Вы находитесь на странице: 1из 234

Oficinas para o Desenvolvimento de

Protocolos de Investigação

Ministério Público
do Estado do Paraná
3o E N C O N T R O

Roteiro de Investigação Financeira


Rastreamento de Ativos
Curitiba | 2017
Coordenação:

Cláudio Rubino Zuan Esteves (Procurador de Justiça/MPPR)

Revisão geral:

Alexey Choi Caruncho (Promotor de Justiça/MPPR)


André Tiago Pasternak Glitz (Promotor de Justiça/MPPR)
Raquel Juliana Fülle (Promotora de Justiça/MPPR)

Apoio técnico:

Ana Paula Moreira


André Andrade Piccolim
Donizete de Arruda Gordiano
Kenny Robert Lui Bettio
Liz Ayanne Kurahashi
Thalita Moreira Guedes

Curitiba, novembro de 2017


4.1 BENS EM GERAL............................................................................................................. 131

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................5

PARTE I – FIGURAS JURÍDICAS DE PERSECUÇÃO PATRIMONIAL

1 CONFISCO.......................................................................................................................11
1.1 O OBJETIVO FINAL DA PERSECUÇÃO PATRIMONIAL: OS PRINCIPAIS
INSTRUMENTOS DE CONFISCO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO...................................11
1.2 NOÇÕES GERAIS.............................................................................................................. 13
1.3 CONFISCO COMO PENA SUBSTITUTIVA RESTRITIVA DE DIREITOS...........................17
1.4 REGRA GERAL DE CONFISCO: ART. 91, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – EFEITO DA
CONDENAÇÃO. PERDA DE BENS EM LEIS ESPECIAIS......................................................21
1.5 CONFISCO POR EQUIVALENTE...................................................................................... 27
1.6 CONFISCO ALARGADO.................................................................................................... 30
1.7 AÇÃO CIVIL DE EXTINÇÃO DE DOMÍNIO........................................................................33
1.8 CONFISCO E LAVAGEM DE DINHEIRO...........................................................................37

2 AS MEDIDAS CAUTELARES REAIS OU MEDIDAS ASSECURATÓRIAS: MEIOS


PARA A EFETIVAÇÃO DO CONFISCO.............................................................................47
2.1 DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS EM ESPÉCIE...........................................................51
2.1.1 Aspectos Gerais........................................................................................................51
2.1.2 Sequestro...................................................................................................................60
2.1.3 Especialização de hipoteca legal............................................................................76
2.1.4 Arresto........................................................................................................................84
2.1.5 Busca e apreensão...................................................................................................93
2.1.6 Do conceito de indícios suficientes e de seu objeto: o problema dos standards
probatórios.........................................................................................................................98
2.1.7 Da finalidade das medidas cautelares reais na Lei de Lavagem de Dinheiro..102
2.1.8 Prazo para a ação principal...................................................................................104
2.1.9 Alienação antecipada de bens...............................................................................105

3 JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA.............................................................................111
3.1 CONFISCO........................................................................................................................ 111
3.2 MEDIDAS CAUTELARES REAIS..................................................................................... 115

PARTE II – A INVESTIGAÇÃO FINANCEIRA (E PATRIMONIAL)

1 DO ATAQUE SISTEMÁTICO AO PATRIMÔNIO CRIMINOSO.....................................123

2 INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL...................................................................................125
2.1 INVESTIGAÇÃO FINANCEIRA: GÊNERO.......................................................................125
2.2 INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL: ESPÉCIE.....................................................................127
4.1 BENS EM GERAL............................................................................................................. 131

3 UMA METODOLOGIA PARA A INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL...............................130


3.1 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS.......................................................................130
3.2 O PLANEJAMENTO DA INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL...............................................131
3.3 PERSPECTIVA SINCRÔNICA: A CONSTRUÇÃO DO PERFIL ECONÔMICO-
FINANCEIRO DOS ALVOS..................................................................................................... 134
3.4 PERSPECTIVA DIACRÔNICA: A FASE SIGILOSA DA INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL139

4 ROTEIRO DE RASTREAMENTO DE BENS E DIREITOS...........................................140


4.1 BENS EM GERAL............................................................................................................. 140
4.2 NUMERÁRIO.................................................................................................................... 144
4.3 OUTROS ATIVOS FINANCEIROS (TÍTULOS, CERTIFICADOS, APÓLICES, VALORES
MOBILIÁRIOS, DERIVATIVOS).............................................................................................. 147
4.4 JOIAS, METAIS PRECIOSOS, GEMAS E OUTROS BENS DE LUXO............................149
4.5 OBRAS DE ARTE............................................................................................................. 150
4.6 VEÍCULOS AUTOMOTORES........................................................................................... 151
4.7 AERONAVES.................................................................................................................... 152
4.8 EMBARCAÇÕES.............................................................................................................. 153
4.9 IMÓVEIS........................................................................................................................... 154
4.10 SEMOVENTES............................................................................................................... 155
4.11 PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS................................................................................... 157
4.12 DIREITOS....................................................................................................................... 158

5 APOSTILA – COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO: ASPECTOS HISTÓRICOS E


CONCEITUAIS..................................................................................................................161
5.1 ETAPAS E EXEMPLO DE CICLO CLÁSSICO DE LAVAGEM DE DINHEIRO.................161
5.2 TIPOLOGIAS.................................................................................................................... 164
5.3 MEDIDAS PREVENTIVAS................................................................................................ 168
5.4 OPERAÇÕES SUSPEITAS QUE PODEM INDICAR LAVAGEM DE DINHEIRO.............170

6 TIPOLOGIAS – CORRUPÇÃO, DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS E LAVAGEM DE


DINHEIRO..........................................................................................................................172
6.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 172
6.2 USO DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (ONGS) PARA O DESVIO DE
RECURSOS PÚBLICOS......................................................................................................... 174
6.3 LAVAGEM DE DINHEIRO DE CORRUPÇÃO PASSIVA POR MEIO DE IMPORTAÇÕES
FICTÍCIAS............................................................................................................................... 175
6.4 DESVIO DE RECURSOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL POR
INTERPOSTAS PESSOAS..................................................................................................... 177
6.5 CORRUPÇÃO ESTADUAL ASSOCIADA À FRAUDE FISCAL POR MEIO DE EMPRESAS
DE FACHADA......................................................................................................................... 178
6.6 LAVAGEM DE DINHEIRO DE CORRUPÇÃO POR MEIO DE VENDAS SIMULADAS DE
ATIVOS................................................................................................................................... 180
6.7 CORRUPÇÃO MUNICIPAL POR MEIO DE LICITAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS............181
6.8 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS MUNICIPAIS POR MEIO DE EMPRESAS
CONTRATADAS SEM LICITAÇÃO......................................................................................... 183
4.1 BENS EM GERAL............................................................................................................. 131

6.9 CORRUPÇÃO ESTADUAL COM DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS MEDIANTE


SUBCONTRATAÇÃO EM CONVÊNIOS.................................................................................185
6.10 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS PARA FINANCIAMENTO DE CAMPANHA POR
MEIO SUPERFATURAMENTO REALIZADO POR ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
DE INTERESSE PÚBLICO – OSCIP...................................................................................... 186
6.11 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS MUNICIPAIS POR MEIO DE EMPRESAS
CONTRATADAS SEM LICITAÇÃO......................................................................................... 187
6.12 AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS PARA DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS.......................189
6.13 PAGAMENTO DE PROPINAS POR EMPREITEIRAS EM CONTRATOS MUNICIPAIS 191
6.14 DESVIO DE RECURSOS MUNICIPAIS POR MEIO DE CONTRATAÇÃO DE EVENTOS
ARTÍSTICOS SEM LICITAÇÃO.............................................................................................. 192
6.15 FINANCIAMENTO IRREGULAR DE CAMPANHA ELEITORAL COM PROPINAS, VIA
CONTAS DE SUPERMERCADOS E TRANSPORTADORAS DE VALORES........................194
6.16 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS NA TERCEIRIZAÇÃO DA GESTÃO HOSPITALAR
................................................................................................................................................ 196
6.17 DESVIO DE RECURSOS DE FUNDOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR...........198
6.18 DESVIO DE RECURSOS DE PREFEITURAS POR MEIO DE DESAPROPRIAÇÕES. 199
6.19 EM LICITAÇÕES EM ENTIDADE PARAESTATAL.........................................................201
6.20 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS E LAVAGEM DE DINHEIRO EM OPERAÇÕES DO
PRONAF................................................................................................................................. 202

7 PESSOAS OBRIGADAS................................................................................................205

8 RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA.........................................................210


8.1 JURISPRUDÊNCIA DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A UTILIZAÇÃO
DO RIF EM INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS............................................................................211

PARTE III – ROTEIROS PARA CONFECÇÃO DE PEÇAS

1 QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO.................................................................................217

2 QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO...............................................................221

3 ALIENAÇÃO ANTECIPADA...........................................................................................228
APRESENTAÇÃO

O crime não deve, do ponto de vista econômico, compensar. Em um


Estado Democrático de Direito é imprescindível a existência de instrumental jurídico e o
funcionamento adequado de órgãos de persecução penal para prevenir e atacar a fruição de
lucros derivados de atividades ilícitas.

Assim não o sendo, o gozo de tais dividendos terá o potencial de afetar


as próprias bases do Estado de Direito. Primeiro, porque uma sistemática leniência para com
os ganhos financeiros obtidos a partir de ações ilegais acabará, em alguma medida,
contaminando a confiança da sociedade na lei e fomentando a reiteração de práticas
delituosas.1 Em segundo lugar, surgem os riscos de impactos macroeconômicos,
considerando que o aporte de significativos recursos de origem criminosa no mercado pode
vir a distorcer o seu livre funcionamento, estabelecendo vantagens indevidas em favor
daqueles que se valem de recursos espúrios para financiar atividades aparentemente lícitas.
Por último, a omissão de enfrentar eficientemente os ganhos derivados de práticas ilícitas cria
condições para que criminosos se infiltrem no setor público e, por conseguinte, na esfera
política. Essa combinação de poder econômico e político afeta os mais comezinhos pilares
democráticos. Nestas condições, os critérios orientadores das decisões do Estado buscarão
manter o status quo e avançar pautas políticas no interesse daqueles que se beneficiam,
direta e indiretamente, de uma sociedade e de uma economia contaminada, doente,
criminosa.2

Para evitar um cenário tão negativo e na busca de um padrão


internacional de prevenção e combate ao branqueamento de capitais – técnica indispensável
para que a mancha da ilicitude seja ofuscada dos bens/valores obtidos mediante práticas

1 Para uma perspectiva psicológica sobre as razões pelas quais as pessoas observam as regras e as
decisões emanadas pelas autoridades, por todos: TYLER, Tom R. Why people obey the law.
Princeton University Press, 2006; TYLER, Tom R. Procedural justice, Legitimacy, and the Effective
Rule of Law. Crime and justice, vol.30 (2003), pp.283-357. University of Chicago Press.
2 Exemplo da infiltração de interesses escusos nos órgãos que deveriam representar os interesses da
população foi a reação do sistema político italiano às investigações da chamada “Operação Mãos
Limpas”, Sobre a “Operação Mãos Limpas”: BARBACETTO, Gianni; GOMEZ, Peter; TRAVAGLIO,
Marco. Operação Mãos Limpas. Citadel, 2016. Para uma comparação da experiência italiana com o
caso brasileiro conhecido por “Operação Lava Jato” indispensável citar o trabalho de CHEMIM,
Rodrigo. Mãos Limpas e Lava Jato. A corrupção se olha no espelho. Citadel, 2017.

5
ilícitas – dentre as Recomendações do GAFI (Grupo de Ação Financeira) 3 destaca-se a
necessidade da adoção de:

medidas legislativas, para permitir que suas autoridades competentes possam


congelar ou apreender e confiscar, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-
fé: (a) bens lavados, (b) produtos ou instrumentos usados ou com a intenção de
que fossem usados em crimes de lavagem de dinheiro ou crimes antecedentes, (c)
bens que sejam produtos, ou que tenham sido usados, ou com a intenção de que
fossem usados ou alocados para uso no financiamento do terrorismo, de atos ou
de organizações terroristas, ou (d) bens de valor equivalente.
Tais medidas devem incluir autoridade para: (a) identificar, rastrear e avaliar bens
que sejam sujeitos a confisco; (b) adotar medidas cautelares, tais como bloqueio e
apreensão, para prevenir quaisquer negociações, transferência ou alienação de
tais bens; (c) tomar medidas para prevenir ou eliminar ações que prejudiquem a
capacidade do país de bloquear e apreender ou recuperar bens que estejam
sujeitos ao confisco; e (d) adotar medidas investigativas apropriadas.
Os países deveriam considerar a adoção de medidas que permitam o confisco de
tais produtos ou instrumentos sem que seja exigida a condenação criminal prévia
(nonconviction based forfeiture), ou que exijam que os criminosos demonstrem a
origem lícita dos bens supostamente passíveis de confisco, desde que tal
exigência esteja de acordo com os princípios de sua lei doméstica. 4

No Brasil, é o confisco o instituto de direito (penal) material que confere


o principal mote para evitar a fruição de patrimônio oriundo de crime, e também para evitar a
utilização desse patrimônio para financiar novas atividades ilícitas. 5 Além de previsto no art.
5º, inciso XLVI, da Constituição Federal e na parte geral do Código Penal brasileiro, seja
como um efeito da condenação (art. 91, inciso II), ou na muitas vezes negligenciada pena
restritiva de direitos de perda de bens e valores (art.43, II), a legislação penal brasileira
dispõe, também, de modalidades especiais de confisco. 6

Ocorre que a sociedade moderna, com suas relações fluidas e


atemporais, criou também as condições para o aperfeiçoamento das práticas criminosas e
dos mecanismos de proveito de seus lucros, desafiando os órgãos de persecução na tarefa
de buscar evidências para responsabilizar seus autores e impedir que usufruam de seus

3 A respeito do GAFI: DE CARLI, Carla Veríssimo. O Sistema Internacional Antilavagem de Dinheiro. In:
Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. pp.27-37.
4 Recomendação nº 4, do GAFI, disponível em: http://www.fatf-
gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF-40-Rec-2012-Portuguese-GAFISUD.pdf.
Acesso em: 12 de novembro de 2017.
5 Roteiro de atuação: persecução patrimonial e administração de bens – Ministério Público Federal.
Disponível em: http://intranet.mpf.mp.br/areas-tematicas/camaras/criminal/publicacoes/roteiro-de-
atuacao-persecucao-patrimonial/. Acesso em: 12 de novembro de 2017.
6 Vide as figuras do art.7º, inciso I, da Lei nº 9.613/98, do art.63, da Lei nº 11.343/2006 e do art.25, da
Lei nº 9.605/98.

6
ganhos ilícitos. Neste contexto, mecanismos de lavagem de capitais são constantemente
aperfeiçoados e novas investigações revelam o emprego de técnicas até pouco tempo
desconhecidas. Assim é que o confisco em sua modalidade tradicional, ao exigir comprovação
da relação entre o valor/bem a ser confiscado e a conduta típica objeto da condenação
criminal, tornou-se figura por vezes insuficiente para enfrentamento desses novos modelos de
criminalidade organizada, considerando a profissionalização da atividade de dissimulação da
origem ilícita de bens.7

Seguindo padrões e recomendações internacionais para o


enfrentamento desta realidade, a Lei nº 12.694/2012 introduziu no Brasil a figura do confisco
por equivalente (art.91, §1º e §2º, do CP), dispensando justamente a dificultosa prova direta
da relação entre o crime objeto da condenação e o valor/objeto a ser confiscado, alcançando
a ablação tanto o acréscimo patrimonial ilícito, como as vantagens que o condenado tenha
obtido com a prática da infração penal.

Todas essas figuras, entretanto, tem como pressuposto prévio uma


sentença condenatória penal, ou seja, quando a persecução penal, por qualquer motivo, não
for exitosa, a legislação brasileira não dispõe, genérica e expressamente, de uma figura
jurídica que permita alcançar o patrimônio de provável origem ilícita. 8 Esta justamente a
intenção de uma das propostas apresentadas no PL nº 4850/2016 (conhecido como “As 10
Medidas Contra a Corrupção), que visava introduzir o chamado confisco alargado no art.91-A,
do Código Penal e a ação civil de extinção de domínio, inspirada na figura do asset forfeiture
do Direito anglo-saxão.9

Para além do instrumental de natureza penal, a Lei nº 8.429/92 comina,


dentre as sanções aplicáveis àquele condenado pela prática de ato de improbidade
administrativa, a perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o

7 Analisando a transição dos modelos clássicos/locais de criminalidade organizada para a criminalidade


organizada transnacional, ALBANESE, Jay S. Organized Crime: from the mob to transnational
organized crime. Seventh Edition. Routledge. 2015.
8 É diverso entendimento de MORO, para quem, no Direito brasileiro, o confisco “pode ser aplicado
independentemente de prévia condenação criminal”. MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de
dinheiro, São Paulo: Saraiva, 2010. p.170.
9 Quiçá, a determinação do art.7º, inciso I da Lei nº 9.613/98 de que serão perdidos todos os bens
relacionados, ainda que indiretamente, aos crimes dispostos naquela lei, é tida, como uma forma de
confisco alargado para os casos de lavagem de dinheiro, autorizando o confisco sempre que o
interessado não comprove a licitude da origem do bem (art.4º, §2º, da Lei nº 9.613/98). Sobre

7
ressarcimento integral do dano (artigo 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92). 10

Acrescente-se, ainda, que tanto no âmbito processual penal como na


LIA estão previstos instrumentos cautelares reais, visando: i) instrumentalizar o confisco –
como o sequestro do art.125, CPP; ii) resguardar a reparação do dano – é o caso da hipoteca
legal e do arresto, que podem atingir, inclusive o patrimônio lícito do agente, nos termos do
art.140, do CPP; iii) assegurar a recomposição patrimonial positiva (na perspectiva de
recomposição do dano causado ao erário) e negativa (no sentido de retirada do patrimônio do
ímprobo), representadas pelas medidas cautelares patrimoniais de indisponibilidade de bens
do artigo 7º e a figura do sequestro do artigo 16, ambos da Lei nº 8.429/92. Outras
providências de natureza cautelar também são encontradas na legislação processual penal
especial.11

Porém, é preciso que essas ferramentas de trabalho sejam (bem)


empregadas e, para tanto, os órgãos de persecução encarregados de prevenir e apurar
condutas ilícitas necessitam desenvolver métodos capazes de revelar os aspectos financeiros
das condutas criminosas, superando os obstáculos sempre encontrados nesta árdua tarefa. 12

É neste contexto, portanto, que o Centro de Apoio Operacional das


Promotorias Criminais, do Júri e de Execuções Penais, apresenta o material que segue, como
10 Há respeitável entendimento doutrinário de que o artigo 3º, da Lei nº 8.429/92 autoriza inclusive que
bens de terceiros também sejam passíveis de perda, ainda que não se trate de patrimônio
pertencente a agentes públicos, mas de particulares que tenham, de alguma forma, se beneficiado
dos atos ímprobos. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.464.
11 São exemplos o art.60, da Lei nº 11.343/2006 e o art.4º, da Lei nº 9.613/98.
12 ZINCANI indica circunstâncias que tornam especialmente difícil o enfrentamento desta criminalidade
econômica organizada: “a) falta de percepção social do dano já que entre a consequência econômica
do delito e oi comportamento ilícito existe apenas uma relação indireta, não facilmente demonstrável;
b) a extrema complexidade e o tecnicismo da matéria regulada pelas Leis especiais, conhecidas
somente por órgãos de polícia especializada e poucos Promotores e Juízes; c) o poder dos grupos
dominantes capazes de influir sobre o controle da justiça através de ações de corrupção e também
mediante atividade de defensores altamente especializados; d) a particular situação em que se
encontram as vítimas. Enquanto normalmente os delitos que constituem violência física entre autor e
vítima, a criminalidade econômica se realiza através de uma atividade que não constitui uma
agressão direta; e o autor do crime não entra em relação pessoal direta com a vítima; e) a falta de
estigmatização. A consciência coletiva identificou o estereótipo do agente criminoso como alguém
diferente, como um sujeito antissocial, perigoso, ao qual se correlacionam situações patológicas; mas
no que corresponde ao agente da criminalidade econômica, as vítimas são indiferentes ou até
benevolentes; f) a prospectiva de um sistema penal voltado à proteção da ordem preestabelecida, da
qual a criminalidade econômica é parte integrante e funcional”. ZINCAVI, Vito. La criminalità
organizzata: strutture criminale e controllo sociale. Bologna: Editrice Clueb, 1989, p.112-113. Apud
MENDRONI, Marcelo Batoluni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2016. p.59-60.

8
parte de um amplo projeto de capacitação dos membros do Ministério Público do Estado do
Paraná em suas atividades investigativas, desta feita com o intuito de estimular uma cultura
de produção de investigações financeiras (e patrimoniais), voltadas a:

(a) identificar os produtos e proveitos do crime, rastreando ativos e iniciando o


confisco cautelar por meio de sequestros ou indisponibilidades; (b) iniciar uma
investigação sobre lavagem de dinheiro; (c) descobrir a estrutura econômica e
financeira da organização criminosa investigada; (d) romper redes de contatos
transnacionais; (e) acumular conhecimento sobre eventuais parceiros da
empreitada; (f) evidenciar a existência de interpostas pessoas, empresas de
fachada, novos fatos delitivos e novas fontes de prova; (g) facilitar a descoberta de
pessoas físicas e jurídicas que participaram do iter criminoso, conspiraram para a
prática delitiva ou promoveram a lavagem de seu produto; (h) viabilizar a
identificação dos líderes da organização criminosa, que, embora possam ser
desconhecidos pelo agente que pratica o verbo típico, invariavelmente figuram
como beneficiários dos lucros da empreitada; (i) dar uma resposta imediata à
sociedade e ao mercado; (j) criar inteligência para outros casos; (k) constituir fator
de motivação para a pactuação de acordos de colaboração premiada. 13

A primeira parte fará um apanhado sistematizado e objetivo dos


principais instrumentos legais de persecução patrimonial no Direito brasileiro. A segunda parte
trará aspectos teóricos e práticos para a execução de uma investigação financeira (e
patrimonial). A terceira e última parte trará, a título meramente ilustrativo, algumas peças que
podem servir como referência aos membros do Ministério Público, sempre ressaltando a
necessidade de sua releitura e reestruturação ante os fatos dos casos concretos.

Além do encaminhamento via e-mail a todos os membros do MPPR


este material estará disponível na página do CAOP, com o compromisso de sua equipe no
constante aperfeiçoamento e atualização de conteúdo.

Boa leitura!

Curitiba, novembro de 2017.

Equipe do Centro de Apoio Operacional das Promotorias


Criminais, do Júri e de Execuções Penais.

13 Roteiro de atuação: persecução patrimonial e administração de bens – Ministério Público Federal.


Disponível em: http://intranet.mpf.mp.br/areas-tematicas/camaras/criminal/publicacoes/roteiro-de-
atuacao-persecucao-patrimonial/. Acesso em: 12 de novembro de 2017.

9
PARTE I –

FIGURAS JURÍDICAS DE
PERSECUÇÃO PATRIMONIAL

10
1 CONFISCO

1.1 O OBJETIVO FINAL DA PERSECUÇÃO PATRIMONIAL: OS PRINCIPAIS


INSTRUMENTOS DE CONFISCO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Dispositivo Natureza
Espécie Objeto Requisitos
Legal Jurídica
Confisco Art. 91, inciso Efeitos Instrumentos Investigação patrimonial
genérico II, do Código genéricos da ilícitos do demonstrando que os bens
Penal sentença crime; a serem confiscados são
condenatória produto e resultado da conduta típica
(automáticos) proveito do (produto); tem origem em
* A crime ganhos decorrentes do delito
efetividade do (proveito); ou foram usados
confisco do como meio para a realização
proveito do da conduta típica
crime (instrumentos)
depende de
indicação, na
sentença, dos
bens a serem
afetados
Confisco- Art.43, II, do Pena Expropriação Prévia condenação a pena
pena Código Penal restritiva de do patrimônio privativa de liberdade inferior
direitos lícito do a 4 anos, substituindo-se a
condenado, prisão pela ablação de bens
em proporção e investigação patrimonial
ao prejuízo acerca dos efeitos
estimado econômicos do crime ou da
causado pelo situação patrimonial do réu
crime OU
montante
provável do
proveito
obtido (art.45,
§3º)
Confisco por Art.91, §1º, Efeitos Acréscimo Afasta-se a necessidade de
equivalente §2º, do genéricos da patrimonial prova da correlação entre a
Código Penal sentença lícito coisa/valor confiscado e a

11
condenatória decorrente do conduta típica, bastando que
(automáticos) crime em não a investigação patrimonial
* A sendo demonstre o montante
efetividade do localizados o acrescido ilicitamente ao
confisco do produto ou o patrimônio do réu com a
proveito do proveito do prática da infração penal, ou
crime crime OU em por meio de negócios
depende de estando estes realizados com o seu
indicação, na no exterior produto. Abrange, ainda, a
sentença, dos perda de valores que
bens a serem tenham beneficiado o
afetados imputado, ainda que não
incorporados ao seu
patrimônio (ex. Despesas
com viagem pagas a título
de propina para funcionário
público).
Confisco Art.7º, I, c/c Efeito da Bens Condenado o réu pela
alargado art.4º, §2º e sentença submetidos a prática do crime de lavagem
especial Art.4º-A, condenatória medida de dinheiro, o confisco do
(lavagem de §10º, III, pela prática cautelar em bem submetido a medida
dinheiro) todos da Lei do crime de ação penal assecuratória
nº 9.613/98 lavagem de por lavagem POSIÇÃO 1: depende de
dinheiro de dinheiro prova do MP de que se trata
(art.4º, da Lei de bem/valor instrumento,
nº 9.613/98) produto ou proveito da
infração penal de lavagem
ou do crime antecedente14
POSIÇÃO 2: depende de
prova do réu de que o
bem/valor possui origem
lícita15
Confisco de Art.243, Efeito da Instrumentos Condenação pela prática do
instrumentos, parágrafo sentença (ainda que a crime de tráfico de drogas e
bens/valores único da condenatória posse seja, correlação entre o bem
14 “(…) a lei apenas permite ao juiz postergar a plena valoração das provas produzidas para outro
momento da ação penal. Enquanto não satisfeita a exigência legal de comprovação da licitude da
origem dos bens, direitos e valores, e enquanto o sequestro ou apreensão do patrimônio interessar ao
processo, a eficácia da medida cautelar será mantida até que seja proferida a decisão de mérito do
processo principal. Totalmente diversa será a postura do juiz na fase final do processo, em que
deverá apreciar e valorar as provas produzidas no curso da ação penal. (…) para o efeito de prolação
de sentença condenatória e de decretação de perda definitiva do patrimônio arrestado ou apreendido,
não basta apenas a existência de indícios da ilicitude do patrimônio, Imprescindível é comprovar a
origem ilícita dos bens, direitos e valores que sejam resultado ou produto de infração penal
antecedente da qual derive o crime de lavagem”. BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e
obrigações civis correlatas. 3. ed. RT, São Paulo, 2012, p.234.
15 Essa a posição de MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro, São Paulo: Saraiva,
2010.

12
apreendidos Constituição pela prática por si só, apreendido e o tráfico de
em Federal e do crime de lícita), bens drogas, sem a necessidade
decorrência artigos 61 a tráfico de ou valores de se perquirir habitualidade,
do tráfico de 63, da Lei nº drogas apreendidos reiteração do uso do bem
drogas 11.343/2006. em para tal finalidade, a sua
decorrência modificação para dificultar a
do tráfico de descoberta do local ou do
drogas acondicionamento da droga,
ou qualquer outro requisito.16
Confisco dos Art.7º, da Lei Efeito da Instrumentos, Condenação pela prática do
instrumento nº 9.613/98 sentença ainda que a crime de lavagem de
do crime de condenatória posse seja, dinheiro e correlação entre o
lavagem de do crime de por si só, bem apreendido e a
dinheiro lavagem de lícita, lavagem
dinheiro utilizados na
prática de
crime de
lavagem de
dinheiro
Confisco dos Art.25, da Lei Efeito da Instrumentos, Condenação pela prática de
instrumentos nº 9.605/98 sentença ainda que a crime ambiental e correlação
de crimes condenatória posse seja, entre o bem apreendido e o
ambientais pela prática por si só, delito
de crime lícita,
ambiental utilizados na
prática de
crime
ambiental

1.2 NOÇÕES GERAIS

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - (BRASIL. Ministério Público


Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Roteiro de
Persecução Patrimonial e Administração de Bens. Brasília: MPF,
2017)

A palavra “confisco” às vezes parece ser tratada como se estivesse


impregnada de conotação pejorativa, tanto no Brasil quanto em alguns outros países.
16 STF, Recurso Extraordinário (RE) 638491, Rel. Min. Luiz Fux. j. em 17.05.2017.

13
Prefere-se “perda de bens”, “perdimento de bens” ou simplesmente “perdimento”, como
se a natureza das coisas fosse diversa. A rigor, não é.

O confisco, em acepção mais ampla e própria, refere-se à


expropriação de bens e à subsequente atribuição destes ao Estado em razão da prática
de crimes. Essa compreensão básica do termo confisco tem correspondência em
institutos de mesma denominação previstos no direito internacional e no direito
comparado – institutos que têm a referida função de expropriação motivada pela prática
de crimes, em que pesem diversas variações de regimes jurídicos nas legislações
estrangeiras.

A rejeição à expressão “confisco” parece ter relação com a histórica


utilização do termo para designar a ablação, em favor do erário, de todo o patrimônio de
um indivíduo condenado pela prática de crime, sem qualquer correlação entre os bens
expropriados e o ato ilícito praticado. O confisco servia, nessa configuração, para que o
Estado arrecadasse todo o patrimônio do condenado, independentemente de direitos de
familiares ou da relação desse patrimônio com o delito reconhecido na condenação. A sua
função primeira era garantir receita para o Estado. Não por acaso a palavra confisco tem
origem do verbo latino confiscare, que, por seu turno, é derivado do termo fiscus, o qual
textualmente corresponde a um cesto de vime utilizado para recolher dinheiro, que daí
passou a designar o tesouro imperial. 17

A Constituição da República Federativa do Brasil cita textualmente


confisco em duas hipóteses: para vedar a instituição de tributo com tal efeito (art. 150, VI)
e para determinar a expropriação de todo e qualquer bem apreendido em decorrência do
17 Registra-se na doutrina, inclusive, que a origem do Ministério Público moderno tem relação com o
confisco. O Ministério Público francês do início do século XIX, criado, sob Napoleão, como órgão
público de acusação criminal, é apontado como antecedente histórico da atual configuração da
instituição no mundo – a qual tem como traço distintivo essa função de acusador criminal público.
Mas esse Ministério Público francês do século XIX era derivado de uma outra magistratura existente
há muito mais tempo naquele país e que tinha, inclusive, correspondentes em outras nações, entre as
quais Portugal. Trata-se dos “procuradores do rei”, mencionados na legislação francesa pelo menos
desde o século XIV. Os procuradores do rei franceses e os correspondentes de outras nações
(“procuradores da coroa” em Portugal) exerciam funções fiscais, de arrecadação. O interesse do
Estado (rectius: do soberano) na arrecadação das sanções pecuniárias e dos confiscos associados
às condenações penais levou os procuradores do rei a atuar em processos criminais. Essa atuação
induziu depois à incorporação da função moderna de acusador público pela magistratura dos
procuradores do rei.

14
tráfico ilícito de entorpecentes e da exploração de trabalho escravo (parágrafo único do
art. 243, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 81/2014). Esses dispositivos
ratificam que o constituinte brasileiro identifica a expressão confisco com a expropriação
de todo o patrimônio do indivíduo, conforme os antecedentes históricos antes citados, o
que, porém, não corresponde à compreensão contemporânea do instituto.

Em linhas gerais, atualmente está afastada essa forma ampla e


desproporcional de confisco, em atenção aos primados do Estado Democrático de Direito
e aos direitos humanos. Sem embargo, parece adequado, para fins de correspondência
internacional, designar também como “confisco”, e não apenas “perda de bens” ou
“perdimento de bens”, os atos jurídicos que têm a função de expropriar bens e atribuí-los
ao Estado em razão da prática de crimes.18 Ou seja, “perda de bens”, “perdimento de
bens”, “perdimento” e “confisco” podem ser tratados como sinônimos. Essa é a
perspectiva adotada neste manual.

Em outras palavras, são formas de confisco o efeito da condenação


do inciso II do art. 91 do Código Penal e os perdimentos de bens e valores relacionados
direta ou indiretamente com a prática de crimes previstos em leis especiais (art. 7º, inciso
I, da Lei nº 9.613/1998; art. 63 da Lei nº 11.343/2006). Ademais, trata-se de confisco a
“perda de bens” referida na alínea “b” do inciso XLVI do art. 5º da Constituição da
República, e a correspondente pena restritiva de direitos do inciso II do art. 43 do Código
Penal19.

Nessa perspectiva, portanto, a ideia central do confisco é a


subtração de bens pertencentes a um indivíduo pelo Estado, com subsequente atribuição
18 Os países de língua espanhola preferem o emprego da palavra decomiso em vez de confiscación,
haja vista a compreensão de que a expressão confisco implica expropriação arbitrária da propriedade.
Já o de comiso, seja administrativo, seja judicial, implica expropriação decorrente de ato ilícito,
distinguindo-se da desapropriação que seria a perda da propriedade, mediante compensação
financeira, em função de interesse ou utilidade pública. O Direito Italiano, por seu turno emprega a
expressão confisca, correspondente a confisco em português; enquanto o direito anglo-saxão prefere
a expressão asset forfeiture, que equivaleria, no vernáculo, à expressão perdimento de bens.
19 Sobre isso, aliás, Alceu Corrêa Júnior sustenta que “[a] pena de perda de bens e valores identifica-se
com a pena de confisco parcial de bens, não havendo motivos para se evitar a comparação ou forçar
distinções de natureza formal. Substancialmente, a perda de bens implica a transferência de bens de
propriedade do condenado ao Estado, ou seja, confisco de bens. Trata-se, portanto, de cominar e
aplicar o confisco de bens como sanção penal” (CORRÊA JÚNIOR, Alceu. Confisco penal: alternativa
à prisão e aplicação aos delitos econômicos. São Paulo: IBCCRIM, 2006, p. 139. Monografia 37).

15
desses bens ao patrimônio público, como consequência da prática de um crime ou de
atividade ilícita ou perigosa. O confisco (ou a perda de bens) assim compreendido é
instituto tradicional e universal, ligado às próprias origens do direito penal contemporâneo.

Os parâmetros e objetivos desse instituto têm sido remodelados com


vista ao combate à criminalidade econômica e organizada 20. Há, conforme já se indicou
na introdução, uma tendência contemporânea de renovação e de adaptação nessa seara.
O confisco vem sendo preconizado, sob novas configurações, como instrumento
alternativo de combate à criminalidade organizada e aos delitos econômicos – sobretudo
por meio da sua admissão mediante parâmetros de prova diversos dos necessários para
uma condenação criminal, e até mesmo prescindindo de persecução criminal para que
seja decretado. Essa tendência pode ser constatada, inclusive, na previsão em tratados e
em fóruns internacionais de formas e de parâmetros novos de confisco 21.
20 YOUNG, Simon N. M. Introduction. In: YOUNG, Simon N. M. (Ed.). Civil forfeiture of criminal property:
legal measures for targeting the proceeds of crime. Cheltenham, UK; Northampton, USA: Edwar Elgar,
2009: “Modern forfeiture laws are concerned not só much with punishing individuals for their past
wrongs but with achieving specific criminal justice objectives including disgorging offenders of their il-
gotten gains, disabling the financial capacity of criminal organizations, and compensating victims of
crime. These laws respond to the increasing sophistication of profit-motivated crime that transcends
borders and uses every innovative means to ofuscate the trail of criminal income. In modern societies
such laws will typically have procedural and substantive safeguards that protect due process interests
and legitimate property rights of individuals”.
21 Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de
Viena), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 154/1991: art. 5, em especial, os itens 6 (confisco por
equivalente) e 7 (inversão do ônus da prova), redigido o último nesses termos “cada Parte
considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem lícita do suposto
produto ou outros bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível com os princípios
de direito interno e com a natureza de seus procedimentos jurídicos e de outros procedimentos”.
Também a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em
Nova Iorque, em 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), promulgada no Brasil pelo
Decreto nº 5.015/2004: art. 12, em especial os itens 3/4 (confisco por equivalente) e 7 (inversão do
ônus da prova), este com disposição similar à que está acima transcrita, da Convenção de Viena;
bem como os artigos 13 e 14, com normas sobre cooperação internacional para o confisco e sobre a
destinação dos bens confiscados. Ainda, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção
(Convenção de Mérida), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687/2006, contendo, no art. 31,
determinações a respeito do confisco, com previsão, dentre outros, e nos moldes já citados das
convenções de Viena e de Palermo, de inversão do ônus da prova para viabilizar a expropriação de
bens ligados ao crime (art. 31, item 8: “Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de
exigir de um delinquente que demonstre a origem lícita do alegado produto de delito ou de outros
bens expostos ao confisco, na medida em que ele seja conforme com os princípios fundamentais de
sua legislação interna e com a índole do processo judicial ou outros processos”). Ainda na Convenção
de Mérida, como exemplo, consta no art. 54 a previsão da adoção de formas de confisco
desvinculadas da aplicação de sanção penal (Cada Estado Parte, a fim de prestar assistência judicial
recíproca conforme o disposto no art. 54 da presente Convenção relativa a bens adquiridos mediante
a prática de um dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção ou relacionados a esse
delito, em conformidade com sua legislação interna: [...] c) Considerará a possibilidade de adotar as

16
1.3 CONFISCO COMO PENA SUBSTITUTIVA RESTRITIVA DE DIREITOS

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - (BRASIL. Ministério Público


Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Roteiro de
Persecução Patrimonial e Administração de Bens. Brasília: MPF,
2017)

O confisco como pena restritiva de direitos (art. 43, II, Código Penal)
é destinado a substituir pena privativa de liberdade em certas circunstâncias (art. 44,
Código Penal), pressupondo, por isso, apuração, acusação e condenação prévias pelos
meios ordinários de persecução criminal. Nele não há (não como fim específico)
supressão de ganhos auferidos pelo condenado com o crime, tampouco expropriação de
bens utilizados na prática da infração – diferindo, assim, da perda de bens prevista no art.
91, inciso II, do Código Penal. Como sanção autônoma que visa a substituir pena privativa
de liberdade, o confisco previsto no art. 43, inciso II, do Código Penal implica a
expropriação de patrimônio lícito do condenado, sem origem na prática do delito que
ensejou a decisão condenatória (§ 3º, art. 45, Código Penal – primeira parte).

Os bens e valores objetos dessa pena são destinados ao Fundo


Penitenciário Nacional (ressalvada destinação diversa prevista na legislação especial).
Como sanção criminal, a perda de bens e valores deve guardar proporcionalidade com o
fato típico que ensejou a decisão, observando os limites máximos constantes na parte
final do § 3º do art. 45 do Código Penal (o montante do prejuízo causado pelo crime ou o
montante do proveito obtido pelo agente ou por terceiro, o que for maior).

medidas que sejam necessárias para permitir o confisco desses bens sem que envolva uma pena,
nos casos nos quais o criminoso não possa ser indiciado por motivo de falecimento, fuga ou
ausência, ou em outros casos apropriados). Podem ser citados ainda, sobre o tema, o Projeto StAR,
da Undoc (Nações Unidas) e do Banco Mundial (http://star.worldbank.org/star/) e a (atual)
Recomendação nº 04 do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento
do Terrorismo (Gafi/FATF). Disponível em: <http://www.fatf-
gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF-40-Rec-2012-Portuguese-Port.pdf>.
.

17
Há, portanto, uma obrigatória relação de proporcionalidade entre o
crime e a pena restritiva de direitos de perda de bens e valores. Além disso, pelo caráter
subsidiário dessa sanção, fica ela condicionada ao sucesso da persecução penal comum,
com a prévia condenação do imputado à pena privativa de liberdade inferior a quatro
anos. Portanto, a pena restritiva de direitos em análise é vocacionada a diminuir o
encarceramento em delitos de menor gravidade, substituindo a prisão pela ablação de
bens do condenado (i.e., bens que não seriam produto ou proveito do crime, não tendo
essa pena substitutiva por meta, assim, suprimir os ganhos financeiros decorrentes da
atividade criminosa).

Mesmo assim, a pena restritiva de direitos de perda de bens e


valores (pena de confisco) deve ser considerada como alternativa para alcançar
patrimônio de origem duvidosa e para reprimir delitos que geram prejuízos para a vítima
(notadamente quando a vítima é a Fazenda Pública) e/ou geram vantagem econômica
para o infrator e para terceiros.

Nos diversos crimes que geram ganhos financeiros e/ou prejuízos


para a vítima, mas em que se vislumbra aplicação de pena privativa de liberdade inferior a
quatro anos, com subsequente substituição por pena restritiva de direitos, a acusação
pode, com base em investigação patrimonial, demonstrar ao juízo, ainda na fase de
conhecimento, o montante provável do lucro auferido com o delito, bem como estimar os
prejuízos provocados pela infração (danos diretos e indiretos, lucros cessantes) e indicar
o patrimônio efetivamente controlado pelo acusado (individualizando bens, valores, ativos
financeiros). Tudo para requerer seja aplicada, na substituição de que trata o art. 44 do
Código Penal, pena de perda de bens em montante e de forma compatíveis com os
efeitos econômicos do delito.

Tudo isso, ressalte-se, sem prejuízo da incidência também da perda


de bens prevista no art. 91, inciso II, do Código Penal, a qual, a despeito de alguma
divergência doutrinária, pode ser aplicada cumulativamente com a pena do inciso II do art.
43 do Código Penal. Isso porque a pena do inciso II do art. 43 do Código Penal se destina
a suprimir patrimônio lícito do condenado, ao passo que o confisco como efeito da

18
condenação criminal (art. 91, II, “b”, Código Penal) atinge bens ou valores obtidos em
razão da prática do crime que ensejou essa condenação. Tanto são cumuláveis esses
institutos que o valor da perda de bens do inciso II do art. 43 do Código Penal pode ter por
parâmetro não só o provento obtido com a infração (com o que coincidiria o seu “valor”
com o do confisco da alínea “b” do inciso II do art. 91 do Código Penal), mas também o
prejuízo suportado pela vítima (§ 3º do art. 45 do Código Penal). A destinação dos
referidos confiscos também é diversa: enquanto um é arrecadado para fundo específico
(Fundo Penitenciário Nacional), o outro ingressa como renda genérica da União.

Ou seja, a pena substitutiva do inciso II do art. 43 do Código Penal


pode ser aplicada cumulativamente com o efeito da condenação do inciso II do art. 91 do
mesmo código. Assim, por exemplo, se o parâmetro da primeira for o valor dos proventos
obtidos com o crime, o condenado perderá os bens e valores que sejam produto e
proveito do crime (art. 91, II, “b”, Código Penal), como efeito da condenação, e também
terá suprimido do seu patrimônio lícito montante equivalente aos referidos produto e
proveito, aí como pena restritiva de direitos substitutiva.

Atente-se, porém, que, sem dados acerca dos efeitos econômicos


do crime ou sobre a situação patrimonial do acusado, a pena substitutiva de perda de
bens e valores tende a perder utilidade (não raro remetendo à fase de execução da pena,
com grandes dificuldades de realização, a aferição do montante cabível naquele caso e a
identificação de bens do condenado que possam ser objeto da perda). Porém, uma vez
com provas suficientes acerca dos lucros e dos prejuízos derivados da infração penal e,
especialmente, sobre o patrimônio efetivamente controlado pelo imputado, a pena
restritiva de direitos de perda de bens e valores pode servir como instrumento importante
para reprimir o lucro derivado dos crimes que não geram, pela regra do art. 44 do Código
Penal, sanção privativa de liberdade – evitando, assim, desproporção entre os ganhos
decorrentes do delito e a punição estatal.

Nessa hipótese, a acusação, fazendo prognóstico sobre a incidência


da norma do art. 44 do Código Penal, e com esteio em prévia investigação patrimonial e
em estimativa consistente dos lucros e prejuízos decorrentes da infração, pode requerer

19
ao juízo, ainda antes da sentença, que a pena substitutiva em tela seja aplicada e recaia
sobre determinados bens e valores por ela (acusação) indicados, inclusive sobre quantias
mantidas pelo acusado em instituições financeiras – eventualmente com o uso das
medidas cautelares reais, incidentalmente, para o bloqueio desses bens, valores e
quantias.

A relevância desse levantamento patrimonial prévio para auxiliar na


aplicação da pena substitutiva de confisco (inciso II, art. 43, Código Penal) se verifica
também pela possibilidade de que tal sanção seja estendida aos sucessores do
condenado, até o limite do patrimônio transferido, na forma prevista no inciso XLV do art.
5º da Constituição da República.

Cabe observar, por fim, que a prestação pecuniária prevista no


inciso I do art. 43 do Código Penal, esta também pena restritiva de direitos que substitui
pena privativa de liberdade, não tem natureza de confisco. Na prestação pecuniária, em
vez de decretar na própria sentença o perdimento de bens do condenado, o juiz fixa uma
dívida de valor (salvo a substituição por prestação de outra natureza prevista no § 2º do
art. 45 do Código Penal) a ser por ele, condenado, paga quando da execução penal. O
pagamento da prestação pecuniária depende ainda, portanto, de um ato de vontade do
condenado; ao passo que a perda de bens e valores já enseja a ablação patrimonial como
efeito da própria decisão.

De toda forma, o levantamento dos bens e valores controlados pelo


acusado, por meio de investigação patrimonial, pode ser importante parâmetro para
indicar ao juízo o montante da prestação pecuniária compatível com aquela situação,
observados os parâmetros legais (entre 1 e 360 salários-mínimos, cf. § 1º do art. 45 do
Código Penal) – ressaltando a importância, também para essa pena restritiva de direitos,
da persecução patrimonial.

20
1.4 REGRA GERAL DE CONFISCO: ART. 91, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL –
EFEITO DA CONDENAÇÃO. PERDA DE BENS EM LEIS ESPECIAIS.

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - (BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara


de Coordenação e Revisão, 2. Roteiro de Persecução Patrimonial e
Administração de Bens. Brasília: MPF, 2017)

Como efeito da condenação, e não pena substitutiva, o confisco tem


como regras gerais, no Brasil, as do art. 91, inciso II, do Código Penal. Pode alcançar os
instrumentos, o produto e o proveito do crime (alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 91 do
Código Penal). Nessas regras, materializa-se o confisco como principal instituto apto a
fundamentar a aqui denominada persecução patrimonial.

Como se sabe, o confisco previsto no inciso II do art. 91 do Código


Penal, tradicionalíssimo, tem por objeto, nos termos legais apontados, os instrumentos do
crime que sejam intrinsecamente ilícitos (alínea “a”, inciso II, art. 91, Código Penal) e o
produto e o proveito da infração penal (alínea “b”, inciso II, art. 91, Código Penal).
Ressalva-se o direito do lesado e do terceiro de boa-fé, garantindo-se, assim, que o
confisco não prejudique a reparação do dano causado pelo crime, nem afete
indevidamente o patrimônio de quem não contribuiu para o delito (no último caso,
inclusive para coisas que, em poder do acusado, são ilícitas, mas que têm um terceiro
como titular legítimo – o que pode ocorrer, por exemplo, com armas de fogo).

Quanto à hipótese da alínea “a” do inciso II do art. 91 do Código


Penal, trata-se da perda das coisas materiais utilizadas na execução da conduta típica,
desde que o seu fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. Assim,
pela regra geral da alínea “a” do inciso II do art. 91 do Código Penal, as coisas em si
lícitas (um veículo, v.g.) utilizadas na prática do crime não serão confiscadas.

Embora haja divergência doutrinária, o confisco de instrumentos


ilícitos pode ser decretado em caso de crimes culposos e também em crimes tentados,

21
bem como quando pertençam a um partícipe ou mesmo a um terceiro que não tenha título
legítimo sobre a coisa (não podendo ter o terceiro, nessa hipótese, boa-fé) – até porque,
sendo ilícito o instrumento do crime, o autor do crime, o partícipe ou esse terceiro de má-
fé não podem pretender ficar com a coisa em seu poder. Por isso mesmo, a rigor, se a
coisa em si ilícita é apreendida no curso de investigação criminal ou de ação penal como
possível instrumento de delito, havendo depois, por qualquer razão, absolvição ou
arquivamento do caso, não estará autorizada a restituição ao detentor/possuidor
(ressalvado título legítimo de um terceiro de boa-fé), já que é contrária ao direito a posse
ou o uso da coisa (por exemplo, substâncias entorpecentes, moeda falsa etc.). Assim, as
coisas em si ilícitas apreendidas no curso de persecução criminal serão perdidas ainda
que o caso seja arquivado, sem imputação, ou se ocorrer absolvição ao final do processo
criminal.

Para maior efetividade do confisco dos instrumentos ilícitos do crime,


a acusação deve individualizar a coisa utilizada na conduta típica e, sendo necessário,
demonstrar a sua ilicitude; permitindo com isso que, na sentença condenatória, o juízo
possa decretar a perda dos bens já identificados no processo. A declaração expressa de
perda do bem na sentença, embora seja juridicamente desnecessária, garante efetividade
ao confisco e facilita o seu cumprimento.

Por seu turno, o confisco na modalidade da alínea “b” do inciso II do


art. 91 do Código Penal é propriamente o instituto que tem, por fim, evitar a fruição dos
ganhos econômicos da infração penal.

A norma distingue produto e proveito da infração, determinando o


confisco de ambos. Parte da doutrina separa, ainda, o produto direto do produto indireto
do crime. É conhecido também o conceito de preço do crime, que, embora possa ser
considerado abarcado na noção de proveito, tem tratamento diferenciado na legislação de
alguns países (v.g., Itália).

O produto do crime é a coisa obtida pelo autor como resultado


imediato da conduta típica. A coisa subtraída, a propina recebida, o dinheiro
desviado/apropriado ilicitamente. Como produto indireto entende-se a coisa originada de

22
especificação (joia feita com ouro roubado) ou transformação imediata do objeto do crime.

Já o proveito do crime é a coisa, ou o valor, obtida pelo agente


mediante alienação ou outros negócios criados/financiados com o produto do crime.
Assim, rendas de empresas, lucros de investimentos financeiros e outras formas de
riqueza que tenham origem em produto de crime (empresa constituída com dinheiro
oriundo de crime, investimentos decorrentes de propina etc.) são passíveis de confisco na
forma da alínea “b” do inciso II do art. 91 do Código Penal 22.

Os tratados internacionais que abordam a matéria preconizam o


bloqueio de bens lícitos que tenham sido mesclados/misturados com o produto/proveito
de crime; mas limitado o perdimento, ao final do processo, ao montante de origem
criminosa.

Há discussão sobre se resultados econômicos extraordinários


obtidos com o produto do crime seriam alcançados pelo confisco (como exemplo, cita-se
o prêmio de loteria cujo bilhete fora adquirido com o produto do crime). Mas, na prática e
na quase totalidade das situações reais, pode-se afirmar que toda a riqueza e patrimônio
que tenham sido originados de atividade criminosa são passíveis de confisco (inclusive o
bem de família, conforme o inciso VI do art. 3º da Lei nº 8.009/1990), pois do contrário se
admitirá a fruição de benefícios econômicos provenientes de delito.

O inciso I do art. 7º da Lei nº 9.613/1998 (alterado pela Lei nº


12.683/2012), reforçando a diretriz acima exposta a respeito da extensão do conceito de
proveito do crime, determina o confisco de todos os bens e valores relacionados direta ou
indiretamente com a prática dos crimes de lavagem de dinheiro, explicitando o alcance
amplo do perdimento dos resultados econômicos de tais delitos 23. A citada regra da lei
22 A obtenção de proveito do crime mediante aplicação do produto, assim, muitas vezes pode configurar
lavagem de dinheiro, na forma do art. 1º da Lei nº 9.613/1998. De qualquer forma, os ganhos obtidos
com o produto do crime podem ser considerados, para fins de confisco, como proveito da infração
penal (que seria a antecedente do crime de lavagem) independentemente de uma acusação pelo
referido tipo da Lei nº 9.613/1998.
23 Sobre o tema, vale registrar a lição de DE CARLI, Carla Veríssimo. Avaliando o nexo entre a infração
penal antecedente e o crime de lavagem de dinheiro: o que significa. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;
CAPARRÓS, Eduardo Fabián; GARCÍA, Nicolás Rodríguez (Org.). Lavagem de capitais e sistema
penal - contribuições hispano-brasileiras a questões controvertidas. Porto Alegre: Verbo Jurídico
Editora, 2014, p. 28: “A fim de ampliar o alcance da lei de lavagem de dinheiro, a Lei nº 12.683/2012
modificou a redação do inciso I do artigo 7 da Lei nº 9613/1998 (que, na redação anterior, previa

23
especial de branqueamento de capitais autoriza o confisco até mesmo dos bens
oferecidos para prestar fiança, no que efetivamente amplia as possibilidades do
perdimento já autorizado pelo Código Penal. No mais, contudo, a noção de proveito do
crime, albergada pela norma geral codificada, afigura-se idônea para permitir o
perdimento de qualquer bem que seja indiretamente derivado da prática de crime, da
mesma forma que o mencionado inciso I do art. 7º da Lei nº 9.613/1998 (não se analisa,
neste momento, a consequência da referida norma especial em relação aos instrumentos
do crime de lavagem de dinheiro, que, pela norma especial, podem alcançar coisas em si
lícitas, diferentemente do que ocorre no regime do Código Penal).

Assim, o confisco dos produtos e do proveito do crime deve alcançar


todas as vantagens patrimoniais que o agente obteve por decorrência da infração penal,
fazendo com que tal agente esteja em situação patrimonial o mais aproximada possível
da que existiria se ele não tivesse praticado o delito.

Quanto ao proveito do crime (ou quanto aos bens e valores


relacionados indiretamente com a prática de crime), é preciso estar atento, porém, para a
dificuldade de estabelecer a relação entre a riqueza controlada pelo imputado e o produto
da infração – a requerer investigação patrimonial, a cargo da acusação.

Já o preço do crime, que está compreendido na noção de proveito


na legislação penal brasileira, refere-se aos bens e valores recebidos pelo autor para ou
por praticar a conduta típica (bens e valores dados ou prometidos para que se cometa o
apenas a perda dos bens, direitos e valores objeto do crime de lavagem de dinheiro) para incluir
todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática do crime de lavagem
de dinheiro, como um efeito adicional da condenação. A expressão é muito ampla e não deixa
dúvidas: poderão ser sequestrados ou arrestados e posteriormente alienados ou perdidos o produto e
o proveito da infração penal antecedente, o produto e o proveito da lavagem de dinheiro, os bens
substitutivos dos havidos inicialmente com a prática da infração antecedente, os ganhos obtidos com
a sua prática, o preço do crime, os instrumentos da lavagem de dinheiro. Somam-se a esse quadro
normativo as disposições dos parágrafos 1º e 2º do artigo 91 do Código Penal, introduzidos pela Lei
nº 12.694/2012 (depois da alteração da lei de lavagem, portanto), que autorizam a perda dos bens ou
valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando
se localizarem no exterior – fato comum, quando a lavagem do dinheiro é transnacional. Para garantir
a perda dos bens equivalentes como efeito da condenação, será necessário garanti-los previamente
no curso da investigação ou da ação penal, através das medidas assecuratórias de sequestro (art.
127 do CPP). Do exame dos dispositivos antes mencionados, percebe-se que o legislador brasileiro,
além de estender o âmbito de aplicação da lei de lavagem de dinheiro a todo e qualquer delito de
onde provenham bens e valores, ampliou consideravelmente o alcance das medidas assecuratórias e
a possibilidade de perdimento, em razão da condenação pelo crime de lavagem de dinheiro”.

24
crime; retribuição dada pela prática do delito). O preço do crime, portanto, não seria a
coisa nem o valor obtidos com a conduta típica em si (produto do crime), e nem bens ou
riquezas gerados da aplicação/negociação do produto do crime (proveito em sentido
estrito); mas sim os bens ou valores recebidos como motivação para a prática do delito
(pagamento prometido ao homicida pela prática do crime; preço dos “serviços” do
falsificador de documentos etc.). Pelas mesmas razões antes assinaladas, não só o
próprio objeto/valor que constitui o preço do delito é passível de confisco, mas também a
riqueza que tenha sido gerada com ele.

Aqui também se percebe a importância da produção de provas


(investigação patrimonial) pela acusação: demonstrar que aqueles bens e valores foram
obtidos pelo agente como contraprestação pela prática de um crime, ou como riqueza
gerada com essa contraprestação.

Esclarecidas as linhas gerais dos conceitos básicos de produto e de


proveito do crime, cabe ponderar que, na prática, essa distinção teórica muitas vezes é
insuficiente. Não raro é difícil distinguir o que seja produto, proveito, preço ou mesmo
instrumento do crime, especialmente em casos que envolvam também operações
financeiras que constituam lavagem de capitais. Talvez por isso, como já se registrou, a
Lei nº 9.613/1998 (art. 7º, I) prevê o perdimento de todos os bens relacionados direta ou
indiretamente com o crime de lavagem ou com a infração penal antecedente, evitando os
conceitos de produto, proveito e instrumento do crime e esclarecendo a verdadeira
extensão do perdimento (válida em qualquer hipótese, anota-se: deve alcançar todo o
patrimônio que tenha origem em conduta penalmente típica).

As modalidades de confisco tratadas no Código Penal como “efeitos


genéricos” da condenação criminal (art. 91, inciso II) prescindem, para a sua aplicação, de
menção específica no dispositivo da sentença/acórdão. Uma vez condenado o acusado e
transitada em julgado a decisão, os instrumentos ilícitos do crime e o produto e o proveito
da infração estão automaticamente confiscados, independentemente de referência
expressa na decisão, abrindo ensejo às medidas judiciais cabíveis para a execução do
julgado.

25
Contudo, especialmente no que concerne ao proveito de infração
criminal, a efetividade do confisco, na prática, está condicionada à expressa declaração,
na sentença, dos bens afetados. Veja-se que não há previsão legal de um procedimento
específico para a identificação desses bens após a condenação criminal. Assim, nos
casos em que o bem a ser confiscado, sendo proveito do ilícito, decorre de negócios
realizados pelo acusado com o produto do crime, será difícil efetivar a ablação com esteio
apenas na sentença condenatória, sem uma declaração judicial que vincule o bem ou o
valor a ser confiscado com a prática anterior da infração penal.

Basta imaginar a aplicação de propina recebida por funcionário


público corrupto em negócios lícitos que geram renda, com a qual são adquiridos outros
bens. A declaração na sentença condenatória de que os negócios lícitos e os bens
auferidos com essa atividade decorrem do produto de uma infração penal anterior,
constituindo, assim, proveito do crime, é imprescindível para a efetividade do confisco –
ante a grande dificuldade de que essa relação patrimonial seja demonstrada e
reconhecida após o fim da ação penal, ainda que exista um título judicial condenatório.

Por isso mesmo a investigação patrimonial antes referida é


extremamente relevante para a repressão dos delitos que geram vantagens econômicas
para o agente. É ela que permitirá à acusação demonstrar os bens passíveis de confisco
e eventualmente sequestrá-los cautelarmente antes ou no curso do processo penal de
conhecimento, garantindo a efetividade do confisco.

Importa anotar, ainda, que há no ordenamento jurídico brasileiro, em


leis penais especiais, regimes diferenciados de confisco como efeito de condenação
criminal. A diferença fundamental nesses regimes especiais diz respeito aos instrumentos
do crime. Quanto ao produto e ao proveito do crime, o regime jurídico acaba sendo o
mesmo do Código Penal: todos os bens obtidos direta ou indiretamente com a prática do
crime estão sujeitos a confisco.

Explica-se. Conforme se mencionou anteriormente, o confisco dos


instrumentos do crime com base na alínea “a” do inciso II do art. 91 do Código Penal
atinge apenas as coisas ilícitas utilizadas na conduta típica. Em leis especiais, porém, há

26
previsão de confisco de toda e qualquer coisa empregada na prática dos crimes
específicos previstos na norma. Permite-se, assim, que o confisco como efeito da
condenação (e as medidas cautelares de constrição patrimonial correspondentes) alcance
também as coisas lícitas empregadas na prática daquelas infrações penais especiais. É o
caso dos crimes previstos na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), conforme os seus arts.
61 a 63; na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), art. 7º; e na Lei de Crimes
Ambientais (Lei nº 9.605/1998), art. 25.

Essas leis penais especiais determinam, de fato, que todas as


coisas utilizadas na prática dos respectivos crimes sejam confiscadas como efeito da
condenação criminal, sem restringir o perdimento à ilicitude da coisa, como faz o Código
Penal. Assim, e em que pese alguma divergência doutrinária e jurisprudencial acerca de
situações específicas, pode-se concluir que poderão ser confiscados veículos em geral,
imóveis, equipamentos, ativos financeiros e outros bens lícitos que sejam utilizados como
instrumentos para a prática dos crimes previstos nas referidas leis especiais.

Em todos os casos, o instituto clássico do confisco aqui abordado,


mesmo nas modalidades das leis penais especiais, exige (prova de) vinculação da coisa
com a prática de infração penal – seja a coisa instrumento, produto ou proveito do crime.
Os bens a serem confiscados devem ser o resultado da conduta típica (produto), ter
origem em ganhos decorrentes do delito (proveito), ou então, ter sido meio para a
realização da conduta típica (instrumento). Existe, assim, para a modalidade tradicional de
confisco, em qualquer das suas formas, a necessidade de prova a respeito do vínculo do
bem a ser confiscado com a infração penal.

1.5 CONFISCO POR EQUIVALENTE

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - (BRASIL. Ministério Público


Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Roteiro de
Persecução Patrimonial e Administração de Bens. Brasília: MPF,
2017)

27
Porém, em 2012, o Brasil, seguindo diretrizes de tratados
internacionais e na esteira da legislação de vários outros países, instituiu o denominado
confisco por equivalente no ordenamento nacional (§§ 1º e 2º do art. 91 do Código Penal,
inseridos pela Lei nº 12.694, de 24 de julho 2012). Nos casos em que não sejam
localizados o produto ou o proveito do crime, ou quando estes estejam no exterior, será
possível decretar a perda de bens de valor equivalente, integrantes do patrimônio lícito do
condenado.

O instituto, ainda pouco explorado na praxe judiciária brasileira,


permite substancial avanço na recuperação de lucros advindos do crime. Com o confisco
por equivalente, a ablação trabalhará principalmente com a noção de acréscimo
patrimonial ilícito, decorrente do crime. As coisas e valores oriundos da conduta típica, ou
obtidos por meio de negócios feitos com o produto do crime, não precisarão ser
localizados para o confisco, se estiverem escondidos, sendo suficiente que a acusação
demonstre o valor do acréscimo patrimonial ilícito obtido pelo agente com a conduta
criminosa.

O confisco por equivalente reconhece e tenta remediar o problema


decorrente da rápida circulação de riquezas possível hoje no mundo, aumentando
substancialmente o objeto passível de perdimento. Afasta-se, com o instituto, a
necessidade de correlação entre a coisa ou o valor confiscados e a conduta típica que
enseja a condenação criminal. Basta que a acusação demonstre o valor do acréscimo
patrimonial ilícito que o autor do crime auferiu com a infração penal, ou obteve por meio
de negócios realizados com o produto da infração penal; abrindo ensejo a que bens e
valores de origem comprovadamente lícita, desde que em montante equivalente ao
enriquecimento gerado pelo crime, sejam confiscados pelo Estado.

Nessa esteira, as medidas assecuratórias do Código de Processo


Penal e da legislação especial que sejam instrumentais do confisco, notadamente o
sequestro, podem também alcançar bens lícitos do patrimônio do imputado em valor
equivalente ao produto ou ao proveito do crime, conforme regra expressa do novo § 2º do

28
art. 91 do Código Penal.

A redação legal do confisco por equivalente brasileiro (§ 1º do art. 91


do Código Penal) não permite que a ablação alcance bens ou valores que excedam o
produto ou o proveito efetivos do crime; afastando, assim, por exemplo, o perdimento do
valor que tenha sido prometido como propina, mas que não tenha sido integralmente
entregue a funcionário público condenado por corrupção passiva (o que se admite, v.g.,
no direito italiano – Codice Penale, art. 322-ter, comma 2, última parte).

Contudo, o confisco por equivalente brasileiro contempla a


possibilidade de perdimento de bens ou valores que tenham beneficiado efetivamente o
imputado, em razão da infração penal, mas que não tenham sido incorporados ao seu
(imputado) patrimônio: as coisas consumidas, gastas; as despesas pagas pelo corruptor
etc. (exemplificando: passagens aéreas e despesas de viagem internacional dadas como
propina a funcionário público). Nesses casos, há um proveito/produto do crime que,
embora não gere acréscimo patrimonial para o imputado, constitui vantagem econômica
ilícita por ele obtida com o delito, passível, assim, de ensejar confisco de valores
equivalentes do seu patrimônio lícito, na forma do § 1º do art. 91 do Código Penal.

Em outros países que adotam institutos com feição similar, tem sido
proclamado o entendimento de que o confisco por equivalente não pode ser aplicado para
infrações penais praticadas antes da vigência da lei correspondente (é o caso da Itália). A
regra do confisco por equivalente, como efeito da condenação criminal, constituiria norma
penal de direito material; e o perdimento nessa modalidade, por alcançar bens licitamente
obtidos pelo autor do fato, ainda que de valor equivalente a produto ou a proveito de
crime, teria natureza sancionatória.

Essa última questão, porém, ao que consta, não foi ainda debatida
com profundidade no Brasil, seja na jurisprudência, seja na doutrina. Nesse contexto,
afigura-se também plausível interpretar a norma do § 1º do art. 91 do Código Penal como
regra processual (ainda que veiculada no Código Penal), aplicável de imediato a todos os
casos, a partir da vigência da norma, ainda que o delito tenha sido praticado antes de
julho de 2012. Isso porque a regra brasileira de confisco por equivalente se limita a

29
disciplinar uma forma de implementação, no processo, do perdimento das vantagens do
crime já instituído na alínea “b” do inciso II do caput do mesmo artigo. Como a questão
ainda está aberta no Brasil, essa última tese, que pode ser desdobrada e aprimorada,
afigura-se consentânea com o interesse social na repressão penal e, em especial, na
repressão da fruição dos lucros obtidos com infrações criminais.

Por fim, veja-se que no confisco por equivalente remanesce ainda


uma relação clara entre a infração penal e o objeto do perdimento. Explica-se mais uma
vez.

No confisco tradicional, a ablação atinge o produto da infração ou as


coisas que tenham sido obtidas com esse produto. A relação, assim, é direta, o que tem
reflexos evidentes no campo probatório. No confisco por equivalente, dispensa-se essa
relação da coisa a ser confiscada com a conduta típica da condenação criminal, bastando
a prova de que houve um produto ou proveito, de valor devidamente estimado e
justificado no processo, o qual servirá de base para o confisco de outros bens do
patrimônio do imputado que tenham valor equivalente. A relação entre o crime e o objeto
do confisco, contudo, ainda que menos relevante se comparada com o confisco
tradicional, é obrigatória: é preciso estimar o valor do produto ou do proveito do crime e
justificar a necessidade de recorrer à ablação de valores correspondentes do patrimônio
lícito do condenado, a teor do § 1º do art. 91 do Código Penal.”

1.6 CONFISCO ALARGADO

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL, Justificativa


apresentada no PL nº 4850/2016: “10 Medidas Contras a
Corrupção”)

O dispositivo introduz o confisco alargado na legislação brasileira,

30
cumprindo diretrizes de tratados dos quais o Brasil é signatário e adequando o sistema
jurídico pátrio a recomendações de fóruns internacionais voltados a coibir o crime
organizado. O dispositivo proposto também harmoniza a legislação brasileira com
sistemas jurídicos de outros países que já preveem medidas similares e com os quais o
Brasil mantém relações e acordos de cooperação, permitindo a reciprocidade e o combate
a crimes graves de efeitos transnacionais. O confisco alargado visa a instituir de maneira
mais efetiva a ideia clássica de que “o crime não compensa”, ou, mais precisamente, não
deve compensar. Em crimes graves que geram benefícios econômicos ilícitos, incumbe
ao Estado, tanto quanto a punição dos responsáveis, evitar o proveito econômico da
infração e a utilização do patrimônio decorrente da atividade criminosa em outros delitos.
Mas a persecução criminal do Estado não é, não pode e até mesmo não deve ser
exaustiva. Nem todas as infrações podem ser investigadas e punidas, inclusive por força
das garantias constitucionais e legais dos cidadãos. O confisco clássico e o confisco por
equivalente, previstos hoje na legislação penal brasileira (art. 91 do Código Penal),
alcançam, além dos instrumentos do crime que sejam em si ilícitos (art. 91, “a”, do Código
Penal), apenas os bens ou valores correspondentes que sejam produto ou proveito da
específica infração objeto da condenação criminal. Mas, conforme já se anotou, há
situações em que não é possível identificar ou comprovar, nos termos exigidos para uma
condenação criminal, a prática de crimes graves que geram benefícios econômicos,
embora as circunstâncias demonstrem a origem ilícita do patrimônio controlado por
determinadas pessoas. Nesses casos, sem a possibilidade de se promover a
responsabilidade criminal, o confisco clássico e o confisco por equivalente não são
capazes de evitar o proveito ilícito e a utilização desse patrimônio de origem injustificada
em novas atividades criminosas. O instituto ora proposto visa, assim, a criar meio de
retirar o patrimônio de origem injustificada do poder de organizações e de pessoas com
atividade criminosa extensa que não possa ser completamente apurada.

O confisco alargado ora proposto, na esteira da legislação de outros


países, tem como pressuposto uma prévia condenação por crimes graves, listados no
dispositivo, que geram presunção razoável do recebimento anterior de benefícios
econômicos por meios ilícitos. Estabelece, nesses casos, um ônus probatório para a

31
acusação acerca da diferença entre o patrimônio que esteja em nome do condenado, ou
que seja por ele controlado de fato, e os seus rendimentos lícitos, ressalvando também a
possibilidade de JUSTIFICATIVA por outras fontes legítimas que não decorram
diretamente desses rendimentos. É garantida ao condenado oportunidade de demonstrar
a legalidade do seu patrimônio, bem como aos terceiros indevidamente afetados pela
decretação da perda ou pela constrição cautelar de bens. Como se trata de medida que
atinge apenas o patrimônio de origem injustificada, sem imputar ao afetado nenhum dos
efeitos inerentes a uma condenação criminal pelos fatos que ensejaram a posse desses
bens, o confisco alargado se harmoniza com o princípio da presunção de inocência,
conforme tem sido reconhecido em outros países e em organismos e fóruns
internacionais. Compatibilizando o instituto proposto com a legislação processual penal
atual, e na esteira do que estabelece o Código Penal a respeito do confisco por
equivalente recentemente instituído (§ 2º do art. 91, incluído pela Lei nº 12.684/2012), a
proposta ressalta a aplicação das medidas cautelares reais penais para a garantia do
confisco alargado. Também prevê expressamente a possibilidade de alienação antecipada
de coisas sujeitas a deterioração ou depreciação, evitando que o tempo necessário para a
decisão acerca do confisco resulte em perdas econômicas ou em prejuízos para o
acusado ou terceiro de boa-fé. Considerando tratar-se de um dos efeitos da condenação
criminal, o projeto prevê que o cumprimento da sentença que decretar o confisco
alargado, após o trânsito em julgado, será processado, no prazo de até dois anos, no
juízo criminal que proferiu a decisão. Nessa fase, o Ministério Público, com base no título
jurídico judicial, deverá alegar e comprovar o patrimônio do condenado que não é
compatível com os seus rendimentos lícitos e que também não tem outra origem lícita
conhecida, segundo as informações públicas disponíveis. Remete-se o procedimento à
legislação processual civil – permitindo a aplicação das normas de liquidação por artigos e
de cumprimento de sentença do Código de Processo Civil. A proposta, portanto, visa a
atualizar e compatibilizar a legislação brasileira com o que vige no cenário internacional,
conferindo ao Estado um instrumento de combate aos ganhos ilícitos decorrentes do
crime em harmonia com os primados do Estado Democrático de Direito, fazendo valer a
máxima de que o crime não deve compensar.

32
Confisco alargado – outras referências:

i) a redação do art.91-A ao Código Penal inserida no PL nº 4850/2016 pode ser


encontrada em: http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-
medidas/docs/medida_10_versao-2015-06-25.pdf. Acesso em: 12 de novembro de 2017.

ii) Roteiro de atuação: persecução patrimonial e administração de bens – Ministério


Público Federal. Disponível em: http://intranet.mpf.mp.br/areas-
tematicas/camaras/criminal/publicacoes/roteiro-de-atuacao-persecucao-patrimonial/.
Acesso em: 12 de novembro de 2017 – Confisco Alargado, pp.

iii) Indicação de bibliografia para aprofundamento no tema: LINHARES, Solon Cìcero.


Confisco de bens: uma medida penal, com efeitos civis, contra a corrupção sistêmica. São
Paulo: RT, 2016.

1.7 AÇÃO CIVIL DE EXTINÇÃO DE DOMÍNIO

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL, Justificativa


apresentada no PL nº 4850/2016: “10 Medidas Contras a
Corrupção”)

O anteprojeto de lei para disciplinar a perda civil de bens adquiridos


com a prática de ilícito (ação de extinção de domínio) foi exaustivamente estudada e
discutida durante metas e ações da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e
Lavagem de Ativos (ENCCLA) em 2005, 2010 e 2011. O fruto do debate foi a
unanimidade dos diversos órgãos que compõem aquele foro em torno do projeto acima, o
qual é o resultado final da ação 16 da ENCCLA, referente ao ano de 2011. A única
diferença entre o projeto da ENCCLA e o ora apresentado consiste em correção de erro
material na menção, pelo artigo 2º do anteprojeto, ao artigo do Código Penal que
corresponde ao crime de inserção de dados falsos em sistemas de informações, bem

33
como na inserção do crime de enriquecimento ilícito, cuja tipificação é proposta em
projeto de lei oferecido em apartado. São reproduzidas abaixo as justificativas
apresentadas como produto das discussões desenvolvidas durante os trabalhos da ação
16 da ENCCLA:

A extinção civil do domínio, ou perda civil de bens, no direito


estrangeiro, é conceituada como a privação do direito de propriedade sem qualquer
compensação a seu titular, em razão de aquela ter sido usada de maneira contrária às
determinações legais do ente soberano. Num contexto mundial de busca ao intensivo
combate à prática de lavagem de dinheiro, os organismos internacionais recomendam a
implementação, por parte das nações, de legislação que autorize a extinção civil de
domínio in rem ou perda civil de bens. No Brasil, o fundamento constitucional que autoriza
a expropriação sem indenização da propriedade ou posse, em razão do descumprimento
de sua função social, encontra lastro no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal de
1988, que reza: “a propriedade atenderá a sua função social”. A natureza jurídica do
instituto conforma-se com uma compensação, uma reparação devida pelo proprietário ao
Estado, em razão de ter aquele usado ou permitido que se usasse o bem objeto de
perdimento contrariamente ao que estabelece o ordenamento jurídico que, em última
instância, autoriza, legitima e protege o próprio exercício do direito à propriedade.

A perda civil da propriedade apresenta dupla finalidade: diminuir a


capacidade de ação das organizações criminosas pela retirada de seus meios materiais
de atuação e ampliar a capacidade material de combate aos males gerados por essa
mesma atuação por via de transferência dos produtos da ação civil de perdimento in rem
à pessoa jurídica de direito público afetada pelas práticas ilícitas. Uma vez explicitada a
natureza jurídica do instituto, passa o texto do anteprojeto de lei a tratar das hipóteses em
que a perda civil pode ser declarada, as quais correspondem às teorias reconhecidas pela
doutrina internacional a embasar o perdimento. O substrato dos casos que autorizam a
perda civil consiste na vinculação, de qualquer forma, do bem, direito ou valor com
atividades ilícitas. Entretanto, tais atividades se restringem àquelas enumeradas no § 1º
do artigo 2º, por serem consideradas de alta gravidade e reprovabilidade no meio social,
estando intrinsecamente relacionadas às práticas de organizações criminosas. Quando as

34
atividades ilícitas tenham sido praticadas no estrangeiro, caberá a perda civil dos bens,
direitos ou valores situados no Brasil, nos termos do artigo 3º. Ainda com escopo de
reduzir a margem de ação de tais organizações criminosas, no § 2º do artigo 2º, abre-se a
possibilidade de perda civil de bens transmitidos a terceiros por meio de herança, legado
ou doação, tudo de forma a não permitir aos perpetradores do ilícito escamotear seus
proveitos via transmissão de seu direito. De outro lado, preocupa-se o texto do
anteprojeto de lei em garantir os direitos do lesado e do terceiro de boa-fé, em
consonância com as disposições do Código Civil que guindou a boa-fé ao status de regra
de interpretação (artigo 113) e princípio geral com relação aos contratos (artigo 422). O
artigo 4º prevê que os legitimados – Ministério Público, União, Estados e Distrito Federal –
poderão instaurar procedimento preparatório ao ajuizamento da ação de declaração da
perda civil da propriedade ou posse em razão do descumprimento da sua função social. O
contraditório e a ampla defesa estão e permanecem garantidos no anteprojeto de lei, o
qual adota para a ação de perda civil de bens o rito da ação civil pública, instituída pela
Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e, subsidiariamente, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro
de 1973 – Código de Processo Civil. O trâmite da ação de perda civil de bens independe
de eventuais processos civis ou penais que incidem sobre os mesmos fatos, eis que tais
processos buscam a responsabilização pessoal por atos ilícitos. Por óbvio, a
independência de instâncias não se aplica quando houver sentença penal absolutória que
taxativamente reconheça a inexistência do fato ou não ter sido o agente, quando
proprietário do bem, o seu autor. A perda civil da propriedade ou posse abrange também
situações em que a persecução penal ou civil não se faz possível, por ausência ou
desconhecimento do responsável, ou ainda por falta de definição precisa da
responsabilidade civil ou penal, o que não impede, contudo, que provas suficientes
existam da origem ilícita dos bens e direitos. Os artigos 8º e 9º fixam como legitimados
passivos para a ação de perda civil de propriedade ou posse os titulares ou possuidores
dos bens adquiridos, originários ou envolvidos com atividades ilícitas. Trata-se, portanto,
de ação propter rem. Está estabelecido ainda que a ação poderá ser intentada contra réu
incerto, se desconhecido proprietário ou possuidor, caso em que serão citados por edital
os interessados, com descrição dos bens, e nomeado pelo juiz curador para defender e
proteger os interesses dos réus não conhecidos. A qualquer tempo em que surja o titular

35
ou possuidor, poderá ingressar no feito, recebendo-o na fase e estado em que se
encontra, de forma também coerente com a legislação civilista.

O artigo 10 define como competente, primariamente, o foro do local


do fato ilícito ou dano, porquanto recomendável que o processo tramite no juízo que
detenha jurisdição no território em que ocorrido o originário ilícito ou dano, mais próximo
que está da prova a ser analisada e dos fatos. Não sendo conhecido, eventualmente, o
local do ilícito, poderão ser eleitos, alternativamente, o foro de situação dos bens ou
aquele de domicílio do réu, ambas as alternativas igualmente justificáveis e coerentes
com a legislação civil. O artigo 11 prevê que o poder de cautela do juiz pode ser utilizado,
a qualquer tempo, para concessão de quaisquer medidas de urgência que se mostrem
necessárias para garantir a eficácia do provimento final. O § 1º do artigo 11 fixa o prazo
de 60 (sessenta) dias – prorrogável por igual período, desde que fundamentadamente
justificado ao juiz da causa – para vigência de medidas preparatórias. Este rigor garante
os direitos individuais, ao tempo em que exigirá do Estado cautela e disciplina extremadas
na iniciativa e no próprio pedido de medidas cautelares quaisquer. Rezam os §§ 3º e 4º do
artigo 11 que, realizada a apreensão do bem, o processo judicial passará a ter prioridade
na tramitação, devendo o juiz deliberar, de imediato, sobre sua alienação antecipada ou
sobre nomeação de administrador. Tais linhas de conduta visam garantir a tramitação
célere, a eficácia da medida final e a garantia dos réus, pois proporcionam a manutenção
do valor real do bem, desde sua constrição. O anteprojeto de lei prevê que a alienação
antecipada será realizada por meio de leilão, não sendo admitido preço vil, ficando o
depósito dos valores em contas remuneradas vinculadas ao juízo. O artigo 15 dispõe em
seu caput a consequência lógica de que, julgado procedente o processo, determinará o
juiz as medidas necessárias para transferência definitiva dos bens, direitos e valores
discutidos.

Ao mesmo tempo, o parágrafo único dispõe que a sentença pela


improcedência por eventual insuficiência de provas não faz coisa julgada material,
podendo qualquer dos legitimados propor nova ação com o mesmo objetivo, desde que
lastreada em nova prova. A redação dada ao caput do artigo 16 denota o interesse público
subjacente à perda civil da propriedade ou posse, de modo que se optou por dispensar os

36
legitimados do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais, honorários
sucumbenciais e demais despesas, salvo comprovada má-fé do autor. Os parágrafos do
artigo 16 especificaram essa regra, determinando a preferência de se realizar perícias por
meio de peritos integrantes do quadro da Administração Pública. Excepcionalmente, as
perícias serão realizadas por profissionais estranhos à Administração Pública, caso em
que as despesas periciais serão adiantadas pelos entes públicos, já que serão estes, em
caso de procedência do pedido, os beneficiários ao final do processo. Tais despesas
serão pagas pelo réu sucumbente. O art. 18 introduz salutar regra de recompensa ao
terceiro desvinculado de qualquer delito correlato que contribua de modo eficaz, preste
informações que levem a obtenção de provas que possam instruir a ação declaratória de
perda civil ou a localização de bens. Com isso, fará jus a até cinco por cento do produto
da liquidação dos bens objeto da perda civil. Por fim, o anteprojeto de lei vai ao encontro
da postura institucional da República Federativa do Brasil, que sempre se posicionou, na
arena internacional, pela repressão aos crimes praticados por organizações criminosas e
pela adoção do consenso fruto das negociações multilaterais.

Outra referência – Ação civil de extinção de domínio: o Projeto de Lei da “Ação Civil de
Extinção de Domínio” em sua versão original e que deu azo ao PL nº 4850/2016 pode ser
encontrado em: http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-
medidas/docs/medida_10_versao-2015-06-25.pdf. Acesso em: 12 de novembro de 2017.

1.8 CONFISCO E LAVAGEM DE DINHEIRO

• SÉRGIO FERNANDO MORO. (MORO, Sérgio Fernando. Crime de


Lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p.167–173.)

“Confisco e lavagem de dinheiro

Como já apontado no capítulo 1.1, a criminalização da lavagem de

37
dinheiro representa uma alteração de estratégia da prevenção e repressão criminal. Em
síntese, a nova estratégia busca fazer valer o velho adágio no sentido de que o “crime
não compensa” ou pelo menos “não deve compensar”.

Privar o criminoso do produto de sua atividade é provavelmente mais


eficaz para prevenir e reprimir o crime do que privá-lo da liberdade. Tal constatação é
especialmente correta em relação ao combate de grupos organizados, cujo
desmantelamento depende mais de sua asfixia econômica do que da prisão de seus
membros. Dentro de um grupo criminoso organizado, as pessoas, mesmo em postos de
liderança, são usualmente substituíveis, daí o confisco de sua propriedade, com as
consequências econômicas decorrentes, consistir em medida usualmente mais eficaz.

Como também já visto nos capítulos 1.1 e 4.4.4, isso tem


consequências práticas relevantes ao processo penal. Não basta mais identificar e colher
provas de materialidade e autoria de um crime. Faz-se necessário igualmente identificar o
produto da atividade criminosa. Não basta mais que a persecução resulte na punição do
culpado; também é necessário imobilizar o produto do crime e submetê-lo.

Essa nova estratégia de investigação e persecução criminal


revitalizou, no Direito Penal, o confisco. O estudo desse instituto, usualmente tratado em
segundo plano nos manuais de Direito, ganhou, juntamente com sua aplicação prática,
renovado interesse.

É ele extremamente importante para o crime de lavagem, o que é


natural, uma vez que a criminalização dessa conduta está relacionada a essa nova
estratégia de prevenção e repressão criminal. A criminalização da lavagem ainda sujeita o
responsável pela ocultação ou dissimulação do produto do crime a uma sanção criminal, o
que pode coibir tais condutas e facilitar a identificação e imobilização do bem.

Não obstante, a importância do confisco transcende o crime de


lavagem. Não é necessária condenação por crime de lavagem para existir confisco de
produto do crime. O confisco pode ser aplicado em processos que tenham por objeto as
mais diversas condutas criminais, desde que delas tenha resultado proveito econômico.

38
De forma semelhante, no processo por crime de lavagem não
necessariamente haverá confisco em caso de condenação, pois pode não ter havido
condições para imobilizar a tempo o produto do crime, frustrando-se um dos objetivos
principais da investigação e persecução desse tipo de delito.

Assim, embora haja uma relação importante entre o confisco e o


crime de lavagem sem confisco. O que será exposto a seguir sobre confisco é pertinente,
portanto, não só para o crime de lavagem, mas também para outras modalidades
delituosas. Algumas regras especiais para o confisco, que serão igualmente examinadas,
são pertinentes, porém, apenas para o crime de lavagem e outras modalidades especiais.

Natureza jurídica do confisco

Código Penal:
Art. 91. São efeitos da condenação: (…)
II – a perda em favor da União, ressalvando o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico,
alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito
auferido pelo agente com a prática de fato criminoso.”

Lei n. 9.613/98:
Art. 7.º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I – a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime
previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (…)

Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, a natureza jurídica do


confisco, especificamente se constitui pena ou sanção de outra natureza, de cunho
reparatório ou preventivo.

A discussão não é isenta de consequências práticas.

Como pena, há de exigir maior rigor para sua aplicação do que caso
seja considerado uma sanção sem caráter punitivo.

39
O caráter punitivo do confisco é questionado, principalmente diante
do fato de que seu principal objetivo é retorno do status quo vigente antes da prática do
crime, não inovando a situação patrimonial do criminoso ou da vítima em relação à
situação preexistente. Por exemplo, no caso do roubo de um carro, o confisco do veículo
e a devolução à vítima não implicam a redução do patrimônio do criminoso ou o
incremento do patrimônio da vítima para níveis diferentes daqueles que existiam antes do
delito. Em outras palavras, ninguém empobrece ou enriquece.

O mesmo ocorre, de uma forma talvez não tão óbvia, naqueles


crimes ditos “sem vítima”, ou mais apropriadamente naqueles nos quais a vítima é toda a
sociedade, por exemplo, no tráfico de drogas. O patrimônio do criminoso sofre incremento
decorrente de sua atividade, e o patrimônio ou, mais propriamente, as riquezas da
sociedade são consumidos a fim de remediar os danos à saúde pública e dos indivíduos
atingidos pelo consumo de drogas. O confisco visa repor (com imperfeição, visto que as
consequências desse tipo de crime são mais complexas e de difícil dimensionamento) a
situação existente antes da prática delitiva.

Não se pode falar em pena ou sanção de cunho punitivo se o


confisco visa à reposição do status quo anterior ao crime, nem mais, nem menos.

Seria ainda pouco apropriado afirmar que o autor do crime sofre uma
pena ou sanção de cunho punitivo por ser privado de algo sobre o que não teria direito
algum. Tomando os exemplos acima, dificilmente poderia ser caracterizado como pena
privar o criminoso do carro que subtraiu ilicitamente da vítima ou privas o traficante de
drogas do patrimônio acumulado com sua atividade ilícita.

Argumentos da espécie autorizam a caracterização do confisco


como sanção ou medida de cunho reparatório.

Já o caráter preventivo do confisco decorreria na privação dos


criminosos dos meios e recursos necessários para a continuidade de atividade delitiva ou
para a prática de novas infrações. É qualificação absolutamente pertinente no que se
refere ao confisco dos bens utilizados como instrumento do crime. Em menor grau, o

40
confisco do produto do crime serve igualmente para exaurir os recursos necessários para
a prática de novos delitos por um grupo organizado ou para interromper uma empresa
218
criminosa em andamento .

Embora a função preventiva do confisco seja inegável, pelo menos


para certas espécies de crime e especialmente para os instrumentos delitos, o que mais
ressalta é a natureza reparatória da sanção, pelo menos quando o seu objeto é o produto
da ação delituosa 219.

O direito Positivo brasileiro favorece a conclusão de que confisco


não é pena.

O confisco é tratado como “efeito da condenação” no art. 91 do


Código Penal e não é arrolado, no art. 32 do mesmo diploma legal, entre as espécies de
penas (privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa). Para não haver dúvida,
entre as penas restritivas de direitos, previstas no art. 43 do CP, encontra-se ainda a pena
de perda de vens e valores, que não se confunde com o confisco do instrumento ou do
produto do crime do art. 91.

Além disso, o confisco é sanção que, no Direito brasileiro, pode ser


aplicada independentemente de prévia condenação criminal.

Com efeito, as mercadorias importadas com infração à legislação


aduaneira, quer caracterizem ou não crimes, estão sujeitas a “pena de perdimento”,

218 Para Javier-Alberto Zaragoza Aguado, que foi Fiscal Chefe da Audiencia Nacional da Espanha, o
confisco teria natureza especialmente preventiva:”Tradicionalmente, la doctrina había cuestionado la
condición de pena del comiso, pues su función no es retributiva, como em cierta medida lo son las
penas, sino exclusivamente preventiva, dado que su imposición obedece a la necessidad de evitar o
impedir que los efectos e insturmentos pudan servir para la comisón de nuveos hechos delictivos ( em
este sentido, para la legislación penal austriaca es una medida preventiva que debe imponerse 'si de
acuerdo com la especial naturaleza de los objetos resulta indicado para prevenir la comisión de
acciones punibles')” (AGUADO, Javier-Alberto-Zaragoza, op. cit., p. 18-19).
219 Guy Stessens discorda de tais conclusões, entendendo que o confisco apresenta um caráter punitivo.
Para ele, no que se refere ao confisco dos instrumentos do crime, teria caráter preventivo a medida
apenas quando restrita aos bens indispensáveis e insubstituíveis para a prática de um crime. Quanto
ao confisco do produto do crime, argumenta que, na prática, ele culmina por ter um caráter punitivo,
pelas dificuldades de dimensionamento dos danos decorrentes do crime, pelos casos de crimes “sem
vítima”, e pelo fato de alguns sistemas legais permitirem que sejam levadas em considerações
circunstâncias pessoas na determinação do montante a ser confiscado etc. (STESSENS, Guy Money
Laundering: A new international Law Enforcement Model, p. 43-56).

41
conforme o art. 23, 1.º, do Decreto-Lei n. 1.455, de 7-4-1976. Apesar da expressão “pena
de perdimento”, trata-se do confisco, no caso aplicado sem prévia condenação criminal e
por mero processo administrativo.

A infração ao disposto no art. 65 da Lei n. 9.069, de 29-6-1995, ou


seja, o ingresso ou saída física do território nacional com valores em espécie acima de
dez mil reais sem a necessária declaração de porte de valores, também implica a perda
dos valores excedentes a dez mil reais. Aqui, igualmente, há confisco sem condenação
criminal e mediante processo administrativo.

A desvinculação do confisco com o processo criminal reforça sua


descaracterização como pena decorrente de crime e de prévia condenação criminal.

Há, portanto, bons argumentos para concluir que o confisco não é


pena, mesmo quando segue uma condenação criminal, sendo sanção ou medida de
caráter reparatório e preventivo.

Regras de provas para aplicação do confisco

Código de Processo Penal:


Art. 126. Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indícios
veementes da proveniência ilícita dos bens.

Como visto no capítulo 5.7, a presunção de inocência identificada


com a exigência de prova acima de qualquer dúvida razoável tem seu âmbito de
aplicação restrito ao juízo de responsabilidade criminal do acusado.

Não necessariamente, o mesmo standard de prova deve ser


estendido para a resolução de outras questões de fato e de direito no processo penal,
incluindo a decretação do confisco de bens.

42
Essa conclusão, adiantada no capítulo 5.7, é reforçada pela
descaracterização do confisco como sanção de caráter punitivo, antes tendo natureza
reparatória e preventiva.

Há uma lacuna no Código de Processo Penal quanto ao parâmetro


de prova apropriado para decisão quanto ao confisco de bens. Rigorosamente, nem
sequer há uma definição clara quanto ao parâmetro de prova pertinente para o juízo de
responsabilidade criminal, embora, quanto a este, como visto, seja inegável a pertinência
do parâmetro mais rigoroso em vista do princípio da presunção de inocência.

Apesar da lacuna quanto ao confisco, o art. 126 do CPP pelo menos


estabelece para o sequestro de bens a exigência de “indícios veementes” da proveniência
ilícita dos bens.

O dispositivo, sendo pertinente ao sequestro, de índole cautelar,


deixa em aberto a questão relativa ao standard de prova adequado para o confisco.

Após o juízo condenatório, de afirmação da responsabilidade


criminal do acusado, deve o juiz decretar o confisco dos instrumentos e do produto do
crime. Não há dúvida de que, para tanto, deverá haver prova de que o bem sobre o qual
recai o confisco é instrumento ou produto do crime. Não há, contudo, a definição do
parâmetro de prova pertinente.

Não havendo parâmetro, a questão encontra-se entregue à


jurisprudência.

À exceção de casos criminais singelos, envolvendo crimes isolados


e de menor complexidade, o usual será contar com prova meramente indiciária da ligação
entre o crime e o produto deste, especialmente quando foi objeto de lavagem.

Nos crimes complexos, o produto do crime será usualmente


convertido e transformando em outros bens, buscando-se impossibilitar a sua
identificação, sequestro ou apreensão por parte das autoridades públicas.

43
Além disso, os ganhos decorrentes da atividade criminal não são
usualmente objeto de contabilização regular ou deixada ao alcance das autoridades
públicas. É pouco provável que se logre rastrear, com margem de certeza, o destino
específico do produto do crime.

A dificuldade se agrava no caso de atividade criminal desenvolvida


de forma profissional ou empresarial. Uma coisa é ato criminoso isolado no tempo e
espaço e que gera um produto específico. Outra, é o resultado de atividade criminal
contínua, que origina uma quantidade significativa de ganhos, em geral de difícil
mensuração e identificação.

Para identificação e caracterização de um bem como produto de um


crime, valem aqui as considerações feitas anteriormente a respeito do papel da prova
indireta na lavagem de dinheiro 220.

A prova indireta, desde que convincente, deve ser reputada


suficiente para provar a ligação entre o bem e o crime em questão, caracterizando-o como
produto dele e, como tal, submetendo-o ao confisco.

Por exemplo, provado um crime de corrupção ou de tráfico de


drogas, é razoável concluir que o acréscimo patrimonial injustificado verificado no mesmo
período pelo agente constitui produto de crime de lavagem, mesmo que não seja possível,
como usualmente não é, realizar um rastreamento da origem do bem até o delito
específico.

É NESSE SENTIDO A JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA.


Em USA vs Habhab, 132 F.3d 410 (8th Cir. 1997), decidiu-se que “a prova de que o
acusado estava envolvido em atividade fraudulenta e recebeu produto de fraude antes da
data da transação financeira apontada como sendo lavagem de dinheiro foi suficiente
para estabelecer que o dinheiro era produto de crime”, e, em USA vs Jackson, 983 F.2d
757 (7th Cir. 1993), que “dá acusação é exigida somente prova de que o dinheiro veio de
negócios de drogas, não sendo necessário rastrear o produto lavado a um crime

220 Cf. capítulo 4.2

44
específico 221”.

Outro indício relevante acerca da natureza criminosa de bem


consiste no emprego de artifícios para ocultação ou dissimulação do patrimônio. Por
exemplo, se o bem é colocado em nome de pessoas interpostas ou se são simuladas
rendas lícitas para justificar sua aquisição, é provável que tenha origem criminosa. A usual
explicação para o emprego de artifícios de ocultação e dissimulação é a intenção de
lavagem de bens de origem criminosa.

Indo um pouco além do que foi defendido em relação ao papel da


prova indireta no crime de lavagem de dinheiro – embora indireta, deve ser acima de
qualquer dúvida razoável –, é possível, no que se refere à decisão de confisco, defender a
aplicação de standard de prova menos rigoroso, já que não se trata do juízo sobre a
responsabilidade criminal do acusado.

A prova indireta – ou, excepcionalmente, direta – de que o bem é


produto do crime para a aplicação do confisco não precisa, na falta de exigência legal a
respeito e considerando não haver pertinência no caso da presunção de inocência, atingir
o parâmetro da prova acima de qualquer dúvida razoável, bastando que seja
222
demonstrada sua elevada probabilidade e que não haja prova em sentido contrário .

A exigência elevada probabilidade é decorrência da previsão legal


de que o sequestro exige a presença de indícios veementes da procedência ilícita dos
bens, não sendo consistente exigir para a decisão final menos prova do que a exigida
221 Cf. resumos dos casos constantes, sob o título “A acusação não precisa rastrear os fundos lavados
até uma ofensa específica”, em U.S. DEPARMETN OF JUSTICE. Criminal Division. Asset Forfeiture
and Money Laudering Section. Federal Money Laudering Cases: Cases interpreting the Federal
Money Laudering Satatus. op. cit, p. 28-29. Essa também é a opinião de Javier-Alberto Zaragoza
Aguado: “La concurrencia de la primeira cirscuntancia, es decir del origen ilícito, obliga a interesar del
órgano judicial competente el comiso de cuantos bienes, efectos, y ganacias se encuentren em esta
situación, pues el comiso em tanto que consecuencia accesoria es´ta sujeto al principio acusatorio.
En relación com ello, hay de tener em cuenta que la procedencia ilícita puede quedar acreditada
mediante prueba indirecta o indiciaria, y que la demonstración del origen criminal – presopuesto
imprescindible para decretar el comiso – no requiere la identificacion de las conretas operaciones
delictivas de las que traen sua procedencia los bienes, bastando a tales efectos que quede
suficientemente probada la actividad delictiva de modo genérico” (AGUADO, Javier-Alberto Zaragoza.
op. cit, p.31).
222 Outros países, como Reino Unido e os Estados Unidos, estabelecem expressamente que, em matéria
de confisco de bens, o parâmetro de prova aplicável é o da preponderância de probabilidades e não
da prova acima de qualquer dúvida razoável, cf. exposto no capítulo 6.4.

45
para a medida de cautela.

Isso não significa inversão do ônus da prova para confisco de bens,


mas apenas que o confisco pode ser decretado com base em provas indiretas ou mesmo
diretas, que devem ser veementes e preponderantes, não sendo, porém, necessário que
sejam acima de qualquer dúvida razoável. A prova acerca da procedência ilícita dos bens
pode ser afastada por demonstração contrária por parte da defesa. A possibilidade de
esta demonstrar o contrário é muitas vezes confundida com a inversão do ônus da prova.
Não é esse o caso quando se exige para o confisco um sustentáculo probatório que deve
ser providenciado pela acusação.”

46
2 AS MEDIDAS CAUTELARES REAIS ou MEDIDAS ASSECURATÓRIAS: MEIOS
PARA A EFETIVAÇÃO DO CONFISCO24

Prazo – Meios de
Dispositivo
Espécie Objeto Finalidade Requisitos Momento impugnaçã
legal
processual o viáveis
Sequestro Artigos 125 Bem imóvel, Instrumentali Indícios Durante a Apelação da
de bens a 131, do devidamente zar o veementes investigação decisão que
imóveis CPP individualiza confisco, da (se em 60 (in)defere o
do e incidindo proveniência dias não for pedido de
adquirido sobre os ilícita do ajuizada a sequestro
com os proventos bem + ação penal é (art.593, II,
proveitos da (produto e urgência da levantado o CPP);
infração proveito) do medida sequestro) embargos
penal ilícito (periculum ou na ação pelo
in mora) penal acusado ou
terceiro
(art.130,
parágrafo
único CPP)
Sequestro Art.132, do Bem móvel, Instrumentali Indícios Durante a Apelação da
de bens CPP devidamente zar o veementes investigação decisão que
móveis individualiza confisco, da (se em 60 (in)defere o
do e incidindo proveniência dias não for pedido de
adquirido sobre os ilícita do ajuizada a sequestro
com os proventos bem, ação penal é (art.593, II,
proveitos da (produto e quando não levantado o CPP);
infração proveito) do for cabível a sequestro) embargos
penal ilícito medida de ou na ação pelo
busca e penal acusado ou
apreensão terceiro
(art. 240 do (art.130,
CPP) + parágrafo
urgência da único CPP)
medida
(periculum
in mora)
Especializaç Artigos 134 Bens Reparação a) Prova da Durante a Recurso de
ão e registro e 135, do imóveis do do dano infração investigação apelação
de hipoteca CPP acervo causado penal; b) ou na ação (art. 593, II
legal patrimonial pelo delito Indícios de penal CPP)
lícito do autoria
acusado delitiva

24 Sugere-se, também, o estudo do exaustivo Manual de bens Apreendidos, do CNJ, disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/corregedoria/MANUAL_DE_GESTO_DOS_BENS_APREENDIDOS_cd.p
df. Acesso em: 15 de novembro de 2017.

47
Arresto de Art.136, do Bens Reparação a) Prova da Durante a Recurso de
bens CPP imóveis do do dano infração investigação apelação
imóveis acervo causado penal; b) ou na ação (art. 593, II
prévio à patrimonial pelo delito Indícios de penal – o CPP)
especializaç lícito do autoria arresto será
ão e registro acusado delitiva revogado
de hipoteca *medida *Bens se, no prazo
legal preparatória imóveis de de 15
ou prévia à origem lícita (quinze)
especializaç e dias, não for
ão da integrantes promovido o
hipoteca do acervo processo de
legal patrimonial inscrição da
do acusado hipoteca
legal
Arresto Art.137, do Bens móveis Reparação a) Prova da Durante a Recurso de
subsidiário CPP suscetíveis do dano infração investigação apelação
de bens de penhora causado penal; b) ou na ação (art. 593, II
móveis + ausência pelo delito Indícios de penal CPP)
ou autoria
insuficiência delitiva
de bens *Bens
imóveis que móveis de
se prestem origem lícita
à reparação e
dos danos integrantes
causados ao do acervo
ofendido, patrimonial
pagamento do acusado
de custas e
despesas
processuais
Busca e Art.240, do Bens móveis Assegurar Fundadas No curso da Da decisão
apreensão CPP que sejam futura perda razões de investigação que indefere
produto do dos que serão ou na ação cabe
crime (art. instrumentos localizados penal recurso de
240, § 1.º, b, e do produto os bens a apelação
do CPP e direto ou serem (art. 593, II,
art. 91, indireto do buscados, CPP)
caput, II, do crime + meio nos termos
CP). Coisas de obtenção do art. 240,
obtidas por de provas. CPP
meios
criminosos.
Instrumento
s de
falsificação
ou de
contrafação
e objetos

48
falsificados
ou
contrafeitos
(alínea c),
armas,
munições e
instrumentos
do crime
(alínea d),
objetos
necessários
à prova
(alínea e),
cartas
(alínea f),
além de
qualquer
elemento de
convicção
(alínea h)
Lei Art. 60 a 64 Bens Instrumentali Indícios Durante a Apelação da
11.343/2006 móveis, zar o suficientes investigação decisão que
imóveis ou confisco, da autoria e ou no curso (in)defere o
valores, incidindo materialidad da ação pedido de
lícitos ou sobre os e do delito. penal sequestro
ilícitos, proventos Indícios (art.593, II,
identificados (produto e apontando o CPP);
como proveito) do nexo de embargos
produto ou ilícito causalidade pelo
proveito do entre a acusado ou
crime. Difere infração e os terceiro
da bens. (art.130,
normativa parágrafo
estabelecida único CPP);
no art. 91, II, Mandado de
'a', do Segurança.
Código
Penal na
medida em
que também
permite a
constrição
dos
instrumentos
da prática
do crime,
ainda que
em si
mesmo
sejam lícitos

49
Lei 9.613/98 Art. 4º Bens Instrumentali Indícios Durante a Pedido de
direitos ou zar o suficientes investigação Liberação
valores do confisco, da infração ou no curso (art. 4º, §2°);
investigado incidindo penal da ação embargos
ou acusado, sobre os penal pelo
ou proventos acusado ou
existentes (produto e terceiro
em nome de proveito) do (art.130,
interpostas ilícito, parágrafo
pessoas, provendo a único CPP)
que sejam reparação Apelação da
instrumento, do dano decisão que
produto ou causado (in)defere o
proveito do pelo ilícito pedido de
crime de sequestro
lavagem ou (art.593, II,
das CPP).
infrações * Parte da
penais doutrina
antecedente defende o
s cabimento
de Mandado
de
Segurança.

Alienação Art. 4º, §1°, Todos os Evitar a Em geral, a Que haja Apelação
antecipada e art. 4º-A, bens que frustração qualquer bem (art. 593, II,
de bens25 ambos da corram o dos momento constrito de do CPP)
Lei risco de objetivos entre a difícil
9.613/98; e perder das medidas efetivação manutenção
art. 144-A, relevância assecuratóri da medida ou que
CPP patrimonial as diante da assecuratóri corram risco
durante o possibilidad a e o de
período da e de perda trânsito em depreciação;
constrição, do valor de julgado. que haja
ou cuja mercado descrição
manutenção dos bens detalhada
apresente constritos. dos bens e
dificuldades de suas
característic
as no
requeriment
o de
alienação.

25 Sobre a alienação antecipada de bens, vide a Instrução Normativa Conjunta nº 1/2016, disponível em:
http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/cgmp/2016/IN012016TJPRMPPRSESPPR.pdf. Acesso em: 15 de
novembro de 2017.

50
2.1 DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS EM ESPÉCIE.

2.1.1 Aspectos Gerais

• PALUDO, Januário . Recuperação de bens. In: CARLI,


Carla Veríssimo De. [org.]. Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2011. p. 543-569.

Como instrumentos legais de recuperação de bens, podem ser


adotadas as medidas preconizadas nos arts. 125 a 144 do Código de Processo Penal, de
acordo com o art. 4° da Lei 9.613/98 (já examinadas em capítulo anterior) 26, à luz do qual,
trataremos a matéria tanto para as medidas cíveis, quanto penais.

Cumpre estabelecer a distinção entre medidas de sequestros 27


e
busca e apreensão, incidente sobre bens de origem ilícita (objeto, produto, proveito ou
instrumento do crime) e arresto, incidente sobre bens imóveis e móveis de origem lícita,
para ressarcimento do dano, custas e multa penal.

Além dessas medidas, o Juiz, a requerimento do Ministério Público


ou outra instituição legitimada, poderá adotar outras medidas cautelares inominadas,
fundadas no poder geral de cautela do Juiz (art. 798 do CPC), sejam preparatórias ou
incidentais de ações cíveis ou penais como a de indisponibilidade de bens e valores
(joias, objetos de arte, etc), direitos ou ações. Relevante registrar também as medidas
cautelares previstas na Lei 3.502/58 e na Lei 8.429/92, que trata da Improbidade
Administrativa.
26 Art. 4 O juiz, a requerimento do Ministério Público, ou representação da autoridade policial, ouvido o
Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do
inquérito ou da ação penal, a apreensão ou o sequestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou
existentes em seu nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na forma dos arts. 125
a 144 do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941 — Código de Processo Penal.
27 A rigor a medida medida assecuratória penal de sequestro incide sobre bens imóveis de origem ilícita
(CPP, art. 125), porquanto, para bens móveis, é cabível a busca e apreensão (CPP, art. 132). O
Arresto incide sobre bens lícitos, distinção essa consagrada pela atual redação ao art. 136 do Código
Penal, pela Lei 11.435/2006.

51
Para os bens lícitos, as medidas assecuratórias, de forma geral,
devem observar fumus boni juris e o periculum in mora. Em outras palavras, os requisitos
da plausibilidade do direito invocado, que se constituem nos indícios de autoria e
materialidade delitiva no âmbito penal ou possibilidade de dilapidação do patrimônio ou
alienação para evitar a constrição judicial — fraude à execução, e fraude contra credores,
no âmbito cível (ineficácia da medida caso tomada a posteriori).

Relativamente aos bens ilícitos, basta que se apresentem os indícios


de autoria e materialidade delitiva para a decretação da medida. Se preparatória da ação
penal, o pedido deve vir acompanhado de prova dos requisitos. Se incidental, tais
requisitos restaram superados pelo recebimento da denúncia onde foram examinados.

As medidas assecuratórias poderão atingir todo o patrimônio


conhecido do investigado ou réu, nos termos do § 2° do art. 4° da Lei 9.613/98. Somente
se dará a liberação ou exoneração do gravame aos bens de comprovada origem lícita,
reservando-se, no entanto, bens suficientes para o pagamento do ressarcimento do dano,
custas e multa. A prova da origem lícita é do investigado ou réu, como apontado na ACR
200660000041052/TRF3 28e ACR 200372050038729/TRF4.29

Como observado nos capítulos anteriores, a perda de bens ilícitos é


efeito da sentença condenatória. Logo, não há limitação para busca e apreensão e
sequestro de bens que sejam produto, instrumento ou proveito do crime. Há, pois, essa
distinção a ser feita: bens sujeitos ou não aos efeitos da perda por sentença condenatória,
pois somente os bens lícitos sujeitam-se à constrição para reparação do dano, pagamento
de multa e custas (art. 4°, § 2°, da Lei 9.613/98), devendo ser liberados tão logo se
conheça ou arbitre os respectivos valores, para que não se configure excesso.

Relevante observar que nos crimes de tóxicos deve ser decretada a


perda, em favor da União, de todos os bens, objetos e valores utilizados na prática do
crime, sejam esses de origem lícita ou ilícita, tendo em vista que a lei previa verdadeiro
confisco, conforme redação do artigo 34 da Lei n° 6.368/76, na alteração introduzida pela
28 Disponível in www.trf3.jus.br
29 Disponível in www.trf4.jus.br

52
Lei 9.808/99.

A atual Lei 11.464, de 23 de agosto de 2006, dedica todo o Capítulo


IV (arts.60 a 64) à disciplina da apreensão, arrecadação e destinação dos bens do
acusado. Sempre que o crime antecedente constituir de tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes ou drogas afins (art. 1°, I), aplica-se subsidiariamente ao crime de lavagem
tais dispositivos, no que não contrariar a Lei 9.613/98.

Para liberação dos bens lícitos — excluída a parte necessária à


reparação do dano, custas e multa — o acusado deverá comparecer pessoalmente ao
juízo. Trata o § 3° do art. 4 da Lei 9.613/98 da impossibilidade de liberação dos bens,
sejam lícitos ou ilícitos, quando o réu não for citado pessoalmente ou ocorrer a
denominada citação ficta (art. 366 do Código de Processo Penal). Nesses casos, poderá
o Juiz determinar medidas para a conservação de bens, direitos ou valores, inclusive a
extrema medida da venda antecipada para impedir sua deterioração ou destruição, ou
nomear administrador, nos termos do art. 5° do mesmo diploma. Se não comprovada a
origem lícita, presumem-se os bens com origem ilícita, cabendo o respectivo perdimento.

A nomeação de administrador se faz necessária em todas as


hipóteses em que não seja recomendável, desejável ou impossível permaneçam
eles sob guarda e responsabilidade do acusado até decisão final. É o que dispõe o
art. 5° da Lei 9.613/98: “Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o
Ministério Público, nomeará pessoa qualificada para a administração dos bens,
direitos ou valores apreendidos ou sequestrados, mediante termo de compromisso.

• MARCÃO, Renato . Curso de processo penal. 3ªed. Rev.,


ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 413-427.

As medidas assecuratórias são providências de cunho patrimonial


adotadas em procedimentos incidentes, que, portanto, devem ser decididos no curso do
processo criminal.

53
Visam impor restrições à fruição do produto do crime ou qualquer
proveito ou vantagem que dele decorra; assegurar a recomposição do patrimônio lesado,
com justa indenização ou reparação do dano causado à vítima, bem como o pagamento
de eventuais penas pecuniárias e despesas processuais.

São três as medidas assecuratórias tipificadas no CPP, que


configuram verdadeiras medidas cautelares reais, a saber: (1) sequestro; (2)
especialização de hipoteca legal e (3) arresto.

Leis especiais também tratam de medidas assecuratórias, tal


como ocorre com a Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006), que em seus arts. 60 a 64
regula a apreensão, arrecadação e destinação de bens móveis, imóveis e valores,
consistentes em produto de crime nela tipificado, e com a Lei de Lavagem ou
Ocultação de Bens (Lei n. 9.613/98), conforme seu art. 4º,§ 4º, segundo o qual
“poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores
para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista
nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas” .

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

Art. 4.º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou


mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte
e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas
assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes
previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.

A Lei 12.683/2012 trouxe várias mudanças em relação ao texto

54
originário do art. 4.º, caput, da Lei 9.613/1998: (1) delimitou o objeto dos indícios
suficientes, necessários para a decretação das medidas cautelares; (2) eliminou a
menção expressa apenas ao sequestro e à apreensão, referindo-se, genericamente, a
medidas assecuratórias; (3) passou a permitir que as medidas assecuratórias incidam,
também, sobre os instrumentos dos crimes; (4) passou a permitir que as medidas incidam
sobre bens do acusado em nome de interpostas pessoas. Por outro lado, eliminou a
referência expressa de que tais medidas poderão ser decretadas no curso do inquérito ou
da ação penal, conforme contava da redação originária do dispositivo.

Houve, pois, um claro propósito de ampliar a incidência das medidas


assecuratórias, conforme será exposto no item seguinte.

[…]

Quanto ao momento ou fases da persecução penal em que poderão


ser decretadas tais medidas, não há mais previsão expressa sobre a possibilidade de as
medidas assecuratórias serem decretadas “no curso do inquérito ou da ação penal”, como
constava da redação anterior do dispositivo. Isso não quer dizer que na fase de
investigação tais medidas não são cabíveis. Deverá ser aplicado, subsidiariamente, o
regime do Código de Processo Penal (art. 17-A da Lei 9.613/1998).

O sequestro de bens poderá ser decretado “em qualquer fase do


processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa” (art. 127 do CPP). Isto é,
poderá ser requerido tanto durante a ação penal, mas também na fase do inquérito
policial. Neste último caso, porém, as investigações já deverão ter recolhido elementos de
informação aptos a demonstrar a existência dos indícios veemente da proveniência ilícita
do imóvel a ser sequestrado.

[…]

Sob o rótulo de medidas assecuratórias, o Código de Processo


Penal disciplina medidas que costumam ser identificadas pela doutrina como medidas
cautelares patrimoniais penais.

55
É lição corrente que a tutela cautelar é um instrumento que visa
assegurar a utilidade e a eficácia de um provimento jurisdicional a ser proferido em outro
processo, dito processo principal. Assim sendo, a análise da tutela cautelar não pode
prescindir da verificação do conteúdo e da finalidade dessa tutela.

Quanto às medidas assecuratórias decretáveis em relação aos


processos que tenham por objeto a lavagem de dinheiro, é importante analisar qual será a
repercussão que eventual sentença penal condenatória terá, seja em termos de
ressarcimento do dano causado pelo delito, seja, principalmente, em termos de imposição
da perda do produto ou proveito do delito.

A reparação do dano causado pelo delito é finalidade – ainda que


secundária – da tutela penal condenatória. Assim sendo, o sistema processual penal
necessita de medidas cautelares que assegurem tal resultado, nas hipóteses em que o
tempo necessário para a prolação do provimento condenatório permita que a situação
patrimonial do investigado ou do acusado se altere, gerando o risco de que, quando do
provimento final, tal finalidade seja frustrada pela demora processual.

[…]

Bem se vê que, dentre os efeitos civis da condenação penal, aquele


que provavelmente terá nas medidas cautelares um meio mais eficaz de sua assecuração
será a perda do produto ou proveito do crime. Ainda assim, é preciso distinguir: (1)
produto do crime antecedente, (2) proveito do crime antecedente, (3) produto da lavagem
e (4) proveito da lavagem. O produto do crime antecedente, como já exposto, é o
resultado direto do crime antecedente, por exemplo, o dinheiro furtado. Já o proveito de
tal delito, e o resultado indireto, isto é, o que se obtém a partir do seu produto, por
exemplo, os imóveis comprados com o dinheiro subtraído. Tanto o produto quanto o
proveito da infração antecedente poderão ser objetos do crime de lavagem, uma vez
inseridos nas operações de branqueamento. Por exemplo, pode-se lavar o próprio
produto do crime antecedente, inserindo o dinheiro furtado, pulverizando-o em pequenas
quantias e várias aplicações financeiras…; ou o proveito do crime antecedente, no caso, o
imóvel, que será submetido a uma sucessão de vendas e compras… Por outro lado, o

56
lucro ou ganho aparentemente lícito, já reinserido na economia formal, consistirá o
produto da lavagem. Finalmente, o proveito da lavagem será algo obtido a partir do
produto da lavagem, quando já encerrada a atividade de reciclagem. Por exemplo, depois
de o lucro obtido pela lavagem já estiver com aparência lícita e em nome do beneficiário
do branqueamento e, portanto, encerrado o seu branqueamento, este valor é utilizado
para comprar um imóvel de luxo. O caput do art. 4.º da Lei 9.613/1998 deixa claro que
poderá ser objeto de constrição “instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos
nesta Lei ou das infrações penais antecedentes”.

Nesse sentido, inclusive, o dispositivo amplia a noção de


referibilidade, que é muito facilmente identificável no sequestro de bens. Sendo o
sequestro um instrumento destinado a assegurar a utilidade e eficácia de uma provável
sentença penal condenatória, somente poderá incidir sobre bens que tenham relação com
o próprio crime objeto da investigação ou da ação penal. Caso contrário, não haverá
referibilidade, o que é uma nota característica das medidas cautelares. No regime do
Código de Processo Penal, não se pode sequestrar bens que integrem o patrimônio ilícito
do acusado, mas que tenham sido obtidos pela prática de um crime diverso daquele que é
objeto do inquérito policial ou da ação penal em que se requereu a medida cautelar. Por
exemplo, num processo por crime de tráfico de drogas, não é possível promover o
sequestro de bens adquiridos com os preventos de um roubo que não seja objeto dessa
persecução penal. Ou mesmo no caso de uma pessoa que reitera a prática de um
determinado tipo de delito, por exemplo, no processo em que se imputa a sonegação de
um determinado tributo, não poderá haver o sequestro de bens que sejam proveitos de
outro crime, ainda que também se trate de sonegação fiscal, diverso daquele objeto da
ação penal que o sequestro visa instrumentalizar. Já no caso da lavagem de dinheiro, por
força do disposto na parte final do caput do art. 4.º da Lei 9.613/1998, a referibilidade é
dupla, pois referível tanto ao produto ou proveito da infração penal antecedente, quanto
ao produto da própria lavagem.

As medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal,


que costumam ser apontadas como medidas cautelares patrimoniais penais, são: o
sequestro, a especialização e registro da hipoteca legal e o arresto prévio à

57
especialização e registro da hipoteca legal. Mais especificamente, no Código de Processo
Penal, são previstas as seguintes medidas assecuratórias: sequestro de bens imóveis
(arts. 125 a 131); sequestro de bens móveis (art. 132); especialização e registro da
hipoteca legal (arts. 134 e 135); arresto de bens imóveis prévio à especialização e registro
da hipoteca legal (art. 136); arresto subsidiário de bens móveis (art. 137).

Pouco tempo depois das mudanças no regime legal da lavagem de


dinheiro, feitas pela Lei 12.683/2012, foi editada a Lei 12.964/2012, que alterou o Código
Penal para prever a possibilidade da “perda de bens ou valores equivalentes ao produto
ou proveito do crime” (art. 91, § 1.º), bem como possibilitou que “as medidas
assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores
equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda” (art. 91, §
2.º). Com isso, o legislador acabou por criar uma modalidade de sequestro subsidiário,
que poderá atingir bens lícitos em valores equivalentes aos do produto ou proveito do
crime, somente quando estes “não forem encontrados ou se localizarem no exterior”.

[…]

A nova redação dada pela Lei 12.683/2012 ao art. 4.º, caput, prevê
que poderão ser decretadas “medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores (…),
que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes”. Embora utilize a expressão que
indica o gênero – medidas assecuratórias – no lugar de duas das espécies – apreensão e
sequestro –, continua a referência que tais medidas incidirão somente sobre bens de
natureza ilícita, isto é “instrumento, produto ou proveito dos crimes”. Assim sendo,
continuaria a ser cabível, apenas, a apreensão e o sequestro, que se destinam a
assegurar o cumprimento dos efeitos da condenação consistentes na perda dos
instrumentos e do produto do crime.

Todavia, trazendo uma inovação para o regime das cautelares


patrimoniais, a nova redação do § 4.º do art. 4.º, dada pela Lei 12.683/2012, prevê outra
finalidade para as medidas assecuratórias, que poderão ser decretadas “para reparação
do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para
pagamento de prestação pecuniária, multa e custas”. No regime do Código de Processo

58
Penal, as medidas assecuratórias destinadas à reparação do dano causado pelo delito
são a inscrição e registro da hipoteca legal e o arresto prévio.

Por outro lado, é de se considerar também cabível no âmbito dos


crimes de lavagem de dinheiro, o sequestro subsidiário de “bens ou valores equivalentes
ao produto ou proveito do crime”, previsto no § 2.º do art. 91 do CP, acrescido pela Lei
12.964/2012. Embora o dispositivo tenha sido inserido no Código Penal, e não no Código
de Processo Penal, sua natureza de medida assecuratória – real – processual penal é
inconteste. Como se verá, trata-se de um sequestro subsidiário ao sequestro do Código
de Processo Penal. Aliás, o referido § 2.º prevê que “as medidas assecuratórias previstas
na legislação processual penal poderão abranger bens ou valores equivalentes do
investigado ou acusado para posterior decretação da perda”.

Assim sendo, entre as medidas cautelares patrimoniais admissíveis


no âmbito da Lei de Lavagem, poderão ser decretadas: (1) o sequestro do Código de
Processo Penal, a incidir sobre bens, direitos e valores que sejam produto direto ou
indireto da infração antecedente ou do crime de lavagem (art. 4.º, caput), visando
assegurar o efeito da condenação penal consistente na perda do produto direto ou
indireto da infração (art. 7.º, caput, I, da Lei 9.613/1998 c.c. o art. 91, caput, II, b, do CP);
(2) o sequestro subsidiário de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do
crime”, previsto no § 2.º do art. 91 do CP, para assegurar o efeito da condenação da perda
de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime (art. 91, § 1.º, do CP);
(3) a inscrição e registro da hipoteca legal, para assegurar o efeito da condenação penal
consistente em tornar certo o dever de reparar o dano (art. 4.º, § 4.º, do Lei 9.613/1998,
c.c. o art. 91, caput, I, do CP); e, com esse mesmo objetivo; (4) o arresto.

Por outro lado, embora não seja medida assecuratória propriamente


dita, não se pode deixar de considerar que, em relação ao produto direto do crime (art.
240, § 1.º, b, do CPP), principalmente em se tratando de bem móvel (art. 132 do CPP),
bem como em relação aos instrumentos do crime, a busca e a apreensão (art. 240, § 1.º,
d, do CPP) exercerá importante função. Mormente diante da facilidade de o acusado
ocultar ou se desfazer de bens móveis, normalmente não submetidos a um registro oficial

59
para transmissão de propriedade, a apreensão da coisa, como desapossamento de seu
titular, é importante para assegurar os efeitos da condenação penal consistentes na perda
dos instrumentos do crime (art. 91, II, a, do CP) e a perda do produto ou proveito do
crime, no caso de coisas móveis (art. 91, caput, II, b, do CP).

2.1.2 Sequestro

• OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Provimentos cautelares


patrimoniais em lavagem de ativos. In: CARLI, Carla
Veríssimo De. [org.]. Lavagem de dinheiro: prevenção e
controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 511-542.

No tocante ao sequestro, igualmente faz-se necessário relevante


trabalho hermenêutico30, pois a norma remete a necessidade de sua decretação ao
descabimento da busca anteriormente examinada e à existência de indícios veementes
da proveniência ilícita dos bens.

Essa medida destinada à recuperação de proventos de infração,


ainda que já tenham sido transferidos a terceiro, bem como à preservação daqueles em
domínio do investigado atinge tanto bem imóveis, quanto bens móveis, aqui devendo ser
compreendidos também os ativos financeiros. Essa é a orientação da doutrina, 31 que
também encontra ressonância na jurisprudência. 32

Uma vez realizada a decretação do sequestro, esta medida

30 Edilson Vitorelli Diniz Lima e Gabriel Moreira Cour, no artigo, Medidas Assecuratórias do Processo
Penal: novos conceitos à luz das reformas processuais (http://www.anpr.org.br/portal/index.php?
option=com_anpronline&ltemid=171&task=content&edicao=9&tab=1&pg=114), acessado em
17.08.2010, remetem o leitor à lição de Alexandre Câmara no sentido de que “provável é aquilo que
se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que demonstra grandes motivos para fazer crer
que corresponde à verdade.” Para ele, o juízo de probabilidade seria algo como uma “quase-certeza”.
31 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis correlatas, com comentários
artigo por artigo à Lei 9.613/1998. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 229.
32 Por exemplo, vide TRF4, ACR 2003.70.02.009444-1/PR, 7ª T., Rel. Juiz José Luiz B. Germano da
Silva, unânime. j. em 29/06/2004, pub. DJ 21/07/2007, p. 827.

60
assecuratória terá autuação própria em apartado, havendo a sua inscrição na matrícula
de eventuais imóveis constritos no Registro de Imóveis, registro de aviões 33 e
embarcações34, além de inscrição do sequestro de cotas em atos constitutivos das
empresas, perante a Junta Comercial em caso de sequestro de cotas. Além dessas
hipóteses, em que se dá publicidade ampla à medida, notadamente, no caso de bens
móveis, cabe ao juiz nomeação de um depositário, com vistas à conservação da coisa,
havendo no caso da Lei de lavagem de capitais, como adiante tratado, a figura do
administrador, aplicável em determinadas hipóteses.

De acordo com o §1º do art. 4º da Lei 9.613/98, as medidas


assecuratórias ali previstas, leia-se, sequestro, serão levantadas se a ação penal não for
iniciada no prazo de cento e vinte dias, contados da data em que ficar concluída a
diligência. Tal prazo, sem embargo dos possíveis embaraços depreendidos do exame da
fundamentação da Questão de Ordem o Inquérito 2248 do STF, teve naquela corte o
reconhecimento de que somente após encerradas todas as providências probatórias
sobre o bem apreendido, é que se iniciaria o prazo.

Nada mais correto, haja vista que a fixação do prazo é feita para a
contenção de possíveis abusos estatais, consistente em inércia deliberada sobre uma
investigação com o bem constrito. Havendo diligências sobre os bens em questão, ainda
que com considerável prazo, o que é comum, mormente em casos de grande
complexidade, como em regra, são os de lavagem de ativos, não há como se aplicar uma
efetiva sanção ao autor da ação penal por suposta desídia. A título de simplório exemplo,
em posse de um investigado sem aparente rendimento lícito a justificá-lo. A base indiciária
para o sequestro, posse sem lastro financeiro, é relevante, mas resta confirmar se essa
posse não era circunstancial, quem é o “terceiro” em nome de quem o carro estava
registrado, se ele possui renda compatível para tal aquisição, se a entrega do carro ao
investigado possui algum fundamento factual legítimo. São medidas que levam tempo,
sobretudo, a da capacidade financeira da pessoa em nome de quem o veículo

33 De atribuição da Agência Nacional de Aviação Civil.


34 Conforme o art. 3º da Lei 7.652/88 e suas alterações, “as embarcações brasileiras, exceto as da
Marinha de Guerra, serão inscritas na Capitania dos Portos ou órgão subordinado, em cuja jurisdição
for domiciliado o proprietário ou armador ou onde for operar embarcação”.

61
sequestrado está registrado.

É de se pontuar também que, além do marco inicial de contagem ter


sob outro vértice, que esse prazo também não é absoluto. Com efeito, e com grande
acerto, os tribunais conferem o necessário viés teleológico ao prazo de 120 dias, a fim de
que ele seja um parâmetro a ser observado, mas não de forma fixa, sendo a duração
desse prazo também sujeita a um teste de proporcionalidade em concreto, ou em outras
palavras, ao cotejo se a restrição ao direito de proporcionalidade está compatível com o
dever de proteção eficiente por parte do Estado e se o desempenho desse dever mostra-
35
se compatível com a proibição à vedação do excesso. Nesse sentido, encontram-se
diversos julgados, sendo dignos de nota os seguintes: TRF4, Acr 2004.71.00.040.762-
6/RS, 8ª T., Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro, unânime, j. 6/04/2005, pub. Dj 20/04/2005,
p. 1105; TRF2, ACR 2001.02.01.31685-1/RJ, 6ª T., Rel. Juiz Poul Eril Dyrlund, maioria, j.
em 06/06/2002, pub. DJ 25/03/2002, p. 317; TRF4, ACR 2003.70.02.009444-1/PR, 7ª T.,
Rel. Juiz José Luiz B. Germano da Silva, unânime, j. em 29/06/2004, pub. 21/07/2004, p.
827; TRF3, Acr 23119/SP, 5ª T., Rel. Juiz André Nekatschalow, j. em 06/11/2006, pub. DJ
05/12/2006, p. 572.

Consoante o §3º do art. 4º da Lei 9.613/98, “nenhum pedido de


restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado”, essa assim
36
considerada a presença física, , efetiva, tendo sido essa, aliás, preocupação constante
da exposição de motivos.37 Nota-se que inexiste qualquer incongruência entre a
obrigatoriedade da apresentação pessoal para o pleito de eventual levantamento do
sequestro, com a regra que exclui a aplicação do art. 366 do CPP 38, muito embora não
tenha primado pela melhor técnica o legislador ao trazer a prescrição de que o juiz irá
“determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos
casos do art. 366 do Código de Processo Penal”. Tem-se que a leitura a ser feita é a de
35 Sobre o tema, recomendam-se as seguintes obras: FISCHER, Douglas. Delinquência Econômica e
Estado social e Democrático de Direito, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. STRECK, Maria Luiza
Shafer, Direito Penal e Constituição. A face ocultada da proteção ao direitos fundamenais, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009 e BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime Organizado e Proibição
da Insuficiência, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
36 BONFIM, Marcia Monassi. E BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de Dinheiro, São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 90.
37 Op. cit., p. 90.
38 Id. Ibidem.

62
que nas hipóteses de ausência do réu não localizado e citado por edital, o juiz deve
adotar as medidas de conservação, muito embora a ação penal continue a ter o seu
deslinde normal. Inventarialmente, o que deve ser frisado é que nenhuma exegese deve
legitimar a flexibilização da necessidade de comparecimento pessoal para a formulação
do pedido de contracautela, sob pena de inocuidade do dispositivo.

• RENATO MARCÃO - (MARCÃO, Renato. Curso de


processo penal. 3ªed. Rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 413-427)

O sequestro configura medida cautelar de natureza real, que pode


ser decretada em face do cometimento de delito de ação pública ou privada.

Ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, constitui


efeito da condenação (CP, art. 91, II, b) a perda, em favor da União, do produto do crime
(vantagem diretamente obtida com a prática delitiva) ou de qualquer bem ou valor que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (bens adquiridos
com o proveito do crime).

Sabido que, muitas vezes, o investigado ou acusado pode dar rápido


e desconhecido destino ao proveito que do delito decorre, o sequestro se apresenta como
medida jurídica célere, apta a acautelar tais bens e, com isso, evitar maiores danos ao
lesado ou ao terceiro de boa-fé, bem como à União, destinatários finais dos benefícios
proporcionados por essa modalidade de procedimento incidente.

Bens que podem ser sequestrados

O sequestro pode recair sobre bens imóveis " (art. 125) e móveis"'
(art. 132), desde que se trate de bem determinado; específico. Não cabe sequestro sobre

63
bem indeterminado ou sobre a generalidade dos bens do apontado autor do delito.

Não é todo e qualquer bem que se encontra sujeito a esse tipo


de medida constritiva, visto ser ela cabível apenas em relação àqueles bens
adquiridos pelo indiciado ou acusado com os proveitos da infração penal , ainda que
já tenham sido transferidos a terceiro (CPP, art. 125).

Proceder-se-á ao sequestro dos bens móveis se, havendo indícios


veementes da proveniência ilícita, não for cabível a medida de busca e apreensão
regulada no art. 240 do CPP.

Em relação ao produto do crime, não se determina sequestro, mas


busca e apreensão (CPP, art. 240, § 1º, b).

Quando se tratar de crime praticado em detrimento da Fazenda


Pública, calha observar que: "O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido
de que o sequestro de bens de pessoa indiciada ou já denunciada por crime de que
resulta prejuízo para a Fazenda Pública, previsto no Decreto-Lei n. 3.240/41, tem
sistemática própria e não foi revogado pelo Código de Processo Penal em seus arts. 125
a 133, continuando, portanto, em pleno vigor, em face do princípio da especialidade. O
art. 3º do Decreto-Lei n. 3.240/41 estabelece para a decretação do sequestro ou arresto
de bens imóveis e móveis a observância de dois requisitos: a existência de indícios
veementes da responsabilidade penal e a indicação dos bens que devam ser objeto da
constrição. Com efeito, o sequestro ou arresto de bens previsto na legislação especial
pode alcançar, em tese, qualquer bem do indiciado ou acusado por crime que implique
prejuízo à Fazenda Pública, diferentemente das idênticas providências cautelares
previstas no Código de Processo Penal, que atingem somente os bens resultantes do
crime ou adquiridos com o proveito da prática delituosa. Tem-se, portanto, um tratamento
mais rigoroso para o autor de crime que importa dano à Fazenda Pública, sendo
irrelevante, na hipótese, o exame em torno da licitude da origem dos bens passíveis de
constrição".

64
Momento da decretação

O sequestro pode ser decretado em qualquer fase do inquérito ou do


processo de natureza criminal.

Não cabe sequestro de bens na fase de execução da pena, visto


que constitui efeito da sentença penal condenatória a perda em favor da União dos bens
sequestráveis, tal como regulamenta o art. 91, II, b, do CP.

Com efeito, se já ocorreu perda em favor da União, não há como


pensar em se sequestro desses mesmos bens em momento posterior.

Requisitos

São requisitos para a decretação do sequestro: (1) a prática de fato


descrito como infração penal, (2) existência de indícios veementes da proveniência ilícita
dos bens e (3) periculum in mora.

Por infração penal entenda-se: crime ou contravenção.

Indício, em sentido amplo, ensina ZWANCK, corresponde,


modernamente, a sinal, argumento, vestígio, indicação, aspecto, aparência, mostra, rasto,
marca, pegada, descoberta, revelação.

Para MITTERMAIER, indício é um fato em relação tão precisa com


outro fato que, de um, o juiz chega ao outro por uma conclusão natural.

Segundo MALATESTA, no indício, que é modalidade de prova


indireta, "a coisa que se apresenta como verdadeira é sempre diversa da desconhecida,
que se faz conhecer".

De acordo com as graduações de probabilidade que o indício


fornece; conforme a verossimilhança que dele se extrai, na medida em que se afasta da
simples probabilidade, é possível distinguir meros indícios de indícios veementes,

65
conforme sua substância probatória.

Para o deferimento da medida, não se exige prova robusta; é


suficiente a demonstração de indícios veementes, sérios, a indicar que determinado bem
foi adquirido com proveito obtido com a prática delitiva. Exemplo: são sequestráveis o
apartamento, as joias e veículos adquiridos com dinheiro roubado (CP, art. 157) ou
proveniente de corrupção passiva (CP, art. 317).

Os dois primeiros requisitos representam o fumus boni juris, mas,


por estarmos diante de medida acautelatória, é indispensável a presença do periculum in
mora; é preciso estar evidenciado que a medida se faz urgente, sob pena de ineficácia, e
tanto isso é exato que, se for determinada na fase de inquérito, a ação penal deverá ser
ajuizada no prazo de sessenta dias, contados de sua efetivação, sob pena de
levantamento do sequestro, conforme veremos mais adiante.

Juiz competente e legitimação ativa

A decretação de qualquer medida assecuratória é matéria de


competência jurisdicional.

A competência para decretar o sequestro de bens é do juiz do


processo de natureza criminal, do qual a medida cautelar é procedimento incidente.

A medida pode ser decretada pelo juiz, de ofício, ou em razão de


requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou, ainda, em acolhimento à
representação formulada pela autoridade policial que oficiar nos autos do inquérito.

O assistente do Ministério Público pode postular sequestro de bens?

Claro que sim.

Podem figurar como assistente: o ofendido, seu representante legal,


ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP (cônjuge, ascendente,

66
descendente ou irmão) (CPP, art. 268).

Embora o art. 127 do CPP se refira apenas ao ofendido como


legitimado e o art. 271 não disponha expressamente, não tem sentido imaginar o
contrário, já que, no mais das vezes, a atuação do assistente no processo penal, seja ele
quem for, tem como principal objetivo (mas não o único) a recomposição do patrimônio
lesado, medida que se consegue com a reparação dos danos sofridos, sendo esta uma
das finalidades do sequestro de bens.

Procedimento

O pedido de sequestro deve ser feito por escrito, em petição


específica, que deverá ser apresentada com as provas disponíveis a respeito do alegado,
sem prejuízo da indicação de outras que se pretenda produzir (requisição de documentos
fiscais, bancários etc.).

Seu processamento corre em separado, e por isso deve ser autuado


em apartado.

Mesmo quando for determinado ex officio, deverá ser processado


em autos distintos, com vistas a evitar tumulto processual, cumprindo ao magistrado,
nesse caso, fundamentar adequadamente sua decisão (CF, art. 93, IX).

Vencido o juízo de prelibação (análise inicial de seu cabimento


quando deflagrado por provocação) e determinado o sequestro, se recair sobre bem
imóvel, depois de efetivado, o juiz ordenará a sua inscrição no Registro de Imóveis, de
modo a dar formal publicidade à indisponibilidade do bem e resguardar direitos,
especialmente em relação a terceiro, que não poderá alegar boa-fé caso adquira bem
sujeito a tal constrição.

A partir daí, a questão patrimonial entra em compasso de espera, até


que o processo criminal seja definitivamente solucionado.

67
Se a ação penal for julgada procedente, após o trânsito em julgado
da sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determinará
a avaliação e a venda em leilão público do bem sequestrado.

O valor arrecadado com a venda pública será destinado ao lesado


e/ou ao terceiro de boa-fé. O saldo, se houver, será recolhido ao Tesouro Nacional.

Ataque recursal

A decisão que concede ou nega pedido de sequestro de bens pode


ser atacada com recurso de apelação (CPP, art. 593, II).

Cabimento de embargos e competência para julgamento

Efetivado o sequestro, admite-se defesa ou contrariedade à medida


por meio de embargos, que nos termos dos arts. 129 e 130 do CPP podem ser
interpostos pelo investigado ou acusado e também por terceiro de boa-fé (terceiro
senhor e possuidor, ou apenas possuidor)

De início, cumpre estabelecer a diferença que há entre o terceiro de


boa fé que nada tem com a situação tratada no processo criminal, ao qual não se vincula
seu patrimônio, e ainda assim sofre os efeitos da decisão que determina o sequestro
(CPP, art. 129), e o terceiro de boa fé que se encontra vinculado à questão penal por ter
adquirido, a título oneroso, bem sujeito a sequestro (CPP, art. 130, II).

Em verdade, a defesa apresentada pelo investigado ou acusado, e


também pelo terceiro de boa-fé que adquiriu a título oneroso bens sequestráveis, traduz
verdadeira contestação ou impugnação à medida constritiva, e não embargos
propriamente. Da interposição de embargos só se pode falar, tecnicamente, e a teor do
disposto no art. 674 do CPC/2015f5 em relação ao terceiro que não tem qualquer relação
com a prática penal tratada no processo principal ou seu autor, e foi atingido

68
indevidamente em seu patrimônio com o sequestro de bens.

O art. 130, I e II, do CPP, restringe as matérias que podem ser


discutidas em sede de embargos (que têm natureza de contestação), de tal sorte que o
acusado somente poderá valer-se da via processual para alegar e provar que o bem
sequestrado não foi adquirido com aquilo que lhe rendeu a infração penal (proveitos da
infração).

Em relação ao terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos


a título oneroso, só caberão embargos sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.

É oportuna nesse momento a observação de PACELLI quando


aponta que “a existência de fundamentação vinculada (às matérias mencionadas no art.
130, CPP) dos embargos pode esbarrar, no caso concreto, nas franquias constitucionais
do devido processo legal, uma vez que ninguém será privado de seus bens sem a sua
observância (art. 52, LIV)”,cumprindo se respeitem os princípios da ampla defesa e do
contraditório, a reclamar, por vezes, a necessidade de discussão mais ampla.

Mas é preciso considerar que, em relação aos embargos a que se


refere o art. 129 do CPP — que podem ser interpostos pelo terceiro cujo patrimônio
não guarda qualquer relação com o processo de natureza criminal -, não há igual
limitação temática; inexistente fundamentação vinculada.

A competência para julgar os embargos é do juiz penal que


determinou o sequestro; tudo se resolve na vara criminal em que tramita o processo
principal (o processo-crime que serve e base para a cautelar).

Com o intuito de evitar decisões contraditórias, o parágrafo único do


art. 130 do CPP determina que o juiz só poderá decidir os embargos depois do trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, mas, quando se tratar de embargos de ter -
ceiro de boa-fé que não tem qualquer relação com o processo, essa regra não deve ser
aplicada, pois, como apreendeu Nucci, nesse caso os embargos devem ser julgados tão
logo termine a instrução do procedimento incidente, visto que “não há razão de se reter o
bem imóvel de terceiro inocente, que relação alguma tem com o crime, por tempo

69
excessivo”.

Com o mesmo olhar que anteriormente apresentamos, justifica o


jurista: “A diferença existente entre este terceiro de boa-fé, estranho ao processo criminal,
e o terceiro de boa-fé do art. 130, II, do CPP, que se vale de uma impugnação ao pedido
de sequestro, é a seguinte: o primeiro não adquiriu o bem imóvel sobre o qual recaiu o
sequestro diretamente do indiciado ou acusado, podendo ter havido mera confusão a
respeito da ordem de constrição judicial. Ilustrando: ordena o juiz o sequestro da casa 1-A
do condomínio, mas a medida é lavrada no tocante a casa 1-B. O proprietário deste
imóvel interpõe embargos de terceiro, com base no art. 129, merecendo julgamento
imediato. Quanto ao terceiro adquirente, a título oneroso, do imóvel, cabe a previsão feita
no parágrafo único do art. 130, ou seja, os embargos por ele interpostos serão apreciados
somente após o término definitivo do processo criminal”.

Levantamento do sequestro

O art. 131 do CPP indica situações jurídicas em que o sequestro


perderá sua eficácia, quando então será levantado.

O levantamento do sequestro nada mais é do que o término de seus


efeitos; o fim da constrição judicial outrora determinada sobre bem específico, o que não
impede eventual ação de reparação civil; não obsta a iniciativa do lesado no juízo cível,
em ação própria, com vistas à recomposição do patrimônio diminuído por consequência
da prática delitiva.

Caberá o levantamento do sequestro:

1) Se, determinado na fase de investigação, a ação penal não for


intentada no prazo de sessenta dias, contado da data em que ficar concluída a diligência.

A inércia ou desídia, em tal caso, está a indicar que a medida não


era urgente, e por isso deve perder sua eficácia.

70
2) Se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar
caução que assegure a aplicação do disposto no art. 91, II, b, segunda parte, do CP.

3) Se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por


sentença transitada em julgado.

A sentença de extinção da punibilidade não altera o direito de que


dispõe o lesado de perseguir no juízo cível a justa reparação do dano sofrido. De igual
maneira, considerando o fundamento que se utilizar, a sentença absolutória também não
produz empecilho à via reparatória, tal como irá ocorrer quando o réu for absolvido por
não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VII).

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

O Código de Processo Penal prevê o sequestro de bens imóveis


(arts. 125 a 131) e o sequestro de bens móveis (art. 132) praticamente sob o mesmo
regime. A única diferença é que o sequestro de bens móveis tem um requisito negativo de
não ser cabível a busca e apreensão da coisa sequestrada, que, obviamente, não se
aplica ao sequestro de imóveis.

O objeto do sequestro, isto é, as coisas que poderão ser


sequestradas são os bens imóveis que sejam produto, direto ou indireto, do crime. O art.
125 do CPP dispõe que “caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado
com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro”. Os
proventos da infração são o seu produto indireto, por exemplo, um imóvel comprado com
o dinheiro roubado. Em regra, não cabe o sequestro do produto direto da infração (por
exemplo: a coisa roubada), até mesmo porque tal coisa deverá ser apreendida pela
autoridade policial, tratando-se de coisa móvel. Porém, na ausência de norma expressa, a

71
doutrina tem admitido que o sequestro do art. 125 do CPP tenha por objeto também o
produto direto da infração, quando se trate de bens imóveis (por exemplo: o imóvel cuja
propriedade a vítima enganada tenha transferido para o estelionatário).

Para que a medida seja decretada, “bastará a existência de indícios


veementes da proveniência ilícita dos bens” (art. 126 do CPP). O standard probatório
consistente em “indícios veementes”, embora não se identifique com a certeza, também
não pode ser confundido com a simples suspeita ou mera suposição. Deve haver uma
elevada probabilidade de que os bens sejam de proveniência ilícita. Por outro lado, como
lembra Câmara Leal, “se houver alguma outra hipótese também provável, não afastada
pelos indícios, estes deixam de ser veementes e não autorizam o sequestro”.

A legitimidade para se pleitear o sequestro é ampla. A medida


poderá ser requerida pelo Ministério Público ou pelo ofendido. O Código de Processo
Penal prevê que a medida também poderá ser decretada ex officio pelo juiz, ou mediante
representação da autoridade policial (art. 126 do CPP). Todavia, diante da mudança
operada pela Lei 12.403/2011, a regra do art. 282, § 2.º, do CPP, que veda ao juiz a
decretação de medidas cautelares ex officio durante a investigação, revogou a
possibilidade de o juiz decretar o sequestro ex officio durante o inquérito policial. Com
relação ao ofendido, não há exigência de que o requerimento seja formulado apenas pelo
assistente de acusação. Assim, no curso da ação penal, mesmo o ofendido não habilitado
poderá requerer a medida. Obviamente, no curso do inquérito, em que não cabe a
assistência de acusação, a simples condição de ofendido também legitima o pleito.

No que diz respeito à possibilidade de decretação do sequestro


mediante representação da autoridade policial, é de se observar que a autoridade policial
não tem legitimidade para requerer, mas apenas e tão somente para representar. Assim
sendo, se sua representação for encapada pelo Ministério Público, poderá o juiz, mesmo
na fase do inquérito policial, deferir a medida. Isso porque, substancialmente, está diante
de um ato postulatório do Ministério Público. Por outro lado, em caso de representação do
delegado de polícia, se não houver manifestação do Ministério Público, ou se sua
manifestação for contrária à medida cautelar patrimonial, o juiz não poderá decretá-la,

72
pois equivalerá a uma medida ex officio, uma vez que carece de pedido formulado por
quem de direito.

Passando ao sequestro de bens móveis, tal medida segue mesmo


regime do sequestro de imóveis (art. 132 do CPP), havendo, porém, um requisito
específico: não ser cabível a busca e apreensão. Em se tratando de bens que podem ser
apreendidos (por exemplo: o bem furtado), deverá ser realizada a apreensão, quer na
fase do inquérito policial, quer durante a ação penal. Justamente por isso, dificilmente
caberá o sequestro do produto direto da infração penal. O produto do crime, por exemplo,
a coisa furtada, o dinheiro obtido pelo estelionatário etc., deverá ser apreendido, quer por
se tratar de coisa obtida por meio criminoso, quer por ser necessário à prova da infração
(art. 240, § 1.º, “b” e “e”, respectivamente, do CPP).

No mais, o sequestro de bens móveis segue o regime do sequestro


de imóveis.

Por fim, resta tratar do sequestro subsidiário previsto no § 2.º do art.


91 do CP.

A Lei 12.964/2012 alterou o Código Penal para prever a


possibilidade de mais um efeito civil da condenação penal: a “perda de bens ou valores
equivalentes ao produto ou proveito do crime” (art. 91, § 1.º). Se há mais uma finalidade –
ainda que secundária da condenação penal –, torna-se necessário, para se assegurar a
utilidade e eficácia dessa tutela jurisdicional, que se preveja medida assecuratória para
tanto. Embora o legislador não tenha criado uma medida específica para esse fim,
acrescentou um § 2.º ao mesmo art. 91 do CP, prevendo que “as medidas assecuratórias
previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do
investigado ou acusado para posterior decretação de perda”.

Apesar da pouca clareza do legislador, a única medida assecuratória


prevista no Código de Processo Penal que pode servir, com adaptações, para tal
finalidade é o sequestro de bens. Por isso, afirma-se que a Lei 12.964/2012 criou, ainda
que indiretamente, um sequestro subsidiário de bens ou valores equivalentes ao produto

73
direto ou indireto da infração penal (CP, art. 91, § 2.º).

Primeiro, é de se identificar a finalidade de tutela que a medida


busca assegurar. O Código Penal já previa a perda do produto ou proveito do crime como
efeito da condenação penal (art. 91, caput, II, b, do CP). Todavia, em tempos de lavagem
de dinheiro, é raro que o criminoso conserve consigo o produto direto do crime, por ser
um fortíssimo elemento de prova da autoria delitiva. Por outro lado, mesmo no que diz
respeito ao proveito do crime, é comum que haja uma série de operações visando ocultar
e dissimular a origem ilícita do bem, tornando muito difícil a prova de uma cadeia causal
que ligue um determinado bem de propriedade do acusado com a sua origem criminosa.

Justamente por isso, passou a ser efeito da condenação, além da


perda do produto ou proveito do crime, também a “perda de bens ou valores equivalentes
ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se
localizarem no exterior” (art. 91, § 1.º, do CP). Esse, porém, é um efeito secundário ou
subsidiário, somente cabível quando não for possível a efetivação do efeito principal que é
a perda do próprio “produto ou proveito da infração” (art. 91, caput, II, b, do CP). A razão
da preferência é óbvia. O produto ou proveito da infração é bem ilícito que integra o
patrimônio do acusado. Já o equivalente ao produto ou proveito normalmente será um
bem lícito!

Em razão disso, afirma-se que a nova medida do art. 91, § 2.º, do


CP é um sequestro subsidiário, que o juiz somente poderá decretar quando não for
possível determinar, em caráter primário e principal, o sequestro de bens imóveis (art. 125
do CPP) ou o sequestro de bens móveis (art. 132 do CPP), a incidir sobre o próprio
produto ou proveito do crime.

Somente nos casos em que se identifica que o crime gere um ganho


patrimonialmente aferível, mas não é possível atingir esse bem ilícito, seja porque “estes
não foram encontrados”, seja porque, mesmo encontrados, “se localizam no exterior”,
será possível a decretação do sequestro subsidiário do art. 91, § 2º, do CP.

De se ressaltar que a expressão “não foram encontrados” significa

74
que houve procura, pesquisa, tentativa de localização pelos meios normais, mas elas se
mostraram infrutíferas. Neste caso, buscados mas não achados os bens que sejam
produto ou proveito do crime, pode se sequestrar bens ou valores equivalentes. O
legislador não estabelece como requisito, a indicar a subsidiariedade, “serem difíceis de
encontrar” mas “não forem encontrados”. Assim sendo, esta não poderá ser uma medida
cautelar patrimonial inaugural. Deve se decretar, primeiramente, o sequestro de bens (art.
125 ou art. 132 do CPP) e somente quando este se mostrar inviável, porque o produto ou
proveito não foi encontrado, passa-se ao sequestro subsidiário de bens ou valores
equivalentes (art. 91, § 2.º, do CP).

Obviamente, tal medida poderá incidir sobre bens ou valores que


integram licitamente o patrimônio do investigado ou acusado.

Por outro lado, uma vez que o objeto seja equivalente, isto é, de
mesmo valor, é preciso, pois, que no requerimento se indique qual foi o produto ou
proveito do crime e se estime o seu valor. Como esse produto ou proveito foi procurado e
não encontrado, ou encontra-se no exterior, se requer o sequestro subsidiário de bens ou
valores equivalentes. Como a medida não incide sobre objeto específico – o produto ou
proveito –, não é necessário que se indiquem quais bens ou valores deverão ser
sequestrados. Mas havendo tal indicação, há mais chance de efetivo cumprimento da
medida. A decisão judicial deverá indicar o valor específico a ser sequestrado. Poderá,
outrossim, indicar um específico bem. Não poderá haver excesso na constrição. Se forem
sequestrados bens ou valores cujo quantum seja superior ao valor estimado do produto
ou proveito do crime, será cabível o mandado de segurança para conter o excesso ilegal.

No mais, por se tratar de um sequestro subsidiário, segue-se o


regime geral do sequestro de bens do Código de Processo Penal.

Destaque-se que essa nova medida poderá ser bastante eficaz nos
casos de lavagem de dinheiro, principalmente naquelas hipóteses em que pelas
sucessivas operações típicas do processo de branqueamento, visando ocultar e
dissimular a origem ilícita de bens ou valores, não se consegue, com clareza, demonstrar
que um determinado bem que integra o patrimônio do acusado seja proveito do crime. O

75
longo caminho que percorre o dinheiro ou patrimônio sujo normalmente dificulta a
demonstração da cadeia causal que se inicia com o produto direto do crime até chegar
em um determinado bem depois de uma série de operações intermediárias, para que
esse possa ser considerado seu produto indireto. Neste caso, diante da impossibilidade
de encontrar tais bens, caberá o sequestro subsidiário de bens ou valores equivalentes.
Também será uma medida eficiente no caso de mescla de bens, isto é, em que um
determinado bem existente no patrimônio do acusado tenha sido adquirido com mistura
de dinheiro sujo e dinheiro limpo.

2.1.3 Especialização de hipoteca legal

• RENATO MARCÃO - (MARCÃO, Renato. Curso de


processo penal. 3ªed. Rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 413-427)

Constitui efeito automático da condenação tornar certa a obrigação


de indenizar o dano causado pelo delito (CP, art. 91, I).

A hipoteca de bens imóveis pode decorrer da livre manifestação de


vontade das partes, quando então é denominada hipoteca convencional; de determinação
judicial manifestada em sentença, hipótese em que é chamada de hipoteca judicial, ou de
previsão legal específica, como é o caso sob análise, por isso chamada hipoteca legal.

A medida assecuratória de especialização de hipoteca legal é


procedimento cautelar incidente, de natureza real, que tem por finalidade separar, do
patrimônio do autor do delito, bens suficientes para o pagamento de eventual indenização
— reparação dos danos causados com a ação ilícita —, pagamento de custas e despesas
processuais.

76
Também está prevista no Código Civil, no qual o art. 1.489, I, dispõe
que a lei confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do
delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas
judiciais.

Requisitos
A especialização de hipoteca reclama a satisfação de dois requisitos,
a saber: (1) certeza da ocorrência da infração penal, e (2) indícios suficientes da
respectiva autoria.

Para afirmar certeza é preciso prova inequívoca de que o crime de


fato ocorreu. Não basta, portanto, a afirmação de meros indícios a esse respeito.

Seja como for, o legislador se equivocou ao exigir certeza a respeito


da ocorrência do delito, visto que certeza — mesmo —, juridicamente falando, só poderá
ser afirmada, e ainda assim com alguma reserva, após o trânsito em julgado da sentença
penal que decidir sobre o fato dotado de aparência ilícita, porquanto vigorante entre nós o
princípio da presunção de inocência.

Ora, se a medida de especialização de hipoteca pode ser


determinada ainda na fase de inquérito, é no mínimo estranho afirmar tal certeza nesse
momento inicial da persecução.

Sendo assim, onde se lê certeza da ocorrência da infração penal,


entenda-se: prova da existência do delito, tal como se verifica no art. 311 do CPP, que
trata da prisão preventiva.

Sobre indícios e sua força probante, para evitar o enfaro da


repetição sugerimos consulta ao que escrevemos a tal respeito no capítulo destinado ao
tema prova.

77
Bens sujeitos à hipoteca legal

Ao contrário do sequestro, a hipoteca só pode recair sobre bens


imóveis e não visa patrimônio litigioso, que tenha origem ilícita por guardar relação com a
prática delitiva (produto do crime ou vantagem dele advinda). Ao contrário, recai apenas
sobre bem livre, de origem lícita.

Deve recair sobre imóvel determinado, específico.

O art. 1.473, I, do Código Civil, diz que podem ser objeto de hipoteca
os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles.

Legitimação ativa. Quem pode requerer?

Na letra da lei, somente o ofendido, sujeito passivo que sofreu as


consequências patrimoniais da infração penal, seu representante legal ou herdeiros
podem requerer especialização de hipoteca.

Configura atribuição do Ministério Público, entretanto, promover as


medidas tendentes à especialização de hipoteca em duas hipóteses: (1) se houver
interesse da Fazenda Pública, ou (2) se o ofendido for pobre e o requerer (CPP, art. 142).

Cabe pedido formulado por assistente da acusação e, quanto a esse


assunto, reiteramos o anotado no mesmo sentido quanto à legitimação ativa no tocante
ao pedido de sequestro de bens.

Momento em que pode ser requerida

O art. 134 do CPP diz que a hipoteca legal sobre os imóveis do


indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que
haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

78
Pode, portanto, ser requerida durante a fase de investigação e no
curso do processo.

A possibilidade de especialização de hipoteca legal na fase de


investigação decorre não apenas da referência expressa ao indiciado, mas também da
indicação dos requisitos: certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

Com efeito, se fosse cabível tal medida assecuratória apenas na


fase do processo, não haveria necessidade de indicar tais requisitos, pois não é possível
— juridicamente — instaurar processo criminal sem que exista prova da existência do
delito e indícios suficientes da autoria, do que decorreria a absoluta desnecessidade de
destacar a verificação dos requisitos apontados, não fosse caso de detectá-los já na fase
de investigação.

Requerimento e procedimento

O ofendido deve formular seu pedido de especialização de hipoteca


por petição escrita, na qual deve narrar objetivamente os fatos; estimar o valor da
responsabilidade civil e da correspondente reparação pretendida, bem como indicar o
imóvel ou imóveis em que deve recair, estimando também o valor do referido patrimônio
que pretende submeter à constrição judicial, de modo a demonstrar que há
proporcionalidade de valores.

A petição deve ser instruída com as provas ou indicação das provas


em que se fundar a estimação da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o
responsável possuir, se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os
documentos comprobatórios do domínio (CPP, art. 135, § 12).

Recebido o pedido, que será autuado e tramitará em separado,


apenso ao processo criminal, o juiz determinará que se faça o arbitramento do valor da
provável responsabilidade civil e à avaliação do patrimônio imóvel indicado pelo
requerente, sobre o qual deva recair a hipoteca, valendo-se para tanto de avaliador

79
judicial, ou, na falta deste, de perito de sua confiança, sendo facultada a qualquer deles a
consulta dos autos do processo respectivo.

Ato contínuo, o juiz determinará a notificação das partes para que se


manifestem sobre o arbitramento dos valores no prazo comum de dois dias (prazo que
corre em cartório, sem a retirada dos autos por qualquer dos interessados), após o que
poderá alterar, ou não, o arbitramento do valor da responsabilidade civil, para menos ou
para mais, conforme lhe parecer excessivo ou deficiente.

Eventuais impugnações dos interessados, a depender da


consistência dos fundamentos, poderão ser submetidas ao avaliador ou ao perito que tiver
atuado nos autos, caso o juiz entenda imprescindível tal providência, não sendo demais
lembrar, nesse passo, que o juiz não está adstrito aos laudos e trabalhos técnicos,
podendo aceitá-los ou rejeitá-los, no todo ou em parte (CPP, art. 182).

Fixado o valor, o juiz autorizará somente a inscrição da hipoteca


do imóvel ou imóveis necessários à garantia da responsabilidade civil arbitrada,
cumprindo se façam as providências quanto ao ônus real junto ao cartório de registro
do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um.

Se o investigado ou réu oferecer caução suficiente, em dinheiro ou


em títulos de dívida pública, pelo valor de sua cotação em Bolsa, o juiz poderá deixar de
mandar proceder à inscrição da hipoteca legal (CPP, art. 135, § 6º).

Nessa hipótese, o juiz deverá analisar a suficiência e viabilidade, ou


não, da caução alternativa ofertada, devendo indeferi-la caso entenda desatender à
finalidade asseguradora da medida em questão.

Se a ação penal for julgada procedente, após o trânsito em julgado


da sentença penal condenatória os autos de hipoteca serão remetidos ao juízo cível, onde
se fará a liquidação em execução (CPP, art. 143 c.c. o art. 63).

O § 5º do art. 135 autoriza pedido de novo arbitramento se qualquer


das partes não se conformar com o arbitramento anterior à sentença condenatória. Não

80
se trata de flexibilização irrefletida ou permissão legal que possa ser utilizada sem
critérios.

Como bem observaram MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA e


JAYME WALMER DE FREITAS, “A apuração objetiva harmonizar, muitas vezes, o tempo
decorrido do fato até o trânsito em julgado que, não raro, percorre anos a fio”

Com efeito, o passar do tempo pode levar a certo desequilíbrio entre


os valores inicialmente apurados como suficientes e a realidade do momento em que
transitar em julgado a sentença condenatória (exemplo: desvalorização acentuada do
imóvel hipotecado em razão de vandalismo ou deterioração causada por força de
fenômenos naturais, tais como vendaval, inundações etc.), daí ser acertado permitir a
incidência de novo arbitramento.

Sobrevindo extinção da punibilidade ou absolvição, o juiz


determinará o cancelamento da hipoteca, mas a sentença que extingue a punibilidade não
impede que o ofendido ingresse no juízo cível com ação adequada contra o causador do
dano, com vistas à recomposição de seu patrimônio lesado.

Quanto à sentença de absolvição, é preciso verificar seu


fundamento, para depois concluir se restou vedada, ou não, a via reparatória de
conhecimento.

Ataque recursal

Contra a decisão que defere ou indefere especialização de hipoteca


legal e sua respectiva inscrição no Registro de Imóveis cabe recurso de apelação (art.
593, II).

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.

81
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

O art. 1.489, III, do CC/2002 confere a hipoteca legal “ao ofendido,


ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado
pelo delito e pagamento das despesas judiciais”. A hipoteca legal é direito real sobre coisa
alheia, que existe ope lege. Justamente por isso, o que se requer como medida
assecuratória no processo penal não é a própria hipoteca, que decorre da lei, mas sim a
especialização e registro da hipoteca legal. Isso porque, embora hipoteca legal se origine
do direito à indenização, que nasce com o delito, somente se torna efetiva quando
especializada e registrada, passando, então, a existir como tal. Justamente por isso,
embora instituída por lei, a hipoteca legal depende, em muita medida, de decisão judicial
do procedimento de especialização e registro, feito perante o juiz penal, em razão da
prática de um crime, razão pela qual Pontes de Miranda a denomina hipoteca penal.

A especialização consiste em estimar valor da responsabilidade (isto


é, o quantum da responsabilidade civil), bem como estimar o valor do bem ou bens
designados. Assim, no requerimento de especialização haverá duas operações: uma para
estimar o valor do dano a ser reparado, outra para indicar o imóvel ou imóveis que serão
objeto da hipoteca e estimar o seu valor (art. 135, caput, do CPP). A hipoteca legal deverá
incidir, concretamente, sobre o patrimônio do acusado na exata medida do que seja
necessário para garantir a futura reparação do dano causado pelo delito. Poderá bastar a
hipoteca de um ou de alguns bens.

Os objetos que podem sofrer a incidência da hipoteca legal são


todos imóveis que licitamente integram o patrimônio do acusado. Ressalte-se que mesmo
o imóvel que seja bem de família poderá ser hipotecado, nos termos do art. 3.º, VI, da Lei
8.009/1990.

O requisito da especialização e registro da hipoteca legal é que “haja


certeza da infração e indícios suficientes de autoria”. A expressão certeza da infração
deve ser entendida no sentido de prova da materialidade delitiva, isto é, um juízo de
certeza, ainda que provisório, da infração em sua parte objecti.

82
A legitimação para requerer a especialização e registro da hipoteca
legal é, em regra, do ofendido (art. 134 do CPP). Diferentemente da Lei de Lavagem, no
regime comum do Código de Processo Penal, a especialização e o registro da hipoteca
legal não podem ser requeridos pelo Ministério Público, não podem ser decretados em
razão de representação da autoridade policial e, muito menos, podem ser determinados
ex officio pelo juiz. Todavia, no caso da lavagem, mormente em se considerando que o
bem tutelado é a administração da Justiça, e os prejuízos que esta pode sofrer com a
ocultação dos produtos do crime e a dificuldade para sua investigação, não é
desarrazoado legitimar o Ministério Público para requerer a especialização e registro da
hipoteca legal.

O procedimento da especialização da hipoteca legal pode ser assim


resumido: (1) petição; (2) nomeação de perito e apresentação do laudo; (3) manifestação
das partes; (4) decisão do juiz (art. 135, §§ 1.º a 5.º, do CPP).

Como já visto, na petição em que requerer o registro e


especialização da hipoteca legal, o ofendido “estimará o valor da responsabilidade civil, e
designará e estimará o imóvel ou imóveis que terão de ficar especialmente hipotecados”
(art. 135, caput, do CPP), devendo a petição estar instruída com as provas ou indicação
de provas em que o ofendido se fundar para estimar o valor da responsabilidade, bem
como com documento comprobatório da propriedade do imóvel ou imóveis designados
para o registro da hipoteca (art. 135, § 1.º, do CPP). Essa estimativa, ainda que não
envolva um juízo de certeza do valor do dano, não pode se tratar de mero “palpite” ou
suposição não amparada em qualquer elemento concreto. Há de se indicar a base para a
estimativa e elementos que permitam, ainda que segundo um mero juízo de
probabilidade, verificar a razoabilidade do valor estimado. O avaliador judicial, e, onde não
houver, o perito nomeado pelo juiz, deverá preceder ao arbitramento do valor da
responsabilidade e a avaliação do imóvel ou imóveis designados (art. 135, caput, parte
final, c.c. art. 135, § 2.º, do CPP). Apresentado o laudo, o juiz ouvirá as partes no prazo de
dois dias. Embora o § 3.º do art. 135 do CPP preveja que as partes serão ouvidas “no
prazo de dois dias, que correrá em cartório”, a garantia do contraditório recomenda que os
prazos não sejam comuns, e sim sucessivos, com o que se permitirá a retirada dos autos

83
de cartório. Não será a diferença entre dois ou quatro dias que tornará o incidente mais
célere! Poderá o juiz, então, depois da manifestação das partes, “corrigir o arbitramento
do valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou deficiente” (art. 135, § 3.º, do
CPP). Embora o dispositivo somente se refira à correção do arbitramento do valor do
dano, não fazendo igual determinação quanto à avaliação do imóvel ou imóveis, evidente
que o juiz não ficará vinculado ao laudo do perito nesse segundo aspecto, como, aliás,
não o fica em qualquer perícia (art. 182 do CPP), podendo considerar com base nos
elementos dos autos, que seu valor deve ser reduzido ou ampliado.

O ofendido não poderá exorbitar, seja estimando um valor superior


ao dano sofrido, seja subestimando o valor dos imóveis a serem atingidos pela hipoteca,
seja requerendo o registro da hipoteca de mais imóveis do que necessário para assegurar
a reparação do dano. Caberá ao juiz verificar se o valor dos bens especializados não
excede o valor estimado da responsabilidade. O § 4.º do art. 135 do CPP determina que
“o juiz autorizará somente a inscrição da hipoteca do imóvel ou imóveis necessários à
garantia da responsabilidade”, evitando com isso a injustiça de serem onerados mais
bens do que o necessário para a satisfação do débito. “Nem menos, nem mais”, como
adverte Magalhães Noronha.

O arbitramento do valor da responsabilidade realizado na


especialização e registro da hipoteca legal é provisório. A liquidação definitiva do valor do
dano somente se fará após a condenação transitada em julgado, quando será cabível
novo arbitramento (art. 135, § 5.º, do CPP), a ser requerido perante o juiz cível (art. 143
do CPP).Contra a decisão que defere ou indefere o registro da hipoteca legal cabe
apelação, com fundamento no art. 593, II, do CPP.

2.1.4 Arresto

• RENATO MARCÃO - (MARCÃO, Renato. Curso de


processo penal. 3ªed. Rev., ampl. e atual. São Paulo:

84
Saraiva, 2017. p. 413-427)

Constatada a ausência ou insuficiência de bens imóveis que se


prestem à reparação dos danos causados ao ofendido, pagamento de custas e despesas
processuais, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em
que facultada a hipoteca legal dos imóveis.

Enquanto o sequestro recai sobre bens de origem ilícita, o arresto só


alcança bens de origem lícita.

Enquanto a hipoteca legal recai sobre imóveis, o arresto, em regra,


recai sobre bens móveis.

Visa o arresto, portanto, e em regra, impor constrição judicial a bens


móveis, de origem lícita, que integrem o patrimônio do apontado autor do delito, com a
principal finalidade de assegurar a reparação dos danos decorrentes da prática delitiva, e,
secundariamente, garantir o pagamento das custas e despesas processuais. A finalidade
de reparação do dano ao ofendido tem preferência sobre as demais.

Bens suscetíveis de penhora

São suscetíveis de penhora os bens que não são impenhoráveis.

A impenhorabilidade, a seu turno, extrai-se do art. 833 do CPC/2015


e também da Lei n. 8.009/90.

Diz o art. 833 que são impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os


declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, os pertences e as
utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado
valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio
padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado,
salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as

85
remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios,
bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de
profissional liberal, ressalvado o § 2º; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os
utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da
profissão do executado; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras
em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural,
assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos
recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social; X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40
(quarenta) salários mínimos; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por
partido político, nos termos da lei; XII - os créditos oriundos de alienação de unidades
imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

No art. 1º da Lei n. 8.009/90, está expresso que “O imóvel


residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, providenciaria ou de outra natureza,
contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. Acrescenta seu parágrafo único que "A
impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as
plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os
de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".

Modalidades
Excepcionalmente, o art. 136 do CPP autoriza a decretação de
arresto prévio sobre bem imóvel, como medida preparatória da hipoteca legal. Nessa
modalidade, o arresto será revogado se, no prazo de 15 (quinze) dias, não for promovido
o processo de inscrição da hipoteca legal.

Em regra, caberá o arresto de bens móveis, conforme veremos mais


adiante (CPP, art. 137).

86
Requisitos
Constituem requisitos do arresto: (1) prova da existência do delito e
(2) indícios suficientes da autoria.

Legitimidade ativa

Estão legitimados ativamente para postular arresto de bens: o


ofendido, sujeito passivo que sofreu as consequências patrimoniais da infração penal, seu
representante legal ou herdeiros.

O Ministério Público pode postular arresto de bens em duas


hipóteses: (1) se houver interesse da Fazenda Pública, ou (2) se o ofendido for pobre e o
requerer (CPP, art. 142).

Cabe, ainda, no recurso do processo, pedido formulado por


assistente da acusação, e quanto a esse assunto reiteramos o anotado no mesmo sentido
quanto à legitimação ativa no tocante ao pedido de sequestro de bens, para onde
remetemos o leitor visando evitar repetição.

Momento em que pode ser requerido

Atendidos os requisitos legais, o arresto pode ser requerido e


concedido tanto na fase de investigação quanto na fase do processo.

Requerimento e procedimento

O pedido de arresto deve ser materializado na forma escrita, e a


petição respectiva deverá ser endereçada ao juiz competente, onde será autuada em
separado, e correrá em apenso ao processo principal, com o objetivo de evitar tumulto
procedimental em relação a este.

A medida assecuratória de arresto não suspende o curso da ação


penal (processo principal), da qual é incidente processual.

87
O depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos,
no que couber, ao disposto nos arts. 159, 160 e 161 do Código de Processo
Civil/2015,185 verbis:

Art. 159. A guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados


ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a
lei de outro modo.

Art. 160. Por seu trabalho o depositário ou o administrador perceberá


remuneração que o juiz fixará levando em conta a situação dos bens, ao tempo do
serviço e às dificuldades de sua execução.

Parágrafo único. O juiz poderá nomear um ou mais prepostos por indicação do


depositário ou do administrador.

Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo
ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o
direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.

Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos


causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção
por ato atentatório à dignidade da justiça.

Se os bens arrestados consistirem em coisas fungíveis e facilmente


deterioráveis, serão avaliados e levados a leilão público, depositando-se o dinheiro
apurado, ou deverão ser entregues ao terceiro que os detinha, se este for pessoa idônea
e assinar termo de responsabilidade (CPP, art. 137, § 1º).

Das rendas dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos


arbitrados pelo juiz, para a manutenção do indiciado ou réu e de sua família (CPP, art.
137, § 22).

Sobrevindo condenação, após o trânsito em julgado definitivo da


sentença ou acórdão que irá formar o título executivo judicial (CP, art. 91, I), a pedido
do interessado os autos do arresto serão desapensados dos autos principais e levados
ao juiz cível competente para a execução civil ex delicto (CPP, art. 63), onde, na forma
da lei, será apurado o quantum debeatur (quanto deve), nada mais se discutindo a
respeito do an debeatur (se deve).

88
Anotou PACELLI que “Enquanto no sequestro propriamente dito
(aquele do art. 125, relativo ao bem imóvel adquirido com os proventos da infração), uma
vez passada em julgado a sentença condenatória, os bens são levados à praça,
exatamente por constituírem proveito da conduta criminosa (estando, assim, sujeitos à
pena de perdimento), na hipótese de hipoteca, como visto, e do arresto, condenado
definitivamente o acusado, o incidente é remetido à instância civil, para a apuração da
respectiva responsabilidade”.

Cabe ao ofendido, seu representante legal, herdeiros e assistente da


acusação, e também ao Ministério Público nas hipóteses do art. 142 do CPP, requerer no
juízo cível, contra o responsável civil, as medidas previstas nos arts. 134 (hipoteca legal),
136 (arresto prévio sobre bem imóvel) e 137 (arresto de bens móveis).

Nos precisos termos do art. 942, caput, do Código Civil, “Os bens do
responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do
dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente
pela reparação”. E arremata o parágrafo único: “São solidariamente responsáveis com os
autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.

Conforme dispõe o art. 932 do Código Civil: "São também


responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que
se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em
razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se
albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e
educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia".

Cabe observar, por fim, o teor do art. 935 do Código Civil, segundo o
qual “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar
mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões
se acharem decididas no juízo criminal”.

89
• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;
BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

Arresto prévio à especialização e registro da hipoteca legal

O arresto prévio à especialização e registro da hipoteca legal era


originariamente denominado sequestro prévio à hipoteca legal. Como já destacado, a Lei
11.435/2006 alterou a redação do art. 136 do CPP, passando a denominar tal medida de
arresto.

Há duas espécies de arresto: (1) arresto de bens imóveis, prévio à


especialização da hipoteca legal (art. 136 do CPP); (2) arresto subsidiário de bens móveis
(art. 137 do CPP). O primeiro tende a ser substituído pelo registro da hipoteca legal,
enquanto o segundo permanece como arresto e, posteriormente, na fase de execução,
será automaticamente convertido em penhora.

O arresto dos bens imóveis, prévio ao registro da hipoteca legal,


poderá recair sobre o patrimônio lícito do acusado. Assim, sua incidência não fica limitada
aos bens ilícitos, sejam eles produto ou proveito de crime, como ocorre com o sequestro.

Por outro lado, sendo tal medida cautelar e provisória, visando


possibilitar outra medida assecuratória, no caso a especialização e o registro da hipoteca
legal, o Código de Processo Penal estabelece um prazo de eficácia. O arresto será
revogado se, no prazo de 15 quinze) dias, não for promovido o processo de registro da
hipoteca legal (art. 136 do CPP). Além disso, uma vez levantado o arresto prévio, porque
não requerida a especialização e registro da hipoteca legal, o juiz não atenderá a outro
pedido de arresto prévio à hipoteca legal.

Mesmo se tratando de arresto prévio, é necessário que, assim como


na especialização e registro da hipoteca legal, se estime o valor da responsabilidade e o

90
valor dos imóveis, não podendo a constrição ser excessiva.

Questão que não costuma ser analisada diz respeito ao valor da


reparação do dano no caso de crime praticado em concurso de agentes. Evidente que, no
plano do direito civil, se o dano é resultante de ato ilícito, todos os que concorrem para o
resultado são responsáveis na reparação dos efeitos lesivos (CC, art. 942, par. ún.). A
questão é definir se, do ponto de vista da reparação do plano civil, decorrente de conduta
criminosa, essa regra também teria aplicação.

A resposta deve ser negativa. Isso porque, embora a sentença penal


condenatória seja título executivo judicial, se o ofendido opta por buscar a reparação do
dano ex delicto no campo criminal, deverá sujeitar-se aos critérios da sanção penal. E o
art. 29 do CP dispõe que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas
penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Há, portanto, sanções de
intensidades distintas, conforme o maior ou o menor grau de culpabilidade. Não é tudo, é
possível até mesmo que, no caso de concurso de agentes, um deles venha a responder
por crime menos grave, no caso de participação dolosamente distinta (CP, art. 29, § 2º),
ou que, mesmo respondendo todos pelo mesmo delito, incida causa de diminuição de
pena, pela “participação de menor importância” (CP, art. 29, § 1º).

Principalmente considerando que o juiz penal poderá já fixar na


sentença condenatória um valor mínimo de reparação do dano causado pela infração
(CPP, art. 63, par. único, c.c. art. 387, caput, IV), seria profundamente iníquo que o
acusado condenado a uma pena reduzida ou a um crime menos grave, comparado com
outro corresponsável, no capítulo civil da sentença penal, tivesse uma condenação
solidária ao pagamento de todo o valor do dano.

Evidente que o ofendido poderá se beneficiar da regra de


solidariedade do art. 942, par. único, do CC, mas, para tanto, deverá propor demanda
perante o juiz civil, tendo por causa de pedir a responsabilidade solidária dos coautores
pelo ato ilícito.

Sendo assim, no caso da especialização da hipoteca legal, requerida

91
perante o juiz penal, ao estimar o valor do dano, deverá o ofendido fazer tal diferenciação.
E, se não o fizer, caberá ao juiz, em sua decisão, ainda que com base em um mero juízo
superficial, procurar mensurar os distintos graus de culpabilidade. De qualquer forma, o
que não se pode admitir é que no caso de concurso de agentes, por exemplo, envolvendo
quatro corresponsáveis pelo delito, o ofendido obtenha quatro especializações de
hipoteca legal, cada uma delas no valor estimado do total do dano. Também não será
correto, podendo prognosticar uma participação diminuta ou de menor importância de um
dos imputados, que tenha ele que sofrer a medida da especialização da hipoteca legal
pela integralidade do valor do dano.

A legitimidade para requerer o arresto prévio não é expressamente


prevista no Código de Processo Penal, mas, por uma interpretação sistemática, conclui-se
que ela é só do ofendido. Se o arresto visa acautelar bens imóveis para futura inscrição e
registro da hipoteca legal e se esta só pode ser requerida pelo ofendido, não há porque a
legitimidade do arresto ser mais ampla.

Arresto subsidiário de bens móveis

O arresto subsidiário de bens móveis era, originariamente,


denominado sequestro subsidiário de bens móveis. A Lei 11.435/2006 alterou a redação
do art. 137 do CPP, passando a denominar tal medida de arresto.

O arresto subsidiário sobre bens móveis segue o mesmo regime do


arresto prévio ao registro da hipoteca legal, que recai sobre imóveis do acusado. Há,
porém, um requisito específico: o investigado “não possuir bens imóveis ou os possuir de
valor insuficiente”. Justamente por isso, trata-se de medida “subsidiária e complementar”
ao arresto prévio ao registro da hipoteca legal, incidente sobre imóveis.

O arresto subsidiário sobre bens móveis somente poderá incidir


sobre bens suscetíveis de penhora. Os bens penhoráveis são todos aqueles que não
estão elencados nas vedações do art. 649 do CPC.

92
2.1.5 Busca e apreensão

• OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Provimentos cautelares


patrimoniais em lavagem de ativos. In: CARLI, Carla
Veríssimo De. [org.]. Lavagem de dinheiro: prevenção e
controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 511-542.

Na Lei de Lavagem de Capitais, há, conforme o art. 4º anteriormente


mencionado, previsão de apreensão, bem como de sequestro, como medidas
patrimoniais. Essa circunstância, conforme acima sustentado, não impede a adoção de
medidas de aresto e mesmo a inscrição de hipoteca legal, caso tais medidas sejam,
casuisticamente, consideradas aptas, haja vista a aplicação tanto do poder geral de
cautela, quanto em razão da parte final do mencionado art. 4º da Lei 9.613/98, que,
textualmente, estatui que as medidas devem ser desempenhadas “[…] na forma dos arts.
125 a 144 do Decreto-Lei nº 3.689, de outubro de 1941 – Código de Processo Penal”,
sendo que essas disposições também contemplam as duas cautelares acima indicadas.

No tocante à apreensão, usualmente, precedida de busca 39, cumpre


notar que ela, ontologicamente, não é uma medida assecuratória, mas probatória, ou seja,
ela não se presta, aprioristicamente, a resguardar o patrimônio e, dessa forma, o fim útil
do processo criminal sob o ângulo financeiro, mas, a adequada instrução criminal. 40

Com efeito, o §1º do art. 240 do Código de Processo Penal, reitera-


se, aplicável à lavagem de ativos, estatui que se procederá “à busca domiciliar, quando
fundadas razões a autorizarem, para: a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas
ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de
contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições,

39 O que não é uma necessidade, podendo ser lembrada a lição de que “a doutrina tem cuidado dos
institutos com certo descaso. Trata-os como se fossem unos e inseparáveis, ignorando que pode
haver busca sem apreensão, e, também, apreensão sem busca. Além do que a busca nem sempre
volta-se à apreensão. PITOMBO. Cleunice Bastos. Da Busca e Apreensão no Processo Penal. 2. ed,
rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005 (Coleção Estudos de Processo Penal Prof.
Joaquim Canuto Mendes de Almeida v. 2), p. 18.
40 Nessa linha: TRF – PRIMEIRA REGIÃO – ACR 200334000153323 UF, DJ: 16/06/2007, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES)

93
instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir
objetos necessários à de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não,
destinadas ao acusado ou em seu poder; quando haja suspeita de que o conhecimento
de seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de
crimes; h) colher qualquer elemento de convicção”.

A alínea “b”, sobretudo, indica uma finalidade acessória da


apreensão que bens obtidos por meios criminosos, por si sós, não instrumentos de crime,
podem ser apreendidos, o que possui inegável relevo patrimonial.

É de se considerar, até mesmo pelo momento histórico em que


editado o Código de Processo Penal, a imprecisão e a grande margem hermenêutica
deixada pela expressão “fundadas razões”, como substrato factual a autorizar a busca e a
eventual apreensão, mormente, em se pensando na alínea “h”. De fato, não passa
segurança, admitir uma busca fundada por razões, visando a colher qualquer elemento de
convicção.41

A duração dessa medida é atrelada à duração do processo e à sua


pertinência para esse, haja vista a vedação do art. 118 do Código de Processo Penal de
se proceder à restituição antes do trânsito em julgado. 42 O cenário atua da jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal confere largo relevo à busca e apreensão. Isso porque
mesmo em caso de sequestro de bens, a fundamentação expendida não tangenciou o art.
132 do Código de Processo Penal 43, mas admitiu o alargamento do prazo de sequestro,
por razões próprias da manutenção de busca e da apreensão.

A ementa do julgado em questão sugere o trato do tema, de fato,


sobre sequestro. Confira-se:INQUÉRITO. QUESTÃO DE ORDEM. APREENSÃO DE
NUMERÁRIO, TRANSPORTADO EM MALAS. COMPROVAÇÃO DE NOTAS SERIADAS

41 A título de comparação, os Estados Unidos possuem, em seu sistema de case law, diversos julgados
que delineiam probable causes bases a promoção de buscas, vg. United States v. Yusuf, 461 F. 3d.
374, 391 (3d Cir. 2006) e United States v. $92,422.57 U.S Currency, 307, F .3d. 137, 147-48 (3d. Cir.
2002).
42 Sem contar, evidentemente, os bens insuscetíveis de restituição, conforme o art. 119 do mesmo
Código.
43 “Proceder-se-á ao sequestro dos bens móveis se, verificadas as condições previstas no art. 126, não
for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro”, ou seja, a busca e apreensão.

94
E OUTRAS FALSAS. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME
DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI Nº 9.613/98 (LEI ANTILAVAGEM). PEDIDO DE
LEVANTAMENTO DO DINHEIRO BLOQUEADO, MEDIANTE CAUCIONAMENTO DE
BENS IMÓVEIS QUE NÃO GUARDAM NENHUMA RELAÇÃO COM OS EPISÓDIOS EM
APURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, Á FALTA DE PREVISÃO LEGAL. Nos termos do art. 4º
da Lei Antilavagem, somente podem ser indisponibilizados bens, direitos ou valores sob a
fundada suspeição de guardarem vinculação com o delito de lavagem de capitais.
Patrimônio diverso, que nem mesmo indiretamente se vincule às infrações referidas na
Lei nº 9.613/98, não se expõe a medidas de constrição cautelar, por ausência de
expressa autorização legal. A precípua finalidade das medidas acautelatórias que se
decretam em procedimentos penais pela suposta prática dos crimes de lavagem de
capitais está a inibir a própria continuidade da conduta delitiva, tendo em vista que o
crime de lavagem de dinheiro consiste em introduzir na economia formal valores, bens ou
direitos que provenham, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes (incisos I a VII
do art. 1º da Lei nº 9.613/98). Daí que a apreensão de valores em espécie tenha a
serventia de facilitar o desvendamento da respectiva origem e ainda evitar que esse
dinheiro em espécie entre em efetiva circulação, retroalimentando a suposta ciranda da
delitividade. Doutrina. Se o crime de lavagem de dinheiro é uma conduta que lesiona as
ordens econômica e financeira e que prejudica a administração da justiça; se o numerário
objeto do crime em foco somente pode ser usufruído pela sua inserção no meio
circulante; e se a constrição que a Lei Antilavagem franqueia é de molde a impedir tal
inserção retroalimentadora de ilícitos, além de possibilitar uma mais desembaraçada
investigação quanto à procedência das coisas, então é de se indeferir a pretendida
substituição, por imóveis, do numerário apreendido. Não é de considerar vencido o prazo
a que alude o §1º do art. 4º da Lei nº 9.613/98, que é de 120 dias, pois ainda se
encontram inclusas as diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, em ordem a
não se poder iniciar a contagem do lapso temporal. Questão de ordem que se resolve
pelo indeferimento do pedido de substituição de bens” (QO no Inq 2248/DF, Pleno, Rel.
Min. Carlos Britto, unânime, j. em 25/05/2006, pub. DJ 20/10/2006, p.49).

No entanto, examinando-se os votos proferidos, percebe-se certa

95
discrepância entre a decisão e o constate da ementa, haja vista que a preservação da
constrição deu-se justamente em razão da apreensão realizada, levando em conta o art.
1188 do Código de Processo Penal, sendo que até mesmo a necessidade dessa outra
medida, o sequestro, seria questionável, a teor do art. 132 daquele diploma. 44

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

Em sua redação originária, o art. 4.º, caput, da Lei 9.613/1998 fazia


referência expressa à apreensão e ao sequestro de bens. Como já visto, a nova redação
dada pela Lei 12.683/2012 não menciona qualquer medida específica, apenas prevendo,
genericamente, decretação de “medidas assecuratórias de bens”.

De fato, a apreensão, enquanto consequência de uma busca que


resulte positiva, pode ter finalidade assecuratória, preservando bens móveis que sejam
produto do crime (art. 240, § 1.º, b, do CPP), e que, portanto, ao final do processo, em
caso de condenação, poderão ser atingidos pelos efeitos civis da condenação penal (art.
91, caput, II, do CP). Além das coisas obtidas por meios criminosos, poderão ser
apreendidos também: instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados
ou contrafeitos (alínea c), armas, munições e instrumentos do crime (alínea d), objetos
necessários à prova (alínea e), cartas (alínea f), além de qualquer elemento de convicção
(alínea h).

Ou seja, no que diz respeito ao seu objeto, a busca e apreensão

44 Outra hipótese em que se confere especial relevo à busca e apreensão pode ser encontrada no
seguinte julgamento do TRF da 1ª Região: “3. Bens apreendidos de valor elevado, que não possuam
comprovação de licitude de aquisição, devem ser mantidos apreendidos até a elucidação dos fatos
criminosos, sob pena de perdimento ou desfazimento que venham a causar prejuízo a União. 4. Bem
gravado com cláusula de alienação fiduciária não se presta a garantir ação penal, uma vez que,
pertencendo ao credor, não pode ser objeto de sequestro para assegurar a reparação por ato
delituoso atribuído ao devedor fiduciário. Precedente deste Tribunal: ACR 2005.36.00.009326-8/MT,
DJ 05/05/2006 p. 34. 5. Apelação parcialmente provida”. (ACR 200938000054988, JUIZ TOURINHO
NETO, TRF1 – TERCEIRA TURMA, 29/01/2010).

96
pode incidir sobre o produto ou proveito do crime: se o bem móvel for produto direto da
infração, poderá ser apreendido (art. 240, § 1.º, b, segunda parte, do CPP); por outro
lado, se for produto indireto ou proveito da infração, também será passível de apreensão,
ou não sendo essa possível, será cabível o sequestro, nos termos do art. 132 do CPP.

A expressão coisas “obtidas por meios criminosos” deve ser


entendida no sentido do produto direto da infração (por exemplo: o carro roubado), não
abrangendo o produto indireto (por exemplo: o carro comprado com o dinheiro roubado do
banco). No caso dos proveitos, a medida cabível será o sequestro de coisa móvel (art.
133 do CPP), embora não se possa descartar a possibilidade de apreensão, quando
interessar ao processo, por exemplo, para fins probatórios.

Além da finalidade de assegurar futura perda dos instrumentos e do


produto direto ou indireto do crime, a busca e apreensão também tem finalidade
probatória, caracterizando-se como relevantíssimo meio de obtenção de provas. E, muitas
vezes, a apreensão de um único bem servirá aos dois propósitos. A apreensão de um
instrumento do crime (por exemplo: uma arma de fogo não registrada) terá tanto
finalidade de assegurar a perda do instrumento do crime, quanto de provar a prática do
delito de porte de arma. Da mesma forma, a apreensão da res furtiva na residência do
suspeito será duplamente eficaz, quer para perda do produto direto do crime, quer para a
prova da autoria delitiva.

Quanto à legitimidade, a busca e apreensão poderá ser decretada


pelo juiz, de ofício, ou requerida pelas partes (art. 242 do CPP). Também poderá decorrer
de representação da autoridade policial.

O destino das coisas apreendidas – e que não tenham sido


restituídas – dependerá: (1) do resultado do processo, se condenatório ou absolutório; (2)
da natureza da coisa apreendida.

Mesmo em caso de condenação, o acusado terá direito de reaver as


coisas apreendidas de sua propriedade em relação às quais não tenha sido determinado
o perdimento nos termos do art. 91, caput, II, do CP, independentemente de qualquer

97
pedido de restituição. Passados 90 dias do trânsito em julgado, o juiz decretará a perda
em favor da União dos instrumentos do crime cuja posse ou uso sejam ilícitos, bem como
do produto direto ou indireto do crime (art. 122, caput, do CPP), que serão vendidos em
leilão público, sendo o dinheiro apurado recolhido ao Tesouro Nacional, ressalvado o
direito do lesado ou terceiro de boa-fé (art. 122, parágrafo único). No que diz respeito aos
instrumentos do crime cujo “fabrico, alienação, uso, porte ou detenção” constitua fato
ilícito, em regra não será possível sua venda em leilão, hipótese em que deverão ser
inutilizados ou recolhidos ao museu criminal, se houver interesse (art. 124 do CPP).

Por outro lado, no caso de absolvição – o mesmo valendo para a


sentença que declara a extinção da punibilidade –, passados 90 dias do trânsito em
julgado, se ninguém reclamar os objetos apreendidos ou os mesmos não pertencerem ao
acusado, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de
ausentes (art. 123 do CPP). Se pertencerem ao acusado, a ele serão restituídos.

2.1.6 Do conceito de indícios suficientes e de seu objeto: o problema dos standards


probatórios

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

Definidas quais as medidas assecuratórias cabíveis no âmbito da Lei


9.613/1998, é de se analisar a expressão indícios suficientes de infração penal, utilizada
pelo legislador no art. 4.º, caput, da Lei 9.613/1998, que prevê a utilização das medidas
assecuratórias nos crimes de lavagem de dinheiro.

Antes, porém, deve ser esclarecido o conceito de indícios suficientes


em face do problema dos standards probatórios ou modelos de constatação.

98
No relacionamento entre verdade e prova, podem ser destacados
momentos ou contextos distintos. Há o momento da descoberta, há o momento da
valoração e há o momento da decisão.

Não é comum, na doutrina nacional, fazer-se a distinção entre o


momento da valoração e o momento da decisão. A atividade valorativa tem por objeto os
meios de prova, que deverão ser confrontados e valorados segundo regras lógicas e
racionais. A valoração leva à decisão sobre a veracidade ou não de uma determinada
afirmação sobre os fatos. Todavia, os momentos de valoração e decisão não se
confundem e, mais relevante do que isso, são regidos por estatutos distintos. O contexto
da valoração é eminentemente racional. Num sistema de persuasão racional, as regras
jurídicas não devem ter influência sobre como valorar os meios de provas. Questão
diversa diz respeito ao critério de decisão. Cabe ao legislador, a partir de um determinado
valor que deseje tutelar, estabelecer critérios de decisão diversos, de acordo, por
exemplo, com o bem jurídico em jogo, ou com a natureza do processo.

Esse é o campo dos critérios de decisão, ou qual o grau de


convencimento que se exige do julgador para poder decidir que um fato está provado. O
tema dos critérios de decisão, também denominados standards probatórios ou modelos
de constatação, tem sido pouco explorado pela doutrina processual penal brasileira, que
geralmente se limita a apreciar a questão sob o enfoque do in dubio pro reo, mas não dos
diversos graus que se pode exigir do julgador para que considere um fato provado ou
mesmo para que se tenha como satisfeito um requisito legal de mera probabilidade e não
de certeza.

Numa escala crescente, pode-se trabalhar com modelos de


constatação ou critérios de convencimento, ou ainda standards probatórios variados: (i)
simples “preponderância de provas” (preponderance evidence), que significa
simplesmente a probabilidade de um fato ter ocorrido; (ii) “prova clara e convincente”
(clear and convincing evidence), que pode ser identificada como uma probabilidade
elevada; (iii) e “prova além da dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt), como uma
probabilidade elevadíssima, que muito se aproxima da certeza.

99
Não se trata de quantificar, matematicamente, os graus de
probabilidade distintos que caracterizam os diversos standards ou modelos de
constatação, tendo sido fracassadas as tentativas de atribuir valores numéricos, em
decimais ou percentuais, ao grau de confirmação que as provas atribuem aos enunciados
fáticos. Mas, ainda que a lei não defina um percentual de convencimento (por exemplo: há
probabilidade elevada ou prova clara e convincente de autoria quando se atinge um
percentual de 75% de chance de que o acusado seja o autor do delito), isso não invalida a
utilidade teórica e prática dos standards probatórios. Como observa Knijnik, “o fato de não
se dispor de uma escala matemática ou métrica não retira o valor da construção, nem
joga a teoria dos ‘modelos de constatação’ para o campo da literatura”.

A razão de se exigir no processo penal um standard probatório mais


elevado que no processo civil é de natureza política e não simplesmente técnica. No
processo penal, em razão da presunção de inocência, do ponto de vista probatório há um
desequilíbrio estrutural entre as posições do acusado, a quem não incumbe nenhum
ônus, e do acusador, sobre quem recai toda a carga probatória. Mas além de atribuir toda
a carga da prova para a acusação, também se adota um standard de prova bastante
elevado, tornando o convencimento judicial dos fatos que favoreçam a acusação
particularmente difícil. Diferentemente do processo civil, a definição dos standards
probatórios no processo penal não tem por objetivo eliminar ou distribuir os riscos de
erros em razão da insuficiência probatória, mas sim distribuir os erros de forma a
favorecer sistematicamente a posição do acusado. Justamente por isso se considera
preferível absolver um (ou dois, ou dez, ou mil...) culpado do que condenar um inocente!

Embora a distinção entre os standards probatórios costume levar em


conta a relevância dos bens tutelados, com a consequente diferenciação entre processos
de naturezas distintas (por exemplo, processos penais, de um lado, e não penais, de
outro), nada impede que a técnica dos modelos de constatação seja utilizada no processo
penal com vistas a decisões distintas a serem proferidas ao longo da persecução penal,
em especial para distinguir as decisões cautelares com base em juízo de probabilidade,
das sentenças de mérito, baseadas em provas além de qualquer dúvida razoável.

100
Apenas a título exemplificativo, elencam-se alguns standards ou
modelos de constatação, diversos da prova além da dúvida razoável, frequentemente
utilizados no processo penal brasileiro: para a prisão temporária bastam “fundadas
razões… de autoria” (art. 1.º, III, da Lei 7.960/1989), enquanto para a prisão preventiva é
necessário “indício suficiente de autoria” (art. 312 do CPP); já para a pronúncia não basta
– no singular – indício suficiente, sendo exigidos “indícios suficientes de autoria” (art. 413,
caput, do CPP); por outro lado, para o sequestro, “indícios veementes de proveniência
ilícita dos bens” (art. 126 do CPP). No incidente de insanidade mental, basta a “dúvida
sobre a integridade mental do acusado” (art. 149, caput, do CPP). Nas diversas situações
mencionadas há variações do grau de probabilidade exigida, desde uma simples
preponderância de uma hipótese sobre a outra, até uma probabilidade reforçada ou
qualificada.

Além das medidas cautelares, é necessário observar que, ao longo


da própria persecução penal, há uma formulação progressiva de juízos sobre o mesmo
tema (por exemplo: a autoria delitiva ou a materialidade delitiva), que será objeto da
investigação, da admissibilidade da denúncia até se chegar à sentença. Passa-se de um
juízo de simples possibilidade para uma probabilidade, até se chegar à certeza. Para usar
uma expressão de Carnelutti, em tais juízos há “identità di sostanza... ma differenza di
dose”.

Inicialmente, não se pode deixar de destacar que o art. 4.º da Lei de


Lavagem trata da aplicação de medidas cautelares, em relação às quais não se costuma
exigir um juízo de certeza, bastando um convencimento da probabilidade do direito
invocado. O direito não precisa ser certo, mas plausível!

Não se pode deixar de observar, também, que, em tema de medidas


cautelares reais, o Código de Processo Penal exige, para o sequestro, que haja “indícios
veementes da proveniência ilícita dos bens” (art. 126 do CPP). Porém, em campo
semelhante, inclusive abarcando o próprio sequestro, a Lei de Lavagem se contenta com
“indícios suficientes de infração penal” (art. 4.º, caput, da Lei 9.613/1998).

101
Do ponto de vista terminológico, parece claro que indícios
suficientes indicam um standard probatório menor do que o de indícios veementes.
Enquanto para o primeiro basta que a prova indique a mera preponderância de uma
hipótese sobre outra, o segundo exige uma prova clara e convincente. Para a suficiência
basta a mera probabilidade, para a veemência, exige-se probabilidade elevada.

Definido o grau de convencimento ou critério de decisão exigido,


como sendo de mera preponderância, é de se analisar o objeto desse juízo. No Código de
Processo Penal, para o sequestro exige-se “indícios veementes da proveniência ilícita dos
bens” (art. 126 do CPP);já para a especialização e registro da hipoteca legal, deve haver
“certeza da infração e indícios suficientes da autoria” (art. 134 do CPP).

Por sua vez, o art. 4.º da Lei 9.613/1998, em sua redação originária,
limitava-se a exigir “indícios suficientes”, sem precisar, claramente, o seu objeto. Já a
nova redação, com as alterações promovidas pela Lei 12.683/2012, indica o objeto do
juízo de preponderância: “havendo indícios suficientes de infração penal”. A expressão
“infração penal” diz respeito ao crime ou contravenção penal antecedentes. Não se exige
juízo de certeza de sua ocorrência, bastando mera probabilidade.

De outro lado, havendo probabilidade da existência da infração


antecedente, poderão ser objeto de medidas assecuratórias os bens, direitos ou valores
“que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das
infrações penais antecedentes”. Ou seja, a medida cautelar poderá atingir tanto o produto
ou proveito da infração antecedente, quanto o produto ou proveito do crime de lavagem.
Obviamente, por se tratar de medida cautelar, fundada em cognição sumária, não será
necessário um juízo de certeza da proveniência ilícita de tais bens, bastando indícios
suficientes da origem ilícita.

102
2.1.7 Da finalidade das medidas cautelares reais na Lei de Lavagem de Dinheiro

• GUSTAVO BADARÓ - (BADARÓ, Gustavo Henrique;


BOTTINI. Pierpaolo Cruz Bottini. Lavagem de dinheiro
[livro eletrônico]: aspectos penais e processuais penais.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)

Art. 4.º (…)

(…)

§ 4.º Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens,


direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou
da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.

Como já exposto, as medidas assecuratórias admissíveis no âmbito


da Lei 9.613/1998 são o sequestro, a especialização e registro da hipoteca legal e o
arresto. Além destas, também busca e apreensão dos instrumentos e do produto do crime
pode assegurar os fins previstos no art. 4.º, § 4.º, da mencionada lei.

A finalidade do sequestro é assegurar o efeito da condenação penal


consistente na perda, em favor a União, do produto ou do proveito da infração (art. 91,
caput, II, b, do CP). Justamente por isso, são sequestráveis somente bens de
proveniência ilícita (art. 126 do CPP). Secundariamente, porém, o sequestro assegura,
também, a reparação do dano causado pelo delito, na medida em que o dinheiro obtido
com a venda em leilão do bem perdido será destinado ao lesado ou terceiro de boa-fé
(art. 133, parágrafo único, do CPP). Por outro lado, a finalidade do sequestro subsidiário
de bens ou valores equivalentes ao produto direto ou indireto da infração (art. 91, § 2.º, do
CP) é assegurar o efeito da condenação consistente na perda de bens ou valores do
investigado equivalentes ao produto direito ou indireto da infração (art. 91, § 1.º, do CP).

Já no caso da especialização e registro da hipoteca legal, a

103
finalidade é assegurar e fazer valer o direito real de garantia (art. 1.489, III, do CC),
visando a resguardar parte do patrimônio lícito do acusado para a reparação do dano
causado pelo delito e, em caráter secundário, para o pagamento da pena de multa e das
despesas processuais (art. 140 do CPP).

Por fim, a finalidade do arresto de bens imóveis prévios à


especialização e registro da hipoteca legal é assegurar que tal bem não seja alienado
enquanto ainda não se tem elementos suficientes para se requerer a hipoteca legal.
Assim, primeiro se arrestam os bens imóveis de origem lícita, possibilitando que, com o
desenvolvimento da investigação, se possa colher os elementos necessários a
caracterizar a justa causa para a ação penal, oferecendo-se assim a denúncia ou queixa
(art. 395, caput, III, do CPP) e, ao mesmo tempo, caracterizando a “certeza da infração e
indícios suficientes da autoria”, necessários para se requerer a hipoteca legal, nos termos
do art. 134 do CPP.

O art. 4.º, § 4.º, da Lei 9.613/1998 estabelece as finalidades que


terão os bens constritos em razão das medidas assecuratórias. Com base em tais
escopos, poderá se estimar o quantum necessário a assegurar futuro pagamento em caso
de condenação. Isto é, a estimativa do dano, para fins de especialização e registro da
hipoteca legal, ou para o arresto, poderá incluir, além do valor da “reparação do dano
decorrente da infração penal” (seja a antecedente, seja a própria lavagem), também o
valor da pena de prestação pecuniária, a pena de multa e das custas processuais.

Não há, porém, uma ordem de preferência entre as finalidades


enunciadas, diferentemente do que consta de dispositivo equivalente do Código de
Processo Penal, cujo art. 140 dispõe: “As garantias do ressarcimento do dano alcançarão
também as despesas processuais e as penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas
a reparação do dano ao ofendido”. Assim, o dispositivo do Código de Processo Penal
deve ser aplicado subsidiariamente, como prevê o art. 17-A da Lei 9.613/1998. Com
relação à pena de prestação pecuniária, não mencionada no art. 140, como os valores
pagos se destinam a reparação do dano causado à vítima (art. 45, § 1.º, do CP), também
terá preferência em detrimento da multa e das despesas processuais.

104
2.1.8 Prazo para a ação principal

• PALUDO, Januário . Recuperação de bens. In: CARLI,


Carla Veríssimo De. [org.]. Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2011. p. 543-569.

Nos termos do § 1° do art. 4° da Lei 9.613/98, as medidas


assecuratórias ali previstas serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de
cento e vinte dias, contados da data em que ficar concluída a diligência. O prazo, contudo,
poderá ser prorrogado, justificadamente, tratando-se de matéria extremamente complexa
ou quando a própria defesa der causa ou retardar o ajuizamento da ação principal. Nesse
sentido, já apontou o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do HC
75717/PR8,45 homenageando o princípio da razoabilidade para a formação da culpa,
seguindo orientação majoritária dos Tribunais Regionais Federais.

No entanto, cumpre observar que o prazo de cento e vinte dias para


a propositura da ação penal não se aplica para as hipóteses de bens objeto, produto,
proveito ou instrumento do crime, porque eles se sujeitam à busca e apreensão, nos
termos do art. 240 do Código de Processo Penal. A interpretação do art. 4° da Lei
9.613/98 deve estar em consonância com o art. 240 do Código de Processo Penal, de
forma complementar. Logo, efetuada a busca e apreensão, que é a medida adequada
para a constrição desses bens (CPP art. 132 e 240), não havendo prazo peremptório para
a propositura da ação penal, não há se falar em liberação de bens. Nesse sentido, é a
orientação do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do RESP 1079633/SC9, 46

45 HABEAS CORPUS 75717/PR, Relatora Ministra JANE SILVA (Desembargadora convocada do


TJ/MG), 5' Turma, Data do Julgamento 06/09/2007, data da Publicação/Fonte: DJ 01/10/2007, p. 318.
46 REsp 1079633 / SC, Relator Ministro JORGE MUSSI (1138), 5a Turma/STJ, Data da
Publicação/Fonte: DJe 30/11/2009.

105
2.1.9 Alienação antecipada de bens

• PALUDO, Januário . Recuperação de bens. In: CARLI,


Carla Veríssimo De. [org.]. Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2011. p. 543-569.

A alienação antecipada de bens de difícil conservação ou de fácil


deterioração é medida prevista no § 4° do art. 120 e no § 1° do art. 137, ambos do Código
de Processo Penal. A deterioração a que se referem os dispositivos não é somente a
física, com a destruição da coisa, mas também a desvalorização pelo decurso de tempo.
Também podem ser objeto de alienação as coisas cuja conservação apresenta custo
elevado, que, ao final, poderá restar superior ao da própria coisa 47.

A alienação antecipada de bens apreendidos em procedimento


criminal consta da Recomendação n° 30 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
publicada no Diário Oficial da União/Diário da Justiça de 18/02/2010 e traz orientações
para que os juízes com competência criminal deem preferência “a alienação antecipada
da coisa ou bem apreendido para preservar-lhe o respectivo valor” .

A recomendação não discrimina quais os crimes em relação aos


quais os bens apreendidos podem ter alienação antecipada, de modo que em qualquer
hipótese tal procedimento pode ser adotado.

No âmbito cível, o art. 670 do C.P.C. autoriza as partes, no processo


de execução, a requerer a alienação antecipada, conquanto: I – sujeitos a deterioração ou
depreciação, II - houver manifesta vantagem. Se requerida a alienação, o Juiz deverá
ouvir a parte ex adversa antes de decidir o pleito, nos moldes do parágrafo único do art.
670, e o § 2.° do art. 1.113, ambos do C.P.C.

47 No ano de 1996, a venda antecipada de bens deterioráveis (veículos) foi determinada na denominada
operação “Descobrimento da América”, que tramitou na 2' Vara Federal de Curitiba , onde, em ação
conexa, se obteve uma das primeiras condenações por lavagem de dinheiro (STF HC 84.639-7/PR e
AC 1999.70.00.013518-3).

106
Aqui observa-se que as partes — credor e devedor — podem
requerer a alienação antecipada, já que o caput refere-se às partes. O juiz, poderá, ex
officio, determinar a alienação antecipada, tratando-se de bens de fácil deterioração, que
estiverem avariados ou exigirem grandes despesas para a sua guarda, conforme o
escólio de Humberto Theodoro Júnior.48

48 CONSIDERANDO o volume, importância e valor dos bens móveis apreendidos em processos


penais em andamento em todo o país, tais como aeronaves, embarcações, veículos automotores
e equipamentos de informática, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal, conforme
dados informados no Sistema Nacional de Bens Apreendidos (Resolução CNJ n. 63).
CONSIDERANDO a conveniência
CONSIDERANDO a conveniência e, sobretudo, a urgência na deliberação pelos juízes em face da
necessidade de administração dos bens apreendidos e que, sem embargo das determinações
judiciais próximas ou futuras, estão sob a responsabilidade material administrativa do Poder
Judiciário;
CONSIDERANDO o encargo dos magistrados, juízes de primeiro ou segundo grau, em cada
caso, de prover sobre a proteção, manutenção e oportuna restituição ou destinação desses bens
na mesma quantidade, qualidade ou funcionalidade em que foram apresados;
CONSIDERANDO a necessidade de preservar os valores correspondentes aos bens
apreendidos, naturalmente sujeitos à depreciação, desvalorização ou descaracterização pelo
tempo, pelo desuso, pela defasagem ou pelo simples envelhecimento inevitável; e
CONSIDERANDO o poder geral de cautela e, por analogia, o disposto nos arta. 120 e §§, 122 e
§, 123 e 133 do Código de Processo Penal,
CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça na 8' Sessão,
realizada em 10 de fevereiro de 2010, nos autos ATO 0000828-74.2010.2.00.0000.
RECOMENDA:
I – Aos magistrados com competência criminal, nos autos dos quais existam bens apreendidos sujeitos à
pena de perdimento na forma da legislação respectiva, que:
a) mantenham, desde a data da efetiva apreensão, rigoroso acompanhamento do estado da coisa ou bem,
diretamente ou por depositário formalmente para isso designado sob responsabilidade;
b) ordenem, em cada caso e justificadamente, a alienação antecipada da coisa ou bem apreendido para
preservar-lhe o respectivo valor, quando se cuide de coisa ou bem apreendido que pela ação do
tempo ou qualquer outra circunstância, independentemente das providências normais de
preservação, venha a sofrer depreciação natural ou provocada, ou que por ela venha a perder valor
em si, venha a ser depreciada como mercadoria, venha a perder a aptidão funcional ou para o uso
adequado, ou que de qualquer modo venha a perder a equivalência com o valor real na data da
apreensão;
c) observem, quando verificada a conveniência, oportunidade ou necessidade da alienação
antecipada, as disposições da lei processual penal e subsidiariamente as da lei processual civil
relativas à execução por quantia certa no que respeita à avaliação, licitação e adjudicação ou
arrematação e da respectiva jurisprudência;
d) depositem as importâncias em dinheiro ou valor, assim apuradas, em banco autorizado a receber os
depósitos ou custódia judiciais, vencendo as atualizações correspondentes, e ali as conservem até
a sua restituição, perda ou destinação por ordem judicial;
e) adotem as providências no sentido de evitar o arquivamento dos autos antes da efetiva destinação da
produção da alienação.
II – Aos juízos de primeiro grau e tribunais que, na medida do possível, promovam periodicamente
audiências ou sessões unificadas para alienação antecipada e bens nos processos sob a sua
jurisdição ou sob a jurisdição das suas unidades judiciárias (leilão unificado), com ampla
divulgação, permitindo maior número de participações.
III – O Corregedor Nacional de Justiça apreciará as questões ou proposições decorrentes da aplicação

107
Em ambas as hipóteses — alienação em procedimento cível ou
criminal49 — a alienação seguirá o procedimento de leilão público, na forma preconizada
no art. 686 e seguintes do Código de Processo Civil (Redação dada pela Lei n° 11.382, de
2006), com adequação às regras da nova Recomendação 30 do Conselho Nacional de
Justiça.

Conforme apontado no portal do Ministério da Justiça 50, a


"dificuldade de gerenciamento dos bens apreendidos no curso do processo causa
grandes perdas econômicas para o Estado e, por vezes, também para o réu. Durante o
andamento do processo, os bens se deterioram, a exemplo dos pátios lotados de veículos
apreendidos transformando-se em sucata.

Diante dessas constatações, os órgãos participantes da ENCCLA


passaram a defender, como solução que economicamente melhor atende aos interesses
do Estado e do acusado, a alienação do bem para preservação do seu valor monetário —
tão logo seja decretada a indisponibilidade — e o depósito dos valores arrecadados em
conta judicial remunerada. Essa solução possibilita a manutenção, em ativos financeiros,
do valor do bem que sofreu a constrição, resguardando-se o direito das partes envolvidas
até a decisão definitiva. Em caso de condenação transitada em julgado, estará satisfeito o
interesse do Estado, com a conversão do depósito ao caixa do Tesouro Nacional, sem
que tenha havido dispêndio com depositários, depreciação ou mesmo perecimento do
bem por má conservação. Em caso de absolvição, o acusado terá restituído não um bem
depreciado pelo tempo ou pela utilização indevida, mas um valor em moeda
correspondente àquele que o bem possuía à época em que decretada sua
indisponibilidade.

Se do ponto de vista econômico o raciocínio mostra-se inteiramente


pertinente, a análise sob o ponto de vista jurídico não é diferente. Com efeito, cabe ao
Estado zelar pela conservação dos bens sob constrição, providenciando sua manutenção

desta recomendação, podendo editar instruções complementares e sobre elas deliberar.


IV – Esta recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro GILMAR MENDES.
49 Neste por subsidiariedade.
50 Disponível in www.mj.gov.br

108
para eventual restituição incólume do bem ao acusado, em favor de quem há presunção
de inocência. Assim, a decisão judicial que, após a decretação da indisponibilidade,
determina a alienação do bem em hasta pública, não viola o direito do acusado. Ao
contrário, antes o protege, na medida em que objetiva a preservação do valor daquele
bem. E, considerando-se a provável perda do valor do bem (seja ele mantido em depósito
ou confiado à guarda de terceiros), ou até mesmo o seu perecimento, não se pode negar
que essa solução atende ao interesse do Estado (que fica dispensado da onerosa e difícil
guarda) e ao interesse do acusado (que tem assegurado um valor preservado).

Essa interpretação levou ao estabelecimento da Meta 19, na ENCLA


2005, que recomenda ao Ministério Público e ao Judiciário “melhor aproveitamento dos
bens apreendidos, sequestrados, arrestados dentro das possibilidades legais já
existentes, inclusive a alienação antecipada, se necessário”.

Na reunião em que foram estabelecidas as metas para o ano de


2006, os órgão brasileiros envolvidos no combate à lavagem de dinheiro decidiram pela
necessidade de construção de solução operacional para viabilizar o modelo de alienação
antecipada de bens, por meio da implantação de sistema unificado e nacional de
cadastram to e alienação de bens, direitos e valores sujeitos a constrição judicial, até sua
final destinação (Meta 17 da ENCCLA 2006). Essa meta previu a criação do Cadastro
Nacional de Bens Apreendidos — CNBA e a difusão do sistema de leilão eletrônico de
bens apreendidos Em cumprimento à Meta 14 da ENCCLA 2007 (Promover a utilização
de sistema eletrônico de alienação de bens no âmbito da Administração Pública e da
Justiça), o DRCl/SNJ/MJ, juntamente com o Instituto Nacional de Qualidade Judiciária,
tem realizado visitas a autoridades públicas de diversas cidades do Brasil. O objetivo é
demonstrar, por meio de apresentação, aspectos jurídicos, econômicos e operacionais do
Leilão.gov. Já foram visitadas varas e promotorias nas seguintes cidades: São Paulo,
Curitiba, Campo Grande, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Em 12 de novembro de 2007, foi publicado o Teimo de Parceria


entre o Ministério da Justiça e o INQJ15 51 que tem por finalidade a implantação de uma
51 Organização de sociedade civil de interesse público, que desenvolve há dois anos um sistema de
alienação eletrônica judicial, já utilizado pelos Tribunais de São Paulo e do Pará.

109
ferramenta de leilões eletrônicos de bens submetidos a constrição judicial."

Tratando-se de crime de tráfico de entorpecentes e drogas afins,


antecedente ao crime de lavagem (art. 1°, I, da Lei 9.613/98), a regra é de alienação
antecipada, conforme se vê do art. 63 da Lei 11.343/2006, sendo ainda possível a
utilização e destinação de bens aprendidos de origem seja ilícita, nos termos do art. 62 da
Lei 11.343/200616.52

52 Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os


maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos
crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de
polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
§ 1° Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste
artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com
o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
§ 2° Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre dinheiro ou
cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia judiciária que presidir o
inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.
§3 ° Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a conversão do
numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos
após a instrução do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das
correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
§4º Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição
autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens
apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem
colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou
militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de
repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse
dessas atividades

110
3 JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA

3.1 CONFISCO

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E


FALSIDADE IDEOLÓGICA. NARCOTRÁFICO INTERNACIONAL. CONFISCO
DOS BENS. ART. 91 DO CÓDIGO PENAL. QUOTAS DE SOCIEDADE
EMPRESÁRIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. ARTS. 129 E 130 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NO
ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA. BOA-FÉ. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. I- O confisco é disciplinado no art. 91,
do Código Penal, como forma de expropriação, em favor do Estado, dos
instrumentos e produtos de crime, com a finalidade de assegurar a
indisponibilidade dos bens ilícitos utilizados para a prática da infração ou
que tenham sido angariados com a conduta ilícita. II- A hipótese prevista no
art. 129 do Código de Processo Penal, que cuida da defesa apresentada por
terceiro de boa-fé completamente alheio à prática da infração penal, não se
confunde com aquela retratada no art. 130, do mesmo codex, em que há, de
algum modo, vínculo do embargante com o autor da infração penal ou com a
prática do delito. III- Não existe contradição no acórdão que considera que o fato
de o Acusado ter sido submetido à suspensão condicional do processo, prevista
no art. 89, § 5º, da Lei n. 9.099/95, não tem o condão de tornar lícitos todos os
negócios entabulados com o corréu, narcotraficante internacional. IV- O acórdão
embargado analisou a controvérsia de forma satisfatória, mediante apreciação
exaustiva dos fatos e da disciplina normativa correlata, não havendo que falar em
violação ao disposto no art. 619, do Código de Processo Penal. V- Rever o
entendimento das instâncias ordinárias quanto à alegada boa-fé do Recorrente
demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável nesta via
especial, a teor da Súmula n. 7 desta Corte Superior. VI- Recurso improvido.
(STJ - REsp: 1316694 PR 2012/0076521-5, Relator: Ministra REGINA HELENA
COSTA, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 03/02/2014)

PROCESSO PENAL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM


MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE, APÓS A SENTENÇA
CONDENATÓRIA, DECRETA A PENA DE PERDIMENTO DE PRESTAÇÕES DE
VEÍCULOS ALIENADOS FIDUCIARIAMENTE A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
ILEGITIMIDADE DOS RÉUS PARA SE INSURGIR CONTRA PERDIMENTO DE
VEÍCULOS QUE NÃO LHES PERTENCEM. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO
PRO JUDICATO PARA A DECRETAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO DE BENS
APREENDIDOS AO LONGO DA AÇÃO PENAL. REGULARIDADE DA
INTIMAÇÃO DE ADVOGADO CONSTITUÍDO PELA IMPRENSA OFICIAL.
RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Não há como se reconhecer aos réus (pessoas
físicas) legitimidade para pleitear a liberação de veículos apreendidos no curso da
ação penal, se tais veículos foram alienados fiduciariamente em garantia a
instituições financeiras, verdadeiras proprietárias dos automóveis.
2. Situação em que, ademais, a decisão judicial apontada como coatora decretou
apenas a pena de perdimento das parcelas pagas pelos réus às instituições
financeiras, ante a constatação de que os valores utilizados para adimplemento

111
constituíam produto da atividade criminosa pela qual foram condenados
(exploração de atividade de seguro de veículos sem a devida autorização da
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, art. 16 da Lei 7.492/86). 3.
Embora fosse possível reconhecer a legitimidade dos réus para se insurgir contra
o perdimento das parcelas do financiamento dos dois veículos por eles pagas, o
fato é que eles não negam a origem ilícita dos valores utilizados para
adimplemento das prestações de um dos automóveis (Corola/Toyota), limitando-
se a defender a licitude do montante correspondente às parcelas do caminhão
Volkswagen, sem juntar prova pré-constituída de suas alegações. De mais a mais,
o que se depreende do pedido formulado pelos recorrentes é que seu real
objetivo, ao pleitear a reabertura do prazo recursal, é impugnar a pena de
perdimento que, ao fim e ao cabo, não atingiu os veículos, com a intenção de
reavê-los. 4. É perfeitamente admissível a decretação do perdimento de bens
em momento posterior à sentença, sem que isso implique reformatio in
pejus, já que, nos termos do art. 91, II, b, do CP, a decretação do perdimento
de bens que constituem produto do crime em favor da União corresponde a
efeito automático da condenação do acusado. Precedentes: AgRg no REsp
1.371.987/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
01/03/2016, DJe 09/03/2016 e REsp 1.133.957/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 01/02/2013. 5. A regra é que a
defesa seja intimada de todos os atos e decisões proferidas no processo por meio
do advogado por ela constituído, pela via da publicação no órgão incumbido da
publicidade dos atos judiciais da comarca (art. 370, § 1º, do CPP). A exceção
deve ser expressamente prevista na lei, como ocorre, por exemplo, com a
prerrogativa de intimação pessoal do Ministério Público (art. 370, § 4º, do CPP),
da Defensoria Pública (art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1.950 e art. 44, I, da Lei
Complementar n. 80/1994) e do defensor dativo, nomeado pelo Juízo (art. 370, §
4º, do CPP). 6. Sendo incontroverso que o patrono que à época representava os
recorrentes foi devidamente intimado da decisão apontada como coatora, por
meio de sua publicação na imprensa oficial, a pretensão de que fossem também
eles intimados pessoalmente dessa mesma decisão não encontra respaldo em lei.
7. Recurso ordinário em mandado de segurança não conhecido. (RMS 54.163/PE,
Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
17/08/2017, DJe 30/08/2017)

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. CONFISCO DE BENS.


AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. SOCIEDADE COMPOSTA POR CAPITAL
PRODUTO DE CRIME. COMUNICABILIDADE. LAVAGEM DE DINHEIRO.
TERCEIRO DE BOA-FÉ. INOCORRÊNCIA. 1. O confisco pode atingir
patrimônio de terceiro que não foi réu no processo crime por lavagem de
dinheiro, na medida em que, figurando este como sócio do agente da
lavagem em sociedade cujo ato de constituição encontra-se maculado por
fraude quanto ao valor das cotas adquiridas, assumiu o risco de ter o valor
que investiu contaminado pelo contato com o produto de crime anterior. 2.
Não obstante as compreensíveis dificuldades em reconhecer a falsa identidade do
endinheirado sócio estrangeiro condenado por branqueamento de capitais
auferidos com o narcotráfico internacional, não se justifica que um empresário de
consabida experiência e grande conhecimento do mercado imobiliário possa ser
considerado terceiro de boa-fé ao realizar sucessivas transações atípicas.
(TRF-4 - ACR: 20890 PR 2007.70.00.020890-2, Relator: PAULO AFONSO BRUM
VAZ, Data de Julgamento: 26/08/2009, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E.
16/09/2009)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL E


LAVAGEM DE DINHEIRO. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS.

112
BLOQUEIO DE IMÓVEL DA EX-ESPOSA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. MEAÇÃO
DEFINIDA EM DIVÓRCIO E ORIGEM LÍCITA. COISA JULGADA E ÔNUS DA
PROVA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BEM DE FAMÍLIA.
IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO NOS CASOS DE REPARAÇÃO
DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INCISO VI DO
ARTIGO 3º DA LEI N. 8.009/1990. RECURSO IMPROVIDO.
1. A ausência de prévio debate, pelo Tribunal de origem, acerca da formação da
coisa julgada nos autos do divórcio, no qual se definiu que o imóvel bloqueado
ficaria para a cônjuge varoa, assim como com relação ao ônus da prova quanto à
sua origem ilícita, impede o exame do recurso especial por esta Corte ante a falta
de prequestionamento.
2. A impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo
de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo quando tiver sido adquirido com produto de crime ou para execução
de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens (artigo 3º, inciso VI, da Lei n. 8.009/1990).
3. Na espécie, proposta medida cautelar de indisponibilidade dos bens para se
garantir o ressarcimento de valores desviados decorrentes do crime de
sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, não há que se falar em
impenhorabilidade do bem de família.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ; AgRg no REsp 1479146/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 16/03/2016)

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITOS DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º,


CAPUT, E §3º, DA LEI 12.850/13), LAVAGEM DE CAPITAIS (ART. 1º, CAPUT, E
§4º, DA LEI 9.613/98) E FURTOS QUALIFICADOS PELA FRAUDE (ART. 155,
§4º, II E IV, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO. PRETENSÃO RECURSAL
DOS RÉUS. PRELIMINAR. INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA.
INOCORRÊNCIA. ART.383 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EMENDATIO
LIBELLI. APLICAÇÃO. FATOS RELATIVOS À SUBTRAÇÃO EXPLICITAMENTE
DESCRITOS NA INICIAL ACUSATÓRIA. DESNECESSIDADE DE ADITAMENTO.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER PREJUÍZO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. IRRELEVÂNCIA DA
AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS PELO PERITO. 2 LAUDO
QUE SEQUER FOI VALORADO COMO PROVA PARA A CONDENAÇÃO.
DEMAIS PROVAS SUFICIENTES POR SI SÓ PARA A CONDENAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADES INEXISTENTES. PRELIMINARES
AFASTADAS. MÉRITO. PROVAS QUE INDICAM DE MODO ROBUSTO A
PRÁTICA DA SUBTRAÇÃO MEDIANTE FRAUDE DAS CARGAS DE SOJA DA
EMPRESA VÍTIMA, BEM COMO A LAVAGEM DOS ATIVOS ORIUNDOS DO
ILÍCITO, DELITOS ESTES PERPETRADOS POR UMA ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA ESTÁVEL E PERMANENTE. CONJUNTO PROBATÓRIO AMPLO E
SEGURO A ENSEJAR O DECRETO CONDENATÓRIO. CONDENAÇÃO QUE SE
MANTÉM. DOSIMETRIA DEVIDAMENTE AFERIDA. PENAS-BASE.
FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL. PLEITO
DE EXCLUSÃO DA AGRAVANTE PREVISTA NO §3º, DO ARTIGO 2º DA LEI
12.850/13. IMPOSSIBILIDADE. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO PREVISTA NO
ARTIGO 1º, §4º, DA LEI 9.613/98. INCIDÊNCIA. CRIMES DE LAVAGEM DE
DINHEIRO COMETIDOS “DE FORMA REITERADA” E “POR INTERMÉDIO DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”. CRIME CONTINUADO. FRAÇÃO MÁXIMA.
POSSIBILIDADE. MAIS DE TRINTA CONDUTAS PRATICADAS DE MODO
CIRCUNSTANCIAL. VALORAÇÃO INDENE. FURTO QUALIFICADO PELO
CONCURSO DE PESSOAS E 3 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CRIMES
DIVERSOS QUE TUTELAM BENS JURÍDICOS DIFERENCIADOS.

113
APLICABILIDADE DO ART. 387, §2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
IRRELEVÂNCIA PARA A SITUAÇÃO DOS APENADOS. REDUÇÃO DO VALOR
DA INDENIZAÇÃO MÍNIMA. INVIABILIDADE. PREJUÍZO MÍNIMO
COMPROVADO. ART. 387, IV, DO CPP. PENA DE PERDIMENTO. ART. 7º, INC. I,
DA LEI 9.613/98 E ART. 91, INC. II, DO CÓDIGO PENAL. RESTITUIÇÃO
APENAS DOS VALORES COMPROVADAMENTE NÃO ORIUNDOS DOS
ILÍCITOS, ANTES MESMO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA.
RECURSOS DOS RÉUS SIDNEI, FERNANDO, EMERSON, GISLAINE
DESPROVIDOS.RECURSO DO RÉU ALEX PARCIALMENTE PROVIDO, TÃO
SOMENTE PARA DETERMINAR A RESTITUIÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM
JULGADO.
[...] IX - A pena de perdimento nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei
9.613/98 e artigo 91, inciso II, do Código Penal, dos veículos e imóveis
adquiridos com dinheiro oriundo de ilícitos é medida imposta pela Lei,
constituindo a sua perda em favor do Estado do Paraná um efeito direto da
sentença penal condenatória. X - Julga-se, portanto, desprovidos os apelos dos
réus Sidnei Evangelista dos Reis, Fernando Macaé Marcondes, Emerson Berlim
de Sousa e Gislaine Gracielle Loeblein de Sousa; e parcialmente provido apenas
o apelo do réu Alex Luiz Lorens, para tão somente determinar a restituição antes
mesmo do trânsito em julgado da sentença, dos valores comprovadamente não
oriundos dos ilícitos, conforme determinado pelo juízo a quo às fls. 3.406.
(TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1452564-1 - Toledo - Rel.: Laertes Ferreira Gomes -
Unânime - J. 10.03.2016)

EMENTA: PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO. BUSCA E APREENSÃO.


ACESSO FRANQUEADO. AUSÊNCIA DE MANDADO. CONSTRIÇÃO
PATRIMONIAL. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. Não há ilegalidade na
busca e apreensão realizada em estabelecimento comercial quando franqueada,
por seu responsável, a entrada dos policiais. Em se tratando de investigação
acerca de diversos crimes supostamente praticados por vários
investigados, envolvendo possível lavagem de capitais, justifica-se a
manutenção da constrição por prazo compatível com a complexidade dos
fatos investigados. Sujeitos a perdimento por força do artigo 91, II, "b", do
Código Penal, os bens devem permanecer constritos durante o curso do
processo, enquanto subsistem os indícios de que constituem produto ou
proveito auferido com a prática de fato criminoso (artigo 1º, § 1º, II, da Lei nº
9.613/98).
(TRF4, ACR 5015548-03.2016.4.04.7200, SÉTIMA TURMA, Relator MÁRCIO
ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 07/07/2017)

APELAÇÃO CRIMINAL. LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITO E


VALORES. LEI Nº 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE DROGAS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NOMEAÇÃO DE
CURADOR DESNECESSÁRIA. DENÚNCIA APTA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
O CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL AFASTADA. DOLO. "BIS IN IDEM" COM O
CRIME DE TRÁFICO REJEITADO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
COMPROVADA. PERDIMENTO DE BENS MANTIDO. DOSIMETRIA DA PENA
MANTIDA. 1 - Consta que os réus colaboraram com uma organização criminosa
de lavagem de valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes,
liderada por J.S.S. (…) 15 - Deve ser mantido o perdimento de bens na forma
como decretado na r. sentença condenatória. Não se pode esquecer que no
âmbito da tipificação brasileira dos crimes de lavagem de ativos a lex
specialis consagra o princípio da inversão do ônus da prova em face dos
bens apreendidos na condição de objetos materiais do branqueamento; é o
que expressamente consta do art. 4º da Lei 9.316/96. Na verdade essa regra
advém do art. 5º, nº 7, da Convenção de Viena e acha-se de acordo com a

114
norma constitucional do devido processo legal até porque o artigo 156 do
CPP atribui ao réu o encargo de provar o quanto alega. 16 - Tratando-se de
profunda investigação e processamento de crimes de lavagem de ativos, onde
múltiplos bens foram apreendidos como produtos do branqueamento, há
presunção relativa de que os mesmos foram obtidos com as receitas do delito
antecedente - no caso, narcotraficância internacional - e por isso caberia à defesa
desmontar a presunção com as provas suficientes, o que não ocorreu. (…) (TRF
3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 43200 - 0003792-
72.2006.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO,
julgado em 10/09/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/09/2013).

3.2 MEDIDAS CAUTELARES REAIS

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. ALIENAÇÃO
ANTECIPADA DE VEÍCULO SEQUESTRADO. NECESSIDADE DE
DEMONSTRAÇÃO DE DETERIORAÇÃO, DEPRECIAÇÃO OU DIFICULDADE
NA MANUTENÇÃO DO BEM. OCORRÊNCIA. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE
DEPÓSITO DO VALOR DA ALIENAÇÃO EM CONTA VINCULADA AO JUÍZO
PENAL. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. O sequestro é medida
assecuratória cujo deferimento acarreta a indisponibilidade dos bens
móveis ou imóveis adquiridos pelo agente como proveito da infração penal
ou produto indireto (fructus sceleris), cuja finalidade precípua é garantir a
reparação do dano causado pelo delito e a perda do produto ou proveito
auferido pelo agente com a prática do crime, evitando-se, pois, benefício
decorrente da própria torpeza. 2. No contexto da implementação de medidas
assecuratórias reais (CPP, arts. 125-144) ou de apreensão (CPP, art. 240, § 1º, b),
os bens direitos ou valores constritos podem ser alienados antecipadamente, nos
termos do art. 144-A, do Código de Processo Penal, caso o bem esteja sujeito a
qualquer grau de deterioração ou depreciação ou houver dificuldade para a sua
manutenção. Perceba-se que as medidas cautelares reais têm a finalidade de
assegurar o confisco como efeito da condenação, a garantir indenização à
vítima da infração penal, pagamento de despesas processuais e penas
pecuniárias ao Estado e, paralelamente, obstar o locupletamento indevido
do réu com a prática da infração penal. Por sua vez, a alienação antecipada é
uma cautela da efetividade da medida assecuratória real decretada, com fim de
manter a incolumidade do valor do bem constrito, e não o bem em si. Portanto,
não se trata de garantia dos interesses do réu, mas sim dos bens jurídicos
protegidos pela norma processual em questão, que são os interesses patrimoniais
das eventuais vítimas, o patrimônio público, relativamente aos dispêndios estatais
na persecução penal, e a idoneidade do sistema penal, desestimulando o
criminoso a cometer crimes, tendo em vista a ausência de vantagem patrimonial
decorrente (prevenção especial negativa). 3. No caso, a decisão que determinou
a alienação antecipada do veículo sequestrado, um Land Rover Discovery4,
demonstrou inequivocamente desvalorização acentuado do bem, tendo chegado
à época da decisão a uma redução de 7,5% (sete e meio porcento) do valor do
momento da decretação do sequetro, em um período um pouco superior a seis
meses. Diante da evidente depreciação progressiva que sofria o bem, em
conformidade com os requisitos do art. 144-A, do Código de Processo Penal, de
rigor a alienação antecipada, sob pena de inviabilizar os fins do sequestro. 4. Não

115
se sustenta igualmente a alegação de ilegalidade da alienação antecipada do
bem, tendo em vista que que os resultados da venda seriam destinados à
satisfação de créditos tributários, e não aos fins do sequestro. Primeiramente, não
há qualquer indicação nos autos que parte do valor obtido com a alienação
judicial do veículo será designada para satisfação de créditos fiscais. A decisão
que determina a alienação antecipada determina expressamente que o valor
obtido com a arrematação do veículo deverá ser apenas depositado em conta
vinculada do juízo penal, sem qualquer menção à destinação específica desse
valor. Malgrado tenha o juízo federal responsável pela execução dos créditos
tributários pleiteado a reserva/preferência dos valores para pagamento dos
tributos devidos, o juízo criminal não exarou qualquer decisão acerca desse
ponto, tendo simplesmente determinado que os valores permanecerão
depositados em juízo. Assim, não se observa qualquer ilegalidade decorrente da
preferência dos créditos tributários, porquanto inexiste qualquer decisão nesse
sentido. 5. Recurso desprovido. (STJ - RMS: 52537 RS 2016/0307436-0, Relator:
Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 12/09/2017, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 22/09/2017)

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SEQUESTRO


CAUTELAR PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. OFENDIDO.
FAZENDA PÚBLICA. ART. 4º DO DECRETO-LEI 3.240/41. IMÓVEL. BEM QUE
JÁ PERTENCEU AO ACUSADO. TRANSMISSÃO A TERCEIROS. EXAME DA
BOA-FÉ OU DA INEXISTÊNCIA DE CULPA GRAVE. SOBRESTAMENTO. 1. O
propósito recursal é determinar se é possível o levantamento do sequestro antes
do julgamento definitivo da ação penal na qual determinada a medida
assecuratória incidente sobre o bem alegadamente pertencente à agravada. 2. A
medida assecuratória de sequestro prevista no CPP está destinada a
assegurar a satisfação do efeito da condenação consistente no perdimento
dos produtos e proveitos do crime, previsto no art. 91, II, "b", do CP,
podendo ser decretada desde que presentes indícios veementes da
proveniência ilícita dos bens, ainda que transferidos a terceiros. 3.
Diferentemente do sequestro definido no CPP, a medida de sequestro do art.
4º do Decreto-Lei 3.240/41 também cumpre a função da hipoteca legal e do
arresto previstos no CPP, qual seja, a de garantir a reparação do dano
causado à Fazenda Pública, vítima do crime, podendo incidir até sobre os
bens de origem lícita do acusado. 4. Em regra, o terceiro pode opor-se ao
sequestro alegando que o bem nunca pertenceu ao acusado e que não pode
configurar proveito de crime, o que se enquadra na hipótese do art. 129 do CPP e
permite o levantamento imediato da medida assecuratória incidente sobre o bem
equivocadamente conscrito, com o julgamento de procedência dos embargos de
terceiro a qualquer tempo. 5. Na hipótese de o terceiro alegar que, apesar de o
bem ter pertencido ao suspeito ou acusado e poder configurar proveito de crime,
foi adquirido a título oneroso e de boa-fé, ou, quando se tratar do sequestro do
art. 4º do Decreto-Lei 3.240/41, que o bem não foi adquirido do suspeito ou
acusado dolosamente ou com culpa grave, os embargos somente poderão ter seu
mérito apreciado após o trânsito em julgado da ação penal principal. 6. Agravo
regimental provido. (STJ, AgRg na Pet 9.938/DF, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/10/2017, DJe 27/10/2017)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO ABSOLUTÓRIA. PERDA DO OBJETO.
PREJUDICADO. DECISÃO ABSOLUTÓRIA MANTIDA EM SEDE DE RECURSO
DE APELAÇÃO. SUPERADA A DISCUSSÃO POSTA NO PRESENTE RECURSO.
DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A sentença absolutória faz de

116
imediato cessar a incidência de cautelares penais, independentemente da
pendência de apelo acusatório, agora de todo modo já denegado, resultando
prejudicado o agravo em recurso especial onde se discutia hipoteca legal
antes vigente. 2. Agravo regimental improvido.
(STJ, AgInt no AREsp 340.635/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 26/06/2017)

PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O


SISTEMA FINANCEIRO. SEQUESTRO/ARRESTO DE BENS. CÔNJUGE DO
DENUNCIADO. MEAÇÃO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO. 1. A hipoteca legal e o arresto, previstos no arts. 134 e
136 do CPP, tem finalidade semelhante à da penhora civil, ou seja, assegurar
o patrimônio do réu - e a apenas deste - para o pagamento de danos do
crime, custas em multas. 2. Caracterizada a confusão patrimonial dos bens dos
cônjuges, sócios nas empresas objeto da persecução criminal, permite-se afirmar
que não foi determinada a constrição de bens de terceiro, mas, ante às
peculiaridades do caso, a decisão atacada tem como escopo assegurar os efeitos
pecuniários de eventual condenação do cônjuge denunciado. 3. Recurso ordinário
em mandado de segurança improvido. (RMS 47.205/SP, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016).

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


ESPECIAL.OFENSA AO ART. 619 DO CPP. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
SÚMULA 83/STJ. AFRONTA AOS ARTS. 3º, 315 E 381, III, DO CPP.
INOCORRÊNCIA. CONSTRIÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PROVA
DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. VIOLAÇÃO AOS
ARTS. 135, 136 E 137DO CPP. INOCORRÊNCIA. MEDIDAS
ACAUTELATÓRIAS REAIS. VALORES RAZOAVELMENTE ARBITRADOS.
BENS CONSTRITOS EM VALOR INFERIOR. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ AOS
LAUDOS. ART. 182 DO CPP. DECRETO-LEI3.240/41. NÃO REVOGAÇÃO PELO
CPP. SISTEMÁTICA PRÓPRIA. CRIME DE QUE RESULTA PREJUÍZO PARA A
FAZENDA PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Não está o magistrado obrigado a responder à totalidade das dúvidas
suscitadas pelo embargante, quando for possível inferir das conclusões da
decisão embargada a inviabilidade do seu acolhimento. Para decretação de
medidas cautelares reais, basta a configuraçãodo fumus comissi deliciti,
consistente na existência de materialidade delitiva e de indícios de autoria, e
do periculum in mora, relativo à probabilidade de que, durante o curso do
processo, os bens se deteriorem ou se percam, impossibilitando, dessa
forma, eventual ressarcimento dos danos advindos do ilícito penal. 3. O
Superior Tribunal de Justiça assentou em diversas oportunidades a não
revogação do Decreto-Lei 3.240/41 pelo Código de Processo Penal,
ratificando que o sequestro de bens de pessoa indiciada ou já denunciada
por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública tem sistemática
própria, podendo recair sobre todo o patrimônio dos acusados e
compreender, inclusive, os bens em poder de terceiros, contanto que estes
os tenham adquirido com dolo ou culpa grave 4. Agravo regimental a que se
nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1166754 PR 2009/0221094-1, Relator:
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 04/10/2011,
T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2011)

117
EMBARGOS DE TERCEIRO. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NO CURSO DE
AÇÃO PENAL. SEQÜESTRO (ARRESTO PRÉVIO E HIPOTECA LEGAL).
DEMONSTRAÇÃO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA -
INOCORRÊNCIA. PRENOTAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL ANTERIOR A
DATA DA ESCRITURA PÚBLICA DA COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE DE
CANCELAMENTO DA HIPOTECA. RECURSO IMPROVIDO. 1) A alegação de
boa-fé contratual do embargante resta esvaziada e, pois, nada há a ser provado,
se anterior à negociação do imóvel, havia a distribuição da carta precatória para
cumprimento da medida de arresto prévio e inscrição da hipoteca legal em
prejuízo do bem objeto do negócio. O esgotamento das buscas por certidões no
foro da situação do imóvel, constituía providência indispensável do adquirente
para se acautelar contra a existência de eventuais ônus e gravames, impeditivos
ao registro da escritura de compra e venda. O julgamento antecipado da lide se
impunha. 2) A prenotação da existência do seqüestro do imóvel, na respectiva
matrícula, com data anterior ao da lavratura da mencionada escritura pública de
compra e venda impossibilita o desbloqueio do bem. O levantamento da
hipoteca só poderá ser feito após o trânsito em julgado de uma sentença
absolutória ou se julgada extinta a punibilidade, a rigor do artigo 141, do
Código de Processo Penal. Em caso de sentença condenatória, haverá a
liquidação da hipoteca no juízo cível, conforme artigo 143 do diploma
processual penal. (TJPR - 4ª C.Criminal - AC - 360596-5 - Curitiba - Rel.: Miguel
Pessoa - Unânime - J. 01.02.2007)

PENAL. PROCESSO PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO. BEM MÓVEL.


VEÍCULO. AUTOMÓVEL. SEQUESTRO. ÔNUS DA PROVA. INCUMBÊNCIA.
REQUERENTE. ELEMENTOS PROBATÓRIOS. INTERESSE AO PROCESSO
DO BEM APREENDIDO. DEMONSTRAÇÃO. PROPRIEDADE. NÃO
COMPROVAÇÃO. AQUISIÇÃO COM RECURSOS LÍCITOS. NÃO ATESTADA.
CAPACIDADE FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE CONSTATAÇÃO. CONSTRIÇÃO.
MANUTENÇÃO. 1. A medida de sequestro consubstancia-se em medida
assecuratória, de caráter cautelar, não exigindo, portanto, um juízo de
certeza por parte do magistrado para a sua decretação, mas tão somente a
existência indícios contundentes no sentido de que os bens ou valores
sequestrados tenham sido adquiridos com os proventos de infração penal.
2. Não indicando a documentação colacionada pelo apelante, cabalmente, a
propriedade sobre o bem, já que apenas juntou recibos de pagamento de
parcelas relativas a um financiamento, possivelmente de um veículo, sem haver
comprovação de que se refiram ao veículo apreendido, tem-se como não
demonstrada sua condição de legítimo proprietário. 3. Recai sobre o requerente o
ônus de comprovar que o bem sequestrado foi adquirido com proventos de
origem lícita, nos termos do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal.
4. Os elementos carreados com o presente incidente não se revelam suficientes
para a restituição pretendida, não havendo sido evidenciado que o automóvel
tenha sido adquirido com recursos lícitos, ou, ainda, que o apelante tenha
capacidade financeira em arcar com os custos da aquisição do bem, não havendo
informações sobre haver compatibilidade entre sua renda e o valor do automóvel.
5. Havendo indícios de que os fatos delituosos remontariam a período
coincidente, em parte, com a duração do financiamento, também não se pode
asseverar que se esteja frente a aquisição do bem com recursos não
provenientes do ato ilícito, revelando-se impeditiva a possibilidade de restituição.
6. Manutenção da constrição.
(TRF-4 - ACR: 50851984920164047100 RS 5085198-49.2016.404.7100, Relator:
GILSON LUIZ INÁCIO, Data de Julgamento: 06/06/2017, SÉTIMA TURMA)

118
PROCESSO PENAL. SEQUESTRO DE BENS. DECRETO Nº 3.240/41.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. CONDIÇÕES LEGAIS
ATENDIDAS PARA CONSTRIÇÃO. LEI Nº 9.613/98. ORIGEM LÍCITA DOS BENS
SEQUESTRADOS NÃO DEMONSTRADA. PERICULUM IN MORA
DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRESUNÇÃO DE NÃO-
CULPABILIDADE. SEQUESTRO MANTIDO. 1. O Decreto-Lei nº 3.240/41,
recepcionado pela Constituição Federal de 1988 consoante pacífico entendimento
jurisprudencial, tem previsão expressa no sentido da legitimidade do Ministério
Público Federal para requisitar o sequestro de bens em favor da Fazenda Pública,
em seu artigo 1º. 2. O Ministério Público detém legitimidade ativa para promover
medidas assecuratórias nos termos dos artigos 127 e 142, ambos do Código de
Processo Penal, como titular da ação penal, com vistas a assegurar a eficácia de
eventual condenação penal, bem como o ressarcimento dos cofres públicos. 3.
Para decretação do sequestro regulamentado pelo Decreto-lei nº 3.240/41 a
existência de indícios veementes de crimes praticados em detrimento da Fazenda
Pública, bem como a indicação dos bens a serem constritos são suficientes e
restaram devidamente observados no caso em tela. 4. A constrição trazida pela
Lei nº 9.613/1998 atinge somente os bens que sejam instrumento, produto
ou proveito dos delitos de lavagem de dinheiro ou de crimes antecedentes.
Tal diploma legal prevê que os bens poderão ser liberados caso haja prova
inequívoca da licitude de sua origem, logo, há uma inversão do ônus da
prova após seja decretado o sequestro, pois cabe ao acusado demonstrar a
origem lícita do bem constrito, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 5. Não
prospera igualmente a alegação de violação ao princípio da presunção de
inocência, uma vez que as medidas cautelares não possuem caráter definitivo,
visando somente garantir a efetividade de eventual condenação, de modo que o
eventual perdimento dos bens ocorrerá somente com o trânsito em julgado da
condenação penal. 6. O periculum in mora restou devidamente demonstrado, pois
o Ministério Público Federal apontou como uma das práticas habituais do
esquema investigado a abertura de contas bancárias no exterior em nome de
empresas, além da utilização de "sócios-laranja ", evidenciando a possibilidade de
dilapidação do patrimônio com o fito de impedir eventual efetividade da
condenação penal. 7. Apelação desprovida.
(TRF 3ª R.; ACr 0001609-35.2014.4.03.6102; Primeira Turma; Rel. Des. Fed.
Wilson Zauhy; Julg. 08/08/2017; DEJF 18/08/2017)

PENAL. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE


AFASTAMENTO DA PENA DE PERDIMENTO DE BENS IMÓVEIS APLICADA
NA SENTENÇA. BEM CONSIDERADO PROVEITO DO CRIME. IMPETRANTE
INVESTIGADA PELO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO ATUANDO COMO
LARANJA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A
restituição de coisas apreendidas no curso do inquérito ou da persecução
penal condiciona-se à demonstração cabal da propriedade dos bens pelo
requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal), ao desinteresse
inquisitorial ou processual na manutenção da apreensão (art. 118 do Código
de Processo Penal) e a não-classificação dos bens apreendidos nas
hipóteses elencadas no art. 91, inciso II, do Código Penal, requisitos que
devem ser analisados cumulativamente. 2. Ausência de provas da aquisição
lícita do bem. 3. Elementos suficientes que comprovam que o bem imóvel foi
adquirido com valores advindos de tráfico de drogas e existência de
indícios de que a impetrante atuava como ‘laranja’ de réus processados pela
prática do delito de tráfico de entorpecentes. 4. Segurança denegada.
(TRF 1ª R.; MS 0048137-86.2016.4.01.0000; Segunda Seção; Rel. Des. Fed. Ney
Bello; DJF1 24/02/2017)

119
MANDADO DE SEGURANÇA. PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAMA
ASFÁLTICA. LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO. SEQUESTRO DE BENS E
BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. DESBLOQUEIO. IMPOSSIBILIDADE.
INDICAÇÃO DE DADOS CONCRETOS AUTORIZADORES DA CONSTRIÇÃO.
EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO
DEMONSTRADO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Os impetrantes reiteram o
pedido de concessão da ordem a fim de levantar o sequestro dos bens, aduzindo
que o prazo para oferecimento da denúncia teria extrapolado. 2. A Lei de
lavagem de dinheiro é uma Lei moderna e que vem sendo remodelada para
atender as necessidades do combate à criminalidade organizada e à
lavagem de dinheiro, não sendo crível que silenciasse de forma inadvertida
sobre o prazo das medidas constritivas, fazendo incidir a norma geral do
CPP, como quer a impetração. 3. A duração das medidas constritivas deve
ser aferida caso a caso, por critérios de razoabilidade e levando em conta a
particularidade de cada caso. 4. Existem indícios veementes da prática dos
delitos indicados pela autoridade policial e pelo Ministério Público Federal e de
que seus autores são as pessoas nominadas na representação. 5. A medida de
sequestro foi decretada tendo como fundamento o conjunto das operações
do grupo consideradas suspeitas, seja como crimes antecedentes, seja
como operações de lavagem de dinheiro. 6. De todas essas operações,
contudo, apenas aquelas relativas à compra das fazendas Jacaré de Chifre e
Santa Laura foram objeto de denúncia. 7. Todos os outros itens sequestrados,
móveis e imóveis, objetivam garantir o perdimento ou reparação de danos
resultantes das outras condutas criminosas, antecedentes e de lavagem,
que não foram ainda objeto de denúncia. 8. Não deixo de constatar certa
lentidão na conclusão dessas investigações, mas, em razão da complexidade do
caso, não vislumbro ainda o excesso capaz de determinar o levantamento das
medidas. 9. Importante ressaltar que já houve o levantamento do
bloqueio/restrição que pendia sobre parcela dos bens dos impetrantes. 10. Diante
da complexidade do caso, as medidas assecuratórias estão plenamente
justificadas. 11. Denego a segurança.
(TRF 3ª R.; MS 0020063-65.2016.4.03.0000; Quinta Turma; Rel. Des. Fed. Paulo
Fontes; Julg. 27/03/2017; DEJF 03/04/2017)

PENAL E PROCESSO PENAL. SEQÜESTRO E HIPOTECA LEGAL. ARTS. 125 A


137 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CABIMENTO. RESTITUIÇÃO.
REQUISITOS. A hipoteca legal e o seqüestro (arresto) são medidas
assecuratórias incidentes sobre bens imóveis e móveis do réu, com a finalidade
de garantir, até o trânsito em julgado de eventual condenação, a reparação do
dano causado pelo delito praticado, bem como reter bens eventualmente
adquiridos com a infração.Eventual liberação dos bens constritos será cabível
quando atendidos os requisitos legais, v.g., havendo sentença absolutória ou
extintiva de punibilidade transitada em julgado, ou não sendo proposta a ação
penal no prazo, ou ainda, no caso de incidente proposto por terceiros, quando for
prestada caução idônea ou restar demonstrada a sua boa-fé, hipótese em que a
jurisprudência tem admitido a restituição dos bens apreendidos, na condição de
fiel depositário.
(TRF-4 - ACR: 17054 PR 2006.70.00.017054-2, Relator: MÁRCIO ANTÔNIO
ROCHA, Data de Julgamento: 27/07/2010, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação:
D.E. 05/08/2010)

120
PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESPECIALIZAÇÃO DE
HIPOTECA LEGAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 134 E
SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRESENÇA DOS
REQUISITOS AUTORIZADORES. MEDIDA DEFERIDA. APELO PROVIDO. 1.
Nos termos do artigo 134 do Código de Processo Penal, a especialização da
hipoteca legal sobre os imóveis do acusado depende apenas da certeza da
infração e de indícios suficientes de autoria. 2. Na hipótese dos autos, tais
requisitos encontram-se presentes, o que autoriza o deferimento da medida
pleiteada. 3. A especialização de hipoteca legal não constitui hipótese de
responsabilização penal objetiva, vez que somente visa a resguardar o futuro
cumprimento de indenização ao ofendido e o pagamento de penas pecuniárias e
custas processuais em razão de eventual condenação. Em caso de absolvição, a
medida deixará de produzir efeitos. 4. O valor do tributo suprimido com a prática
do crime constitui um elemento relevante para se estabelecer o quantum da
responsabilização civil do recorrido. 5. Ressalte-se que o próprio Magistrado
poderá corrigir o valor arbitrado, em caso de verificação de excesso ou de
insuficiência. 6. Também ficará resguardada ao juízo de origem a possibilidade de
substituição ou complementação dos imóveis indicados, de acordo com a
necessidade que o caso requerer. 7. Medida deferida. Apelo provido.
(TRF-3 - ACR: 3831 SP 2004.61.03.003831-0, Relator: DESEMBARGADOR
FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, Data de Julgamento: 27/04/2010, SEGUNDA
TURMA)

121
PARTE II –

A INVESTIGAÇÃO FINANCEIRA
(E PATRIMONIAL)

122
1 DO ATAQUE SISTEMÁTICO AO PATRIMÔNIO CRIMINOSO

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL. Ministério


Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2.
Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração de
Bens. Brasília: MPF, 2017)

A criminalidade organizada moderna funciona como uma empresa.


Embora varie quanto aos meios ilícitos utilizados, o objetivo do crime organizado, em
geral, é a obtenção de vantagens financeiras e a maximização dos seus lucros.

O aspecto econômico da atividade criminosa organizada é


destacado pela doutrina que estuda o fenômeno. Afora a ressalva de que o crime
organizado utiliza métodos ilícitos e violentos para a consecução de seus objetivos 53, ele
também é indubitavelmente uma atividade organizada para a produção de bens e
serviços. E quanto ao moderno crime organizado transnacional, o paralelo com as
empresas multinacionais é ainda mais evidente.

Assim, e conforme já se anotou, o enfrentamento efetivo ao crime


organizado não prescinde do ataque primário ao patrimônio da organização e às suas
fontes de custeio. Só minguando o fluxo de capitais que o financia e confiscando os bens
já convertidos em ativos lícitos pelos procedimentos de lavagem é que se pode pensar em
verdadeira desidratação da atividade econômica ilegal. Como salienta Sérgio Fernando
Moro, a pena privativa de liberdade e o confisco não são estratégias alternativas, ou seja,
prisão sem confisco ou confisco sem prisão. Prisão e confisco se complementam 54.

53 A utilização da violência no contexto da criminalidade organizada levanta dúvidas sobre a


essencialidade dessa característica para a configuração do fenômeno porque, ao lado dos grupos
criminosos organizados que empregam a violência física e moral para a consecução de seus
objetivos, existe um tipo organizado de criminalidade do “colarinho branco” que se desenvolve
silenciosamente, valendo-se da dificuldade da investigação estatal e da invisibilidade de suas
condutas, configurando crime organizado endógeno ao Estado (DANTAS, Joama Cristina Almeida.
Crime organizado endógeno: a manifestação de corrupção na administração pública e sem impacto
no desenvolvimento. In: BRAGA, Rômulo Rhemo Palitot; ÁVILA, Gustavo Noronha de; RIBEIRO, Luiz
Gustavo Gonçalves (Coord.). Criminologias e política criminal I. Florianópolis: Conpedi, 2014. p. 90).
54 MORO, Sérgio Fernando. Crime da Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.

123
Não por outro motivo, repise-se, tratados internacionais dedicam
especial atenção ao instituto do confisco e à recuperação de ativos, que, ao lado da pena
privativa de liberdade, formam a estratégia global de abordagem da criminalidade. As
duas questões (penal e patrimonial) fazem agora parte do mesmo problema e a justa
resolução do caso concreto pressupõe a sua abordagem integral 55.

Para possibilitar a efetividade do confisco de instrumentos, produtos


e proveitos do crime, parece evidente que o Estado não pode esperar por um provimento
jurisdicional com trânsito em julgado que condene os criminosos organizados e determine
o perdimento para, só então, dedicar-se ao rastreio dos ativos e ao seu bloqueio. Como
atividade econômica capitalista, o crime organizado também se estrutura de forma que
suas atividades sejam rápidas, digitais e instantâneas, como exige o comércio
globalizado. Esperar o trânsito em julgado da sentença para reaver os instrumentos e
produtos do crime significaria contentar-se com uma sentença meramente simbólica no
aspecto patrimonial.

Nesse contexto, os Estados passaram a dar especial atenção a


procedimentos investigatórios para identificação desses instrumentos e proveitos do
crime, em investigação patrimonial paralela à investigação tradicional, como forma de
viabilizar, logo no início do processo e por meio de medidas cautelares reais, a mais
completa possível apreensão de bens.

55 O confisco procura, atualmente, anular os benefícios econômicos decorrentes do cometimento do


crime, colocando o condenado na situação patrimonial anterior à sua prática e, dessa forma,
comprovando perante ele e, sobretudo, perante a própria sociedade, que o crime não compensa. Na
sua base estão, portanto, fins exclusivamente preventivos: demonstrar ao visado que a prática de
crimes não é forma legítima de enriquecer e confirmar perante toda a comunidade a validade e
vigência do ordenamento jurídico, nomeadamente dos modos de aquisição e de incremento
patrimonial válidos (CORREIA, João Conde. Da Proibição do Confisco à Perda Alargada. Portugal:
Imprensa Nacional, 2012, p. 41-42).

124
2 INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL. Ministério


Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2.
Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração de
Bens. Brasília: MPF, 2017)

2.1 INVESTIGAÇÃO FINANCEIRA: GÊNERO

Prevista nas recomendações nos 4, 30 e 31 do FATF-Gafi, a


investigação financeira constitui método de apuração que se detém sobre os assuntos
financeiros relacionados à conduta criminosa, intentando identificar e documentar o
movimento de dinheiro durante o curso da atividade criminal. Apurar a relação entre a
origem do dinheiro e seus beneficiários, quando o dinheiro é recebido e onde ele está
investido ou depositado pode providenciar informações e provar a atividade criminosa 56.

Como gênero, a investigação financeira possui os seguintes


objetivos: (a) identificar os produtos e proveitos do crime, rastreando ativos e iniciando o
confisco cautelar por meio de sequestros ou indisponibilidades 57; (b) iniciar uma

56 FINANCIAL ACTION TASK FORCE. Recommendations 2012, p. 3. Disponível em: <http://www.fatf-


afi.org/media/fatf/documents/ recommendations/pdfs/FATF_Recommendations.pdf.>. “O termo
investigação financeira se refere à coleta, análise e uso de informações financeiras pelos órgãos de
aplicação da lei” (BROWN, 2012). “Una investigación financiera es cualquier investigación sobre una
persona o los asuntos financieros de la persona. Puede incluir algun elemento de la recuperación de
activos, pero puede ser por otras razones tales como una investigación penal de blanqueo de dinero u
otros fines tales como la búsqueda de personas desaparecidas, la búsqueda de testigos y la
asistencia en la mejora de la calidad de outras investigaciones, es decir, asesinato, robo, robo con
allanamiento, secuestro o violación” (UNIÃO EUROPEIA, Manual Europeo de Investigación
Financiera, p. 04).
57 No Brasil, o que se chama “medidas cautelares reais” ou “medidas assecuratórias” no CPP costuma
ser dividido pela doutrina internacional em: i) sequestro (seizure), também chamado de apreensão ou
embargo, que envolve a tomada física da posse do bem objeto da medida; e ii) restrição (restraint),
também conhecida como bloqueio, que toma a forma de um mandado que restringe a disposição do
alvo sobre o bem, sem desapossamento (BRUN, Jean-Pierre. GRAY, Larissa. SCOTT, Clive.
STEPHENSON, Kevin M. Asset Recovery Handbook, Stolen Asset Recovery Iniciative. Disponível em:
<https://star.worldbank.org/star/sites/star/files/asset_recovery_handbook_0.pdf>, p. 75-76). Alguns
diplomas internacionais e doutrinadores ainda usam termos como congelamento (freezing) e bloqueio
(blocking), ambos englobados pelo conceito de restrição acima referido.

125
investigação sobre lavagem de dinheiro; (c) descobrir a estrutura econômica e financeira
da organização criminosa investigada; (d) romper redes de contatos transnacionais; e (e)
acumular conhecimento sobre eventuais parceiros da empreitada.

Além disso, a investigação financeira (f) evidencia a existência de


interpostas pessoas, empresas de fachada, novos fatos delitivos e novas fontes de prova;
(g) facilita a descoberta de pessoas físicas e jurídicas que participaram do iter criminoso,
conspiraram para a prática delitiva ou promoveram a lavagem de seu produto; (h) viabiliza
a identificação dos líderes da organização criminosa, que, embora possam ser
desconhecidos pelo agente que pratica o verbo típico, invariavelmente figuram como
beneficiários dos lucros da empreitada; (i) dá uma resposta imediata à sociedade e ao
mercado; (j) cria inteligência para outros casos; e (k) constitui fator de motivação para a
pactuação de acordos de colaboração premiada.

A dinâmica do crime organizado e das transações econômicas


globalizadas indica que raramente os instrumentos, proveitos e vantagens do crime se
encontram na posse do agente sem qualquer tipo de ocultação ou dissimulação de sua
origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade. Da mesma forma,
raramente a investigação financeira se depara com bens que não foram submetidos a
algum mecanismo de lavagem de dinheiro, ainda que singelo. Assim, na maioria dos
casos, a análise financeira do alvo termina por desvendar algum tipo de ocultação ou
dissimulação. O inverso também pode ocorrer: na investigação de um crime de lavagem
de dinheiro, partindo do crime antecedente para o seu produto, a autoridade pode
entender conveniente ampliar os atos investigatórios para as circunstâncias de vida do
investigado, especialmente seu patrimônio, suas rendas declaradas e seus gastos de
consumo, uma vez que a atividade de lavagem não necessariamente se esgotará na
prática da atividade suspeita.

Entre os objetivos da investigação financeira, trata-se aqui


diretamente daquele voltado a identificar os produtos e proveitos do crime para viabilizar o
bloqueio cautelar e o futuro confisco: a isto se chama investigação patrimonial. A
identificação do produto do crime e do patrimônio do agente (asset tracing), informada

126
pela produção de conhecimento estratégico e de evidências sobre o rastro por eles
deixado (collecting intelligence and evidence), constitui o primeiro passo do processo de
recuperação de ativos (process for recovery of stolen assets)58, indispensável à constrição
cautelar dos bens (securing the assets).

Tendo por certo que ativos podem ser escondidos e movidos em


curto período de tempo e que o confisco final pode levar anos para acontecer, oferecendo
ao alvo amplas oportunidades de dissipar seu patrimônio, parece ser de crucial
importância que medidas de sequestro ou bloqueio cautelar sejam tomadas o quanto
antes, para assegurar ativos que possam ser objeto de confisco. Os esforços de
persecução patrimonial nada valem se, ao final, nenhum ativo estiver disponível para
confisco.

2.2 INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL: ESPÉCIE

A investigação patrimonial (ou investigação para recuperação de


ativos, asset confiscation investigation) consiste no conjunto de medidas encetadas,
paralela e simultaneamente à investigação do crime, para identificar direitos, valores e
bens, móveis e imóveis, presentes e passados, adquiridos com o produto da prática
espúria, seja por investigados, seja por seus familiares, intermediários, pessoas jurídicas
e sócios “de direito” ou “de fato”, desde que haja indicativo de que os bens em seus
nomes sejam instrumentos, proveitos e produtos do crime que se investiga. Identificados
os ativos, segue-se a análise sistemática das informações, objetivando que sobre eles
recaiam as medidas constritivas cautelares que, com o trânsito em julgado condenatório,
assegurarão o confisco (art. 91, II, CP) e a reparação do dano (art. 91, I, CP) 59.

58 “Los activos que estamos tratando de rastrear son cualquier cosa con un valor monetario que se
derive, directa o indirectamente, de una conducta delictiva” (UNIÃO EUROPEIA, Manual Europeo de
Investigación Financiera, p. 167).
59 E eventualmente subsidiará a aplicação da pena substitutiva de confisco prevista no inciso II do art.
43 do Código Penal (ver subitem II.1.2).

127
Para tanto, a Convenção de Palermo prevê no art. 12, parágrafo 2,
que “Os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a
localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente
artigo, para efeitos de eventual confisco”. A identificação e localização de bens a que o
dispositivo se refere consistem justamente na investigação patrimonial, que busca
identificar os seguintes bens, sujeitos ao confisco final: (i) os instrumentos do crime
(instrumenta sceleris); (ii) do produto do crime (producta sceleris); e (iii) do proveito
auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (ver item II).

A investigação patrimonial deve se desenvolver em paralelo e ser


parte de uma rotina tática durante a investigação para os crimes que impliquem ganho
financeiro para o seu agente, bem como, em uma perspectiva macro, ser integrada à
rotina estratégica do membro do Ministério Público Federal, com o escopo de assegurar
um enfrentamento mais eficiente, em especial, aos grupos criminosos organizados.

Efetivamente, sem uma investigação patrimonial será, na


esmagadora maioria dos casos, impossível recuperar qualquer valor significativo. O
montante global das vantagens decorrentes da prática do crime e da desconformidade do
patrimônio em posse direta ou indireta do investigado pode escapar à malha da
investigação criminal tradicional, preocupada com outras questões (materialidade e
autoria), gerando uma resposta do sistema de justiça incompleta e incompreensível para
a comunidade.

Conquanto imprescindível para o enfrentamento da criminalidade


organizada, a investigação patrimonial pode se revelar mais dificultosa para os órgãos
estatais do que a do próprio crime que gerou os bens ilícitos. Isso porque ela precisa
demonstrar que o patrimônio controlado pelo agente deriva direta ou indiretamente do
cometimento do crime, proeza ainda mais difícil quando se constata a utilização dos
complexos mecanismos de lavagem de dinheiro.

A investigação patrimonial desloca o foco da atuação estatal da ação


criminosa para a pessoa dos investigados e de suas empresas, intermediários, parentes e
associados mais próximos, com os objetivos de identificar bens passíveis de confisco,

128
quando demonstrado que foram adquiridos com a prática criminosa, e subsidiar o
ressarcimento à vítima e ao erário. Essa mudança de enfoque deve-se ao fato de que,
quanto ao crime em si, existe uma investigação tradicional em curso, mas ela não se
presta – nem com objetivos, nem com métodos – para identificar bens passíveis de
bloqueio cautelar. Normalmente, as investigações tradicionais focam na materialidade e
autoria dos atos criminosos, não estando preparadas ou interessadas no levantamento
patrimonial do investigado para viabilizar efeitos extrapenais da condenação, exceto
quando os bens do investigado estão imbrincados com o delito em si 60.

No Brasil, em decorrência de sua relação simbiótica com os efeitos


extrapenais da condenação, a investigação patrimonial dirigida a instrumentalizar uma
medida cautelar penal e o futuro confisco se insere nas atribuições dos órgãos de
investigação criminal: polícia e Ministério Público. Já a investigação patrimonial encetada
em paralelo a investigações de atos de improbidade administrativa, por seu turno, está
sob a atribuição dos órgãos legitimados para a propositura da respectiva ação (Ministério
Público e procuradoria da pessoa jurídica lesada). Ou seja, a investigação patrimonial
pode ser cível ou criminal, a depender de seu destino para instrumentalizar medida
cautelar real ou perdimento nos âmbitos cível ou penal.

60 Nesse sentido, observe-se o dispositivo processual penal que trata do inquérito policial: “A polícia
judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e
terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria” (art. 4º, CPP). Portanto, a investigação
tradicional pauta-se apenas pela materialidade e autoria, não se preocupando com uma investigação
patrimonial que venha a revelar os bens do investigado.

129
3 UMA METODOLOGIA PARA A INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL. Ministério


Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2.
Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração de
Bens. Brasília: MPF, 2017)

3.1 CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Inicialmente, é importante destacar que a investigação patrimonial


precisa ser conduzida por meio de um planejamento, no sentido de propiciar ordenação,
controle e capacidade de decisão no curso do esforço investigativo. Com isso, consegue-
se escolher e organizar as ações e, em vários casos, antecipar os resultados do trabalho.

A investigação orientada por uma ação planejada proporciona


melhor avaliação das linhas de investigação, previne o investimento em alternativas com
baixo custo-benefício, auxilia na manutenção do escopo do apuratório, no sopesamento
dos riscos de cada solução e na identificação de riscos inegociáveis, evita o improviso e
projeta a conclusão das investigações. Em outras palavras, melhor orienta os trabalhos
investigativos.

Neste capítulo, sugere-se um referencial metodológico, um conjunto


organizado de etapas ou procedimentos para se alcançar um objetivo, permitindo um
processo organizado e otimizado de investigação. Esclarece-se que as dicas referem-se
apenas a uma “trilha”, maleável, não a um “trilho”, um plano rígido e imutável. Não
obstante, é justamente na falta de planejamento, coordenação e cultura investigativa e na
fragmentação das fontes de informação que encontramos as maiores dificuldades para o
avanço nessa seara.

Durante uma investigação patrimonial, o investigador se deparará


com dados fáticos supostamente verdadeiros, ou seja, constatações oriundas de sua

130
percepção da realidade criminosa, mas que não exprimem um nível de certeza
(chamaremos de “premissas”). As premissas constituem indicativos dos quais se infere,
em princípio, a existência de patrimônio espúrio. A partir dessas premissas, podem-se
desenvolver suposições admissíveis, conjeturas chamadas de “linhas de investigação” ou
“hipóteses investigativas”. A hipótese imaginada determina a extensão dos fatos que
precisarão ser provados por meio da coleta de evidências. Identificar, assim, o tipo de
informação necessária permite ao investigador antecipar onde essas evidências poderão
ser coletadas/buscadas, com o escopo de ratificar ou retificar premissas e hipóteses. Uma
vez que o investigador determinou que informação é necessária e onde ela se encontra,
ele pode prever as táticas para coleta ou busca da informação (por exemplo, acesso
direto a bancos de dados públicos, acesso mediante requisição ministerial, quebra de
sigilo judicial etc.). Assim, ele implementa um plano de investigação que leva à obtenção
bem-sucedida de informações necessárias à prova da hipótese. Na fase subsequente,
fará a triagem intelectual dos elementos coletados e uma avaliação para composição do
futuro cabedal probatório.

3.2 O PLANEJAMENTO DA INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL

“5w2h” é a adaptação de um mnemograma em língua inglesa que


define os pontos principais de um bom plano. Na investigação patrimonial heurística, tais
pontos poderiam ser assim desdobrados, a título ilustrativo: what (qual é o produto do
crime? Qual é o patrimônio do investigado?); why (por que assim se concluiu?); who
(quem é o titular atual do produto do crime? Quem concorreu para que o produto do crime
atingisse seu presente destino?); when (quando os ativos pertencentes ao investigado
foram incorporados ao seu patrimônio? Quando o produto do crime foi obtido, convertido
e movimentado?); where (onde o produto do crime foi obtido, convertido e movimentado?
Onde está custodiado hoje?); how (como foi a jornada do produto do crime até seu estado
atual?) e how much (quanto deve ser constrito provisoriamente? Quanto deve ser
confiscado?).

131
O mesmo mnemograma pode aproveitar a investigação patrimonial
operacional. Assim, seu planejamento poderia levar em conta, por exemplo, as seguintes
questões: what (que fatos devem ser comprovados? Quais diligências devem ser
executadas?); why (por que esses fatos/diligências e não outros?); who (quem deve ser
alvo da investigação patrimonial: agentes, interpostas pessoas, empresas, lavadores?
Quem deve coordenar a produção da prova? Quem deve executar as diligências?); when
(quando elas devem ser realizadas?); where (onde as provas podem ser encontradas?
Onde custodiá-las?); how (como as diligências devem ser executadas, com que
cuidados?) e how much (quanto se pode gastar na empreitada?).

Tão importante quanto atinar para essas questões é não seguir as


respostas à risca. Isso porque o planejamento é um processo dinâmico, que se deve
adaptar aos resultados obtidos em uma realidade imprevisível, razão pela qual, a cada
passo vencido, um novo portão decisório se abre. É, também, função de uma equação
composta pelas variáveis do caso concreto, incluindo os crimes, investigados, locais,
valores e prazos envolvidos, que, conforme a realidade vivenciada pelo investigador – a
disponibilidade de agentes e de ferramentas de persecução, o orçamento, a
representatividade do caso em nível local, o relacionamento entre as instituições de
aplicação da lei e assim por diante – “exigirão” as medidas necessárias ao seu próprio
sucesso.

Na práxis comparada, o rastreamento do patrimônio dos


investigados, a mensuração do crime e a apuração de sua lavagem são conduzidos em
um inquérito financeiro policial ou ministerial autônomo, vocacionado a perscrutar, naquilo
que tiver conexão com a investigação principal, o universo econômico e relacional dos
suspeitos. As provas colhidas no apuratório principal aproveitam ao inquérito financeiro,
as ações adotadas naquele servem para atingir os objetivos deste, razão pela qual, na
medida do possível, eles devem ser conduzidos conjuntamente.

São diversas as vantagens desse proceder. A principal delas diz


respeito ao timing da investigação patrimonial: a despeito de seu paralelismo em relação
à apuração do crime, ela pode ocorrer antes, durante ou depois da deflagração da fase

132
ostensiva da investigação principal; pode levar mais tempo para ser concluída do que
aquela última, sobretudo quando pendente pedido de assistência para rastreio e bloqueio
de ativos no exterior; e, diante da acessoriedade limitada da lavagem em face do ilícito
antecedente, bem como de sua autonomia processual, nada impede que seja instaurada
antes do apuratório principal ou depois de sua conclusão.

Outro ganho refere-se à organização dos autos. Além de envolver


ônus e standards probatórios próprios, a investigação patrimonial costuma demandar
meios de produção de prova específicos – pesquisa em fontes abertas e bancos de dados
internos, análises de vínculos, relatórios de inteligência financeira, requisições de
documentos e quebras de sigilo fiscal e financeiro, não raro mediante cooperação
internacional – donde o particular desafio na organização dos elementos de prova e no
controle das pendências existentes. Por fim, a apuração paralela proporciona melhor
compartimentação do esforço investigativo, com o desiderato de que, caso seja
comprometido o sigilo do apuratório principal, não seja prejudicado o êxito da investigação
da lavagem ou do rastreamento patrimonial que servirá à persecução cível.

Não há, no âmbito do Ministério Público Federal, regulamentação


específica de uma investigação patrimonial autônoma. Isso não obsta, porém, que ela
seja desenvolvida entre nós, considerando especialmente a instrumentalidade dos
procedimentos investigatórios e a existência de normas legais e de tratados internacionais
que preconizam o confisco e o bloqueio de bens vinculados ao crime como metas da
repressão penal (lógica extensível à persecução de atos de improbidade administrativa).
Nesse contexto, e na esteira do que se demonstrou acima, as atividades investigatórias
relativas ao levantamento patrimonial destinado a confisco e a medidas cautelares reais
(ou a perdimento e a indisponibilidade em ação de improbidade administrativa) podem e
muitas vezes devem ser realizadas separadamente da investigação do fato ilícito em si,
por meio de autos apartados, vinculados a um procedimento persecutório principal, e
eventualmente com a instauração de um procedimento próprio (procedimento
investigatório criminal, inquérito civil, procedimento preparatório) para tal finalidade.

A metodologia de investigação patrimonial adiante apresentada

133
como sugestão de atuação é dividida em uma fase que denominaremos sigilosa,
encetada para permitir a adoção de medidas de coleta (fontes de livre acesso) ou de
buscas (estão sob o pálio das manobras protetivas do investigado) de dados e
informações sem o conhecimento do investigado, máxime em decorrência da real
possibilidade de rápida dissipação patrimonial a partir do momento em que a investigação
principal se torna pública; e uma fase ostensiva, na qual essa precaução não se faz mais
necessária, seja por já ter sido deflagrada a investigação principal, por não ter sido
localizado nenhum bem na fase sigilosa ou, excepcionalmente, por concluir o investigador
que os bens a serem descobertos por medidas adotadas na fase ostensiva compensam o
descarte da surpresa das medidas de constrição cautelares.

3.3 PERSPECTIVA SINCRÔNICA: A CONSTRUÇÃO DO PERFIL


ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS ALVOS

Constitui boa prática a construção progressiva, mediante avaliação


de inteligência tática, de um perfil econômico-financeiro (financial profile) dos investigados
e daqueles que, de alguma forma, estejam associados à titularidade, conversão,
movimentação, posse ou custódia do produto do crime. Recomenda-se que, inicialmente,
seja preenchido um formulário KYT (Know Your Target, conheça seu alvo) para cada
investigado, que deverá conter, nos casos de maior complexidade, as seguintes
informações:

i. qualificação

i.i pessoas físicas: nome completo, grafias alternativas, nomes


alternativos e codinomes; CPFs ativos, suspensos e cancelados;
documentos de identificação, incluindo passaportes; data e local de
nascimento; filiação; profissão; endereços principais e alternativos;

134
sem prejuízo de outras informações julgadas relevantes no caso
concreto (números de telefone, e-mail, perfis em redes sociais,
histórico de viagens, pessoas de seu relacionamento etc.);

i.ii pessoas jurídicas: evolução dos CNPJs da matriz e das filiais;


evolução dos dados qualificadores (razões sociais, nomes de
fantasia, codinomes, objetos e capitais sociais, endereços); histórico
de sócios, administradores e diretores; datas de criação e, se for o
caso, de intervenção, falência, recuperação judicial e dissolução;
representantes perante a Receita Federal, agências reguladoras e
outros órgãos/entes estatais e responsáveis que se apresentam em
nome da sociedade em fiscalizações e audiências (possíveis sócios
de fato); além de outras informações julgadas relevantes no caso
concreto (números de telefone, e-mail, perfis em redes sociais,
diretores contratados, contadores, auditores, advogados, principais
fornecedores e clientes, pessoas de seu relacionamento etc.);

ii. possíveis intermediários: familiares (pais, cônjuges, filhos menores


à época do crime e, conforme o caso, irmãos, filhos maiores, ex-
ônjuges, afins e outros); (ex-)mandantes e (ex-)mandatários; sócios;
“braços-direitos”; “pessoas de confiança”; “apadrinhados”;
beneficiários de doações; gestores de negócios, agentes e lobistas;
outros julgados relevantes no caso concreto (ex-sócios; parceiros
em empreendimentos, associações civis, instituições beneficentes,
clubes e outras organizações a que seja ligado como associado,
diretor ou benfeitor, “padrinhos”, doadores, empregados domésticos,
posseiros, capatazes e guarda-costas, compradores/vendedores em
contratos em que tenha figurado como parte, locadores/ locatários,
arrendantes/arrendatários e consultores de recuperação fiscal, de

135
reestruturação de imagem, de prospecção de potencial etc.);

iii. ativos financeiros (contas; investimentos; cartões de crédito e de


valor armazenado; valores mobiliários; títulos públicos e privados;
apólices de seguro; títulos de capitalização e de previdência privada;
operações com derivativos; transferências internacionais; contratos
de crédito rotativo, securitização, financiamento e redesconto etc.) e
relacionamentos financeiros (instituições financeiras;
correspondentes; representantes; agentes do mercado de balcão;
centrais de custódia; empresas de factoring; empresas de transporte
e custódia de valores etc.);

iv. ativos e relacionamentos comerciais (grupos econômicos;


participação em holdings; financiamentos públicos; e, conforme o
caso, investimentos, empréstimos, operações de comércio exterior,
contratos/convênios públicos, grandes credores/ devedores etc.);

v. bens imóveis, incluindo direitos reais sobre coisas alheias,


arrendamentos etc.;

vi. Bens móveis (veículos, embarcações, aeronaves, semoventes,


metais preciosos, joias, obras de arte etc.) e contratos de
leasing/financiamento de bens móveis de alto valor;

vii. participações societárias pretéritas e atuais;

136
viii. outros direitos (precatórios, marcas, patentes, direitos
minerários, licenças etc.);

ix. antecedentes cíveis e criminais;

x. vulnerabilidades à evasão patrimonial e à lavagem de ativos:


indícios de falsidade da qualificação declarada (data de nascimento,
grafia do nome dos pais, endereços, estado civil); multiplicidade de
CPFs e CNPJs; evolução incomum de patrimônio, renda,
movimentação financeira ou sinais exteriores de riqueza; perfil
incomum para figurar como titular do patrimônio, da renda, da
movimentação financeira ou dos sinais exteriores de riqueza (idade,
formação, aspecto exterior do domicílio, qualidade de aposentado,
pensionista ou beneficiário de programa assistencial etc.);
constituição de pessoa jurídica sem aparente affectio societatis;
indícios de inexistência da empresa ou de falta de atividade
operacional (ausência de empregados e de linha telefônica, e-mail,
alvarás, licenças e livros contábeis; inexistência de endereço ou sua
incompatibilidade com a exploração do objeto social; inatividade do
CNPJ etc.); realização de transação financeira considerada suspeita
pelo Coaf; inclusão em lista negra de órgãos de controle;
falência/recuperação judicial/insolvência/liquidação extrajudicial;
qualificação como grande devedor (da Fazenda Pública, da Justiça
do Trabalho, do FGTS etc.); relacionamento com pessoas
politicamente expostas; e relacionamento com pessoas físicas e
jurídicas supostamente envolvidas na prática de crimes, com
beneficiários de recursos públicos, empresas off-shore, paraísos

137
fiscais, notários estrangeiros e escritórios de planejamento/proteção
patrimonial, entre tantos outros.);

xi. sinais de relação com outras jurisdições: titularidade de


patrimônio, participação societária ou negócio no exterior; atuação
em zona de fronteira; contratos internacionais, sobretudo de mútuo,
incorporação societária, consultoria e comércio exterior; viagens e
correspondência frequentes etc.

Naturalmente, a extensão do formulário de KYT a ser preenchido


deve ser adequada às necessidades do caso concreto, bem como ao tempo, aos meios e
às fontes à disposição do investigador. A tarefa mais árdua na investigação patrimonial – e
também a mais promissora, em face da cultura de colocar bens em nome de
intermediários arraigada no Brasil – consiste na eleição dos demais alvos das medidas
cautelares reais e do confisco, além dos próprios investigados. Para cada alvo,
investigado ou não no apuratório “principal”, deverá ser preenchido um formulário KYT
próprio.

De forma geral, os proxies que figuram mais amiúde na interposição


patrimonial são os cônjuges, os filhos menores, os mandatários e as pessoas jurídicas.
Todavia, recomenda-se que esse rol seja ampliado em cada caso, para abarcar outras
alternativas declinadas no subitem (ii) do formulário de KYT acima proposto, conforme os
valores do produto do crime e do dano, a (in)existência de ativos em nome do investigado
e de seus proxies principais, os indícios de dilapidação do patrimônio do investigado e a
inteligência financeira produzida, tema de que se tratará mais à frente. Outros alvos de
possível interesse para a investigação patrimonial são os autores da lavagem do produto
do crime, aí incluídos os gatekeepers (profissionais que guardam os portões do mercado
de branqueamento: contadores, consultores, advogados, notários, gestores de trusts etc.),
bem como quaisquer pessoas que se tenham beneficiado da prática delitiva.

138
3.4 PERSPECTIVA DIACRÔNICA: A FASE SIGILOSA DA INVESTIGAÇÃO
PATRIMONIAL

De modo geral, recomenda-se que a investigação parta do mais


simples, seguro e barato para o mais complexo, arriscado e custoso, atentando sempre
para a segurança e licitude dos dados obtidos e para a manutenção da cadeia de custódia
da prova. Como a informação angariada de forma mais onerosa pode ensejar o retorno à
investigação de base, não se pode falar de uma relação de “sucessividade” stricto sensu
entre essas etapas, senão em uma “sucessividade helicoidal”, dirigida à delimitação
horizontal e ao refino vertical do esforço investigativo.

Ecoando essa realidade, o que aqui se denominou fase sigilosa da


investigação patrimonial para recuperação de ativos (asset recovery investigation) possui
três momentos “sucessivos”, relacionados à obtenção e ao cotejo de informações sobre
os fatos de que trata a investigação principal, o período da prática delitiva, os investigados
e terceiros possivelmente associados ao produto do crime, a receita declarada por esses
últimos e o patrimônio sob sua titularidade ostensiva ou oculta: (i) a pesquisa em fontes
abertas de acesso imediato; (ii) a produção de informação, sobretudo de índole financeira;
e (iii) a pesquisa em fontes abertas de acesso mediato e fontes fechadas.

139
4 ROTEIRO DE RASTREAMENTO DE BENS E DIREITOS

• MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (BRASIL. Ministério


Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2.
Roteiro de Persecução Patrimonial e Administração
de Bens. Brasília: MPF, 2017.)

4.1 BENS EM GERAL

4.1.1 Pedido ao Poder Judiciário (ou requisição direta, a depender da estratégia a


ser utilizada): quebra de sigilo fiscal para acesso a dados administrados pela Receita
Federal (declarações de bens que acompanham a DIRPF e a DIPJ; declaração de
importação (DI); Sped Fiscal NF-e; e os seguintes módulos do dossiê integrado: DOI e
Dimob – direitos reais sobre bens imóveis, loteamentos, incorporações, construções e
aluguéis recebidos; ITR – posse, domínio útil e propriedade de imóveis rurais, lavouras,
pastagens, semoventes e resultados da exploração extrativa; Decred – despesas com
cartão de crédito; e Dimof – operações financeiras em bancos, cooperativas de crédito,
associações de poupança e empréstimo e instituições autorizadas a operar no mercado
de câmbio).

4.1.2 Pesquisa em banco de dados institucional: Central Notarial de Serviços


Eletrônicos (Censec) - testamentos, inventários, separações, divórcios e escrituras,
inclusive de compra e venda, doação e partilha. Sistema acessado pela Spea/PGR e
Asspads. Para mais informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

4.1.3 Pedido ao Poder Judiciário: quebra de sigilo fiscal para acesso a dados
administrados pela Receita Estadual (documento de lançamento de ITCMD). Conferir se o

140
alvo foi beneficiário de doação não declarada.

4.1.4 Pedido ao Poder Judiciário: cópia parcial de autos de ações de separação,


divórcio, alimentos e inventário (peças e documentos comprobatórios do patrimônio do
alvo).

4.1.5 Pedido ao Coaf: relatório de inteligência financeira (comunicações de operações


suspeitas e de depósitos/saques em espécie acima de R$ 100 mil em nome do alvo,
outros indícios de lavagem de ativos, operações cambiais e relação de bens imóveis).

* Observação. O pedido é feito por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), em


<https://www1.fazenda.gov.br/coaf/web_pedidos/> registrar SEI>. Nos campos em branco,
devem ser lançados o nome do alvo, seu CPF/CNPJ, o número do feito e a descrição dos
indícios da prática criminosa. Para maximizar o resultado da análise, convém anexar ao
pedido um arquivo com o resumo dos fatos. A existência de comunicações atípicas em
nome dos investigados é informada por e-mail em algumas horas; em caso positivo, o
relatório será disponibilizado em meio eletrônico após uma semana, mais ou menos. A
criação de pasta para viabilizar o pedido via SEI é feita preenchendo formulário que se
encontra no portal do Coaf, com seu devido encaminhamento ao órgão.

4.1.6 Pesquisa em banco de dados institucional: Sistema Nacional de Bens


Apreendidos.

4.1.7 Pesquisa em fonte aberta: Sistema de Acompanhamento de Procedimentos


Fiscais da SRFB (Comprot), em <http://comprot.fazenda.gov.br/e-gov/default.asp>.

141
Conferir se houve arrolamento de bens em auto de infração lavrado em face do alvo.

4.1.8 Pesquisa em fonte aberta: TSE. Conferir as declarações de bens do alvo, caso
tenha sido candidato a mandato eletivo.

4.1.9 Pesquisa em banco de dados institucional: Cadastro Nacional de Condenados


por Improbidade Administrativa. Conferir se houve arrolamento de bens em eventual ação
de improbidade aforada em face do alvo.

4.1.10 Pesquisa no sítio do TCU: Cadastro Integrado de Condenações por Ilícitos


Administrativos – (Cadicon) – plataforma que integra as bases de dados do TCU e de
todos os tribunais de contas estaduais e Cadastro de Responsáveis com Contas Julgadas
Irregulares (Cadirreg) – cadastro histórico de todas as pessoas físicas e jurídicas, titulares
de funções públicas ou não, que já sofreram punições impostas pelo TCU. Conferir se há
arrolamento de bens em eventual procedimento administrativo instaurado em face do
alvo.

4.1.11 Pesquisa no sítio da CGU: Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e


Impedidas (Ceis) – relação de pessoas físicas e jurídicas que já sofreram sanções
impostas nas três esferas federativas e Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins
Lucrativos Impedidas (Cepim) – congênere do Terceiro Setor. Conferir se há arrolamento
de bens em eventual procedimento administrativo instaurado em face do alvo.

4.1.12 Pedido: Núcleo de Pesquisa Patrimonial da Justiça do Trabalho, quando existir (é


importante ter conhecimento se, na região, a Justiça do Trabalho possui esse núcleo).

142
Indagar se há rastreamento patrimonial em face do alvo.

4.1.13 Requisição: Procuradoria da Fazenda Nacional. Indagar se há rastreamento


patrimonial confeccionado pelo Grupo de Grandes Devedores em face do alvo.

4.1.14 Requisição: Cartório de Registro de Títulos e Documentos (registro de atos em


que o alvo conste como participante/beneficiário, como contratos de compra e venda,
patrocínio, negociação de passes de atletas, cessão de créditos, arrendamento,
transferência de tecnologia, doação, alienação fiduciária, gestão de negócios etc., títulos
de crédito e procurações). 1.15 Pesquisa em sistema: Associação dos Registradores
Imobiliários de São Paulo (Arisp) – pesquisa na base de dados de todos os registros de
imóveis do Estado de São Paulo para localização de imóveis adquiridos ou transmitidos
desde 1976. Sistema acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais informações,
acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf. mp.br).

4.1.15 Pesquisa em sistema: Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo


(Arisp) – pesquisa na base de dados de todos os registros de imóveis do Estado de São
Paulo para localização de imóveis adquiridos ou transmitidos desde 1976. Sistema
acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais informações, acessar o portal de
investigação (spea.pgr.mpf. mp.br).

Constrição judicial: conforme a espécie de ativo.

143
4.2 NUMERÁRIO

4.2.1 Pedido ao Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário – Cadastro Nacional de


Correntistas (CCS): informações sobre caixas econômicas, bancos de investimento,
bancos comerciais e bancos múltiplos em que o alvo mantém depósitos e aplicações).

* Observação nº 1. Para maior celeridade, pedir que o próprio juízo acesse o CCS por
meio do Bacenjud e pesquise as instituições onde o alvo mantém depósitos e aplicações
vinculados a contas de que seja titular, cotitular, procurador ou representante. Se a ordem
judicial for lançada no sistema até as 19h, a resposta estará disponível no segundo dia útil
subsequente pela manhã, até as 8h. Ela contempla apenas os nomes das instituições
financeiras e o prazo de seu relacionamento comercial com o alvo. Importante ressaltar
que o Ministério Público tem acesso direto ao nível de relacionamento do CCS. O nível de
detalhamento não é aberto para consulta direta. Sistema passível de acesso pela
Spea/PGR e Asspads. Para mais informações, acessar o portal de investigação
(spea.pgr.mpf.mp.br).

* Observação nº 2. A Recomendação CNJ nº 51, de 23/3/2015, insta todos os juízes a


utilizar os sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud para transmissão de ordens judiciais ao
Bacen, ao Denatran e à SRFB, dispensados “os juízos que eventualmente não disponham
de acesso à internet, os quais devem fazer essa observação de forma destacada no ofício
de comunicação da ordem judicial”; e solicita ao Bacen, ao Denatran e à SRFB que
devolvam “à Corregedoria do Tribunal ao qual está vinculado o juízo remetente os ofícios
físicos de comunicação de ordens judiciais passíveis de envio pelos referidos sistemas”.

Constrição judicial: por meio do próprio Bacenjud. Estabelecer os valores mínimo e

144
máximo para bloqueio, se for o caso; não sendo indicadas no Bacenjud as instituições
financeiras, agências e contas, tais limites serão observados em relação a cada
instituição.

4.2.2 Pedido ao Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (cooperativas de crédito


com as quais o alvo tenha possível relacionamento financeiro; se forem muitas, pedir à
Gerência Técnica do Desuc/Bacen que circularize a decisão de quebra entre as
cooperativas relacionadas à região ou à atividade empresarial de interesse). Parte das
cooperativas de crédito já está carregada no Cadastro dos Clientes do Sistema Financeiro
(CCS). Portanto, há possibilidade de identificação de cooperativas de crédito com base
em pesquisa no CCS, pelo Banco Central do Brasil.

* Observação nº 1. A única base de dados que contém informações sobre a manutenção


de relacionamento financeiro com cooperativas é o módulo Dimof do dossiê integrado da
SRFB.

Constrição judicial: requisição dirigida à cooperativa.

4.2.3 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (Decon/Bacen). Indagar se o alvo


recebeu ou intermediou o recebimento de alguma transferência internacional no período
desejado.

* Observação nº 1. Há Gerências Técnicas do Departamento de Supervisão de Conduta


(Decon) do Bacen em Brasília/DF, São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG,
todas com circunscrição nacional.

145
* Observação nº 2. São alternativas para descobrir se o alvo possui numerário depositado
em conta mantida por interposta pessoa, entre outras:

a) verificar no SEI/Coaf se há operações suspeitas registradas em nome da família do


alvo, de possíveis “laranjas” ou de contas de passagem;

b) com base nesses dados, solicitar a quebra do sigilo bancário do alvo e apurar se ele
possui relacionamento financeiro incomum com parente, (ex-)empregado, pessoa física
com parcos recursos ou pessoa jurídica inativa, sem atividade operacional ou controlada
por off-shore;

c) solicitar a quebra de sigilo bancário do “laranja” e verificar se ele foi beneficiário de


transferência internacional ou operação de câmbio;

d) solicitar a quebra do sigilo fiscal do alvo nas Receitas Federal/Estadual e verificar se há


registros de que ele realizou doações ou empréstimos a fundo perdido sem justificativa
aparente.

* Observação nº 3. Os valores apreendidos em moeda nacional/estrangeira devem ser


remetidos ao Bacen; se não houver sede do Bacen no município, podem ser enviados à
agência mais próxima da Caixa para conversão cambial e depósito em conta vinculada,
no caso de moeda estrangeira, ou para mero depósito, no caso de moeda nacional. Os
títulos de crédito à vista serão compensados e juntados aos autos por cópia autenticada,
com o depósito do respectivo valor em conta remunerada. Quanto aos títulos a prazo,
serão custodiados na Caixa e resgatados assim que possível, para futuro depósito do
montante em conta remunerada.

146
4.3 OUTROS ATIVOS FINANCEIROS (TÍTULOS, CERTIFICADOS, APÓLICES,
VALORES MOBILIÁRIOS, DERIVATIVOS)

4.3.1 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (Decon/Bacen). Solicitar à autarquia


que, no período desejado:

a) informe se o alvo declarou a manutenção de ativos no exterior, por si ou por pessoa


jurídica de que seja procurador, acionista, conselheiro, diretor ou representante no Brasil;

b) circularize, entre todas as instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional,


requisição para que informem os ativos com os quais o alvo mantenha relacionamento
financeiro, direta ou

indiretamente (responsáveis pelo atendimento: sucursais do Bacen em Brasília/DF e em


Fortaleza/CE).

* Observação nº 1. Se precisarmos de informações adicionais sobre alguma instituição


não bancária ou integrante de conglomerados bancários (cooperativas de crédito,
financeiras, administradoras de leasing e consórcio, sociedades de crédito imobiliário
etc.), dirigir a requisição ao Desuc/Bacen.

* Observação nº 2. Como a circularização indiscriminada de requisições entre instituições


financeiras costuma causar grande tumulto nos autos, recomenda-se que ela somente
seja realizada em situações excepcionais.

Constrição judicial: i) por meio do Bacenjud, caso sejam identificadas as contas em que
aportaram as remessas ou às quais se vinculem os ativos financeiros; ii) mediante
requisição dirigida à instituição financeira, no caso de que cuida o item “b”.

147
4.3.2 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (CVM). Solicitar que a autarquia
circularize entre as instituições e agentes financeiros sob sua supervisão indagação sobre
a existência de ações, bônus, cupons, certificados, cotas de fundos e de clubes de
investimento, derivativos, notas comerciais, contratos de investimento coletivo e outros
ativos em nome do alvo ou negociados por seu intermédio.

* Observação nº 1. Há uma faixa cinzenta entre os produtos financeiros sujeitos à


supervisão do Bacen e da CVM. Na dúvida, vale a pena oficiar a ambos.

* Observação nº 2. A CVM leva até 15 dias para efetuar as circularizações, que serão
respondidas diretamente pelas instituições e agentes supervisionados (se não houver
ativos, corre-se o risco de que muitos não respondam). Uma alternativa mais expedita é
dirigir as requisições diretamente à BMFBOVESPA e à Central de Custódia e de
Liquidação Financeira de Títulos, responsáveis por 90% do mercado da CVM; elas levam,
em média, 5 dias para responder.

Constrição judicial: requisição à instituição financeira na qual se encontra custodiado o


ativo. Incluir ordem para que, caso ocorra o vencimento da obrigação, o respectivo valor
seja depositado em conta judicial.

4.3.3 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (Susep). Solicitar que a autarquia
circularize entre as instituições financeiras sob sua supervisão pesquisa sobre a
existência de apólices de seguro, planos de previdência privada aberta e títulos de
capitalização em nome do alvo ou negociados com sua interveniência.

148
* Observação. A circularização de requisições entre as entidades supervisionadas pela
Susep costuma ensejar a juntada de considerável número de ofícios de resposta aos
autos.

Constrição judicial: requisição à seguradora, resseguradora, empresa de capitalização


ou entidade de previdência complementar aberta.

4.4 JOIAS, METAIS PRECIOSOS, GEMAS E OUTROS BENS DE LUXO

4.4.1 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (penhor da Caixa). Indagar se o alvo
possui ativos empenhados nas agências que dispõem do serviço.

4.4.2 Requisição: Polícia Federal (CGCSP/Direx). Solicitar os dados sobre as


empresas de transporte e custódia de valores autorizadas a funcionar nos locais em que o
alvo reside ou desenvolve atividades. Após, requisitar diretamente a essas empresas
informações sobre eventuais ativos custodiados em nome do alvo.

Constrição judicial: requisição dirigida à Caixa ou à empresa de transporte e custódia.


Os ativos deverão permanecer no local onde já se encontram empenhados ou ser
depositados na unidade da Caixa mais próxima que ofereça estrutura apropriada de
segurança. No caso de gemas e joias, sugere-se a lavratura de laudo pericial.

* Observação nº 1. Embora a Caixa tenha monopólio do penhor no Brasil (art. 60 do


Decreto nº 24.427/1934), a celebração do contrato de penhor não é informada no CCS,

149
nem se sujeita a qualquer controle. Para empenhar uma joia, obra de arte, antiguidade ou
barra de ouro, basta que o interessado apresente uma carteira de identidade e um
comprovante de endereço (ou seja: o bem pode ser próprio, de terceiro, furtado…). Muitas
pessoas utilizam as serventias de penhores para a custódia de ativos.

* Observação nº 2. As instituições financeiras, com raras exceções, não mantêm mais


cofres próprios ou de clientes em suas agências. Todo o numerário utilizado nas agências
do banco é entregue e recolhido diariamente por empresas de transporte e custódia de
valores, em cujos depósitos o dinheiro é armazenado com os bens de luxo pertencentes
aos clientes privados dessas empresas. O Sistema de Gerenciamento de Empresas de
Segurança Privada da Polícia Federal, responsável pela supervisão do setor, ainda não
possibilita a circularização direta de requisições e mandados de constrição entre as
empresas.

* Observação nº 3. Para verificar se o agente efetuou importações de bens de luxo, basta


indagar às Inspetorias da Receita Federal nos locais de interesse se ele figura como
importador/beneficiário no Siscomex ou no sistema aduaneiro. A importação de ativos em
nome de “laranjas” também pode ser apurada na Receita Federal mediante pesquisa de
nome/CPF/CNPJ no conhecimento da carga importada ou no Sistema Sped Fiscal NF-e.
Nesses casos, não esquecer de verificar o endereço de entrega da mercadoria: ele serve
não só para aferir eventual interposição na compra, mas também para descobrir a efetiva
localização do bem.

4.5 OBRAS DE ARTE

4.5.1 Requisição: Dphan e/ou superintendência regional do Iphan, conforme o caso.

150
Indagar se há registro de que o alvo possui bem cultural ou solicitou autorização para sair
do país com obra de arte. Caso o alvo seja grande colecionador, outra ideia é requisitar
ao Dphan que circularize a requisição entre todos os inscritos no Cadastro Nacional de
Negociantes de Antiguidades e Obras de Arte (CNART).

4.5.2 Requisição: Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) – museus privados.

Constrição judicial: cumprimento de mandado por oficial de justiça, averbação do


gravame no Iphan ou Ibram e custódia em agência de penhor da Caixa. Recomenda-se a
lavratura de laudo pericial.

4.6 VEÍCULOS AUTOMOTORES

Pesquisa em banco de dados institucional: Renavam ou pedido ao Poder Judiciário:


Renajud. Os registros da frota nacional, via Renavam, podem ser acessados pela
Spea/PGR e Asspads. Para mais informações, acessar o portal de investigação
(spea.pgr.mpf.mp.br).

Constrição judicial: por meio do próprio Renajud. No intuito de prevenir pedidos de


restituição, recomenda-se que, se houver registro de alienação fiduciária do veículo no
CRLV ou no banco de dados da Cetip, a instituição financeira seja indagada sobre a
situação do contrato de financiamento.

* Observação nº 1. A Recomendação CNJ nº 51, de 23/3/2015, insta todos os juízes a

151
utilizar os sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud para transmissão de ordens judiciais ao
Bacen, ao Denatran e à SRFB, dispensados “os juízos que eventualmente não disponham
de acesso à internet, os quais devem fazer essa observação de forma destacada no ofício
de comunicação da ordem judicial”; e solicita ao Bacen, ao Denatran e à SRFB que
devolvam “à Corregedoria do Tribunal ao qual está vinculado o juízo remetente os ofícios
físicos de comunicação de ordens judiciais passíveis de envio pelos referidos sistemas”.

* Observação nº 2. A existência de veículos em nome de “laranja” pode ser rastreada


mediante a quebra do sigilo fiscal do alvo na Receita Estadual, para verificar se ele foi
responsável pelo pagamento dos respectivos IPVA, DPVAT ou taxa de licenciamento, ou
de requisição à instituição financeira sobre a identidade do financiado. Sobre carros
importados, conferir o item 4. Outra opção é realizar missão para apurar quais veículos
são utilizados pelo alvo e em nome de quem se encontram registrados no Detran.

4.7 AERONAVES

Pesquisa em banco de dados institucional: Saci (Sistema acessado pela Spea/PGR e


Asspads.). Para mais informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

Constrição judicial: requisição dirigida à Gerência Técnica do Registro Aeronáutico


Brasileiro, com a nomeação de depositário para a aeronave.

* Observação. São alternativas para apurar a existência de aeronaves registradas em


nome de “laranjas”:

152
a) requisitar informações sobre atos arquivados em cartórios de títulos e documentos em
nome do alvo ou da aeronave, como arrendamentos, cessões de uso, doações e
alienação fiduciária; e b) requerer a quebra do sigilo bancário do alvo na Cetip, para que
esta informe se há financiamento de compra de aeronave em seu nome. Outras
sugestões aleatórias: verificar se o alvo efetuou o pagamento de aluguéis de hangares ou
de taxas aeroportuárias relacionadas ao estacionamento ou à manutenção técnica de
aeronaves e pesquisar o cadastro de planos de voo vinculados ao seu nome.

4.8 EMBARCAÇÕES

Requisição: capitania dos portos (serve qualquer uma, pois o banco de dados do
Sistema de Gerenciamento de Embarcações – Sigem é unificado); e, caso a embarcação
tenha arqueação bruta superior a 100 toneladas, também o Tribunal Marítimo, que
mantém cadastro à parte.

Constrição judicial: requisição dirigida à capitania dos portos com circunscrição sobre o
domicílio do alvo e ao Tribunal Marítimo, com a nomeação de depositário.

* Observação. São alternativas para apurar a existência de embarcações registradas em


nome de “laranjas”:

a) solicitar que a pesquisa inclua não só os proprietários, mas também seus armadores
(pessoas responsáveis pela exploração da embarcação); b) requisitar a cartórios de
títulos e documentos o envio de cópia de atos arquivados em nome do alvo ou da
embarcação, como arrendamentos, cessões de uso, doações e alienação fiduciária; c)
requerer a quebra do sigilo bancário do alvo na Cetip, para que esta informe se há
financiamento de compra de embarcações em seu nome. Pode haver outras

153
possibilidades: pagamento de contrato de locação de píer ou de taxas portuárias pelo
alvo.

4.9 IMÓVEIS

4.9.1 Solicitação: Tribunais de Justiça dos Estados onde o alvo possa ter
propriedades, para posterior circularização entre todas as serventias imobiliárias do
Estado; ou requisição dirigida aos cartórios de registro imobiliário, de notas e de títulos e
documentos responsáveis pelos locais de possível situação dos imóveis.

* Observação. A existência de imóveis em nome de “laranjas” pode ser rastreada


mediante:

– quebra do sigilo fiscal do alvo na Receita Municipal, a fim de apurar se ele efetuou o
pagamento de IPTU incidente sobre imóvel em nome de terceiro;

– requisição de informações a concessionárias de água, luz e telefonia, para apurar se o


alvo foi responsável pelo pagamento de preço público associado a imóvel em nome de
terceiro;

– consulta ao Censec e requisição de informações cartorárias, no intuito de apurar a


existência de procurações e contratos de gaveta em favor do alvo. Sistema acessado pela
Spea/PGR e Asspads. Para mais informações, acessar o portal de investigação
(spea.pgr.mpf.mp.br).

4.9.2 Pedido ao Poder Judiciário (ou requisição direta, a depender da estratégia


de atuação): quebra de sigilo fiscal na Receita Federal (DOI e Dimob) – direitos reais
sobre bens imóveis, loteamentos, incorporações, construções e aluguéis recebidos; e

154
DITR, no que tange a imóveis rurais).

4.9.3 Pesquisa em banco de dados institucional: Sistema Nacional de Cadastro


Rural (SNCR). Sistema acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais informações,
acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

* Observação. Para apurar a existência de imóvel rural registrado em nome de “laranjas”,


sujeitar o CPF/CNPJ do alvo à consulta “Detenção/Uso Temporário” do SNCR.

Constrição judicial: requisição dirigida ao cartório de registro da matrícula do imóvel,


com a nomeação de depositário e/ou administrador, se for o caso. A Associação dos
Registradores de Imóveis de São Paulo (Arisp) veicula ordens de indisponibilidade de
imóveis indistintos em todo o Estado. A implementação desse sistema em nível nacional,
a cargo da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (Cnib), encontra-se em curso no
CNJ, nos termos do Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça nº 39, de 25 de julho
de 201461.

61 A CNIB, que será constituída por um Sistema de Banco de Dados Eletrônico (DBMS) e alimentada
com as ordens de indisponibilidade de bens decretadas pelo Poder Judiciário e demais órgãos da
Administração Pública, funcionará no portal publicado sob o domínio:
<http://www.indisponibilidade.org.br>. Tem o fim de recepcionar e divulgar, aos usuários do sistema,
as comunicações de indisponibilidade de bens imóveis não individualizados. As ordens de
indisponibilidade que atinjam imóveis específicos e individualizados continuarão sendo comunicadas
pela autoridade que a expediu diretamente ao Oficial do Registro de Imóveis competente para a
averbação. Incumbirá à Arisp, definido na categoria máster, a função de órgão responsável pela
administração técnica da central. Com a nova prática, há a obrigatoriedade de geração de relatórios e
de estatísticas para efeito de permanente acompanhamento, controle e fiscalização das atividades
pela Corregedoria Nacional de Justiça, Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, bem como, conforme o caso, pelas corregedorias das serventias extrajudiciais de notas e de
registros. O sistema permitirá aos oficiais de registro de imóveis a verificação, que passa a ser
obrigatória, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se há
comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação para seu arquivo, com vista
ao respectivo procedimento registral.

155
4.10 SEMOVENTES

4.10.1 Requisição: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) –


Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), no que tange a
bovinos e búfalos destinados ao abate para exportação da carne para países que exigem
certificação de procedência.

4.10.2 Requisição: Mapa – Cadastro Geral das Associações Encarregadas do Registro


Genealógico, para posterior circularização entre as associações de produtores e
criadores, haras, hípicas e jockey clubs, conforme a região e os estabelecimentos de
interesse. Inclui todos os animais de interesse econômico: paquidermes, ovinos, caprinos,
suínos, chinchilas…

Observação. Embora não tenha sido ainda lançada oficialmente pelo Mapa, já se
encontra em funcionamento a Plataforma Geral Agropecuária, que consolida os bancos
de dados de todos os institutos estaduais de agropecuária sobre propriedade,
transferência e lotação de semoventes, entre outros.

4.10.3 Requisição: instituto estadual de agropecuária (é a informação mais confiável de


todas).

4.10.4 Pedido ao Poder Judiciário: quebra de sigilo fiscal na Receita Federal


(Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR – DIAC).

156
Constrição judicial: cumprimento de mandado por oficial de justiça avaliador e
averbação na entidade encarregada do serviço genealógico, com a nomeação de
administrador para os semoventes. Tratando-se de rebanho de bovinos ou de bubalinos
destinados ao abate para exportação de carne a países que exigem certificação de
procedência, a constrição deverá ser averbada também no Sisbov, que, inclusive, dispõe
de ferramenta de rastreamento da lotação do gado.

4.11 PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS

4.11.1 Pesquisa em banco de dados institucional: CPF/CNPJ (histórico de pessoas


jurídicas a que o alvo esteve vinculado como sócio, diretor ou representante perante a
Receita Federal) e Cadastro Nacional de Empresas (CNE) - vínculos societários, filiais,
consórcios de empresas. Sistema acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais
informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

4.11.2 Requisição: juntas comerciais e cartórios de registro civil de pessoas jurídicas


(atos constitutivos, atas de assembleias, declarações, procurações e registros de
gravames).

4.11.3 Pedido ao Poder Judiciário: quebra de sigilo fiscal na Receita Federal (atos
constitutivos e procurações referentes a pessoas jurídicas domiciliadas no exterior de que
o alvo seja sócio, diretor, procurador ou representante no Brasil).

Constrição judicial: requisição dirigida à junta comercial ou cartório.

157
* Observação nº 1. No intuito de evitar a dilapidação do patrimônio da pessoa jurídica,
pode ser conveniente pleitear a constrição do respectivo fundo de comércio (estoque,
ativo imobilizado, intangível e de investimentos), a ser executada por oficial de justiça
avaliador.

* Observação nº 2. Segundo o Provimento Coger/CNJ nº 42, de 31.10.2014:

“Os Tabelionatos de Notas deverão, no prazo máximo de três dias contados da data da
expedição do documento, encaminhar à respectiva Junta Comercial, para averbação junto
aos atos constitutivos da empresa, cópia do instrumento de procuração outorgando
poderes de administração, de gerência dos negócios, ou de movimentação de conta-
corrente vinculada de empresário individual, sociedade empresária ou cooperativa”.

4.12 DIREITOS

4.12.1 Requisição: Procuradoria da Fazenda Nacional (precatórios federais).

4.12.2 Solicitação: Tribunais de Justiça (precatórios estaduais).

4.12.3 Requisição: Prefeituras (precatórios municipais).

4.12.4 Requisição: Incra, DNIT… (indenizações decorrentes de desapropriações).

158
4.12.5 Pesquisa em fonte aberta: sítios da Justiça Federal e Estadual locais (outros
créditos judiciais).

4.12.6 Poder Judiciário: quebra de sigilo bancário (financiamentos concedidos pelo


BNDES, pelo Banco do Brasil e pelos bancos de fomento regionais e estaduais).

4.12.7 Pesquisa em banco de dados institucional: Siasg (contratos administrativos de


que possam resultar crédito em favor dos alvos). Sistema acessado pela Spea/PGR e
Asspads. Para mais informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

4.12.8 Pesquisa em banco de dados institucional: Siafi (créditos oponíveis à


Administração Federal). Sistema acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais
informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

4.12.9 Pesquisa em banco de dados institucional: DNPM (direitos minerários e


Certificados Kimberley). Sistema acessado pela Spea/PGR e Asspads. Para mais
informações, acessar o portal de investigação (spea.pgr.mpf.mp.br).

4.12.10 Requisição: Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) – marcas,


patentes, modelos de utilidade, contratos de franquia e de transferência de tecnologia.

4.12.11 Fontes abertas/pesquisas em banco de dados institucional: órgãos do


Sisnama (licenças para exploração de recursos hídricos, florestais, aquícolas, genéticos
etc.), Anvisa (registros de medicamentos e equipamentos), ANP (licença para distribuição

159
de derivados de petróleo) e assim por diante.

Constrição judicial: conforme a espécie de ativo. Outros sistemas que podem auxiliar a
persecução patrimonial – maiores detalhes no portal de investigação
(spea.pgr.mpf.mp.br).

Destaque para:

1 – Radar – repositório de bases de dados. São 144, algumas delas servem para auxílio
na investigação patrimonial.

2 – Cadastro Nacional de Informações Sociais (Cnis) – importante para identificação


de vínculos laborais.

3 – Sinivem – sistema composto por dados do Sistema Integrado Nacional de


Identificação de Veículos em Movimento (filma veículos que transitam nas estradas de
rodagem, mormente naquelas próximas à região de fronteira).

160
5 APOSTILA – COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO: ASPECTOS HISTÓRICOS
E CONCEITUAIS

• SENASP/ANP – (Apostila – Combate a Lavagem de


Dinheiro. Disponível em:
http://ead.senasp.gov.br/modulos/educacional/material_ap
oio/01%20-%20Apostila%20-Combate
%20%C3%A0%20%20Lavagem%20de%20Dinheiro%20-
%20Aula%201%2008.08.pdf. Acesso em: 13. nov. 2017.)

5.1 ETAPAS E EXEMPLO DE CICLO CLÁSSICO DE LAVAGEM DE


DINHEIRO

Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos,


a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer:

• Primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação


direta deles com o crime;

• Segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o


rastreamento desses recursos;

• Terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois


de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser
considerado "limpo".

Essas três fases [etapas], embora independentes,


frequentemente ocorrem simultaneamente. Veja a seguir a explicação de cada uma
delas.

1ª - Colocação: é a entrada do dinheiro no sistema econômico.


Objetivando ocultar sua origem, os criminosos procuram movimentar o dinheiro em
países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro
liberal. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos

161
negociáveis ou compra de bens. Nessa fase, há a conversão em moeda estrangeira
por meio de “doleiros” e a utilização de “mulas” para o transporte físico de divisas
para o exterior. É muito comum também o artifício da importação de mercadorias
superfaturadas ou inexistentes, para a remessa de dinheiro ao exterior. Mediante prévia
combinação com o exportador, a parte que excede o valor correto da transação é
depositada em conta bancária indicada pelo importador. (COAF, 1999, p.9).

2ª – Ocultação: consiste em dificultar o rastreamento contábil dos


recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da
realização de investigações sobre a origem do dinheiro, buscando os criminosos
movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas ou de
“laranjas”. No processo de transferência, o dinheiro ilícito mistura-se com quantias
movimentadas legalmente. O desenvolvimento da Internet e da tecnologia do dinheiro
digital ampliou as possibilidades de ação dos agentes criminosos, propiciando-lhes
maior rapidez nas transações, com a garantia do anonimato. Nesta etapa, ocorrem as
transferências internacionais “via cabo” (wire transfer), e a utilização de
sociedades em centros off-shore, e a compra de instrumentos financeiros com
possibilidades de rotação rápida e contínua, composta de ativos de fácil
disponibilidade. (COAF, 1999, p.9).

3ª – Integração: nesta última, os ativos são incorporados


formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em
empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestar
serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o
dinheiro ilegal. Os meios mais utilizados nesta etapa são os investimentos em cadeias
hoteleiras, supermercados, participação em capital social de empresas, compra de
imóveis, ouro, pedras preciosas, obras de arte, etc. (COAF, 1999, p.9).

Ainda nesta etapa, a organização procura investir em negócios que facilitem a

162
continuação de suas atividades delitivas. Veja a seguir alguns exemplos.

Como vimos, na etapa 3, a organização procura investir em negócios que facilitem a


continuação de suas atividades delitivas.

Exemplo

• Empresas de transporte, dedicadas ao translado de dinheiro, drogas, produtos


químicos (utilizados na elaboração de entorpecentes) ou outros bens de
contrabando.

• Agências de viagem, para facilitar a comercialização de mercadorias


contrabandeadas.

• Setores econômicos que movimentam grandes somas de dinheiro em espécie,


para poder misturá-lo com dinheiro de origem ilícita, como, por exemplo,
cassinos, supermercados, hotéis, postos de gasolina, agências de revenda de
automóveis usados etc.

A seguir, conheça um caso que ilustra que seria um ciclo clássico


de lavagem de dinheiro.

Economista colombiano formado em Harvard, Jurado coordenou


a lavagem de cerca de US$ 36 milhões em lucros obtidos por José Santacruz
Londono com o comércio ilegal de drogas. O depósito inicial – o estágio mais
arriscado, pois o dinheiro ainda está próximo de suas origens – foi feito no Panamá.
Durante um período de três anos, Jurado transferiu dólares de bancos panamenhos
para mais de 100 contas em 68 bancos de nove países, mantendo os saldos abaixo
de US$ 10 mil para evitar investigações.

Os fundos foram novamente transferidos, dessa vez para contas


na Europa, de maneira a obscurecer a nacionalidade dos correntistas originais, e,
então, transferidos para empresas de fachada. Finalmente, os fundos voltaram à

163
Colômbia por meio de investimentos feitos por companhias europeias em negócios
legítimos, como restaurantes, construtoras e laboratórios.

5.2 TIPOLOGIAS

Conforme orienta SCHOTT (2005): “As várias técnicas utilizadas


para lavar dinheiro e para financiar o terrorismo são geralmente denominadas de
‘métodos’ ou ‘tipologias’, termos que podem ser empregados indistintamente, sem
qualquer diferença entre eles.”

A lavagem de dinheiro pode se dar de várias maneiras, desde o


depósito de pequenas quantias em numerário em contas bancárias sem nenhuma
particularidade (para transferência posterior) até a compra e revenda de artigos de
luxo, como automóveis, antiguidades e joias. Os recursos ilícitos podem ser
transferidos por meio de uma série de operações financeiras internacionais
complexas.

Enfim, são muitos os métodos utilizados pelos criminosos para a


lavagem de dinheiro e para financiar o terrorismo, razão pela qual apresentamos a
seguir, a título de ilustração, alguns exemplos.

A seguir, alguns métodos disponibilizados pela ACADEMIA


NACIONAL DE POLÍCIA (2005) que são utilizados pelos criminosos para a lavagem
de dinheiro e para financiar o terrorismo.

Mercado imobiliário: a lavagem de dinheiro é uma prática muito


frequente no setor imobiliário. Por meio da transação de compra e venda de imóveis,
os agentes criminosos lavam recursos com relativa facilidade. O método consiste
geralmente em operações simuladas de compra e venda de imóveis, com emprego

164
de empresas de fachada ou testas-de-ferro e conta com o apoio e/ou omissão das
imobiliárias e notários. O investimento no setor da construção civil também é usado,
na medida em que ao aportar recursos para um empreendimento imobiliário, nem
sempre a origem dos recursos é declarada ou, muitas das vezes, é dissimulada.

Jogos e sorteios: são conhecidos os casos de lavagem de


dinheiro por meio de jogos e sorteios, como bingos e loterias. As principais
características desses processos criminosos envolvem a manipulação das
premiações e a realização de alto volume de apostas em uma determinada
modalidade de jogo, buscando fechar combinações. A compra de bilhetes premiados
também é um método bastante utilizado.

Autoempréstimo: esse método teria as seguintes


características: efetua-se um depósito em conta bancária, em um país onde não
existam maiores controles, em nome de um terceiro ou de uma empresa de fachada.
Com um comprovante de depósito, o “lavador” solicita um empréstimo em outro
banco, geralmente em outro país, utilizando o depósito efetuado como garantia, e
simulando a aplicação do crédito em algum negócio. Posteriormente, o empréstimo
não é pago e a instituição financeira executa a garantia, recebendo o dinheiro “sujo”,
com aparência de legalidade. Ao mesmo tempo, o dinheiro recebido pelo “lavador”,
através da instituição, (empréstimo) também tem aparência de legalidade,
conseguindo-se, assim, o intento de dissimular a origem ilícita do dinheiro.

Superfaturamento e subfaturamento: superfaturar é atribuir a


uma operação de caráter econômico valor superior ao valor real da operação,
enquanto subfaturar é realizar o contrário. Para fins de lavagem de dinheiro,
empresas ligadas aos criminosos geralmente simulam rendimentos, superfaturando
lucros, créditos, pagamentos etc., para fazer com que o dinheiro sujo pareça ser

165
proveniente da atividade comercial. Nesse tipo de operação, os delinquentes são
grandes pagadores de impostos, já que demonstram um lucro sobre o qual pagam
corretamente a porcentagem que a legislação exige. É por esse motivo que muitos
países têm investigado pessoas que recolhem impostos de maneira excessivamente
correta e pontual. A utilização do método de super/subfaturamento na atividade de
importação e exportação também possibilita a lavagem de dinheiro e a evasão de
divisas na medida em que favorece a entrada e saída de dinheiro entre os países
envolvidos na transação. Prática comum no Brasil é o superfaturamento de obras
públicas para pagamento de propinas a políticos, conforme demonstram os
constantes escândalos noticiados pela mídia. Já se disse que sairia mais barato
pagar só a propina do que fazer a obra, tal o custo que isso representa para o País.

“Laranjas” ou “fantasmas”: os “laranjas” são pessoas


encarregadas de figurar como titulares de contas bancárias utilizadas pelos
criminosos para receber depósitos e transferências no intuito de fazer circular o
dinheiro ilícito. Sua utilização visa, portanto, a dificultar a tarefa do investigador já que
contribuem para manter no anonimato os verdadeiros donos do dinheiro. Os laranjas
geralmente são “contratados”, emprestando dados pessoais ou efetivamente
comparecendo à instituição bancária para abrir contas-correntes ou efetuar
movimentações financeiras.

Agências de turismo e empresas de factoring: as empresas de


turismo são cada vez mais objeto de observação. Trabalham, em geral, com vários
tipos de moedas, pois são receptoras de bilhetes e divisas estrangeiros, como
agentes de câmbio, podendo efetuar transferências de um país a outro (bilhetes,
cheques de viagem etc.). Dessa forma, podem-se constituir em verdadeiros mercados
paralelos de movimentação de dinheiro. Pelo fato de terem maior facilidade no
transporte de pessoas, torna-se viável sua participação no contrabando de bens em
geral. As Factorings são empresas voltadas para a prestação de serviços de

166
assessoria creditícia e mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos,
administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios
resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços. Pelo fato de
suas atividades envolverem movimentação de créditos e valores volumosos podem
ser usadas para a prática dos crimes em comento.

Advogados, contadores e tabeliães: as atividades de alguns


profissionais liberais, entre eles advogados, contadores e tabeliães, baseiam-se em
uma especial relação de confiança com seus clientes. Como ocorre também com o
sigilo bancário, certas transações não podem transparecer em razão do sigilo
profissional. Aproveitando-se destas particularidades, tais profissionais podem ser
usados para importantes atividades ligadas à lavagem de dinheiro, tais como: a)
Empréstimo temporário de suas contas bancárias; b) Compra de imóveis ou outros
bens de alto valor em nome próprio, mas por encargo de seu cliente; c)
Estabelecimento de empresas fictícias, criadas com o fim único de ocultar recursos de
origem criminosa dentro das atividades normais de estruturas controladas pela
organização criminosa.

Outros métodos: o financiamento de campanhas políticas


também vem sendo utilizado há algum tempo como um escoadouro para a lavagem
de dinheiro, como revelam as recentes investigações da Polícia Federal e das
Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso Nacional. Destacam-se, ainda,
as operações de compra e venda de joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte
e antiguidades. Nesses dois últimos casos, o comércio é atraente para as
organizações criminosas envolvidas com a lavagem de dinheiro porque são bens de
alto valor, negociáveis com relativa facilidade. Ouro e outras pedras preciosas podem
substituir o dinheiro como meio de pagamento e depósito já que são um meio de troca
universalmente aceito, funcionam como reserva de valor em época de incertezas, têm
preços fixados diariamente, são facilmente negociados nos mercados mundiais,

167
podem garantir o anonimato do titular.

A seguir, conheça as medidas preventivas.

5.3 MEDIDAS PREVENTIVAS

Os lavadores de dinheiro utilizam-se de vários tipos de


instituições financeiras e certas profissões e atividades não financeiras. O acesso a
essas entidades e pessoas é fundamental para o êxito dos criminosos, porque
oferecem os meios para transferir recursos para outras instituições financeiras, quer
no país quer no exterior, para efetuar câmbio e para converter os produtos do crime
em diferentes instrumentos financeiros e outros bens.

O GAFI estabeleceu medidas preventivas que os países devem


adotar, aplicando-se a todas as instituições financeiras e, de forma mais limitada, às
atividades e profissões não financeiras. Conheça, a seguir, algumas medidas
adotadas no Brasil.(…)

Setor imobiliário: todas as transações suspeitas devem ser


comunicadas ao COAF em 24 horas, além de os responsáveis serem obrigados a
identificar e cadastrar seus clientes, para a aplicação das providências legais caso se
comprove a prática do crime em comento.

Empresas de factoring: devem comunicar imediatamente ao


COAF os registros de transações financeiras que ultrapassem R$ 50.000, além de
exigir que os responsáveis identifiquem seus clientes e elaborem cadastros para
eventuais consultas.

168
Empresas que exploram sorteios: são obrigadas a manter
registro dos negócios, comunicando-os imediatamente ao COAF, com a identificação
dos clientes contemplados (com mesmo CPF), em um período de 12 meses, com três
ou mais prêmios de valores superiores a R$ 10.000,00.

Empresas que comercializam joias, pedras e metais


preciosos: são obrigadas a identificar e manter de cadastro dos clientes, assim como
registros de quaisquer transações acima de R$ 5.000,00 no varejo e R$ 50.000,00 no
setor industrial, que devem ser comunicadas imediatamente ao COAF.

Empresas que exploram bingos e/ou assemelhados: devem


ter controle dos prêmios pagos, impondo-se aos responsáveis o registro e a
identificação de todos os ganhadores de prêmios com valor igual ou superior a R$
2.000,00, devendo-se, ainda, comunicar o fato imediatamente ao COAF.

Administradoras de cartões de credenciamentos ou de


cartões de crédito: devem fazer o controle preventivo das transações com cartões
de crédito, identificar e manter cadastro dos seus clientes, assim como elaborar
registros de todos os negócios realizados, a fim de comunicar quaisquer tipos de
operações suspeitas.

Bolsas de mercadorias e corretoras: devem identificar os


sócios e todos os intervenientes nas operações, além de manter cadastro atualizado
e registro de todas as operações ocorridas e comunicar imediatamente ao COAF
quaisquer operações suspeitas.

169
Comércio de objetos de artes e antiguidades: devem
identificar seus clientes, mantendo registro atualizado das transações e comunicando
ao COAF todas as operações que ultrapassem R$ 5 mil.

Instituições financeiras: reguladas pelo BACEN, dá-se especial


atenção à abertura de conta, movimentação de recursos e manutenção de registro e
ficha cadastral dos responsáveis pelos negócios, devem ser comunicadas ao BACEN
todas as transações de valores iguais ou superiores a R$ 10 mil, bem como depósito
ou retirada em espécie ou pedido de provisionamento para saque, de valor igual ou
superior a R$ 100 mil.

5.4 OPERAÇÕES SUSPEITAS QUE PODEM INDICAR LAVAGEM DE DINHEIRO

Algumas operações, por suas características, acabam por se desviar


dos padrões normais, devendo ser identificadas e comunicadas às autoridades
competentes, abstendo-se de dar ciência de tal ato aos clientes (art. 11, da Lei 9.613/98),
sob pena de responsabilidade administrativa (artigo 12 da mesma Lei).

Veja algumas das operações suspeitas que podem indicar lavagem


de dinheiro, apontadas pela ACADEMIA NACIONAL DE POLÍCIA:

• Movimentações de quantias inferiores ao limite estabelecido no art. 4º, inciso I, da


Circular n. 2.852/98 (R$ 10.000,00) que, por sua habitualidade e forma, configurem
artifício para a burla do referido limite;

• Saques a descoberto, com cobertura no mesmo dia;

170
• Aumentos substanciais no volume de depósitos, de qualquer tipo de pessoas
(física ou jurídica), sem causa aparente, em especial se tais depósitos são
posteriormente transferidos, dentro de curto período de tempo, a destinos
anteriormente não relacionados com o cliente;

• Depósitos mediante numerosas entregas, de maneira que o total de cada depósito


não seja significativo, mas o conjunto de tais depósitos sim;

• Depósito por terceiro, com valor reduzido, para que não seja notado, mas,
quantitativamente, de grande monta. No ato de depósito não é necessário que o
depositante coloque o seu nome, pois o caixa não confere nem pede a
identificação para confirmar a operação, de modo que se pode fazer a operação
com vários nomes diferentes;

• Proposta de troca de grandes quantias em moeda nacional por moeda estrangeira


e vice-versa;

• Depósitos de grandes quantias mediante a utilização de meios eletrônicos ou


outros que evitem contato direto com o pessoal do banco;

• Movimentação de recursos em praças localizadas em fronteiras;

• Movimentação de recursos incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica


ou a ocupação profissional e a capacidade financeira presumida do cliente;

• Resistência em facilitar as informações necessárias para a abertura de conta,


oferecimento de informações falsas ou prestação de informação de difícil ou
onerosa verificação;

• Transações financeiras envolvendo clientes não-residentes;

• Transferências atípicas de bens para terceiros, inclusive parentes;

• Retirada de quantia significativa de conta até então pouco movimentada ou de


conta que acolheu depósito inusitado;

171
• Mudança repentina e aparentemente injustificada na forma de movimentação de
recursos e/ou nos tipos de transação utilizados;

• Pagamento inusitado de empréstimo sem que haja explicação aparente para a


origem dos recursos;

• Proposta de abertura de conta-corrente mediante apresentação de documentos de


identificação e número de CPF emitidos em região de fronteira ou por pessoa
residente, domiciliada ou que tenha atividade econômica em países fronteiriços;

• Pagamentos antecipados de importação e exportação por empresa sem tradição


ou cuja avaliação financeira seja incompatível com o montante negociado;

• Utilização de cartão de crédito em valor não compatível com a capacidade


financeira do usuário;

• Alteração inusitada nos padrões de vida e de comportamento do empregado ou


representante;

• Transferência atípica ou não-econômica de recursos de e para jurisdições


estrangeiras.

6 TIPOLOGIAS – CORRUPÇÃO, DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS E


LAVAGEM DE DINHEIRO

• COAF – (Casos & Casos: Coletânea de casos brasileiros


de lavagem de dinheiro. Disponível em:
<http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-
ft/publicacoes/livro_publicacao-casos-e-casos-
coaf_final_web1-3.pdf/view> .Acesso em 13. nov. 2017.

172
6.1 INTRODUÇÃO

Os prejuízos causados pela corrupção são enormes, pois muitas


ações públicas são atingidas por este delito. Toda a população sofre, de certa maneira,
das parcelas mais pobres até mesmo os mais abastados, por comprometer os
investimentos públicos em segurança, educação, saúde, infraestrutura, dentre outros.

O COAF, ciente do problema, tem como uma das principais


diretrizes, desde sua gênese, a produção de inteligência financeira no combate à
corrupção, seja no nível federal, estadual ou municipal.

A análise financeira das comunicações de operações financeiras de


que trata a Lei nº 9.613/98 é realizada com base na Abordagem Baseada em Riscos
(ABR). Pressupõe avaliação dos sinais de alerta identificados nas bases de dados
disponíveis, que são processados por meio da Central de Gerenciamento de Riscos e
Prioridades (CGRP). Os fatores ligados à corrupção são considerados, de forma
qualificada, dentre múltiplos atributos de risco.

Considerando ainda que o combate à corrupção demanda uma


atuação conjunta e estruturada de diversos órgãos, o COAF vem realizando trabalhos
conjuntos com a Controladoria-Geral da União, as Controladorias Estaduais e Municipais,
os órgãos do Ministério Público Estadual, Eleitoral, Trabalhista, Militar e Federal, as
Polícias, a Receita Federal, dentre outros.

Ao longo dos anos, foram catalogadas diversas tipologias sobre o


tema. No presente compêndio, são descritas 18 tipologias relacionadas a situações
ocorridas nas diversas esferas de governo, das quais quatro são inéditas. Esperamos que
sejam úteis como fonte de conhecimento e estímulo a ações de prevenção.

173
6.2 USO DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (ONGS) PARA O
DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS

6.2.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Municipal;

• Organizações Não-Governamentais – ONG.

6.2.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentação incompatível com o patrimônio, atividade econômica ou capacidade


financeira presumida;

• Aumento substancial dos depósitos, sem causa aparente, posteriormente


transferidos a destino não relacionado com o cliente, em curto período;

• Contas que não demonstram ser resultado de atividades normais, visto que
utilizadas para recebimento ou pagamento de quantias significativas sem indicação
clara de finalidade ou relação com o titular da conta ou seu negócio;

• Depósitos de grandes quantias mediante a utilização de meios eletrônicos ou


outros que evitem contato direto com o pessoal do banco;

• Movimentações atípicas de recursos por organizações sem fins lucrativos.

6.2.3 Descrição do Caso

174
Servidor público interessado em desviar recursos de uma instituição
governamental, agindo como seu representante, contrata a prestação de determinados
serviços por uma entidade. Supostamente com o mesmo fim, a citada entidade
subcontrata uma organização não governamental – ONG, que não realiza os serviços.
Porém, emite notas fiscais e recibos que simulam sua prestação para receber os
pagamentos.

Os recursos são sacados por meio de cartões corporativos pré-


pagos por diversas pessoas e, posteriormente, repassados aos beneficiários finais do
esquema.

6.3 LAVAGEM DE DINHEIRO DE CORRUPÇÃO PASSIVA POR MEIO DE


IMPORTAÇÕES FICTÍCIAS

6.3.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Comércio Exterior;

• Administração Pública Federal;

• Sistema Financeiro Nacional.

6.3.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Fragmentação de depósitos, em espécie, de forma a dissimular o valor total da


movimentação;

• Aumento substancial dos depósitos em espécie, sem causa aparente,


posteriormente transferidos a destino não relacionado com o titular, em curto

175
período;

• Movimentação incompatível com a capacidade financeira presumida da empresa;

• Pagamento antecipado de importações em valores incompatíveis com o porte do


remetente.

6.3.3 Descrição do Caso

Dois servidores públicos são responsáveis pelo controle alfandegário


em movimentado aeroporto. Segundo apurado, estão permitindo o ingresso no País de
mercadorias estrangeiras sem o recolhimento dos tributos devidos mediante o
recebimento de propina.

Os servidores compram empresa do ramo do comércio de produtos


de higiene, atribuindo as cotas do capital a interpostas pessoas, moradores de rua. A
administração da empresa é realizada pelos próprios servidores, por meio de procuração
forjada. A operação é realizada com intermediação de empresa especializada em
transferências societárias.

A empresa de produtos de higiene, há anos, mantinha conta-


corrente na mesma instituição financeira com histórico de frequentes depósitos em
espécie de pequeno valor individual, originalmente decorrentes de vendas realizadas por
seus representantes comerciais.

O produto da prática de corrupção passa a ser depositado na conta-


corrente da empresa, em espécie e de forma fracionada. Apesar do histórico de
movimentação, o aumento súbito e significativo do número de depósitos ao dia, assim
como de seu montante, é detectado pelos controles anti-lavagem de dinheiro do Banco e
motiva encaminhamento de comunicação de operações atípicas à Unidade de Inteligência
Financeira – UIF doméstica.

176
A fim de remeter os recursos de origem ilícita ao exterior, a empresa
começa a fechar contratos de câmbio para pagamento antecipado de importações. Uma
vez que se trata de operações simuladas, a correspondente entrada de mercadorias
acumula pendências nos sistemas de controle de comércio exterior. A UIF do país da
suposta empresa exportadora informa que aquela teria encerrado suas atividades há anos
e que a conta creditada nas operações jamais lhe teria pertencido.

6.4 DESVIO DE RECURSOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL


POR INTERPOSTAS PESSOAS

6.4.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração pública municipal;

• Sistema Financeiro Nacional;

• Setor agropecuário.

6.4.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Aumentos substanciais no volume de depósitos em espécie, sem causa aparente,


em curto período;

• Operações que dificultam a identificação da origem dos recursos;

• Utilização de interpostas pessoas (“laranjas”);

• Movimentação de recursos em benefício de terceiros.

177
6.4.3 Descrição do Caso

O prefeito de uma cidade, envolvido em atos de corrupção, efetua


depósito em espécie de significativa quantia em conta titulada pela vice-prefeita da
cidade, que também é sua filha.

Mais tarde, revela-se que três pessoas recebem sistematicamente


em suas contas transferências eletrônicas disponíveis (TEDs) e documentos de crédito
(DOCs) originados de contas da Prefeitura, em diferentes bancos.

Os recursos são remetidos para a conta de uma empresa. Por sua


vez, o dinheiro é transferido para conta de outra empresa e, por fim, para a conta de uma
empresa agropecuária.

A agropecuária, então,“converte” os valores recebidos em gado


bovino.

Apura-se posteriormente que os sócios das empresas, assim como


os beneficiários das transferências, atuam como interpostas pessoas do citado prefeito, o
qual, em quatro anos de gestão, é responsável pelo desvio de dezenas de milhões de
reais em recursos públicos.

6.5 CORRUPÇÃO ESTADUAL ASSOCIADA À FRAUDE FISCAL POR MEIO DE


EMPRESAS DE FACHADA

6.5.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Estadual – Tributária;

178
• Escritórios de Contabilidade;

• Empresas de importação e revenda de embarcações;

• Empresas de revenda e fornecedoras de materiais hospitalares;

• Empresas distribuidoras de peças automotivas.

6.5.2 Sinais de Alerta de inteligência Financeira

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

• Empresas com sócios aparentemente sem capacidade econômica para justificar a


movimentação financeira;

• Movimentações financeiras de empresas que não demonstram ser resultado de


atividades ou negócios normais.

6.5.3 Descrição do Caso

Este caso envolve quadrilha composta por fiscais de renda


estaduais, contadores e empresários de diversos ramos de atividade, que há anos frauda
o Fisco de um Estado da região Sudeste do Brasil. A quadrilha atua por intermédio de um
articulado esquema de corrupção que controla uma rede de captação, com a utilização de
empresas de fachada e pagamento de propinas por empresários em troca da obtenção de
privilégios indevidos em fiscalizações tributárias e em outros serviços prestados por
alguns segmentos do Fisco estadual.

Mediante o pagamento de quantias mensais ou anuais, as empresas


recebem um tipo de “blindagem”, o que lhes proporciona a garantia de terem suas
fiscalizações tributárias conduzidas por integrantes da quadrilha. Tais empresas, apesar

179
de fiscalizadas várias vezes ao longo dos anos, na maioria dos casos, nem sequer são
autuadas pelo Estado. Quando autuadas, as infrações restringem-se, via de regra, à
aplicação de multas meramente formais e de pequeno valor monetário. Os recursos
financeiros obtidos ilicitamente pela quadrilha são dissimulados e ocultados por meio de
complexo esquema de empresas de fachada.

6.6 LAVAGEM DE DINHEIRO DE CORRUPÇÃO POR MEIO DE VENDAS


SIMULADAS DE ATIVOS

6.6.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Federal;

• Construção civil;

• Joias e pedras preciosas;

• Títulos públicos.

6.6.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentações atípicas de recursos por pessoa natural ou jurídica relacionados a


licitações;

• Movimentações atípicas de recursos por agentes públicos;

• Operações de compra ou de venda de joias, pedras ou metais preciosos e títulos


públicos a preços incompatíveis com os praticados no mercado ou realizadas por
pessoa cuja atividade declarada e perfil não se coadunem ao tipo de negociação
realizada.

180
6.6.3 Descrição do Caso

Agente público recebe valores escusos em dinheiro para favorecer


certas empresas em processos licitatórios promovidos pelo Governo Federal. A fim de
justificar os valores percebidos, tal agente público, em geral utilizando-se do nome de
cônjuge ou de pessoa próxima da família, declara que recursos são provenientes da
venda de títulos públicos antigos, pedras preciosas ou joias de família para
colecionadores.

Nesse esquema, é fundamental a participação criminosa de


supostos peritos, que superavaliavam os objetos por meio de laudos falsos, bem como a
participação de terceiros, que figuram como supostos compradores/ colecionadores dos
bens superfaturados.

6.7 CORRUPÇÃO MUNICIPAL POR MEIO DE LICITAÇÃO DE OBRAS


PÚBLICAS

6.7.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Municipal;

• Construção Civil;

• Sistema Financeiro Nacional.

181
6.7.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Recebimento de recursos com imediatos saques em espécie;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira.

• Movimentações atípicas de recursos por pessoa natural ou jurídica relacionados a


licitações;

• Movimentações atípicas de recursos por agentes públicos.

6.7.3 Descrição do Caso

Uma prefeitura realiza licitação para contratação de obras de


construção civil e deposita, na conta bancária da empresa vencedora do certame, os
valores relativos ao pagamento dos serviços contratados.

Na conta da empresa, assim que recebidos os recursos enviados


pela Prefeitura, são realizados saques de valores em espécie e, simultaneamente,
efetuados depósitos em contas tituladas por servidor público da mesma Prefeitura. Os
valores dos depósitos na conta do servidor representam entre 10  a 20  por cento do
valor recebido da Prefeitura.

Da conta do servidor público, parte dos recursos é sacada em


espécie e parte é transferida para contas de pessoas ligadas, por graus de parentesco, ao
prefeito da cidade.

As características da movimentação financeira indicam possível


fraude em processo licitatório. Os depósitos realizados pela empresa na conta do servidor
sugerem o pagamento de propina para o direcionamento da licitação.

As transferências da conta do servidor para as contas de pessoas


ligadas ao prefeito da cidade indicam envolvimento também do prefeito, na fraude à

182
licitação.

6.8 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS MUNICIPAIS POR MEIO DE


EMPRESAS CONTRATADAS SEM LICITAÇÃO

6.8.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Municipal;

• Empresas Privadas;

• Sistema Financeiro Nacional.

6.8.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Empresas recém-criadas, sem empregados registrados, cujos sócios têm vínculos


públicos;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

• Fragmentação de saques em espécie, de forma a dissimular o valor total;

• Resistência ao fornecimento de informações para a atualização cadastral;

• Movimentação de quantia significativa por meio de conta até então pouco


movimentada;

• Movimentações atípicas de recursos por pessoa relacionada a licitações;

183
• Movimentações atípicas de recursos por agentes públicos.

6.8.3 Descrição do Caso

Empresa recém-criada, sem funcionários registrados, passa a


movimentar, repentinamente, em suas contas bancárias, recursos incompatíveis com a
sua capacidade econômico-financeira. Os recursos são oriundos, em sua maioria, de
órgãos da administração pública municipal.

O quadro societário da empresa é formado por um agente político,


que já foi funcionário da prefeitura, e por seus parentes.

Os recursos que ingressam na conta da empresa são transferidos


para outras empresas, ligadas ao sócio agente político e a seus parentes, ou sacados em
espécie de forma fracionada.

Em contatos realizados pelas instituições financeiras nas qual


mantém suas contas, a empresa oferece resistência ao fornecimento de informações para
a atualização cadastral e não apresenta fundamentação ou justificativa econômica para
os recursos movimentados.

As características da movimentação financeira indicam possível


esquema para ocultar ou dissimular o desvio de verbas públicas. As transferências de
valores, da conta que recebeu os créditos de órgãos da administração pública, para
pessoas físicas e outras empresas, são artifícios utilizados para dificultar a identificação
dos autores do desvio.

184
6.9 CORRUPÇÃO ESTADUAL COM DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS
MEDIANTE SUBCONTRATAÇÃO EM CONVÊNIOS

6.9.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema Financeiro Nacional;

• Organizações Não Governamentais – ONG;

• Produção e Promoção de Eventos Esportivos;

• Organização de Feiras, Congressos, Exposições e Festas.

6.9.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentações atípicas de recursos por organizações sem fins lucrativos;

• Recebimento de recursos de organização sem fins lucrativos beneficiária de


recursos públicos;

• Recebimento de recursos com imediatos saques em espécie;

• Empresas com dados cadastrais semelhantes, sem empregados registrados, cujos


sócios têm vínculos públicos.

6.9.3 Descrição do Caso

Uma organização sem fins lucrativos ligada à produção e promoção


de eventos esportivos consegue recursos públicos mediante proposta de convênio que

185
contempla projeto de realização de evento relacionado à sua área de atuação.

Paralelamente, dirigentes da organização criam várias empresas


com atividade no mesmo segmento de atuação.

Tais empresas não possuem empregados registrados, e estão, via


de regra, sediadas em um mesmo endereço residencial, em endereços próximos, ou
ainda no endereço de um de seus sócios.

A organização sem fins lucrativos passa a remeter recursos via


cheques para tais empresas, com a suposta fundamentação de pagamento de serviços
prestados, que, de fato, não são executados.

Em seguida, os valores são sacados em espécie das contas das


empresas por funcionários ou dirigentes ligados à organização sem fins lucrativos, que se
tornam, assim, os verdadeiros beneficiários dos recursos públicos obtidos via convênio.
Após a chegada dos recursos públicos aos mentores do esquema criminoso, as empresas
criadas com o propósito de desviá-los, são canceladas via Distrato Social.

6.10 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS PARA FINANCIAMENTO DE


CAMPANHA POR MEIO SUPERFATURAMENTO REALIZADO POR
ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO – OSCIP

6.10.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Estadual;

• Organização Não Governamentais (ONG);

• Sistema Financeiro Nacional.

186
6.10.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Recebimento de recursos públicos por empresa recém-criada, sem empregados


registrados, com sócios ligados a funcionários públicos;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira.

• Fragmentação de saques, em espécie, para dissimular valor total;

• Resistência ao fornecimento de informações para atualização cadastral;

• Movimentação de quantia significativa por meio de conta até então pouco


movimentada;

• Recebimento de recursos de organização sem fins lucrativos beneficiária de


recursos públicos.

6.10.3 Descrição do Caso

Um grupo de ONGs recebe recursos do Estado para supostamente


realizar serviços de interesse público, sem realização dos procedimentos licitatórios. Para
a execução dos serviços, as ONGs subcontratam empresas, cujos proprietários são
ligados direta ou indiretamente a seus dirigentes.

Após o recebimento dos recursos, cujos valores indicam a existência


de superfaturamento, as empresas doam parte dos valores para campanhas eleitorais de
candidatos ligados a servidores do executivo responsáveis pela liberação de recursos
para as ONGs, sem realização de licitações.

187
6.11 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS MUNICIPAIS POR MEIO DE
EMPRESAS CONTRATADAS SEM LICITAÇÃO

6.11.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Municipal

• Empresas Privadas

• Sistema Financeiro Nacional

6.11.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Recebimento de recursos públicos por empresa recém-criada, sem empregados


registrados, cujos sócios são ligados direta ou indiretamente a funcionários
públicos;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica ou capacidade


financeira presumida;

• Fragmentação de saques em espécie, de forma a dissimular o valor total da


movimentação;

• Resistência ao fornecimento de informações necessárias para a atualização


cadastral;

• Movimentação de quantia significativa por meio de conta até então pouco


movimentada.

188
6.11.3 Descrição do Caso

Empresa recém-criada, sem funcionários registrados, passa a


movimentar, repentinamente, em suas contas bancárias, recursos incompatíveis com a
sua capacidade econômico-financeira. Os recursos são oriundos, em sua maioria, de
órgãos da administração pública municipal.

O quadro societário da empresa é formado por um agente político,


que já foi funcionário da prefeitura, e por seus parentes.

Os recursos que ingressam na conta da empresa são transferidos


para outras empresas, ligadas ao sócio agente político e a seus parentes, ou sacados em
espécie de forma fracionada.

Em contatos realizados pelas instituições financeiras nas quais


mantém suas contas, a empresa oferece resistência ao fornecimento de informações para
a atualização cadastral e não apresenta fundamentação ou justificativa econômica para
os recursos movimentados.

As características da movimentação financeira indicam possível


esquema para ocultar ou dissimular o desvio de verbas públicas. As transferências de
valores, da conta que recebeu os créditos de órgãos da administração pública, para
pessoas físicas e outras empresas, são artifícios utilizados para dificultar a identificação
dos autores do desvio.

6.12 AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS PARA DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS

6.12.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Instituição Pública de Ensino Superior;

189
• Organização Não Governamental – ONG;

• Setor Imobiliário;

• Sistema Financeiro Nacional.

6.12.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Transações imobiliárias com aparente aumento ou diminuição injustificada do valor


do imóvel;

• Transações imobiliárias ou propostas que, por suas características, no que se


referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados
ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios de
crime;

• Transação imobiliária incompatível com patrimônio, atividade principal desenvolvida


ou capacidade financeira presumida das partes;

• Recebimento de recursos com imediata compra de instrumentos para a realização


de pagamentos ou de transferências a terceiros, sem justificativa;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica ou capacidade


financeira presumida.

6.12.3 Descrição do Caso

Uma instituição pública de ensino superior cria uma fundação para


apoio universitário (organização não governamental sem fins lucrativos), destinada ao
desenvolvimento de estudos e pesquisas.

A fundação recebe recursos públicos, para o desenvolvimento de


pesquisas e projetos, oriundos, inclusive, de repasses efetuados pela própria instituição

190
de ensino que a criou.

Em determinada data, a fundação recebe recursos da instituição de


ensino e, em data muito próxima ao repasse, compra imóveis e transfere os recursos para
as empresas que venderam os imóveis. Pouco tempo depois, a fundação vende os
mesmos imóveis à instituição de ensino que a criou, por valores muitas vezes superiores
aos praticados na compra.

Analisados os registros de transações imobiliárias, verifica-se que os


imóveis pertenceram, anteriormente, à fundação, foram recomprados anos depois pela
própria fundação, pelos mesmos valores e, em data próxima à da recompra, revendidos à
instituição de ensino, porém com valores muitas vezes superiores aos das compras
originais.

As características da movimentação financeira, associadas com as


transações imobiliárias, indicam que a compra dos imóveis foi utilizada como artifício para
desvio de recursos públicos recebidos pela instituição de ensino.

6.13 PAGAMENTO DE PROPINAS POR EMPREITEIRAS EM CONTRATOS


MUNICIPAIS

6.13.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Municipal;

• Empresas Privadas;

• Sistema Financeiro Nacional;

• Administração Pública Federal – Convênios.

191
6.13.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentações atípicas de recursos por pessoa natural ou jurídica relacionada a


licitações;

• Recebimento de créditos exclusivamente de órgãos públicos;

• Movimentação de recursos incompatível com patrimônio, atividade econômica e


capacidade financeira;

• Fragmentação de saques em espécie, de forma a dissimular o valor total;

• Resistência ao fornecimento de informações necessárias para a atualização


cadastral;

• Compra de veículos com pagamento em espécie.

6.13.3 Descrição do Caso

Empresa com atuação no ramo de obras de engenharia recebe em


suas contas recursos provenientes de várias prefeituras com alegação de que os recursos
são decorrentes de contratos provenientes de licitações com os municípios. Também
recebe várias ordens de pagamentos da União decorrentes de contratos com prefeituras
para executar convênios de programas federais nas cidades.

Todos os créditos recebidos em suas contas são provenientes de


órgãos públicos. A empresa justifica informando que não efetua trabalhos para a iniciativa
privada.

Os débitos são decorrentes de saques em espécie e de


transferências destinadas a empresas afins à atividade de engenharia.

Parte dos valores sacados em espécie é depositada para servidores


das prefeituras que remeteram créditos para empresa, bem como para parentes ou

192
pessoas ligadas de forma direta ou indireta a esses servidores públicos. Outra parte é
utilizada para comprar veículos, com pagamento em espécie, que são presenteados para
servidores que trabalhavam nos órgãos responsáveis pelas licitações dos remetentes de
recursos para empresa.

6.14 DESVIO DE RECURSOS MUNICIPAIS POR MEIO DE CONTRATAÇÃO DE


EVENTOS ARTÍSTICOS SEM LICITAÇÃO

6.14.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema financeiro Nacional;

• Administração Pública Municipal;

• Setor Artístico;

• Setor Imobiliário.

6.14.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Recebimento de recursos públicos com repasse a pessoas com vínculos públicos;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

• Transações imobiliárias com aparente aumento ou diminuição injustificada do valor


do imóvel;

• Transações imobiliárias ou propostas que, por suas características, no que se


referem às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados
ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios de

193
crime.

6.14.3 Descrição do Caso

O artigo 25, III, da Lei nº 8.666/93 diz que“... Art. 25.É inexigível a
licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:.. III - para contratação
de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário
exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública...”.
Com base nesse artigo, órgãos públicos podem contratar shows artísticos sem exigência
da licitação, porém, tal contratação tem várias outras exigências, como a justificativa de
preço.

Determinada prefeitura contrata por R$ 400 mil um artista cujo cachê


é de cerca de R$ 80 mil, sem exigência de licitação, com base no citado artigo da Lei nº
8.666/93. A empresa artística apresenta notas superfaturadas à prefeitura. Na
movimentação financeira da empresa contratada constam vários créditos de R$ 80 mil
recebidos de contratos firmados com particulares, e um de R$ 400 mil proveniente da
prefeitura, para realização de um único show.

Posteriormente, parte do valor recebido a maior foi depositada para


outra empresa, que possui características comuns a “empresas de fachada”, tais como,
ausência de registro de empregados, sede fiscal em endereço residencial e sócio sem
aparente capacidade financeira.

Os valores recebidos por essa segunda empresa são justificados


como despesas para divulgação do referido show, porém, em sua movimentação
financeira, não é verificado nenhum débito com tal destinação. Os valores recebidos são
utilizados para compra de imóvel pertencente ao prefeito por valor superior ao de
mercado, exatamente na quantia recebida pela segunda empresa.

194
6.15 FINANCIAMENTO IRREGULAR DE CAMPANHA ELEITORAL COM
PROPINAS, VIA CONTAS DE SUPERMERCADOS E TRANSPORTADORAS DE
VALORES

6.15.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Transporte de Valores;

• Campanha Eleitoral;

• Comércio Varejista.

6.15.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Mudança repentina e injustificada na movimentação de conta-corrente;

• Transporte de valores em espécie para pessoas físicas;

• Saques em espécie de forma fracionada.

6.15.3 Descrição do Caso

Em contas-correntes de supermercados é comum a ocorrência de


depósitos em espécie pelas características de suas operações. Uma determinada
empresa desse ramo de atividades possui registros de vários depósitos em espécie em
sua conta-corrente quando há uma mudança na forma do recebimento dos créditos, em
período eleitoral.

195
Em lugar dos créditos serem recebidos por meio de depósitos em
espécie, a empresa passa a receber depósitos em cheques em valores não compatíveis
com a atividade presumida da empresa, cuja principal característica é de venda ao varejo
pulverizada.

Paralelamente a essa interrupção, são recebidas comunicações de


que trata a Lei nº 9.613/98, oriundas do segmento de transporte de valores, indicando que
o supermercado havia contratado tal serviço para transportar valores em espécie
destinados a determinadas pessoas físicas, sem utilização de instituição financeira, o que
poderia caracterizar tentativa de ocultação de identidade dos verdadeiros beneficiários
dos valores.

Análises subsequentes indicam que os cheques depositados na


conta do supermercado eram emitidos por empresas relacionadas às pessoas físicas
destinatárias dos valores em espécie transportados.

Após investigações, descobre-se que os valores em espécie eram


destinados a financiamento irregular de campanha eleitoral. Os cheques depositados
eram lastreados em pagamentos de propinas de empresas vencedoras de licitações
irregulares.

6.16 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS NA TERCEIRIZAÇÃO DA GESTÃO


HOSPITALAR

6.16.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema financeiro Nacional;

• Organização Não Governamental;

• Administração Pública Municipal;

196
• Serviços de saúde.

6.16.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Empresas sediadas em endereços residenciais, sem empregados registrados,


consócios aparentemente sem capacidade econômica;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

• Recebimento de recursos de organização sem fins lucrativos beneficiária de


recursos públicos.

6.16.3 Descrição do Caso

Órgãos do Poder Público contratam Organizações Não


Governamentais (ONGs) para prestação de serviços de saúde. As ONGs devem
administrar as unidades de saúde dos municípios pelo qual foram contratadas. Os
serviços contratados não são executados como deveriam. Quase a totalidade da gestão
dos serviços de saúde dos municípios é efetuada pelas ONGs.

Na movimentação das ONGs, todos os créditos recebidos são


decorrentes dos órgãos públicos contratantes e os débitos destinados para empresa de
saúde que deveria prestar os serviços contratados. Essa empresa possui como
procuradora a diretora da própria ONG. Também são realizados nas contas da empresa
de saúde e da própria ONG vários saques em espécie. Os valores sacados são
destinados para contas de pessoas ligadas aos gestores dos órgãos públicos
contratantes.

As tomadas de preço pelas quais as ONGs são contratadas são


feitas entre as ONGs do mesmo grupo, simulando uma competição, mas a disputa já está

197
previamente acertada. As ONGs estão em salas comerciais, quase sem funcionários. Não
existem, de fato, como sociedades civis. Somente administram os recursos contratados
sem licitação.

Na sua prestação de contas, apresentam notas fiscais de valores


elevados com gastos genéricos como “gastos com pessoal”,“gastos com remédios”, sem
detalhes dos gastos realizados. Nas empresas de saúde que deveriam prestar os serviços
também existem empregados com altos salários com vínculos com agentes públicos dos
municípios contratantes.

6.17 DESVIO DE RECURSOS DE FUNDOS DE PREVIDÊNCIA


COMPLEMENTAR

6.17.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema financeiro Nacional;

• Entidade de Previdência Privada;

• Entidades Públicas.

6.17.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Empresas sediadas em endereços residenciais, sem empregados registrados, com


sócios aparentemente sem capacidade econômica;

• Alternância de mesmas pessoas nos quadros societários de empresas


relacionadas em comunicações suspeitas;

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

198
• Saques em espécie por pessoas não relacionadas.

6.17.3 Descrição do Caso

Uma organização criminosa controla um grupo de empresas de


fachada cujos sócios são “laranjas” e “testa-de-ferro”. Agrande maioria dessas empresas
é de consultoria e gestoras de fundos de investimentos. Na movimentação financeira, a
maior parte dos créditos recebidos é decorrente de entidades de previdência
complementar. Assim que os valores são recebidos, há constante fluxo financeiro entre as
empresas pertencentes “ao grupo”, principalmente pelo envio de transferências bancárias.
Os débitos são realizados por saques em espécie. Os sócios são constantemente
substituídos por outros.

Nas investigações e análise do fluxo financeiro dos envolvidos,


identificou-se que os valores sacados em espécie são destinados para aliciar gestores de
fundos previdenciários a fim de que eles apliquem recursos em fundos de investimentos
com papeis pouco atrativos, geridos pela própria quadrilha e com alta probabilidade de
insucesso. Os fundos administrados por essas empresas são compostos por “papéis
podres”, decorrentes da contabilização de provisões de perdas por problemas de liquidez
e/ou pedidos de recuperação judicial dos emissores de títulos privados que compõem
suas carteiras, administradas pelos envolvidos no esquema.

Assim, os gestores dos fundos efetuam aplicações dos fundos


previdenciários motivados pela propina que receberiam e não pelo melhor benefício do
fundo. Os prejuízos são contabilizados para as entidades de previdência complementar.

199
6.18 DESVIO DE RECURSOS DE PREFEITURAS POR MEIO DE
DESAPROPRIAÇÕES

6.18.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema Financeiro Nacional;

• Administração Pública Municipal;

• Setor Imobiliário.

6.18.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica


e a capacidade financeira;

• Saques em espécie realizados por pessoas físicas sem aparente justificativa;

• Mudança repentina no padrão da movimentação financeira;

• Movimentações atípicas de recursos por agentes públicos;

• Desapropriação de imóvel com preço aparentemente acima do valor de mercado.

6.18.3 Descrição do Caso

Um determinado prefeito obtém apoio da Câmara de Vereadores


para viabilizar um processo de desapropriações de forma mais independente e para
reduzir a possibilidade de questionamentos pelo Poder Legislativo, mediante revogação
de determinada lei restritiva ou aprovação de uma lei em termos mais flexíveis.

A prefeitura publica decretos de desapropriação (Declaração de

200
Utilidade Pública), com fundamentos insuficientes do ponto de vista econômico ou social.
Cabe à administração pública identificar, objetivamente: a) a adequação e a necessidade
do bem a ser expropriado para satisfazer necessidades coletivas, b) a apuração do valor
de indenização a ser pago e c) os encargos a que deve satisfazer e os recursos
econômico-financeiros de que dispõe.

Em seguida, são realizados acordos diretos com os proprietários dos


imóveis a serem desapropriados, com preços superfaturados em relação ao mercado
imobiliário.

Após o pagamento das indenizações mediante ordens de


pagamento, cheques, ou por outro meio, é realizada, em tese ou de fato, a posse dos
imóveis pelo Poder Público. As pessoas desapropriadas, mediante acordo com o prefeito
ou outros servidores públicos, transferem recursos ou depositam em espécie parcela do
valor excedente para as contas do prefeito ou de quem este assim designar, como, no
caso específico, para o Presidente da Câmara Municipal de determinados vereadores.

O esquema observado em municípios brasileiros teve como


motivação o financiamento ilegal de campanhas eleitorais.

6.19 EM LICITAÇÕES EM ENTIDADE PARAESTATAL

6.19.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Sistema Financeiro Nacional;

• Terceiro Setor.

6.19.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

201
• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade
financeira;

• Salários fora dos padrões convencionais em empresas relacionadas ao setor


público;

• Movimentações atípicas de recursos por funcionários de entidade paraestatal;

• Movimentações atípicas de recursos por pessoa natural ou jurídica relacionados a


licitações.

6.19.3 Descrição do Caso

A expressão “entidades paraestatais” indica um conjunto de


entidades associativas, que desempenham serviços autônomos, sendo esta autonomia
tanto administrativa quando financeira.

Funcionários de Entidade Parestatal realizam movimentações


financeiras incompatíveis com sua capacidade econômico-financeira presumida,
principalmente por meio de créditos recebidos da entidade na qual trabalham.

Também contratam planos de previdência privada em valores


superiores a R$ 1 milhão, igualmente incompatível com o perfil, bem como compram
imóveis com pagamentos em espécie. Nas movimentações a débitos desses servidores
também constam várias operações em espécie em valores fracionados.

Na Análise financeira, observa-se, por meio do Cadastro Nacional de


Informações Sociais (CNIS), que os servidores possuem remunerações em patamar muito
superior ao definido na estrutura remuneratória da entidade.

Tais servidores ainda participam do setor de licitações da


paraestatal. Constata-se que os servidores usam seus cargos para beneficiar, nos
processos licitatórios, empresas ligadas aos dirigentes da entidade.

202
A “propina” é paga aos servidores por meio de salários altos com o
objetivo de não chamar a atenção. Alguns salários chegam a cerca de R$ 300 mil por
mês.

6.20 DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS E LAVAGEM DE DINHEIRO EM


OPERAÇÕES DO PRONAF

6.20.1 Atividades Econômicas Utilizadas

• Administração Pública Federal– Pronaf;

• Sistema Financeiro Nacional.

6.20.2 Sinais de Alerta de Inteligência Financeira

• Movimentação incompatível com patrimônio, atividade econômica e capacidade


financeira;

• Depósitos em espécie, atípicos em relação à atividade econômica ou incompatíveis


com a capacidade econômico-financeira;

• Saques em espécie;

• Depósitos em espécie de forma fragmentada para evitar identificação dos


depositantes;

• Movimentações atípicas por beneficiários de programa social.

6.20.3 Descrição do Caso

203
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) destina-se a estimular a geração de renda e melhorar o uso da mão de obra
familiar, por meio do financiamento de atividades e serviços rurais agropecuários e não
agropecuários desenvolvidos em estabelecimento rural ou em áreas comunitárias
próximas, com taxas de juros bem abaixo daquelas praticadas no mercado.

Uma pessoa física assentada em imóvel pelo Programa Nacional de


Reforma Agrária recebe, em sua conta-corrente, vários créditos provenientes do Pronaf,
decorrentes de contratos de vendas de bovinos para outros assentados pertencentes ao
mesmo assentamento rural.

A movimentação financeira dessa pessoa física indica que,


posteriormente ao recebimento dos créditos do Pronaf, aproximadamente 95% do valor
de cada contrato são sacados em espécie e depositados na conta dos compradores de
bovinos, beneficiados pelo financiamento do Pronaf.

Após investigações, descobriu-se que a venda de bovinos é uma


simulação, cujo objetivo é a liberação de recursos do Pronaf, que, em seguida, são
direcionados aos supostos compradores. Os supostos vendedores ficam com 5% dos
recursos liberados, a título de remuneração pela participação no esquema.

Posteriormente, para pagar o financiamento obtido junto ao Pronaf,


os supostos compradores utilizam recursos provenientes de atividades ilícitas, ou atrasam
intencionalmente o pagamento das parcelas para obter grandes descontos em
campanhas de renegociação oferecidas pelo programa.

204
7 PESSOAS OBRIGADAS

As “pessoas obrigadas” estão relacionadas no art.9º, da Lei nº


9.613/98 e são aquelas para as quais a Lei de Lavagem de Dinheiro brasileira impõe
obrigações para a prevenção e combate aos crimes de lavagem de dinheiro e
financiamento ao terrorismo. As obrigações, estabelecidas pelos artigos 10 e 11 da Lei,
referem-se ao dever de identificar clientes, manter registros e comunicar operações
financeiras.62
62 Lei 9.613/98: “Art. 9o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas
que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente
ou não: I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional
ou estrangeira; II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento
cambial; III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de
títulos ou valores mobiliários. Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações: I – as bolsas de valores,
as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; II - as
seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização; III -
as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de
consórcios para aquisição de bens ou serviços; IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de
cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;
V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); VI - as
sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços,
ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado; VII - as filiais
ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste
artigo, ainda que de forma eventual; VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização
de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros; IX - as pessoas físicas ou
jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras,
comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das
atividades referidas neste artigo; X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção
imobiliária ou compra e venda de imóveis; XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias,
pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades; XII - as pessoas físicas ou jurídicas que
comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades
que envolvam grande volume de recursos em espécie;XIII - as juntas comerciais e os registros públicos; XIV
- as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria,
consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: a)
de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de
qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;c) de abertura ou gestão de
contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão
de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras,
societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a
atividades desportivas ou artísticas profissionais; XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção,
intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas,
artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; XVI - as empresas de transporte e guarda de valores;
XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou
intermedeiem a sua comercialização; e XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas
neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.
Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: I - identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos
termos de instruções emanadas das autoridades competentes; II - manterão registro de toda transação em
moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo
passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos

205
Dica: no site do COAF é possível saber se uma determinada pessoa, física ou jurídica,
está cadastrada como pessoa obrigada, pelo sistema de consulta ao cadastro de pessoas
obrigadas (pelo CPF ou CNPJ), disponível em: https://siscoaf.fazenda.gov.br/siscoaf-
internet/pages/consultaPO/consultarPO.jsf

De acordo com a atividade de cada pessoa obrigada há uma


regulamentação específica, cujo conhecimento pode interessar ao investigador, na
medida em que revela as informações que são comunicadas ao COAF. Segue, abaixo,
uma tabela das pessoas obrigadas e da respectiva regulamentação, de acordo com o
ramo de atividade.

DOCUMENTO ATIVIDADE REGULAMENTADA


termos de instruções por esta expedidas; III - deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos,
compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no
art. 11, na forma disciplinada pelos órgãos competentes; IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro
atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas; V - deverão atender às requisições
formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar,
nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas. § 1º Na hipótese de o cliente constituir-se em pessoa
jurídica, a identificação referida no inciso I deste artigo deverá abranger as pessoas físicas autorizadas a
representá-la, bem como seus proprietários. § 2º Os cadastros e registros referidos nos incisos I e II deste
artigo deverão ser conservados durante o período mínimo de cinco anos a partir do encerramento da conta
ou da conclusão da transação, prazo este que poderá ser ampliado pela autoridade competente. § 3º O
registro referido no inciso II deste artigo será efetuado também quando a pessoa física ou jurídica, seus
entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa,
conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente.
Art. 10A. O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes
de instituições financeiras, bem como de seus procuradores.
Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de
instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes
previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se; II - deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência
de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, a proposta ou realização: a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas
da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; b) das operações referidas no inciso I; III -
deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na
periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou
operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II. § 1º As autoridades competentes, nas
instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características,
no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de
fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista. § 2º As comunicações de boa-
fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa. § 3 o O
Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos
responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9 o
Art. 11-A. As transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à
instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil.

206
ANS Procedimentos a serem observados pelas operadoras
de plano de assistência à saúde, reguladas pela Lei nº
Resolução Normativa nº 117/2005
9.656 e Lei nº 10.185/01

BACEN Procedimentos a serem observados pelas instituições


financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar
Carta Circular nº 3461/2009
pelo Banco Central do Brasil

BACEN Procedimentos que envolvam operações em espécie em


moeda nacional, estrangeira, cheque de viagem, dados
Carta Circular nº 3542/2012
cadastrais de clientes, movimentações de contas,
operações de investimento interno, cartões de
pagamento, operações de crédito, cursos oriundos de
contratos com o setor público, consórcio, atos
terroristas, operações de investimento externo

CFC Procedimentos a serem observados pelos profissionais


e organizações contábeis
Resolução nº 1530/2017

COAF Procedimentos a serem observados pelas


administradoras de cartões de credenciamento ou de
Resolução nº 06/1999
cartões de crédito

COAF Procedimentos a serem observados pelas Bolsas de


Mercadorias e corretores que nelas atuam
Resolução nº 07/1999

COAF Procedimentos a serem observados pelas pessoas


jurídicas não financeiras prestadoras de serviços de
Resolução nº 10/2001
transferência de numerário

COAF Procedimentos a serem observados nas operações ou


propostas de operações ligadas ao terrorismo ou seu
Resolução nº 15/2007
financiamento

207
COAF Procedimentos a serem observados em operações ou
propostas de operações realizadas por pessoas
Resolução nº 16/2007
politicamente expostas

COAF Procedimentos a serem adotados pelas empresas de


fomento comercial ou mercantil (factoring)
Resolução nº 21/2012

COAF Procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas


ou jurídicas que comercializam joias, pedras e metais
Resolução nº 23/2012
preciosos

COAF Procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas


ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão
Resolução nº 24/2013
próprio regulador que prestem, mesmo que
eventualmente, serviços de assessoria, consultoria,
contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência

COAF Procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas


ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto
Resolução nº 25/2013
valor ou intermedeiem a sua comercialização

COFECI Procedimentos a serem adotados pelos corretores de


imóveis
Resolução nº 1336/2014

COFECON Procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas


e pessoas jurídicas que exploram atividade de economia
Resolução nº 1902/2014
e finanças

CVM Procedimento a serem adotados pelas pessoas que


tenham, em caráter permanente ou eventual, como
Instrução nº 301/1999
atividade principal ou acessória, cumulativamente ou
não, a custódia, emissão, distribuição, liquidação,
negociação, intermediação, consultoria ou administração
de títulos ou valores mobiliários e a auditoria
independente no âmbito do mercado de valores

208
mobiliários; entidades administradoras de mercados
organizados; demais pessoas referidas no art. 9º da Lei
nº 9.613, de 1998, que se encontrem sob disciplina e
fiscalização exercidas pela CVM

DREI Procedimento a ser adotado no âmbito das Juntas


Comerciais
Instrução Normativa nº 24/2014

IPHAN Procedimento a ser adotado pelas pessoas físicas ou


jurídicas que comercializem antiguidades e/ou obras de
]Portaria nº 396/2016
arte de qualquer natureza

MF Procedimentos a serem adotados por sociedades que


distribuam dinheiro ou bens mediante exploração de
Portaria nº 537/2013
loterias

PREVIC Procedimentos a serem adotados pelas entidades


fechadas de previdência complementar
Instrução nº 18/2014

SUSEP Procedimentos a serem adotados pelas sociedades


seguradoras e de capitalização; os resseguradores
Circular nº 445/2012
locais e admitidos; as entidades abertas de previdência
complementar; as sociedades cooperativas de que trata
o parágrafo 3º do art. 2º da Lei Complementar nº 126, de
15 de janeiro de 2007; as sociedades corretoras de
resseguro; as sociedades corretoras e os corretores de
seguros, de capitalização e de previdência
complementar aberta

209
8 RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA63

De acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras


(COAF), “o resultado das análises de inteligência financeira decorrentes de comunicações
recebidas, de intercâmbio de informações ou de denúncias, é registrado em documento
denominado Relatório de Inteligência Financeira – RIF.

O Relatório de Inteligência Financeira pode ser:

• espontâneo (de ofício): RIF elaborado por iniciativa do COAF, resultante da análise
de comunicações recebidas ou de denúncia; ou

• de intercâmbio: RIF elaborado para atendimento a solicitação de intercâmbio de


informações, por autoridades nacionais ou por Unidades de Inteligência Financeira.

Quando o resultado das análises indicar a existência de fundados


indícios de lavagem de dinheiro, ou qualquer outro ilícito, os Relatórios de Inteligência
Financeira são encaminhados às autoridades competentes, nos termos do previsto no
artigo 15 da Lei nº 9.613, de 1998:“O COAF comunicará às autoridades competentes para
a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes
previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito”.

O conteúdo do RIF é protegido por sigilo constitucional, inclusive nos termos da Lei
Complementar 105, de 2001, não estando, portanto, sujeito às classificações da Lei
12.527, de 2011. O destinatário do RIF fica responsável pela preservação do sigilo.” 64

Dica: O RIF de intercâmbio pode ser obtido mediante cadastro prévio junto ao Sistema
Eletrônico de Intercâmbio (SEI) do COAF, pelo link:
http://www.coaf.sei.fazenda.gov.br/web_pedidos/FormularioMain.asp

63 Sobre Relatórios de Inteligência Financeira vide:


<http://www.caex.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=931>.
64 Informação disponível em: http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/a-inteligencia-financeira/relatorio-de-
inteligencia-financeira-rif. Aceso em: 15 de novembro de 2017.

210
8.1 JURISPRUDÊNCIA DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A
UTILIZAÇÃO DO RIF EM INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS.

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS.


RELATÓRIO DO COAF. UTILIZAÇÃO PARA FUNDAMENTAR A QUEBRA DE
SIGILO FINANCEIRO (FISCAL E BANCÁRIO). POSSIBILIDADE.
COMUNICAÇÃO FEITA PELA INSTITUIÇÃO À AUTORIDADE POLICIAL E/OU
AO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE É BASEADA EM INFORMAÇÕES
CONFIDENCIAIS RELEVANTES E PRECISAS. DESNECESSIDADE DE
INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES EM INQUÉRITO POLICIAL. BUSCA E
APREENSÃO. DECORRÊNCIA DA QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO.
LEGALIDADE. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. FUNDAMENTAÇÃO.
OCORRÊNCIA. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. INADMISSIBILIDADE. 1. O
sigilo financeiro, que pode ser compreendido como sigilo fiscal e bancário,
fundamenta-se, precipuamente, na garantia constitucional da preservação da
intimidade (art. 5º, X e XII, da CF), que manifesta verdadeiro direito da
personalidade, notadamente porque se traduz em direito fundamental à
inviolabilidade de informações inerentes à pessoa, em suas relações com o
Sistema Financeiro Nacional. Entretanto, a jurisprudência firmou a compreensão
de que não se trata de um direito absoluto, sendo possível mitigar sua proteção
quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público
relevante, sempre por meio de decisão proferida por autoridade judicial
competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade
da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal,
sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, bastantes à configuração
de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública. 2. É cediço que o fato
indiciário que autoriza um juízo de probabilidade ou verossimilhança não se
identifica com mera suspeita ou com simples conjectura, sem apoio em elementos
fáticos concretos. Sem embargo, a obtenção desses indícios mínimos que
denotem real possibilidade da prática delituosa não pode se desatrelar das novas
formas criminosas surgidas com o desenvolvimento tecnológico e o
aprofundamento internacional de integração econômica. 3. Os indícios de prova,
suficientes para dar lastro a um juízo de probabilidade da ocorrência do fato
delituoso, devem ser colmatados com outras formas indiciárias distintas das
usualmente empregadas para a criminalidade comum, geralmente precedidas de
inquérito policial, de modo a possibilitar, com eficiência, a investigação e a
apuração dos complexos delitos corporativos. 4. O COAF, com feição típica de
órgão de inteligência financeira, é responsável, também, pela prevenção e pela
fiscalização da prática do delito de lavagem de dinheiro, com finalidade precípua
de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as
ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei, sem prejuízo da
competência de outros órgãos e entidades, desenvolvendo atividades com
objetivos predominantemente preventivos, à semelhança dos demais países que
subscreveram as convenções internacionais sobre lavagem de dinheiro. 5. Para
desincumbir-se de suas funções, fez-se necessário permitir ao COAF o
acesso a dados detalhados das transações financeiras das pessoas
(jurídicas e naturais), o que ocorreu com a aprovação da Lei Complementar
n. 105/2001, que desobrigou o órgão de postular judicialmente o acesso a
todos os dados fiscais e bancários, sendo dotado da prerrogativa de
analisar, de modo compartilhado, informações financeiras integrais de
quaisquer pessoas participantes de transações financeiras consideradas

211
atípicas pelo Banco Central, pela CVM e por demais órgãos de fiscalização.
Esse compartilhamento, com o julgamento da ADI n. 2.859/DF, foi
considerado constitucional pela Suprema Corte, resguardando-se, contudo,
a publicização de tais dados, inclusive para uso em eventual persecução
penal, que ainda permanece sob reserva absoluta de jurisdição. 6. A Lei
Complementar n. 105/2001, ao tornar o sigilo e as inviolabilidades
inoponíveis ao COAF, acabou por permitir que os relatórios produzidos por
ele fossem lastreados em elementos de informação da mais alta relevância,
confiabilidade e precisão técnica. 7. As comunicações recebidas dos setores
obrigados pela Lei n. 9.613/1998, após critério de seleção de prioridades
feitas pelo órgão (haja vista a expressiva quantidade de comunicações
recebidas), são detalhadamente analisadas e confrontadas com informações
sigilosas que são fornecidas por outras instituições. No caso de fundados
indícios da prática de ilícito penal, diz o art. 1º, § 3º, IV, que haverá "a
comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou
administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre
operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática
criminosa". 8. A compatibilização entre a manutenção do sigilo financeiro,
somente inoponível aos órgãos administrativos de controle, e a produção de
relatório baseado em dados protegidos pelo sigilo implica, inter alia, a
conclusão de que o conhecimento integral dos dados que subsidiaram a
produção do relatório (da comunicação feita à autoridade competente)
depende de autorização judicial. Isso equivale a dizer que a comunicação
feita à autoridade policial ou ao Ministério Público não pode transbordar o
limite da garantia fundamental ao sigilo, a implicar que a obtenção e o uso,
para fins de investigação criminal, dos dados que subsidiaram o relatório
fornecido pelo COAF dependem de autorização judicial. 9. É inafastável a
conclusão de que o relatório produzido pelo COAF subsidia e justifica
eventual pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, porquanto os dados
que lhe subjazem são protegidos pelo sigilo, mostrando-se incongruente
raciocínio que exija, para justificar a medida invasiva, outros elementos de
prova, seja porque o relatório é construído com base em dados altamente
confiáveis, precisos e, sobretudo, decorrentes de esforços conjuntos de
inúmeras instituições de controle, seja porque a prática de crimes
corporativos dificilmente é compartilhada com testemunhas ou avaliada por
simples constatação de sinais exteriores de incompatibilidade patrimonial ou
de outros rastros ilícitos cognoscíveis por investigação convencional
precedida da instauração de inquérito policial. 10. No cotejo das garantias
constitucionais protetoras da intimidade e privacidade do indivíduo, pode-se dizer
que o sigilo das comunicações telefônicas constitui uma das liberdades públicas
mais importantes do indivíduo, pois representa a exigência de livre expressão do
pensamento externado durante a comunicação verbal, portadora dos segredos
mais íntimos da pessoa humana. A seu turno, a proteção do sigilo bancário
objetiva salvaguardar informações pessoais estáticas, em regra unipessoais,
referentes à movimentação de fluxos monetários, de conhecimento das
instituições financeiras e de seus prepostos. Pela dicção constitucional, há uma
forte proteção às comunicações telefônicas, de modo que seu fluxo somente pode
ser interceptado para fins penais, o que não ocorre com o sigilo bancário, em que
se permite até o compartilhamento de informações entre instituições financeiras.
Nessa medida, não soa desarrazoado afirmar que os fundamentos ensejadores da
violação, pelo Estado, do sigilo financeiro e do sigilo telefônico devem ser
sopesados de maneira distinta, razão que reforça a possibilidade de quebra de
sigilo bancário apenas com base no relatório do COAF. 11. Se é justificável a
determinação de quebra de sigilo bancário e fiscal com fundamento no relatório
produzido pelo COAF, também o será a decisão que determina a busca e a
apreensão de documentos, baseada na análise do conteúdo apresentado pelas

212
informações decorrentes da medida judicial mais invasiva. 12. Em razão da forte
proteção constitucional e, também, por exigência legal, firmou-se na jurisprudência
a compreensão de que tanto a decisão que determina quanto a que prorroga a
quebra do sigilo telefônico devem ser fundamentadas, não sendo admitido que
esta última se dê de forma automática. Precedentes. 13. Habeas corpus
concedido apenas para determinar seja descartado dos autos todo o material
obtido a partir da primeira prorrogação automática, mantendo-se incólumes,
contudo, aqueles elementos que derivaram dos primeiros quinze dias do primeiro
período, ficando a cargo do Juízo a quo levar a efeito essa distinção, bem como
reconhecer eventual consequência dela decorrente, preservadas, também, todas
as provas decorrentes da busca e apreensão e da quebra de sigilo fiscal e
bancário. (STJ, HC 349.945/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016,
DJe 02/02/2017) – sem grifos no original.

Trecho do voto vencedor, do Ministero Rogério Schietti:

As comunicações recebidas dos setores obrigados pela Lei n. 9.613/1998, após


critério de seleção de prioridades feitas pelo órgão (haja vista a expressiva
quantidade de comunicações recebidas), são detalhadamente analisadas e
confrontadas com informações sigilosas que são fornecidas por outras instituições.
No caso de fundados indícios da prática de ilícito penal, diz o art. 1º, § 3º, IV,
haverá "a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais
ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações
que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa.
Infere-se que a notícia de crime abrange o fornecimento de dados especificamente
relacionados à operação com indícios de ilicitude, vale dizer, a noticia criminis que
é efetivada pelo COAF deve vir acompanhada de informações que permitam a
autoridade policial ou ao Ministério Público formular algum juízo de plausibilidade
ou de probabilidade da prática delitiva.
Mas como compatibilizar a manutenção do sigilo financeiro, somente inoponível
para os órgãos administrativos de controle, com a produção de relatório baseado
em dados protegidos pelo sigilo? Essa é a questão. Tal circunstância implica, inter
alia, a conclusão de que a obtenção integral dos dados que subsidiaram a
produção do relatório (da comunicação feita à autoridade competente) depende de
autorização judicial. Em uma palavra: a comunicação feita à autoridade policial ou
ao Ministério Público não pode transbordar o limite da garantia fundamental ao
sigilo, o que significa dizer que a obtenção dos dados que subsidiaram o relatório
fornecido pelo COAF necessita de autorização judicial.
Logo, parece-me inafastável a ideia de que o relatório produzido pelo COAF
subsidia e justifica eventual pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, porquanto
os dados que lhe subjazem são protegidos pelo sigilo. Mostra-se incongruente
raciocínio que exija, para justificar a medida invasiva, outros elementos de prova,
seja porque o relatório é construído com base em dados altamente confiáveis,
precisos e, sobretudo, fruto de uma conjugação de esforços de inúmeras
instituições de controle, seja porque a prática de crimes corporativos dificilmente é
compartilhada com testemunhas ou avaliada por simples constatação de sinais
exteriores de incompatibilidade patrimonial ou de outros rastros cognoscíveis por
investigação convencional precedida da instauração de inquérito policial.
(...)
O punctum saliens, portanto, não está na possibilidade de quebra de sigilo com
base no relatório, mas no conteúdo desse documento que, ao comunicar a
possibilidade da prática de crime à autoridade policial ou ao Ministério Público,
deve cercar-se de cuidados para que dele não constem dados protegidos pelo
sigilo.”

213
E ainda:

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.


SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES AO CONSELHO DE ATIVIDADES
FINANCEIRAS - COAF EFETUADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM
PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. DESNECESSIDADE DE
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA A PRIORI DE VIOLAÇÃO À
GARANTIA CONSTITUCIONAL DO SIGILO BANCÁRIO E FISCAL DO
PARTICULAR.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.
593.727/MG, assentou ser legítima a investigação realizada pelo Ministério
Público. 2. A provocação inicial do órgão acusatório "não desnatura a
comunicação do ilícito indiciariamente constatado pelo COAF, que possui
prerrogativa de encaminhar Relatório de Inteligência Financeira comunicando a
operação suspeita". (RHC 73.331/DF, Rel.Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,
julgado em 25/10/2016, DJe 17/11/2016). 3. O mero fato de o Ministério Público ter
efetuado solicitação de manifestação do COAF sobre eventuais irregularidades
nas movimentações financeiras de pessoa (física ou jurídica) investigada, por si
só, não constitui, necessariamente, risco de obtenção de informações protegidas
pelo sigilo fiscal e, portanto, independe de prévia autorização judicial. 4. Se o art.
1º, § 3º, IV, da Lei 9.613/98 admite que o COAF comunique "autoridades
competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o
fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos
provenientes de qualquer prática criminosa", não há motivo para que o Ministério
Público deixe de dirigir solicitação ao órgão no sentido de que investigue
operações bancárias e fiscais de pessoa (física ou jurídica) sobre as quais paire
suspeita e comunique, ao final, suas conclusões. Assim, o MPF "não possui
acesso aos bancos de dados sigilosos do COAF, existindo apenas um intercâmbio
de informações por sistema eletrônico, criado pelo próprio órgão, objetivando
atender ao preconizado no artigo 15 da Lei de Lavagem de Dinheiro". 5. O que
define a violação à garantia do sigilo fiscal e bancário é o conteúdo das
informações constantes no relatório apresentado pelo COAF, conteúdo esse
cuja utilização pode ser questionada mesmo que a comunicação de eventual
notitia criminis seja efetuada sponte propria pelo COAF. Nesse sentido, tem-
se orientado a jurisprudência desta Corte quando salienta que "a
comunicação feita à autoridade policial ou ao Ministério Público não pode
transbordar o limite da garantia fundamental ao sigilo, o que significa dizer
que a obtenção dos dados que subsidiaram o relatório fornecido pelo COAF
necessita de autorização judicial." (HC 349.945/PE, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 02/02/2017). Precedente recente da
Quinta Turma: RHC 49.982/GO, por mim relatado, QUINTA TURMA, julgado
em 09/03/2017, DJe 15/03/2017. 6. Situação em que o voto condutor do
acórdão recorrido salientou que, no caso concreto, o Relatório de
Informações Financeiras (RIF), embora revelador de movimentações atípicas
de parte da impetrante, não forneceu dados sigilosos, para além do
permissivo legal. 7. A mera solicitação de providência investigativa não demanda
a fundamentação própria de um ato decisório judicial, nem tampouco precisa estar
amparada nos mesmos requisitos necessários para a solicitação da quebra de
sigilo bancário, se as informações solicitadas não são protegidas pelo sigilo. 8.
Não é abusiva, nem despropositada a solicitação de informações a respeito de
eventuais irregularidades financeiras de investigado(s), quando amparada em
representação subscrita por vários conselheiros e sócios de agremiação esportiva
que descrevia transação suspeita de um determinado atleta, além de recebimento

214
de vantagens indevidas em contratos de fornecimento de material esportivo,
envolvendo o então presidente do clube e a representante judicial da empresa
investigada, com quem o mencionado dirigente mantinha, à época, relação
amorosa. 9. Não existe dispositivo legal que exija que o Ministério Público ouça
primeiramente o investigado antes de solicitar provas no procedimento
investigatório anterior à denúncia. 10. Recurso ordinário a que se nega
provimento. (STJ, RMS 52.677/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017) – sem
grifos no original.

215
PARTE III –

ROTEIROS PARA
CONFECÇÃO DE PEÇAS

216
1 QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO

Excelentíssima Senhora Dra. Juíza de Direito da ….. Vara Criminal do Foro Central
da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através de


seus representantes infra assinados, amparados nos artigos 129, incisos I e IX; artigo 25,
inciso III da Lei nº 8.625/93; artigo 4º, §4º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 105/01,
considerando o contido no procedimento investigatório criminal nº ……………………...,
vem a Vossa presença requerer:

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO

em relação a

- (NOME), pessoa jurídica de direito privado, inscrita sob o CNPJ nº


……………………….;

- (NOME), brasileiro, solteiro, profissão, portador do CPF nº


………………………., residente na rua ……………., nº ……., cidade, e;

- (NOME), brasileiro, solteiro, profissão, portador do CPF nº


………………………., residente na rua ……………., nº ……., cidade;

pelos seguintes fatos e fundamentos:

1) PRELIMINARMENTE

Conforme abaixo descrito, os fatos aqui colocados são


desdobramentos do apurado no bojo dos autos nº……………………… e
………………………… deste d. Juízo.

Todavia, estes fatos estão sendo apurados em novo procedimento


investigatório criminal65, no qual são investigadas pessoas e fatos não denunciados nos
autos nº ………………………………

Desta forma, em que pese estar este d. Juízo prevento para o


65Procedimento investigatório criminal nº …………………....

217
conhecimento deste pedido, a fim de se buscar garantir a eficácia da presente
investigação (considerando, eventualmente, a necessidade de outras medidas
cautelares); a fim de preservar os dados dos aqui investigados de acesso à terceiras
pessoas, bem como face o disposto nos itens 2.9.2 (contrário sensu), 2.9.3 e 2.9.4 da
Instrução Normativa nº 5/2014, da egrégia Corregedoria-Geral da Justiça, formula-se este
pleito em meio físico, requerendo-se não seja ele distribuído em apenso aos autos nº …..

2) DOS FATOS

[...]

3) DO DIREITO

Como qualquer outro direito, o sigilo bancário não é absoluto,


devendo ser flexibilizado quando o interesse público assim o exigir. É exatamente o que
ocorre no presente caso, em que se busca apurar fato delitivo, sendo que a única forma
de se obter as informações desejadas é através da presente medida.

Referido pleito encontra amparo no artigo 1º, §4º da Lei


Complementar nº 105/2001, segundo o qual:

“Art.1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas


operações ativas e passivas e serviços prestados.
(...)
§4º. A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária
para a apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do
processo judicial, a especialmente nos seguintes crimes:
(...)
VI – lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores”.

Havendo elementos de convicção bastantes, a presente medida é


pertinente, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.


PROCESSO PENAL. CRIMES DE PREVARICAÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO.
QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. MEDIDA SUFICIENTEMENTE
FUNDAMENTADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O direito ao sigilo das informações
bancárias e fiscais, não tendo natureza absoluta, pode ser mitigado quando evidenciadas
circunstâncias capazes de justificar, no interesse coletivo, ação do Estado voltada à
preservação da legalidade. 2. No caso, a quebra de sigilo fiscal e bancário foi medida
subsidiária e imprescindível à continuidade das investigações. A mitigação do sigilo dos
Recorrentes, decretada de modo complementar a outros meios de provas, foi balizada
por depoimentos testemunhais, interceptações telefônicas, e por relatório elaborado pelo
COAF, tudo a apontar para indícios de incompatível movimentação bancária, inexplicável
evolução patrimonial, entre outras irregularidades. 3. Recurso desprovido.” (STJ - RMS:
35410 SP 2011/0218943-7, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento:

218
22/10/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/11/2013)

Tem-se, assim, que há amparo fático, legal e jurisprudencial para o


deferimento do presente pleito, vindo ele de encontro à missão constitucional conferida ao
Ministério Público.

4) DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se a decretação do afastamento do sigilo


bancário de todas as contas de depósitos, contas de poupança, contas de investimento e
outros bens, direitos e valores mantidos em Instituições Financeiras pelos representados
(NOME), (CNPJ nº ……………………………….), (NOME), (………………………….) e
(NOME) (CPF nº ……………………..) entre os dias DD/MM/AAA e DD/MM/AAAA, sendo
sugerido o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da comunicação do Banco Central às
instituições financeiras, para que estas cumpram a determinação;

Considerando a dificuldade operacional de se processar e analisar


os pedidos de afastamento de sigilo bancário, foi constituída, no MPPR, o Laboratório de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (LAB-LD/MPPR) que, dentre outras
atribuições, processa todos os dados bancários objeto de apuração pelo Ministério
Público do Estado do Paraná, desde que as informações sejam encaminhadas no formato
tecnológico adequado, que já é de conhecimento das principais instituições bancárias
estabelecidas no País.
Assim, a partir do momento em que se verificou a necessidade de se
obter o afastamento do sigilo bancário de alguns investigados, foi protocolado no LAB-
LD/MPPR o Pedido de Cooperação Técnica que recebeu o número ……………………..

A metodologia operacional para análise dos dados bancários


encontra-se devidamente descrita no Memorando de Instrução - MI 001 – ASSPA/PGR,
disponível no endereço eletrônico https: //asspaweb.pgr.mpf.gov.br.

Face tal metodologia operacional, requer-se, caso deferido o


presente pleito, que este d. Juízo oficie ao Banco Central do Brasil determinando que:
1. Efetue pesquisa no Cadastro de Clientes do Sistema
Financeiro Nacional (CCS) com o intuito de comunicar, exclusivamente às instituições
financeiras com as quais os representados tiveram relacionamentos entre DD/MM/AAAA e
DD/MM/AAAA, a presente medida, acelerando, assim, a obtenção dos dados junto a tais
entidades;
2. Efetuada referida pesquisa, transmita, em 10 dias, ao
Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro – LAB-LD/MPPR, observando o
modelo de leiaute e o programa de validação e transmissão previstos no endereço
eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br, todos os relacionamentos dos investigados
obtidos na CCS, tais como contas correntes, contas de poupança e outros tipos de contas
(inclusive nos casos em que o investigado apareça como co-titular, representante,
responsável ou procurador), bem como as aplicações financeiras, informações referentes
a cartões de crédito e outros produtos existentes junto às instituições financeiras;

219
3. Comunique imediatamente às instituições financeiras o teor da
decisão judicial de forma que os dados bancários dos investigados sejam transmitidos
diretamente ao Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro, no prazo de 30
dias, conforme modelo de leiaute estabelecido pelo Banco Central na Carta-Circular
3.454, de 14 de junho de 2010 e determinado às autoridades judiciárias pela Corregedoria
Nacional de Justiça por meio da Instrução Normativa nº 03, de 09 de agosto de 2010;
4. Comunique imediatamente às instituições financeiras o teor da
decisão judicial de forma que os dados bancários dos investigados sejam submetidos à
validação e transmissão descritos no arquivo MI 001 – Leiaute de Sigilo Bancário,
disponível no endereço eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br;

5. Informe às instituições financeiras que o campo “Número de


Cooperação Técnica” seja preenchido com a seguinte referência: 020-MPPR-000483-23 e
que os dados bancários sejam submetidos ao programa “VALIDADOR BANCÁRIO
SIMBA” e transmitidos por meio do programa “TRANSMISSOR BANCÁRIO SIMBA”,
ambos disponíveis no endereço eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br;

6. Comunique às instituições financeiras que o LAB-LD/MPPR


está autorizado a obter documentação suporte das movimentações financeiras
transmitidas, seja em papel ou em meio eletrônico, além de tratar sobre questões relativas
a cadastros bancários e à identificação da origem e destino dos recursos movimentados
na(s) conta(s) investigada(s), estipulando eventual valor de corte para a referida
identificação;

7. Comunique também às instituições financeiras que o


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em casos excepcionais e visando
maior celeridade e economia processual, está autorizado a definir questões de
prorrogação de prazo para atendimento, bem como reiterar diretamente às instituições
financeiras inadimplentes o cumprimento da ordem judicial;

8. Em caso de dúvidas, o endereço eletrônico para contato com


o Laboratório de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – LAB-LD/MPPR é:
simba@mppr.mp.br, e para correspondências o endereço do LAB-LD/MPPR é o seguinte:
LABORATÓRIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO E À LAVAGEM DE DINHEIRO – RUA
MAUÁ, Nº 920, 5º ANDAR, CEP 80.030-200.

Nestes termos,
Pedem deferimento

Curitiba, DATA

Nome do(a) Promotor(a) Nome do(a) Promotor(a)


Promotor(a) de Justiça Promotor(a) de Justiça

220
2 QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA


VARA_____CRIMINAL FORO REGIONAL DE ………. - COMARCA DA REGIÃO
METROPOLITANA DE CURITIBA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por


seus Promotores de Justiça signatários, no uso das atribuições que lhe são conferidas
pelo artigo 129, inciso I, da Constituição Federal e pelo artigo 25, inciso III, da Lei
8.625/93, vem, respeitosamente, com esteio no art. 1º, §4º, inc. VI, da Lei Complementar
nº 105/2001, visando instruir os autos de Procedimento Investigatório Criminal n.º
……….., requerer a decretação da

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL

Em face de

- (NOME), CPF n°……….., com endereço na rua …………...;


nº…………..
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….
- (NOME), CPF n° ……….., com endereço na rua …………...,
nº ………….

pelos motivos a seguir exarados:

221
1) DOS FATOS

[...]

2) DO DIREITO

O presente pedido visa obter a quebra dos sigilos fiscais e bancários


de: (NOMES), a fim de averiguar a ocorrência de crimes contra a administração, conforme
supra explicitado.

Com os dados de tais quebras de sigilo, apurar-se-á a existência dos


valores recebidos mencionados pelas testemunhas, de modo a delimitar as quantias
recebidas por cada um dos envolvidos, sendo possível, ainda, cotejar eventual saldo da
conta ou montante de transações financeiras efetuadas com a remuneração auferida
pelos investigados, fator este demonstrativo, por muitas vezes, do cometimento de
atividades ilícitas.

Neste sentido, tem-se o ensinamento do ilustríssimo Ministro CELSO


DE MELLO:

"Não há, no sistema constitucional brasileiro, direito ou garantias


que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse
público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam,
ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas
restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os
termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das
liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e
considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações
de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e,
de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito
aos direitos e garantias de terceiros." (Grifei).

É exatamente o que ocorre no presente caso, em que apenas o


deferimento do presente pleito poderá demonstrar se foram auferidos, ou não, pelas
pessoas acima mencionadas vantagens indevidas para que “liberassem” pessoas detidas
na Delegacia.

No que tange à quebra de sigilo bancário, sabe-se que qualquer


transmissão de informação para além das relações jurídicas entre “cidadão-sistema
financeiro” configura quebra do dever de sigilo imposto às instituições (LC 105/01, artigo
1º, caput e artigos 2º e 10). Estas têm obrigação de manter e zelar pelo sigilo das
informações, de qualquer natureza, que se relacionem (direta ou indiretamente) com seus
clientes e das quais vieram a tomar ciência devido às relações jurídicas mantidas com
eles.

222
Assim, a LC 105/01, em seu artigo 1º, parágrafo 4º, inciso VI
estabeleceu que:

“A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para a


apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo
judicial, e especialmente nos seguintes crimes:
(...)
VI – contra a Administração Pública.”

O art. 3º da Lei Complementar 105/01 expressamente autoriza a


medida ora pleiteada. Assim, destaca-se:

"Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela


Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações
ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante
acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

Já no que tange à quebra de sigilo fiscal é certo que ele é uma das
manifestações do direito à intimidade trazidas pela Constituição Federal. Como todo o
direito, não é ele, entretanto, absoluto, cedendo quando o interesse público assim o exigir.

Neste aspecto, o artigo 198 do Código Tributário Nacional, disciplina


que:

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada


a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida
em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos


no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça.”

Acerca da possibilidade de acesso aos dados fiscais assim já


decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA.
MEDIANTE ORDEM JUDICIAL. PRECEDENTES. I. - Somente a ofensa direta à
Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão recorrido
limitou-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. - Ao Judiciário cabe, no conflito de
interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação,
interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da
legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. III. - Alegação de ofensa ao devido

223
processo legal: CF, art. 5º, LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado
que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que
autoriza a admissão do recurso extraordinário é a ofensa direta, frontal. IV. - A verificação,
no caso concreto, da ocorrência, ou não, de violação ao direito adquirido, ao ato jurídico
perfeito e à coisa julgada situa-se no campo infraconstitucional. V. - Alegação de ofensa
ao inciso IX do art. 93 da Constituição: improcedência, porque o que pretende o
recorrente, no ponto, é impugnar a decisão que lhe é contrária, certo que o acórdão está
suficientemente fundamentado. VI. - O entendimento desta Suprema Corte
consolidou-se no sentido de não possuir caráter absoluto a garantia dos sigilos
bancário e fiscal, sendo facultado ao juiz decidir acerca da conveniência da sua
quebra em caso de interesse público relevante e suspeita razoável de infração
penal. Precedentes. VII. - Agravo não provido.” (AI 541265 AgR, Relator(a): Min.
CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 04/10/2005, DJ 04-11-2005 PP-00030
EMENT VOL-02212-07 PP-01308) (Grifei).

Entendem-se presentes os requisitos legais para a quebra do sigilo


bancário e fiscal, vez que restam evidentes, no caso em tela, indícios da ocorrência de
ilícito penal, sendo imprescindível à produção probatória a obtenção dos dados relativos à
evolução patrimonial dos investigados.

A análise completa referente a essa evolução patrimonial depende,


também, das informações prestadas à RECEITA FEDERAL, relativo às quebras de seus
sigilos fiscais.

Desta feita, denota-se que há existência de interesse público


relevantes e elementos aptos a prática a indicar a possibilidade de prática delituosa,
assim, há amparo fático, legal e jurisprudencial para o deferimento do presente pleito,
vindo ele de encontro à missão constitucional conferida ao Ministério Público.

3) DO PEDIDO

Diante de todo o exposto acima, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO


ESTADO DO PARANÁ requer-se:

a) a decretação do afastamento do sigilo bancário de todas as


contas de depósitos, contas de poupança, contas de investimento e outros bens, direitos
e valores mantidos em Instituições Financeiras, de 66:

1) (NOME), CPF n° ……., referente ao período de janeiro de 2011


até julho de 2013;

2) (NOME), CPF n° ……., referente ao período de outubro de 2012


até julho de 2013;

3) (NOME), CPF n° …..., referente ao período de janeiro de 2011


66 Os períodos indicados são os referentes aos meses em que os representados estiveram lotados na
Delegacia do Alto Maracanã

224
até março de 2013;

4) (NOME), CPF n° …….., referente ao período de janeiro de 2011


até julho de 2013;

5) (NOME), CPF n° ……..., referente ao período de novembro de


2011 até julho de 2013;

6) (NOME), CPF n° ……..., referente ao período de janeiro de 2011


até abril de 2011.

Considerando a dificuldade operacional de se processar e analisar


os pedidos de afastamento de sigilo bancário, foi constituída, no MPPR, o Laboratório de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (LAB-LD/MPPR) que, dentre outras
atribuições, processa todos os dados bancários objeto de apuração pelo Ministério
Público do Estado do Paraná, desde que as informações sejam encaminhadas no formato
tecnológico adequado, que já é de conhecimento das principais instituições bancárias
estabelecidas no País.

Assim, a partir do momento em que se verificou a necessidade de se


obter o afastamento do sigilo bancário de alguns investigados, foi protocolado no LAB-
LD/MPPR o Pedido de Cooperação Técnica que recebeu o número …

A metodologia operacional para análise dos dados bancários


encontra-se devidamente descrita no Memorando de Instrução - MI 001 – ASSPA/PGR,
disponível no endereço eletrônico https: //asspaweb.pgr.mpf.gov.br.

Face tal metodologia operacional, requer-se, caso deferido o


presente pleito, que este d. Juízo oficie ao Banco Central do Brasil determinando que:

I) Efetue pesquisa no Cadastro de Clientes do Sistema


Financeiro Nacional (CCS) com o intuito de comunicar, exclusivamente às instituições
financeiras com as quais os investigados tiveram relacionamentos no decorrer dos
períodos relativos ao pedido de quebra para cada investigado, a presente medida,
acelerando, assim, a obtenção dos dados junto a tais entidades;

II) Efetuada referida pesquisa, transmita, em 10 dias, ao


Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro – LAB-LD/MPPR, observando o
modelo de leiaute e o programa de validação e transmissão previstos no endereço
eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br, todos os relacionamentos dos investigados
obtidos na CCS, tais como contas correntes, contas de poupança e outros tipos de contas
(inclusive nos casos em que o investigado apareça como co-titular, representante,
responsável ou procurador), bem como as aplicações financeiras, informações referentes
a cartões de crédito e outros produtos existentes junto às instituições financeiras;

III) Comunique imediatamente às instituições financeiras o teor da

225
decisão judicial de forma que os dados bancários dos investigados sejam transmitidos
diretamente ao Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro, no prazo de 30
dias, conforme modelo de leiaute estabelecido pelo Banco Central na Carta-Circular …….,
de 14 de junho de 2010 e determinado às autoridades judiciárias pela Corregedoria
Nacional de Justiça por meio da Instrução Normativa nº 03, de 09 de agosto de 2010;

IV) Comunique imediatamente às instituições financeiras o teor da


decisão judicial de forma que os dados bancários dos investigados sejam submetidos à
validação e transmissão descritos no arquivo MI 001 – Leiaute de Sigilo Bancário,
disponível no endereço eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br;

V) Informe às instituições financeiras que o campo “Número de


Cooperação Técnica” seja preenchido com a seguinte referência: ……. e que os dados
bancários sejam submetidos ao programa “VALIDADOR BANCÁRIO SIMBA” e
transmitidos por meio do programa “TRANSMISSOR BANCÁRIO SIMBA”, ambos
disponíveis no endereço eletrônico https://asspaweb.pgr.mpf.gov.br;

VI) Comunique às instituições financeiras que o LAB-LD/MPPR


está autorizado a obter documentação suporte das movimentações financeiras
transmitidas, seja em papel ou em meio eletrônico, além de tratar sobre questões relativas
a cadastros bancários e à identificação da origem e destino dos recursos movimentados
na(s) conta(s) investigada(s), estipulando eventual valor de corte para a referida
identificação;

VII) Comunique também às instituições financeiras que o


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em casos excepcionais e visando
maior celeridade e economia processual, está autorizado a definir questões de
prorrogação de prazo para atendimento, bem como reiterar diretamente às instituições
financeiras inadimplentes o cumprimento da ordem judicial;

VIII) Em caso de dúvidas, o endereço eletrônico para contato com o


Laboratório de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – LAB-LD/MPPR é:
simba@mppr.mp.br, e para correspondências o endereço do LAB-LD/MPPR é o seguinte:
LABORATÓRIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO E À LAVAGEM DE DINHEIRO - PRAÇA
NOSSA SENHORA DA SALETE, S/N. PALÁCIO DA JUSTIÇA - 6° ANDAR - CURITIBA-
PR - CEP 80.530-912.

b) Uma vez afastado o sigilo fiscal dos investigados, requer-se seja


oficiado à Delegacia da Receita Federal de Curitiba postulando a remessa de:

I) CÓPIAS DA DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL das pessoas


físicas acima relacionadas dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014;

II) CÓPIA COMPLETA DOS DOSSIÊS INTEGRADOS dos


contribuintes investigados, em meio eletrônico, dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, que
deverão conter, entre outras, as seguintes informações: EXTRATO DW, CADASTRO CPF,

226
AÇÃO FISCAL, CADIN, CC5 ENTRADAS, CC5 SAÍDAS, CNPJ, COLETA, CONTA
CORRENTE PF, COMPRAS DIPJ TERCEIROS, DAI, DCPMF, DERC, DIMOB, DIRF,
DIRPF, DOI, ITR, RENDIMENTOS DIPJ, RENDIMENTOS RECEBIDOS PF, SIAFI, SINAL,
SIPADE, VENDAS DIPJ TERCEIROS).

Nestes termos,
Pede deferimento

Curitiba, DATA

Nome do(a) Promotor(a) Nome do(a) Promotor(a)


Promotor(a) de Justiça Promotor(a) de Justiça

227
3 ALIENAÇÃO ANTECIPADA

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA …..VARA CRIMINAL


DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR

Referência: autos nº …….

O Ministério Público do Estado do Paraná, na pessoa de seus


agentes que ao final subscrevem a presente medida cautelar, no uso de suas atribuições
legais vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 129, inciso I
da Constituição Federal e artigos 120, §5º e 144-A, ambos do Código de Processo Penal
e artigo 4º, §1º, c/c artigo 4º-A, da Lei nº 9.613/98, e tomando por base os elementos
existentes nos autos 0020068-86.2015.8.16.0013 e seus apensos, deste d. Juízo, propor:

MEDIDA CAUTELAR DE ALIENAÇÃO ANTECIPADA

Dos seguintes bens:

1. VEÍCULO MARCA 'MERCEDES BENZ', PLACAS ….;


2. VEÍCULO MARCA 'AUDI', MODELO 'SQ5', PLACAS ...;
3. VEÍCULO MARCA 'MERCEDES BENZ', MODELO 'A45-AMG', PLACAS….;
4. VEÍCULO MARCA 'AUDI', MODELO 'RSQ3', PLACAS …..;
5. JET SKI, MARCA 'BOMBARDIER', NÚMERO DE INSCRIÇÃO …...;
6. JET SKI, MARCA 'BOMBARDIER', NÚMERO DE INSCRIÇÃO …….

pelos seguintes fundamentos de fato e de direito:

1) DOS FATOS

[…]

228
2) DO DIREITO

O artigo 120, §5º, do Código de Processo Penal dispõe que:

“Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, serão avaliadas e


levadas a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que
as detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.

E o artigo 144-A do mesmo codex, incluído pela Lei nº 12.694/2012,


seguiu a mesma linha normativa, prevendo a possibilidade da chamada alienação
antecipada:

“Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para


preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de
deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
§ 1º - O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico.
§ 2º - Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação
judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial,
será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro,
podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do
estipulado na avaliação judicial.
§ 3º - O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada
ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a
União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à
sua devolução ao acusado.
§ 4º - Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive
moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de
pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda
nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.
§ 5º - No caso da alienação de veículos, embarcações ou
aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e
controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante,
ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo
de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.
§ 6º - O valor dos títulos da dívida pública, das ações das
sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia,
provada por certidão ou publicação no órgão oficial.”

Esta preocupação em se assegurar a preservação do valor


patrimonial de objetos sujeitos à constrição do Estado foi incorporada pela Estratégia
Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro – ENCLA 2005, que recomenda “o melhor
aproveitamento dos bens apreendidos, sequestrados, arrestados dentro das
possibilidades legais já existentes, inclusive a alienação antecipada, se necessário”.

Tal orientação foi também absorvida pela Lei 9.613/98 através das
modificações promovidas pela Lei nº 12.683/2012, a qual acrescentou à redação original

229
o artigo 4º-A:

“Art. 4º-A. A alienação antecipada para preservação de valor de


bens sob constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério
Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será
autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao
processo principal.
§ 1º - O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos
os demais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações
sobre quem os detém e local onde se encontram.
§ 2º - O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados,
e intimará o Ministério Público.
§ 3º - Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o
respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e
determinará sejam alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor
não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação.
§ 4º - Realizado o leilão, a quantia apurada será depositada em
conta judicial remunerada, adotando-se a seguinte disciplina:
(...)
II - nos processos de competência da Justiça dos Estados:
a) os depósitos serão efetuados em instituição financeira designada
em lei, preferencialmente pública, de cada Estado ou, na sua ausência, em instituição
financeira pública da União;
b) os depósitos serão repassados para a conta única de cada
Estado, na forma da respectiva legislação.
§ 5º - Mediante ordem da autoridade judicial, o valor do depósito,
após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação penal, será:
I - em caso de sentença condenatória, nos processos de
competência da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal, incorporado
definitivamente ao patrimônio da União, e, nos processos de competência da Justiça
Estadual, incorporado ao patrimônio do Estado respectivo;
II - em caso de sentença absolutória extintiva de punibilidade,
colocado à disposição do réu pela instituição financeira, acrescido da remuneração da
conta judicial.
§ 6º - A instituição financeira depositária manterá controle dos
valores depositados ou devolvidos.
§ 7º - Serão deduzidos da quantia apurada no leilão todos os
tributos e multas incidentes sobre o bem alienado, sem prejuízo de iniciativas que, no
âmbito da competência de cada ente da Federação, venham a desonerar bens sob
constrição judicial daqueles ônus.
§ 8º - Feito o depósito a que se refere o § 4o deste artigo, os autos
da alienação serão apensados aos do processo principal.
§ 9º - Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra
as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo.
§ 10º - Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do Estado:

230
I - a perda dos valores depositados na conta remunerada e da
fiança;
II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles
aos quais não foi dada destinação prévia; e
III - a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias
após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de lesado ou
terceiro de boa-fé.
§ 11º - Os bens a que se referem os incisos II e III do § 10 deste
artigo serão adjudicados ou levados a leilão, depositando-se o saldo na conta única do
respectivo ente.
§ 12º - O juiz determinará ao registro público competente que emita
documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob o uso e
custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo.
§ 13. Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens,
direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham sido objeto
de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem submetidos à disciplina
definida em lei específica.

Percebe-se, claramente, a preocupação do legislador em preencher


todas as lacunas outrora existentes para não apenas permitir, mas fomentar uma política
judicial voltada à preservação do valor dos bens apreendidos e condizente com a
realidade verificada em nosso país.

Houve, assim, a criação de um rito específico para a alienação


antecipada de bens nos casos de lavagem de dinheiro, simplificando e facilitando uma
providência que é de interesse não apenas do Estado, mas dos próprios acusados, já que
assim é evitada uma depreciação ainda maior do bem.

Esta possibilidade prevista na Lei nº 9.613/98 encontra


correspondência no artigo 144-A, do CPP, destinado àqueles bens que, embora
apreendidos, não sejam produto direto de crime de lavagem de dinheiro, já que sua
situação jurídica é idêntica e a finalidade da alienação antecipada é do mesmo modo
coincidente.

Não há dúvidas deste novo paradigma de atuação quando se


percebe que o próprio Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação nº 30,
recomenda aos magistrados com competência criminal que “ordenem, em cada caso e
justificadamente, a alienação antecipada da coisa ou bem apreendido para preservar-lhe
o respectivo valor, (...)”.

Todos estes dispositivos deixam evidente que a presente questão


toca de perto o Juízo Criminal, não sendo questão de cunho meramente civil. Em
verdade, estes dispositivos vão de encontro às atuais tendências de combate ao crime
organizado, em que se propugna que além das sanções penais propriamente ditas, são
de fundamental importância as medidas destinadas ao desbaratamento econômico dos
agentes criminosos, já que a obtenção de vantagens patrimoniais é o móvel final dos

231
crimes perpetrados, além de representarem fonte de poder que permite a perpetuação e a
continuidade das organizações criminosas.

Ao tratar desta questão quando do relatório da Comissão de Estudos


sobre o Crime de Lavagem de Dinheiro, já em 2003, advertia o então ministro do Superior
Tribunal de Justiça Gilson Dipp que:

“A espinha dorsal de toda e qualquer organização criminosa é o


dinheiro obtido com sua atividade espúria. É necessário perseguir esses recursos
financeiros e apreendê-los. Descapitalizar imediatamente essas organizações criminosas
constitui tarefa essencial para o desbaratamento do crime. Assim como uma empresa
sem recursos tende a falir, o crime organizado sem capital de giro desorganiza-se e
quebra. O combustível dessas organizações é o dinheiro reciclado que circula pelo
mercado financeiro, mediante complexas e diversificadas operações, retornando depois
de completado o ciclo, em escalar maior, para alimentar o crime.”

Seguem nas mesmas linhas o entendimento do Delegado de Polícia


Federal Ricardo Andrade Saadi, em seu artigo “O Enfrentamento ao Crime Organizado
Através do Combate à Lavagem de Dinheiro”, publicado na obra coletiva “Crime
Organizado”:

“Organizações criminosas e lavagem de dinheiro são termos que


necessariamente deve coexistir. Através da prática de diversos, ilícitos, os criminosos
produzem um grande volume de recursos, os quais, na maior parte não serão utilizados
imediatamente. Segundo Ryan (1995), as organizações criminosas operam sempre sobre
o eixo-poder. O dinheiro atrai o poder e vice-versa, de forma que toda organização
criminosa precisa e necessariamente pratica a lavagem de dinheiro, uma vez que por
meio dela os recursos terão aparência de licitude.
(...)
Portanto, nos dias atuais considera-se mais efetivo o combate às
grandes organizações criminosas quando feito atacando-se a lavagem dos recursos
oriundos do crime. Mais vale o confisco de dinheiro, de imóveis automóveis e outros bens
dos criminosos do que a apreensão da mercadoria do crime, como, por exemplo, da
droga, uma vez que a lavagem de dinheiro é um componente vital de todo o crime que
produz resultados financeiros.”

Todo ordenamento, portanto, aponta para a necessidade da venda


antecipada dos bens, em situações como a ora apresentada.

3) DO PEDIDO

Diante do exposto, pelas razões de fato e de direito acima


pormenorizadamente apontadas, requer o Ministério Público a avaliação dos bens supra
indicados e com sua consequente venda em leilão, prosseguindo-se nos termos legais
acima já listados.

232
Em atenção ao disposto no artigo 4º-A, §1º da Lei nº 9.613/98,
informa-se que os automóveis encontram-se no depositário público desta cidade e que as
embarcações estão no estabelecimento Jet Point Sea Doo e Marina, localizado na rua
4.550, nº 60, Barra Sul, Balneário Camboriú/SC.

Curitiba, DATA

Nome do(a) Promotor(a) Nome do(a) Promotor(a)


Promotor(a) de Justiça Promotor(a) de Justiça

233

Вам также может понравиться