Mário: Estamos hoje em sábado, 26 de novembro de [196?].
Vamos iniciar o estudo da dialética. Como tivemos a oportunidade de esclarecer o conceito [de] dialético, nós vamos nos dedicar neste curso à parte positiva, como nós chamamos, a parte positiva e construtiva da dialética, que é aquela que vai nos ministrar os meios para alcançarmos as demonstrações apodíticas e também dar-nos os meios de convencer, de provar e de [refutar], de confrontar, de opor-se, de contradizer argumentos alheios, mas sempre apresentando os seus bem fundados, sem o uso dos sofismas, nem dos paralogismos etc. A primeira parte, portanto, que nós vamos nos dedicar é a parte da [elíptica], que propriamente é a parte fundamental da dialética, que é a arte de convencer, a arte de provar ou de refutar. Ela, para poder construir-se plenamente, ela tem que ser precedida por uma parte introdutória, que consiste numa aplicação das principais, fundamentais regras de lógica, porque nós temos que presumir ao estudante de dialética que ele já maneje plenamente a lógica formal e a lógica material e também até a lógica demonstrativa. Por exemplo, nós precisamos que as pessoas estejam perfeitamente habilitadas a fazer distinções, a fazer divisões, a fazer definições, a saber quais os silogismos regulares e quais o silogismos irregulares, mais ainda, sobretudo a divisão, saber perfeitamente dividir sob os diversos aspectos, quer dizer, segundo os diversos logos porque se pode dividir uma coisa, e então, como essa parte é uma parte que eu presumo que todos tenham estudado, nós não vamos tratar dela teoricamente, nós vamos tratar dela praticamente. Vamos hoje, por exemplo, praticar esta parte. Uma parte pelo menos, visto [...] que é essencial, para que nós cheguemos, por exemplo, a dispor de meios a saber construir um juízo e deste juízo saber perfazer dialeticamente. Mas antes de trabalhar com o juízo, vamos trabalhar com o conceito, para tornar mais simples. Então nós vamos tomar um conceito, e esse conceito vamos procurar primeiramente vê-lo sob o ângulo da divisão, se ele faz parte de um todo, quais outras partes constituiriam o restante deste todo; se o conceito tem contrário, e se tem contrários, e também o seu contraditório, se tem o contrário, quais os contrários e daí os juízos que nós poderíamos formar deste conceito, sob o aspecto dele e sob o aspecto dos seus contrários. Poderiam me propor um conceito, para, primeiramente, nós fazermos um exercício? Um conceito? Aluno: [inaudível] 4:00 – “Cultura”? Cultura. Bem, nós temos aqui um substantivo, nós encontramos uma coisa, um substantivo que não tem propriamente contrários. Nós não temos o contrário da cultura, não teríamos no sentido da substância, se tomássemos a cultura como uma substância. Mas nós não podemos tomar a cultura como uma substância, nós temos que tomar a cultura como algo que não é substância, mas que nós podemos somente gramaticalmente substantivar, porque logo nos ocorre o conceito contrário de incultura. Então cultura não pode ser tomado como alguma coisa substancial que fosse uma espécie especialíssima, a cultura tem que ser, portanto, algo de aspecto que; então uma coisa que é imprescindível, nós sabemos, é a classificação do conceito dentro das categorias e dos praedicabilia que se estudam na lógica. Vamos ver. Vamos tomar o conceito “cultura” como gênero. Quais seriam as suas espécies? Se é uma espécie, qual seriam seus gêneros? Se cultura é uma diferença específica, ou se cultura é um acidente, ou se cultura é apenas uma propriedade. Seriam os cinco [antepredicados / antepredicáveis] que se poderia dar à cultura. Vamos ver. Porque os senhores é que vão exercitar, porque a dialética tem que ser exercitada, não adianta o professor fazer o trabalho, tem de ser os próprios alunos, porque esse curso tem que ser eminentemente prático. [A teoria, dá-se um jeito; agora vamos à prática]. 6:00 – Cultura é um gênero, se é um gênero ele pode ser predicado incompletamente de diversas espécies. Se é um gênero ele é parcialmente predicado de uma espécie. A cultura brasileira não seria mais específica, ou a cultura inglesa não seria mais específica do que cultura? Poderíamos especificar cultura, no sentido geral, de uma cultura em sentido específico? Poderíamos? Poderíamos. Então, nesse caso, podemos considerá-la como gênero. Então, nós vamos procurar o seguinte: nós temos que procurar cultura, agora, uma conceituação provisória, para nós, de cultura, uma conceituação que abranja os quatro graus que são fundamentais na dialética: Latissimo sensu Lato sensu Stricto sensu Strictissimo sensu Em latíssimo sensu, o que seria cultura? Em latissimo sensu? Aluno: [Tudo aquilo que pode vir a ser cultivado...] Mário: Cultura: Tudo aquilo que pode ser cultivado por...? Por um ser inteligente. Aluno: Sim, por um ser inteligente. Mário: Por um ser inteligente. Chegaríamos então a um conceito latíssimo. Bom, depois a gente compara com os outros para ver se ele é ou não é. Muito boa! Está muito boa. Alguém... o senhor está tomando nota, né? É bom, é bom porque precisa-se tomar nota; aqui nesse exercício, sem tomar nota nós nos perdemos, porque não temos memória do que dissemos. Agora, e lato sensu? No sensu mais lato, quer dizer, lato, mas não tão lato como aquele. Aluno: O lato não seria “o que é cultivado por um ser racional”? Mário: Por um ser racional? E o outro como seria então? Aluno: Simplesmente tudo que pode ser cultivado Mário: Podia-se falar na cultura das formigas, então? Aluno: [Também]. Mário: Bom, mas aí então empregaria no sentido cultura do meio, cultura dos campos... Cultura seria tudo aquilo que fosse [...], então seria o lato sensu, latissimo sensu seria tudo aquilo que fosse cultivado por um ser qualquer. Então, em latíssimo sensu, seria tudo isso que pode ser realizado por um ser inteligente, que neste caso seria o homem, que é o único ser inteligente que nós temos neste planeta. Agora, vamos para o senso estrito (stricto sensu), mais estrito ainda. Aluno: [que] é cultivado por um conjunto [de hábitos] de seres inteligentes. Mário: O conjunto aí já estava no segundo. Precisaria ser precisado mais, precisa ter uma determinação, precisa ter uma restrição. Seria não só tudo que realiza o ser inteligentemente, mas em que, o senhor poderia exigir, por exemplo, que entrasse nessa cultura a presença, não só da inteligência, mas de uma inteligência por exemplo já guiada, já determinada por uma especulação, ou uma inteligência apenas posta em ação, lúcida, mas então mais pela vontade do que propriamente pela inteligência, ou seria... como...? Aluno: [inaudível] 9:55 – Mário: ...de modo sistemático. Muito boa definição: tudo aquilo que é derivado de uma inteligência de modo sistemático. E mais strictissimamente...? Sabe por quê? Às vezes não se encontra, às vezes se encontra o conceito somente num sentido. Aluno: [inaudível] [... automático, metódico], e daí seria o útil, posteriormente. Mário: Com o fim de ser utilizado posteriormente? Será? Porque o ser inteligente não realiza nada assim sem um certo interesse, né? Sempre há uma tendência utilitária. Será que isso daria a precisão que nós buscamos, não seria talvez [o caso de] procurar outra a mais precisa? Vocês não se incomodam de ter que fazer exercício mental, porque exercício mental vai mostrar que a dialética [inaudível] exercício mental. Tem que se dar tratos à bola, para a bola se acostumar a pensar. Aluno: [inaudível] que esteja de acordo com [inaudível]. Mário: Acho que ainda não delimita bem, vamos procurar mais ainda. Quer dizer, delimita, é uma forma de limitação intermediária, mas acho que mais restrita. Por exemplo, já no conceito de cultura em Spengler, que é tudo isso, mas ele põe uma característica, uma diferença que especifica bem, que é o ser criador, a parte criadora. É toda essa atividade metódica erigida [dirigida?] por um ser inteligente, mas criadora, para distinguir da civilização como resultado, como produto dessa operação. Esta seria mais restrita. Então veríamos que a definição de Spengler de cultura é uma definição em strictissimo sensu. Já seria realizadora da civilização. Aluno: [inaudível] [o (Aristóteles?) não toma a civilização?...] Mário: Não, porque ele considera que a cultura pode começar primeiro nos campos, depois nas aldeias, depois nas cidades, depois enfim na metrópole, quer dizer, ela tem as suas fases. Quando ela chega à civilização final é quando ela é metropolitana, quando a cultura fica nas metrópoles. Aí ela chega a seu fim, encerramento, a sua incapacidade criadora. E enquanto ela está nas aldeias, está nas pequenas cidades, ela tem uma fase criadora. Mas depois que ela vai entrando para grandes centros urbanos, vai entrando para homens já afastados da paisagem geográfica, homens que já [inaudível] prisioneiros de paredes, de perspectivas mais restritas, então ela vai se tornando puramente materialista, ela perde a capacidade criadora e fica trabalhando com os frutos da [inaudível: naturais? da cultura?]. Então essa seria a cultura em sentido Strictissimo. Então, quer fazer o favor de repetir os quatro conceitos a que nós chegamos? Agora, sobre estes quatro conceitos a que nós chegamos, podem os senhores levarem para casa e meditarem mais, porque poderão amanhã trazer novas contribuições. Esse exercício habitua depois a tomar qualquer assunto, procurar os quatro aspectos, porque nós vamos ver que as divergências humanas sobre um tema, às vezes surge de um tomar aquele tema em latissimo sensu e o outro strictissimo sensu. Aluno: [inaudível] Mário: Como? Aluno: Tomar equivocamente, né? 14:00 – Mário: Quer dizer, aí toma analogamente, porque sempre tem um ponto de unidade, tem uma analogia. Mas a aparência de divergência está apenas nesta parte da intensidade, do grau de intensidade e de extensidade que possa dar o conceito, porque, esclarecido, pode pôr a discussão, a discussão pode ser afastada e tornar-se inútil. {parei aqui} Como alguém por exemplo, fala em “politica”, mas pega a política no sentido de uma arte de conciliar o interesse individual com o interesse coletivo. O outro emprega a “política” no sentido de “a arte de governar os povos”. [Nosso interesse] tem vários sentidos. Então, duas pessoas podem estar falando de política e não se entenderem porque estão dando aos seus conceitos conteúdos distintos. Então, a primeira regra de uma discussão é chegar ao seguinte: eu posso conceber este conceito desses quatro modos, ou até de modos intermediários, se der lugar. Entre o latissimo sensu, por exemplo, pode ter vários, de menor intensidade, mas ainda de grande, de lato sensu. Agora, o senhor, qual é o seu? Ele diz: não, eu entendo cultura por este — então nós vamos discutir aqui, que é para não haver as divergências, os desentendimentos com as discussões estéreis, [que aí] a discussão fica estérea. E na dialética se deve evitar a discussão estérea, porque ela não só é cansativa, como ela não chega a nenhum resultado. E é por causa dessas divergências. Como acontece na própria escolástica. Nós encontramos scotistas e tomistas, [vamos dizer], numa questão, porque eles não esclareceram o sentido que eles estão tomando aquele termo. Se eles esclarecessem como estavam tomando o termo, eles se entenderiam [talvez]. É que um toma de um modo e o outro toma do outro, então fica aquela tremenda discussão que o estranho que entra na discussão diz: “Não, mas está-se vendo que é claro: aqui apenas está pairando dúvidas em consequência de terem considerado este conceito, por exemplo, de modos distintos”. Que clareados coloca o pensamento deles em... Porque eu sempre digo isto: “ Se São Tomás, Suárez e Scot se reunirem, eles se entendem. Agora, os discípulos não se entendem, os discípulos brigam, mas o três, garanto, que estão reunidos, estão completamente de acordo. Eles se entendem perfeitamente. Eles se entendem! Não, eles se entendem! Eles dizem: “Não, é mesmo, você tem razão, [nesta hipótese] eu exagerei, e tal.” Mas os discípulos é que criam essas separações, que parecem que dentro da igreja não é possível construir uma filosofia só. Uma filosofia capaz de unificar a igreja. [E de algo que vem vindo]. Dentro da igreja você é sempre combatido por este espirito de seita. Eu me lembro quando eu fui fazer uma conferência com os franciscanos em Curitiba, em que eu defendia a tese da possibilidade da conciliação de Scot com São Tomás, quando eu comecei com essas palavras, o auditório, que era formado de frades, [ficaram todos assim: ah, não é possível!]; porque eu comecei a mostrar que [já tinha sido feito], citei o caso do Suárez ,onde havia uma porção de pontos conciliados, citei vários que conciliaram etc. Então eu cheguei e disse: prezados amigos, se Scot, Suárez e São Tómas estivessem aqui reunidos, eles se conciliariam perfeitamente; agora, os senhores, discípulos, é que não se compreendem, porque falar em São Tómas, lá nos franciscanos, era.. São Tomás era uma figura de terceira ou quarta categoria: “Você não pode comparar um São Tómas com um Scott! Você não pode comparar! São Tomás, que é um filósofo de terceira categoria.” Quer dizer, com esse pensamento. E estava lá um dos maiores, um dos dez maiores representantes dos franciscanos [inaudível], e eu travei uma polêmica com ele, que aliás é brasileiro, o doutor [inaudível] — lê em latim, inglês etc., e é considerado um dos dez maiores conhecedores do scotismo no mundo, e que atualmente está lá dirigindo o seminário dos franciscanos, é o professor de filosofia do seminário. Agora é professor na faculdade de filosofia na Católica. Um homem de grande valor. Mas com [inaudível] impossível, não admitia de forma alguma a possibilidade de conciliação, mas de forma alguma!, eu estava perdendo meu tempo. [Perdendo foi o tempo. Estou fazendo uma obra, e minha intenção é...] “É inútil, você está perdendo o seu tempo, você não vai conseguir.” Em todo caso, se eu não conseguir, paciência, mas eu vou tentar. Eu penso que a igreja pode ter um pensamento filosófico que o unifique. Se chega um Suárez, [o nosso verdadeiro Suárez] na igreja, se o Suárez tem 6000 sentenças, dessas 6000 sentenças, apenas 60 entram em contradição com São Tómas, quer dizer que 5940 estão de acordo, e que ele, comentando Scot, ele só tem umas 15 ou 20 sentenças em discordância, e dessas 60 que discordam de Tomás há algumas em que ele concorda com Scot e outras em que ele discorda de Scot, quer dizer, já chegou a uma conciliação muito grande. Agora, se eu sei que Suárez nunca leu Scot, baseava-se em Scot por segunda mão, então eu posso concluir que o Suárez tivesse sido mal informado. Vamos procurar as informações e [assim a gente vê que ele estava] de fato mal informado. Porque ele se fundamentou na obra de um scotista que realmente é considerado pelos scotistas um homem que não compreendeu devidamente Scot. Então quer dizer que o que Suarez queria fazer, que era a conciliação, que os jesuítas tentaram fazer, que era a conciliação entre as duas tendências da igreja, principais, né? —, agora com Agostinho já é outro problema —, mas esta, pelo menos, depois de conciliar aqui, tentar a conciliação com o platonismo, dentro, com a base de origem platônica e pitagórica, dentro da igreja, que é outro trabalho, não é uma coisa impossível. 20:00 – E aliás nós vamos aproveitar até a dialética para discutir estes temas, porque estes temas são muito bons para entrar depois nas discussões, para ver onde estão os outros. E os outros vão se ver que estão nestas regras fundamentais de dialética que eles desprezaram, porque a maioria dos filósofos desprezam a dialética, eles acham que a dialética é uma arte de advogados, é uma arte de políticos e desprezam. Mas é que tem uma parte — que é de convencer, que é de persuadir, etc. —, mas tem a outra parte. Deixa essa parte de persuadir, vamos ver a outra, mas depois vamos estudar aquela pra saber onde é que estão os pontos que levam ao erro. A outra arte ensina a muitos a embarcarem no espirito humano. Nós vemos aí autores modernos que estão [no convento], como um Teihard de Chardin, um [Sartre ?] etc., que são puramente obras de sofismas e de paralogismos. Usam todos os recursos da sofismática, que aliás faz parte também da dialética a arte de estudar a sofismática, estudar toda a técnica dos sofismas, que nós vamos conhecer para saber nos libertar deles. Então, nós chegamos a este ponto. Então, no conceito contrário de cultura, que seria o de incultura, estamos vendo que este conceito de cultura não é uma substância, porque a cultura não é um ser que está aqui ou ali, não é um ser que possa se estabelecer como uma espécie especialíssima, que é aquela espécie que não permite mais uma classificação específica abaixo. É aquela que já é representada por um indivíduo, como casa, cavalo, homem, que já é representado. A cultura não é representada assim, a cultura representa-se, porque ela é um conjunto de aspectos tomados — sobre o quê, principalmente? Quantitativo? Aluno: Qualitativo. Mário: Qualitativo, é — na sua disposição. A cultura sobretudo é olhada por nós sob o aspecto qualitativo, e a cultura, sendo sobre o aspecto qualitativo, e nós sabemos que a qualidade é um acidente absoluto da forma, então, consequentemente, a cultura deve pertencer à forma social. Então, do mesmo modo que chegamos àqueles graus de cultura, chegamos àqueles graus de incultura: podemos falar de uma incultura em latissimo sensu, em lato sensu, stricto e strictissimo, nos diversos graus. Mas então o que caracteriza a substanciação — não tem substanciação — a substantilização, que é mais gramatical, do termo cultura, é uma substantivação da parte qualitativa, do mesmo modo que nós podemos substantivar um acidente, como, por exemplo, o amarelo — o amarelo nós podemos substantivá-lo, como o branco na brancura, e assim sucessivamente —, portanto, estamos aqui em face de uma substância que admite contrário, esta substância admite contrário, por isso nós podemos falar na cultura e na incultura. E é contrário, por quê? Porque a cultura é positiva, é o ente, é algo positivo, e a incultura, embora seja deficiente, é também positiva, também tem fundamentos reais, fundamentos positivos. Portanto a oposição entre os dois é uma oposição de ente para ente, que é uma das características fundamentais genéricas da oposição contrária. Então a incultura não é uma contradição da cultura, a contradição da cultura seria a não-cultura. Nós não podemos falar, por exemplo, da incultura de uma pedra, seria contraditório falar de incultura de uma pedra ou de cultura de uma pedra, aí seria contraditório, porque não cabe. Mas nós podemos falar da incultura humana e da cultura humana, portanto, do mesmo modo nós chegamos àqueles graus sobre a cultura e podemos alcançar graus correspondentes na incultura. Tem lá: tantos graus — não quer dizer que se atualizem, podem não se atualizar, mas são possíveis de atualizar os mesmos graus de cultura que os mesmos graus de incultura. Então nós temos de ter muito cuidado, porque se vamos trabalhar com “cavalo”, por exemplo, fazer uma análise dialética sobre o cavalo, nós não temos um contrário do cavalo, essa, que é uma espécie especialíssima, não tem o seu contrário. Mas cultura é precisamente uma substantivação de uma disposição qualitativa e de hábitos, porque não é só a parte dispositiva da forma associada que vai constituir a cultura, mas também os hábitos adquiridos, os hábitos que são adquiridos. Portanto, a idéia de cultura é uma substantivação de uma qualidade que se dispõe e que se habitua, quer dizer, que é ao mesmo tempo disposição e ato, que nós sabemos que é uma das divisões da qualidade. Portanto, ela é obediente a todas as regras, note-se bem, a cultura é, portanto, obediente a todas as regras genéricas da acidentalidade, as regras genéricas remotas da substantividade, as próximas da acidentalidade, e as mais próximas ainda da qualidade, da disposição e da habitualidade. Então de antemão nós sabemos que a cultura pode ser: ampliada, reduzida, pode ser melhorada, como todas as qualidades que estão sujeitas a — não todas, mas estas pelo menos —, estão sujeitas à escalaridade, então a cultura é escalar. Pode-se falar numa cultura no sentido escalar, e consequentemente a cultura está sujeita a ampliar-se, a reduzir-se, a sofrer mutações, modificações qualitativas — isso na parte formal. 27:30 – Aí nós já vimos como, trabalhando deste modo, grandes discussões modernas em torno da cultura, já estão praticamente, se verificamos, elas estão mal colocadas. Já vemos que estão todas mal colocadas. Por que todas elas estavam colocando a cultura de uma maneira não clara, eles não tinham feito primeiramente a análise que devem fazer, estavam se preocupando com a cultura nas suas manifestações, e não estavam se preocupando com a cultura na sua mateticidade que é precisamente estas leis que regem toda a cultura; que não regem só a cultura, mas regem outros seres que têm também disposição, que sejam capazes de habitualidade, etc. Estas leis que têm que ser reconhecidas, para isso que a dialética tem que chegar, porque tem estas leis, também se dá no fato cultural, estas leis também presidem o fato cultural, porque colocado — agora, naturalmente nós vamos ampliar, porque nós não vamos fazer hoje a análise da cultura, porque os senhores já estão verificando que uma análise dialética da cultura nos levaria a tanto que os senhores seriam todos capazes de fazer uma conferência sobre cultura sem dizer algo que não tivesse fundamento, que não tivesse bom- senso. Eis porque a dialética então nos abre o conhecimento, porque ela sabe correlacionar, ela sabe mostrar as correlações que existem, ela vai nos levando a conhecimentos maiores, nós ampliamos a faixa do nosso conhecimento. Porque assim como podemos dizer sem receio, e seria aceito pelos senhores, dada a formação intelectual dos senhores, que toda a verdade cósmica [está] contida num mínimo elétron, também toda a verdade está contida num mínimo juízo, se nós soubermos dum juízo que seja um juízo afirmativo, ou que seja um juízo categórico, se for um juízo que apenas exclui o predicado do sujeito, não pode nos dar base, mas sendo um juízo categórico, e que não seja um juízo acidental, seja um juízo de necessidade, necessário, isto é, que o predicado seja da essência do sujeito, nós podemos daí, pela dialética, chegar a conhecimentos espantosos que nós nem de leve julgamos: são os juízos virtuais, o que o Kant não percebeu. O senhor Kant não compreendeu, o senhor Kant não sabia disso, ele não conhecia a dialética, por isso ele não julgou nada disso, ele não compreendeu estas possibilidades. Daí a possibilidade da formação a priori de uma série de conhecimentos seguríssimos, se se obedecer às regras da dialética, e depois a experiência não irá de modo algum controverter. A experiência irá, quando muito, confirmar, ou então temos de aguardar que os fatos futuros confirmem, e não poderá ser de outro modo. [00:31:00] Bom, agora vamos pegar, por exemplo, vamos trabalhar com um adjetivo, um adjetivo para nós, que já trabalhamos com um substantivo — que, aliás, foi um [acaso infeliz], eu não gostaria que viesse um substantivo de início, porque o substantivo é mais difícil —, mas vamos agora trabalhar com um adjetivo e vamos fazer o mesmo exercício com o adjetivo, para ver o que dá. [Partes inaudíveis] Aluno: Belo. Mário: Não, “belo” eu prefiro deixar, porque é o mais complexo, né? É mais complexo. Vamos pegar um mais fácil. Vamos pegar “infinito”, por exemplo, que é um conceito mais fácil para nós tomarmos — como adjetivo: “infinito” como adjetivo. Eu não queria substantivos porque depois vem um trabalho dialético de tomar o que não é substantivo substantivamente, porque tem as suas regras próprias. Como “cultura”. Foi bom? Não, em cultura nós vamos voltar, porque tem as regras próprias. Tem uma série de cuidados, de providências, para evitar que se erre, porque senão se erra. Por exemplo, aconteceu com Spengler: ele não errou [com outra cultura? / contracultura?], mas ele errou porque tomou em strictissimo sensu. Então ele impôs que a cultura fosse assim, quando ele devia ter tomado no sentido por todos os aspectos, se ele tomasse em todos os aspectos, ele teria resolvido uma série de problemas que ele não pôde resolver devido àquele modo restritíssimo que ele tomou o conceito de cultura. Nós daqui por diante já nos preocupamos em sempre olhar assim. Então, nós sempre nos preocupamos em olhar assim, nós já vamos ver que as disputas se formam quase sempre nas maneiras de colocar os conceitos. Como nossa mente naturalmente não poderia ter uma conceituação singular, só para cada caso, não poderia ou então não haveria comunicação, porque o singular é incomunicável, nós não teríamos a linguagem. Nós vemos que a dialética tem de trabalhar dentro destas restrições naturais da mente humana. Um ser de inteligência superior não precisa de dialética. Né? Deus não precisa de dialética. Ele não vai fazer dialética pra... [inaudível] Mas nós precisamos. Então temos que trabalhar com nossos recursos, com as nossas deficiências. Então vamos ver o conceito “infinito”, vamos tomá-lo primeiro no sentido mais lato, latíssimo sensu, “infinito”. Nós depois podemos revisar estas definições, os senhores podem revisar, depois até podem encontrar outras melhores e intermédias. Diga? Aluno: [É o que não tem fim]. 34:00 – Mário: O que não tem fim, que não tem limite. Então vamos tomar primeiro em latissimo sensu, o infinito seria o que não tem limite. O que não tem limite, e em lato sensu... O que não tem fim, seria melhor. Em lato sensu, “o que não tem o fim definido”. E em stricto sensu? ... E quando [a gente / às vezes?] não acha o stricto sensu, pode [ver/haver] o strictissimo sensu, que depois encontra, compreende? Traça-se o strictissimo sensu e depois se encontra [o outro / o anterior]. O conceito por exemplo de infinito alexandrino, que é o que passou para o cristianismo, é o conceito de...? O infinito o quê? Não é apenas o que não tem fim, não tem determinação, que não tem começo, não é só isso. O conceito alexandrino mesmo de infinito, que é o que passou para o catolicismo, é o de...? Aluno: Incausado? Mário: Não. Vai, experimenta. Conceito alexandrino? O de...? O que tem a plenitude de ser, tem a absoluta plenitude de ser. Então, pode ser tomado nesse caso, especificamente, que seria então o infinito secundum quid, ou relativo, né? E o infinito simpliciter seria aquele que apenas é “ser”, do qual não tem a menor deficiência, seja na plenitude de ser. [inaudível] Agora, então, vamos procurar o intermédio, que deveria estar aí, em lato sensu. Esse é o latissimo sensu. Qual seria? Aluno: [inaudível] Aluno: Não, esse é o strictissimo. Mário: Esse é o strictisimuo sensu. Que tem a sua plenitude de ser, a absoluta plenitude de ser. Aluno: [inaudível] Mário: Bom, aí já tem o segundo quid, que podia ser o lato sensu e o strictissimo sensu, mas aí são espécies, não é? Vamos ver se dá para encontrar um outro, que aí tem que fazer o exercício para ver se dá para encontrar um outro, a conceituação de infinito. Porque nós [já] chegamos a um infinito que não tem princípio; nós temos de admitir primeiro o infinito que tem princípio, e não tem nenhuma limitação. Então, no latíssimo sensu, devia ser o que não tem início nem tem fim. O latíssimo, né? Porque, em lato sensu, o que não tem limite, que aí já podia ter princípio e não ter limite, [e assim fica] mais restrito. Em restrito, já seria o que está na plenitude de ser na sua espécie, ou no simpliciter, [inaudível], seria o latissimo. E o lato sensu seria o que... Ai... O que não tem — o que tem e o que não tem princípio.... O lato sensu está faltando, de qualquer maneira, está faltando. Mas tem que sobrar um aí, para dar o lato senso. Eu não escrevi, eu não sei... Vamos ver, faz favor. Aluno: O latíssimo é o que não tem princípio nem fim; o lato é o que não tem limite; agora o strictissimo [stricto?] é o que não tem a menor deficiência ou [inaudível]. Mário: O que não tem a menor deficiência. É. E o outro seria “o que não tem...”? Aluno: Que tem a plenitude... Mário: ...a plenitude absoluta de ser, não especificamente, de ser. Então chegamos às quatro. Vocês vejam: a dialética é exercício, como nós queremos fazer, de maneira que quem quiser discordar, pode discordar, mesmo que saia fora, que [não] esteja discordando dentro das regras, [que foi virado só que] da maneira regrada de discordar. [Mas não vale nada / mas não faz mal]. Vamos, diga. Aluno: Conceito de infinito: Latissimo – o que não tem princípio nem fim; Lato sensu – o que não tem limite; Stricto – o que não tem a menor deficiência; Strictissimo – o que tem a plenitude absoluta de ser; [00:40:00] Mário: Agora os senhores poderiam colocar esse conceito de infinito dentro das escolas filosóficas, [inaudível] ilustração, das escolas filosóficas conhecidas? Como as diversas escolas conceberam esse “infinito”? Dar como exemplo destes tipos de infinito? O último, nós sabemos que é o genuinamente cristão: o que não tem a menor deficiência, a plenitude absoluta de ser, a plena glória de ser, que é a idéia do infinito cristão, que era alexandrino. Esse seria dos pitagóricos alexandrinos, que defenderam esta tese e que passou para o cristianismo. Agora vamos ver a dos outros: Aristóteles [onde coloca?]. Aristóteles não pensa assim. Aristóteles pensa em infinito diferentemente. Qual é a definição de Aristóteles de infinito? Aristóteles, o infinito para ele é apenas o que não tem limite, mas não é o ilimitado. O infinito para Aristóteles é aquilo que não tem limite, não se delimita, não se determina, não tem determinação. Aluno: [inaudível] Mário: Bom, pode ser o.... Bom, ele não atribui a infinitude a Deus, porque... Não, não: ele atribui a finitude a Deus, não a infinitude propriamente. [Que aí é aquele] acabado, perfeito. Aí a idéia de finitude é a idéia de perfeição, de acabamento. Aí já seria o conceito contrário, o conceito de finitude, então nós poderíamos [emendar agora e] estabelecer os quatro de finitude, para fazer a comparação com esses, para ver como se estabeleceria, vamos comparando. [...] De finitude... Aluno: No latissimo é o que tem fim. Mário: É o que tem principio e fim. Em lato senso? Aluno: O que tem limite. Mário: O limitado. Aluno: No sctricto, o que tem deficiência. Mário: O que tem deficiência, o deficiente. E em strictissimo senso? Aluno: Uma potência [inaudível]. Mário: Seria uma potência [sem / em] atualidade, a potência na sua, na atualidade. Seria a limitação mais completa de ser, né? Que não é o nada, vai ser o mínimo de ser. Aluna: [inaudível] 43:00 – Mário: Não. Por enquanto nós vamos trabalhar com os contrários, porque a contradição de infinito é não-infinito, mas não o não-infinito ficaria um termo indeterminado. Nesse caso não podemos falar numa contradição de infinito, porque o finito também é positivo, seria positivo. A contradição de infinito seria a negação de um infinito, mas seria já no juízo, porque aí propriamente não temos o contraditório do infinito, temos o contrário; porque nos adjetivos não tem o contraditório, tem o contrário. A não ser em alguns adjetivos, mas da gíria, da gíria, que não tem o contrário, mas são adjetivos da gíria que não nos interessa, como [inaudível], mas que não nos interessa [no final das contas]. Nós não podemos falar no contraditório do adjetivo, porque aqui o que nos interessa é o contrário do adjetivo. Porque todo o adjetivo, que nós classificamos na gramática como adjetivo, que é uma qualidade, que determina, que é determinante da forma, é portanto uma determinante da forma, esta forma, em ser, teve sua contrária. E o seu contrário pode se apresentar de forma com a construção do contraditório, mas na verdade, não é, é contrário, como no exemplo da infinitude: finito para infinito, infinito não é uma contradição do finito. Agora, para aqueles que não aceitam o infinito, eles vão argumentar que o infinito é uma contradição; então nós vamos provar que o infinito não é uma contradição, que o infinito é um contrário, [inaudível] a positividade da infinitude. Pelo menos, dentro destas quatro aqui, nós numa discussão provaríamos que alguma tem, que alguma há, que alguma se dá. Isto vai nos servir depois nas disputas, porque pelo menos o cidadão, por exemplo, pode negar a concepção de cultura de Spengler, mas ele não pode negar a concepção da cultura. Ele pode não aceitar a concepção spengleriana, que é em strictissimo sensu, mas pode aceitar a de stricto sensu; então nós vamos discutir naquela, para depois provar que a de Spengler é a mais verdadeira, para depois chegar lá. Porque a dialética tem que se partir, muitas vezes — nem sempre, mas muitas vezes — do menos para o mais, quer dizer, usa recursos variados. A gente tem que fazer a pessoa concordar num ponto, apenas neste ponto. Como as disputas, por exemplo, as disputas entre homens da igreja, [por exemplo, um padre] que vai disputar com um neo-positivista, ele tem que chegar com o neo-positivista pelo menos em dois ou três conceitos que estejam de acordo, que ambos estejam de acordo. Porque do contrário toda a discussão não pode, não é possível parar a discussão, porque o outro pode ir nas negativas, no agnosticismo. Alguma coisa o senhor tem que me falar, uma afirmação. É o princípio da disputa escolástica, né? O principal é fazer o adversário fazer uma afirmação, porque depois desta afirmação, dialeticamente, é que se vai argumentar. 47:00 – Mas se ele foge, como o Bertrand Russell, por exemplo, naquela disputa com aquele padre jesuíta na BBC de Londres... Aluno: o Copleston. Mário: Não, é... Como é o nome dele? Aluno: Copleston. Mário: Copleston. Ele não afirmava nada. Ele dizia: “mas o senhor precisa me afirmar alguma coisa, pelo menos que o senhor está aqui, que o senhor é Bertrand Russel, que o senhor está aqui. Como é que nós vamos discutir se o senhor foge de toda afirmação, o senhor tem que afirmar alguma coisa, pelo menos tem que afirmar que não sabe que o senhor é Bertrand Russell, que o senhor não sabe se está aqui presente. Alguma coisa o senhor tem que me dar uma afirmação.” Até que o Bertrand Russell deu, mas infelizmente ele não soube explorar nada, foi muito fraco. Foi muito fraco e terminou julgado que houve um empate entre os dois, quando o padre tinha a possibilidade de [levar o Bertrand Russell e de ter vencido também] brincando, brincando, que o Bertrand Russell deu dados ali formidáveis, sobretudo na parte da contingência, quando o padre queria que ele afirmasse o ser contingente — “não, não precisa afirmar o ser necessário, mas pelo menos o senhor tem que afirmar o ser contingente, o senhor tem que admitir uma contingência, o senhor tem que admitir uma limitação, tem que admitir pelo menos que este objeto se distingue dos outros, portanto, o senhor tem que admitir.” Quer dizer, é ali que ele tinha que pegar o Bertrand Russell e obrigá-lo a aceitar a contingência, ele não soube fazer. Então ficou tudo assim, ele fugia, como uma enguia. Porque ele ficava no agnosticismo, no ceticismo: “Ah, eu não sei, pode ser que seja...” E o padre não teve [força / fôlego]... Foram cinco sessões, e infelizmente serviu para fortalecer o prestígio do Bertrand Russell. Vai sair mais prestigiado ainda. O que é uma verdadeira calamidade, muito embora eu encontre com ele em muitos pontos de vista, [e outros que gostam dele ? / e antes que digam que gosto dele] [de modo algum, né?], embora tenha muitas coisas que eu concordo, quer dizer, concordo não, que eu aceito, que é antes dele e ele também aceita, não é ele que criou e eu concordo, ou eu criei e ele concorda, nada disso. É que nós concordamos nos mesmos pontos de vista que não são nossos. Mas no que é dele propriamente eu não concordo em nada. 49:00 – Bom, então vamos prosseguir. Temos agora aqui uma oposição entre finito e infinito. Agora podia classificar as diversas posições, já classificamos a católica e classificamos a de Aristóteles; podemos classificar outra? Por exemplo, na concepção de infinito, o apeiron de Anaximandro, onde estaria classificado? Porque o apeiron de Anaximandro apresenta característica de a-peiron, né?, de a-peros, de ausência de peros, de ausência de...? Aluno: [De limite]. Mário: De limitação. Então seria na categoria do...? Do ilimitado, o não-limitado. Do não-limitado... Aluno: [inaudível] Mário: O não-limitado, né? Bom, o não-limitado e o ilimitado, agora aqui temos que ver a diferença entre esses dois; porque de infinito, nós vamos ver se podemos trabalhar com finitude e não-infinito; de, por exemplo, agora que falamos em ilimitado, podemos falar em limitado, em ilimitado e não- limitado. Podemos, né? Por quê? Porque às vezes acontece o seguinte: existem contrários que são imediatos, quer dizer, contrários que não admitem termo médio, e existem contrários que são mediatos, contrários que admitem termo médio, quase sempre são os contrários que admitem escalaridade, os contrários, sobretudo, de extensão adjetiva. Assim, entre sabedoria e ignorância, nós podemos chegar a extremos e a intermédios. Vamos ver se entre infinito e finito haveria a possibilidade de um termo médio. A infinitude estaria sujeita a graus? Bom, vamos ver. Aluno: [inaudível] 52:00 – Mário: Sim, mas de uma parte que o senhor atribuiria a infinitude para ele, então nesse caso vem a discussão: o senhor atribuiria a infinitude sob os dois aspectos — pelo lado de não ter começo e pelo de não ter fim — ou apenas pelo lado de não ter fim? Aluno: [Pelo de não ter fim]. Mário: Pelo lado de não ter fim. Então, neste caso, o que não tem fim e também não tem começo distingue-se do outro e seria intensistamente mais infinito, porque seria infinito a parte ante e seria infinito a parte post, enquanto que o segundo só seria infinito a parte post e não a parte ante, tá certo? Então aqui nós poderíamos admitir que existiria uma diferença. Mas essa diferença é de intensidade, ou é diferença de outra espécie? Ela é uma diferença qualitativa apenas? Ou seria de outra espécie? Não poderia penetrar uma outra categoria para que nós trabalhássemos aqui para chegar a uma conclusão que a diferença entre esses dois tipos de infinito não representa propriamente um grau da infinitude, porque a infinitude, a parte ante ou a parte post, está sendo considerada in indivisibili, não é verdade? O que nós estamos apenas considerando como infinita é uma parte, e não-finita, a outra parte, então não é a infinitude que está sofrendo gradação, o que está sofrendo é modificação de determinação, certo? Então é uma diferença de determinação. Então, no primeiro caso, nós temos um infinito que nós determinamos, nós qualificamos a sua indeterminação sobre os dois aspectos, a parte ante e a parte post, e o segundo caso apenas a parte post, mas o infinito por si não sofreu modificação, não tem grau de intensidade. Então, o infinito, tomado em si mesmo, ele é tomado in indivisível, sem graus. E a finitude? A finitude, nós podemos admitir mais ou menos finitude, sem perigo de contradição. Difícil é [podermos] admitir mais ou menos infinito, né? Ou é infinito ou não é infinito, mas no finito nós podemos admitir uma variação, nós podemos então tomar o finito de duas maneiras, mas se nós tomamos in indivisibili, quer dizer, tomamos in não-divisível, ele não admite graus, certo? Então nós podemos tomá-lo divisivelmente. Então a finitude, nós podemos falar em mais ou menos finitude. Agora, o infinito só podemos tomar in indivisível, em não-divisibilidade. A que lei obedece isso? Obedece a uma lei, logo se vê que é uma lei matética logo clara que se acha com a maior facilidade. Por quê? Porque aquilo a que se atribui a plenitude total não pode ter limites, senão não é plenitude total, enquanto que aquilo que se atribui uma plenitude parcial pode ter limites. É lógico, né? Na matese se chega a essa lei por outros caminhos, antes disso, chegaria. Então se compreenderia por que que o infinito, enquanto é tomado como infinito é tomado no in indivisível, se alguém toma in divisível, ele está fazendo confusão, está tomando o finito gradativamente, está tomando como finitude, que pode ser mais ou menos, certo? Agora uma coisa, nós limitamos a finitude, ou limitaríamos uma infinitude, por uma limitação, se tivéssemos um ente infinito e eu o limitasse, pudesse limitá-lo? Podemos admitir essa possibilidade. 56:30 – Eu o limitaria? (Mas se eu pudesse limitar). Aluno: [Ele deixaria de ser infinito]. Mário: Aí ele deixaria de ser infinito, pela limitação sofrida. Muito bem. Agora, se eu tomasse esse ente de um modo determinado, sob um aspecto qualitativo ou formal, eu faria a mesma coisa? Aluno: [O mesmo com o infinito?] Mário: É, eu o tornaria, portanto, limitado? Aluno: Meramente formal? Mário: É. Se eu o tomasse formalmente sob um aspecto... Aluno: Não. Mário: Não, é lógico que não. Então nós temos que fazer a distinção, muito importante, que, na dialética, como é na matese, fundamental da matese, é não confundir a determinação com a limitação, que é muito confundido. Porque a determinação, ela pode ser feita apenas por um ente tomando parcialmente, ou tomando segundo um determinado grau, ou tomando segundo um determinado aspecto formal etc., ou um [aspecto] modal, mas não representa isso uma limitação. A limitação exigiria a marca de limites, isto é, que o ser deixasse de ser ulteriormente aquele limite, ele deixaria de ser. Por isso então vocês vêem que essas críticas de alguns filósofos que nós, por exemplo, quando tomamos Deus como Pai, tomamos Deus determinadamente, que nós o limitamos, é uma bobagem, não tem fundamento nenhum; a determinação não é uma limitação. Se nós tomamos o homem pelo aspecto social ou pelo aspecto ético ou pelo aspecto econômico, não estamos limitando o homem, estamos apenas determinando o homem. E é preciso não confundir quando determinamos e quando o limitamos. E parece incrível que, de uma coisa tão singela, nós vamos ver depois como há profundos erros, grandes erros cometidos por confundir limitação com determinação. Determinação quer dizer: é uma ação pela qual se toma um ente sob um determinado aspecto, ou modalidade [ou qualidade] etc., sem que necessariamente o limite. Agora, limitação representa marcar-lhe uma fronteira de ser, negando-lhe um ser posterior. Na escolástica, tem grandes discussões que são confusas por causa da falta de esclarecimento entre determinação e limitação, de grandes filósofos. Depois nós vamos ver. Nós vamos [muito] discutir esses temas escolásticos aqui, com a dialética, [que] vai nos ajudar muito a resolver uma porção de problemas. [Inaudível] Hoje nós somente estamos fazendo essa parte. 59:30 – Bem, agora como o tempo já está, já são dez horas... O senhor pode até que horas, o senhor pode? [Inaudível]. Então agora nós precisaríamos tomar estes conceitos como parte de um todo, ver se eles fazem parte de um todo, para sabermos [...], a gente podia fazer uns exercícios, tomar um conceito como parte de um todo, considerando esse todo sob um determinado logos. Por exemplo, nós tomamos o homem como parte de um todo na família, ou o homem como parte de um todo na sociedade, e assim sucessivamente. Então, nós teríamos tantas maneiras de tomar o todo e as partes quantas maneiras nós temos de considerar o todo e a parte analógica estudada. Agora, podíamos ver se finito e infinito são partes de um todo, se constituem partes de um todo, e que logos isso tomaria. Então, na próxima vez, nós faríamos isso. Agora, os senhores podem então tomas outros temas e fazer exercícios, porque esse exercício é importante. [Podem fazer assim / Comecem assim], [começa “o que é isso?” / comenta só isso:] Classificar, ver o seu contrário, classificar um que é tético nas quatro, e o antitético nas quatro, que depois nós vamos... — porque não vamos trabalhar com juízo por enquanto, vamos primeiramente exercitar esta parte, vamos entrar na próxima vez na parte da divisão, que é importantíssima para a dialética.
Transcrição: Diego Ossami
Revisão: Wilson Filho Ribeiro de Almeida 03 de setembro de 2019