirá em que ponto os sentimentos modernos
são offendidos.
- · Mas, em tudo!
·- Mais de vagar. Vejamos: o tempo ao
qual se referem os relatorios, a que chamamos
os Eva·ngelhos, é o da alta cultura sob os im-
peradores Augusto e Tiherio, succcssores d o
grande Cáio julio Cesar. As sci encias e artes
gr<.co-H:>manas dominam 0 oriente. Os homens
de então chamam-lhe desd.:nhosamcnte ((o filho
do carpintC~iro)). E lle prefere a si mesmo c ha-
mar-se o <cfi lho d o homem>>, e sua mãe, por
aviso sobrenatural, chama-lhe «Jesus>>.
Nasceu, por oceasião de 11111 recenseamento,
fóra das portas de Bcl é1n . L: fórél das portas
d:l capital, mataram-n'o, numa Crtll, condenma-
do pelas autoridades c i vi I e clerical. Nota-se e
regista-se alguma cois a de extraordinario: sua
mãe é um a virgem. Rcfe r~· m as chronicas que
sere.; lunünosos ca ntaram melodias s ua,·es no
er.paço, c communicaram a alguns apascentado-
rcs de rebanhos qu·e o Messias nascera, c onde
e como poderia ser encontrad o. Um cometa faz
tre,; astronomos procur arem o recem-nascido,
que, pouco depois, é obrigado a fugir para es-
capar á perseguição dum tyranno do pai7.: H e~
rodes, ,·assalo d os ro1nanos. A t'am ilia, re gres~
~ 113 "'C::?>

!'ando afinal á s ua terra, vive ei condida; sã()


d~r.cendenres empobrecidos de antiqui ssi ma f a mília
real, que cahira n.o infortunJo. Aos 1 2 annos ,
por seu talento, já então dito phen ome nal , . o
menino desperta a attenção dos notaveis de Je-
ruslllém; e, desd·e entã o, os r el atorios nada di-
r.em delle, até ao tempo em que elle se apre-
senta prégador e fundad·o r de urna pequena es-
cola, com 12 homens, que lhe ou viam a dou-
trina, e dos quaes um era perver so . E ncontr ar-
se-á até aqui alguma coisa que o ffenda o nossD
sentir moderno?
-- Não. O sr. tem urna mane ira o riginal
de n~rrar ...
- · Não é minha: refiro-lhe al g-u ma coisa
que li na re vista Leuchtturm.
-- Não ha duvi.da que é i nteressante. M as ,
a continLtar assim, tro peçará fa talmen te, p ois é
justamente a vida publica de Ch risto que hoj e
se não comprehende mais.
- - Acha isso? Vejalll os ainda. O hum ilde
filho de um operariD patenteia dotes oratorios
admirave is , mesm o phenomena~ s . Como q u e f a sci-
nadas, positivamente empolgadas , as multid ões
o seguem. \~uél'ndo elle passa, as ruas enchem-
se; quando elle fala, não ha ~ala, nem rua,
nem praça que possa conter tod a a gcnt(! ansios a
de ouvil-o e vêl- o . Elle prefer e d iscor re r ao ar
livre, especialmen te a bordo ele um b arco, no
qu ai, livre do atrope !I n da mass a , consegue
ainda a vantagem de mdh o r se f aze r o u vi r,
po~s a~ agu as favorccent a acu stica.
«fala com a maxima clareza. Suas i111agcns
são pre cisas e nít idas. <<Vêde os lírios (repa re
que elle nãt> diz ~ irnplesmcn t c ((as f lo res;>) ;
mão cáe do te lhado ne nhum p ardal)) (clle não
diz em geral «nenhum passaro >:) ; <(uma mul her
perde uma drachma>> (não g e neral iza (<Uma moe -
da>>); «Um homem vae de Jeru salém a Jerichó))
(e não: faz <mma viag·em>,). T udo qu anto . elle
diz é muito profundo, muito nnvo, c itnpres-
~ 114 t::;.,

siona fundamente . Infelizmente, só conh ecemos


delle pou cas palavras e phrases. Seus discu rsos
não nos fora m transmittidos na integra. . . Está
aind a ou\'lindCJ, doutor?
··- Escuto-o co m t od o o in teresse; até ago-
ra nada te nho que replicar. Mas . . . C hnisto c
a sociedade.. . e<is ahi um a difficuldadc.
- Continuemos a vêr. Os cat hed raticos d l~
seu tempo foram seu s ad versarios, po rqu e elle
nã o estudára em suas au las, e mais de um a
vez pôz e m apuros diante do p ovo esses se-
nhores e o utros n<ltavei·s. La nca-lhes em rosto
suas baixezas, empregando exp r.e ssões p or vezes
bastante duras: << Hypocr.itas, ad ulteras, r.1ça de
víboras)>. Evidentemente n ão é um diplomata,
p ois ao ruim chama-lhe ruim, e não usa luvas
de pellica ...
«Por outro lado, sabe tratar a cada qual
com fin as mane.i ras e co nforme o caracter de
cada um, a Nicodelllus, a Pedro ou á Samari-
tana ; mas não busc a a popularidade.
«Discut.i ndo com os adversarios mais cru-
ditos, jám aâs lhe falt am argumentos luminosos;
seus contradicto rcs têm de cal ar-se ou de con-
fess ar-se vencidos. Não faz ttuestão de auditor:o
nume r oso. A's vezes disc<Jrre longas h or as, até
me~rn o á noite, co m um ou outro. E' ern e x-
tremo bondoso c delicad o com as se nhoras, até
mesmo com as que nii o gozam d e bôa fama. E'
asceta, mas nad a tem de ríspido. Não prohibe
que em sua ho ·n ra uma sen h ora gaste balsamo
que custou caríss-imo, uns 150~ 000 . Co mp arece
a um casamento, c auxi lia aos n oivos na situa-
ção difficil em que se enco ntram , faci l-iiand o-lh ·~~;
amavelmente vinho deli cioso.
«C o nhece as regr as da bôa cortezia; h os pe-
da-se tanto com seus h abe is advcrsarios, quanto
com os publicanos odiados por t odo o povo. E,
coisa digna de nota especial: o grande homem
aprecia as cr~a~cinh as; cx?austo do trab11 lho,
c ham:.-as, acancta-as, abençoa-as . ..
«E' patri,Jta. Chor<~ pel:1 desgr aç a d e S Ull.
nação. . . Tem u ll1 wraçào grande e sen sível,
qu<: aprc c.ia a amizad e. A morte de s eu am!g-o
o faz chorar em pres;; !lça d ~ tJd a a gen te. Cu ra•
a muitos t.k um rnodo maradlh oso, p o r tod a a
parte; tuas, c isso é digno tambcm de nota
cspnial, seus feito:.; cxtraordinar ios nã o são de
03tentação, são todos clles obra de comp as siva
caridad('.
«E sua delicadeza em tud o isso ! Elle d iz:
«E' tua fé que te sah·a; não f ales n isto, mas
sê bom >>. Como tudo isso é Hno, é delicado , é
doce! E, no entanto , possu~ uma c o lossal ri-
queza d<: idéas ~ uma série de maxím as ethi ..
cas simplesmente grandiosas! - P osso co ntinu ar,
doutor, ou tem algum a observaçã o a fazer ?
- Fale, padre; continue.
O tragico, mas gra,ndioso fi nal de sua
vida é asSii.m como que uma obra prima de arte ,
!>Uperior a tudo quanto imaginar se possa. Vê-
se que elle quer soffrer, que e ll e qu er co m a
tm:jestosa vontade de um homem d ~ con vicções
sobn.·naturaes, divinas. Responde aos juizes, ini-
migo.; c algozes com a tranquilla dignidade de
rei. Seu sikncio perante o affemi na d o H er odes,
quando uma unica palavra d~ seus la bios o t e ria
salvado , é de uma grandiosidade q ue se impõe.
O proprio Romano orgHlhoso, q ue o de via j ul-
~~ar, amedronta-se diante dessa p asmo sa t ranquil-
lidadc, dessa sublimidade jámais vi sta.
No auge da rníseria, dian te do p o pu lacho
em furia, e lle permanece calmo, silencioso , con-
centradc. Suas ultimas palavras i mp ressio nam a
alm'" de quem quer que p e nse um pouco . São
term os de um programma; são a assig natur a
em sangue sob a sua adrniravcl doutrin a ethica.
Facil é dize r n a ép oca venturos a: <lAma
teus inimig os». E ali . .. O po pulacho desalmado
e cruel, se m se ntim e nt os hu man o s, insult a-o;
por le ito tem e lle o madeir o i nfamant e d a cruz
a que o pregaram; e elle sempre bo m, sempre
tranquillo, semprt: soberano.. . Apenas diz ao
seu Eterno P ae: «Não sabem o que fazem .. .
Perdôa-lhes !» . ..
Sente comp<Hxao pelo malfeitor qu~ vae
morrer ao seu lado , e que, (é adm iravel !) é
o primeiro a comprchcnder o poder e o reino
e~piritual deste homem alanct::ado. v~ concluída
sua o bra grandiosa, e então não esquece o co-
r ação de mãe que ali soffre, traspassado pela
espada das angustias, e diz-lhe uma palavra
meig-:1, amorosa, acaríoiante, accrescentando logo
após, com símplicida<!e e s ingeleza, o quanto
soffr<: na alm a c no corpo, e conclue, quandQ
tudo está co nsummado: «Pac, voltas a ser o
pae da terra -·- em tu as mãos entrego a minha
alma''·
E stupendamente grand-ioso até ao fim! Não
tem razão Rousseau quando diz que <1Sii esta
v.i da foi !.nventada por alguem , o inventor della
é Deus»?
- Tem --- res pondeu simplesmente Costa
Barros. E ambos fi caram silenciosos durante
alguns momentos. Po uw depois, continuou o
franciscano:
-- E o filho do operaria não deixou a ·
rneno; duvida sobre o sent:ido de sua palavra.
Si elle, que sempre se apresentou tão bom e
logico em tudo, não foi um <impostor, cum·
prc-nos acreditar nD que e lle mesmo deixou
dito: «Eu c o Pa<: somos u rn».
Só o Altissimo póde descarregar as con-
sciencias; Christo o fez, dizend-o na presença
de seu!' mais rancorosos inimigos: <Nae; teus
peccados te estão perdoados•>. Com raiva furiosa
c indignação mal refre1ada, os olhos em cham·
ma.· de seus ad versarias interrogam: «Com que
direito ?•· E elle responde: «Para que vejaes que
o filh o do ho mem tem p-oder para perdoar
peccado, digo-te a ti : levanta-te, toma tua ca~
ma e anda». -·- Perd ()a, p o~ s. por poder proprio.
Di ante de todo u po\'O se faz o centrCJ
da humanidade, que res olve sobre a ventura ou
desg-raça eternas, conforme o que com elle fi-
zerem: <<f.ll es tava faminto, eu com sêde, eu nú,
e náo me déstcs de comer , e não me dt!stes
de beber, c nã o me v csHs tes».
Diz a Pedro: «Eu te d ou as c haves do
céw>. Apresenta-se dono do templo, que era
exclus•ivamentc de Jahvé.
Exige que se lhe tenha amor maJor que
a pac e mãe. Amor m aás santo, mais fundo
d o que o que a natureza recla ma, só o Su-
prenw Senh or o póde exigir.. . E do proprio
poder dá força aos dnscipulos, para que or-
denem ás propri as leis da natureza ...

E o dr. Costa Barros, rememorando no


caramanchão florid o tod as estas palavras que
pela ma nhan ouvha da bocca do reltgioso, ainda
até agor3 nada deseobnra que lhes replicar . ..

- - <0>--
XII

Trama ás occultas

o mesmo dia em que na egreja


tlo conYento de Santo Antonio
se rezaya a Missa em acçã o
dt· graças pelo regresso feliz
do cornmendador e JucLith ao
seio da f arnil·ia, o f omal do
Brasil publicava, entre outros, o seguinte «aviso>>:
Aug. ·. e Resp. · . Loj. ·.. Silencio Nocturno
Conforme o res olvido em sess. ·. e de
ordem do Resp. ·. Mestr . ·. convido os
OObr. ·. do Quadr. •. a comparecerem
hoje para sess. ·. extrnord. ·. e díscnssão
sobre assum pto importante.
Hio de Janeiro, ... de Outubro de l!ltO.
!lt&urlcio de Cantagallo Silva, lS. · . Secr. · .

Era por \"Dita das 9 horas da noite, qu~n­


do os primeiros I Ir.· . convocados para a Im-
portante reunião chegaram á o f ficin.a da rua
do Cattete, alguns raros em grupos, o utros, a
maioria, isoladamente, alguns mesmo cosendo-se
á parede, com largos chapéus e a gola d<ls
casaco[; levantada, como si temessem ser reco-
nhcddos. Outros palestravam al.egremente, mes-
mo na rua, c entravam no recinto, d:;opois dos
S·i gnacs de reconhcdmento, discutindo assumpt<ls
poHticos c d:scorrendo sobre os recentes sue-
cessas de Portugal.
Torna-se urgent e dar um passo ded-
s.ivo --· disse o Ir.·. 2<> Vigilante ao f r.·. Ora-
dor. As circumstancias tornam a occas:ão
actual favorave l, como jáma1s se nos apresen-
tou antes. O Nilo é nosso. Depois daquelle ca-
rola que era o Affons<J Penna, não poderia-
mos encontrar quem melhor nos conviesse a fa-
vorecer-nos na tarefa d-e promover o bem da
humanidade.
- Eu, p o r mim - · replicou o outro
não gosto grande coisa do Nilo. Você sabe do
que se diz sobre o contrato da ...
-- Ora! O Nilo tem invejosos .. . E de-
pois.. . (o Ir.·. Vigil.-. piscou velhacamente os
olhes) .. . toda gente deve aproveitar as occa-
siões . . . Dizem com razão os arabes que a bôa
occasião é calva, c só tem um tufo de cabellos
no topete: si nã o a ag-arramos de frente, de-
pois não a pegamos mais. . . E para omita
genk um bom contrato offerece margem ex-
cellente para tanta coisa.. . Por que não apro-
\'eitar?
Acha que é assim? J>ob seja, mas com-
migo cu não acceito scme lhant~ theoria e, por
honra do 1\ilo, crC'io e111 mach.:nacc>es de seus
invejosos. Uu maçon ás d ireitas e· cidadão ho-
nesto, ou então, que o mandem á fava!
Eh! calma, meu velho! Nã o vale zan-
gar-se p or tão po uco. Mas, a proposito; o
Ven .·. encarregou-te ap enas de saudar o 1.
Vigil.·. que regressou da Europa?
Apen as •isso.
Pois, l>lha, que lt.: posso conunullicar
~ 120 t::?l

uma novidade : se1 que o Vcn . · . foi pesso al-


mente ao Cattete, falar ao Nil o, afim d e que
com segurança se prepare um golpe decisivo
contra essa fradalhada, corrida de to d·o s os
pai_zes civilizados, e sem du vida vae particip11r
hoJe aos .. .
- Muito bôa no ite, se nh o res ! - - interro m-
peu uma voz co-n hecida.
- - Oh! bôa no ite, commcndad o r! Mas \ ' C-
nha cá... ma1s um abraço, que é sincero ...
- -- Obrigado, meus am:igos, o hri gadn!
·- Não é preciso perg u-n tar como f o·i de
viagem : voltou gordo c f o rte.
Os amigos, felizme nte, 1n os1ra111-se da
mesm:1 fórma, bem disp ostos.
- - Vive-se bem no Ri o disse o 2.
Vig. ·. -· E' isso aqui um de licioso El-dorado!
--- Bem o sei eu -- confirmou o co m-
mendado r. - Por certo, a Europa é be!!a, mas
cu cá por mim prefiro-lhe o nosso bel lo Bras:! ...
A sessão ia abrir-se, e os palestraclores fo-
ram interrompido s por um go lpe sccco d o ma-
lhete, .i ndicando o i nicio dos t rabalhos.
O Ven . · . envergava a faixa negr:1, o rl ada
de branco, guarnecid a de fr<t njas de prata, e
tend o bord ad os os attributos corrcsp<mdcntes au
gráu 33. A' cinta trazia igualmente larga fita
preta, com fr an jas de prata; um [)llnhal , com
lamina tambem de prata; o avc n fa \ preto, or-
lado c franj ado com a fa ixa, ~, no c:· ntro, uma
cruz teutonica, de fundo vermelh o, co m o al-
garismo 33.
Formava singular contraste co111 esse eq ui-
pamento a fit a esc<~rlate acha mal otaua que pen-
dia d o pescoço do Ir .·. Secr . · ., forrada de
preto, com uma cruz. tamhcm escarl a te . Tinha
como arma uma cru z co m n rosa mys tica, o pe·
licano com os 7 filhos, num seg-men to de cir-
culo, tudo enfeixado por um compasso e ncima-
do por um:1 corôa. O avental, de sc tirn branco,
com uma cruz es carlate e o rlas da mesma côr.
I'<'Ó I21 b'l

Lida c appruvada a acta da sessão ante·


rior, com uma nova p ancada de malhete o Ven. · .
deu a péll avra ao orad-o r, na vida civil um tal
Francisco Rosa de Salles, que, depois de uma
inVIiCação ao Supremo Architecto d o Universo,
aprese ntou as saudações de bôas vindas ao
1<> Vig . · . da Aug. · . e Resp. ·. Loj. ·. S ilencio
Nocturno, commendado r M arcos d e Castro Mo--
re ira, affirmand o-lhe em testemunho o alto apre-
ço de tod os os OObs. · . e enaltecendo-lhe as
qu ~.tidades, das q uaes, affirm ott, a primeira era
sua extraordi·naria bend icencia, sempre e franca-
mente a se rvü:o dos I Ir. · . necess itados.
Os app latisos resoaram, e o festejado agra-
deccn a homenagem dos fi r.·. da Aug. ·. e
Resp. ·. Loj. ·.
O Ven. ·. em pcssôa usou então da pala-
vra. Helembra11do as thcses publicadas no Bo-
ldim Ojficial el o G r. · . Or. ·. do Br asil, em
Dezembro d e IIJUS, e approvad as no 1o Con-
gresso Nac. ·. Maç. · ., que teve Jogar no Rio
de Janeiro, d e 14 a 24 de Junho de 1909, fez
vêr q ue o temp o c h egár a para que as Oflicitzas
e 05 Orientes Estruluaes tr atasse m de pô r essas
rc~ o luçõe s em pratica.
Pe la 10:1 thesc, solemnemente approva-
da ·-- co'!ltinuou o Ve n. ·. - o I o Congr. ·.
Maç. ·. condcmnoLL como '<co ntrari a á moral, re-
tr ograda e ant'i-social a e xistencia de corpora-
ções religiosas, qlte segregam sêres hum anos
da socied ad-e e da familja». Ora, ma1s uma horda
dessas neg ras aves de arribação, com o s suc-
ccssor de Po rtuga l, o nde nossa santa causa
maço nica está em pleno triumph o, agora emd-
gra c ameaça o Brasil. Urge a defesa tntran-
sigent<~ dos nossos portos, que a bsolutamente
nã o pódem ser franquead os a jesuítas e que-
janu;-1s cornpan hias ten ebrosas, mórm ente quando,
p or crimes notoriamente conhecidos, vão se ndo
elles corridos de todas as nações civilizadas.
Trata-se de def<.? nder :t honra nacional: o Brasil,
<"'Ó 122 ~

transformado em 11111 pai1. retrograd{_l, carola,


beato, isso nunca!
Alguns applausos an·imaram o Veu.·., que
pro~eguiu:
···- Certo de vosso apoio, qu crid-os li r.· . ,
fui antehontem entenLh~r-nw com o DD. ·. Obr. ·.
de altos gráu e investidura em nossa Aug. ·.
lns. ·. e que, actualmente, dit·ige os destinos do
paiz. Por si sú, S. [xcia. !!:lo pólk tomar ·a
iniciativa que tod·os nós ans;iosamente Lksc,ia-
mos, porque, infelizmente, ainda é bastante forte
no Brasil o clericalismo fanaticü. E', pois, mis-
tér que de todas as Oificinas, de todos os Orien-
tes dos Estados, do Gr. · . Or. · . em peso, parta
o grito de alarme contra o Jesuitismo ameaça-
dor E' mistér que de todos os lados chovam
os protestos co·ntra o livre des c:m barqu e dos
jesuitas e frades expulso,; da Europa, para que
o nosso DO.· . I r.·. que, felizmente, s~ acha
no Cattete, esperança do Gr. ·. Or. · ., marque,
com pulso de ferro, nova época nos fastos da
historia do Brasil. Proponho, pois, a nomeação
de um.l commissão que se vá ent~nder com o
illustrissdmo sr. dr. Nilo Peçanha, dd . . presi-
dent(> da Republ-ica, a respe-ito das providencias
a tomar-se contra o perigo imm!nente da in·
vasão fradcsca, que nos ameaçn.
0:: applausos estrugiram. Screna\'am ape-
nas, quando o lo Vig;ilantc, com uma pancada
de mc..\hete, pediu a palavra. Movimento geral
de attenção.. . A opinião do Pod. ·. Ir.·. 1.
Vig. · ., commendador Marcos de Castro, tinha
sempre muito peso nas resoluções da Loj. ·.
O 1. Vig. · . lamentou ter de discordar elo
Ir.·. Vcn. · ., logo na primeira sess<lo a que
assistia, de vo lta da sua \':agem á Europa, ape-
sar de lhe haH·r o Ven. ·. merecido sempre o
m:Jximo e mais justo acatamentn. Lembra qut.·
qualque1 medida dessa ordem iria provocar enor-
me celeuma, sem, de maneira alguma, favorecer
o triumpho das idéas maçon.icas. Pas;;ou, em
seguida, a demonstrar que a propo sta era po-
sitivamente contraria á <<Constituição e Regula-
mento Gcr:.d do Or. ·. Or. ·. e Supr. · . Con-s. ·.
do Brasil», que, já no btulo 1., art. 2., dizia:
«À Maç. · ., cuja div,i sa é Liberdade, Fratemidade,
EgYald(lde. tem por rrincip:os J tolerancia, o
rcsreitc mutuo, e a liberdade absoluta de con-
sciencia».
-- Peço, po r isso - terminou o co mmen-
dado : ·--- que a nossa Aug. · . e Rcsp. ·. Lo j. ·.
absohttamente se abstenha d e promover e a uxi-
liar qu ai q ue r medida co ntra r-i a á t o lerancia, a o
respeito mutu o c á l ~ bcrdad ~ absoluta de con-
scienci:l.
--- O Ir.·. 1. Vig. ·. -- replicou o Ven . ·.
- - cornprehendc perfeita mente que nossa augusta
constituição não de \'C se r interpretada pela le-
tra, c ~im pel o espü·:to. E' tradicion a l na Maç. · .
o cmnb;1 k ao jesuiti s mo, a frad·cs c fre:ras, c,
si uma dllv·ida inda pudesse have r a respeito,
teri:.t sido clla dissipada pelas inequívocas re-
so luções do n osso I o Congresso, realizado h a
um an1w nes ta capital, e n o qual a Aug. · . ~
Resp. · . Lo j . ·. Silencio N oc turno t omou p arte
activa c saliente.
--- Ap oia do ! Ap oiado! ·- gr-itaram algu ns
I Ir.· .
Pot uma pancada de malhete o Ir.·. Orad. ·.
pediu a palavra, que lhe f oi conced~da.
-·- Eu de\'o apoi::~r incondicionalmente, DO.·.
OObr. · . da Aug .- . e Resp. ·. loj .-. Silencio
Noc!urno, o q ue ha pouco expôz o no sso di-
g no l~ di s ünct o Ir.· . 1. Vig. · . n evo m es mo ac-
cresccn t nr qu e i.l proposta do dd. Ve n. · ., além
de ser ctm tr aria á Const. ·. do Gr. · . Or. · ., é
igualmente contraria á C o nst:tuição da Repu-
blica, pel o que seria uma i111prudencia f ornecer
aos cl ericaes uma arm a, qu:: seria a d~ apon-
tar-n os ao paiz co mo revo lucio narios e adver-
sos á Constitu•ição rqmhlic:ma. Os textos do
ari. 7'2, parag rapiH•s I c J, a lém de nutro:;, da
t'<Ó 124 ~

Constituição d~ Fevereiro, não deixam perma-


n~cer duvida sobre s1 é ou não é ahs()lutamcntc
livre a entrada no territorio nacion ai, em tem-
po de paz, e independente de passaporte, de
toda e qualquer pcssôa, de qualquer naciona-
li-dade, e sejam quaes forem suas crenças ro··
titicas ou religiosas. Nestas condições ...
-- Permitta o Ir.·. Or. ·. · - interrompt'u
o Ven. ·. - - que cu aqui manifeste minha dolo-
rosa surpresa diante da teimosia i r ri tantc, com
que vejo combatido um projecto absolutamente
conf()rme ao espírito de n-ossa instituiçào. E
devo lembrar que agora, depois de combinada
uma acção commum com os altos poderes ma-
çonicos e os Veneravcis das outras Ll.. oj. · ., (
impossível recuar.
- E cu peço licença para notar res-
pondeu o commendador - que até hoje nos
foi sempre reconhecido o pleno di.reito de ma-
nifestar nossas -idéas c defender as conviccôes
que nos sejam proprias; e que o facto d·~' · in-
sistir nellas não pódc ser interpretado como
irritante teimosia! Aonde chegaríamos nós, si ...
-- O I r.· . 1. Vig. ·. parece esquecido de
que cu aquj sou interpret::: das resoluções do
Gr. ·. Mestr. ·. do Gr. ·. Or. ·. do Brasil, e, pois,
a todos cumpre acatar a opinião que aqui ex-
ponho
-- Já que se trata d~ um facto consum-
madc - replicou o comrnendaclor, rrofunclalilcnte
agastado -- só nos resta obedecer ao pr2ce-ito
do bico calado.',.. Si, porém, a Loj. ·. a!nda
não foi degradada á -categoria de uma congTe-
gação de imbeois ou de escravos inconsci·:? ntcs,
a cada um de seus membros deve ser reco-
nhecido o direito de acceitar ou rejeita r qual-
quer proposta que lhe seja apresentada em ses-
são.
- Infelizmente rctruc.ou u Ven. ·.
parece que ~ confirmam a~ minhas sus pei tas de
gue, talvez por influenci;t de algum;t pe s sú~1 de
familia, o nosso Ir. ·. 1. Vig. ·. já se aéha . sob
o guante do jesuitismo ...
- Mas eu não permitto a ninguem, nem
me ~ mo ao Ven. · . de nossa Loj . · ., immiscuir-se
na vida privada de minha família. A allusão,
já em outro tempo feita, de que merecia cu
censura por haver feito educar minhas fi lhas
em Sion e meu filh o num collegio de jesuítas,
torno a repellir como affrontosa para minha di-
gnidade~
--· Entretanto, o Ir.· . 1. Vig . ·. esbí pro-
vando que n ão conseguiu isentar-se da in flu e n-
cia jesuítica, e devo prcve nil-o que . . .
- E' de 111ais! --- exclamou o commenda-
dor. - .. Si aqui, pel o pr o rr~ o Ven . · ., é viol ado
ás C!;cancaras e directa me nte um dos artigos
fundamentacs da Const. ·. d·o Gr. ·. Or. · ., co m
CTraves. of~en.sas a um Ir.· . e applausos d os
ÕO br. ., 1 et1r n-me ...
- -· E eu aco mpa·n ho-o · intc rvci u o Ir.·.
Orad. · . -- Nã o posso pcnnitEr injurias a um
Ir. ·., ·nem tã o p ou co esse manifesto despreso
pela ·n ossa Const. · ..
- Deixem que se vão embora os idiotas r
gritou, fur j.oso, o Vcn . · ., qu ando alguns
OObr. ·. os queriam reter.
Dura·nte alguns mo ment os rei nou co nfusão
e gritaria na sala, até que o co mmenda.dor e
o sr. Salles a abandonaram.
-... Perdemos d ois do~ que melh or concor-
ri am para o tronco - observou um dos maçons.
- Principalmente o commendador, que é
bel!eme rito e tem grande influencia ...
- Ora ... af[nal, a viol e nci a do Ir.·. Ven. ·.
foi demasiad a. Elle pod.ia t er evitado tudo ..
·- P o di a. N ão ha duvida que pod ia ! .. .
Minutos depois, com uma vi bra nte c rai-:
vosa pancada do malhete, o Ven. ' . ence rrava a
sessão , que tão mal correra, c - logo, na mesma
hora, correu a co nsultar, sobre o escandaloso c
difficil caso, o dr, l.nuro Sodré, Ur. ·. Mes tre.
XIII

Duas lrmans

elegante pateo central do pala-


' cete dn commendador, assoa-
lhado rh:: mosaico, era coberto
por uma g-raciosa vidraça, que
p-oisa\'a sobre esbeltas columnas
de mannore branco. Aos quatro
lados estendiam-se largos cor-
re dores, deco rad os com chie ori-
ginalida<ic, e pelos quaes se ia, á d ireüa, até
aos aposentos de Marcos e de sua esposa, e,
á esquerda, aos dos filho ,.;. Dois salões de v:-
sit:ts, um muito ma:.or que o outro, encontra-
vam-se na frent e do edific!o, emquanto a sala
de jantar, disposta com fin o gosto, era situada
na parte posteri or. Duas janellas de sacada, á
frente do palacete:, davam um ar a-ristocratico e
distinctc á grande casa, que sobresahia muito
branca do fundo verde c florido do jardim.
Seria p01lCO mais de 11 horas da noite.
Nos aposentos do casal nã o havia luz. D. Sin há,
presa de enxaqueca, dei tára-se cedo, e o cornmen·
dador, que voltára de pcssimo humor da sess. · .
extraord. · . a que assistir<1 na loj. · . da ·rua do
C<!tietc, não viera dt ;mi·~Ho para palestrar. O
dr. Barros rctirára-sc para o quarto que lhe
fôra ~<:ntiltnentc offereojclo, prctextand o a rw-
cessida.dc de ~scrcver algumas cartas; c Cat·-
linhos, havia ma·:s de hora e meia, se recolhera;
a dormir.
Apenas no quarto da filha mais moça nú-
tava-sc alguma luz. Judith já se hav·i a deitad-o,
quandu veiu Dnlcc procurai-a.
Sentes-te muito cansada, judi th? Si sim,
t:<iu te quero privar dD somno .. .
Oh! não! estivemos scparadar. tanto
tempo, que até g-o~to d·c ter- k um momento
p ar:\ mün só.
E eu, judith! Não itll:tg.: nas as saud.a-
des que 5enti durante tua longa ausencia --
respondeu Dulce, beijandD carinhosamente a testa
da irman. - E agora, mal te apanhamos de
novo . ~omnosco, já pensas em deixar-nos de
novo! ...
- · Psiu ! querid·i·n ha! Al ém de ti, só ma-
mãe sabe que Alfredo amanhan vem pedir mi-
nha mão.
E tu gostas mesmo muito delle?
··- Si gósto! . . . Ah! Dulce, nem eu sei
dizer-te quanto gósto delle! Na verdade, sinto
ter de de ixar-te, c á mamãe, e ao papae, e
ao Carlinhos.. . mas, afinal, não ficarei longe
de vocês todos.
- ·· Tu, indo-te embora, Judith, eu me s en-
tird muito só. Parec~-mc qu e o sol, a luz, o
calor, a alegria, vão deixar esta casa . . .
- Não digas issD, Dulce. Papae sempre
tem dito que tu és o sol da casa, e hem sabes
quc.ntu elle te que r be m.
- N o entanto, está elle muito longe de
satisfazer meu mais ardente desejo. A·inda hoje .. .
Elle te disse alguma coisa?
Não, mas ainda esta no·ite foi ter com
aquelle!> taes seus amigos, que lhe fazem tanto
mal.
F oi á loj a? lmpossive l!
Infelizmente é a verdade: o chaujjeur
disse-m' o.
f'OÓ 12R ~

--- Oh! e eu que tinha ficad o com tantas


esperanças, dep o1s de vêr papae tã o indi~nado
com o que os maçons fi:zeram em Lisbo a!
- Ah! Judith , cu ás vezes desanimo. Já
fazem tantos annos que rezam os, e rezamos
para que p apae de-i xe afinal a maçonarJa e se
torne cath o lko praticante .. . e nada, nada até
hoje!
Quem sabe, DLtlce? l--la viagem toda
não tive motiv o para queixar-me dellc. Tal ve:z
sua conversão esteja mais proxima do que pen-
samos!
- Q ueres consolar-me . . . mas eu é que
já me s i-nto mnito desanimada . . .
·-- E ·isso di zes tu, que sempre f os te tão
forte, que sempre me anim:1stc a mim, que tan-
tas vezes me levaste a cornrnu-ng-ar, a visHar al·
gum doe nte, tudo pela co nversão de papae! Po r
que estás tão triste? ... Tem coragem, maninha!
e ternamente enl açou com os braços carin ho-
sos a irman, que tinha os o lhos rasos d'a.gua,
··- Si estou triste é porque muito em breve
me vou encontrar sózinh a, sem mais ningucm
a que111 possa abr-ir meu coração c falar sobre
papae. Bem sabes que mamãe, por mel hor que
seja - - e ella é tão bôa! - não se de-ixa im-
pressionar tanto quanto n<ís .
... Não penses isso, Dulce! A~nda que eu
me case, não me hei de esquecer d o grande fa-
vor que ha mais de ·1 ann os pedimos juntas a
Deus. Continuaremos ambas a traba lhar no mes-
mo sentido, até alcançarmos a grande graça.
Oh! e que alegria não será então!
- E teu noivo? Tens ce rteza dos seus sen-
time ntos religiosos? Já me f alaste nisso e eu
mesma o conheço, mas.. . rece io sempre; estes
r apazes de hoje . ..
- Não, queridinha. Alfredo co mmunga e
não tem o minimo respeito h um ano. Não fosse
elle assim, e eu, de certo, lhe não quereria tanto
quanto lhe quero.
Akgro-rne ~·ttt que SCJ ;1 ellc assim, 1.'
por ti dou graças a Dt:us, que te fará fdiz.
· -· O irmão mais vtlho de Alfr edo, o Fran-
cisco, este we p:rn·cc que t: maçon, pois soube
qu~: foi visto entrar um d!;t cun1 papae na loja
da rua do C<ttktc, :;1:1~ Alfred o é cathoiico ás
üircitas.
Como seriamns felizes, Jud:th, si pudcs-
semos dizer o mcsmu de papac ' Agora, nem
se pt',dc falar em assnmptos reli~riosos, com medo
de o offendcr ou magoar.
E' pena, mas deixar estar que nossas
ora\ÕL'S não serão :::m vào, e sobretudo teus
sacrifícios, Dulce. Deus nàu póde deixar de re-
cornpens:~l-os.
Queres encalistrar-me, Judith? Quando
é que cu fiz qualquer sacrifício? Nunca fiz nada!
Poi-s, sim. Os outros não perceberam,
n{'lll rncsrno mamãe; mas cu v.i quantas vezes
te privaste de doce c de sobremesa; sei quantas
vezes foste a limpar os quartos sujissim<Js de
docntes p-obres; sti com quanta pacícncia pre-
paraste creanças para a prim~ira Communhão;
sei que mais de wna n:z deixaste de i·r a con-
ct·rtos, ao thcatro, a passejo ...
- Cala-te, por <mlOr de D~us! - exclamou
a moça, a cujas faces subi-ra o rubor --- Tu vês
demais, onde não ha nada!
- Eu s~i o que vi, Dulce, e só sinto não
saber ser tão bôa como minha querida mani-
nha ...
Isso agora é demais! Não fales assim,
que me estás em·ergonhando! Vou deixar-te, que-
ridinha, qu<: já é tarde.
- Não; fica mais um pouquinho. !la tan-
to ternpo que não podíamos conversar assim co~
mo hoje ... Mas, que barulho é este?
Ambas se puzeram á escuta.
E' o düutor que de cer to esteve es-
crevendo até agora l' vae dormir .
5
l.;eve ser. Colltu o ach;-ts tu:; Eu s vm-
pathizei muito com e ll r, desde que o vi pela pri-
meira vez, em Wícs bad~n .
- · E' sem rre muito am avcl e attencioso, c
parece ser um espírito recto, em bora tenham
naufragad<J suas idéas n:: lig:osa•s .
- E' pena - disse Ju<l.ith - que já de-
pois de amanhan queira eílc seguir no Max pa'!"a
Santa Catharina.
··- Afin al, .isso é bonito, pois soube que
a mãe cstinra d·ocntc, e não póde dcixar de
senti·r ainda ma is saud ades dc ll a.
---- E tem uma innan, Dulce, que, pe lo que
me contou, deve ser um verdadeiro a nj ü1ho.
Tu me dis seste que elle pretende mu-
dar-se com a mãe c a 1rm<l!n para o Rio?
--- Falou n-isso a hordo, e cre-io mesmo que,
honte m c hoje d ~ tarde, pap ae e ell e for am vêr
para clle uma coll ocaçào conveniente aqui mesmo .
-- Isso hoje é tão diff.icil!
- -- Papae arra·n jará. De rna<is, cre io que elle
é bastante rico para poder passar sem empre-
go, ao men os por bastan te tempo.
- Sem emprego? Isso não o desej o para
elle. O trabalho é indispensaw·I para a fcl·i cidade.
-- Seria mag n·if.ico partid<J para ti, Dulci-
nh a ...
- Judith! .. . Não me digas isso! Que es-
tás pensando ?
Ora! que e llc p arece gostar muito de ti;
isso eu desoo br.i d1.:'sdc o principio.
·· - Ainda qu e fosse verdade, judith, c mes-
mo que eu tambcm gostasse delle, não me posso
casar ...
- Uê! que é isso?.. . Q;•e histor ia é esta
agora, Dulce?
Si eu tam born d eixasse a casa, quem
ainda trataria de papaô? Mam ãe não lhe diz
nada. Seus rnáus amigos .:ünda o firmam mais
em suas más idéas. Não; wi,n d a que eu tenha
~1St~

de s~ifkar o amor ma:s ardente d~ meu cora-


ção, hei de fazel-o, para salvar a alma de papae.
- · Tu és tão hôa, minha Dulce! E s tão
grande, que até me envergonho diante de ti!
Mas, por que pensar assim tão tristemente?
Deus não ha de querer tantos sacrifioios. Ellc
nos ouvirá já, porque tu és tão bôa .. .
·- Não digas isso, Juditb - respondeu
Dulce, retribu1ndo affectuosamente o abraço e
o beijo da querida irmanúnha. -~ Vaes rcsfriM-
te com o ar da noik; cu estou mas é rouban-
do-te o somno.
Oh! 4UCI11 déra que pudessemos estar
sempn· assim juntas a co nversar ...
O relogio da sala bateu as h oras.
Que hormr, meu Deus! J<Í uma hora !
- .. exclamou a mais velha. - Adeusi,n ho, Judith,
dorme hem, muito bem, e amanhan conta-me
mais muitas novidad·:!s d<' tua viagem.
- - Bôa no.itc, Dulce. Muito obrigada por
tua visjt:nha. Até amanhan.
Até amanhan.

Judith não tardou em adormecer. A irman,


porém, não conscgu:u conc·il:ar o som no . A idéa
de ter de separar-se em breve de sua innan-
zinha querida, sua confidente e amiga, c a vi~
sita de seu pae á loja maçonica, que cada vez
mais parecia prend·el-o em su:1s malhas, preoc-
cupavam-n'a demas iada mente. Em vão se agitava
de um lado para outro sobre o colchão macio e
fôfo de sua estreita camazinha de donze lla.
- Que mais poderei fazer por meu pae,
Deus do céu?! Por que não poderem os tornar-
nos fclízes e tranquillos?.. . judith tem con-
fiança, ah! pelos sacrifkios que eu faço. : . Mas
que sacrific:os faço eu?.. . Dormir em cama
fôfa e macia, e bem <~gasa lh ada .. .
Subita ·i déa :.ssaltou-a. Es tre meceu . . . Não!
Isso não era possíve l. .. Não conseguiria dor-
mir ... Mas ... Por qu~ não~; . . . Amo meu pae,
e não posso vencer minha commodidadc ego-ís-
ta? ...
E, com decidida ..:nerg:a, a delicada ~ for-
mosa menina salto u da cama, collocou o t ra-
vesseiro no tapete, e, tomando o cobertor para
cobrir-se, estendeu-s e no chão duro, para ali dcYr-
mir a noüe toda ...
Quadro original e m houdoir tão lu xuoso !
E isso resolveu a gentil donzclla fazer sem-
pre. todas as noites, até C]tt e fo,;se conseg uida a
conversão de seu querido pae . . .

--((0»--
xrv

lnnocancla

m ;t co mo que pu lverização de cin-


za enchia o esp aço. O campo ex-
tenso, em \·astidões ampliss,:mas,
afigur ava-se como neg ro, e o ga-
do, ávido, precipitava-se para os
terre.iros abertos pelas chammas
devastadoras, a lamber com as largas lín guas as
cinzas que lhes deveriam substituir o sal.
Aqui e ali um tufo ou u ma g ram a verde
buscava torna r menos aspera e desol adora a de-
\'astação do campo, como arautos de capim novo
e \·erde que, em seguida á que im ad a, viria bro-
tar com seiva e rapidez incríveis.
Os enormes rôl os de f umo e cinza, e levan-
do-se ennove lados para o ar, ennegr eci.am o céu,
q ue se não tornaria tão cedo l·impido e lo uçâo
como antes, a não ser que sobreviesse uma chu-
va bencfica. Do outro lado do Canôas, extensos
taquaraes incendiaram-se, t alvez por descu:do de
algum viajante, ou por alguma fag ulh a da quci-
mada, que, levada pelo vent-o, houvesse (rans-
posto a dis tancia por sobrt: a superficie borbu-
lha'llk. A poeira de cinzas das taquaras, ainda
mais tcn ues e leves, voavam e eram levadas á
dist anci a cons.:deravel de mais de 1 O leguas, a
manchar as roupas <:stendidas na relva, prox.imo
ao Rio Pelotas, divisa dos Estados de Santa c~­
tharin a e R·io Grande do Sul.
Pouco mads de dois mczes antes, D. rk-
le na, depois di: haver rcceh:doo os santos 5acra-
mentos, das mão.,; de Frei ]os-:, ha,·ia cntradQ
em franca co:~valesc::nn; mesmo as:>im . d-.: ou an-
do em vez, necessitava repousar ainda no ie'to,
mas, especialmente no~ claros di as de sol, con-
seguia a bôa senhora, sem rna.:or fad!ga, ctcsem-
pei!h ar se us dever~s de dona de casa di l:-zen te
na fazenda de São J anuario .
O que ago ra a preoccupava dolorosam;: ute,
e e nchia d.: apprehensões a casa tod a. er:> o es-
tado precario de saudc d a fi lha. Tru d!nha, q1.H~
se sacrificára durante toda a enfcrmidad;: da
mãe querida, velando-a dda e no!tl! á cabeceira ,
emmagrecera e s~ de bilitára a olhos v:stos. A
extrem a pallidez, quasi 1:\·ida, trouxe ra novo
toque de belleza distincta a seus traços f:nos,
dando-lhe algo de aristocratico, que lhe r~ 4u i n­
tava os natura;:s encantos. U:::l:cadiss ·,na ~ tão
c!ebil parecia, que se acrccl!taria pudesse pr ot;~
trai-a uma rajada ele \'Cnto. Receitaram~lhc tonic0s
c reconstituintes. . . debalde ! Tom ára-os todJs,
mas as côres da saude, aquellas l:ndas c)r,•s
de outrora, não lhe voltaram ·nais.
O ve lho Cyrino, sabedor que era d ~ que
jámais o poderia faLcr com o assentimento d:;
sua linda menina, procmára ás occultas o Ma~
noel Côxo, bcnzedor de maior ,·oga em toda a
Cochi lh·t Rica, para qu.:: ellc, ao men·;:,s d-= lo n-
ge, rezasse uma hençarn rodaosa sobre a pa-
trô ~ z i Hha. Tudo em \'ào! .. .
Trudi·n hil def.inha\ :1 cada \'1..'/ m:1's , :1tt- q ut:,
l'inalnlêllt<:, () proprio mcuico uão mais uesco-
hr:u JT ilJCuio par;• clla, a não ser a inclefrctiH:l
mu da nça de ar.
- Meu f:lho voltará po r e stes d1ias de s ua
viao·t:Jll :í E uropa, doutor disse D. H e le na
lllil,., dia au -facultat,!\·o. Será poss:vcl esperar
a \'O lta cklle, p ~1ra então sah ir mos daqui ?
Sem du\'ida, min ha senhora, priucipal-
mc llk agora qu ~ o ve rão vac come çand o . Com
o bom tem p o, aqui mesmo s ua fi lha po d ed
t: n tr ar em fr ancas melhoras, mas sempre aco nse-
lho a •nud an ça de ares, que inf lui rá muito salu-
t;,r: ne nte s obre a s ua constituicão bastan te d ~ b!-
litalia. ·
Um;:: c huva bcudica, forte mas rapida, lim -
pou a at mosp hna, e logo após irrompett o sol
com seu!! raios q ue ntes, doi ra ndo o ::un b:cnte t '
fa zendo mais ccleres brotar~ m as plantações c
as hcr \'a;;.
Despertou-s.:: como qu~ uma grande a legria
de viver. As emanaçõ-es bals amic as da f loresta, o
cheiro e st imu lan te d as matt as de d etr az da fa-
zenda, convida\'alll a procurar ne llas esse ton i-
C0, que t umnltua na e xube ranc ia das seiva s qu~
avi,·cntam os robles e as p lant·inhas tenras c
:1s cn re dade iras .
As du as sen horas djspuzeram-sc e f oram
t:m passeio á rna tta prox·im a, corta<la por uma
pirada. que vinha <!c uma fazend a dos arre do res.
O chilreio dos passaro s em seus n:nhos, nas ar-
vores cap adas, ou a saltitarem al acres de ramo
e m ra mo ; o murmurio mystcrioso c poet!co d o
regato límpido, que serpenteava e m plena flo-
resta ; as exhalações s adias e fo r tes de toda
essa vibra nte n atureza em flôr; a calm a t ran-
quill a e m ajes tosa, apenas interromp:da pelo
ca nto das aves e o r umor confu so dos insectos
mu lt icôres ; as dansa-; c aprichosas das borbole-
ta" polychrom as - tudo isso de liciosame nte c n-
ClHt;t\·a, animaYa, daya á alma c ao coraçã o
um a violen t a e ard ente a legria d e viver.
falavam pouco as duas sen h oras, e mbe bi-
da cada uma em se us pe nsamentos ; e, quan do ,
p01·quc a tarde se adiantava, D. H e le na d emons-
trou o desejo de regressa r a casa, o nde ti nh a
serviços urge ntes e m que cuidar, Trud!nha, que
se sentia muito tne lhorme nte disposta nesse dia,
pediu-lhe com carin ho q ue a deixasse ficar mais
um pouquinho.
-·- Já que tu o queres, filha . . . Sinto -me
tão contente po r ver qu e t e fa z bem um dia t ão
bonito. Estou ce rta de que vaes mel horar muito.
-·- Sim, mam ãe; sinto-me hoj e muito mais
forte . Si o s dia s fosse m sempre t ão lindos co -
mo o de ho je, e u creio que estaria restabcleoída
muito em b reve.
Deus o quei ra ' Mas te m sem pre cui-
dadinho comtigo, filha. Não te f atigues tanto.
E' melhor que repoises um pou co n o banco df:-
baixo do pi nhe iro grande .
- Qua ndo sentir qual que r ca nsav>, ireâ sen-
tar-me lá, e meia h ora d epois est-arei de vol ta
a casa.
En tão, ah.; j á, filh-inha.
Até já , mamãe.
D. rlelena voltou a casa, e Trud inha, de-
pois de lento e longo passe i-o, foi afi nal em
procura tl o vel ho e enorme pinheiro, bem no
centro da matta. faci lmente o e ncontrou, c ao
banco que lhe estava á sombra, e sobre o qu.al
sentou-se pensativa, a scismar .. . F az!a ta nto
bem ficar ali scism ando, em pl ena flo resta! ...
A(\Uella tranquillidade ... por co mpanhia ape nas
o regatinho m anso ... os pass aros c hilrea ntes ...
as flôres ... as ve lhas arvo res am igas ... as bo r-
boletas azues ...
Lembrava-se do irmão, que dentro em pou-
cos dias deveda chegar a São Januario . E sen-
tia-se co rn mover co m a idéa alegre dos beijos
e abraços que lhe daria, a esse bo m 1rmão, que
se fôrn para tão lo nge, tão longe !
Viria e lle mudado, depo :s d e t amanha au-
scncia?. . . Dizem tan to mal das v!agcns, e que
a Europa é tã o pe ri gos a ... Mas voltava ... est a-
va quasi a chegn r.. . E que cois as l:nd a-;; não
conta ria elk d t> Par~s. .. da cxposiçüo d ·.: Bru-
xell as . . . do R heno. . . de tanto s log ares boni-
tos, cu j a bc lle za e lla acl!\·i nhava pelas carta ~
dclle ...
Seu irm<io. . . seu t.mico jn nã o !. . . t:m
crcança brig-aram tanto .. . ToLices de creanças ! ...
T odoso os d-.ias a mesma resi ng a, a m esma teima,
a mesma hrigu inha . . . m as isso não imped ia
que se qu!zessern tanto, t an to, co mo s6 Deus sa-
bia! Q u ando c llc se despediu, qu e ia para a Eu-
ro p a, e a abraçá ra apertada ao p eito, ah ! no
beijo que ella l he deu j á ia an tec.~pau a toda a
saud ade da a usencia que ia v~r.. . Amava-o, ao
querido irmão, am ava-o ma!s que tud-o, abaixo
de Deus c da mam ãe . ..
Urn an~elico sorniso transfigu rava á jovcn
as feições, ja natur alment e f ormosas e d e licadas.
Um:l intima alegria reflectia-se-l he nos o l!Jos,
nas linh as graciosas da bocca bem talhad a, ·2m-
quanto os rai os d-e so l e brisas me igas brin-
c<avam-lhc com os cachos do ondeado cabd !o
negro.
- Decid1damente mais bella que Vcnus, a
formo sa ! excl amou subito u ma vo;r: rnascu-
li·na, bem proxlmo.
T mtiin h a estr<:llleccu tod.t, como s i 11m a pi-
1h a electric a a vibrasse. A h! que ru de despertar
de sonho t ão l-i ndo ! Ao e nvez do irm ão, cuja
lembra nça a e u levára, via nl i, ct:ante d ei la, o
ru de filho de urn dos f azendeiros da vizinhança,
estroin" de lllá reputação, envolvido mtdas ve-
zes em escandalosas aventuras equ:vocas.
A jov... u, que poucu ,mtes tinha a~ faces r-o-
sada,; pela e vocação das imagens querid as, dos
quadros c das esperanças da famil·ia, cm pall·: dc-
cett \·iolentamente. tornando-se brnnca como a
cer:: ... Tremia ... A:; mãos procma,·;.u!t apoiar-
ro::1 t;_; ;; ' - '

se uu \~IIJ , , !ronco do pinheiro, ~ foi n>~!l Yu/


suprlic<.~uíe c o ol har tim:do que bal b,rciou:
--- Bom d<ia, sr. J oã o .
Muüi ss:mo bo m dia, minha be lla! Que
bôa estrc lla !li( conduziu a esta picada, onde
l:a v<:ria de encontrar, mais form osa qu e nunca, a
me lindras;: fl ôr de São Janu ario!
- Eu e stou bem doente! - q ueixa ram-
se a voz c os o lhos mago ados da m eniua.
-- Doente? .. . mas bel la como nunca, mi -
nil a linda! Olh a, \'elll cá ...
Ah! não me t oque, senhor!
Toli nha! O lha .. . \·em . ..
P a.ra traz! i•nso lente! m~scra vcl: Para
tra7! Jesus! Soccorro !
- Não sejas tola, qu erid.i nha. Has de rne
dar um beijin ho.. . s~n ã o ...
- P ar a traz ! malv ado ! Nunc a! Soccu rro !
.I\\;, m à e l Cyrino!
Não grites tanto, me u passa rinho espan-
í3do. Est;ís em meu poder, e desta vt:':z nã o es-
c:;p as !
A her oica menina, fó ra de s-i, convulsio-
nada pelo medo, pela ind ignação, pela cólera,
pela vergonha, de batia-se, d..:fende nd o-se de mãos
e p és. Era uma luta desigual. O rap az, vigoro so,
fmsosamentc a s11 bjugaria. Tn1di'!1ha se nte-se des-
falfecer, diante da brutaiidade cobarde .. . qu and o
um a voz de trov ão cst rugiu :
- Corn mil demonios ! M á raios te partatll,
rap:1.z! -- c u m socco terrível no craneo do tni-
sera\·ct fd-o camba lear e largar a sua victima.
Uma das mãos de ferro du Cyri no n ã o ta rg,o u
a presa, depo.is dü socco form1d avd, em quanto
<t outra, empunh ando o chicote, que a ntes lhe
pendia ;Í çinta, fel-o v;brar e nergico e justo
sob!"~ o corpo todo do insolente aos berros, até
qu e o f iel çapat az percebeu que a su a q uerida
patrô azin ha, qu e desmaoiá ra, necessjtava de soe-
corro. Despedindo forte e pouco amave l pon tapé
contra (,) fil ho üo fa zendeiro vizinho, Cyri no to-
~ 140 1.'-:7:

mm1 Trudinha nos braços robustos c, com um


cuidado verda de ir ame nte m aternal, reconduz:u-a a
casa.
Violentíssimo foi o ch oque q ue feriu D.
Helena, ao vêr a filh a tra zida em de-maio no s
braço:; do capataz.
Millh:J Nossa Sen ho ra! que é que acon-
teceu?
N ada, patrô a! O. T ruc! i-n h a se assustou
um JlOUCO. . . Vosme cê ha de vêr q ue. não foi
nada.
-- Meu Deus do cé u I Q ue desgraça I
- - Foi só fraque z a. Isso p assa já.
Uma hora, p orém, deco rreu , antes que a
joven voltasse a si do desmaio, com o olhar
desvairado:
- Onde estou e u'! ... Para tra7.! P ar a traz,
míseravel!
Acalma-te, Trud.i nha ... olha, sou e u ...
- Nã o me toques! . . . Socco rro 1 Soccorro ~
- N ossa Senhora ! ... Fica ca lma, Trudinha.
Sou eu, tua rnàc! ...
Trudin ha não se acal ma va, repeti ndo expres-
sões angustiadas, ora de t er ror, ora de supp li<:a ,
ora de re pulsa; mas, le ntame nte, á força d e pan~
nos molhados e m v·inagre, ap plicad os á f ro n te d a
moça, con seg uk a rn sua vizar a v:olenci a da crise,
até qu e cahiu ella , exhausta, em som no prof un do.
Então o C yrino n arrou minuoi·osamente a
scena infame da floresta, que elle chegára a inda
a tempo de atalh ar .. . A po bre mãe s oluçava
haixi·r.h o, e mquan to o be llo quad ro, a qu cl la ca~
beç,t de creança, magistral mente p intad a, e que
representa va a l nnoce ncia, olhava para a fronte
pallida e pura d a virgem adormecida, e parecia
dizer-! h e, a sor r·i r :
·- Dorme en t paz ! E's a..inda inno cente e
pura, lirio , victi rn a do amor á pureza dos J,r rios . . .
E os J.irnd os labios da lnnocencia sorriam .. .
sorriam .. . com enlevo e co nf iança infinitos . . .
SEGUNDJ\ PJ\RTE
XV

Um marinheiro ás direitas

encnte Alfred o Rosa de Sall es,


no·i vo d e minh;: f:lha .. . O tlr~
Anton~o da Costa Barros - arre-
scntou n commcndad0r um ao
nutro os dnis moços, sahindo do
gabinete, onde longame nte se en-
tretivera em a-n•im ada confcr cnc:a com o official.
Um raio qu~ su blto -~sta l asse e cah!ssc ali
a S<~ u s pés, ~m pi cHa sala, niio fulm inaria ma:s
violentamente o joven dr. Costa Barros, do que
aquellas simples c b;maes palavras do velho
co mm cn d<~d o r : «ll0ivo ele min h a f:t ha)). . . Em-
pallideceu sensiYdmente. O assoalh o atapetado
do salão pan~n: u que lhe oscilla va sob os pés.
Uma nuvcrn, corno 111na sombra d~ gaze, c nn c-
voou-lhc os olhos. . . ,
-- Que seu te u m<:u am igo? - indagou
logo, solicito, o tommc ndador. -- Sente-se mal,
não é? Olhe que es t á paliido como um defunto.
- Isto não é nada! - repl·icou Anto nio
wm a voz m al firme. - - Passo ao jardim, e
num minuto est arei 111elhor. . . Isto abaf a !
Cumprimentou leve c rapidamente os dois
cavalheiros, e sah~u.
---- E' um excellcnte rapaz, tenente, e que-
ro-lh e muito bem. Salvou-me a vida, como, por
certo, minha filha já lhe· ha de ict: contado.
Po·is não, commen dado r. Eu des ci~ logo
sympathizei com su as ma ne:ras f ra ncas c sinceras.
Durante esse tclllpo, Antoni-o, a passos lar-
gos, perconia, ncn·oso, inexplicavelme nte nerv o-
so, as aléas do jardi,ll . Um s a ngue impetuoso
c quente lhe subia ás faces. O cc>.raçào batia-Ih'.:
no peito como ur1.1 marte llo furioso a querer rom-
pcl-o. Sentia que se I h~ iam arrcben ta r as ar-
terias en tumcddas.
·- · Aqudlc sujeito ... o noivo!
Numa cou,·ubão irreprimive l, so ltou uma
gargal had a estridente:
Noivo.. . delta 1 •• • Mas esse homem
está louco! .. . Quem poderia ergu er os olhos
impunemente até clla ? 1 •• _ No entanto, o com-
mendador disse-o.
De um relance, Co,;ta Barros comprch<~ n­
deu toda a vio lencia, j<i agora indomavel, do
amor que sentia por Dulc('. Não lhe era pos-
sivel nem a simples idéa de consctttil-a esposa
de outrem . . . E esS(' typo... esse tenente de
marinha ... Ladrão! I-ly pocrita!
Ladrão ? Hypocrita?. _. Mas a culpa não
devi a caber toda a c lle mesmo, Antonio da
Cost:~ Barros, que tão estupi-dam ente se conser-
,·ára mud-o, SCll l dc·ixar falar a pf!ixào i.udomita
que lhe convul :;.i·ona,:a u peito? ... Por que com-
metiera a asneü·a de assim deixar que as coisas
corressem , corno s-i uma moça prendada e linda
como Dulce não houvesse de attrahir todas as
attençõcs . . . não hum-esse d.: d espertar senti-
mento;; e mesmo verdad('íras paixe<)S e m todos
os jovens que a vissem, ainda que fosse urna
vez só! .. _ Louco!... Mas o louco hav·i a sido
elle! tendo tão proxirno 11111 theso uro primo-
roso, não soubera conqui,;tal-n. E agora ? Agora,
que se ria de sua vitia despedaçada ( Despedaçada
p ara s~ mpre? . . .
Um so luço amargo lhe fez s acudir o pe ito
:mgus tiado. Nunca dantes soffrêr a <J 4uc so f-
fr ia agma. Ah ! quanto, d urante essa longa Y-i a-
gern ao estrangeiro, h avia de sejado voltar para
rc vêr os seus! Tudo , por mais lindo, po r mais
interessa nte que, diante de seu s o lhos m ar avi-
1h a dos, s urgiss~ nessac; terras exo ti cas, para seu
!:!Spirito de prO\ .Í·nciano , t ii o moço, a tirado a essa
surpresa dos sentidos que são as viage ns por
paizcs c par agens civ!liLaJos c ape nas de no me
t' d e f am a con hcoidos pelas p agi n as dos co m-
pendias ~.: d os li vros de descrip çôes dus excur-
s ionis tas , 1ud o isso e ra nada d iante da al egria
que na a lma e no coração lhe havia i rr o mp~do
qu ;tn do avistára as cosias d a p atri a, que lhe an-
mm ciav am iria em b reves dias estre itar ao peito
os pei tos amig-os d a mãe qu er:dissim a, da irman
que ta11 t o be m Ih e sabia querer . . . Mas, destl{:
qtH' tran s puzera as largas por ta.:; hospitakj.ras
do p alacete do co mmendad·or C as tro, uma outra
impressã o m ais f orte o p rendera, sem cllc mes-
mo o pen.:eber d~ pro:npto : Du lce to rnára-se o
ce ntro de seus pen s·toil ·nt<J<;, o i ma n irres:s tivel
que o attra hia . . .
Muitas vezes, as mais das ,·ct.es, estavam
e m d esaccordo c wntraria -. a. n-sc t' lll di scussô cs
long as. Mas q ue prazer delicioso c nC•J tdrava clle
n~ssas mesmas d1scu.:;sões! E lla era pied osa, ca-
th o li ca, tah·e7 demais a seus o lhos de llluco
sccr tico . . . mas, ror isso, a lg uma \·cz deix:í í·a
lk cump rir u m só qi!c -F oss~ de qu a lqu e r elos
seus devere s d ~ bôa -r:l h a ou :rrnan? Pelo con-
trari o : era el la d.: uma piedade sol'da, que ainda
rna·is lhe grangea1·a uma confiança infinita . ..
E linda ! A h' si Dulc.: era linda' .. . Mes-
mo Judi th, que era ia111bcm tão b o n~ ta, p odia
lá, nem de lon ge, comp<tr ar-se com D ul ce? ...
E que coração! . . . E que es pírito ! . . . Que r iso
de crystal! . . . . Que \ 'OZ harmo niosa .
~ 116 "17>

E agora ?.. . lr-se ... e não mais vê l-a, ou


vê l-a de pDS Se d esse te nente de mil infern os ? . ..
Deu uma forte pu·nhada co ntra a pequem mesa
de ferro do car:un anchel a que che g-á ra, e, dc poi,.;
de se hav er pesad a mente se ntad o no banco que
a ladeava, poísou le-nta e ma g uacl amc nte a ca-
beça sobre as mãos, apoiadas na m.:sa, e e n-
tregou-se á infinita tristeza de se us pens am entus
sombrios ...
Leve s p assos se nti am-$(: pruxi111 os, m as An-
tonio não o s ou via s!quer ... e mquanto dois g ran-
des o lhos negros o contemplavam . . . De subito ,
despertou-o um a voz dul císsim a, qu ~ o vibrou
em sobresalto :
-·· O d outor está d oente? Não que r ,·ir
commígo? Nós u espera v amos p ara co mnos co
levar p arabens a Judit h, qu e é noh ·a .. . No.iva,
a manJnha, imagi ne, d outor! ...
Eram muitas e moções se guidas, c Antonio
sentiu que a razão lh e fu gia, e mquanto lh e va-
cillavam as pernas. . . Mome ntos a ntes, p allido ,
de livide z doentia, a gora, f o rt<: ru bor lhe afo-
gueava as faces. Q uiz fal a r. . . ap 0nas conse-
guiv balbuciar algumas palavras . . . Apo!ou-sc a
uma das v a·ras do c aram aa che l, mas de 111 anei ra
tão perturbada, que Dulce, seriame-nte a ffl icta,
repetiu:
- · Mas, dout or .. . o sen h or está mes m o
doente! Precisa trat ar-st~ ! . .. Q ue r q ue lhe dl? ~J
braço p ara apoi ar-se·~ Vam os ... va mos para casa !
O joven a cceitou , f ebrilme nte, o braço, qu e
com tã o cari•nh osa gent ileza lhe e ra offerec:d o,
e como um a explosão as palavras lhe af flui ram
do coração aos labios, a principio co nfusas , num
mixto de ve rgon ha, d e alegria, d e d ôr, d e r!so,
de ac anh ame nto, d e tud o . . . P ou co a p ou co, po-
rém, conseg uiu ir aca lma nd o a exci tação até qu e
a dom1no u p or co mpleto.
Deveria confessar a Dulce que momentos
antes acredit á ra fosse cl la a noiva? E qu e, por
iss:~, f qu(' tanto Sot.' se nt ira? . . . Dir-Jhc-ia, e rn -
~ 147 ~

fim, que a aiua\·a, o h ! que a amava perdi<ia-


mer.te ?.. . Não era p ossivt.'l. Os labias cerra-
vam-se-lhe, sem attentler ao coração, que an~ava
por manifestar-se apaixonadamente. E elle ai~; de
braço enlaçado no de lia... Ah! por que este
jardim, que ai·nda hontem a clle lhe parecia tão
espaçoso, era, d e facto. tão peque-no!.. . Por
que se nã o estendia dle leguas e leguas, por
que era tão curta aquella deliciosa alameda do
parque? ...
No grande salão d<' \'isitas, Dulce deixou,
emfim, o doent(', j á completamente restabelecido.
····· O doutor t:stava indisposto, papae, mas
agora parece que já lhe passou o fi.ncommodto.
Antonio, com v~va c sincera alegria, cum-
primentou effusivamcnte os noivos e os paes da
noiva. O tenente, esse mcsm<J tenente dos in-
fernos, que elle pouc.o antes amaldiçoava, pa-
recia-lhe agora um cxcellente rapaz, em quem
descobria qualidades aprimoradas, uma franqueza
toda milHar, que não podia deixar de despertar
sympathias verdadeiras . Os bigodes, a Kaiser,
davam-lhe certo ar marcial, em contra-ste com
a bondosa e quasi meiga expressão de seus
olhos. Esse contraste mesmo dava a seu todo
um aspecto de energia \'iril e de bondosa bene-
volencía, que ag-radava. A fa{·da, impeccavelmente
bem talhada, assentava-lhe <..-omQ uma luva.
FalaYam sobre Portugal, embora os noivos
frcq\ten tcmente descobrissem ensejo de fugirem
á conversa geral, para engolpharem-se em seus
sonhos de futuro.
- Eu julgo deshonrnda a farda portugue-
za, pe la covardia de seus officiacs - affirmou
o tenente.
- Não tentar uma resistencia séria e re~
soluta, é demasiado --· concordou o dr. Barros.
- Elles só souberam ser fortes contra os
fracos, as pobres fre iras e os padres, não é
verdade, papae ? - atalhou Judith.
- Infelizmente assim é. Portugal se está
~ 148 b->

t orn ando a vergon ha do nwndo inteiro. Ao en-


vez d a liberdad e que os propagandistas promet-
ti am, o que a!.i se vê é u rna oppressão cyn ica,
a par d~ urna nid i·cu la ostent ação de força. AqtJi !lo
ali não é uma repub lica, é uma far ça .. .
Farça tr agica - commc ntou Antonio.
Contra a Egr" ja, em Portugal, foi des-
fechado o golpe de morte, de qu e se não re-
erguer á, a 'llàD ~ cr po r mi lagre ... e mil agres ...
já se não ,·écm em nossos dias !
- Nã o ha mais milagres, do utor? Pois
o lhe, eu cre io na rest auração da Egreja em Por-
tugal. M aior mi lagre foi o conse rv ar-se e pro-
pagar-se no mundo o christiands mo, a pesar das
ma is cruc is perseguições que lhe m o,·eram os
tyran nos. P or que haveria P ortugal de fk a.r
abandonado de De us, e pr.ivado da g raça desse
mil agre?
- Minha futu ra cun h ada tem razão
apoiou o tenente. O trium pho do ch6stianis-
mo no mundo é d e ta l natu reza e tão irresisti-
vel, que consti tue t1m milagr<' por txce llencia, e
confi{J que ha de realizar-se tambem em Por-
tu gal, que e u amo sinceramente, po rque é a
p atria de me us avós.
- Ap recio seus nobres senti mentos, ten ente,
-- replicou o dOLttor - mas essa histor ia de mi-
la gres, de seu lpe-me, não posso d e ixar ele jul-
gai-a um pouco c xaggerada . ..
Exaggerada? Abso lutamente nã o. Para
mim, a simp les idéa d o ch ristianismo no munlio
é o que muitas \·ezes me confirmou ainda mais
na fé. Lutei muito. Sabe o d ou to r p or qu e'?
Mi nha noiva e tod-os pódem sabel-oQ.. . Eu s áio
á rua, e vejo: que movimento extraordjnario ! Vo u
á Cen tral, assisto á sah ida e chegad a dos co m-
boios . . . que agitação febril, que aúf am a, ás
carreiras, ás pressas, empurrando-se uns aos ou-
tros . . . e para que? . . . Dizem que nós somos
uma sociedade christ an. Mas, acaso, consideram
todos esht \'ida como coisa passageira, como
simples mas rnexoravel preparação para a outra
vida? par a uma etern idad e ?.. . De toda essa
multid ão que se agita em febre, qu em se agita
e apressa, solici to, par a cu:dar dos i•nteresses da
alm a? Perg un te a todos . . . c kl-o-ão po r louco ...
«Vê que ali vae um, a correr, es bafo rido;
segurem-n' o, f açam-n ·o para r, e interroguem-lhe
si lhe está bem a al ma, si está prompto a com-
parecer perante o Supremo Juiz, si agora mes-
mo, inesper adamente para ell e, fô r cham ad o para
a eternict ad r . . . e o louco - elle, sim, lo uco,
chamarú o r rimeiro guard a civil, e mandar á o
importuno para o hospício. . . O que eu vejo
{: o bsen·o, pódem os srs. pe rfeitamente o bservar
': v€~ r. Passo pela por ta do palaciü do Cattete,
pela dos nünister·io s, pela da Chefia da polida,
pela P refeitu ra, c. . . que vejo, como qualquer
dos srs. póde vêr e já têm vist o? Uma onda
de cavalheiros distinctos, da nossa melhos socie-
dade, nas antesalas, longas, lo nguissimas ho ras
;í es pe ra, com paciencia infinjta c sem se quei-
xarem da de mor a f atigante . . . sempre amavcis,
diga-se logo : se mpre e d cmas>iadamente humildes.
E po r que? P or amo r á virtlidc? Qual J Sim·
ples mente por amor aos pro prios interesses ma-
teriaes de cad a um ! Este aguarda um despac ho
f avornvel, aquelle , a collocaçào re ndosa e com-
moda para u m f i!h{) o u pro tegido, ou cois a que
o valha ... Mas não é npenas -isso. Vamos adiante,
e encontramos uma egreja. Diz-me a f é, c eu creio,
que ali reside que m é mais que ministro o u pre-
sidente de rcpubl·ica. Entro a vêr quaes os que
ali lev am os seus req uerimentos a deferir ...
q ue m pede que lhe sejam relevados pena e cas-
tigo. . . q uem vae implorar collo cação salvadora
c e tern a para si proprio, para os f ilhos, a f a-
milia, os amigos . . . e não vejo ninguem ! ... Mas,
não J P or vez{'s entr am algu ns. Diz-lhes a fé que
Je sus Christo est á na r ealid ade presente no ta-
bern aculo. Prostram-se ent ão para ado ra i-o ? Q ua l!
Voltam-lhe as costas . As ama bilidades c gentjJe-
zas s ãu de cumpri111e nt os u ns aos outros: colll-
bina-sc um I~a sscio ao Corcovado, tratam-se ne-
gocios ...
«Sáio d o te mplo impressjonado.. . e diante
de outra porta vejo qu e se agglo mc ra a multi-
dão. E' um palace te swnphws o. . . Luzes em
profusão orie ntal. . . Criados d e: farda agalo ~t ­
da ... Imag inaria m os s rs. que é a mora-da fau s-
tosa de um pri·ncipe das mara vi lhas? Não, uh !
não! E' apenas um cinema.. . E ntro... 1" fi ta:
Xisto V. O s srs. sabclll: U l! l insulto ;í f~. ~
moral, á verúadt: h is torica. 011 c :mporta? E ' dt
catholicos a platéa, u11 , pelo me nos , se dizcili <.::
se acreditam cath o licos ... e nc nlwrn dcl les pro-
testa contra a affronta! Convic ções? ...
« Convkções·~ .. . Sinto-me ab <llado c a mim
mesmo me interrogo: Quem t erá razão? Ellcs,
elles todos, entre os qu aes eu sei que ha tt<J-
mens illustra clos, que, no enta nto, vivem com o
si .não houvesse Nem Deus ne111 eternidade, ou
eu, que no regaço de lllin h a m àl' apn·nd-i a co-
nhecer, a ad orar, a ama r nH~l l Deus?
,,Volto para casa. Na pri meira C'S![II ;na, meu•;
olhos cáem em brochuras, rc \"istas, jor uaes illus-
trados, dercnd ur ad os a uma pare de qualqu.:r ...
e eu córo de os vêr ass!m! M.i nha mãe rn~~ ' ~n­
s~nou que ha Ulll preceito, que é o dt> 6'' man-
damento, c e u ali, e m publico, ás escancaras,
vejo que sr cs tad ei am gravuras qur nãn lhes
posso de scren>r.. . No entanto, toda a g-ente
passa diante dcll as, c nin g uem pro te. ta! Al g t!ns,
num cynismo rc,·o ltantc, páram c co nt\~i n plalll
as ·illustraçõcs dcmas,iad amantc sngge!:'tivas ... ou-
tros compram-u'as, at(·. c r ~a n ças! ... E o mercad u
d o dcclivi o continú a . . .
«De novo rnc inkrrogo : Quc111 está CliJ
erro ? A s-ociedade, q ue parece ter abo lido o
6° mand amento, ou c u , que p o r ellc m e crt'io
obrigado a C\'.i tar c a dc:xar de faze r tan ta coisa ?
«Eis-me em casa. . Pego de um jornal.
O Medeiros Alb11querquc, o \.onst:.~ncio Alves,
c outros, rep ;: t<:m o r ea lejo de suas verrinas
contra a relig.i ãn rev e lada. Aque\lc é membro
da Aca<lcrnia Brasileira, c e u um simples te-
nente da Annada. Que m te; u r azão? N iio labo-
rarei eu em erro? ...
GSim, 1sso me preoccupa o esp3rito muitas
\·czcs .. . l~so me faz reflccNr . ..
E a que solução chego u, tenente? - .. in-
terrompeu Ant onio, emquanto Ju djth, radiante,
contemplava o noivo com amorosa admiração.
- A so luçào está no su cccsso tr.iumphal d o
christia·n:smo que, humanalllente, seria limpossiv\_l!
Pensem um pouco. Quanta difficuldade existe l!tn
conquistar u1n punhado de homens para um sys-
tema philosopllico-moral, ou uma idéa re ligi'()-
sa! ... Cada qual tem nova itléa ... apresentam
pl a nos e reformas e aperfe-içoamentos que, no
fim de pouco tempo, promovem a confusão e
a ruiTia. Mas, si uma idé a religiosa hostiliza tudo
quanto o hOtne m .i ulga de licioso; si lhe prohtbe
scg11!Ír t()[l:ls as inclinações dos sentidos; si lhe
impõe sacrif: cios, co mo separações, em conflicto
com o qw..: lhe ped~ o coração ... haverá proba-
bilidad\: s:quer de que essa idéa reli giosa trium-
phe? ... Humanamen te, é impossível! Entretanto,
o facto é i·n nc gave l: Christo c seus d !scipulos
exig-iram :sso t udo - c venceram! Como exp li-
car esse: p hen omeno, doutor?
· Por suggestão, talvez ...
- Suggcs tão? Mas não sabe o se nhGr
quçn; lev ou ao povo essas idé<Is 110\'a:>, que
tanto e tão intransigente g ue rra moviam wntra
os sentimen tos eg oistas e commodistas da so-
ciotdaút•? Imagine que um punhado daquelles es-
tiv;:dorcs que o se nhor, ao desembarcar, viu no
Cát·s do Pharoux e ás p ortas da Alfa-ndeg a, se
lemb r;!ssc de v-ir á praça publica discursar a.o
povo, ;;, ap resentar um novo syste111 a ph:Josophã-
co-r-c lig-ioso, com a e s tulta pretcnção de para
e lle g anh ar :t fina f lôr d e nossa sociedade, os
len tes das nossas academias. os officia-t~s do exer-
cito e da mari·nha, os cscriptores, o s prop rios
sacerdotes!.. . Quanta gargalhada estru g iria de
tod a parte! Que ach ado d elici oso p ara os chro-
ni~tas, um João Luso, um j oã o d o Rio , urn
João Phoca!. . . Nunca m ais p odiam reapparc ccr
os rn1scraveis estivadores no mciu d e se us col-
legas! ...
«Pois bem, doutor, eu I hl: pergtmto : O s
apostol os ti·nham pusü,:ãn social mais e levada?
Haviam frcqu<:>ntado algum curso superior ? Jt:-
rusalém, a capital da )udéa, era me nos impor-
tante que o Ri o? Não floresciam as scienr i:1s
naquelle tempo ·~ Haveria quem os t o masse a
sedo si não esgr.:missem a arm a invencí ve l da
verdade?.. . Elles, os ig norante s, o s ho men s do
«povinho•; , tornam -se o s victoriosos, c onquistam
para suas idéas o s home-ns mais illustrados, os
maiot·es c os mais profundos pe ns ad ores de to-
d os os tempos. Isso não é Ulll milagre ? . . .
«M <lis ainda. A autoridade publica intcrvétn.
A policia --- qu~, na ve rdad-e, não e ram nossos
guardas civis prohibe-lhe s discursDs e mec-
tings; ame aça-os Lia confiscação de se us bens :
prende-os ; \-crg-as ta-lhes crue lmente as carnes a
chibata; são co nde mn ados , e co ndc mn adus final-
me·nte ao martyri o e á morte. E, n-o e ntanto,
são elle!> os qu e ve nce m! ... C omo explicar tu-
dD isso , douto r ?
- Effeciiv ament e, o senho r tem um a log'ica
de arg ume ntação t erríve l! Mas ... milagre . ..
afinal de contas . . .
-· Espere, do utor ; ha de COllVl' lll'n -se , e•)lllO
eu, de que s-em milagre não ha cxpli ca ~ão pus-
sivel pan este facto. O doutor sa be o que é o
nosso Rio . Q ue s ão ne lle d uas pessôas, po r
mais intelEgentes? Desapparece m na mu ltidão . ..
Jul ga poss1vel que dois estrangeiros possam, elll
tempo relatiYamen te curto, t ran sf orm ar radical-
mente nossas idéas s odaes relig iosas, abo lir nos-
sas festas tr;'ldicionae s, faze r nossas au toridade!';
apoiarC'm um culto de p aiz estranho, velarem pela
moralidade publica e p l"'ivada ...
A que se r efere, tenente?
- Ao seguinte : dois ho mens, um d{)S quaes
abs ol uUum·nte sCill instrucção, encontram-se um
dia diante das r ortas da immcnsa e culta Roma
pagan. Defrontam com seus muros colossaes,
p;·otegidos por fo rtif!caçõcs soliúas, que até hoje
resistiram á ac ção destruid ora do s tempos. Pene-
tr:un pe la Via Appia. Su bitamen te, vêem-se dian-
te de um tlaquellcs qu adros do antigo mundo:
u imperador, cercado de toda a n obreza, á frente
de seu s sold ados, e xpe rimentados em innumeras
batalh as, entre o cstridor triumphal das fan-
farras e as acclamações delirantes da multidão,
vac ao F ontrn R.omanum sacrifica:r aos deuses ...
f:, e sente-se, o senho r do mundo. Quem o
fará cahjr do throno? Quem se atreve rá contra
:t solidez de seus p alacios? Que m? . . .
«Aquelles d ois es tra ngeiros humildes, ob-
scuro ~ c dcsp resados, ell es, transformaram isso
h1do! ...
«Üs palacios Palat~nos, os templos do Fo-
rum, o Collise u im menso, as the rrnas irnpe r iaes,
tud o isso desabou . . . E o christianisrno ficou
de pé! A Roma paga n e a R oma catholica de
já qu asi dois mi lh ares de annos .. . Não é mila-
g re, d<X1tor ? ...
<<De que meios cl:ispunham, de que meios
la·nçaram mão os discípul os de Christo? Só
aque llcs q ue c mpreg ára o Mestre, isto é, os
mais difficeis de exito . . . As multidões sóem
deixar-se fas ci,nar pelo fa usto, pelo di.nheiro, pelo
brilho, pel o gozo - e C hr.isto escolheu cami-
nho opposto, u m nome c um signal que eram
de opprobrio e repu lsa ern toda a sociedade: a
cruz! E hoje? .. . Eu \'ejo a cruz ao co !lo de
minha noiva ; vejo-a ao collo de minha futura
sogra, ao de mi nha cu nhada; espero rner~ce l-a
e te l-a proxima a mim, si, como soldado que
sOti , me vir cnvo iYid o e m uma batalha; espero
~ lf:l~·,

se t~t.i! -:1
a torar-tHC a froute, 4llaHdo !iu:T tle ""-
parar-me de minha lll àe; q ue ro qu ..: c lla me co n-
forte em dia o ultimo qua11du tamb ~m a
mim me chegar a hora da !llortc ...
O joverí militar falava com \.()/. ardente ,.
enthusiasüca. A altcnção d:: todos vo lt<íra-s·~ p ara
ellc, todos pendentes de seus iab:os eloqucn tcs.
A noiva, o rg-ulh osa, fitava- o com o s olllos bri-
lhantes. O prop río dr. Costa Barro s sentia-se
arrastado pelo vigor c p ::l a cxuberantt dc,:: são
com que o j o1·cn marinh eiro deft>udia suas in-
timas convicções .
E que rem saber uma coisa? O qu;;
aànda ma.is me confirllla na fé cat Christo c
em sua o bra ... o qu ~ fat. co m qite e u jámais
me env~::r gonhe de minha re ligião, é que J esus
conquis to u não apenas as inte ll i~e ncias, o que
já era <;lifficil, mas tam be m os co rações ...
«T o dos sabem o qu·e é e o qll{: val e o amor,
e eu, hoje, noivo fe liz, n ão preciso entoa r seu
cantico s ublime. Mas, fran came nte , corno é e lle
de pouca duração nest e mundo! Quantos ju-
ramentos de uma am it.ade eterna fazen;os na
infancia e na mocidade ! Não serão sinceros? ...
Talvez o sejam. Mas \'em os anno s, vêm com
ellcs as se parações. . . e, pouco a pouco, as do-
ces im ag-e ns dos que amavamos tanto l'ão em-
p a llidecendo ... . es batendo-se . .. até q11c de t odo
se somt'm.. . Novo :llnor nos s urge, ma:s fo rte,
mais vibrante, mais impetuoso, capaz de vencer
o mundo, capaz de e scalar os . as tros . .. é o :mwr
dos dois s~xos.. . E' puro - ao menos d"2vt:'
e pódc sel-o; -- é forte, é completo; a pessôa
que verdadeiramente ama dá-se toda á pessôa
amada. Po·is be m: e sse grand.c amor se rá eter-
no ? Uma força h a d e v~ r que lhe pun ha ter-
mo, um a força que e u não sah~re•i vencer, por
mais que ardentemen te ame : a mor te.. . Q_u cm,
depois ddla, fala.rá de ·nosso g rande am or ar-
dente, sagrado, impetuoso, vencedor ? . . . Os fi ..
lhos? Eu não conheço nem o no me u os bis-
avós de meus pacs, que se devem tambem ter
amado co m o mesmo amo r ...
«H a o amo r dos paes aos filhos, ha o dos
f ilhos aos paes. Sei que são g randes, fortes ,
capazes de sacrifícios, lllas já nã o permittem
cc mp;:raçãc co m o d o s .:- s p o~o:; entre s i. P o r
muitos annos os f ilh os nã o avaliam a for;;a d o
amor dos p aes, e , quand o começam a compre-
he nde l-o, abando nam-n'os em 'busca de outro
amor... 1-'azem-lhes o mesmo que clles, por
sua V (:Z. fize r am aos seus progenit:>res ...
«E ntrc·tanto.. . vejo eu um tum ulu, que p -
::1a-is f oi t!sq ue cido. E' ll l<I só, o tm ico ::m toda
:t historia: (: hri sto vi ve, C l11·is to reina, Christo
gon :rna por tndos os se cul us ! Jovem, co mo nós ,
dot1tor, donzell as, l indas e puras como minha
uoiv~: c minh a cunh ada, adu ltos de d istincta r.o-
liição co 1no metJs sogros, todos, t odos esses, âté
a vida sacrificaram <\ ás vezes, após to mentos
horri\cis, porque não queriam ser infiéis c trai-
dore!':' a ess-~ Jesus, que mo rreu ha ta-n to !empo,
que j á lhes não falava, qu e j á nilo us an·imava,
que nã o os pod.• t f a-soinar com o encanto de sua
pnlavra. de seus olh ares , de :->et1s gestos, de sua
presen ça! . ..
:<P assaram-se os s~c u los, c lugub re ech ôa
n:! Eu rop a o clamor treme ndo: «f oi profanad<J
o ttnnu lo de Clu·isto! Os infi éis apoderar am-se
dos Santos Logawcs !» . . . Um fre mito de h or-
r or e de indig nação percorre e faz vibrar todas
as nações, c aos milhares de milhares os chris-
tãos dei x:nn o lar, a fa milia, a pat r ia, para, ala:n-
ceados pelas mais tremendas privações, irem a•r-
ran car aos prof an adores o turnul o d<J querido
M e:>trc! ... .
«E o utros christãos hou ve, e ou tr o s ha,
dou tor, q ue re nunci am a mais aind a: ao amor
puro, <JIIC os podi a uu ir a pcs::.ôas queridas de
outro ~e xo, e q ue os pode ria fa zer f eiJzes . ..
P ri,·:: JH ·S<' desk santo a111o r, -Fógem ;í sua se-
durçàu, :~ha n d -ona m :1 família, pae, miie, irmãos.
~ 156 '::::>->

tudo, para serem total, absoluta e exclusivamente


de Christo, desse Christo triump hador de cor a-
ções!... Eu não teria co ragem para tanto .. .
eu não posso re nunciar ao amo r ; m as estim-o,
admiro, n :nero ext ra o rdin a riamente aqu ellt>s q ue
a têm. E não menos do que e u, o douto r os
admirará.
O se nh o r fa la com mu ita convicção .
Consideradas as cOiisas debai xo d-o po ntn d e
vista sob que o te ne nte as ap rese nta, mudaria
muito o conceito elo mu ndo sobre el las. N o
entanto, não negará q ue h ouve m uitos frad es
e muitas freiras indig nos .
Mas isso que que r dizer? Ap reciará me-
nos o doutor aquclle be ll o l írio q ue ali ve mos
sobre a mes a. po r qu e sabe q ue ou tros ha f a-
nados e murc ho s? Devere mos despresar ou me-
nosprcsar os apost·olos, porque um de lles foi um
miseravel? Vamos a g>Ora ac har d etestav cis i odos
os engenheiros, p orqu e en tre el les hou ve 11 m d e-
fraudador , com o Lesseps?
-- De pleno acc ôrd.o, tene nte. Ap enas d e-
sejaria que, ao en vez desse bu rel exqui sito que
usam, elles vest is sem corn·o nós.
- Como qu-em? Co rno o sen btw ? t::nt ã o
c u deverei ab a ndonar a mi nh a fa rda e f aze r o
mesmo? Eu respe ito esta farda, q ue sym bo liza
minha patria ; e, po rtan to, compreheud o que c lles
estimem o burel e a sotaina, qu e lhes lernbram
o céu. Si lhes le m bram! . . . Não o fizesselll, c
não seriam os re ligiosos e padres t ão odiados ;
e o s ão p orque, onde quer que um delles ap-
pareça, em q t1 a lquer pa rte, se m d izer u m a u nica
pala vra, sua sim p les figtr r a severa nos d iz a nós,
o s homens modern os: «Sêde contentes co m o q ue
possuis: e u SD'U pobre vo lu nt ariamente; sê de cas-
tos: eu o sou por mil!lha livre vontade; obe-
decei: e u o faço p or amor a Deus». Um<1 p ré-
gação mu d a e, no entanto, eloquentissima! Não,
doutor, e u não teria a c>Oragem de imitai-os .
Sem milita r. Amo m inh a farda. Sou noivo ; ljitC:ro
fruír as venturas do lar. Mas ad mir0, sim, ad-
mi.ro aquelles que só têm um amor : C hristo ! . . _
Acaso Christo os fa z ricos ? _. . amados? ...
Dá-lhes ho nras bril han tes? ... Acaso l hes ctá a
consolação de uma affciçào se nsivelmente r etri-
buída?_. . Não! Pe rmitte qu e p adeçam cad a ve z
mais §Off rimentos, mais desgostos, o despreso e
tudo ... sem inte rvi r cm f avor d elles !. _. Q ue ar-
den te fé a d elles! Que amor ineguala vel! Que
heroism o o dos paes, que consentem partam seus
filh o; para ,·ida de ta manh()S sacrifícios! Que
so iíd <'l prova dão esses cxclllp los, que ain da
h oje são freque ntes, de qu e Alguem vive, m ui-
to longe, po r e lles nunca v:sto, nunca ouvido,
co m que m nunca falaram, lllas que no e n ta nto
am am, am am tanto, amam s obre toda s as co·i-
sas! Não esti vesse eu, cmuo estou, plenamente
co n\'e ncido da ve rd ade qu~ assiste ao c hristia-
nismo, e por essa simples razão e11 me conve n-
ceria!
E o senhor tem razão d isse de su-
bit u o commend ad or, que até e ntão se conser-
vára ca lado, ouYindo attcntatnen te a e nthusias-
tica explicação de s eu f uturo genro .
Disse . . . c um bri lho alviçareiro ful giu nos
olhos lím p idos de Dulce e de Ju dith.
- Eu bem sei - proseguiu o te ne nt e -
que nem toda a gente pe nsa d a mesm a maneira
que eu. C hristo co ntinúa a dividir e m d ois cam-
pos a sociedade. A um l ado da cruz, multidões
enraivccidas, que o ultrajam c o gue rreiam com
fuda; de outro lado da cruz, out ra mu lt idã-o,
que se prostra d e joelhos em terra, e ad on-o.
Mas ne m Ulll dos d C>is campos te m interesse em
qu e Jesus d eserte do mundo .. . Si o Sa lvador,
cansado dos ataques que soffre dos fe rozes per-
se&"tt.idores da Egreja, mo lossos enraivados , cu jos
lahctos i.nsolenks nossos pequenos Med ei ros Al-
buquerque, Lopes Trovão, Coe lh o I isbô a repe-
tem ; si C hristo se resolvesse a ceder-l hes o
ca mp o, a de ixar a sociedad e en tregue a si rnes rua
e ao desencadear de suas p anxões bestia.es, qu e
acred4tam os srs. que acon teceria? ...
«Ü operario, o pobre homem d o povo ,
suppHce, ergueria as mã o s, imploran d o a Je sus
que se não fosse embora, que o n ão desampa-
rasse - a-o menos Elle! -- pois que seria o
miscró esmagad-o! o misero trab al h ad or precisa,
tem necessidade de Jesus. Ell c só dispõe do
braço que trabalha, e o tr a balhü d e se u braço
é explorado pela ambi ção d o gaHho. Si Christo
abandonar o mundo . . . s i a e xp loração dos des-
protegidos não mais lhe rccc.ia r a justiça, que
será dos opprin1idos ? Os opp rcss orcs d is põem
da força, possuem can h&._>s e couraç ados c exe r-
cltos.. . Ai! dos trisks, que s erã o esmagados,
si Christo desertar d o mundo !
<<E acreditam os srs. que sómcnte os p (l-
bres lhes sentiriam a falta ? N ão! T a111h crn o
rico, o capitalista, o patrão, a au toridad~ p u-
bLica! Não p ódern - se ntem, s abem e l les que
não póde m ~- víve r separados de Chr:isto. Sem
a autoridade de Jesus, que outra autoridade
subsistirá ? ... Os dem olid ores da autoridade são
maioria, formam leg iões.. . Armar-se-i am.. . Se-
ria a luta de tod o s co ntra todos c contra caJ a
um ... a revolução un ive rsal . . . Christo não púde
ab&ndonar o mundü !
((A mulhe r , a don zdla casta e p ura, t od-os
interrogariam a Jesus si penn ittiria voltarem e lla~
ao pantano do pag anismo , donde sua m:J o pode-
rosa as arra.ncou. Sem E lle, as mãos dos li-
bertino~ as co lheriam fatal mente ... Ch risto, Je-
sus, é a unica espe rança, a salvação d as fr acas
mulheres! . . .

A' noite, Dulce só vagamen t e se reco rdava


de como o no ivo de s u:1 irm an t erminára a: en-
thusiastica cxpos i(:ão. l.e mbr av a-se de qu e Jmlith
o abraçá r a, seu pac e o dr. Bélrros o fc lici-
taram, c<Jmmov;dos, cmquanto ella c horava d~
alegria ...
E agora, quand<J para dorm ir se estendia
sobre o duro assoalho, cumprindo a promessa
hcroica que fizéra, com um grande, um limpid<J
e profu ndD o i h ar de S(:US negros ollws scintil-
l:mtcs, procurun a imagem d<J Cr:JcificadD, que
ele so bre o seu leito de v·irge.n <lbria os braços
ensanf_,rttentados e cra\·auos na cru z :
S<:ja hoje e m acção d ·: graças a Ti,
me u doce J esus, que eu me de:tc nesta cama.
Déste-me um a uxiliar no cornhate pela sa lvação
da alma de papae . .. de papac ... e tambem elle
ouviu tão bem! Agralieço-te, meu d oce Jesus . ..
Ah! sim, como, como te agradeço! .. .

-··- «[ )}-· - -
XVI

Na Camara e no Paiz

mtcos dias apó · a partida d o dr. Anto-


nio de Barros, o commendado r, co m-
mnd amente recostado n a larga poltro-
na de seu g a binete de trabalho, lia o
Jorn al do Commerrio, nos te leg ram m as :
- Repu blica e m Portuga l . . . Recepções dt.'
min,is tros. . . Reco nhecimento da rep ubli ca pe los
go ve rnos do Brasi l, Argentina, Slliss a c 1.Jru-
b11IU} . . . Crise de f alt a de trabalho ... C ava lg~H.I a
;mnu al na Inglat<: rra .. . Banquete no G uild H ali. ..
As minas de G lnmorgan inundadas .. . f)iscurso
do sr. As qui th . . . Briand defendendo o minist ro
Laferre.. . F ala do Throno d o Rei Alberto ...
Eleições no s Es t.1dos Unidos .. .
E agor a :
BUENOS AIRES, 9. Sa!J.e-se aqui fJ UC
o G ovemo Argentino resolveu nã o im pe-
dü o desembarqlle de frad es, fre iras, e
dem a•s membros de congregações religi o-
sas, recentemente expu lsos do territor io
·"'<cJ lfil l :>'i

porh.tguç!, t que, ~·cgUIJI.h) pilrt:c;:, n<lo


terão permissão de desembarcar no Brasil.
Nesse s·Cntido tc:ill o Oovcrno Argentino
telegraphado :ís companhias Jc navega-
ção, com m un icand( 1 essa resolução.
- Não o d·izia eu?! exclamou, batendo
o punho contra a mesa. E' uma asneira crassa
essa teimo~·ia do Vcncrav~l, do Lauro, do Ni-
lo! ... _Até a Argentina a dar-n os liçôes de ci-
vilidade! A Arg-en1ina! ... Niiu nos falta\' a mais
11ada!.. . Como deve estar u Zeballos satisfe>i-
to! ... E entre nós, no Hrasil, não haverá quem
1enh:, a nocão nítida da liberdade? ... A h! sim ...
aqui temos' outro telegrarnma ... mas, que ver-
g·onha para o Nilo ...
E leu:
PORTO ALEOR [, CJ. A ,,federação»,
u11 editori:>l de hoje, sob a epigraphe
•<U1na in>iquidadc», profliga, em termos de-
licados, o acto elo OovernD, proh-ibindo
o dcsemharqu~ d-os frades portuguczcs, o
qu{' julga ~1ttentatorio á Constituição, á
liberdade rspiri1ual e á beiJa conquista
rt•publ.icana.
Ap<Ís rdcrcncías :-~os inesquecíveis ser-
vi~·os üo dr. 1\ilo Peçanha prestados á
Republica, la menta \·êl-o apartatlo da bôa
doutr-ina, alimentando, cntrdanto, a espe-
ra·nça de C)lll', ouvindo o clamor dos re-
publicanos, reconsiderará o seu acto.
- E aqui temos mais um:
PORTO ALECiRE, Q. O dr. Borges de
Medeiros tem recebido mui tos tclegram-
mas ele felicitaçõ es pela at!ituclc do par-
tido repuhlicanu na questão do desem-
barque dos frad<.·s.
-- Louut teimosia a da loja, prom o\·end(J
e sustentando um actn n :rdacleíramente inco nsti -
(;
tur:onal e contraíiO ~í libe r d ade~.. . Vejamos
:iqui: Congresso Nac:onal ... Camaru dos bcpu-
hrlos ... Protestos do sr. José Carlos. .. Irr.1!
q u~ u homem f ai::! fort ~ !
. .. diz, qu e não po:L·1 deixar Jc aco: n-
pan har aqudles que protesta;-am con tra
o acto inqua lificav:::l do Governo, refe-
re nte aos f r ad es que aqui deviam che-
gar, aC!O rrati cado II OS n)tilll OS lllúlllC II ÍOS
de uma agonia allucinada, r asgando-se
com as mãos j;í rege ladas pela morte
que se aproxima, al!_{Lllls dos 111 ais sub li-
mes e sagrados 1!1undamentos d a Const:-
h :ição l~a Repub lica. T odos os inàividuos
c co nfissões rdig- i ,osa~ póclem exercer pu-
blica e li u ·ementc o seu culto, associan-
do-se para esse fim, adqu iri udo bens, o b-
serY ada. as UÍSpOSiÇÕCS elo direi to COill-
lTIUlll .
"E m f.ctnpo de p::z, qu;ilq ner póüc en-
trar no territorio nacion al ou delle sahir
com a sua fortuna c bens, quando c co-
mo lh e con\1.,_,·, independentemente de
passaporte (Art. 72", §§ 3•l e l Ü"' da
Constituição da Repub lica).
O orad{)r, por cst~ s.:u p roccdim~nto ,
tem :noti\'OS de cont~ n ta mcn t o e agora
te m de orgulh,J, porqu~ confund{;nl-Se as
palpitaçocs de s~ 11 coração com o pal-
pitar segmo, o palpita r nobn: c -vcrda-
deir <tJnente republ icano do g iorioso po\·o
dos pJm pas c: o su I.
C<trlos Barbosa, Bor~.::s d;! Mede :ros e
todo o Hio Grande do Sul protestam
contra a pro hibição uo dese mbarque de
frades estrang~ iros na Capital Federal,
med!da que a patria d~ Jul io de Casti-
lhos considera attentatonia do regimen r-:-
publkano, Ycxatoria c inuti l.
- E ' isso mesmo 1 Attentatori a dQ regimcn
republicano, yexatoria e inu\il! Por q u ~ aqutllcs
idio tas d•1 loj!l não nP quiz:~ram ouvir? Ahi está,
atiçada por cll~s, a charnma elo fanati smo' Com
franqu eza, 0 p a ra perder o g·osto pela mJçon:::·
ria! Não liH'S abri eu s·~mpre a bol sa? Não lhes
fiz n::rdad eiros sacrifícios,· t ornando-m·.: smJo ao
2.ppello de min has filh as? Ora, bolas! qu;; n ão
maâs estott disposto a sen·i r-lhes de capot: e
gazúa . . . O tenent~ tem razão : estes d!abos de
frades não ~'"í<' afi nal L!o feios quanto os pin-
bm! ...
Bom d ia, COlllmc ndatlor!
- Ab! mtti to bom dia, tenente . J ustamcn-
L· PstaYa eu agora p2nsando em você.
O brigado ... e dese11lpc que venha in-
k rrnmpcr-lhe a lei tura, mas vim depressrr a
um:~nunicar-lhe C!U-e fni transferido para o São
Paulo.
Para o nosso g r and.: drcadno !t gllf'~ .. .
E' uma ho nros a d istincção, m;;u amigo. Para-
bens, mu ito sinceros!
- Agrackci<lo, comrncndador, agradeciúo!
r lojr, qu alquer promoção me satisfaz duplamen-
te, porqu·e j<1 1ne nào sinto só. Tenho, g raças
e~ D~us , que m partilhe mi·nhas akgrias : sua f ilha,
minha noiva ...
- Mui to b en1, meu . . . permHtc que d esde
já o trate por fil ho, não é? quer?
- Si cu quero?! Mas a bo ndad e é toda
su;;, commend .. . meu pae !
- Agradeço-I he .
-· Mas, como eu ia diztll do ... Não estou
de todo satisfe ito. No meu ve lh o sroui c u já
co n l~ ·~ci a minha gente, a equipagl :.1 toda. 1\: o
Siio Panlo , dizem- me que a disciplin a deixa mui-
to " desejar ...
- Hc}:ncm, quer que lhe diga ? Não sei . . .
Muita coisa por ah i anda t orta .. . Si o propr-io
governo é o prime iro a ·offender gravemente a
Constituição! .. . s.i até a Arge ntina, si mesmo
um Es tDdo , o Rio G ran d-e, lhe dá lições 1 • • .
-- Diga mais ; os Estados U n·idos, me u pae!
Pois não v~u o que n p res id en te Taft telegra-
pho11 e m resposta a um tclegramma do abb ade
henedictino de Silo Paul o? Autoriw u-o a que
ITl <J ndassc todo =- os fra des p:1ra lá.
Livra! O Nilo n os esfií comproll lct-
tendo dian te do mundo inteiro!
--· O Nil o . .. Mas não ·e ell e só. O La·ur n te
os outros maçons é que o levaram a esse ex-
tremo. Eu d.iscuti bastante Cll m o m et1 irm ào,
e este dis~-m c que o sen h or e elk co mb ate r am
na loja essa idéa absurda. Elle fi cou muito in-
comm odado .
Eu nã o menos. Fi zcra rn-111 e 1.1 111 a ,·er da-
deira desfeita.
··· Pois de-ixe de fn.:: qu enta r a loja! Já disse
o mesm o a meu irmã o, que é orado r lá dos
senhores .. .
De ixar a loja ( .' .. . Deixar' . .. Mas is~ o
nã o se póde fazer as si111 tão fac il c repentina-
menk.
Não? E por qu e :-
0 aluwco est <Í na mesa interrom -
peu, da porta, u , criado . . . E a res posta ddxou
de ser dada ...
Or. dois cavalheiros levantaram-se e diri-
giram-se á sal a ele jantar, on de já se ach avam
as senhoras. Car linh o:;; estava no col k gio.
-- Nosso dout or ·- lembrou o a mph yi:riã o
já póde ter chegad<:J a F loria110polis. Arran-
JCI um bom logar pata clle no Tr·ib unal de C on·
tas. Alcgrar-mc-ei quando o vir vo ltar co m a f a-
milit para residir aqui.
Judith olhou pa ra Dulce, que e nrubece ra le-
,·emcntc ...
·- - Tarnbem \:LI symp athizei co m o moço
disse D. Sinhá -- foi um encontro feliz esse
de Wicsbaden.
- Sem esse encon tr o - observou o com-
rne ndad or, alludindo á luta na egre ja de Lis-
h()a ·· tal vez u1 não ,~s ti ves~e agora aqu i ...
- Sí·nto a penas - disse o tene nte - qu e
tanto !'C haja elle dei xad·u impress:ionar pela des--
crença que reina nos cí rculos acadernicos. Um
bom rapaz, lá isso, elle (:.
P ass a-m e o bi f·~. Judü h interrompeu o
comn! cntbd-nr.
E' verd ade. papae · - disst: Dulce, que-
rendo lk:; vi;tr a attençiio do ;tssu!nptn de que
falava;n qtli: o gov~r n o prohibiu o desem-
b ~rque = .tos religiosos expu lsos de Portugal?
t:'. f:J h ;t.
M <~ s, por qu e::-
Sei eu lá! .. _ t:• Ullla manifestação de
intoln:;ncia com q11;: nã o concordo. E os pro-
i c~; tn s ~ ur gem de toda parte.
E' pc·na nã o s~ r cu homem atalhou
Ju di1 h q u~ h;I\'• Ía tk mostrar para o que
\'al ho, po nd o-nte ao J;tdo do<> perse~u-id os!
Min ha Nossa St:ultura! - exclamou o
noi n>, c<>lll terror c.>mico --· c cu seria então
o honu:m ntai s desgra çad o ti o llltllldll! Não ' Eu
qu ero-;1 assilll mesmo como está.
l<iram-se todos .
Mas, é re alme uk pena qt t~ nós, as lllU-
l h c re ~, n ada possamos fazer!
t: por que ·não fazem uad a? r ~s -
potJcleu o tl' t1 Ctlte, au mes mo tempo qu e recebia
um prat o das mãos de lttdith.
- - E que JJodc riam Õs fazer?
· Que po eri am fazer ? Oh! Pouham em
1110\·imento todo esse mundo por ahi fóra! Pro-
111m·arn 11111 abaixo assi g-nado de milhares de
senhor:1s d:1 soc i e tiad ~ . .. Protes tem , protestem
co m energía, co lllo nós o f azemos, e levem essa
rcprc~en ta ção de pr otesto ao C attde. Digalll ao·
Nilo o que é que pensa, o . que t que quer, o
que é que exige a mu lher brasileira !
Esplc ndiuo! c•:da nt ot t judith, l:lll-
rand o 11111 g ratn nllt:tr c luqtu.:nk i i!J llf>il'u. --·
'1'11 scmprt· tens idé<ts opti1n a'i !
Esple ndido, s in t! - rept.:tiu viv:uttcn k
Dulce. - Papac dá lic~nça para que o façamos?
Tah·ez e u peça muito ...
Faça m voces o qu·~ cnicndcrc!l1 . . . Cc
que jcrnmc vcut, Dieu le veut . Não me posso
oppôr.
O bdgJda, oh ! muito obriRada , papa·~­
z:n ho! - e xd :: mar <Jt:l as d u as j .l':ens, e Dulce
accrescentou:
- Pois então, vamos trabalhar ckvéras. Ain-
J;t hoj-e y nu ter co m urna :.Hnif('a, qu:: ~ profes-
sora pt:blica de rnu·ita influencia, c combinare-
mos o qu e se h a de faz-er. A!n a,nl!an ire i á se-
nhora do dr. I~ll.V Barbosa, para qu e s-_·ja a
prime ira 3 ;,ssir.:·nar.
Minha fu tura canhada é ci,·ilista? - per-
gun to: r o tene nte, sorrindo.
- Ne m ci,·i!ist ~r. nem hcrmi s ta. Sou brasi-
leira, e ~ quanto basta. E si eu p uck r obter a
<:SSÍ cili atura tam be m da senhora do tll ar~·cllal, fi-
que certo de que não faltariÍ ella ern nosso
pro tes to.
- :--Josso protesto ·~ ... Já estã o assim tão
seguras d'C q ue realizarão a idé a? Cuidado! Si
f ô r rara que se dê um fracasso, m e lhor é não
tenta r.
- A h! tenente! -... respond eu Dulce, rindo
-- e ntão o sen hor ach a qu~ só os hom~ns são
capa zes d e levar avante uma idéa ? Po!s, d (:ix~:
est ar, que em pouco s dias eu mesma farc~ parte
da commiss ão que ha d e levar ao pr~si d:::nte .Ua
Re publica o nobre, n unanime protesto da :lllt-
lher b ras ileira contra se u act o prepotente ! Ce
que /ellune veat, Dieu le veut.'

- --«[)>----
XV II

De volta ao lar

ro le l ar~ o, rapa z~ - quantas vezes


o dr. Bar ros j á teria g-ritad o estas
p;davras ao pe ão, que trouxera
,, conducçr7o a buscai-o a Pa-
lhoça; duas horas distante de F lo-
rü:nopn lis . .. _ Trote l argo, rap az I
As sa udades pela tnãe c p\:la innan pull-
gíam~n' o . Nos primeiro;. d.ias, quando a inda 110
vapor cos tei ro Max, da C:tsa Hoepck e e C.", em
seu ;::spirito preúumitw\·a victoriJQsa e tr1utnp ha l
a i111agen1 d a un ica mulher que, até então, con-
S{;gllira revoluci onar em \·c:·úadeira fch n . todo
se u intimo. Onde q:1cr que se e ncontrasse , ú
mesa, ou recolh ido ao camarote, a perco rrer o
tombadilh(l, co m passadas largas üs \'C zcs, ou-
tras veze s tniud as e curtas, ou e m qualq uer ou-
tra parte, sempr~ diante dos olho s imag inosos
se lh e e rg uia a do ;~c imagem quer ida de Du lce.
--- Dulce!.. . Como lhe ia bem o no me !
Nenhum outro lhe cab~r ia me lho r . - D1 1l ce ! -
Assim lh' o mun mtía\· am as auras bra nd as c o
vento impet uoso, as vag as ir adas d o mar e os
astros d o c0u, c a·.;sit;l o rcp ~ t ia11 1 , dul ci-.simo,
seu coracào e sua allna l'JJJJilnrados, num so-
nho que· se exteriorizava em musica, na har-
monia cluldda e linda de duas si111plcs syll a-
bas --- Dulce! ...
Barros fôra sempre sim:era1ncnte patriota;
ama va seu padz com essa especie de :llllür fn:-
netico que por vezes se ~podéra dos espíritos
os mais corno os menos cultos, pela terra que
lhe' fo~ berço ao corpo; mas agora pareci:l-lht~
que amava ;;eu Brasil ainda mais, porque ... Dulce
era brasileira ... O Rio de Janeiro sempre exer-
cera nelle uma -fascinação irresistivci, uma cs-
pecic de attracção imperiosa qLH' o magneiizava,
quer quando nas solidões da fazenda sertaneja,
quer mesmo quando nas swnptuosicladcs e se-
duc)õe;; deslumbrante s das grandes capitacs ru-
ropeas; mas, agora, u Rio lhe parecia mais n
Ri<J, a mais formosa capital du llllmdo, por-
que... nelle habitava Dulct', e Dulce era ca-
rioca!.. . Religioso. . . não era, embora nunca
zombasse da religião; mas hoje sentia no es-
pírito e no coração uma ansia quasi dolorosa,
um desejo ardenk, urna Í1ecessidade inadiavel
e insaciavel de estudar a religião, de conhecei-a,
de \'erificar-lhe a verdade e observai-a, por-
que.. . Dulce era tão religiosa!
E Dulce um dia seria SJJa? Por que não?
Como poderia clle vi\'er sem ella? Que farelo
pesadíssimo seria sua existencia sem Dulce! Co-
rno a viela, sem clla, lhe correria vazia e árida!
Co·nseguil-;1-ia? ... Ah! por que não se e n-
corajára a falar-lhe? Era tão facil promoYer uma
occasião, provt>cal-a mesmo... Imaginára, ÍS5H)
íma g inára, archikdando perí od os, compondo phra-
ses que se ri am de effeito seguro, mas, log-o que
a via, todo o castello, rn adu·ramente preparado,
ruia por terra, dc~alD\'a lamcntavcllllcnte, esque-
ciam-se-lhe as phrases preparadas, o coração prc-
cipitava-st' ver1iginoso, em um martdl ar Yi.o lcnto ,
e a hocca se lhe cmmu<tccia ...
Dulce seria sua? ... A um lwnH.'Jll srm n:-
ligiào j<ÍIII;tis pcrtcuc~ r ia d ia. E:. pu r causa
de lla pode r ia Llk tomar-se eat ho lico praticante':'
Por caus:1 .. . ah ~ isso nã o! Seria 11111a hypocri -
~ ia! M ~s vntã '' . .. só lhe resta va o recu rso, a
que se ap ('garia co m ;üinctl, de estuda r bem
a n~ li giào. con\cncn - s~· d e sua verdade, prati-
cai-a . e111fin• , 111:1'> praticai-a por \.:(111\'i.:ção c não
por i11l\:ress e. Pudia ,;n Ulll CJT U es~a reli gião
qtw fa zia ddlrt n:n ;ttljo '? ... Pod ia s er fa l sa
tlliLt :tlTDn: q11<: pr\ldtu.:a tà" IH'I I;~s fl ôrcs e
frtl(·tos 1ào l ind o ~ :J ...
i\p<.:sar da nd dispo ~; içào de an :iliP, e nws-
lll o physic1. que ol mar agi!adq provoC:íra ca-
príchos<t iiH'n k nos passage iros d o Ma.r. a Í lll a-
gem qu erida d e Dulce nü o se lh e apagava, n em
<.: lup<.ll idt.:cia da k mbra·n~·a apaixonada. Corriam
assim rapidos os dias a bord o, por pqncas que
f os~c111 a:; lililh a-; que e1n s ua rota conscr-{l lissc
JlCrcnrtT I' " ;1-[(f.r por ho ra.
Uma man lta n, os pa~sag·eiros div isaram , ai n-
da l!Jui to ao I (Hl i~~-. o panorama encantad o r tia
ilh:1 tlt' Sa nta Catharina. As primeiras casa~ de
Dcskrr(. Sl tr g i;lln lentanttn!l.:, r umpc nd o as ne-
vuas m:ttu tinas, fat.en d o sm gi r a bclla ddad:::,
:1 q t H' rna.is rcpnblic a u;unc ntc foi dado ha pouco
o nome J e Floriano po lis. Uns ao~ ott !ros us
passagei ros ch ama Ya m - s~· ;s ;dtCI!Çà(l, m o~ trando- sc
mutuarncnt<· as tor res da e<tlltt:dral , l ogo ;spús (l
palaci u d o ;~ ~l\-t l'IJ O, Jn.i l <.' uma coisas d a su.fl
tcrr;: ... l ~t:a l lllcl o ll' Antoni o sent-in c ntàol ardcr-
i hc llLti~ ·intensa a s<J II datk d o Ja.r paterno, o
tlcSt' ,ÍI: dt.• rc,·i:r :1 111.'i c an :;tda, agora enfe rm a,
Cllj 1 ad a! ... ConH• ;msia\·a Llll dJcll l por estre itar
nos [n;tç(t:; a irlll anti nha que rida! . .. Ah! a lin da
fa L<.n di! dt: Siio Ja·nua r-io ! ...
Os de111ais pa ~~a;~ciros , co 111 u s ol ho s in d a~a­
dorcs, ;t(l(.~llil S \ ' Íc1 11l tlO lJori1011fC r' Joria nopOfis,
mas ~llc ... ;: l k \' Í ;\ mais, lt: go~!s e lcgoas mais
Jongt:. . . longe, muito l ong~... I)~ po is d e d·ias
de \la !~(' l u p l' tiOsa, el le via São Januario ... <1
r :-Jsa ao c..- ntro. l>r:1111:<t t· ba ix ~•. _. a~ n ·lhas tai-
pas cercando o ter reiro .. . a mattari:t ao fun-
do ... t) gado ... E nesse quadro, que 1àn •.rra-
talllent<· lhe falava á alma c :m corélçào, ';.11c
via mais, e com 4tH.: .:nle\"u ... 11111a santa vc-
lhinlt;,, tão bôa c tão querida l ... . c ouvi:l-lhf'
a vo z, uma voz do dtt, a recebei-o: <<iVH.. tt fi-
lho!.. . Antonio!,, ... Oh: COillO de fado amava
e lk essa rnãc, que lh e estaya ainda tã0 long-e,
e que clle s.d> ia adoentada!
Antonio \"ia com olhos do coracào tudo
isso, CIIH]Uanto os demais passag eiros, <Ípiuhados
na amurada, viam apenas Florianopolis, que se
aprcxinw\'a lentamente. a limitar-lhes o hori-
zonk.. . Cegos, todos clles! ...

Trote lar go, rapaz'


E o peão cravava as esporas nus flancos
da mula tordilha que montava, c a n-imava aos
brados á mrulrinhrz, para qll:.: tom asse a dianteira
c corresse mais ligeiro: Trote largo! ...
Ah ! si pudesse voa r~ ... Ainda 2 a 3 dias,
por mais qu·e as mulas trotem, até L ag ~s, c
ck Lap.;e~ ainda outro dia quasi inteiro ... Oh~
que saudades e que viage m tão lo nga! .. .
Por duas n~zes o doutor pedi ra poiso em
a lguma casa; outras duas preferira pernoitar '~tTJ
campo ab~ rto, depo is d~ amarrar con: :;cg ura:J Ç::l
a mula marfrin!;rz a um tro nco, com a J"{;SJK'tj-
va Cati!painha d e guia. p ara qu{· nàu dchan-
dasscm as outras (: pudesse continu:n·-sc a via-
gem aos primeiros ai borcs da rn ndru g ada.
Do nm:-se bcn1 -iiO ca mp o. O capim fresco
su av iza a dur~ 7a da cama improvisada. O s-c l-
lim ser\"C de tra\·csseiro; o poncho, p:->is o nosso
via jante j<l não é o e legant-e d o utor d os salões
do Rio, serve de co berta. Pela maHJ han , e m-
qu a nto o pe ão trata d o s an imaes, e llc mesmo
va~ apan har nns galhos de pinheiro , com os
qn aes des pert a so b-erbo fu go, que e m 15 minu-
to s dará um espk ndido café.
Hoje, porém , An tmlio eng11lira o café ain-
da mais rapidamen te que nos outros dias da
viagem. E' que é o ultimo, e de\'l~ chegar pela
tanJ.: á f azencla ...
Jú ;:s alim~u·ias pisam terra da C>chilha Ri-
ca. As mulas, espontaneamentt:, corre: u mai~.; ce-
leres, ante gozando soffregas as d ei ic ias do d es-
c:mso, que lhes vae s,'r final!H entt· conrrdid :J
rn• bre\'es horas .. .
faltara apenas duas k go:l~ .
Trote largo, rapaz!
Vão " entr::n no terreiro ,·iz:nltn á fa ze nda.
Ali estâ u largo portão, forcnado t.k fortes va-
ras traus versaes, a destacarem-se da ta·ip a. O
wmarada apeia, abre a larga cancdla, fecha-a
t'll1 seguid::.. . Como cnrr~rn agora prazenteiras
as mulas!
- Trote lar~o , r:tra z ! Vamos! Eia ~
Seg uem ... A C;Jnseira f Di grand e, n viag em
longuí ss ii ,Ja, mas agora, como o ar se lhes tor-
na suave c acar-iciador, acolhendo os viajau tes
litllli :11nh:z·ntc balsamico ele f:nnilia! . .. Subito,
pouco akll l, cstcnd"·se a cerca da fazemla pa-
krnn.. . 1H>VttJIH• nte ap c~a u p eão, abre a call-
celh ... Anton·io, ans ioso, dá de e~poras :w ani-
111:-ll.. . Vinte minuto s c.lecurr eJti, em que as mu-
las galopam num arranco, até que o telhad o
alllplo e vi o le ntamente mbw da vi\'c nda pa-
triarchal se descobre \'Ív o no pla!no... a sua
casa ... a casa de sua mãe! ...
Que cst;: rá e li a fazendo' . . . em q tte es-
u r á pensando a ess ;J h ora ' . . . Esp era i-o-á com
:t irman? ... lrnpossive l q11 c o esperem tã o ce-
do: eltc~~ ha\iáln f eito a viagem tã o rap ida-
mente!. .. E qual d ell:ls lhe aprarece rá p r1-
. -,.. . .
me:ro
A me n te encam!escida do jovcn p õe-se a
diva gar.. . Estará agora tahez a mi e a cu idar
do pequeno pomar aja rdinado ? ... T a lvez a ir-
man, a um cauto e nsombrado da \·arand a , te r-
mine algum bordado caprichoso .. .
<"<:!! 172 t::r.

Mãe! Minha mil e I irro 1t1p c-l h:: do


peito, embora a casa lh e este ja ainda l (lli'-~ c .
Subito estremece. Mais t tl ll pouco. ttllt<l ]Wtj ll tll~l
volta, rapida sut}ida tk lne encosta, c ter:[.
diante dos olhos a ca"a inteir a... Ll ll o..·z us
proprios entes querid os por q ue SL'll coraçãn
fiel a•nseia c palpita celere . . . febril . . . a q ue-
rida mãe.. . a doce inn anzin ha _. .
A casa! olha a casa ! --- exc lama Ül J-
petuoso, e a mui a, estimulada pc I as espora~
que lhe fazem sailgrar os f lancos. sal t<l, ar re-
messa-se, corre, preci pita-se quanto lh' o pe r-
mittem as pernas cansadas.
Antoni-O perscrttta os ar re do res con1 us
olhos ansiosos, mas nelll o vulto con hecid iss imo
e tantas vezes evocado da mãe. nem da ir111a11 ,
nem ninguem. _ . Dóem-lhe os o l hos d e tan to
firmai-os á soalhei ra._ _ El ias de\'~ 111 es tar cn-
tamente em casa. Não pt:>rcebcram aind a q ue
elle ch ega. __ Faz o a-nim al ainda ga lopa r i il:us
fo rte, num derradei ro esforço, ar ranca-s\: do sel-
lim á frente dn cas arã~ J , c , num impcto, a bre
estmgido ramente a po rta, cahi nd u, offt.!J:ante,
nos braço s do capataz, surpreso:
O patrão I .\•\inh;t \l<lSSa SeJiiw ra'
C:yrino, UIH.k cs t {! ma nd e> O m h: <·s t :i
rninh;, irm an ?
Psiu!... \lã o L t t;;l l• arnl ho. patrànJ i-
nho: ... Venha cá!
Depress a! Que quer isso dizn ~ DciX\'-
rne passar! . . . C aramha 1 dc ixc -1ne pass:tr ~ Que
tem vocc? ?
O senh or... !!las o se nhor.. . Venha
r á prime iro ._. s ua mãe l'Stú doen te l' pôd e
faze r-Ih{· mal o ,-el-o en tr ar assim Eí n d e re,·
pente . . .
Deus do ct u' Est ;Í ck ca nta ? [' g ra,·;:: ~­
Não, l<i muito g-r;:\·c n<1o é, mas o d-ou.
tor diz que ella pre cisa de 111 11ito soceg-o . . .
P o is, deixa-n1e. f-l ei de ,-d -a, ainda Cflll'
sej:1 (k longe _.. nas po ntas dos pés ... f mí-
uha in11an? Por LJUC Jllillha irt11an não vem, Cy-
Por que não apparecc ?
l'Í iiü?
011ç~t um pouco, pntrãozinho. Sua In;ie
já está bô;t, pr('\Ísa apena~ de descanso . .. rn:Js
sua irm H·ll , ..
Estél 1nal' Fala, h omelll! Fala, ou .. .
Sua irm <~n . .. Minha Nos:;a Sen h o ra ! . . .
como é que hei de dize l-o?
Fala duma vez! - - ru~iu t\n toni<J.
Sua irman . . . . fallt.•cetJ ha a pe n as lll113
hor a 1 •• •
Um corp-o pesado cahiu :;urdamentc H O
c hà v.. . P ouco depois, o fie! Cyrino carrega
nos braços o corpo cksrnaiado el o patrão, que
em nlll lcih1 annadtJ
cari-n hosamente ú·e posüou
nwn quarto prox im o ...

--<q'J»--
XVl!I

Dez mil senhoras

Lix:t-llK vê r tua lista, Dulce ...


csus! Já conseguiste 2749 ;:::;-
s i _ ;·n:~ tu r.1 s
para o p rotesto con-
1r ,t a 11ro hihi,·iio d·u d-:sembar-
qu(: d o.; fr:Hk s! P:1rece incr ív el !
. ,.d o de ves h' r t r;! balh :Jd D! Si
as ou tras ela com missão fize-
ram o mesmo, o nume ;·o to tal l1:1 d~ ser e k-
\'aúo.
Eu, por mim, calcul o cp c o btcrl.'m os
lllais ele dez mi l a ssi!~ naturJ s . Pc: na é que não
wnh cça mais ningucm, que já n5o tenha as-
signado. Queria ao 1nenos f anr 275 0 tx~ rl ! uh os.
E fJ ita- no s apenas tl lila hora -;,: lll í.' Ía para ir-
lH O S a palacio .. .
D~ixe vêr, Dulce - - d isse-lhe a irman.
Mi nha amiga ju linha já assi gnou :'
-- Jul in h:t? J uli nila Rodr i gti ~S? .. _ O h! Co-
111 0 pud;. esq uecei-a ! Vou j <i to mar d o c h ap~ u
e corro :í c:1sa dclla.
-- Pois, faLe isso d-epressa. Creio que an-
tes d.ts dez horas 11ão iní ~ll <t ao ct>nscr\'at·orlo .
. . . Julb achava-s-e commodamcnlc reei i nada
em 11111:1 poltrona, !..:ndo uma revista lk' cari-
catllr<;s, qua.iiCIO Dule- cntrlHI. Cu ~1primeula1 a:n-sc
com ccrb affc ição cxagg-erada por parte de Juiia.
-- Apr~! mas qu-e auios Yo luiiHJsos t ·azls
ahi, Du lce ?
-- :--lão s:t:Jec; n:.:da do prPtcsto que faze: ..
as stnhoras contra a injusta pro:t-ibil:ão u,; d~s­
cm b,.rquc aos reli: iosos cxpulsus de Portugal?
Vim trazer-t'o para dar'!s tambdn (l!a assi;;•na-
tur3. Já tem mui;as, --: das s-:nhor~J<; mais dis-
tinctas da s oc.:iedade. Olha aqui : v2s ·~ Mmc. /\'\a-
ria Augusta Ruy Barbosa, aqui mais a de ...
Jul i.: to.n<Ír<t o do:::ume:Jlü, obserYando-o in-
tcr<.ss<Jtla. Quantas S\:JJ honL> ct:stinctas! Toda a
elite da soci~dadc! A esposa do almirante Bar-
bosa, a do conde d~ Par anaguá, il do Baràv
de .. .
- julia! - excl:unou Dulce, subita:!têntt,
indig-nada ~ Julia! . . .
A joven olhou, admirada, vendo nas mãos
da nm!ga a revista que La. poucos 111 i•ntÜ{)'; antes.
- Como tu pótb; Iêr scmelh·mtcs baixe-
La'i. Julia?
Mas qu-: tctn isso, Ou Ice? E' uma r~ ­
\'isl:l lllu ito ::n~· ressantc . _. cngrnçada, 4uc toda
g~:m • l~: O ,;i ·t!lzo.
- [.' interessante? . . [ngraçaüa? . . . - A
\ oz d J juven trem ia ::J•izc, antes, inf::.m.:,
] uli::J, i11fam~ e :mmoral! Uma suj-:ira qa~ j:í-
maL; ckvt<ria s>!r lida por quem se presa, c
mui to ..'eno.> por uma moça !
Não sejas beata de mais! O 1Hal/w não
te:m nada de mal. Afinal, a gente não lw do
passar o dia in teiro a lêr «;)raticas:> e «lJ.cdita-
çõcs» !
Julia! - replü:ou muito seria a an!i-
g-a - abandona c ch:spr~:sa essa l..:itura, q!J:~ sJ
te pódc faL.:r 111al. Afiual, não disscsil que
commungas todas as se:nanas? Cuu1u ousas tu
fitar na santa liostia ·os mesmos olhos que
lêem estas infamia~. cst:•.s immoralidadcs?!
- ·- Estas infamias ·~!... Immoralidad:::s /! ...
M:ls estás exaggerando muito, lllinha amig;!!
Oxalá assim fosse! fste n11mcro é o
de 15 de Outubro ... Vc bc1n o q11e nelle se
encontra ... Tens coragt.·nJ para olhar, sem cora:-
dc vergonha, esta pagin~t que te mostra frei-ra~
rc~pót!lvcis, a tnamc-ubudo crcança•s ~! ... Julia, tu
pódcs \'êr. sc:n corar, t·sta outra, em que 11111
sacerdote i<uHc·nta ter de- i<abandonar o;;.. . pe-
quenos:·>?! ... Oh! Julia, tu tens coragem para
poísar teus olhos lk donzclla que se presa nesta
indizível baixeza, em que tnna mulher, a «rc-
puhlíca>:-, puxa a corda da valvula de uma sen-
tina, fazendo sahirelll d o esgoto bispos, sacer-
dotes e frt:iras, com filh-o:.;'!! ... E ainda cst'ou-
tra - tudo no mesmo numero - .. com uma pro-
cissão indecorosa de freiras gravidas?! ... A qut:
baixaste, Julia!
-- - Não digo naua contra as religiosas, mas
tarnbcm outros jornaes ...
--- Cala-te! Tu, u111a moça catholica, falas
assim?! ... Não sabes qu<.: Ll Correo de AI/da-
lucia dcpos<itotl no banco d·:: Hespanha uma
g-rGss;: quantia para qucn1 provasse n:ridicas
t·ssa~ inh.nH.·s accusacôes, espalhada~' contra as
pobres relig·i-osa" em Lisb(Ja :; () El li/J(?raL que.
em Hesp:.mha, se fizera ccho de tac:;; alc·ivosias,
logo s:: calou diante do desafio!
Não sabia!
Pois sabe a.inda 4ue sobn: essas mt:s-
rnas calurnnias uma senhora, D. Maria los~
Checa Nunes, desafiou a Lspaiia Nueva a- de-
positar 500':'000 contra lllll c·o n to de réis, que
g<~Bharia, s·i provasse as torpezas que affirma-
va. E a Lspat1a Nut'J 'a emllludeceu!. ..
Ora, nfío k zang-11cs a s~ irn , Oulcezinha ...
Dá ca , que eu assi .~·n o j:i a lis l<l , c prumpto!
Prompto:. . . Não ! Dizc-111c antes que
d<:i xará~ de ler O A1al!zo.
Assim t<unbcm é ser exigente demais.
Oulr<L' llloças fazent u •ncsm•.l que eu.
E cu kn ho p ~1u da;; !lJO<;as que de tal
fórm:! se avi lt <illt ~
P ois ... não te i ncomrnotks co m semc-
Jiwutc ~; baboseiras. [);í cá a lista!
Qw.:ima rás () i11allzo 'r
N?io . Isto é ckmais ! Eu ;~:.;sig-no a lista,
·b ço-tc a vuniade, c tu , po-r cnto, 111(' dei xa-
rás enlrct ~r-H tc un1 roucnchito ...
Pois hem , Juli:t, dis[)e nso tllil assig-ttatllr<J.
Prefiro ll tíl r '.: zcs ,.(J ltar se111 clla, com as 2.749
que jü tenho, ;1 arr .:dondar o nu mero com o
nome d~ uma ami ga que ao ltiCSIIlO tempo que
app laudc o 11nsso protesto, app lau ck igualmente
o vil cscarw.:o insultuoso fei to aos religiosos
itu;occntcs por uma impre n;;a perversa. Adeus,
Julia ...
.~.-\as , não te ,-,ís l.<lllgatla assim ! Não
qucr(·s n: ais cu !ltitHI Lii' mit! ha ami~a como dantes?
Si n,'io u q uizessc, não te falaria com a
fran queza co:H que falo. Más am igas são as qu{:
tudo app!audc111 , embora v:n ro-ns cknci;t si ntam
que Ú~\'tlll c:cn s11r ar .. .
1-(issssssl.. . <.' O iHaL!w. lllllll i!n pr to, ras-
;~ad<, em mil ped aço!', fryi mandad o pa ra a cozin h<1
;1\'iYnr as lab a r e da~ do f ogão .. .
P nuco depo is D11lr:: \'Oltét\·a a rasa, com
o nnme ro re d o nri>~ d~· :1.750 assignatur;Js em
seu protesto .

O dr. Ni lo P..:r;a·n ha, prcs.idenk da repu-


blic,t, pcrcorriJ a passos irr<.·quiet-os o seu ga-
binde particul;n do palacio do Cattetc; o o f-
ficial de gabi nete lhe annunciára que vinham
iá pt•ndrando em pal<wio as senhoras em corn-
ll'lissâCJ que llt ~· ia111 :tp rest•ntar u pro testo con-
tra a ordem d e proldhição ele d~se1nharqu:.:
dos rdigiosos expulso~; de Port ugal.
--- Ern má us knçóes Jll :; mdteu o Lu.~r o
Sodr;:! ... N ã o pusso deixar de ser c01·tez co 1,1
as senhoras ... ·no entanto, por outro lado , ,;
impossível ced·~r ...
-·- Tenh <lll1 VV. Excias. a bondade de Cl>
tra:· - COil\"ÍUOU O official <Ís s·~ nh oras, afas-
tando gentil:J:enk u pesado rcp oste iro da poi"-
ta de e ntrada.
Alguns momentos de silencio emb:c r aç a-
do ... O dr. Nilo saúda com FaLllltnia as s e-
nhoras, c, logo após ter fa l:'i'c!o D. Vi r g ínia
Pinto C idade, em nome das sig;natarias c d a f a-
milh brasiki ra, a intima ami g<: de Dulce, que
tambcm se achava presente, D. Esther Pe d reira
de Mello, leu o extenso protesto de mais de
1 0.000 senhoras da elite carioca, a pr ii~rip ; o
com \·oz um t.: nto tremula, mas que se ro1 a
p ou co c poucu tornando cada ve z lllais clara,
limpida e vibrante ...
Ach av;1-s c o p reside n t>e da Rep ublica em
posiç ã o penosa, te nd o d e o uvir, co m o s o rí·í so,
nos labi os, a accusação in:n1end a q u ~ Ih·-= fa-
zia a park mais dis1incta da soc ie da de ela G~­
pita I do paiz:
... «N ão se co mprehendc, em ,·crd adc,
se rn n atur a l rev o ita de todos os senti-
me ntos bo ns, essa desigual dade, esse me-
nosp rcso, esse q uasi desp reso co !n que
é tratada, na p ess ôa úe s .:us min·i s tros ,
a rel igi ão cathol ica, ;JflO:; to l i::a, r om a na ,
" nos;.;a, a dos il<J Ssos na-cs , a d o lJO \ '( '
brasikiro, o q ual vc c;nn viva tri~teza
<..~ dolornsa inq uietaçã o :1 ã u ha CO ll -
fundir o povo com os máus, que p os i-
tivam a s suas ame aca·s mesmo confrr1 a
lei. como num comk io d~ 11 d·~ Ou-
tubro ulti mo qu ~ o~ miuistro s de
qualquer tJUtra rt~ li gião , a judaica o u de
Mahomed ou de Conútcio, pó dem ter
entrada fran,::1, sem estorvo, sem a mi-
11 i ma di fi"tnll dat!e, qu nnd o b ctll 1hcs np-
pro llvcr, no terri to do do 13:·as íl, ao pas-
~;o -- c ü que vac nis to de profunda-
tnentc injusto ! - qu e a s acerdotes, quaes
os mandad·os retirar de P o rtngal, só por
s crr' m cr!Íh o licos , que out ro não é o se u
crime, se véda formalm ente essa en tr ada,
que, c rn t empo de paz (CoJtstiiu içào, art.
72, !:j 1 O) é permi ttid:t a qnatquer, como
:; sabid a llcs~ c tcrritodo, com a fo rtuna
<: bem; , IJ II íl!ldo (? como · Ih r: convier, in-
Lkpendentcmente de passaporte.
As signataroias, brasileir as e catholicas,
com o catho lica é a mulher br asileira, não
sabem, tamanha a sua pena, como ver-
daueirame ntc expressar os sentimentos qu e
as anim am diante do acto que, vedand-o
a entrada no t<.'rritorio nacional a sacer-
dotes catholicos, tão disfo rme mente os
equiparou , oh ! injuria! aos pe rigosos
pe rtmba-d ores d a t r an4ui!lí dade d a s na-
ções, aos s abido,; do anarchisrth) que tu do
d{;stróe, e aos vag-abund os, men digos c
r éus de len ocínio, isto é, dos ma is bai-
xos, .j.nfam antes c vergonhosos cri mes)) .. .
O prcsident~, perturbad o, ol hou de so slaio
para o official de gabi·ncte, c Du lce, que l he
estava proximo, ouviH-o que murm urava, baixi•nho:
/V!aldi/0 f.!l UJ'O! ... em qu anto a V OZ fi rme de 0.
Esther Pedreira d~ Mello ~ (Hi tinuava:
«Nem s~ di ga Clll tempo alg·u 111 4uc
os ultimas dias Ll·o v os.~o governo f oram
as s i g na l<~dos por actos q ue se não com-
padecem com esse espirrto de justiça e
to ler ancia, que deve ser ~ nsepa r av e l d·e
todos qu antos, no exerci ciu de funcções
publica:->, nâll llbcdcccm :1 influe nci as es-
tranhas, co l!Ju u lii<I('J n i~rno, cuj<~s deH-
beraçõt>s toda a imp rensa publicou, e em
gra-nde tk;;taqn ,• as clelcg-açõ cs do Clrã o-
Mcstrc, p;~ r a a pcrseg-Hição do cl ero ca-
th o lico, acccnuc mlo ck~t 'art e, tã o impru-
dentemente, o f ac ho da questão religiosa
no Bras il da Constüuiç:lo dt 24 d e F c-
~·creiro>> . . .

Que respnnckréÍ o p;·eside nte? ... pe n-


sar.:..m todas as scn h i •r as da ro mmi ssão. · l(cvo-
gará o seu acto, most rand o-~e \'CT<Iadciramente
homem, e ncrg-ico, super~or ': . ..
O governo, minh as se nhora~ res-
pondeu o dr. 1'\ilo, c u pro prio official dl· l{:t-
binetc acho u que 11isto não fni feliz -·· n;lo Im-
pediu acto algum contrario <Í liberdade de con-
sciencia (- o h ! ·- diss;.· urna senhora a o lado
de Dulce) ou atte ntatori o da Cons Htu ição fede-
ral. O meu acto l~ urna medida de o rdem pura ..
mente polieial, nwm entaneo por sua naturl'za,
e provisor úo.
- Ah I - Jnurnlurc >u [ Julcc es tá pre-
parando a t"\.'tir ada ...
t. o dr. Nilo Cüntinllilll:
O goH·m () n:1o é org-a111 de religião
algu111a ; assc·gma a lilwrdade a todos os cu ltos,
e si nest e li10IIlCnto prohihc u desembarque de
jesuítas, fal-o por acto de ~o be rani a e tnoti\'os
de ordc·m publi ca, de que elle, c só clle ~
juiz.
<(Qu<' cyni s n10 I sa nt o D~::us h t:,;crevcu O
Uni1·ersa, no hrt~\· c co tnutcuta rio qu e, no dia
:o;cguinte, bordou ~obre <t resposta do presidente,
·ana:. a ousadia cresce de ponto :í affirrnaçüo
de que sô elk é j 11 i1 d e s eus actos!
Alto lá.' grita nws nós. De onde· recebeste
tu a autoridad~~ '!
De Deus.
Qu<' lll te designoupara exerce i-a ?
0 flOYO.
Qul'm te restri ngc o r ode r?
A l ei.
Ahi estão tres juizes aos quaes não
poder<Ís fug-ir. E esses trcs juizes te condemna-
ra m, te am aldiçoam, e te hão de castigai' co-
111 0 o mereces>).

--«0))--
XIX

O cOrissallt em aguas da Guanabara

om a g·raça natural c cspontauea


que I h e era propria, Dulce re-
petia, fi noite, a narrativa do
qu(: se passára no Cattdc. O
tenente, q ue vi~ra visi tar a noi-
va, ouvia-a interessado. Sub:to
vibrou estridente o tympano do
tekphone; o commendador correu a attcndcr:
-- Aqui 2.938. . . s·i m.. . 29... 38 . ..
comrncndador Marcos de Castro.. . A h! sirn,
está . . . Pois não, vou chamai-o ao appare lho.
Ahi o chamam, tenente, do ministerio
da .Marinha. Parece coisa urgente.
Já vou vêr.
E ou viu-se então parte da conversa:
-- · A's ordens ... Sim, tenente Alfredo Ro-
sa de Salles.. . sim. .. do São Pau.lo... não
percebi bem... A h! sim . . . pois nã o . .. ás or-
dens... vou já... pro mpto.
E, voltando-se para a famíl ia attenta, dep ois
de desligar o apparclho:
·- Que massada! Tcuho de seguir irnrnc-
di<!t~mente, a acompanhar o official d~ gabi-
net<' do pr~sidt:nteaté bordo do Orissa. Adeus t ...
Atl~ d-epo.:s, qu::riJinha!
Que será? indagou Marcos. ·-- O
Orisso <.'ntrou :t 9. liavcrá algum graúdo a
emban:ar?
-· Que vapor é? - p<'rguntou D. s;nbá .
In g lel, mamãe - responde u Dulce.
Não sabes 4"" o inspedor Romulo Cumplido
foi hoje a bordo impedir o desembarque de
dois jcsu i tas p o rtuguczes?
--· Então o governo nwntnc a ordem de
prohihição? L~=:mbro-me do fiasco que soffl·eu
o Nilo, por uccasião da entrada do Ailantique.
Rcporters, polida, tudo fo! a bordo, á cata de
religiosos expulsos, que lá se não achavam ...
- D(·sta vez vieram dois, mamãe - infor-
mou Judit h. ·- Como se chamam elles, Dulce ?
- -- O Universo deu-lhes os nomes. São dois
jcsuitn~: eminentes, do convento de Quelhas, o
P. Bento Rodrig-ues, red actor do Mensar;eíro do
Sar;rado Comrtr.o ric Jesus , que mamãe tanto
<lprecia, c o outro é o P. Coutinho.
--- Que estupidez, prohibir o desembarque
de estran gdros em t em po de p<lz! E' contra
n Consti tuição - atalhou o commendad<lr.
E é contra a l·iberdatic de co nsden~
cia --- comp letou Dulce ---· rnáu grado o que
disse o pr, ~s·id·.:nte, quando lhe fomos entregar
nosso proksto.
P ;:ra onde irão agora os padres? - -·
p~rguntou D. Sinhá. - Em outro qualquer por-
to brasileiro tambem não poderão des embarcar.
Pôd :.:m ·- affirmou Dulce. ··- Não te
kmbras c.lo telegramma d-o presidente do Ri:o
Gr~md(~ do Sul? Ellc os receberá. Que linda
licão :
' - E que verg.o·nha seria para nó s - ob-
sçr..-ou Judith - ·· si os dois religiosos fossem
até á Argt:ntina ou aos Estados Unidos, onde
lhes foi offcrccído desembarque franco I
Quem salw si teu noivo não foi encar-
regado d~ alg um serviço que se ligue ao as-
Stlln pto -~
E' .i~nrossi\'cl , papae. A licença de des-
~:mll a rqu e p foi negada h oj~ pela manhan.
Para que repe tir a ord~m ? De mais a mais,
Alfredo n<io se prestaria a papel t<!o degradante.
Alfre-do é militar, e tem de cumprir or-
den s.
Antes pcdir·ia a reforma ou despiria a
f:lrd [:, papa'~ !

O tenente havia tornado um taxi-auto. e


a essa hora já s.c achava no Pharoux, onde ·en,..
controu ttlll offiri;li de palaci o, que lhe trans-
mittia um a orde m do governo. Alfredo leu .. . e
ficou rasmad{).
Então tl mundv hoje vac ás avessas? ...
QHc 0 isto ?.. . Pela ma·nhan vedam o desem-
barqut• ror l llll iuspector de pol:icia, e agora, á
noite, mandam desembarcar os homens?! ... Que
jita!. . . Es1á hem. Sigam os para bordo do
Orissa , com prazer. a proclamar que nosso g·o-
verno, finalmente, se resolveu a cumpr.ir o que
rll~tnda a Cons tiht·i~:ão. Ainda hem, c oxalá tenha
i:oragcm par.1 f azcr o mesmo á luz do dia!
Niio f oi pequena a admiração dos jesuítas
quand o 11 com mandan te de bo rdo, que aprendera
a estimai-os na trav c~sia, 1hes veiu communicar
que novos cmiss:u·ios os procuravam em nome
do gc\'ern<J bras ile iro. Estremeceram ambos ao
verem dia nte de si a farda dos (>fficiaes, mas
n gran el{; em baraç0 L'Ol11 que foram cumprímen-
taclüs, princip almente por parte d<J tenente, in-
spirou-lhes segur an\ a confiante. Corn verdadeira
surpresa <- :~ J e g ria S{)uber:Hu da mudança de re-
so lu ção J.o governo .
Oraças a Ot·r rs! exclamou o padre
Coutinho - g-raças a Deu s, que poderemos em-
fim dc-sca11~ar tranqnillos!
- -· Não t'o havia dito? - resp o nLit: J o re-
dactor do A1ensac:<!iro. -··· O sag rado Cora ção
de Jesu s não deix a de ouvi r as p reces dos que
a ellc r ecorre m com co nfiança!
~- Pois, re\·cr cndos , têm os S(' ll hores li-
be rdade plena pa ra dcscm h arcar . Eu mes mo , c
este official da cas a d e S. Excia. o prcsidc-ntl'l
d a republica, acornpa;Jiwt-os-cmos ak ao co n-
vento de s eus Ir m ã o~ de Onlc111, ;Í ru a São
Clemente.
Oh! obrigado, o b r ig-ad is~ i nws, sr. te-
ne nte!
E, pouco depo·i s, já na lanc ha, p e rg unt ou
o tenente:
- - E' verd ade, rcve rrnd o, que os se nh o res
foram assim tã o maltra tados , e p or mil ita:·es ,
os do «Artilharia h, e m Lisbôa?
-- Não , sr. tene nte, nã o for am milita.-cs,
mas, c infel,izm ente, a g e ntalha mais vil , que
nem urna simples colhér no s fo rn ecia pa ra cn-
mennos o r aaclw m ag-r o; q ue p ara ... o t enen te
co mprc hc ndc, pa r a ce rtas necessid ade s, q u e se
não p óde m s-offrcr, fixou-nos intcrvaltos de 8
ho ras, regu! ame·n to infam c, a que se v ialll for-
çados até mesm o po bres e nferm os, aus quaes
se melh an tes a lro~idades r oderiam matar!
Q ue baixeza ! - murm urou o official.
--- Baixeza? .. . Mai{lr f oi a q ue nos u l-
timas dias d{! n·usso supplici o cl lcs p rat icaram,
ousand c• intrDduzir, no recinto e m que esta v amos
presos, mulhe r es de rná vida, d espu dor adas, que,
aliás, tiveram tlc ser dal i retiradas, apesa•r de
sua.. . d esve rgon ha.
- Infames! Q ue asco, q u e nausea eu s in-
to dessa ralé vil, re verend o !
H ouve u ma pausa.
O uvi dizer -- disse p o r fi m o offi-
cial da casa do presidente ~- que em um ca-
la bou ço do governo civil, al g uns p adres ai nda
~ 187 ~

soffreram mais do que os presos no «Artilha-


ria h, e qu.e ficaram 7 num pequeno cubículo,
onde apenas poderiam ficar 3, menos mal ; é
assi m mesmo, sr. padre?
--- Sete?. . . Oxalá ti vesse s•i{}o assim ! Mas
foram 23:. . . 23 pobres sacerdotes, que tive-
ram de permanecer durante 5 dias, com ar in-
fecto, em um local onde, de facto, só poderiam
caber 5, ou, quando muito, 6 homens!
Barbaros!
-- Descu lpe o reverendo - diss e o te-
nente o governo pro\"isorio não lhes forn e-
ceu nenhuma roupa? Não vejo que traga111 nem
uma simpl·es maleta de mão . _.
- Fornec-er roupa?!.. . Imagi nem os se-
nhores que, apesar de se apoderarem de nossas
legitinJJS proprkdades, até mes mo de nossas he-
ranças paternas, obrigaram-n os a paga-r a pas-
s<Jgcm da viagem qu e ellcs mesm os nos impu-
nh arll for çada! Aqu-i, o meu co Ilega, não se
podendo conter, protestou contra semelhante in-
justiça, qnc era um verdade iro desafôro, e t eve
de ouvir : «Pr)ÍS deixe estar, que em nós o.
apertando h~m, e em você começando a apo-
drecer no inverno, logo achará dinheiro para
que se livre!)).. . Não tivessemos sido soccor-
rid os por nntigos discípulos, ainda hoje gratos,
c a (;sta hora estaríamos, sem duvida, em al-
gum calabouço ...
--- Mais uma coisa, reverendo: apesar de os
jorn •:es o terem dito, não rosso acreditar que
os senhores hajam sido obrig-ados a passar,
um a um , pel o gabinete de an thropometria, clas-
sificados, medidos, ph()tographados como crimi-
n6sos contumazes .. _
Violento rubor de pejo subiu ás faces dos
religiosos, rubor que os dois officiaes notanm,
apesnr da escassa luz da lancha.
· ~ E' vndade, sim __ . soffrernos tu ais essa
humilhação.. . e foi-nos a mais cruel! Não s e
demorará muito que os jornaes publiqm·m nos-
so retr ato, aco mpanhad o pel<J nun t,Tn iilfa man-
tc! ...
. Profu ndo si ll~ncio seguiu-s e' a e%<JS p:tl a-
vras amarissimas. Só qu a ndo todos chegad1J;.; :w
cáes de desembarque, a con\'ersação se rc~ tou ,
~mquanto tomavam os quatro um automm·cl,
que os ia condu zir cí rua São Ckment·e .
Pobres expulsos! . . .

--«<>--
XX

Na Cocllilha Rica

R.egião Serro11a, d·e Lages. or-


g am official d o partido repu-
b licano , no 1" Sabbado que se
seguiu ao regresso do dr. An-
tonio d a Costa Barros, trouxe
a scg uink noticia:

AINUA A TRAG ElJ IA DA COCHI-


LliA RICA.- Corno j:.í noticiamos a
nossos leito res, o provecto advogado do
n o~so fôro , dr. Antonio da Costa Bar-
ros , filh o do nosso corre li g-ion ari o c
prestim oso c hefe político, 11 finado ma-
jor Casimiro d a Co s ta I3arros, re gressou,
na se man a passada, de sua lon ga ex-
curs ão á Euro pa, á sua fazenda da Co-
xilha Rica, onde, de chofre, o fulminou
a notici a do p assa mento de sua ·virtuosa
irm;~ n, ·<I senhorita ·Gcrtrud es, que veiu
:1 expirar u ma hora <.~n tc~ da chegad<J
li<> dr. A utonio. O terrível choque qu<'
no sso amigu soffreu foi tal, que u di::;·
tincto cl inico cksh cidade , clr. Sartori,
que por a·caso s:e achava numa fazend<J
proxima, d11rnatc algum as ho ras rece-iou
por sua vida. Felizmen te, a for te consti-
tuição physica do dr. Costa Barros o
salvou , restitu indo-o a sua virtuosa mãe,
que, tambcm doente, tinh a necessidade de
seus des\·dos.
Infd izm,~ntc, a trag{!d-ia não ficon nis-
·so. Os p aren tes. qu -: tinham affluido ;í
casa, julgaram dc\~r occultar Li mãe e n-
ferma n morte da fi lha, cu j o caclaY I!r
estav;; sendo lavado e preparado.
O dr. An tonio, l o~o que recup tTOU os
se ntido~;, ~ depo·b de se ter precipitad<'
so bre o cadaver de sua querida irm an,
..:xigiu im pet u osamcnt~ ~ c r admittido :í
presença de sua mã~. Deixararn -n'o ir
tão sóm<::nte q u;mdo elle, COl il ing-ente
esforço, se tinll ;: domi·nad u ao po nto d~
')Odcr occu ltar ;Í m5e a lll Ort-:• da des-
~litosa jO\'Cil.
Foi dolumso t) CHCon tro tk ;n ãe c
filh o. Por ma,is q u ~ este ~e esforçasse
em domin ar s11a emocão, a fazer vêr :í
m ãe tão sóna:nh: ;\ sua alegria de rc-
\'êl-a, esta, co m n insti nc to 111atemo, d cv~:
ter adivinhado a dura e tris te real idade
Em vão o dr. B;:rros respondeu ;ís
suas inquietas pergu ntas sobre o estado
da filha r:om evasivas e pala\T;:s tran-
quil lizadoras. A doe nte só apparentemen-
tc se deu por satisfeita. Nin guern po-
dia imag inar o . que acontece ria ckpois.
Qu.:mdo o fi lho, cl2pois de jul ~;u· ter
tranquillizilào sua mãe, se retirou a mu-
dar de roupa, deixando-a a sós, os pa·
rentes que, numa outra sala, acabavam
de collocar o cada\"'=r da joven no ataúde,
ouviram suhito un: tTrito estri den t::, co-
mo só uma mãe an'gustiada c 111ortal-
tHente fc rid:t póde proferi·l-o. Voltando-se
estarrecidos t! c horror, vkam na porta
D. He len n qu e, num supremo esforço,
se levantára da cama, a vl:r si o coraçã-o
ma terno a iIludira.
A ~11rprcsa foi tal, que os presentes
nem conseguiram amparar a tempo a
pobre mãt:. D. Helena cahiu de chofre
com o massa inanitn<~da, c o dr. Sartori,
qm·, fclit:t11(:'nk, ainda ~·si.t ·:a presente,
só depois de <ingentes t:J r,,rço:> fel -a vol-
ta,r á vida. A pobre st:n iwra, entretanto,
perdeu por completo o uso da pabvra.
Fracamente reagindo, mostra ter conser-
vado a lucídl.!Z de esp ír ito, mas a fala
Hão lhe \'oltot! até á hora em que da-
mos esta s notas.
~oss o :u ni.r;o , o dr. Anton~o Costa, fe-
rido por ma>i·.> csk duro gu lpc qw.·, na
l:or:: anhelad a do regresso ao lar, lhe
er a duplmncutc doloroso, mostrou-se di-
.r{nO fi lh·o ch terra serr<111a, não succurn-
bindo em d<:s <mimu, mas reergu~ndo-se,
com inge nte esforço, para serv ir $Ua mãe,
que de sc:us d>C ~;vc l os ago ra duplame nte
carece.
A constern <:çã» entre os amig-os da dis-
tinda fa111ilia Costa Barr os ,: g eral.
Sobre o ~ nteno da inditosa moça, D.
Gertr udes da Costa Barros, cn1 outro
local damos detalhad as no ti cias.
Ao desventu rado amigo os p rotestos
de nossa solidariedad.:: na dôr pelos du-
ros golpes que, incspc r:tda c cru elmen-
te, \·ieram feri l-o .

* ..
Não 1-...:sta outra coisa a fazer - disse
an dr. Costa R:trros, dito dias depois do en-
terro da irman, o tllt:dir o do llltlll iri pi u, d r. Sar-
tori. --· Sua mãe es tá ti!dhorando; j á agora
é prt'ciso fazer-se forte " procur ar fo rtal ecei-a
lambem, para q ue s eu estado nã o se ag-gra•ve,
o que seri a de p os:>i\·ei s conscq u enrias perigosas.
Faça o que lhe acons elhei : { furçosu não a
contrariar, t. ncce:::.sar ia u m • radk.1l rntt dan ça de
ares.
- Nãu a cnn\r ar iar! rcspo udt tt amar-
gamEnte O j0\'(' 11 fa ze nck im COI!IO S Í C U não
timbrassc e m 7e lar com d~dicação taJycz so bre-
humwna ~ obre quem . . . sobre aquc lla, a unica,
que me r L'sta no mundo! Afinal, que p6d c lllai:s
d(H.jar minha 111 ãe, s abendo q ue lhL' morreu
lllinha irman ?. . . H n je pd n tn anha u escreveu
n:t ped ra que lhe lki .. _ pobr,: t!tãe, q ue já nem
pódc f alar!.. E <J q ue e! la escre\'C' II foram
p;tl :> vra<: dt• sau d:tdc p .:- la fil il:t que lhl· mor-
rera~ . ..
Eu sei que o senhor f :JriÍ tu d·o, dou-
tor interro mpeu o ntedico tu do quanto
tsti\'t-r em suas forças . F aça, pois, o qu{' lhe
disse, e espere. Emho ra jcí haja come çado o
\ crao, o cli ma de Lages { d cnut ~ i a darn e n te in-
co nsta ut<: . N ã o me di s~P j:í o senhor ll lll di a
qu-e sua mã e é cari oca-,
E' , ma ~ com ct:rtcza o do utor n .:io ju l-
gar á que sej a COII \·e n ie n t~ fJc;:t ell a apora via-
gem tã o lon1:it c f nti g aute , no es tado.· <:!11 que
s: acha?
Sim, piJr C<:rro nà u pódc real izar a \'Í a-
gem já e já. Entretanto, deve mudar-se daquj ,
<:, si possi\·e! fôr , para a te rra natal ; d isso só
lhe result ar á bem, desde qu e lh 'o pcrmit tam as
forças physicas. Creio q ue a:nanh an poderá c lla
levantar-se po r a lg um as horas. Quanto mais
cedo, pois, mudar-se. ta nto maior é a proba bili-
dade de qu.:- um bo111 espeda lis ta, auxi liado po r
clim :t m<~i s b~nigno c pela mudanc;.1 de vida,
possa f azd-a rcc.u pet·ar o uso da fala , qu e ptrd t'u
po r f onnicl avc! a balo ne rv oso.
<) dout o r km dfcc ti v<~ IIH'ntt'
ou quer ap..:nas e ncoraj a r- me?
Estou convencido de que, sobretudo
agora, quando o mai ainda não criou raües
funda s:, um bom ~sp<'l'Íalista pndná fazer mi-
la grc!'.. ·
Mas a viage m, d ou tor!
A viagen1 scd pe nosa, se rá; !lias h oje
J<l se viaja menos difficilmcnrc do qtH~ ha pou-
cos :,nnos atraz. Temos agora Utll :l b<la estrada
de rm!:Jgcm até Flo ri ano[wli~, c de I á pc'Jde
t:lla tomar faciltnentc o vapor.
- - Eu scntpre p.::nsei em trans fe rir nossa re-
sidcnci:l para o Rio. M as agora, que, :t lbn d L'
HtCll pa,:, deixo aqui, no cem iterio, 'tam bcm m i-
nha irman, confesso qll{' a sc para ~ão me custa
muito . .. O doutor não sahc a clôr que é chc-
.~·ar-sc au lar, de q1 te s e esteve tanto tempo
au sente, c nào Cllcontr<~ r l!Iais ndle a irmau
C]Li<:rida, que na au se nc ia com tanLt s a udade era
lembrada! ... Minha m à'..~ n;lo po d erá melhorar
r
aqui mesmo Desejar ia pnupar-llie a fadiga des-
s ,t viagem.
Melltora r:í sem du,·ida; j <t vac mesm o
tnclltor;:ud o, e e u, franca;u e nte , admiro a cner-
gi t d e \' Ontadc clL que teHJ dad o prr)\'as. O
que eu digo 0 que acho pouco ]11'0\·avel co·IJsi.-
gamos aqui mei os para fa ze l-a r ecuperar a fala.
Entã o ... seja corn o o d outor quer. L o~
go que ella possa, co nduzil-a-c i em carro, com
todo o cuidado, até l: lo·rianupolis, e lá t oma-
rem os o ,·apo r. M as q uem IHC g ar :~ntirá qoe
minha p obre mãe agu e nte a via gt:m? E . .. que,
uc
<.lfinal contas, todo n perigo que va<.~ corr e r
não sc j ;1 c1n vão ?
Que m garante .. . sou e u, tant o quanto
o p(1dc faze r um medico. L rnais :tincLt: pa ra
que o sen hor se t ranq u ill ize, :tl'Oií lj1anllal-a-e1
pelo me nos até Canôas.
Isto s im, do utor, muit o c muit o ag ra,
decido 1 Não accei tar ia se lll,·l h antr s:tcr it iciu -
7
c sei lJ que t.: ~ si de rlli!Jr ::-.l· !rat<lsse, niélS,
em favor de mi,llha m ãe , acceito, doutor, ac-
ccito obrig-adíssimo. Ago ra, d:.í-n,e liccnç;r, não
é? Vou Yêl-a.
- Pois não; este ja a V(Jnf"a de.
O dr. Costa Bar ros e nco ntrou a mã" dor-
mindo tranq uill amente. As fei ções da \· c neranda
senhora, de ordinario tão meigas, achavam-s~
como qu<: transfigttradas ;wr uma expressã o re-
signada, q11z: devi a \·ir li ~ um a r ~signaçà o fóra
deste mundo.
Deveria elle cxpôl-a :í fadiga de viag-em
tão lo nga? .. . Mas, por o utro lado , co mo se
haveria e lle de resignar a não ouvir mais -·
nunca mais ! - a sua doce e qu erida voz d.::
mãe carinhosa ? !.. . Não! F aria tud o, tentaria o
impossível para conseguil-a curada, ai nda mes-
mo que t h·esse d e co nduzi l-a ás costas!. . . E
Deus não ha\·eria dei xar th' resíituir-lhe a fa-
la. Deus? ... Deus? ... E tinha cllc o direito d ~
esperar tamanh a g raça d e Deus ? Não.. . E I!c
não, mas a mãe, sim, e lla, qu e sempre foi
tão bôa, tão santa, tão relig iosa. . . Po r que
justamente os bons hão de soffrer t~nto? E'
pos~ivel que Dws seja para ellcs tão cruel?._.
para com 0s que tão fie lm ente o se rvem? Niiu
é isso um a injustiça? ...
Subito, Antonio sente despertar-lhe na me-
moria o quad r o que e m Ob erarnmcr~au tanto
o impressionára: o caminho cif' Jes us c de JV\a-
ria na Via Crucis. . . li o rror!.. . e dlcs não
soffriam ta nto?!
Ah!. . . c ouvia agora a \'OZ do te n ente:
«Não houvesse um a outra vida, com pagam..! nto
c prcJHio a·o m al e ao be m, e tulio mudaria
de aspecto. D eixe estar! Ainda qu e tarde, f ar-
se-á justiça. Deixe estar!»
Feliz, esse noivo de Judith, com s u a f é t·v ·
busta, que tanta força lh-e dava em todas as
sih.ações da vida! Por qu~ não teria cllc a
mesma f é? Repugn ava á i' lia consciencia -~.. . á
sua intelligencia?.. . A h! isso não! jámais con-
seguira apresentar algo de razoavel á argumen-
tação do tenente, dn fraclê a bordo, e ... de
Dulr.c ...
Dulct•! ... Dulce! ... Ah ! si ella estivesse
ali! Si el!a poisasse a d-elicada mãozin ha na
testa de sua mãe, a acariciai-a! ... Si ella a
fitasse com seus g·rail des o lhos lu minosos t'
profundos, qu e tã o bem refie ctiam todo um
muudJ de generos idade e J e grand eza d'alma! ...
Si <:ILt diri.2;isse ;i sua mãe um daquelles en~
cantadores sorri:;o:;, que tão li ndoo; e graci osos
lhe cavavam as co,·inh as nas fac~:s, ,'~ que lhe
davam :ís feições um encanto csrccial . . . Ah!
então s tw mãe \13\·eria de ficar btla! rccupera•ria
a fala, haveria tk di1n-lhe, co !!i a mcigu icL\
<:arinhosa c u enthusia:;.Jno do seu bondoso co-
racào materno: d\o1inii:t filha;,,
. Abso rto, u doutor, que se havia sentado
ao lad o do leito, erguera-se do log ar onde es-
tava. O seu espirito vaguwu e rrante até aquellc
encantador palacio de Botaf1>go, a acompanhar
quanto ali se passa\'a, mas, particularmente, a
silhueta querida daquelb jo\'C n... Dulce: ... de
nom;2 tão lindo, (l unico que Ih~· ficava bem~
Dlllct: ! ...
Subil!J, suas d ivag ações apaixo nad as pnra-
r;nn, dç chofre. Antonio s2ntiu cravados no.-;
seus os olhos ardentes de s ua mãe qu tri da, c
esses olhos sorriam... so rria111... Bom augu-
. ?
no ....

......·- «Di>- -
XXI

Raflectla!

Cyr ino, t_l'po gcrnri namente Je


ra bôclo, coHrm odame ntc posto
sobre su a rtnrl a fa vo rita, en-
tr :rva pe lo por tão do co nvento
f ra·nciscano d~ Lages, c ai nd a
d<.' lon ge grita v a para o Irm ão,
q ttr vi:1 tr abalh ar no jard-im :
O lá, M;;m ic-i<J ! .. . ,'V\ auricio ! . _. Te m pt11'
ahi um cafézinho quenk para mi m ?
Apeie, Cyrin o -- rc~;pon dnJ o Irmã o.
Vaes então á ci dade? *)
- Por esta vez, nã o: vt>nh o aco m panh ar
o patrão, que dentro em pouco \·i r á pedir t Lrn
pad re para dize r Missa em São lrmuario.
A mãe do do utor peior ou?
Não peio r;J u, não ; mas quer á fina fo rça
:1ssisti;· a um a Missa.
P ois \ 'OU já falar ao pad re Guardião.
O ho m Irmão Ma-tt ri cio r·o7a va d:J mais
frauc;r S\'lll pathia d:J fl ai'lt' dt: forl a a g l't lle lj lll'

") Assim 'a cidade • - chamam á cap\lal do Estado .


co111 cllc tratasse, ,. es pecialmente . os lr.oreiros
se lhe affcicôavam. Embora na~ci do na Alle-
ur;wha, faciltiH:nte S·c acclitnára á regtao ser-
rana, como si filho fôra d0 paiz. Ser\'ia como
jardineiro e IJ.ortdão, c capric hava em manter
ordc111 ad111iravcl em seu bt:m cuidado c llluito
querido po mar, que Clll [)OUCO te mpo SC tornou
digno de vêr-~c (' apreciar. Os Lagcanos tmi<JS
rccord;n'alll-S<' :ri•tH.la dn \'Ciho pedaço dl' ca-
pocira anti ga, qrtc os csf on;os incessantes do h-
lllão Mauri cio, de seus confrades c aj udantes,
transformaram na linda r lantaçiio, cu lt ivada com
esmero, que hojt• é. As videiras, as éJr\'Orcs
frudifcras, as flóres, os kgumes , tudo teste-
munhava a app licada intcl ligencia do incansa\·el
Irmão.
O qu<.:, no entretanto. 111ais lJlli.' tu do lh e
grang-d ra a estima c até a admiração geral,
além do modu lha·n o c capti\·antc dr scrt trato,
fô ra a especial compde ncia que re\;chíra em
tudo quanto se referi %<' ú locomofitJa do cam-
po, isto é, o cavallo ou a mula. Nesse assumpto
reconheci::un-n'o superior a<•s proprins tropeiros,
c toda a \·ez que f osse necess ario ir receber tfm
Provinci::d, t: lll viagem canonica, uu lllll confradr
enfermo, <>li qualquer pessúa grada ecclesiasti-
ca, era sempre escolhido para a comrnissã-o o
Irmã o Mauricio, conhcced(l r de todos os des-
,·ãos e dos mil accidcnt0s dos caminhos, sem-
pre de uma dedicação a toda prova, cuidadoso
com os animaes, que se não afadigassem muito;
era e llc quem ;i noih' preparava, · nas viilgens ,
por \·czcs longas, as rud es camas co m os ar-
rdos das mulas ; que m f azia crepitar o f ogo
na sésta, a preparar jo vi alnrc ntc o café ou o
almoço, e, ao mesmo temp o , ~ l:om o iiiCSillO
modo pacifico, cncillta\·a ou de senc ilha~·a os ani-
nracs: era qu em os trata\' a quando lllan cassc rn,
queru ronccrtav;' :1s po ul't's 411 e fa ziam pcrig,Jsas
:rs lr a\·t's si a~ pel os r ibe ir<ies e ,·aliad os; elle,
fi11:1imenk. qurrl! f:1t.i:1 recO!JI';1r :rni111 0 :1o C'a-
valleiro pouco affeito a tã o longas cavalgadas,
quando, ckrrcadc, de cansaço, já mal se ['JOdia
aguentar na sella. ·
Qualquer que fosse '' cllntraricdadc com qn~
ti\·cssc d<' arcar, o ln:~ã u Mauricio st• cunser-
\·ava seni[Jr<', it1altera\·clmentr, Clll Sl'l t bom hn-
mor. Chovia, mas. . . que illlpllrta\'i\ chon~s-,· .
pois que a chu\·a era enviada pelo h1Jt11 D ,u:>
pa r a refrescar as pla ntações e fecundar a ter-
ra~ .. . O frio. ríspido t: <<Havalllanft:, abr ia f.:n-
das uos dcd0~ c fustiga\·a <: rosto. Q ue mal
L<Lia o frio, Llianl'-~ da sua itupassihil!d:~dc? ...
ArdiJ causticante o snl esti\·:tl, qu eimando cntiH•
brasa, lllllila atmosph:.:ra de f t>(ZU , chu ;;Jbo.
~bs... por que se queixa r do so l, q iH' fazia
ç;ntlan:lll as ci~':arr:~s c r evig-o ra va de sc iv:1 a
fl o rcs t:: ~- ...
OtH' teriam fei to l)S padres, ., ,.111 o cn !l -
~:mso intelligcutc c dedicadissimo do !nfatigaH:!
Ir mão?~ ... No {:ll (anto, o Irmão Mauricio:· a:1-
parentcmcn1c, nào exercia ncnh11111 apnstoladu:
apcna5 cuida,·a dos polliares, d ll jardirn i.' da
horta. c trata\·a dos :mima;~s. Mas n?io era sim-
plcs nÍe nh: indis p~tlsare l seu conciJrso, para que
o~ padres do corn·cn tu pucksscm h:·m exercer
o apostolado da prég;1çâu, da vis ita ao<; ~nfer­
mos, úa ad111inis traçâo tios santos sacrame nt o~? ...
Eran; essas as idéas que passavam p;:l a 111cn-
tc do j oven fazendei ro, quando, pouco depois,
ao entrar por sua vez tw jardim ún com·.:-nto,
vi:: seu capataz em animada palestra com o Ir-
mão Mau ricio.
O Irmão, cmb or.1 Cyrino, com a r ude ccm-
fiün<;·a elos cabôclos, o tratasse sc guidam.:n tc,
ora por iu, L)ra por 1-·oc~, modes t:tm.:: nte o tra-
t a\';! por setthor.
A pedido elo fazendeiro, ó padre \~iuardiã l~
escolheu p ar a segui r até São f anuario o mes-
•n o relig ios\l que, me zes antes, havia sacrarm:n-
taLio n. Ocrtrudcs. C frei José, c mhora fati-
gado, por apenas regressar do Painel, aonde
fór.t uo excn:icw de seu flwtws sacerdotal,
aprGlllptou-se p<1ra incontinenti acompanhar o dr.
Costa Barros.
Srnlirarn montados, um ao lado do outro,
tendo <':vrino ficad o na cidade para tratar :lÍn-
da ck ,il:.runs nego cios, d~vend o ~eg-ui r de tT•
~rcsso mais tarde.
B6a pcssôa, esse Irm i\o .'Hauri cio .
tliss c o dout or. - Ni'lo co mp.rch en d o como elle,
com tan to trabalho, co n~ cg ue estar sêmprc ale-
gre, bem dispo"to e se n ·iça l.
Tem razão, doutor. E' urna perola. Nã o
fosse a satisfação ele corresponder a um ideal,
e, cert:;m enk, elle tt:l u cunse~ uiria faze r tantu.
E' exact<llll<'nte isso qu-e ltle dá que
pt>t;sa r. () lnnãu, como me mbro d e um cun-
rultu, nãn .?P nha co i~;a alg u rn:1 ; não póde dis-
púr n•,' !n ;nesmo d '~ tu r: '.in tem . O superior p&de
r:J.lhar-111{:' quando ache n úo estar be111 f eito qua l-
4uer trab:-dho ~e:. [ o lrlll ;io ~stá ~empre con-
te nte! ... Desde a JtJa n han até ;í noi te, sempn:
tem o mesmo pesado s c n· i~:t l, e nem a rnaLq
leve qnc-ixa lhe ~L dos labios!
E' n : rdad c , d o uL;r; aqui elle IL1 o ga-
nha nada. Entretanto, parece-me que os l nnã<Js
leigo·; sàc• verJatL-írvs gônios financei ro s. Ellcs,
rcabncnte, s abem armaze nar g ra nde for tun a . Que
teri:.u:t aqui no Hlttm.lo, q,;ando wnstituisscm fa-
mília c vivcssen1 sc:::nndo a propr ia \'ú ntadc"
Se m duvida, teriaw goz-os c satisf<H;õ.:s, rn as
tudo isso pass ag e ir o , ernqua!i[u agora tudo .s a-
crificam r}ara um d ia possuírem plenam ente o
Senho~ Eterno . . . ·
Sim.. ·~ se não arrepe ndc;n nunca ·,-
Ora, doutor! Quun lh es pro hibc \'Oi-
tarem para o seio ela família que· d(:i xaram ? . . .
O co nvento não é uma prisão. Quem ne llc vÍ\'l',
nc llc ~st{t porque ndk qul'r ustar. P.oss o affir-
;n:! r-lltc, douto r , yuc ainda n.:111 u !na \ ' L'Z, nu n ca
eu me <~ITep·e n cl i de it:t\Tr entradu para a Or{lem .
lim·as de de sgos to L' ~offrii!H'nt o , por cer to que
eu as tive, r 1nuitas. Ning·11un me reteH no
dau~tro, a não ser minha consciencia, e a con-
Vlcçao de que, vivendo na Ordem, dou uma
prova de affcição a Deus, maior do que a que
poderia dar, ~i vivesse no mundo.
Mas.. . o reverendo permitte uma per-
gu-nia, talvez muiin indiscreta? ...
fa!l' com toda a franqurza, doutor_ Ab-
solutam('rJte não tnl' zangarei.
P;-;raram, porém, por momentos a conver-
S<tção, para atravessarem o rio Caveiras, cujas
agllas haviam crescido consideravelme!lte com
as chuvas dos dias precetknte s. Depois que o
rio foi transposto, disse o f rade:
·- então, doutor ? ... Fal e ~
Oh! re ve re ndo, ,: mn pensatneHto qul'
mais de uma vez j<i nu· ve-iu, e me custa ex-
ternar ..
- F<dc socegada•nt·utc.
Pois St.'ja! Diz-rnc o senhor que jámais
se arrependeu d e ter entrado para a Ordem.
Mas não se poderá dar ,) caso de arrepender-sl~
ainda um dia?
-- Como ?
- O se nh or ainda é moço.. . Não poderá
acontecer, fJOr exemplo, que um dia lhe nasça
no peito ··· oh t perdôc-me a franqueza - um
amor violento, que o possua e domine todo in-
teiro?. . . E o qne faria então, reverendo?
- O se nhor fala com sinceridade; por issQ
tambem cont a mesma sinceridade lhe respondo.
Sim, póde dar-se esse caso, embora eu não o
creia prO\·an~l. Que faria eu então?... Antes
de entrar para a ()rdcm en era livre. Podia es~
colher este o u aquelle es tado de vida, casar-me
uu deixar de faze l-o. f::sc;;]he ndo a \'ida religiosa,
avisaram-me que havia d e renunci:tr para s em-
pre ás a legrias do es tad o matrimünial, á posse
de meus bens de fortu na r até á m inha propria
vontade, deve nd o cur va r-me submiss-o á de ou-
trem. E e u fi z o s acrifício, Ctllll pll'na liber-
dadc, com to da a rt::fl exü o, cum ~ in cno prazer.
Aind:t assilll, ni:io lliC aumi tti raiH l ogo, COIJIO· não
admitkm ningll<:lll, ao ,; 1·,,t:>s qu t: formam o ca-
rac1nistico Ua I'Ída tTiig:tl ~a: tr:;r:-; nbrigaralll-!11 ~
a viver, dura·ntc 11111 amw inteiro. collio si .iá
estivesse ligadn por esses vo to;;. L' o llt>vicia-
do, cujo dccorn:r ain da 11 1ai s w :· confirlii OII na
rl'SOiuçào de l'scnlk·r para ~\·mprc a 1·ida reli-
gi·osa. Fiz cn\:i o •.lS 1·ntr}s t:lll pl ena liberdade
C COilSCÍCncia dt: ITlt:ll CIC(O, St:lil a lllÍnima cspe-
cie de co::~cçã o , vend o km dt• unJ lado o qw'
ü llluntlo me offcrccia c 111 gozr>s, c, de outro, os
sacrifícios qut~ me espcra\'~Hn. Lutas. lutas tC' r-
riveis, o h! nàu me faltaram nem me pouparam
ellas. Si, pois, uma nova se me aprcscn\assc,
eu teria de n.:pctir a resistcncia que lhe oppuz
no pass<~do. Agora j :1 não sou li vre; Ú C\'tl, pois,
combakr <:SSl' tal arnnr ;: fJI!C o doutor se n:-
fere.
Mas ,; d11ro. rcq: ret:dn! Acho <J\ \- huma-
llanwnt<· impossin:: l !.
Ah! alto lá, doutor! A~üra é qu e o
amigo p 11Üu fala acertadalilt:ntt.
E por que?
Ora, pc•r que 11<1 de cscnlla:r justame nte
um religioso para '-·icti ma d"sse amor violento?
Nã u se putkr;\ d ;t r o ph :: no meno ro m um ho-
m cnl casado, que, d ~· s 11h ítn, st· sinta atlrailidu
t' dolllinadu por 01 1tra llltilhcr, q:n: n:!o a ~ua
kgitima c.::~ ro s a :• E qu: lhe restar:í l'l1l:1o a fa-
zer? Hcsi stir! ... Resistir ! ... Siuii(), 1·cr-se-á ellc
collcl ::m n :1 d o, nã u a p ~1 1 a:' pela propria conscien-
ci::t, ma:-;, igua lm ente. pela sociedade huncsta em
p<·so !. .. J;í I'L' . p o is, q:1c o voto n;lo (Jbriga
a nada de it13Udito.
N;io posso co ntes tar quaot\> dit, !118s
nem todos c-ompre h ~· tHie m esse voio de · casti-
dade .
.._ Não o nego ; entretanto, do utor. si mui-
tos ha qu e jul gam irnpossi\·el a castidad {: no
<·stado sac~:rdotal. p or 4!1 \' nii C> o j11l g am i;_!u al-
mente, logicamente, i111p ussin: I em suas filhas e
em seus filhos, emquanto aind a não casados? ...
- Sim, isso é logico.
- - Aliás, longe d-!: rni;n a idéa de fu l mi-
n:.tr conclemnaçõcs -sobre quem cáe. Pe lo con-
trario, tenho-lhes pena. Sei que eu Hl •:~ smo, sem
os Jncios preserYativo:; que a Helíg-iã r> me offc-
rccc, não poderia obsen·ar este nem os outros
votos .. _
ScRuirarn por alg-un1 k• mpo a cstr<tda, g-ua r-
dandr, silencio.
E sua mãe, douto r, vac p assantlu m~ ­
lhor estes ultimos dias, p ois nã(' 0?
Minha mãe... Quem nH· cláa pode r
n~siituir-lht~ a fal;1 ~ lmagin :: que hontC! II, ao p e-
dir-m(· que o prucurass:~ pa ra celebrar a Miss a
t ' l11 São f amwrio. tn ;- de faze 1-o por cscripto,
c desse modo faz sempre q ue se quer comn ;ll-
nica;· com algucm. bto dóe, rn·erendo!
- - Sin1, 'InJs não dcs an ina:. De us perfe.i ta-
mentc sab~· o que c qu ;Jnto faz. O sol j álll ais
deixou de fulgir d epC\i;; da borrasca. ,
--- Mas por que devo cn justallH:•nk Stlffr er
tanto, quando nunca fiz 111 al a ning-u~m :;
Não é a mim qn ~ o dc rc p··rgunta.r,
dout o r; cu não so·u umniscientc. Demais, o se-
nhor labora elll erro, si _jui 1;·J não d --' n D-eu s
pcrmittir oue soffran1 us iu;;tos.
M~s realn: en te n:i~1 C<Jillprchen du como
possa Deus, u just 0 D: u~. dc· ixa r qu e ta?J tn
~offram pesstJas i nn oc-e n l l',;.
- f { tão fac-il Ctlmprcltcn lh: l- D' Jur iscon-
~~llto qtlt' é. u duuhr qu er-: r ia q He n e s te m und o
sõ•nen k o~ 1ná:t s s uffn:sse111-"
Cnto ' is t(), pcLJ m l: :IOs. ~ .: ri ; ; r ;IZO<I\·vl.
Ahsolutamcntc n~ o s eria razoa1·-e l, dr.
Uarros! Si assim f osse, teriamos q u~ di ze1· adc11 s
ü li ber da d e h :n !lllllrl.
- N ão com prehe nd o.
-- Nã o~). . . Mas ~i són1ent<.> "s perYerso s
:>()ffn:ssem, -nin glJ ;.-1 11 t>l i S~t ri a p raticar <J ma l. nJo
pelo amur au lK'HI, llla:; pelu lt.:tllur u u castigo
immediato. Não hav<:ría a plena liberdade de
seguir o bem ou o m;d, isto é, ncttlnnn mê-
rito ha \· ~: ria para os que fizess~m o b~:m e que
n farialll só para iiiio in ;:urrere lll em pena.
Unú.·, enião, fíc :1 a jus tiça J.: Deu s ?
- O dout or nii u sabe que Deus tem a
eternidade :í sua uispos·içào? Nem tudo se fará
hoje, ma s tal\'e7 s.::- faça <Jiilanb:ltl, qualquer ou-
tro dia; mas justiça será feita, compJ.eta, e nós
;ur.bos sere tH os della testemunhas! ...
- Com que solernn e gr:tv idatle o affirma
o senhur!
[ não é para men os. Nesta vida o pre-
mio e o castigo seguir-se-iam ao bem ou ao
mal, e nã o ha\'Cria merito algum.
Mas, pelo men os, ningucm se poderia
queixar~
-- Nem o pódc agora, porque, infallivcl-
lllente, jusiiça saá feita. Entretanto, si o mundo
não foss e cnmo é, tod os reclamariam a ampli-
tude de liberdade d e acção C(LJ e hoje temos.
E a liben'adc da applicação da Yontade huma-
ll:i 0 o uni c.:o poder que Dt!ts respeita nesta
vida!
Seguiu-se nova pausa ...
- Mi11ha l1Hica e s perança - COiltinuou, fi-
nalmente, o dr. Barr•>s funda-se ua palavra
d o medico : mudam; a de ar c a consulta de
um bom especialista. Logo qu;- o es tado de mi-
nha mãe o pcnnitta, p artire mos iud os para o
Rio. Foi po r isso que vim pessoalm e nte buc-
cal·o, pos th-c a(mla de tratar certos negocioe;
em Lag-es.
·- Dt' coração :dmej o que s ua esperança
não falhe. Mas , com franqueza, po r que di1 r>
scuhor que funda sua esperança s6mC'nte no
qt1e lhe promcttcLt o lllCdico?
E que outra poderia ca te r?
- O senhor nã o é athcu. Julga entã o seu
Deus tão pouco genernso ou tão.. . po uco bom
que não possa , ou n;io esteja tlispo,;t o a soo
correr?
- Ah! padre, milagres já se 11<io fazem
em nossos dias!
- Conrcdo, de ani<n tào, q ue nJ.:rn tu do
quanto como tal é rtprcsentado seja m ilagre,
principalmente quand·o o é p or indi\· iduos me-
nos instruidos. M as a possibilidade da realiza-
ção d<: milagres, aliás, o doutor não a contes-
tará jámais, rois isso equivaler ia a contestar ()
poder infinito d' Aquc ll c que dr u :1s leis ;\ na-
tureza
Tem razão.
Mas, a lém disso, quem diz que Deus
precisa recorrer a 11m milag-re para <1 cura de
su1 mãe? Não ]h(' seria iacil disp<)r causas
naturaes, de tal modo que se lhes siga o ef-
feito desejado?
- Ah! quem me déra assim fosse!
Talvez s6 d~1 senhor dependa que o seja!
Como ?
·· Lk su:t . . . c.k sua fl:.

E. gravemente, o francisc:m o cont inuou:


Doutor, amanhan, pda manh:w, o se-
nhor v:1e hosp;::dar t'lll sua casa Aquclle diante d o
qual tremem r.:us e terra! E não terá nad;-t
:t pedir-lhe? ...
- Oxalá ti\·c~S<' cu e ssa fé !
A fé não é tlllt produc! o da raz ã o; é um
dom de Deus, dom preci oso que não é negado
n quem quer que humildem ente lh'o implore.
A minha razão se oppôe a isso.
Oppõe-se? No en t anto, nã o se oppôe a
que o senhor pres te f é a falaci osas affirma.çues
de desco nhecid os, o u pessôas que mal conhe-
ce. Só Deus não merece qu e o senhor lh':1
pres te ? !
- Re vere ndo! ...
E' isso: pnll' i·nformações na estrada
par:~ qtw lhe indiqlll'ln '' rarn inh o, de que se
tra n~ vi ou, e o senhor ac redita pia meu lc 110 in-
fo rm a nte; - 4 ua ndo creança, o p rofessor e n si-
na,·a-lhe o nome e o uso d as le tras d o alpha~
be to. e o senhor acn~d itou ne l le, prestou-lhe
fé ; - vae stl<l cuzin hc ira para o fogão, e o
senh or ac redi ta que cll a não lhe ,·ae tir ar a
\'ida com comidas e nven enadas ; - e mbarca,
to111a o vapC>r, e crê n o comm an dante, que lhe
diL que o trar á p ara o Brasil, qu ando pó de OOJJ-
duzil-o ao J ap ão, se m que o senho r o per-.
ccba em tem po; te m seu capataz, e co nfia
nclle ; confia em to d os <:>s q ue o ceram ... me-
no.' em Deus? ... A seus o lhos confian tes, Deus
merece, Deus vale menos que todos esses ? . . .
O reve rendo tem um mod o de arg u-
lll('nfar que me confunde . Deixe-m e reflectir ...
Pois sim, doutor, re fli cta. Pense mu ito
:unanhan, durante a santa Missa, sobre quem é
que 1·em hon rar a sua casa com sua prese nça
real, e m bora inv isíve l ; rcfli cta be m, e pense
corn cuidado que sómentc o em verdade hu-
lllilde de coraç ão \'ê a brirem -se-lh e os olhos d o
espí rito a reconhecer o Senho r d os céus e d a
ierra, o Deus de ,·ida e de mo rte, o Suprem o
Arbi tru da enfermidade c da saude... RL'flicta
tK'm em tu do isso, d outor! .. .

- -<0»- -·
X XII

A Missa

altar onde ~c de\'lTia, dentro em


pouco, rclc!Ear a sant a .\~i s s:~, na
fazenda J c São Januari o, es ta\·a
agora longe de aprc~entar-s r tão
garr id ame nte enfeitado COl!lu quanJo
e m vida de Tr udin ha. As wd es .:
desage itad as mãos callosas d o vel ho Cyrino pou-
ca ou nen hu ma habi lid;;de tinham para tratar de
flôres e d is pôl-as em h arm o ni os os rarnilhete s;
e as mã os de uma longínqua parenta da f<trni-
lia, que d era auxili ar o dOi lÍOr no tratamento
da mãe enferm a, ne m por somb ras p,)dianJ C (llll-
petir e m geito e g osto artís tico com a,; da fal-
lecida e sempre chorada /l t!J O(.'(: Iuy a .
Mas a doe nte parecia ho je mais bem dis-
posta c mesmo cu ntenk . Co m a sua f~ Yigoros <t,
hem sabia que maior fe licidade lht: não poder ia
have r do que receber a vis ita de seu Deus . ..
Co rno lhe ergueria preces ardentes por occ:tsião
da E levação !.. . até {! sagrada Cummunh ão ! . ..
Sim, a Commu nh ão, a intima c mais santa un ião
que e ntre a creatura e seu autor póde ha ver . ..
Preparára-se com cui dado meticu loso, com fer-
~ 20i ~J

\·or cxtre!ll u, co nfcs a ndo-::;e a Fre i J osé, respon-


dendo por sig nacs ás pergu n t as do sacerdote, c,
ás H'Zes, cp ~a nd o a respos ta ~:ra necess ari o q11e
fosst: ma is exp\ici t:1 c desen\'o lvi d a, escr c YCn d o-a
na p~qu c na lousa, qu-: agora trazia sempre com-
s igo. Co nseg-u ira e rguer-se d u le ito n as ves pc-
ras, ..: se ntia-s..: ho je t ão f1>rtc que, de mane ira
algu m:1, co nse nt ir ia co n ser v ar-s~ na cam a.
U urantc o san to s acrifici o d a M issa, I>. H e-
lena se rnante\·.: sc:n tad a em ampla cade ira de
balalit;o. O \T lh ll Cyrino c se us fil hos, po r de-
sej o expresso da p atrôa. assis tialll tarn be m ;í
Jv \issa, que t'ra re zad a uo qua rto o nde fa llecera
a saud osa l111rorr:ncia. Antv nio . mais po r satisfa-
zer a um de se jo qu e se ntia se r ardente em sua
m:k, d o qu::: p o r collvi cçà o propri a, aj oelhou
como os cl~ntai:; circum st ant€s, quanú o Fre i José
começou a cckbração da santa cerCi1lonia. Os
pr~ p a ra1i ros para o ado, e, nã o menos , a pre-
occupação com a p ro xima riag;ern que deveria
encdar, d istra hiam-n'o u m tan to, :.! fa zia m-n 'o
assistir á Missa qu asi compkt~un c !tt e alheio ao
que se pass ava.
Subito, trcs n :zcs se fez ouvir a campaiuha
em Smr ctus, vibrada pe lo filho menor de Cy-
rin o, qu e serv ia d;! acolyto.
O doutor estremeceu. N.e;lic/q! . . . Ess a ad-
ver k ncia severa elo re ligioso resu rgiu-l he na mc-
moria. E q ue lhe ha \·~ria d ito o p ad re? . . . Urna
vis ita .. . Fal:í ra da visita de .. . mas era im-
JH">':.s ivel! Cu mo pode ria Deu s liga r a esse pu·n to
importa ncia t am anha ;1 miscra c pobre human i-
dade ! . ..
Mas . . . c s i f osse r e rd ade? ... Milhar~s de
home ns , in contc~tavcl meu lc instruid v-; , super iores,
o acrcdita\·am ! ... Si fosse verd ade, não se mu-
daria e nt ã o o aspecto d o mund o in teiro ?· .. •
Que seria d e tudo qu anto n a terr a se julg a
g-ra11d1· e p od eroso - e m com par açã o c om o ap-
rarcci me nto d o C re ado r e m sua facC'! ...
Nã o ! Não! lmpossi ,·cl isso!
f'fd 208 ~
l-<ujticto .1 ••• Sú o humilde.
Meu Deus 1 E s i fos se verdade? Si
l.:.lk. .. tlk.. . qu e na Palestina cmou tantos
t·nfnm os. . . s i Elll: a qui apparccesse realmen-
te .. . 'Si s ua 111ii.~ querrda .. . Oh! idéa \'enhuo-
sa! Si s ua mãe se le vanta sse dali hôa, c.lefiniti-
,·amcntc curada. falando, fal;.:ndn-lhc. 110\'amcntc
chamando-o : <<N\eu filho 1 111Cll qllL'riLÍ,t filho! » ...
ah! cl!!ão ell<· acn.: ditari;t ta mbcm, sím, com fé,
com fi rm cza, com u :n~: n·rdadc ira c robusta
COil\ ic~·;} n inn: ncivel!
M <t~ . . . só nes. e caso ?. . . F-<cjlirta! Só u
humilde... Como p odt:ria elle dar !eis e de-
termin;~l · procedim ento8 a se u Dc:us! Ter a ou-
sadia de aprcse·ntar-lh e as condições sob as quaes
o reconh eceria!.. . E Ocus pode ria sujeitar-se
a iss o 'r . . .
Nisso \·ibruu 110\' ;um: n te a campainha. Era
o mome nto .. . a hora, <' instante sole mnissimo,
de qu e lhe falára o padre .. . Agora ... deveria
El k v i r . . . Oe\· ~ ri ; t ,·ir'). . . nu ter i a já . . . ou
já ali e stava? . . .
· Meu Deus e meu Se nhor!.. . Creio ...
creio em Ti! ... Nã o, eu nà<• creio ainda, não
qlicro nem posso m c nli r-tc !.. . M<~ ':', ah! C(ltno
dcse j:1 r ia crér ! Crê r ,·m ttu1 p rcst'· ll~·a real, crt:r
firn;enten te que aqt ti cstrts. cn t 1niuh;) fazenda,
dian te de mim! .. . Chr ist o , s i de fat:lq aqui ('S-
t ás, si me vês c m e 0 11\'CS, cscu t :.Hnc! Olha com
t)lhos miscr icrm.ii osos pa ra 111i nha fraquc;.a c meu
orgul h o ! Si a qui es tás di ante d -: m im, oh! hl,
St~nho r do céu e da terra. f aze C(Jrn qu e te cu-
nh ec_:a, que te saiba c p os~:t ~'.T\'ir! ... Chri~to,
J(·:;us! succorre-me c s ah·a- me ~ Si aqui estás
prrscntL , :t cinco p assos dc 111i111 , •lU\'C-mc ...
Vt: mi nh a mãe ... Tu s ab es que t.:il a amo mais
do que a mim p r o prio . . . e l'lla já me não
fala, a mim, seu f ilh o , que a q u ero t anto! Tu
hem sabes, Jes us, des d e que Trud in ha morreu,
minh a mãe perd eu a f a la. Tellt pena della e
cura- a, Jesus, c eu he i d t.: rr(-r cn1 ti! Eu jü
creio em ti! ... Crll isto. ::.iuda-me c f ortale'cc m;-
nha fé!
Curvando :1 c abeça. os o lhos rasos d 'agua,
Antonio co-nti llll t•n a orar baix4nho c cornmovi-
do, como J<wwi ~; rezára antes ...
· --- Domint ·. llV II str.m dignu !i.' re pe tiu
por tres vez:.::; o celcb rante, e aproximou-se
de D. He lcn<J, <.:o lll a sagrada liostia ergu ida n:l
dextr?. ...
Domine. 11 011 sr/.1/t di_{{ nus.' rr pdiu
corno um ccho u co raç:'io emocion<.H.lo d o jo-
VCll . ..
Corpus lJomini. Nostri l esa Cítristi ms-
todirtt animam trwm in l'iiam adernru;1.' Amcn ...
E C hristo já n ão mais estava na m{i o do
sacerdote . . . Pass úra para a bocca. . . para o
cor:Jr<1c• da enfe rma .. .
·Antonio estremeceu vi olentamente. Sua mãe
e Deus - unidos em um só ! ... Quem jámais
o poderá comprehender, a esse rnyskrío d a
união intim;t do Crcador cotll srra creatura! .. .
Deverb dar-se agora o mi la!;rC !. . . Dever ia
agora falar sua mãe! D~us, que muito mais
lhe dér<J, poderia neg-ar-lhe o m(·:ws? . .. Pode·
ria Jesu s deixar continuas s ~ muda a líng ua, crn
que, momentos antes, poi-;5 ra? .. .
·- Christo, so:.:cni'i'i'·;:! - \·ibrou-lhc de to-
do o intim o du co ra ç;\u d<: Antu nio, COtllo um
brade, 1.k ang-ustia - :)occorre-a, Jesus!.. . soe-
corre-a!
No {:ll!aniu, f>. l·lclcna, \:lll profundo rc·
co lh imcnto, pcrnwn<:ci:r 1nuda comn dantes ...
O jon.>n niio \' Íll como <J saccrduk tc r-
lllÍtlOll a Missa. Nem prrccbcu qLwndo cllc, t"lll
voz baixa, rezav a as 3 A\'c-Marias e as dcma·is
orações de estylo para depois elo adn. l\'ào
viu nem mesmo quando o velh o Cyrino e o~ fi-
lhos deixaram a sala ...
- E si Christo, por min ha causa, não qui-
zes!\c curar minha mãe? .. . E si a cu lpa fosse
rllinha~ ... Si . .. llLIS que hei de e ntii o fazfr' . . .
Couf .. . ;tlt ! nem (1 11 simpl es peusamcnto
Antonio ousava terminar a pala\'ra: - conf ...
Não, Jesus, isso eu não posso! Romper com
todo ( l meu passado! . ..
Do intimn uma voz a \'1)7. de Christo
parecia que lhe respondia:
- Não pódes? E si fos~e esse o preço d0
resta helecimento de tua 111ãe ~.....
Tudo! Tudo, menos isso! . . . Não se-
jas cruel! Não exijas de mim o qut· é s uperior
a minhas forças !.. . Confess ar ?! Eu me con-
fessar?'.. . Tudo. Jesus, mas isso. . . t: impos-
~ivel !
-- Tudo ~; .. . S im, a mudez de tua rnàe . ..
- Tu me atormentas, Senhor !.. . Faze-me
soffrer tudo quanto qu izeres. . . martyriza-me ...
em n:udece-me a mim, mas restitue a palavra á
minha mãe ... c sem eu me conf . ..
Profundamente perturbado, An tonio se le-
\' ;,n t ou.
Então se ntiu que uma rn:in amiga se lhe
apoiava no hombro. Voltou-st>, fi tott um olh ar
:trdcntc e fc bri I no rosto sercnD c meigo do Re-
ligioso, cmquanto Frei j os( lhe dizia :
Luta, dou tor ? .. . Confie! Deus está pro-
ximo SI todos aq uelles que o procuram since-
r.t e hum ildemente ...

--«0 »--
XXIII

23 de Nonmbro de 191O

t'nl'nte Alfrnlo d e Sa ltes?


A's o rdens, commandan te !
O s<:nhor :>~g ttirá iHlmedia-
tamentc para bordo di> A1inas Ot·-
raes . c transJ1Jittirá o seguinte ao
co mm ancl antc Baptista das Nnes.
E o corrunaudantc do ::)úo Paulo falou bai-
xinho a •. tenente q ue , perpkxrJ pela g ra \· idad c
do que ouvia, affirmoll desen;penhar-se da r[Jis-
são o mais rapido c peLt 111elhor mane ira po~ ­
sivel. Meio minuto dep,lis, partia no escaler,
em demanda do Minas ...
no lado oppr>sto, dt bord o do cruzad or
francez Drtf:uay-Trvu in, \·inha o utro escalcr, em
que regressava o capitão de mar e g-tierra Ba-
ptist,t das Neves, de volta de uma festa q ue
em sua honra se rea lizára no vaso de g·uerra
franccz. O cscaler achava-se j á mu ito prox imo ao
costado do poderoso dreadnou.ght, quando o of-
ficial hrasile irn, de chofre, e rg ueu-se ·
Ali se passa algtllna coisa de auormal!
Depressa, rapazes!
!"k bordo do iHillaS Oll via-se forte alga-
zarra, rompt:ndo com c:;tranha vi o lencia o cos-
tumeiro sile11ciu daqudla hora adi.an tada da no i-
te. Subi to, echoou um c~tarnpido ... e r a um ti ro ...
outro .. . m;tís outros seguiram-se ... c, inespera-
damente, urna voz aspcra se elevou, int imando a
que não atracasse o cuu1mandante, que regres-
sava. Mas já este, presto, galgava de salto a
escada de ré, ckparando-se-lhe então toda a g-uar-
nição formad:.t, em attitude h<Jstil. Energico e vi-
goroso, o rommandante concitou-os a que depu-
zessem as armas e tornassem d isciplinarmente
aos alojamentos. Não obedeceram os marinheiros
sublevados.
Vá imrnediatarnente :1 terra ·- ordenou
o ccmmandante :"Je\'es a(J capitão-tenente Melcia-
des Portella ·- e ...
Não pôde continuar. Os am ot inad os, num
\·o zeio sedicioso, irnn'stiram contra elle, que ar-
rancára da espada e brandia-a, defendendo-se
heroicamente, não recuando diante do ímpeto
d os marinheiros re\· n !tados. Um n egro herculeo
precipitou-se S<lbre o capit:ín, erg1.1t'U uma la-
mina larga e reluzente, e ...
Treme ndo murro desviot l o hra ç:u e a arma
as~;assinos. < l tenente Alfredo de Salles, que
nesse instant~ tambem g-algára a escada, ati-
r~\ra-se como um louco contra o aggreswr,
prostr;Hldo-u co!ll um murro vioientiss im o . Mas
toda coragerr1 era agora debalde. A marinha-
gem, enfurecida, berrava, fóra de si. A luta des-
igual recrudesceu ck violencia. O commandaJtte
Neve3 sentia que lhe fugiam as f orças, em-
qu<.nto o tenente continuava a bater-se corno
um leão, prostra·ndo este, aquelle, ca hindo por
vez<'s, p<:ra logo immediatamt•nte reerguer-se,
procurando ur ais que ao seu proprio defender o
corpo do co tlHrtandant<' el os golpt''> enraivados
da soldadesca.
De repente, estalo u liiiJ 1irll; wna ha Ja si-
bilou, e foi morta lmente ferir o c:lpitão de ma r
c guerra, que cambaleou .. . pro curou ainda s u::;-
ter-sc n r:l pnLtc o de p é , num s11pr.:- tno esfon;o,
quandc treme ndo gulp ~ de m ac hadinha Ih:: f e n-
ck·n o cra•neo, prostra11do-u mo n :1.
Allucinado, d~ r;~i,·a c indi ~ na ç ào, d i ant~
do vil assass ín io d n co mmantl antc , i ão co barde
e miseravelmente reali zad o, o ,·al oros o te nente
continuou o combak· des ig-ua l, até qu e, en1 dad o
momento, se ntitH;c e le,·ado aos ares . . . uma
forte pancada, que cirigia á cab..:ça de llli l d os
aggressores, apenas fe ndeu o espaço, c o co rp o
do official, descrevendo uma curva p o r sobre
a an111rada, viu-se arremessado ás aguas da
bahi <· de Guanabara.
N;1 queda, feriu-se-lhe a mão esquerda em
um dos rem os do cscaler ; a dôr im pediu-o d e
perder os se ntidos, e , co nscio da en orme re s-
ponsabilidad e que agora lh e pe sava , g alg o P <>
t'ragil barco, auxiliado pl:! os braços ro bus to s da
tripulação. D~ cima, a rnnr uj a rc\· o lbda, ~ I r !
frat :c:; d;.:sordc m, contimla\·a aos U l: IT~ l.'; tl.:: vez
em qu:wcl o se ~ , m· i; un alg un s t ir;y;; i.,(J lad n s, L
al gumas balas ,passav am sibil<tndo po r sobre: as
cal.H:ç:l!: dos tripulantes do escaler , até p erd er-se
este na ;escuridão da noite, deixand o ao lo ng-e ,
na sombr a, <1 massa formidav c l el o Minas. 4:111
cujo boj o a revolta f ervia, e onde jaz ia o coi·po
inanimndo de se u val o roso c digno co mma: Jdank.
O tenente a :·quc java de fur o r w ucentradu
e de cansaco.
P<ira terr a ! ordenára, e p o uco ele-
pois chegaram au c:áe.:; . Nem um autumovcl.
áquella ho r a adiantada. Era de d eses perar ...
qua·nd o, fdízmeutc, vac a pass ar lllll. Era par-
ticuhr. Q ue impor1 a! O offi cial, com g estos de;;~
esperados, faz o rltauffeur parar a mar hina ve ·
loz. Dentro d o vehicul o , assustad o , u m r:ls:tl in-
terroga sobre o que h a.
Por tudo quanto l hes h a de lllais c ar o
~ 215 l:::::;>'l

na \'ida, prtciso do seu aut omon•l por um a


hora. A esquadra está revoltada. Esperem-me
aqtl Í lllCStnO!
E, em carreira n:rtiginosa, partiu em dc-
rnu.:nda do Arsenal de Marinha.
- O ministro! O ministro! Urgentis;;irno!
Ond\' est;~ o ministro?! ...
Narrou rapidamente o que s<: rassára, e no-
vamente partiu no auto veloz. en1 procura do
novo Pn·sident~: da Repu!Jlica, puucos d ias an-
tes t:mpossado.
O marechal, embora soldadu, estre meceu
C011lll10vido ao ouvir a inesperada no t~ c i a da sub-
lna~·ão ela arill ada. Apenas uma s emana do
inicio d<· seu go verno!.. . e j<i urna revolta! ...
;~'\as, talvez pudesse ainda se r conjurado o pe-
ng(,... .
Mas ilU\':.t~ noticias chegavam p, pelo
tekpíwn.: do palacio, confirmando o 4 ue affir-
mava o tenent.:. A situação torn av a-s.: rnais g ra-
\e. O outro dreadtwaght. o Silo flauio, ad llerira
:í revolta! .
O jol'tn uffícial rnurdi a r ai vosamen t ~ os la-
bios, indignado. O Siio Paulo - o ~·~ u navio ! ...
O telcpho ne continuav;1 a info rmar : O
«scou t>. Da!tia adh!::rira aos r-evo ltosos . .. '~ po u-
co depo is os C01 traçados Floriano c o~·odflrO,
os ctut.ad ores Repu/Jlim e Tiradel!!es , até o~->
ll<JYÍu~-r s col a llr·njami11 r.nn<;fa nt c flrimeiro de
:Harco. quasi lt1da a ·c·sq u adr:J , ,. re\'o]tára!
E t.:Oi:l n<: nhum vaso dr g·t t c'JT :l Jl< idt·ria o
gu\'e n w contar? ... Sim, algun~ .. . o R.io Orra:.-
dr: do S:tl . o Barroso. o Trtlllo )lo . u Tvn;'bir·r:,
Ci l!lsen ·avam-se fi éis, bem como· todos os tor-
p:··deiros. /\las, que eram (od \JS u; ~~~s vasos, em
comparação com um só qw~ fosse, tio~ f orm ida-
\'eis dreadnou gflts!
O marechal fico u sériame nte prcoccup ado,
considerando a tremenda respo ns.ab ilidade ela si-
tuação di ffi t·ili rna ern que se encontrava, logo
ao inicio dz· ~ l' tt gon:rn o, di ante de um movi-
mento revolucionario, qu~: parecia tornar propor-
ções verdadeiramente sérias.
Que fazer~) ...

N<:. ma.nhan dt• dia Sl:g11ink, era profun-


damente penosa a impn·~são geral em t oda a
cidade, causada peh noticia d o s acontecimentos
que se inicia\·am, c cuja gravid ad e ainda ninl-
guem, ao certo, podia aqtlil.1 tar. Uma angus-
tiosa opprcssão parecia abafar a toàus: logo
cedo abriam-se curi·osas as j anel la;; c indaga-
vam-se os vizinhos, colhen do noticias d os pa-
deiros madrugadores, os primeiros inf orrn antes,
sobre os disparos ouvidos du rante a noite, para
os lados do mar.
Os primeiros informes eram contradicto-
rios. t-favia-os que affirm ava111 tcr~m já clcs-
elT'barcado os marinheiros, com manda dos p o r
um alm ir;mte, e a tropa d e terra a clles se
lhes alliára, marchand-o victoriusa para o palacio
do Cattetc, aprisionand o o marechal, Presidente
d1 Republica. Pouco depois, chega\':\ noticia mais
comedida: nem toda a tr opa do exercito adhe-
rira a(• movinwnto, mas apenas um batalhão de
caçadores e um regimento de cavallaria, isso
sem contar com um parque de artilharia, aq ua.r-
tclado em Deodoro, que se re\·o it;í ra, L~ a for-
talcz;, de Vilkg-aig-non, qu e fizéra causa comnmm
com o.,: rcvu lto~os ...
O" boatos fervi a111 c cu r r ia1n Jc bocca em
bocca. Dentro em poucas hor :1s, :w:> nllH>·rcs da
alvorada, talvez env~rgonh ad a <k tanta mentira,
~volumavam-S(.' os rumores pa ra a popu lação
afa::;tada do cclltro.
Comn ·nas outras casas , a imp rcso;;1o U lll-
sada po1 esses boatos c notic ias ckscnco ntradas
fôra, pela manhan do mesmo dia, penosa c
rnesm<_, dolorosa, em casa do commendador Mar-
cos de Castro. Sou ber~un do qu ;> s,' passava
pelos \·izinhos, e, p<,uco mais tard e:, IC-ram nns
t'0:6 2 17 t:::>">

jornacs matutinos a confirmação das not ic ias,


encimadas de epigrarhes e tihtlos garrafaes.
O commendador felicitou-se por terem, na
vespcra, subido para Petropolis sua mulher e
judith, que iam ali assistir a um casamento1
Re~olvcu passar-lhes incontinenti urn tt:l egram-
rna, determinando-lhes que ficassrm na cidade
~errana, aguardando o desenrolar dos a{~o nteci­
m<:nto~, mas ~'.:u coração affligia-se na incerteza
elo qut teria acontecido ao j oven official de
marinha, noi n l de sua filha.
Em ll<ido momento retiniu a campainha do
klcpilone ... Al~uma nüticia má ? ... Cor reu ao
apparelho:
Sím . . . não est;í . . . não tenho noticias
delle.. . Não! Não se :ts~ustem ! ... Qual peri-
go! ... Sim, log o que eu sa iba ;tlgurna coisa,
communicarei para lá . . .
Erarn os pa es do tenente, ansioso s lam-
bem por noticia s, t que as julgavam talvez en-
contrar em c:-~sa da noiv::t de seu filho.
Cinco minutos se escoavam apenas, e já
de novo a campainha vibrava:
- Ah ! sim?. . . Muito hem ! muito ~rn ! .. ,
Que allivio! Meus parabens!.. . Pois não! ...
Vou já iclegrapllar para Petrop o lis! ...
Er::t ainda o pac do tenente, que recebera
finalmente noticias dclle, que, são e salvo, se
achava no Arsenal, c pedia transm ittissem no~
ticias trauquillizadoras ú noiva.
O dia passou-se inteiro com a população
aterrada, receiosa ele um bombarde io, que se
dizia immint~nte. Tropas do exercito, com ca-
nhões, desfila\·am , a guarnecer os p o ntos d o
littoral. Boatos aterrorizadores corriam de bocca
em bocca. A's portas elas redacções d os jornaes
succediam-se os boletins, alguns procurando tran-
quillizar os anirnos, outros, rortm, augrnentando
o panico <i população.
D [l esquadra am o tin ada , que fizera durante
t oda :-1 noite fnnrcion~r seus ho lophotes p ode..
~ 218~

roso!;, d~ veL. em 4uando partia um tiro tle ca-


nhãv, com al\•o ignorado. N os arrabaldes dizia-
se que na cidade já se contavam algumas victi-
rnas, c que, a cada m o rn<?nto, ia S\::r iniciado o
bombardeio . Tudo dependia da attitude do r:o-
vcrrl ' ' . . .
Os espíritos attribula\ anH~c co m lllil inccr-
tc7as, mil apprehensões.
Começou por \'Oita do mciP dia <I c ~:o(l~>
ela população da cidade para os p ontos mai ~·,\
.'tfas t.u.los do littoral. Os tren s da Central c os
da L:opoldina eram tnmad os d e as salio. De
Petrupolis comnH!nica\·aru que os h nt eis j;í cs-
t :O\' alrl tran sh ordank~. Em mllitao.; ca:.; as parti·
cnlflres apparcci:nn , de surpresa, a\·ai tad v r:nm.: ro
de p:ircntes e co nhecidos, fu g id o·; du c~ntro, :1
pe direm hos pedagem p rov isoria. Por ·;t•z;.·s, cn 1
algt:mas, até d esconhecidos a p ~· diam!
Dl'vcria ret irar-se tambetn o CO!rllncndador,
com Dulce e Carlinhos!.. . Não! Marcos não
:~ creditav;; Je ,·assem o esquecimento de seu~ deve-
res <· dos 5eus sentimentos de h u ma11idade ao
ponto de b ombardear a cidade 1.' sacrificar in-
utilmente vida s i11nocentes.
A pedido do comrncnd;1dor, us padres d:~
ru:t Sàc; Cleme nte deram poisada, ;l noite, ao
Carlinh;;s, par:t evitar que este, me;;m o de bon-
de, atra\' cssass ~ a zo na da praia, é:lll rerigo.
Marcos fico u , pois, só ern casa com Du lce, c
disct:tiam o ass umpto forçoso d o dia.
Não me surprchende nada, papac. Lm
h o me111 religio!>o jámais recorre <Í viDlencia, j{t-
mais se torna revolucionario, não trá c jâmais
seus superi ores. Religioso e r c\·o ltosu são cni-
sas quc real me nte se repellem .
- Nisso tens razão, minha filha. OxaliÍ o,;
officiaes tambem tratassem m~·lhor os pobres
marinheiros ! Por que não obse rvam a d ispos i-
ção da lei, que pro hibê u uso da C'hibat:l a,·il-
tante?
Tu bC'rn sa~s. papar, tomo toda a crud-
dad<! me indig'rta e repu gna. Mas, dize-me, que
póderàc> os oH!ciacs faz~ r, afir1âl d\~ contas, si
não sàn obedecidos?
De \·cri am castigar, mas não tã o cnrçJ.
mente.
Sim , mas o h ome m que !l~o oh~dcct',
c111 rt~p::if:n :.í
legiti111<1 autoridade, isto é, a Deus,
fnn;.1;:;ar1;rntc se rehcllar:í co ntra qualquer casti-
gu . Si nã o ha Deus, ou si não se e·nsi na nbc-
dit:r:ci;, a e ll c, ninguem n o!' póde f un:ar :1 obe-
tlcrn :1 quem quer qu e scj a, ncstt: mund o.
Mas, a ordem social, minha filha ...
Qu<: ordem suei :.: !, papa,:>! Cada qual
;1 cum w ehl:'ndc e inte rpreta de maneira diffc-
rcntl' . Us ;: narchistas t:sfon;am-st: por dcstruil-a
a f l'IT< • e fo·g o; os socialisí:ls tentalli trans for-
rnal-a c!H unia utopia in ca liza ,,t:l ; u s p;trtidos
p o liti ~.:o!' Yisam ape nas u,; proprios inter ess es, c
ns dos seus amigos, e não us do pai z ,. do
bt•m publico .. .
A propria rad o ()br iga ;i ohsernncia
rig. :n .> ~; ~ d~ C{' rt as lei ~.
--- Sim?. . . E ntão o ladrão, que c nlcmlc
injusta a distribuição des igual dos h c n~ deste
lllltiJd !l ; ç nt ão o de \·asso, Cfllc ;rffnm ta a mo-
ral, cubiç:md,, o que lh e não C: ckvido; o usll·
r;~rio, qul armucna thcsouros <i casta al!H:ia;
todos es~es s<:gncm os dictam cs de s ua razàu
pcs!, o :d ... Sem crcnc;a abso luta em Deus, c sem
(•b<:dicncia completa a elle, a vida social ser.i
unu balhurdia, uma verdadei ra rew1:ução de !o-
dos co ntra todos ...
De repe nte, ambos estremeceram. Um pro-
jcctil de canhão passára p o r ~obre ü telhado,
sibil.1ndo, t foi bater Yiolentamentc contra â
parede mais alta d ~ uma outra casa, situada
nos furtdo ~ do palacete.
Tímid:t e carin hosa, a jtwen acheg-ou-se ao
(lilt'
E si tl' acontecesse alg r11na co i ~a, p:lp<H''
Que llll' pode ria aco ntecer, tolinha r
-- Não ouviste o tiro de canhii o?
---- Ouvi. Mas, afinal, aq ui estam os rnais ou
menos protegidos.
Ah! papa-e, dóc-l llt' sei n pe nsa r ni sso,
mas ~i a bala k feri sse 1 .. .
Por que fabr só dt· mim:- Não rcn:i a~
por tua yida, filhinha, tu que és moça c lind a
e tens toda uma vida in te ira diank de ti, sorr i-
dente de prom~ ssas de futu ro risun hu e fe li'"? ...
Não, papa<:, t'll por mim nad a rcct: ío,
mas por ti.. . Ah! pm ti eu tre nw !
-- filha!
Deixe-m' o dizer, meu pac, deixc-n( o di-
zer por uma vez, agora que es tam os sózí nhos,
que nem mamã•· nem Judith estão em casa; a h!
papae, si te acontecesse algu ma có isa, si tu mor-
resses assim, agora, eu n un ca mais, ;.:m toda
minh;; vid<J. teria u míni mo mo111en to de ale-
gria!
E por que~ pergunhYu c a r inh os a~
me-nte. o cummcndador. es treitando ap c rt~dam en t <:
ao peito o busto gracíI da fi! ha.
Por que?. . . Pap ae, penlóa, mas . . . iu
não estás na g-raça de Deus !
Sou e-ntão assim tão m ;í1 1 ?
- Para m i 111, tu és o meu querido , o I1l ai~
querido e o melhor dos paes; quero-te tanto.
tanto, que nem t'o sei d ize r: mas aos olhos uc
Deus ...
·- E que queres tu. qucridinha , que teu
pae faç a?
Mas ainda o pe rg un tas? Ah 1 Corno fi-
quei afflicta quando soube qu(: depois da tun
volta tornaste a frequ entar a maçon ar i a ~ Oh ! s i
a abandonasses, -e qui zesses tambem com rn igo
rect:brr os san tos sacramentos! ...
· --- Não k affli}as por isso, Dulce !
-· Nãu i . . . Mas, si cu não conseguire i te r
!>oceg o nnqu an to " n:i() ftl('fes I Si tu sonh~ · s s 0S
qu :mk UI soff ro c' lia isso . . .
Ma s 11 ~w vale ;( pena I
- - Não va le ? Só s i c u t e não amas5e e
não amasse a D eu s ! Rezo por ti .. _ E te nho
já rezado ta.nto p o r t i !_ . . faço s acrifícios por
ti . . . E tud o , tud o at é h o je km s ido em \"iio!
Até qu a 11 do, p ac zinllo, me u · q uerido pae zi nho, até
qu ;;ndo q ue re rás que tua pobre filha soffra por
tu;J causa?
- M as não encares as co1sas ass im com
talli:-J ilho cxaggnu. fi lh:J ! Cu uão quero qu~
~offr a s po r illÍm. P o r que isso tudo ?
P orque te am o, papae : po rq ue (" que-
ro m uit o, mu ito bt:m: po rq ue te que ro vêr fe-
liz, nã o só nes ta vida, mas na o utra, para se m-
pre, p ara se mpre ! Atte nde ao que tu a filh a
pede, p apae !
E , nu m ímpeto de affl içà o, Dulct: abraçou
qu as i convul sivame ntc o p a~ , c pôz-se com infi-
nita meigu ice a ;Jcariciar-lh t: a cabeça, com a
pequenina mãozinha m imosa. O commend ador
dcsej aYa tanto po d.:r satisfazer-lhe esse d esejo,
mas sen tia q ue aq u illo e ra d emai s _. . não po-
lli il .. . era impossi\·el! . . _ Separaram-se, de pois
das «Bô as no ites!>>_ ..
- Até quan do, me u De us, até quando
aind a ( s usp irou Du lce , po uco 111ais l arde ,
depo is da oração da noite. a o deitar-se sobre
o duro tapete, estendido nú 110 ass oalho, e dei~
x:1ndo aba nd onada a cama vi rginal, fôf a e ma-
Cia .. _
Marcos nã o consegu iu co nciliar o somno,
quand o se reco lheu ao seu va~t o d o rmitorio, que
de momen to a mom::' nto se il l111nin ava pel as pro-
jecções Yiv as d os holophotes p oderos os d os va-
s os de guerra revoltados. que varriam, pesqui-
sadores, as aguas da bah ia e o litto ral , como
si os gran des navios rece iassem u m a surpresa
d :Js torpcdeiras. Al é m d esse motiv o de des aso-
cego, tinha ai nd a o co nllne nd ador a preoccupal-o
:1 vis ível aff liçã u ('Jl l q u:: via :1 filha .. _ e ssa q u C'-
rida fil h a, \ à(> mei!Uillle ntc hi1<1, que lh e lTa o
enleH> r o orgu lho , c !JIIl' cllc ~a hi a todos os
outros paes lh'a invejaYam. E ella rezava por
elle ... Soffria .. . mas soffria como... e quan-
to? ... Certamente, r o r causa del lc, privava-se de
algum divertimento .. . dava CSIIlOias .. . Que d'on-
tra fórma poderia ser ? ... E o commcnciad nr re-
flecti a., reflcetia, até que afinal adt)rmereu . ..
Silencio ...
Subito, 11111 \'iolcnto cstJmpido rompeu e s-
trugidoramentc n silencio 111orno da noite, e fez
estrt:meeer nos al icerces a <'asa toda. Um pro-
jectil de canhão! O comm~·JJdador salta precipi-
tadamen te da cama; desur [,·n tadu, nã o sabe a o
certc1 si está f.:rido ou nii <• ; não tem consc.it·n-
cia s i a casa se teria <~11 não cksmoronadn.;
perturba-se á idéa de t er <tcon tecido algum a
coisa :i sua f ilha, á s ua querida rcrola de fi,-
lha! Ouviu que e! la soltára um grito ang-ustia-
fiado de horror. Marcos arremessou-se num ím-
peto para fóra do quarto, correndo p ~ ln corre-
dor escuro . . . e mpurra a rorta do quarto da
d onzella c abr e a chan: da luz ...
Felizmente, soltauth um largo su~piro de
allivio, reconhece que Dttl ce nada m<~is soffrera
que o susto.. . Apenas, a cob~rta de vidro do
alpcr,dre cahira. .'v\arcos, ainda pn,fundam ~nk
emocionado, aperta a filha nus br<~ços e impri-
me-lhe na fr on t e um carinhoso be iJo pater-
na!. .. [)e repente, pasmam-se-lhe os olhos .. .
Que é aqui li o"!.. . O leito da moça absoluta~
mcnk intacto.. . O tran.:ssciro nn chão. . . tam-
bem no chão uma ligeira colcha ...
Estupefacto, u commendador olha de olhos
pasma dos, ora para 3 filha, ora para o c. hã o· ...
Dulce, duplamente bella na cJnfusão que a pren-
de, as faces rosadas de subito rubor, por d!r
descoberto o seu -segredo, n segredo do seu ad-
miravel sacrifício, baixa, em·ergonhada, os olhos,
como si houvesse cntnm~tticln 11ma fa lta.
Dnl ... cc! balbuciou o colltltH: IId<•-
dor, 4ue começa\"a a comprehe nder ··· Dulte! ..
que t: isso:; !.. c assim qtH' passas a lluit~?! ...
E por que?! ...
A jovcn, enleiada, não respondeu.
·- Dulc~, por que?.. . - a voz de Marcos
\·ac se tornando tremula ... elk r:·srera, ansioso,
a resposta, como quem esper:t uma sentença.
Du Ice, por que') .. .
O mesmo confuso mutis;no da j oven ...
- Foi ... por causa ... d.::quiilo ... que co-n-
versamos esta noite?
Foi, papae murn::u , 1,1 baixinho a
moça.
Foi.. . c ha quanto tempo' ...
Ha um mez, papac .. .
O violen to bat-er dos coracücs do velho c
da jov<·n p ar.ecia querer perturbar o silenci o
solcmne da n o ite. P a llido, muito pallido, livido
como a C:êr a, M arcos apoiou-se á parede, sen-
tindo-se como qu e prest es a cahir, victima de
uma r ertigen1. . . P arecia-lhe aquillo. um sonho,
um sonho inexplicavel, qu t' <: llc ainda não com-
prehendera ~em.
Em um momento, porétn, num esforço ex-
traordinario de energia, recobro u o animo.
-·-- Espera-me a qui, filha - · disse, com voz
estrangulada pel a emoção, e os oi h os com as
lagrimas quas i a saltarem.
Dcsappareceu . . . e Dulce ali ficoa, corno
que petrificada, p ela surpres a do q~1 c se passava
e que não previra.
Marcos, a esse tempo, mexia febrilme-nte os
papeis da es c rev aninh:~ que tinha no quarto de
dormir, e ond e guardava docu mentos particulares.
Depois de cato te mpo, apanhando alg-uns docu-
meutos, voltou precipitadarn 2Tlie ao quarto da
filha, e, numa voz alta ~, clara, vibrant2, sern
a antiga aspe reza, exclamou, entregando os p:~reis
a Du lce:
- Toma-os, minha filha, e rasga- os t odos!
Dulce fitou-o surprchendida. Seriam os ... ?
Oh! que a leg ria, si foss :m' ... Quasi !{eladas
tremia m-Ih\.~ cu n\·ulsivam c ntc a;; mãos... Ahriu
os docunwnto s, c quand o , com 11111 grito de ju-
bilo, reconheceu que eram os da affiliação d o
pae <Í maço naria, rasgou-os nervosamente em
mil pedaços e viu -se de s ubito abraçada pelo
pac, co m um dgor, um a effus ão, um impeto de
a m•>r paterno e ardente , que jámais con hecera
antes.
- ·- Ah !• papae, co mo tu és ho m! Como
me f::zes f eli z! ... E a.gora ... agora ... tambem a
segunda coisa que te pedi, nào ~. papaezinlw '?
- Tam bem a segunda , minha filh a!
beijo u-a nas faces, na hocca, nos lindos o lh os
innocentcs ; aperto\1 -a nova mente contra o coração
e abraçou-a como si .1 quizcss e matar s uffocada.
- Ah! meu querid o papac! ... Am o-te ago-
ra aindJ muito Hl:lis do qu~ k amava! ... Agora
és tu o me lho r de todos ! .. . Como cu sou fe-
liz! . . .
Pae (.' filha en tão passa ram urna doce, uma
inesquecível hora de infinito encanto, como si
só agora se houvessem fina lmente conhecidD ...
como si até então tive ssem vivid o estranhos um
ao outro. c só agora o fe li z enco ntro de ambos
se déssc . fa(a,·am-se ... tinham tanta coisa a di-
zerem-se, ago r a !. . . Ta·nto ansiavam seus cora-
ções por mutuamente abrirem-se em co nfiden-
cias ...
E qua ndo, finalmente, ia o comernndado r
retirar-se, to mou a filha nos braços, corno si
ainda ah i a ti vesse pequen ina com o outr'ora, dei-
to u-a carinhosamente no macio leito, co briu-a
com desvelado carinho, c disse, com os ol hos
arrasados de lagrimas:
Agora . . . ' nunc a mais !.. . Ouviste, fi-
lhinha?
Sim, papae, não preciso mais. Tu t=s
Nio bom!
--· E tu . . . és... um anjo, meu amor de
filha! -- - respondeu o pae, beijando -lhe nrwa-
menk os lin dos ollws meigos ...
ts
XX IV

Em São Clemente -- Um discurso parlamentar

os pri meiros a lbo res da madnt·


gada, logo se percebeu qu t os
estragos cau sados pelo pro·
jcctil d ::- bord o, na cobe rt a
t•n,·idra~acla do alpe ndre, nã o
e r::un tão consíderaveis com o
á noite havi a parecido. O cr ys-
tal, quc brad u em es tilhaços , espalhava-se pelo
chão, sobre a mesa d-.· c~·dr o e as pequenas ·
cadeiras, c svbre as plantas raras, que ador-
navam, e legantes, os cantos c os lados d o p a-
teo. Dentro e m p o ucas ho ras de serviço, tud o
p o deri a ser concertado; o commcndaclor de u as
orde ns necess~ r ias para isso, ao jac-totum. ca-
seiro, o Frederico, e d is pôz-se e ntã o a procurar
a filh~ , que já enco ntrou levantada do le ito L'
\'estida :
Do rmiu bem a minh a q ueridinha ?
Como nunca em min h a vida, p apae!
respo ndeu a moça, co m aqu clk seu lindo sor-
riso angel ico, que tanto a aformoseava. E tu ?
Eu nãn dnnni , me11 bt:ni; ru:ts foi por-
~ 227 ~

<'llle mesmo não qui1. T om ~ i a snt n meu com-


promisso comtigo, e qu iz preparar·tn~ para a .. .
Estás prompta p ara acompa nhar-me ?
· · Oh! meu qt1 cridn pacl.inho ! excla mo u
Dulce, atirando-se aos hrat;os do com me uda-
dor. -- · Como tu és bom~ Va mos! Vam os ! Que
lind e> dia, o de hoje!
O auto m on~ l j;í e~tá :~ e sp era. Va111 os,
p ois!
Sim, papac. E::' só to mar o chapéu ...
as lm·as .. . c promptn ~
-- Ru a de Sà ;J C le nJ t nte, culkg-io ! ·- in-
dicou Marcos ao dwuf j cur. pouco dep o is, e o
auto partiu, rapi.d o, pela rua , a e ssa h ora ma-
tin al pouco 1110\'imentacla.
Dirigiu-se logo, ao che gar, para a capel la
do collegio. Dulce d e ixou o pae co m o padre
N;ltuz:~i... Qn i-n;c minutos, lentame nte, esc oa-
ram ... Ou tros quin t.e aind a ... c qJJando, fina l-
mente, o commcndado r apparec..:cu c fo i, co mmo-
vido, ajoe lhar ao lad o d a filha, t o mou-lhe a
mã o delicada, apertou-lh'a cari·n hos am ..:ntc, c mur-
muro u, com os olhos marej ados de lagrirnas:
Nós iremos juntos recc bl•r a sag rada
Co mmunhão .. .
Papac! pôde apena1', como nJ Jill
suspiro, dizer Dulce, beija nd o-lhe a m ã o, e m
que o ancião sentiu cahire m algum as lag rimas
ardentes, d eliciosas lagrimas de a leg-ria. -

O tenente assistia á mcmoravc l sessão da


Camara dos deputados, un qu~ se ia votar a
amnistia aos revoltosos, que se achavam ainda de
p osse dos poderosos drf!adllouf{hts , cujos c an hões,
ameaçadorame-nte, dir ig i<tm suas e no rmes boccas
de fogo para a cidad(', c nã o p outo :~medron­
fa vam os prop rios k g isl;Hi t•r<'s.
Grupos de parl a m~ntares, aquj 1· ;tl i, pa-
lestravam, por vez·es com desembaraço tal, que
os pobres oradores, apesar da ansiosa preoccupa-
ção geral, nem stmpre se podiam fazer com~
prchender e ouvir bem. Um ou outro, disfar-
çadarncnte, aproximava-se das janellas, e esprei-
tava o mar, a pesquisar o 4ue faziam os n<l!-
vio'> revoltosos.
As tribunas l' galerias n :gorgita\'am de es-
pectadores. Mais de uma vc1. o presidente se
viu forçado a ameaçar C\'acual-as, caso continua·.s-
sem os ouvintes populares a iq1terromper os de-
bates com apartes c opiniões intempestiyas.
O tenente fremia de indignação, quando
era lido o parecer do deputado Germano Hass-
locher, opinando pela concessão da amnistia. O
joven official nunca sympathizára com o depu-
tado I ri ncu Machado ; desta vez, porém, app lau-
diu-o com sinceridade, quando o fogoso tribuno,
com incontestavel eloqucncia, depois de desag ra-
davel incidente com o sr. liasslocher, atira,·a
á sala suas vigorosas apostrophes:
<<Não! Mil vezes não! Entendo que t:
chegado o momento de se aferir do que
resta dos sentimentos superiores de co-
rag-em, de civismo, de abnegação e de
patriotismo de nossa alma, de nossa ra-
ça, de nossa nacionalidade !l>
Apartes violentos cruzavam-se, aos quacs o
sr. lrineu retorquiu com vivacidade feliz:
((A coragem não consiste em gritar que
se tem coragem, mas em resistiT a todo
transe!»
Apartes e protestos de todos os lados. Mas
o eloquente deputado era terrivel:
"( le nerosos não são os d eputados: ge-
nerm;c•s sãn, ,;iru , os urariuheiros rebel-
Jados, qut: nàll iucluir:nn vntn: as suas
rt·clama~;ões i1 refón11a dos u ffi c iat~s t'
r<ó 229 1:::::>')

a consequente collocação nos pnn hos das


suas blus as dos g al ões e dos bordados .. .
H a as le is para a abertura de creditas
e para que o governo possa lançar mão
de todos os recu rsos financeiros neces-
sarios para fazer face ás indemni1.ações
pelos prejuízos materiaes. Só não ha re me-
dia para o rasgão que a amnistia dará
n J honra do exercito c da marinha.))
Apo iado ! Apoiado! echoava das tribunas,
e u presidente, mais uma vez, ameaçou fazel-as
evacuar. caso proseguissem as manifestações.
((E é chegado o mo mento em que se
tem de pesar : de um lado, a perda de
predios e capitaes, pequenos sacrifícios
materiaes : r, de outro, todo o nosso
patrimo uio mur al . . . ·
E é o nosso credi to, e a nossa eco-
nomia que quer eis salvar? Engauaes-vos!
A prosperid ade eco nom ica repousa tanto
na tranquillidade, q uanto na confiança, e
não podemos te r prosperidade econom ica,
a estabilidade do cambio, a prosperid ade
das nossas industrias, a valorização do
café, a alta da borrac ha e do cacáu,
c os estrangeiros não quererão arriscar
os seus capitaes na exploração de in-
dustrias, na execução de grandes tJ·ab a-
lhos publicas, si não tivermos a tranqu il-
lidade, a perfeita confiança na energia
dos governos" ...
Poderiam semelhantes argumentos de ixar de
prc;duzir. effeito? O tenente estav a febril, an-
sioso por perceber a impressão que o discurso
do. vibran te orador. produzira no espírito de seuls
pares, 'e por conhecer o resultado da votação.
E mai. se lhe :lUgmcntaram as esperanças qu:an-
do o te:mi,·ei tribuno 1ermi~J Oll seu form ida,·cl
d iscurso com a ,;eguinte apostr<Jphe, em ,·erdadl·
atrt Yida, ma~ de dfeito seguro :
«Si que re i.s parUh ar desta desh onra,
eu me esqut\·o á villeza da so lidari~~
dade co mvosco, c ~xrlamo:
Ergue-te da tumba, Flori a no Peixoto!
Anima com as energias do teu espírito
a alma cont urbada do marechal Hermes!
Dize-lhe bem alto que cumpre se r bravo
como Rodrig1H'S Ah·es, pron unciando o
seu sereno O num logal' é aqui.' Que
lhe cttmpre ren o var os exemplos da cs-
toica energia e coragem do integro Pru-
dente d e Moraes ! (Brn FOS.1 n o recinto
c nas galerias) e ensina-lhe, tran4uil !o ,
na ap o the6se da gloria immo rtal que te
t•ngrandeceu no coração da patria como
a incarnac,:ã:..> da virtude c da dir;nidade
do poder, que tu foste nesses dois 3.11-
nos de martyrio, de resistcncia, em que
déste a vida á rcpublica, para rcvin:r ,
eterno c indestn tdi\·e l, na p oste ridade!>=· . ..
Vibrantes, impetu osos, os app lausos, os pft.·as
enthusiasticos irro mpcram. Debalde o presidente
reclama calma e si lencio, fat:endo vibrarem os
tympanos. O or~dor soubera hem int erpretar os
sen timentos d e muitos, da lltaior parte, do ,·cr-
dadeiro povo, c po r isso as acclama<;i'ies ,·ihran-
tes nã c cessavam.
O jove.n ten ente rejubilaYa. Nas condições
actuaes, a votação a que se estava procedendo
não haveria de dar u 111 resultad o que dig nifi-
casse, que ho nraSSl' a patria, os brios do exer-
cito e da marinha ? ...
Cruel decepção w lheu-o em bre ve ... Apy-
rados os votos, eram c ll~ s 115 a favor da
anniistia, apenas 19 contr4 ...
Desolad\"Jr! --- murmur~)IJ o te n;:·nte, ao
d eixar ti edifício da Ca mara. A' po rta foi pro-
r uradn po r cou(r ro offirial, qttc lh l' di ss,·:
A' s 7 lh •ras d a JII Ji !t', Jl ll ( :Juh N ;.~,·a l ,
ca n•and a. Resul n·n· mll~ :-ohrc 1wssa atti t~-td t.:.
Lstarei prese nte. S into-me dc s nwralizado
com a vntaçã() des sa lei que facilitará, q ue at~
mesmo ha de provocar novas revoluções ...
Muito bem, camarada. E até logo; ás
7 em pontro.

:-.J<' entanto, nenhum dos doi~ pôde appa-


rn·er no Club, á noite. F icaram retidos, como
todos os officiaes da arm ada, no Arsenal Li-c
Marinha, lendo o governo prohibido que se cf-
fectuasse a projectada reunião.
Amargamente commentava um dos officiaes:
Hurnilhararn-s(-' diante de marinheiros re-
beldes armad os ... e enchem-se de coragem con-
tra officiaes disciplinad os e Si.'lll armas! ...
Os outro~ offieiaes, sentindu-se offcndidos
em St'll brio c pundonor militar, approvaram
tri:.temente, indin:tndo a cahe <;a.

--«0»--
XXV

A enfermeira

;;·stk trrs dias atttes, já o dr. A;n-


l<lllio da Costa Barros achava-se
residindo em companhia de sua
mãe numa casa p ouco distante
do palacete d o co mmendado r
Ma rcos de Castro, na bella Ave-
nida Beira-Mar, trecho de Bota-
f ogo. D. Helena, muda corno
antes, havia supportaJo r e la ti\·amcnk bem as fa-
diga.~ da viagem pen osa, e tc,·e de conservar-se
de ca:na durante algnmas hor as por dia, para
recu perar as forças combalidas,
O com nwnd tlc!o r e a família, que já ha-
,·iam , p o r cartas, d em onstrad o a participação
que toma,·a1n nas desgraças qu e haviam fe rido
a fa milia do j oven advogado, ha,·ia m id o rece-
ber o dr. Costa Barro s a bordo do lfaiubá, c
assid u amente os vis itavam, pois o d outor, retido
t:m casa para cuidar de sua m.'i~~ en ferma, nem
sempre pod ia ir e111 visita ao palacete do com-
rne nclado r. Antonio, embora preoccupadn con -
stante nwnk co lll n cuidado Clll su~ tn?ie, c s t rt~ -
mcdil durauk a viagc u: todas as vezes qu e se
lhe apresentava ;í rnen k a idéa d o reen co ntro
prc,xitllo com a famíli a Castro Mo r<~ i r :1 ... 1\ fa-
míli a~ ... por que n ão s:.:r f r <.~ nco ·~ ... p o r que
nã o co nft·ssa r t.k ve z qu e o podt•ro:;t.l Ílllilll, que
cada \'Cz mai:-: fortemente o at trahi:1, Sl' cktlllaYa
Dulce? ... Teria a j o i'Cil lid n t.' lll seu s olhos
tud o quanto lhe ia n'alma :J ...
A mãe clu uo11tur, logo n:t p ri lllcira 1·isi ta
que llw fizera I )ulce, r:oto11 qth' <1 moç;t pos-
suía l'trdadeira habilid ade c111 tratar pessôas l.'ll-
fcrm as. Ah! IH..'lll s ua ::; audosa c scn1prc t:h u-
rada filha , a incsquccin:l Trud inba, sua querida
fn!lo centia . poderia tratai-a com lllais carinhoso
des vel o .. . E por que a trata1·a assim tão hem
esta moça ·r Oratidão ?. . . 1\ntonio lhe t:llllhíra
que o commcndador s <"' julg ava seu den·lio r pelo
que se passára em Li~b{);J. Ma:-: ... seria aqui! lo
gratidà r apena s ·~ .. .
O lhos d1~ mã·~ s abem 1·êr lon ge .. . E D.
Helcn<J. jul go u nilu andar errada na suppus.içào
de que a j uven vi ss ~ nell a, ank~ de tudo, a
mãe de Anto nio .. . !~ cco rd a1·a - se de que. 1·inte
c sete anu os antes, quand o conhecer a seu fallc-
cido esposu. c s~ enamorAra dellr , ~entira ·co-
mo qur ullla irres istive l attraq:;io pchs s•:us
pae ~ . . . porqu e er am o s del/e . p ri ncipalm ente
mãe, que o alimcntá ra, criára-o, Lplt; o ti vera nos
braçus .. . qtt t ... (.:1 11 lltn;! pala I'!' <i se uiz lttdu;
que era sna mã e . ..
Ne~S (: dia, I). H.· Jcna. n· p :HI..; antl u na callla,
aguard ;n· a a 1·i si: ·r d•: Du lce, qu :: p ro meltera ,·ir
\'êl-a á!:' J 11\lra~ da tard('.
1)esdt· as :z 1/ 2 Ant o ni•>, furti \·anH~ntc , ;dun-
;.: :~va () olh ar w·ia jane lla :llnrl a. a d':r s i ;1 mo-
( ~l vin h:t . C•.> •n :.:rár,t a il:itura de uma <•br:1
rwsthttnLt <.k Mac!J ;}dr> de ;\ ~~ i ;; ... as letras, os
c~1pitulo s curtus <..: JH.: I'I'Os os do grand~ cstylis ta
br ~: silciro ernbaralhavam-s(.'-lhe á vista, .: elle
quas1 nem comprt'h cndia a leitura .. . que, aliás,
qu:tsi 11 ih• lia. N;1o lh e (')' ;t po~,;i\L'I rrc s t<l r <tt·
tcução aos co ntos. Os o lh os, frequ e ntemente, fu-
g iam-lhe do livro para a janella. Os o lhos e .. .
por que nã o dizer? os o lh os e <l coração, ainda
mais a'nsinso que ellcs ...
Os o uvidos do moço advogado, muito at-
kntos, esforçavam-se p or perceber, a o longe, o
rumor subtil de um ce rto p assinho miudo e leve,
um certo p assin ho qu e elles distinguiriam e n t re
mil ... Faltava um quarto para 2 horas. Co mo
era lá possível prestar attc nção á literatura de
M aehade de Assis?!
- -- Mas, na Yerdade, d ia ainda nãt> pôde
ter vindo, pois disse que viria ás 3 horas.. E
3 hor;ts estão ainda tão lon ge! ...
Irrequieto, l :!vantou-se , passou para o jar-
dimzinho, em fr e nte ao g radil, estendeu um lon-
go o lhar para a ma exten sa ...
O h! mas como e ra insípido hoje o .Ma-
chado de Assis ! Não podia comprehender que
alguem encontr asse encanto em se melhante lei-
tura, tão semsahorona... Literatices de dcsoc-
cupados! ... Ah! Antonio, Antonio i Como pódcs
tu fulminar assim o g rand e escriptor, si lhe estás
a lêr a obra de pernas para o a.r! ...
E 3 h oras h a t~m, com 3 g randes pancadas
le ntas, n o grande rclogio da sala de janta-r.
Tres horas?.. . E ella ai-.1da n ão veiu! ... P ôz-
se o joven, irre qui-eto, a p ercorrer o jardimzito
com largas passadas nervosas, até 4uc D. H ele-
na, pel a campainha e lcctrica, o chamo u, pedin-
d-o-I he por signacs I h\' servisse um copo com
agua.
· - I)_ Dulce th~ \·.: chegar agora, ma m ãe ...
Os olhos da doente agr ad eceram, jubil osos,
a commu·nicaçào, mas pareceram tnalkiosamcnte
querer lembr ar ao joven que de urna senhor a
não se devc ~xigír pontual idade ing-leza.
Sob um pretexto futi l, mas do qual a mãe
logo, facilmente, d~scobri11 a falsidade, Anto nio
desct.•tt novamen te ao jardim. Era imrossive l cnn-
~rv:tr·S(· quictl >. Onde ll'r ia ficado Dulce, que
11ào chegava:; Tt'r-lhc-ia <H:untcci-do alguma cuisa '?
Ella e-ra sempre tão pontual !
Quiz ~ntreg-ar-se de novo á leitura, ten-
tando afastar os p<: nsamento.s ansiosos que o
atormenta\':Hn, mas ... decididam e nte, Machado de
Assis nãv plTSt<l\·a para distrahir ningucm! Quem
podia lá entend~r a,; garatujas que · estavam ali
a bailar naquellas paginas·! Aquillo até parecia
magica, isso de letras que chegavam a s umir-se
do papel . . . Ah I Antonio ! que teus olhos é
que fogem do papel para espiar o cami,nho tão
dest'rto, tão deserto ... apesar da fileira dos bonds
que passam vertigi·nosos e chei<JS de passagei-
ros ... Dc!êsta\'el, Machado de Assis! ... e zás! ...
;;tirou o li\To para tlll1 canto.
Logo ~e envergonhou de sua impacíencia. Su-
biu au gabinete de trabalho ... remexeu os li-
vros ... percorreu agitado a sala de j<tntar ...
chegou a ir até á cozinha ... e ... e o mo foi isso,
Lplc cllt: n·~m t> percebeu? ... ali estava de no\·o
uo jardím?inho, a e~piar a rua ...
Ü(J:t tarde, dr. Barros! .. exclamou cum-
rrilnt 11i:mJ., subito a voz tão conhecida Ú<' Dul-
ci.", bô:ls tarde,; I C o mo 1·ae a senhura sua
mae r Dcscnlpem-tll<' o atrazu. Estive cum os
meus pobn:1inhos, que não qu e riam deixar-me ...
()s olhos de D. Hekn<l fulgurara111 de ju-
bilo intimo, quando surgiu Dulce, a consolai-a,
acunmodandu-:l melhor no kito , tratandu-a co11L
1nn carinho delicado {: m;·ign, L"rllllu si lhe fosse
e11 a \'ercladeira fi I ha.
A·ntonio, <..~mbevecido, não perdia nenhuma
elas palavras da joven, nenhum de seu s ges tos,
nenhum de seus in comparav.eis e deliciosos s or-
risos.
·- Sabe, D. t-Ielcna disse a moc:a com
uma nat uralidaJ~· encant:tcl,lr:t .. s ah <.' do que me
lembrei ? ... Eu r csrr it o a scicncia e tenh o mes-
mo confiança lltl que dizern os medicos, que
pr.~ mett('ram resti tuir-lhe a fala, embora só d e-
pois de longo tratam e nto; mas . . . por 4ue a
•senhora não se dirig e a quem mais sabe, e
maior be m lhe quer d o que os espec inl i,- tas mais
ce lebn.-s?
Os olhos da cnferm:t daratllCHh~ indaga\·am:
~(E quem é:-»
Noss.1 Se11hur<~ Apparccida! .. .
A essas p :llana.~ de Dul ce segu iu -se pesa-
d 0 s ilencio .. .
Antonio já não era o mesmo homem que
fôra i·ncredul o á Europ a. O que \' ira em Oberam-
mergau, em Lishôa, o qur o uvira d os labios de
Frei Estevam, o exe mplo do tenente, e, prin-
cipalmente, além d o exemplo de D1tlce, tudo
:1quillo que se passára em sua vo lt a ;t terra na-
tal, a morte da irman, a doenç::~ da IHÜ~, a con-
versa que teve com Frei José, a Missa a que
assistira ·na faze nda, e, last not least . a s séries
reflexões que, a o lado da mãe privada da fala,
f izer:t durante a lo nga viagem, tudo isso lhe
tll r.dificára o antigo tn odo de pensar c de vh
as coisas, c , s i hen t se não houn:SSl: ainda re-
sol\·ido a mudar praticamente de opiui:To, come-
çára a e ncarar cn1 11 outros n lh os a pr:dic1 d:t
religião.
S ua m ~ie parec ia prufnudar11 c nt~ tncad:~ pt'la
pr opcsb com m ovtdora da no bre jovcn. Um rai o
de cspcr:Hl\' a, um rd lex,, th: alegr ia de vivn
co lo riH-Iht' a fa ct· pai lid a ; tnas, afi·n;d , p ed indo
a lous~ . cscrcvL'1l:
S o u indigna ([(: tà t> g..-a ndc graça~
- Tu in di g na, mamãe?! ... Mas não fales
assim ! T u, que f os te se mpre tão bôa!
A e nh:rm a sac udiu tristelllentc a cabeça, mas
.Ja logo Dulce, co m \ '07. melodi osa, d oce, tão
doce e persuas iv a, co meçou a in s pirar-lhe tal
confiança, q ue de no\·o as fe i çõ~s d a doente
illumina'ram-se d(.· sant:J. a legria.
Nossa Se nhora tem feito tantos milagres
·-· disse ella, corn si ngeleza, accrescentando um
pensa ment o qu (' n;i o h :tria 11111itn tempo ouv ira
~ 237~

Ant~nio por o utros labios: c depohi, nent é


prec1so um milagre. Nossa Senhora sabe ser-
vir-se das causas naturaes, sem apparato, sem
barulho, para conseguir tudo quanto quer.
A doente estreitou comntm·ida nas s u as as
mãos da ge-ntil consoladora.
E mesm o que lhe ·nã o dê logo o que
pedimos, não ha d~ deixai-a sem consolação,
fique <.:erta, O. H elen a.
Ella disse pedimos -· 111urmurou Anto-
nio. ··· Então ella reza tambcm, e suas orações
não pódem deixar de ser ouvidas.
- P ois está resolvido - continuou Dul-
ce. --· Vou pedir a papae que UH! deixe acom!)?-
nhal-os juntame nte com Judith. Está bem as-
. ?
SHTI . . . .
Como lhe agradeciam os o lh os e loquentes
e as mãos carín hos as da enferma! Os labios
moviam-se-lhe comn si, •num esforço violento,
qui7essern romper o sile ncio que j á ha tantas
semanas lhe fôra impos to. Mas. . . não podiam
art icular nem um a unica pala Ha distincta ...
Quando se despedia Dulce, o doutor acom-
panhou-a á sala, ondt' a moça retom o u o cha-
péu, endireitando-o tOIII rnàns ageis di ante do
espelho.
Tl' nhu u1n pcdidu a fazer-lhe, doutor.
O h! D. Dulce! . . . de antemão ...
Não prolll{~tta já, poi~ poderia arrepcn-
der-se!
A senh o ra nunca exigir;Í de mim o q ue
não seja bem.
Mas talvez I) qttc lhe seja custoso c pe-
sado.
· · Pela senhora ...
Não! Não! Não quero sua palavr a. Ott-
ça-me apenas, e ·r esolva como entender melhor.
-· Estou prompto a tudo, D. Dulce.
··- O d outor quer muito bem á sua mãe,
não é? Pois bem; graças grandes se não o btêm
a não ser por g-randes s ar rificios, pnr mais que
uos cuskm. O St"!Jllor qner jilH.' <t Sa11tissi111a Vir-
gem lhe faça o enorme fa\·or de curar sua mãe;
faça-lhe tambe m um presente digno de !la: con-
fes se-se e cornmungue na Basilica.
Antonio tornou-se terrivelmente pallido. Por
essa nã o cspcrára! Pouerja acaso pro rnctter se-
melhallfe co isa? Não era i::;so contra suas c<m-
viccões nwis í-n timas') ...
· Mas o senhor tem :-scrupulos por saas
convicções? Compreh~:.·nd-o. Pois, ouça-me mais
um pouco. Si ainda não está convencido por si
da verdade c da necessidade da pratica da reli-
gião, faça-o humildemente, porque outros estão
perfeitamente c inabalavelmente convencidos. O
senho r não duv,.ida de minhas faculdad~s rnentacs
(protestos cnergicos de Antonio ); o senhor es-
tima mi,nha 1nàe e minha irrnan ; todos nós nos
c;odtssamos t commu ngarnos, por convicção ; o
senhor ouve muito meu pac; tarnb~:m ellc se
corfessou ...
-- Seu pae se G Jnfcs::;ou?! ... Mas elle ain-
da em Lisbôa me disse s2r maç,>n, e a bo rdo me
affirrn ou ser ap~nas catholico de nome.
--- Me u pae se co nfe ss ou c comrnungou
ha 4 d ias, na egTcja da rua de São Clemente.
Confessou-se, e ~ twje tào feliz! Grandes gra-
ças, só pur meio de grandes sacrifícios se as
o btêm. f.<eflict a ! ... l~eflicta bem! ... ·
Rdlicta! Rdlicta bem! .. . Ah! o nde ouvi-
ra elk essa palavra, que d'uutra vez o irnprcs-
sionára tant o-~ ...
- Crci;.t em minha bôa vontade, D. Oulce,
e, si lhe mereço cs~e fa,·nr, reze por mim , pa.ra
que eu faç a o que d.::-vo fazer.
· -- Já rezei suspirou baixinho a moça,
emquanto o doutor, qu e lh e percebera a palavra,
apesar de apenas balbu ciada, exclamou, jubiloso:
Oh! como agradecer-lhe! ...
Ade us, dou tor -- respo•nd·eu Dulce.
- ·- Ad-eus, adeus ' D. Dulce, e mil vrzes
ag radecid o r
XXVI

lovos horrores

ULCE percorreu ;1 pé a pequena dis-


tanci a que medeiava entre a casa
do cornmcndador e a d o dr. Costa
Ba•rros, aspirando a plenos pulmões
o ar fresco que sop r a\·am as brisas
tia Ouanahara. De rep.:nt·c, sentiu q ue qualquer
coisa lhe puxav a a saia.
Um petiz t.le uns tres palm os de altura,
d c~ca lço c maltrapilho, o tk~llo pollcgar enf iado
na bocca, fel-a parar, e murmurou , sem deixar
de ch11par o ded o:
A mamãe m auda dizer para v oc 1~ ir <Í
casa della.
Mas quem l: tua ;nàc ~ Cnnw se c hama r
Chama-se marnãc ...
E comu a chama teu papac'
() garotito rdlcctirtL
Papac ... ü~ \' C/~· ..; cilallla 111inha vcllw ...
mas ou tras \-ezes chama rlirlbo . . . p este du irz-
femo! ...
Dulce cs tre rncceu.
E onde moram voces >
Com a m;1o ~·sqmTlla, c o po llcgar da di-
reita sempre enfiad o na bncca, 11 1wqucno ind i-
cou a direcção por ond e se ia á casa, sem pro-
ferir palavra.
Tua mãe está mui to d oe nte? Como é
que ella me conhece?
Papac deu-lhe lllll a ~urra c el la está
de cama. Todos conhecem \'OCê.
- Está he m ; vamos! Eu te ac ompanho .
P o r mui to qu t: fosse car itativa c piedosa,
Dub· não se pôde co nservar indiffcren tc aos
o lha~es do s transeun te:; que a fitavam, surp rc-
hendid-os di ante daqudla senho rita, elegantemente
vestida, a acomrnmhar un1 garoto esfarrapadü ,
em plena rua. Acos tumada, porém, a saber ven-
cer-se, a joveH se limi·tou a faze r acto de re-
s ig nação, offerccendo o sacrifício a De-us , c
accrtscelJtando, bem nu intimo d o coraçã o:
- Seja por elle! ...
Quem seria elle, cuja lembrança lhe p o-
deria tornar d oce o sacrifício? Não podia agora
ser o pae, qu e j á satisfizera p lenamente as as-
piraçõe;- ardentes que a joven nutria durante
annof' de ansias, de espera nças, o ra desanim ada,
ora Cl>nfiante .. .
A casa d a doente não era de feição a in-
spirar muita confiança , mas cora josamente a
moÇ1 nã o recuo u .
P o: toda parte imperava a miseria . Uma
mesa t osca, mal sq_rura. urn pequenino banco c
dois caixotes, <·m vez de cadeiras. As vidraças
das jancllas immund as. As paredes nuas c desola-
das. Gclllcndo de dôr, co mpletava o quadro lu-
l:,'llbre uma mulh e r de seus 28 a 30 an nos, cs-
tir::tda numa enxerg-a.
lksculpe -mc a s1:nhora td-a feito incom-
modar. Nã o me co nhece, mas todos nós, os po-
bres, conhcce mo l-a mui(o. Eu não quiz recla-
mar seus carid\lSOS serviços, po r ma is q ue, na
\·erdadc, eu precise delles. Umas bôas vizi·n h as
me dã o de rsmola o necess~triu r ara não morrer
de f 0 rru..·... Eu qui7 sÓ JJl l'nk ... (1· a ~n ferm ; ,
falou mais baixo, como em segredo) eu qujz s~
mente.. . prcnnil-a do perigo que a ameaça.
-- Um perigo que rne ameaça? - excla-
mou Dulce, cshtpdacta --- mas qHc perigo póde
ser esse?
- Oh! não r btm a senhora quem está
ameaçada.. . mas pessôa dl' .sua família... o
uoivo de sua irrnan.
- Meu Deus! fak! .. . mas fale de pressa! . . ·.
- Não se adrnir<: a senhora. Nós bem .co-
nhecemos nossos bctttfeitures, t~ o sr. Alfredo é
tambent tão esmoler!
- Mas, pelo amor <.1<: Deus, de que pe-
rigo fala?
-- Ouça-me bem, que eu já lhe explico.
Meu marido, que é marinheiro, Deus não o
castigue! é nmito máu. Ainda hoje este,-e aqui,
maltratando-me a tal ponto, que j<í rne não sus-
tento de pé. Elle r máu só quando bebe, .e
então não recua diante de uada. E ttnha já be-
bido muito ho je_. . Elle disse que os soldados
do bata! hão naval c os marinheiros dos naviDs
de guerra vão revoltar-se esta noite e matar
os officiaes todDs. Não qui z acreditar, mas ti\'C
de rccnnhecer que elle falaYa a verdade. lembrei-
me logo do bom te nen te, que já tanto bem tem
feito aos pobres daqui, e, oomo não sei onde
elle mora, mandei inconunodar a se nhora para
que o pre vi·na _..
Agradeço-lht: muito, bôa mulher, mas
não acredito 4ue a cuisa ~cja assim tão grave.
Os marinhe iros e soldados são ;ís Hzes uns
simples fanfarrões. Exaggcrattl muito. _. Em to-
do o caso, avis arei .. _ Mas anks vou ajudai-a
um pouco. A senhora não póde continuar assim
numa cama tão dura! Apoic-se em mdm, levan-
te-se um pouco c sente-s<: aqui neste banqu~­
nh o, emquanto lhe preparo a cama me lh or .. _
- Não, rni<nha senhora.. . Eu não estou
mal de todo .. . E t<tl\'(.'Z não haja muito tempo
;1 perder. Meu pcyutnu LlcmorOll-sc j r. tanto
tempo em chamai-a! Eu mesma. não podia ir,
como a S{:nhora ocm vê ... c não tinha outr-a
pessôa a mandar. Vá, D. l)ulcc, vá ant;:s que
seja tarde!
-- (,luc! Não pôde haver necessidade de
tanta pressa assim... Deixe-mt' antes allivial-a
um pouco ...
Pelo a111or de Deus, 111 in h a senhora,
vá! Eu fico afflicta, si a seJJhora se d;:mora1.·
por mi,flha causa. (,;luem sab'.' si de um avisu
seu não dependem algumas vidas, nmitas n-
das? . . . Vá depressa, peço-! h' o !
-- Pois seja; mas voltarei, para auxiliai-a
um pouco.

O commendador mostrou-se iJLcn.:dulo, quan-


do a filha lhe deü o aviso que mandava a en-
ferma. Em tempo tão a>normal, porém, como u
que corria, nada era irnpossi\Tl , c por isso re-
solveu communicar a denuncia pelo tclephone
ás autoridades.
O general Menua Barreto, i11s pcctor da 9«
região n1ilitar, não dcspr~s ou o a\·iso, pois c o Jn-
munkações semelhantes lhe chega\·am a esse tem-
po de varias outras fontes. ír.iam t-er lagar no-
vas scenas de horror, apenas poucos dias dep oi-s
das provocadas pela sublevação das guarnições
dos dreadnuughts? ü general expediu ordens ao
conun;mdo da 1" brigada ~strategica, para q11<'
se conservassem de sobreaviso as tr opas. Do
quartel general, o commandante da bri;.;ada, co-
ronel Jul·i o Barbosa, cxped iu por su a vez <m l:-ns
aos officiaes dos corpu~ em suas res icknci;ts,
para que promptament:- comparecessem a seu s
respectivos quarteis.
Os cáes do Porto e do Pharo ux, '~IIl toda
a extensão, foram occupados, ·e ste por urna com-
panhia do lo regimento de infanteria, c aquelle
por uma do )o regimento da mesma arma. No
Cj\~<trtel gcntral ficaram Lk [>rdmptidão uma b;l-
kria du l" r<:gintcnt(J Ul' artilharia, sub o com-
lltandü do capitão Leite Je Castro, sendo dis-
tribuídas, por muitos pontos da cidade, patru-
lhas do 13° regimento de cavallaria.

Na camara d o cornrnando do «scoub> Rio


Grande do Sul ia animada a palestrra entre o
commandante, capitão de fragata Pedro Max Fron-
tin, o 1n ten.ente Carn-::iro da Cunha e o antigo
tenentC' Alfredo de Salles, promovido, por actos
de bravura, ·na defesa do commandante do Minas
Oeraes, a capitão tenente, e transferido, tempo-
rariamente, para o «Scout» Rio Grande do Sul.
Os dois offidaes cumprimentavam vivamente ao
noYO capitão, r·or sua promoçào honrosa, e, so~
bretudo, o lo tenente Carneiro da Cunha, ami-
císsimo do noivo d(' Judith, dem o nstrava seu in-
timo contentamento.
Alfredo estimava cordialmente esse amigo,
excellentc official, conhecedor de todos os ra-
mos da technica !Ja\·al, optimo chefe de farnilia,
jornalista de mcrito .: perfeito cavalheiro, de
edu<:açào finíssima, apesar de em seu serviço
militar ter de achar-se ..-'111 cnntacto com ele-
mentos de toda ordem.
Não era menos distincto o commandante,
a cuja attitude dig-na, calma e en-crgica, se devia
não ter a f-."'larnição do «scouh feito causa com-
mum com os revoltosos dos drendnotlghts. pou~
cos dias antes.
Seriam talvez 8 horas ela noite; os cães
estavam já uccupados militarmente, quando atra-
cou ao «scout» o ca-pitão-tenente Heitor Pereira da
Cunha, official de gabinde do almirante Mar.
ques de Leão, ministro da marinha, e portador
da ordem para o Rio Orandc do Sul levantar
ferro pela madrugada e partir com destino a
Santos. Introduzido na camara do commando, o
capítãn Pereira da C:unha conferenciou com o
comrnandante Fro ntiu, que, em seg uida, mandou
f ormar a guarnição.
Surpresos, os officiaes perceberam os ma-
rinheiros agrup ado s <Í prôa, e ouviram al g un s
gritos: rui o iôrma! nrio j6mw .', (' em fr:111ca at-
titud<: de revo lta.
O co mmandantc lhes dir igi u a pal al'ra, cal -
mo c energico, e falava ainda quando o navio
se co briu de trevas: um grurnete fcchára o re-
gisto da illuminação eledrica. .. Terri..-c l a si-
tuação em que se achavam tão po ucos officiae;;,
diante de rebeldes tão num erosos !
Sem se perturbarem, os officiac~ subiram
para a parte superior de ré, e, arm ados de ca-
r a binas, dirigir a m uma ult ima .intim ação aos re-
voltosos.
Foi debalde, e só obtiveram co mo resposta
alguns disparos de carabinas . Incontinent i se tra-
vou a luta des igual, sem pre ás escuras. No tu-
multuar d o combate ouvia-se ora um brado de
furor, ora Hm gemido de angusti a. Alfredo ba-
tia-se como um leão, ao lado dos camaradas,
tentando subjug-ar os marin heiros rellellados.
A luta torna va-se tcrrivel , e os o fficiaes, aju-
dados apenas po r poucos marinheiros fiéis, cada
vez mais i;e se1diarn le\·ad os até ao corrimã o d e
ré. Sniam todos ell c~ ali mass acrados?. . . ou
atirados ás agu:.s da hahia? ... Um csc:tler foi
arriado, sem 4ue, na escu ridão, fosse notado
pelos combatentes. Mas não era nen h um dos of-
ficiaes que fugia . Eram marin heir os q ue, deses-
perados pela vale-ntia de seus sup erio res, h1do
dei xaram, a sal var-se pela fuga.
Os officiaes já não mais p od iam recuar. Pe-
las costas o corrimã o, qu e os separ ava d o f un-
do; na frente, a multidão rebe lde, que com fa-
cas c punhaes, mach ad os e carabinas, rewolvers
e páus, os atacava co m fur ia. Um momt.•nt o .. .
e estariam todos perdidos! ...
Subito, um g rito a<~1g11Stiado de agon ia vi-
orou (X' la noitt' negr a ; n 1° t<'n en te Frnncisco
Xavie r Carneiro da C unh a t ra baleado e m ple-
no p("Íto, e, ao mesm o tempo, recebia profun-
do golpe de b;J1oncta na região dorsal. A queda
do eomp::m heü-o redo bro u o irnpeto va lente dos
o ffici acs, que num \'iolcnt n impulso de vingança
se prec ipitarant con tra os ;1ggrcssore s. Estes, per-
uendr; terrenü, por sua vez, f o ram rech assados
até que , fi.n a lrne nk, se n:nderarn á o fficialidade
heroica, que salv ou a honra da f ard a brasileira
c evitou, com sua bravara, que o espírito de
rctell ião se pro pagasse aos o utros nav ios.
fo r:~m improfícuos os esforços para salvar
d a morte o official, fer ido gravemente. O medi·
co de bo rd o, 1" ten e-nte dr. Frag;os<) de Barros,
prestou-lhe os prim e iro~ soccmTos; le vado ca-
rinhosa mente para terra pe l o capitão-tene nte Al-
fred o Rosa, o inditoso o fficial fallecct~, momen-
tos de pois, no posto medico d o Arsen a l de Ma...
n1nha
O Rio Orande do Sal rontinu o u em pro-
funda ~ trevas, e a I ho r a da madrugada se
pôz ern movi mento ,·agaroso, coll ocando-sc e ntre
o .Jf•t inas Cirraes e a ilh a das Cobras.

Eut rdantu , n ào h aviaut ainda findado as


s<:t·Ha~ d{' h <Jrrur . Pe l a noite foram artilha.dos
os mo rro s de São Hcn t o, C onceição c Castello,
c o littoral ; ao raiar Ll a aurora, pelas 5 h oras
e m po nto, ro mpeu ce rrado o bombardeio contra
a ilha da., Co bras, d onde os revoltos os respon-
diam com fogo nutrido. As baterias de terra des-
peja1·am sob re a ilha urna chuva terrível de
projectís, fcch a·n d o- a e m um circulo esmagador
de fcrr rJ e fo~o, continuand·o ininterruptos os
dis paros da artilharia e dos fuzís MalJsçr e me-
tralh ad o ras da infa ntaria.
Um tiro feli z da bateria do cães do Pha-
roux des mantel ou a torre e fur o u o reserva-
torio dagu a da ilha. T ambem os disparos d os
rt>hd ck s pr ocht7Í:Hn rons idcravcis estrag-os na ci-
dadc. O rnt:rcado novu foi derrocado clll IIIUÍtos
pontos. A grande hüxa entre São Bento c o
Castello foi muito attingida, c ne lla houve granr
de numero de m ortos e. Teridos. O velho edifici.o
do most eiro de São Bento, op tima pos ição es-
trategica, receb~u 4nnumeros rro jcctís, que lhe
damnificaram as paredes vetusta s, mataram uru
cmpregad{) portugu ez dos ben e dictinos, ferir a m
um monge, D om J oaquim de Luna, ~ divenws
s,o lda d os, logo t od os medicados no proprio m os-
teiro
A's 3 I /2 d a ta rde resol vent o governo to-
mar a ilha de assa lto , po r uma f o rça de 1.500
praças , comrnandada pelo corond Tito Escobar.
Mas os revo ltosos já apenas res pondiam com
dois canhões-rcwolver, collocad os por detraz das
janellas d{)s alojamentos que dão para o lado
de terra.
A's 4 horas cessou po r comple to o tiro-
teio. A' s 9 ho ras da noite, cer ca de 300 f usi-
leir os navaes embarcaram da .jJha para a terra,
onde f oram reco lh idos presos no quartt'l·~':e nf' ral
d o exercito, perrn auecen<!d na ilha cerca de SO
fu ~i lciro s , t(!dus \: IIJ profundas tr::•:;t!;, po!s o
governo nwndára cortar o cabo da com p an hia
Lighi and Power , que fornece a clectricid<tdt:
á ílha das Cobras.
Vnltaria, t'rnfi rn, a paz <t capital? ...
XXVII

Lagrimas a risos

··~ ~
csde havia dias andava judith quasi
inconsolavel, com os o lhos frequcn-
tcmt!nte lacrimosos, en tumecidas as
= palpebras, de tanto que chorava.
--·· Não de\·es assim affligir-te tanto - dizia-
lhe a mãe. - Nossa Senhora ha de por força
proteger teu noivo !
·-- Tem confiança, maninha reforçava
Dulce -· jámais se ouvi'l.l dizer que N ossa Se-
nhora h ouvesse abandonado quem a ella re-
corre.
Sim - - respondia a noiva, desolada --
mas ha já dois dias não tenho noti cias delk,
c quem sabe si nã o está para ahoi f erido .. . ou
morto, no combate ou no bo mbardeio! ...
··- Si assi-m fussc, já o teríamos sabido --
interpôz Marcos. As rn ;is noticias não se
fazem c~perar mu ito. Pódcs f-icar socegada, fi-
lhinha, que por certo nada de mal lhe acont eceu.
· Ah! como hei de agrad-~ccr a Nossa
Senhora, si o salvar!.. . Fiz uma pro messa de
ir com clle a Apparecida, Jogo que vol te são e
feliz, c o bknha alguns di as de licença.
Iremos ju-ntas c agradecerem o s :w mes.
1110 tempo, maninha.
- E' um \'erdadeiro horror essa historia
de revoltas - - diss.e o cornmendador, dirig-indo-
se á esposa. - Afin a l de con tas, já hoje, no
entanto, não me admiram muito . A t:hibata re-
vólt;;., e têm razão os que se n:voltam contra.
e \la. Mas que meio encontra o official par<J<
fazer-se obedecido~ O capr ll ãn, nu exercito on
na armada, usaria de meios suaso rios c, mesmo
quando offendido, perdoaria o aggra\·o c prose-
guiria em sua missão salvadora. Mas um uffi-
cial não pôde nem deve dcix<Jr-sc desfcitear
impunemente.
- São coisas essas bem triste" rcspo·n-
deu D. Sinhá. Não p cxham CJJtàu os po-
bres homens viver em paz?
-- Os interesses se chocun, c dahi se ori-
gi nam as lutas. Estou mesmo convencido de que
sem a reli-gião não poderá subsisti r u estado.
A policia é praticamente impotentt' para repel-
lir as audacias dos perversos.
Emqua·nto os paes dialogavalll, Dulce, pro-
curand<' distrahir a sua querida lllallinha c apa-
ga r-lhe os tristes pensamentos que a :iffligiam,
convidou-a a fazerem uma visita a D. t-l::lcna,
que, apesar de aprese ntar-s e physicamente me-
nos fraca, não havia ainda obtido me lhoras 4u~
fizessem cr êr prox im o o dia ern qne recuperasse
o u so da fala, não obstante o rigoroso tratam t•nto
a que se subm ette ra. pela clectricidadc, (' qu e lhe
era applicado por um dos mais ccl<'brcs t'Spc-
cialistas elo Rio.
Judith annuiu au convite c ar in hos;,• da ir-
man.
Enc<.mtraram lllàl: c filho Ll li l t <lll t~• abati-
d os, p or se terem posto ;1 lcmhra r, sattdoso s, a
rec<>rda ção de Truclinh a, a q1terida lrmort·rtâa,
que não podjam csquec~·r. Corupn.:ht:ndiarn-sc
perfeitamente os dois, embora D. Helena só res-
pondesse por meio de gestos c poucas vezes
se utilizasse da lousa. Antoni o ape nas ;una ,·cz
fizer ~ sa hir i l mã\' a passt: iu )'l" l() r~il>, de c:lr-
ro a mostrar-Ih..: algumas da belle zas da mo -
cte'rna capital; a situaçã o política, aggravada
agora co m a decretação d o est ad o de sitio, e
a propria infelicid ade qu<: para a p obre senh ora
~ra a rri vação da fala, faziam com que O. He-
lena preferi sse permanecer em casa, ou - (:
isso já era muito pa ra e ll a -- fazer peque-no
pa!'sei(, pelo jardim florid<l, um \'erdadei ro pri-
mor d e gosto e d·e arte.
Por algwnas vezes Dulce fôra lêr trechos
escolhidos á sua nov a amiga, que immensa-
lllente a preciava c de coração agradecia a gen-
til delicadeza da jo ven. Nesse momento, Anto-
nio não consegui a desviar os ol h ares da s ilhueta
elegante da moça, cuja voz lhe echo ava n o.
coração co mo a maís formosa e encantadora
d as harm o ui as, e cu ja3 feições reflectiam numa
aureola as límpidas emoções, que lhe agita vam
a alm ,l pura ck ,·irgem.
· Q uc!ll sempre assi m pudesse o u vil- a! ...
Quem sempre ass·im pudesse tel-a! - murmu-
rava ao joven ad\•ogad o o coraçã o embevecid o.
Tambcm por esta vez Dulce, que receiára
nã fJ ser facil manter con\'crsação vi va, diante
da tristeza quasi invencível de q u e se d e ixára
possuir a irman, munira-se de um livro que fôra
esc()[her á estante, que comp uze ra de obras es-
co lhidíssirnas, e tro uxe-o , escolhendo um que,
em certas h oras de desanim o ou indisposição
ne rvosa , mai s de uma vez lhe d éra fo rç a e
co ragem.
De facto, embora todos se esforçassem por
vencei-a, não foi poss ível f azer dcsapparecer a
a nuvem de tristeza que maguava os esp íritos
de A11t onio, de s ua mã e enferm a e d e Jud irt h.
De quand o em quando, por mais que para avi-
va l-a se esforçassem tod()s, a palestra· ca hia, co-
rn o que prestes a morrer. Dulce então exhibw
um pequeno li vro, manual elegantemente im·
rreSSI) nas offici-na~ Snlcsianas de São Pmllo.
~ 250 ~

D. lf,:kn ;l querer~ oll\i r :Jlgu 111 tr•:cho


de um livro que eu :tprccio muito'
Agradecidamente bril haram us o lhos da se-
nhora enferma, di ze ndo que sim.. . E Dul ce,
então, com a vt>z harm on iosa de sempre, e
com expa•ssào el<Jquente, começou a lêr:
De Christo :1 vida inteir a
Cruz e martyrio foi.
· E gôzo c quietação
Na tua queres ter! ...
Erras, erras devé r as ,
Si buscas ou si esperas
Alguma coisa além de afflícções s upportar;
Pois t."ltrnprc confessa r,
Est:l vida morta l e il-a t oda atu lhada
De miserias cru·l'i~ e ele cm zes c ercada.
- De quem são estes bellos ve rsos? -··· in-
dagou Antonio, depois da p au sa que Dulce fez
na leitura.
De Affo·nso Celso, que ass im soube t ra-
duzir a admiravel fmita.ção de Chri.sto .
A senhora sabé escolher !
~='Dulce co ntinuou:
Si alguma coisa houvera
Mais util e melhor á human a sal\'ação
Que padecer - Jesus, sem d uvida , tÍ\'era
Essa coisa, este estado ,
Por exemplo e palavra aos homens reve lado,
Sem soffrer a paixão.
Aos discípulos seus que o seguem, e a quaesque r
Que o desejam seguir, clar am ente, ell e exhorta
A que levem a cruz. Isto muH o l he importa,
Pois exclama: ((Si alguem vir commigo qu ízer,
Que se negue a si mesm o, e tome cada di.'\
Sua cruz, e me siga.,,
Eis a celeste via!
Depois de lido be m e in vest igado tudo,
Seja esta a conclusão fi na l de nosso estudo :
-- Que é preciso passar
Por mil tribulações, ror muita e muita dôr,
Para poder entrar
"n rein o do Senhor.
--· Não se devem tanto affJ.igir com a. morte
de Trudi·nha. . . Ella g-oza de sort e mais feliz
que a de nós todos.. . Já não soffre mais. De
certo está já na mansão da felicidade eterna .. .
Mas ouçarn o que diz o meu livro:
Assim, all céu fulgente
Lc\·a-nta a face tua; cis-me, e, cummigo,
Me:us santos todos . Elles grandes lutas
Sustentaram no scettlo inimigD;
Agora gozam glorias irnpollutas,
Agora consolados s ã o, agora
Em sq,'ltrança estão, c nelles mora
A paz que não se esváe;
E repousam agora, e rcspland~:cc111
E commigo sem termo permanect>m
No rein o de meu J>ae .

Dulce tem razão diss>:: judith, inter-


ro mpendo o s ileu cio qu e se seguiu á leitttra d;os
form osos ve rs.os. - - Desde que se abram os ol hos
ela fé , tud o se nos aprcs .,.nta com o u tro e me-
lhor aspecto. Bem certo é que a vida presente,
passageira, re~pida e curta, nada mais é qu e a
preparação á outra, a verdad<~ira, a eterna. Comu
é triste re conhecer que tantos cégos ha q ue nào
o querem comprehe nder ! E no fim... no fim
de tudo, quando já será tarde, que fo rmidavel
e terri\·e) decepção aguarda a esse infelizes! .. .
E que consol o, para os que conquistarem o dia
onde nenhu ma separação mais haverá entre os
bons, em que se estará eternamente. . . o h! eter-
namente! .. . jttnto a tnclos aque lle~ a quem se
ama · .. .
<)r a, ç ;í <·s tuu cu ! - \·ibro11, jovial, a
,.{,, alq~n· !.lo n:c('lll \'apit~ o- tr n e iii'e, ~ qual res-
J>PIIdcu Judith ro111 11111 grito de juhi\o \'ibrante,
atirando-se-lhe aos braços fortes. - Cá estou
eu, que já não mais podia com as saudades!
Procurei-te em casa, e como disseram-me que ti-
nhas vindo para aqui, com D. Dulce, em visita
aos bons amigos , cá \·irn eu ter tamhem. Meus
cumprimentos a todos !
Uma vasta alegria espalhou-se p or todos
os semblantes. Longamente se conservaram em
meigo abraço os noiv os, e D. H e kna, o filho,
e Ou!~, não podiam desfitar os olhos do dli-
toso par.
- São elles bem felizes! rnurnmruu An-
tonio, olhando ternamente para Dulce.
Invejai-os-ia o doutor? ...
Dulce, so b o olhar do moço, enru beceu
violentamente ; clle percebeu-I h e a perturbaçã o.
Pensaria ella da m es ma fórma que elle? ...

- -«[]»---
XXVIII

lossa Senhora d'Apparacida

pparecida' annunci,ou com voz


fo rk o conductor do com-
boio expresso. O dr. Cost a
Barros, que ,·i ajava em com-
pa·nhi a de s1 ta mãe enferma,
do capi tã o-te nen te Alfredo Ro-
sa e da~ duas filhas d o com-
me-ndad or, lc\'antou-se, tomou
da pequena prateleira de ara-
me de-, wagon sua m a leLt dt: viagem, sacudiu
o pó que lhe cobria quasi literalme nte o pale-
tot, e prepararam-se t odos para de sem barcar.
Apparccida é a nossa Lou rdes, com o lhe
cham ou, mais tarde, na Cama<ra Estadual, o de-
putado dr. José Vicente, pedindo a concessão de
um a verba es~cial para i-nadiaveis mel horamen-
tos na localidade. Apparecida, o celebre Sa.ntuario
Nacional, ao qual o proprio vice-pres idente da
Republica, dr. Wences láu Braz, foi, mais t a rde,
em romaria, a pé ( ! ! ), desd e sua fazen da, em
Mí.nas. ·
Apparcc ida, exkrim mente . não C(Jrresponde
;\ inrH·gav<·l import au r i:t 411 <: tem. t,>uasi todas
:ts ruas llw est ão ("flt pcss itll o cs tad<> ; as casas;,
pequenas <:: ha ixas. súil :ts ck pt:tjl.>~: na c lohrega1
aldeia d o sertàl'l ; só n qu ~ em Apparecida causa·
bôa impressão, desd e fóra, é o Santuario da
Virgem, canta,da em sua belle1a e em suat> su-
blimidades pela quasi totalidad e dos poda~ bra-
sileiros.
Desde longe os cocheiros de carros abor-
dam os freg.uezes, para que lhes tomem os ve-
hiculos. Anton io, co m um gesto incisivo, cha-
mou um delles, mas quando quiz ajudar a mãe
e as moças a subirem , sentiu como que um a
revolta de indignação:
-- P ois chama-se a isto lllll ca:rro? ... aqui,
numa cidade como Apparecida ? !
De fa ct o, o I astimavel es tado em que se
apresentava o vehiculo, deseleg-ante e íncommo-
do, era de envergonhar.
Um supplicc o lhar de Dulce fez, porém ,
calar-se o doutor, que t::ve então de tomar tam-
bem assent o na carruaf{cm . embora vis in:lmcntc
incommodado. Subiram a lade ira íngreme, que
ameaçava a todo m omento <1 propria vKla dos
passageiros, os quacs mal s-: podiam segurar
bem nos duros b:mcos dos r:arros .
Foi com c~rta emoção profunda que o dou-
tor c seus compan h eiro~ wtraram na Basilica.
Era esse, pois, o Sat1tuario, o nd e Nossa Senh~ra
attendia a tantos desesperados, doe ntes, infeli-
zes, míseros p eccadorcs! Um tremor, nervosa-
mente irresistive l, lhes perco rreu o corpo a to-
dos. A egreja, limpa c bem cuidada, impun ha-se .
á admiração geral. Que bello e agrada;ye l con-
traste com o quadro exterior, esse admiravel
qqadro que offp•·f'c ia o i~1krior do templo!
Os romeiros, porém, quasi não tinham o lh os
sinão par~ a des pret~nciosa imagem da Virge m,
pequena, e sem gosto artístico. Exqu isito era
que Nossa Senhora, que poss u-e em s ua honra
Santuarios iào s u mp tu osos e celehrcs, jus tamente
dispense g• aças tão cxtr ao rllina r iac; a j m:~~cn s
ou quadros de a!'P<~reucia uw dcstos, par a não di-
l.t:l' 111:1is... Serú para no~ inspirar sentimen-
tos de hu111ildadc? ...
Mas ·nem o doutor nem Sêlls companhei-
ros podiam agora reparar nisso tudo.
O tenente e a noi\'a, ah! quanto haviam
ck- agradecer, c agradeciam á doce Auxilio dos
C!zristãos 1 Todo o helio e vibrallte amor que
lhes ia n' allll a extravasava-Ih,~:; na~ orações que
erguia1r. em acções fervorosas . d e graças. Con-
sagravam-se dedicadamentc a Ella, á Santa Vir-
gem da Apparerida. D~punha111 sob sua pro-
tecção matern~1 toda sua felicidade de noivos,
toda sua ventura no futurü ...
D. Helena ... mas quanto tem a dizer uma
mãe, quando ajoelhada diante da Virgem San-
tíssima! ... Nâ<J podia articular uma palavra vo-
cal, mas. ilh! pelo coração falava, e com que
admira\·el eloqu;>ncia!
Em prece ardente, D. Helena pediu pela
til h a que Deus Ie v ;ira. . . pelo querido esposo,
sempre saudosa111ente lembrado ... pelo filho ex-
tremecido, que ali estava presente tambem ...
apenas em si mesma e em sua enfermidade a
robre senhora pouco rensou . . . A h 1 n amor de
mãe, que se offerece sernrre pelos outros e de
si mesma se esquece! ...
Dulce jáma·is havia rezado com tanto fer-
vor como nesse dia. Alheia\'a-se de tudo quanto
lhe estava em volta. O casto e lirnpido olhar
profundo tinha-o cravado na santa imagem de
Nossa Senhora, e seu corro elegante e airoso
quedavé• ajoelhado e immovel.. . Desde longos
annos, corn extr-emo desanimo e infinita magua,
soffrera ella, e, agora, ali estava diante da Vir-
gem Santíssima, e, felizmente, já não precisava
mais pedir-lhe a conversão do pae querido ...
Agora ··· · e como lhe palpitava de jubilD o co-
ração! --- tinha de agradecer-lhe a misericordia
com que lhe attcnder a ás supplicas. E agrade-
cia com tanto fervor, com piedade tão extrema,
qne p;1recia um anj•l do Senhor que houv('sse
baixado do cé-u :i terra, c a li ~:stin~ssc ajoc·
lhado aos pés da Rainha dos anjos . . .
Agradecia. . . agradecia sempre . . . mas, pou-
co a pouco, as acções de graças iam se nd o sub-
stituídas por um no\·o pedidü.. . era uma s ur-
plica po r outra no va conversão; ... c pod<ia Ma-
ria Sant-issíma deixar de nu vil-a? NJo e ra ella
a mãe dos peccadores? Não tinha ella o ma ior
interesse em que seu fi l ho fosse por t odos co-
nhecid o e verdadeiramente amado'; .. .
- Ah! sim , V•írgcm minha, Mãe Santíssi-
ma, sempre tão bch e dadi,·os:-t, fa vorece-o com
esta graça!.. . J-I avc rá algum m a l ern pedir-
t'a?.. . Oh! rninha Mãe d u céu, eu te quero
confiar o men segredo: s-im, cu amo-o, amo-o
com todo o meu curacão . .. s into-me fe l·iz a
stu lado ... quereria tor'n ar-lhe a vida serena. e
doce. .. pennitte-nt~ qu e t'o d iga : cu queria
que elle me amasse.. . que me quizesse como
e-u lhe quero a ellc . .. oh! minha M ãe Santis-
sima, si fôr preciso o sac ri fioi<l de meu am or
para que sua alma se salve, si f ôr preciso que
eu renuncie a vêl-o , para sempre . .. a oll\•il-o . . .
mesmo a ter delle qualquer noticia.. . para que
se não perca eternamente.. . o h! Virgem Ma-
ria! do u-te o meu am or c deponho-o a teus
pés ... Sacrificar-me-ei; ... de meus labios, si não
se converter, jámais clle ouvir{! uma palavra de
amor, como ainda até hoje nã o a ouviu . .. Pe-
ço-te, ·i mploro-te por sua alma.. . E peço-te po r
sua p o bre mãe. Si eu. . . oh! eu não devo, não
quero, nem posso voltar atraz. . . mas . . . mas,
si eu fosse dclle... c\la se ria tarn bem mi n h a
mãe .. . Ouve-me ... atten dc-me, p ois , Virgem San-
tíssim a, faze com que clla recurcre a fala! Au-
xilia com tua bençam a mão do medico que
a trata!. . . ou faze-o, d irectamentc, tu mesma .. .
Si é preciso um milagre, faze-o, Mãe J)o d er osa !
Mãe doce e meiga! ... Oh! minh a Mãe o cé-u! ...
Abs-orta em s ua prece ardente, Dulce não
percebera que agora ali faltav a alguem. n. He-
(0/Ó 257 ~

lena, as duas jovens, o cap-itão-tenente Alfredo


Rosa, tinham-se confessado no Rio, para rece-
bere m a sagrada Communhão na Apparecida.
Apenas o doutor não o fizera.. . Durante todos
esses dias lutára intimamente, depois que Dulce
lhe falára em confessar-se; lutára ainda na ul-
tima noite, que passára q uasi toda em claro .. .
Ainda durante toda a dagem lutára comsig o
mesmo.. . Mas, qu ando penetrou na Basi líc.a,
quando as s istiu, em pas mo, <Í transformaçã o
quasi sobrenatural das feições da moça, ah sor ta
na oração, não mais resistiu, e tom ou u ma re -
w lução firme: ergueu-se e entrou discreta me nte
e tremulo no confessionario mais proximo, onde
piedoso e experien te Rcdcmptorista ag uardava
o~ penitentes. ·
E co nfessou-se ...
O ra\·:: aind a Dulce com o me s mo pie doso
fen·or, quando kn~ empu xão , que a irman fhe
deu á ma ng a, a cham ou a si. Judith, co m os
o lhos, ind icou o confessionario, e quand o Du l-
ce, di rigindo para ali u olhar, reconheceu, aj oe-
lhado h urnildcmen te, o doutor, um subi to e vio-
le nt o rub o r lhe subiu á s faces . Pulsou-lhe vio-
k ntame nt e a gitado o co raçã o ... tremia-lhe qu asi
convul siva me nte o co rp o todo, de alegria, de
jubilo inebr iante, num a extrema ventura , qu asi
so brehu ma-na ...
ConH:ÇOil l·nt<lo a santa Missa. Pela al tura
d o O ff crt0 rio. o doutor deixou o conf.:ssion a -
rio. P a•·ecia qtte nào tin ha mais olhos par a coisa
alg u ma, e foi ajoe lhar-s<' ;.'111 urn p o nto um ta nto
afas tado d e todo s ... Pareci a re zar co mo o . ca-
pi1ão do E ,·;vn gc lh o : Lu mio s ou dir.: no. Sr'ttlzor:' .. .
Ao tríplice s ig nal d a ca mpai nh a , pa r:1 a
Co mrnu nh ã o, pela pr ime ira vez, Anton io acom-
p anhou sua m ãe á Mesa E uch a.r istica, aj oelhou-
se-lhe bem ao lad o, t endo Dulce á esque rd a,
depois J udith, depoi s Alfredo ...
E os a·njo s d o céu se a legraram p e la vo lta
9
<""Ó 258 l'.:::"'l

de um:-~ ovelha perdida ao aprisco do Divino


Pastor ...

Ni nguem se sentia com animo de fa lar,


qua ndo sahiram todos da Basilica. Uma extra-
ordinaria fclicídadc, u ma paz, uma tranquilliàade
immcnsa, estampavam-se nas physionom ias de to-
dos. Mas quando, f inalmente, Dulce ergueu os
olhos profund os, fitou-os nos de Antonio :
- Obrigada! Mil vezes obrigada, doutor!
- tambem dos olhos d o joven irrompiam raios
de u•n:1. luz tão brilhante, que lhe f ize ram desde
logo vêr o rnundü com aspecto completamente
outro, festivo, corno jámais o \'ira an tes.
D. Hele na estreitou o filho ao coração
commovido. Quanto ansiára por essa hora fe-
lü! ... Agora, resign ava-s,e de bom g rado a con-
se rv ar-se para sempre muda, si ass im o quizesse
o bom Deus, pois que estava satisfeito o maior
de todos os seus desejos.
Sem dizer palavra, se m f azer uma qual-
quer allusão m~ n os de licada, tam bem J ud ith e
o noivo cumprime ntaram affectuosamente An to-
ni-o , que se s entia outro, fe liz, mas, agora sim,
verdadeiram ente fe liz.
Foram almoçar em alguma casa proxima
ao te mplo; mas durante a refeição pouco fa-
laram, absorvido cada qual em sua intima fel i-
cidade. Só judith e o noivo mantinham ani-
mada palestra que, afinal, conseguiu tornar os
outros um pouco mais commu nicaiivos .
Algum tanto fatigada, pela viagem e pel as
emoções, D. Helena lembrou o regresso á es-
tação.
Tenho medo dos carros, mamãe ... esta
ladeira é tão íngreme ...
Não se assu sk , doutor, disse Dulce,
com um dos seus encantadores sorrisos. - Nossa
Senhora, que tantas graças nos deu hoje, tam-
bem nos ha de proteger agora. Tenha oonfia n-
r.:::: 259 ~

ça, que Ella ainda o fará ouvir de novo a voz


de sua mãe! ...
Annuviou-se um pouco a fronte do doutor,
lembrando-se da graça que pedira para sua mãe
e que, apesar de toda a sua fé e de todos os
seus sacrifícios, não lhe fôra concedida; mat>
respondeu simples e tranquillamente:
- Assim seja!
Alguns cocheiros estacionavam com seus ve-
hicl!llos na praça em frente á egreja. Antonio
chamou-os, ajudou ás senhoras a subirem, não
sem certa apprehensão, observando a fragilidade
dos carros e como era íngreme e accidentada
a ladeira que deviam descer.
No carro da frente iam O. Helena e Dul-
ce; seguiam no segundo os noivos e, no tere~~
ro, Antonio. Carinhosamente Dulce mantinha o
braço enlaçado ao col lo de O. Helena, confian-
do-lhe ,quanto pedira por ella a Nossa Senhora
d' Apparecida.
De repente, por um descuido do cocheiro>
a carruagem tropeçou numa quebrada e amea-
çou ..tombar. Perdendo a calma, o homem fusti-
gou . o a·nimal, que disparou pela ladeira abai-
xo . .. Das janel!as das casas partiram gritos de
terror . . . dentro em poucos instantes ia despe-
daçar-se o carro .. .
Um duplo grito partin do vehiculo onde iam
as duas senhoras. Sentiu-se um choque tremendo,
e D. Helena e Dulce foram arremessadas lon-
ge, na gramma, e o cocheiro, que abandonára
as rédeas, se prec-ipitou ao chão.
Dura11te um momento, as duas senhoras fi-
caram immoveis, semi-desmaiadas, até que Dul-
ce, erguendo-se, indagou pressurosa :
- Está ferida, O. Helena?
- Não . .. e a sen hora?
- Tambem não. . . mas estou quasi morta
de susto!
- Graças a Nossa Senhora da Appareci-
da, que nos salvou .. .
~260~

- Mas . .. D. Helena! ... O .... H c . .. lc .. .


na!. . . Que é isto!... A senhora fala I .. . Dou-
tor! . . . Doutor! . . . Corra! Corra depressa! Sua
m ãe ...
- Minha mãe! . .. Mamãe está ferida ?
~espondeu, ansioso, Antonio, que vinha correndo,
-em compauhia de Judith ~ de Alfred o.
- Doutor! exclam ou Dulce, co mmcwi-
si ma - Ooutor, sua mãe .. .
- Que é, mamãe?.. . Soffres muito ?
-- Não, doutor . .. Sua mãe fal a! Sua mãe
recuperou a fala, doutor' ... Ah! Minha Nossa
Senhora d' Apparecida ! -- exclamou Dulce, pros-
trando-se de jo-elhos e m plena rua - eu te
agradeço! ·
- Tambem eu ... tamb em eu fo agradeço,
Nossa Senhora d' Apparecida d-isse em voz
tremu la, mas alta, D. Helena, abraçando-se com
o fil ho, com Dulce, com Judith, com Alfredo,
..quasi qw.: to dos a ttm tempo só.
- Mamãe! ... Não é p ossí vel! ... Tu estás
curada? t.. . Meu Deus!.. . M as eu cnlouq tte-
ço! .. .
Varuos vo ltar á Basí lica, meu fi I h o ~
Vam os secund ou Dulce. - T~m os
tanto a agradecer a Nossa S~n hora!
E ntre -exclamações quasi convul sas de um a
ak gria infinita, de urna surpresa sem limiie!i .
dirigiram-se todos de novo ao temp lo . O povo,
-embtlra já acostumad-o aos frequentes mil agt·es
de Nossa Senhora, s ahia correndo, curioso, das
casas, e muitos acompanharam a familia até <m
Santu ario, a unirem suas orações em acçi"ü:'l de
graça~ ás dos felizes romei'l'os.

Como lhe hei de agradecer, O. Dulce ?


disS<: o doutor, ao sa hirem ·n ovament e d a Ba-
silica, e tomando a mão d a donzella, que bei-
jou respeitosa e cari~1hosamente.
'"'Ó 261 ~

Agradecer-me a mim ?. . . Mas a mim


não tem nada que agradeeer! ...
-· Sim, a senhora merece .. ; merece . ..
Não ousou continuar, a concluir a phrase.
Novo rubor tingiu as faces da jov~n ... A sua
mão1inha mimosa tremia nas delle ... e quando,
num impett~ oso movimento, elle lh'a àpertou:
com força, ella retribuiu-lhe, embora levemente,.
a carícia ...
- Dulce! . . . posso então esperar. . . Posso
crêr que. . . Oh! com o sou feliz!
Ella, então, lhe sorPiu deliciosamente .
- Dulce! . . . Minha Dulce!. . . Mi:nha que-
rida .Dulce! -- exclamou o doutor, apertafldo a
moça ao peito, em plena praça publica, e apesar
dos olhares admirados dos populares, qut.' os
C<mternplavam ...
- Amas-me muito, Dulce?
-·· Sim . .. eu te amo . . . e desd e ha muit-o
tempo, Antonio! ...
E um be1jQ, um grande e casto beijo, sel-
lou as juras dos noivos, em plena rua, diante
da milagrosa Basilica ...

• • •
IN O ICE

P RIMEI RA PARTE

I - No theatro real de W iesbaden 9


11 - Em Oberamme rgau . . . . 16
111 - Uma novel republica . . . 35
IV - Final de uma aventu ra . . 45
V- Rivaes . . . . . . . . . . 52
VI - Salve ! Terr a de Santa Cruz! -63
VI I - Em casa do co mmendador 73
VIII - Em pleno campo . 82
IX - No leito da dôr . 92
X- Escaramuças . . . 99
XI - Moderno ? . . . . 109
X 11 - Trama ás occultas 118
XII I - Duas irmans . . 126
XIV - lnnocencia . . . 133

SEGUNDA PARTE
XV -
Um madnheiro ás direHas 143
XVI -
Na Camara c no Paiz . 160
XVII De volta ao lar . . . .
- 167
XVIII -
Dez mil senhoras . . . . . . . . 174
XIX -
O <<Ürissa» em aguas da Guana-
bara . . . . . 182
XX - Na Cochilha Rica . 189
XXI - Reflectia! . . . . . . . 197
XXII - A Missa . . . . . . . . . 206
XXIII - 23 de Novem bro de 191 O . . . 212
XXIV - Em São Clemente - Um discurso
parlamentar . . 226
XXV - A enfermeira . . . . . . . 232
XXVI - Novos horrores . . . . . . 239
XXVII - Lagrim as c sorrisos . . . . 247
XXVIIJ - Nossa Senho ra d' Apparecida 252
ROMANCES E CONT OS
Ai ! meu Portugal. Romance eontemporaneo por Frei
Pedro Sinzig, O. F. M. 381 paginas 13X 19 em.
. . . depuz o livro, esperei, li de novo, examinei, com-
parei, analysel, - e eis aqui num como breve estudo o re-
sultado.
Pôde-se resumir nas seguintes proposições : o At I M~N
Porlugrú offerece ao s~nlimento artlstico os encantos de uma
engenhosluima ficçio ; ao tntendlrntfllo, as salutares lições da
mes1ra da vida : a Histeria ; ao cortlrãO, Impulsos suavemente
fortes para o bem. . . - L. Brentono, S. j.
Anjinho. (O) Contu ViP.nnense, e Morto por lmpru-
dencla, pela Baroneza Eurik von Handel- Maz-
zetti. 2• edição.
SJo duas historietas simples e encantadoras, mas que
chegam a commou:r até b lagrimas, tio emocionantes sio os
episodios descriptos e narrados, naturalmente decorrentes uns
dos outros, até ao desfecho final. Duas obras primas. - Eq.
Jl~erneck.

Da Arena da Vida. Contos por Ancilla Domini. 2•


ediçiio.
Acham· se reunidos neste volume: •Os divordados,
· O Resgate de um Pae• - e aqudla perola que é • Uma cor-
respondenda h·anqueada ao publico• .
Atravez da Africa. Viagens e aventuras do Irmão
Franciscano Pedro Farde de Gaod, 1686-1690,
segundo a edição de Frei Caetano Scbmitz,
O. I<'. M., por M, G. de L., e Uma Fazenda em
Maranhlo. Eplsodio doa tempos coloniaes, por
Ancilla Domiof.
São duas narrativas, ambas lntere&sa11tes mas absoluta·
meute differentes, a!> que formam este setlmo volume da col-
lecçio da rxcellente Bibllotheca Universal. A primeira consta
da descripçJo, sempre e cada vez mais empolgante, das viagens
e aventuras de um irmão leigo franciscano, Pedro farde, -
aventuras realmente diinaa de narrareAI-se, e que do mo·
desto religioso fizeram quasl um segundo Robinson Cru10e,
Esaiptas em li11guagem desprete11ciosa e simples, lêem-se tem
fadiga, antes c:om crescente interesse, o Alesmo que euocede ao
leitor da noyella Uma jaztnda tm Maranh4o, epbodlo dos
teo~ pos colonlaes, que completa o volume. Como os demais da
rollec:çlo, o vol. 7 da Bibliotheca U11iversal é de ediçio cuidada
e optimamente impressa. - j. T.
Aventuras duma abelha. - Conto para creanças, por
Waldemar Ronseis. Traducçã o do Padre H u-
berto Rohden.
Por certo a feitura deste interessante conto - infeliz-
mente a unica obra aproveita v e! desse esc ri pior - deve ter
proporcionado aos pequenos feitores das Vozes agradaveis
momentos.
Creio bem qu~ o autor teria cercado o seu nome de
muito maior prestigio, dedicando-se a este genero literario, em
que se mostra tão f1no psychologo, do que mafbaratande o
seu innegavel tahmto em tantas outras obras estercis e dis-
solventes.
E nisto talvez já tenha meditado o autor, ao vêr a
enorme vulgarização que este seu livrinho tem alcançado, es-
pecialmente na Alkm anha, onde as suas edições attingem hoje
a trezen~as, sendo que as ultimas cem foram fe itas durante a
sua publicação nas Vozes de Pelfopo/is.
A traducção é irreprehensivel e revela um conhecimento
seguro do nosso idioma. o que torna mais agradavel a leitura
deste conto, realmente encantador: - Ajr.

Casa (A) Ass ombrada. (Hnrry D eP ) Romance pelo


Padre Franci sco Finn , S. J. - Trnducção d o
inglez pelo Padre H uberto Rohd en .
As obras do revmo . P. finn obedecem todas a um pla-
no educativo e moralizador habilmente delineado, o que as tor-
na altamente nco mmendaveis.

C hristovam, por Conrado Kuemmel , t.radncção d11


Ancilla Domini.
Clzristovam é um pequeno romance de leitura agrada -
bilissima e these de actualidade: a ambição do poder e do
destaque político, procurados primeiro no fa vor do rei, depois
á sombra da democracia e do suffragio popular, esvalndo·!e
tudo, afinal, no mais Inesperado e atroz desengano, e come ·
çando, então, a verdadeira orientação, para Deus, do principal
personagem do romance, ..
RecommendamOI ·O a todos, sobretudo aos rapazes, q ue
bem podem vir a ser políticos um dia, e . .. quem sabe? no-
vos Christovams. - A . R..

O Collar perd ido e outros contos, por Ancilla Domini.


2• edição.
O Collar perdido é um conto cheio de ternura e de
arte, em que uma negra escrava paga o pato dum collar fur·
tado . _ _ Oabriella morreu innocente e o collar appareceu mais
tarde, por artes de berliques e berloques. Segue·se o arrepen-
dimento e uma pontinha de remorso, suavizada pela fé.
Dois amigos e out.ros contos dos mais felizef.'l tempos
da Palestinas, por F rei Donato Pfann mü ller,
O. }1'. M Trad ueção d o Dr. Manoel de Quei roz
Matto!lo Ribeiro e do P . Manoel Pi nto do s San-
tos. 2• ed
Os deliciosos con tos evanQ:elicos de Frei Donato l' são
ba~tante conhecidos mesmo tntre n6s, para que se lhes torne
necessario novo encomio . . . Dois Amigos (J esus e Lazaro) e
os tres contos que se lhe s~guem : Seu Testamento, Está
consummaJo e Alleluiu! - são verdad·' 1ras joias literarias.
Verdadeiros mimos preciosos . -- julio Tapajós.
•oam e Dolores. Narrativa por Miso; Taylor. Traduzid o
do iaglez, por Francis~a de Assif.'l
Acompanho com os melhores votos a primeira edição
brasileira dessa lenda commovente,
•. , A singela narmtiva não p6de deixar de ser util e
de, talvez, consola r muita g ente . - P. S.
Entre Demonios. R•)mance sul-a meric<Jno, por L r.o -
poldo Ghcri. Traducção do Dr. Manoel de Quei-
roz Mattt;so Ribeiro.
Em polgantl! episodio da vida do grande Garcia Mor eno.
que prende a atte::~çiio do leitor <lo prmc1 pio até o fim , que o
deixa suspenso e o faz prosPguir na leitura a té terminal-a toda.
O Es pelho de L u crecia Borgla (histori a macabra) e
Y. Z. 100 (Ct'nto humortstico) por Eufemia vou
Ad lersfel<i Bailestrem. Traducção do Dr . Ma·
noel de Qu e h 't' Z Mat.t oso Ri beiro. e O Maltra p i-
lho e Creanças Pob res, por PRulo Krller. Tra·
l'.lucção por Miriam.
Quatro simples mas excell entes trabalhos de fino gosto
literario·. A historia macabrn do espelho de Lucrecia trata em
linguagem empolgante de uma >wpershção que durante annos
sem conta affhgiu e perturbou uma famllia mteira, superstição
essa que é destruída graças ao animo forte de uma digna joven,
Eva- Mar ia, Romance, por Pedro Gistras. Traduzido
do francez da seg unda 2• edição por Ga briella
l<'Hreira França. 2• edição.
- Inter~ssan te romance religioso social, cujo s cenarle se
desenrola no paiz de Alblon , Trata da historia de uma con-
versão, que se opéra pela in tercessão da SS. Virgem, e mostra,
ao mesmo tempo, como muitas filhas de Eva MUTANS EVtf:
NOMEM - se mudam em bôas Pilhas d e Maria. O enredo
se desenvolve em torno daquillo de Addison : ~E quando sub-
mergia em peccado e tristeza fez reviver minh'alma pela gra-

Os livros marcad os com • não são ed içõe!' da cas a.


ça •. - Ttaducçlo nmerada e fl111nte, mcadrrnaçh elerantt,
felçlo portatil. - M. T.
Esposa do sol. Romance Historico, muito interessante,
de Gastão Leroux. Tradueção autorizada de
Nycota Sampaio.
Nio será ~rrande o numero de romances de valor que
ddxam o leitor analoso, suspenso, para saber a sorte doa pro-
tagonistas, como esta nova obra de Oaston Leroux . E' em·
pol~r:ante a acçio, fuendo esquecer certas lnverosimilbanças.

A faia do judeu . Conw criminal da Westpbalia mon -


tanhosa, pela Baroneu A.nnette de Droete-Hii.ls-
koff. Traduzido por Rod olpho da Veiga.
Neste pequeno conto admira-se a perfelçlo do desenho
dos caracteres. A autora é uma artista, Que nltldu e preádo
e, apesar disso, que sobriedade no exercício do seu b11ril !
R. R. V.
Filha (A) do Director do circo. Romance pela Baro·
neza Ferdinande von Braekel. Traducc,io livre.
e autorizada da 25a ediçiio por Isocrates.
A leitura em pol~r:a, commove, arrasta, Impressiona pro-
fundamente,
Durante a publicação deste grandioso romance, um dos
mala beUos da literatura universal, nas paginas das .vozes de
Petropolis., a redaoção desta revista recebeu innumeras felicita-
ções e os mais enthusiasticos applauaos.
Filho (0) de Agar. Romance de Paulo Keller, Tradu·
cção do Dr. !.11\noel de Queiroz Mattoso Ribeiro
(para adultos).
O Fü!UJ RI Agar i a triste hlstoria de um filho •sem
pae• , atja vida dar' multo a pensar e ser' para muitos verda-
deiro exame de conscleoda. A leitura deste livro para adul-
tea s6 pôde fazer bem. Em Ires annos foram necessarlas 23
edições do original alie mio dessa olira prima.
A critica, catholica e acatholica, foi unanlme em reco-
nhecer-lhe um primeiro logar entre os grandes romances.
• Filho (O) do Homem. Eplsodios, da vida de' Christo.
por Anna, Baroneza von Krane. Traducção por
uma senhora bahiana. Com illustrações de
Fellípe Sehumacher.
Grandeza Occulta e A Coroa de Espinhos Novella
pela baroneza Anna von Krane, Traducção por
Miriam. 2• edição.
A primeira das duas novenas é uma linda e commoveote
fantasia evocadora da mdga e doce infaACia de Jesus, a pulo
rear ovelhas proximo a Nazareth. .. A segunda noveHa, tam-
bem, ~ vaada em usumpto blbllco ..• E' delineada como 1t111a
bençam de luz no lindo quadro a figura Ideal de Maria ...
Julio Tapaj61
Guerra ! ! ! RoUlance oor Frei Pedro Sin:>.ig, O. F. M.
Illustrações de Gaspar Telles.
Os quadros que a penna magica de frei Pedro evoca,
e para 1empre grava como no marmore, nas paginas de um
livro - valiosíssimo contin~ente para a historia futura da
grandiosa hora que passamos. - são de hoje, e não os for·
jou elle em sua fantasia : foi buscai-os i verdade contempora-
nea, sio paginas vivldfts da mais tragica etapa da historla do
mundo civilludo, e como a nós nos com1novem hoje e falam
elcquentissirnas, na mesma e!oquencla falaria mais tarde ás ge-
rações porvindouras ...
As grandes scenas tngicas contustam com episodios
leves ou commovedores, mas em todo o desenrolar do romance
perpusa um vôo de tragedia épica, que dóe, que puuge, que
secca os olhos num ardor de febre e afoga os corações em
lagrimas de ailgustlas . - Julio Tapajós.
Josephina. Romance por Franz von Secburg. Tradu·
cção livre e autr.ri:r.adu p(>r Lyrio do V alie 4a ed.
O autor de Josephína, estimadissimo em seu paiz por
outras obras de nota. encontrou felizmente, num cantinho de
Petropolis, uma penna finamente apun;.da de poeta para o in·
teroretar em vemaculo . fructc de longas vigilins, aqueci-
do rom o affeclo de uma alma que só sonha com resu rreiçõe~
moraes, o volume que nos cahiu nas mãos, qual pomo doura-
do e sagrado, vae ser naturalmente devorado por quem quer
que o queira folhear.
lletocado, ampliado e por vezes m~smo ~parado em
muitos topicos demasiados, o trabalho de Lyrio do Valle tomot:
uma felç~o que é mais sua que de outrem.
JoS<'fJhína não é um simples romance nem tão pouco
u ma obra de pouca ima~tioaçiio, mas uma serie de factos psy-
chologicos rnagistral•nente tecidos para destacar um vulto de mu-
lher prilnorosamente desenhado.
Em cada um dos seus capitulas surgem Eurpre~u q ue
nos banham o espirito de deliciosos aromas de virtude. Os
diversos episodios que matizam essas paginas cheias de vida,
~ssust1m, abalam, commovern e muitas vezes mesmo arrebatam
o leitor. - Mons . A. Macedo Costa.
Magna Peccatrix . Romance do tempo d e ,Tesus Chris·
to, pela baronez& Anna von Krane. Tradueçlo
livre e autorizada, por I socrates. (parn ad ultos).
Meu (O) nova Coadjuctor. Rom a nce pelo p e, A. Sheehan.
Trad_ do dr. Manoel de Queiroz M. Ribeiro.
Moribus Paternis. Ro mance original de Ansgar AI·
bing. TrAducçào do dr. Manoel de Queiroz
Mattoso RibPiro.
Bellissimo e empolgante romance . . • Basta a referencia
á. maneira verdadeiramente magistral como o autor soube delinear,
apresenta r, defmir e fazer moverem-se as personagens que vão em
scena, e movimentam · Se e agem com vida quasi tangível , num
ilagrante evidente, numa acção nítida e limpida que se extende e
desenvolve por toda a obra, prendendo sempre c cada vez
mais a atlençào e o interesse do leitor. - julio Tapajós.
Némesis. R omance por A. H a1d heim. Trad. do
allca:â.;.
Nova ( A) Cruzada das Creanças (Annita e Felisberto)
I nterPssantf' romance prop rio para creanças
por Henri BordeAux .
. . . lnspir~ndo - v os no Decreto • Q uam singular i Christus
amore•, quizestes, em lembrança da peregrina,ão d'ls jovens
neo-comm ungantes francezes a Roma, 19 12 , escrever para os
pequenos francezes este livro encantador que narra a odysséa
dos dois Saboyardos que transpuzeram os Alpes para ir pedir
ao Papa a Santa Com munbão , e ag raàecer-Lhe o fa vor de re-
teber. em uma idade tão tenra, o De11s dos tabernaculos
jesus-Hostía. - R Cardeal Merry dd Vai.
Novos Co ntos, pelo P. Ambrosio Schupp, S. J .. com
mui tas ill ustrações. Traduzido por Leopoldo
B1 entano, S. J .
Não são mu11os : apenas tres ; mas tão e,;fusiantcs de
cbiste e a barro tados de interesse, que não vejo quaes possam
passar·lhes a perna.
O primeiro - Conto dos seis que tinham coragem de
cincomta, recorda-m~ as a ventura s de jean Calais, as scenns
espirituosas da edade media, que nós hoje vestimos com a
gaze vaporosa das fadas e os crystaes ful~er..tes das fontes en-
cantadas. Hercules é o seu protagonista , contra o qual arre-
mettem, com a galhardia dos covardes, o f~rreiro Pinque-Pan-
que, o selleiro Sem Pavor, o carniceiro Vira· Tripas, o trançador
Péga-Péga, o cautoneiro Malhão e o alfaiate Pé -Ligeiro. - f .
Soares d'Auvedo.
Orvalh o (O) Ve spertino e outros contos, por Ancilla
Dvminí. 2" edicão.
Contos encantadores e cheios de mora lidade e ensina-
mento, como são todos os da benemerita escnptora.
Pela Mão d u ma Me nin a. Roman ce contemporaneo
brasilei ro, por Frei Ped ro S inzig, O. F . M. S"
edição, co m 27 novas e a r tísticas lll ustrações,
todas em forma to de pagina e trabalhadas por
artista europeu de nomeada.
Pela mão duma menina é um •bello romance, vasado
em linguagem Iimpid1 e fluente. e offerecendo leitura ampla·
menh: empolgante e deleitosa. É um trabalho Jiterario digno
da penna de mestre que o escreveu, de uma psychologia agu-
da e ao mesmo tempo tão delicada, que nem parece pertencer
á literatura . . . de hoje. - j ulio Tapajós.
Pela Terra dos Doidos. Alí'gri-ss e tristezas da vida
dnm Jrmãofrancic;CI.Inn, por Frei Donatf) Pfann ·
müll~1·, O. F . M. 'l'raducçào autorizada de
Justim) Mendes.
Pela terra dos doidos é nm livro que de~creve fielmen·
te a vida que os frades francisca nos levam em seus conventos.
Sendo li familia franciscana tão numerosa aqui no Bra-
sil, é' portan to de interesse geral conhecer-lhes o modo de vi·
da. o que se encontra fielmente no livro do frei Donato

Raiost de Sol. Historias e )Jale~;tras divertida!\ de Otto .


Ern::t, livremente traduzidas e adaptadas, pol'
Eugenio "i'tlendes. ·
Quem, em suas horas de lazer, gosta de occupar-se
com leituras uteis e Interessantes, leia: Raios de Sol que fica·
r.í completamente satisfeito ; a linguagem é correcta, e os as·
sumptos divertidos.
Reminiscencias dum Frade, por F1•. Pedro Sinzlg,
O.F.M.
Signal (O} Mystertoso R nman<·e pnr M. T. Waggamsu •
. ~..:. Traducção do P. Huberto Rohden.
Bellissima traducção sobre o original allemão, feita pelo
j~ conhecido e festejado escriptor patricto, o revmo. P. Huber-
to Rohden.
A. acção se passa na America do Norte, entre P. Paulo,
o parocho do lugar, e Eric, joven filho da terra que pertence
a uma corja de malfeitores, que se tem conjurado ao demonio
por meio de um signal mysterioso, que lhes é tisnado no
peito. - M - ~ T.
Sua culpa (A) Narrativa por Jean Vézàre. Versão por
J. Soares d'Azevedo.
- - Uma obra prima, interessantissima, em versão d igna do
bello original. E' narrativa duma vocação sacerdotal frustrada
por culpa dos paes e que tem por consequencia innumeras
desgraças, Não ha leitura mais util na época da escolha• de
estado,
Terrort(O( do Rei. Romance pe!Ba aronu aAnna vtlll
Krane. Tradncção de Mlriam.
Parece reviver, diante dos olhos admirados do leitor, o
despotico rei Herodes, destacando·se maravilhosamente, do
scenario de horror, a figura lucida de jojada, o valoroso ~ruer·
relro, e, como fundo de lndizlvel encanto, o Menino Jesus e
sua Santisslma Mie.
Violetas. Victima d o sigillo da confissão e outros con-
tos, orlginaes e traduc.;ões, por Frei Pedro Sin·
zig, O. F. l\-1.
Sio realmente «Violetas • odorosas. O episod io verldico
da • Victima do sigillo da confissão:., que abre o livro, é de·
véras tocante e impressionador. Todas as mais historietas do
primoroso livrinho: Um presente a Maria - Mater dolorosa
- Arcabouço de uma tragedia -- Umm ed Dschamahl --- Uma
filha de Maria - Á ultima hora - não slo menos edifican-
tes e commovedoras.
As recommendneis • Violetas • de frei Pedro Sinzig fe·
cham com a delkada opereta infantil, em 3 actos , Joãozinho t
Margaridinha, . • -- Eugenio Wtrntrk.

Pedidos á Administração das • Vozes de Petropolis •


Petropolis - E. do Rio

O catalogo geral é reruettido gratuitamente a queru o pedir,

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