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1
História do Povo de Israel, Ein leitung in die Geschichte des Volkes Israels, por Heinrich Ewald, 8
volumes, 1864.
2
Tobias Barreto deve ter assistido ao Discurso proferido pelo padre Fr. Antonio da Virgem Maria Itaparica,
por ocasião da abertura da aula de Filosofia do Seminário da Bahia, em março de 1861. Nele o padre
exorta os alunos com versos de “um Sapientíssimo e Santo Bispo: “Quem não louva Deus, é um ingrato. /
Quem se opõe a que o louvem é realmente um monstro”. Em Diário da Bahia, 27 de março de 1861.
3
O padre Felix havia perdido, em 1863, concurso para a mesma cadeira de Latim, quando saiu vencedor
Joaquim José Henrique da Silva.
4
Verso do poema “À Vista do Recife”, de 1862, o primeiro dos grandes poemas patrióticos de Tobias
Barreto, publicado em Dias e Noites, edição de 1881 e seguintes.
5
Carta de 13 de setembro de 1880.
Tobias Barreto não iria esquecer a injustiça de não ter sido o nomeado, embora
guardasse um certo orgulho por ter defendido, naquele concurso, modernas idéias de
filosofia, contrariando os ensinamentos espiritualistas de Taparreli, Sanseverino e
Kleutgen, que seguramente balizavam a formação filosófica do Dr. José Soriano de
Souza.
A Juventude e a Religião
A Religião e a imprensa
11
Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco. Recife, 1872.
Acadêmica de João Walfredo de Medeiros. É a melhor referência para servir de
contraponto do pensamento dominante em relação à reação esboçada em fins dos
anos 60 e por diante por Tobias Barreto e outros desbravadores da nova cultura,
animada pelas luzes da ciência que despontava na Europa alemã.
As Lições de Soriano
O livro do dr. José Soriano de Souza termina com uma nota de sujeição, nos seguintes
termos: “Sujeito estas Lições de Filosofia ao juízo indefectível da Santa Igreja
Romana, isto é, à correção do Soberano Pontífice, Pai e Mestre infalível de todos os
cristãos; e com ele digo, e tenho como verdade que é obrigação rigorosa, quer do
filósofo, que deseja ser filho da Igreja, quer da mesma filosofia, não dizer nada contra
o que a Igreja ensina, e retratar-se desde que ela o adverte; e bem assim que
inteiramente errônea e soberanamente injuriosa à Fé e à Igreja e à sua autoridade a
doutrina que ensina o contrário disto”.12
Retirados do corpo do livro, eis alguns ensinamentos do dr. Soriano, característicos
como produto de uma mentalidade largamente respeitada entre os católicos, como
destaca o jornal O Católico, na sua edição de 20 de setembro de 1871: “Certamente
percorrendo-a, com satisfação temos notado sólida robustez de argumentos, clareza
de exposição, exatidão de definições, propriedade de linguagem científica, e o que
mais vale, bom critério na escolha das opiniões mais recebidas entre os autores
católicos (S. Agostinho, S. Tomás, Audísio, Taparelli, etc.)”. O jornal cita longo trecho
do livro que, pela sua importância como justificativa teórica para a prática catequética,
merece transcrição. Diz o autor das Lições, sobre a Igreja: “A Igreja é uma sociedade
perfeita, absolutamente independente da sociedade civil em seu fim, meios e origem.
Com efeito, chama-se perfeita aquela sociedade que é completa em sua natureza, e
tem em si mesma todos os meios necessários e suficientes para atingir ao seu fim;
ora, neste caso está a Igreja de Jesus Cristo, logo é uma sociedade perfeita. A menor
deste argumento provamos logo: o fim próprio da Igreja é a salvação eterna dos
homens, o culto divino, o ensino da doutrina de Jesus Cristo: ofícios estes que não lhe
foram atribuídos por nenhuma outra sociedade, senão pelo mesmo Jesus Cristo, como
foi dito; ao passo que o fim da sociedade civil é em substância a segurança e a
felicidade temporal, e o que a ela se refere, de tal sorte porém que se não oponha ao
fim último do homem. E porque este fim último, como tal que é, há de dominar os fins
intermédios ou temporais, segue-se que longe do fim da Igreja ser subordinado ao do
Estado, é ao contrário o fim deste que é sujeito ao daquela, como exige a razão, por
ser a matéria naturalmente sujeita ao espírito”. O Católico faz o comentário: “Deste
modo vê-se que o claro autor segue nas suas Lições de Filosofia Elementar os sãos
princípios, que são como a chave, para refutar os sofismas miseráveis da moderna
incredulidade. Haveria pois estudo filosófico mais sério e mais útil para a mocidade
católica do Brasil?”. A pergunta fica realçando a preocupação afirmativa dos
tradicionalistas que tinham no professor José Soriano de Souza um autêntico e
aplicado porta-voz.
Ninguém melhor que ele, que afirmava a subordinação da Filosofia à Teologia, para
consolidar teorias destinadas a recrutar adeptos entre os jovens estudantes, na defesa
de uma sociedade cujo poder político só poderia vir de Deus, sendo inadmissível se
originar de um dos seus membros. Uma sociedade composta pela “desigualdade de
méritos individuais, proveniente de ter a natureza dotado desigualmente aos homens,
que consiste a verdadeira igualdade perante a lei social e não em que todos têm igual
direito de pretender tudo, como propalam os ultrademocratas, porque essa igualdade
material destrói o valor pessoal, a liberdade, e a mesma sociedade, que não pode
existir sem ordem, e por conseguinte sem hierarquia social.”
12
Trata-se da Declaração do Autor, no livro Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral. Paris, 1871.
Tobias e a Religião
Enquanto a figura de José Soriano de Souza era, para Tobias Barreto, a encarnação
das velhas doutrinas, que “ao que parece, crê-se destinado a uma grave missão. É
fabricar no Recife o melhor contraveneno das idéias perigosas”,13 o livro de Ewald era
uma imensa porta por onde o sergipano iria penetrar nas questões religiosas mais
profundas. A um tempo, Tobias aprendia, sozinho, o alemão, que conhecia de contatos
baianos, quando passara algum tempo junto a Francisco Muniz Barreto de Aragão,14 e
tomava conhecimento histórico do povo de Israel, sendo levado a discutir, pelos jornais
recifenses, aquilo que de novo aprendia em suas leituras.
Com tal leitura, Tobias faz passagem pelos autores franceses, entre eles os
positivistas, com quem Tobias Barreto parecia ter intimidade, pondo uns contra outros,
no jogo dialético do confronto que permitia adotar a evolução das idéias. Discute, com
esse seu método de raciocínio crítico, a questão da religião e da ciência, opondo
Vacherot ao padre Gatry, para quem “a ciência é coisa de fantasia”, como assinalara
Tobias em Sobre a Religião Natural de Jules Simon, em agosto de 1869, pouco depois
que escreveu A Luta de Gigantes.15 Em Moisés e Laplace opõe a cosmogonia à
concepção bíblica da origem do mundo. Surgem os nomes até então ignorados, ou
pronunciados com reserva pelos escritores católicos e autores de compêndios e
manuais de filosofia.
Em “Notas de Crítica Religiosa”, “Os Livros Mosaicos, ou Assim Considerados” e “Uma
Excursão de Diletante pelo Domínio da Ciência Bíblica”, Tobias se vale de Ewald para
fixar seus novos horizontes na interpretação dos textos religiosos. Ewald é a porta
para os demais autores alemães que Tobias incorpora aos seus estudos, muitos deles
a partir da Revista de Teologia de Strasburgo, onde segundo o pensador sergipano
“acharam eco todas as grandes questões bíblicas levantadas durante os últimos 50
anos”.16
A ação intelectual de Tobias Barreto, nos últimos dois anos como estudante e logo
depois de formado, concorre para alterar o seu perfil. O poeta das ruas e das récitas
teatrais, agitando o povo ou disputando o amor das belas mulheres e artistas, cede
lugar ao teórico da organização política brasileira, de feição liberal, como atestam seus
artigos em O Liberal17 e O Americano,18 e ao crítico da religião, intuindo a busca de
respostas filosóficas para as questões que desejava solucionar, como intérprete da
evolução do conhecimento humano. Um compromisso que levou até o final da vida,
enfrentando os dias ásperos e cruéis de sua jornada existencial.
Tobias Barreto casara, em 11 de fevereiro de 1869, com Grata Mafalda dos Santos, no
Oratório do Engenho Riqueza, do seu sogro João Félix dos Santos, no município de
Escada. Em princípios de 1871 Tobias fez a opção por fixar residência em Escada,
13
Sobre o livro de Soriano, Tobias escreveu três artigos, sob o título de “O Atraso da Filosofia entre Nós”,
publicados no Jornal do Recife, nos dias 30 de julho, 3 de setembro e 18 de novembro de 1872.
14
Francisco Muniz Barreto de Aragão, parente de Tobias, era diplomado em Direito e em Filosofia pela
Universidade de Heidelderg, e foi grande propagandista da cultura alemã, através dos jornais O Monitor,
Diário da Bahia, Gazeta da Bahia, Diário de Notícias e Jornal de Notícias, com artigos sobre filosofia,
crítica política, finanças, economia política e literatura, além de publicar Das Verfassungs – Wesen in
Brasilien. Francisco Muniz Barreto de Aragão era pai do poeta Egas Muniz, o Petion de Vilar, professor de
alemão do Ginásio da Bahia, redator da Revista do Grêmio Literário e considerado por Arno Philipp,
redator-chefe da Deustsche Zeitung, como “o único escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com
perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a obra de Tobias Barreto”.
15
Este artigo foi publicado em 1869 e é dos mais antigos trabalhos de Tobias Barreto. Por muito tempo
figurou nas edições de Tobias como de 1871.
16
A Faculdade de Direito do Recife está reunindo, em estantes separadas, as obras de autores alemães
que pertenceram à biblioteca Pessoal de Tobias Barreto. São mais de 200 volumes, muitos dos quais
foram citados por Vamireh Chacon em Da Escola do Recife ao Código Civil. Organização Simões, Rio de
Janeiro, 1969, e em artigo do mesmo autor, na Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife,
LXVII, 1971.
17
Os Homens e os Princípios, 1870.
18
Política Brasileira, artigos de fundo, 1870
ainda Termo da Comarca de Santo Antão. Advogado, Curador de Órfãos e de
Escravos, Juiz Municipal Substituto, editor, em tipografia própria, de diversos jornais,
incluindo o Deutscher Kaempfer, inteiramente redigido em língua alemã, Tobias
Barreto molda, definitivamente, com a publicação de Ensaios e Estudos de Filosofia e
Crítica, seu perfil de pensador e de crítico, filiando-se completamente ao germanismo.
O germanismo de Tobias Barreto leva a que compreenda, de forma desapaixonada, o
alcance, a extensão da reforma luterana do século XVI. Tobias passa a entender a
reforma como uma nova teoria da fé, e, qualificando Martinho Lutero como “o mais
valente orador alemão”, duvida se seria possível Kant sem Lutero. Para ele os feitos
do pensamento alemão após a reforma levantam um novo princípio de moralidade, o
qual, em oposição à Renascença, corresponde essencialmente ao espírito alemão,
repousando sobre o lar e a família.
Estava claro, para Tobias, que as transformações operadas pela reforma fixavam uma
nova ciência e uma nova cultura, que dificilmente vicejariam no húmus do Catolicismo
tradicional. Impressiona, no entanto, que a visão esclarecida e singular de Tobias não
o leve a participar das questões mais ruidosas do seu tempo de crítico de religião: a
polêmica do general Abreu e Lima, assinando-se Cristão Velho, com o padre Joaquim
Pinto de Campos e com outros católicos, que resultou, anos mais tarde, na posição
radical da administração eclesiástica de negar sepultura ao general de Bolívar,
finalmente enterrado no cemitério dos ingleses, e a chamada Questão Religiosa,
envolvendo os maçons e o bispo Dom Vital.
Tobias estava nas páginas dos seus jornais, como a Razão e a Regeneração, O
Americano, e de outros que se abriam para a crítica religiosa no Recife, principalmente
a partir de 1869, como a Consciência Livre, que precedeu ao Americano, Correio
Pernambucano, O Liberal e o Jornal do Recife, o mais antigo deles. Era a imprensa
aberta às contribuições mais novas, combatendo aquele outro grupo de jornais
católicos, todos com disposição férrea para a propaganda religiosa tradicionalista.
A única das questões de evidência que atrai Tobias é a discussão sobre a infalibilidade
papal, antes e depois do Concílio de 1870. Entre os católicos havia o temor contra a
Igreja. É o bispo Cardozo Ayres, em texto de 29 de setembro de 1869, publicado em O
Católico de 17 de outubro do mesmo ano, que diz ser “notório o incremento que vão
tomando em algumas folhas públicas desta diocese as idéias anti-religiosas, e sendo
de esperar que esse espírito de iniqüidade se exacerbe, durante os trabalhos do
sagrado Concílio”.
Ao ser concluído, com a afirmação do dogma, o Concílio foi entusiasticamente
saudado pelo O Católico, que desabafa: “A definição da infalibilidade pontifícia foi o ato
mais brilhante do Concílio Vaticano, a suprema idéia para que Deus o quis reunir. De
feito, donde, a não ser deste dogma, dependeria o triunfo do Catolicismo sobre o
Racionalismo, e a firmeza do reino de Jesus Cristo sobre a terra? Portanto, definir a
infalibilidade pontifícia importava tanto quanto importa a duração do reino de Jesus
Cristo sobre a terra: especialmente nesta nossa época, quando o alvo da atual guerra
satânica é destronizar a Jesus Cristo, e despedaçar-lhe o cetro. Não pedia pois o
Concílio Vaticano prestar ao século XIX serviço mais relevante que proclamar a
infalibilidade do Pontífice Romano”.19
A Igreja não estava disposta a ceder nada em sua forma de ver e de compreender o
mundo e firmava, cada vez de forma mais radical, a sua postura, tomando como
inimigos a todos os que questionavam ou queriam respostas para questões antigas,
que antes sequer eram discutidas. A Maçonaria, animada pela discussão dos jornais
contra o jesuitismo, fortalecia suas lojas, festejava o gesto de Pombal, um século
antes, e atraía grande número de adeptos. Jornais e jornalistas tinham ligações com
as lojas Regeneração, Restauração Pernambucana, Seis de Março, Segredo e Amor
da Ordem, as que funcionavam legalmente no começo da década 70. Como os
19
O Católico, 20 de agosto de 1870.
liberais, e entre eles Tobias Barreto, os maçons tratavam com interesse da questão da
escravidão e em suas festas costumavam aIforriar alguns escravos.
O ambiente agitado do Recife não era ignorado por Tobias, que em seu refúgio de
Escada, zona da mata sul de Pernambuco, com 120 engenhos de açúcar, de senhores
conservadores e liberais, mas sempre senhores, continuava mergulhado na leitura dos
autores alemães, como se verá em 1874, ao editar o seu primeiro jornal, Um Signal
dos Tempos, trazendo à cena da cultura nomes como o de Strauss, por ocasião de
sua morte, e de Eduard von Hartmann, cuja obra, em sua edição alemã, Filosofia do
Inconsciente, é objeto de análise, três anos antes que apareça no Recife a edição
francesa.
É em Escada que Tobias Barreto aperfeiçoa o seu entendimento das diversas
correntes transformadoras, que desde o Positivismo influem na mente dos jovens
insubmissos ao controle da Igreja. Os autores alemães, em número cada vez maior,
ocupam Tobias. Não há como separar a crítica religiosa, a filosofia, o direito, a ciência
política, da influência germânica. Charles Darwin, Ernest Haeckel, Rudolf Von Jhering,
Hermann Post, Eduard von Hartmann passam a exercer sobre o sergipano uma
decisiva orientação, a partir da qual, em todos os campos em que atua, Tobias exporá
o conjunto das novas idéias. Assim faz nos jornais escadenses, no Clube Popular,
quando pronuncia “Um Discurso em Mangas de Camisa”, em 1877, como deputado à
Assembléia Provincial, e discute a questão da educação da mulher, quando publica a
“Jurisprudência da Vida Diária”, em 1878, quando mantém correspondência com
autores alemães e colabora com jornais germânicos editados no Rio de Janeiro, em
São Paulo e em Porto Alegre, ou em jornais da Alemanha, ou ainda quando concorre à
cadeira de Lente da Faculdade de Direito do Recife.
É evidente que a posição de Tobias Barreto gerara grandes incômodos. Em 1870,
quando ainda engatinhava em seus estudos alemães, Tobias enfrentou os católicos
tradicionalistas do jornal O Católico, sob a chefia do conselheiro Autran. Em 1875, ao
publicar seu livro de estudos filosóficos, mede forças com Albino Meira, do Culto às
Letras, e na Assembléia Provincial, como deputado e orador muito aplaudido, tem um
projeto rejeitado, sob a justificativa de teorias antigas, atrasadas, que predominaram. 20
Mas, ao anotar o seu “Um Discurso em Mangas de Camisa”, em 11 de fevereiro de
1879, revela sua opção filosófica irrevogável: “não sou judeu para crer no Messias,
nem tenho a ingenuidade dos primitivos cristãos para acreditar na parousia; mas sou
filósofo em confiar nas leis da história, que regulam os destinos dos povos, e essas
hão de também cumprir-se entre nós”.
Tobias e o Direito
21
O Meu Próprio Romance, por Graça Aranha, 1931. Também em Obras Completas, INL, Rio de Janeiro,
1969.
22
Discurso proferido na cerimônia de colação de grau de doutor em direito. 10p., Recife, 1883. Incluído,
sob o título de Idéia do Direito, no volume Estudos de Direito - 1, das Obras Completas – Edição
Comemorativa. O termo Monismo, explicitado por Tobias no discurso, não foi convenientemente
compreendido. Mais do que a sua força – como sinônimo de materialismo científico, que importa sublinhar
para realçar a posição progressista de Tobias Barreto e dos integrantes da Escola do Recife que
adotaram o Monismo, – discutiu-se as diversas correntes monistas, e seus líderes, como principalmente
Ernest Hacckel e Ludwig Noiré, sublimando a essência doutrinária do conteúdo do termo. O Monismo não
era um eufemismo vazio, mas uma afirmação categórica dos que escapando das rédeas do controle
clerical abraçavam o materialismo científico, como o fez, com clareza, Tobias, seguido por Fausto
Cardoso. A concepção materialista explica, de algum modo, o fato de o fundador da Escola do Recife ter
passado ao largo das discussões sobre a Bíblia, de fundo protestante, e sobre a Questão Religiosa, de
fundo maçônico.
no Recife e são transcritas no Diário de Pernambuco, visam a atacar Tobias, ele
produz, mais e mais, artigos de interpretação da literatura, da Bíblia, sem esquecer de
fustigar aquele seu velho adversário, José Soriano de Souza, que parece estar
escondido, ao anonimato, na produção e na divulgação das críticas. Tobias Barreto
cresce na admiração e no respeito dos seus alunos, que incorporados assinam nota
de repúdio contra o médico Antônio de Siqueira Carneiro da Cunha, que usava o
pseudônimo de Hunger para atacar o autor do instigante discurso.
Em 1884, refeito da ruidosa polêmica e animado pela boa repercussão que obtivera o
seu livro Estudos Alemães, publica Menores e Loucos, onde revela a face, também
inovadora, do criminalista. E lá, com todas as letras, define-se: “Não faço mistério da
minha fé filosófica: eu sou um materialista, no bom sentido da palavra. Não me insurjo
nem mesmo contra a tentativa de fazer-se da chamada ciência da alma um
compartimento da meteorologia. ‘O homem é o que ele come’, disse o autor de Kraft
an Stoff, e não hesito em glosar: o homem é todo feito a imagem e semelhança, não
de Deus, porém da natureza, isto é, do céu que ele contempla, do ar que respira, da
terra em que pisa, do leito em que dorme, e até das flores que colhe, se não até dos
lábios que beija”.23
Doente, recolhido por longo período ao leito, com saídas esporádicas, e sofrendo as
mesquinhas perseguições do meio, Tobias Barreto produzia, mais e mais, com suas
leituras, uma vasta contribuição ao direito, à filosofia, aos estudos literários, à ciência
política, e ainda aceitava encomendas de trabalhos especiais, como a apresentação e
notas da Gramática de Castro Nunes,24 em 1883, saudada efusivamente pela crítica, e
a Gramática Latina do mesmo padre Félix, do Concurso de 1865, que fez prólogo e
notas, em 1889.25
Nos últimos meses de vida tentou uma viagem à Europa, ajudado por subscrições de
estudantes, alguns amigos da colônia alemã, algumas pessoas da Província de
Alagoas. Embarca com um dos seus filhos no paquete Alagoas, com destino inicial ao
Rio de Janeiro, no dia 18 de março de 1889. No dia seguinte, como piorara o seu
estado de saúde, desembarca em Maceió, permanecendo ali até o dia 26, quando
regressa ao Recife. Quando piorava, nem podia ler e nem escrever. Assim, alternando
ligeiras melhoras, com pioras cada vez mais irreversíveis, Tobias Barreto morreu na
noite de 26 de junho.
A sua morte comoveu o Recife e enlutou o Nordeste todo. Estava em silêncio aquele
que dera ao Brasil o direito de pensar por si, e de buscar construir um futuro para o
seu povo. A morte era o final triste de uma vida criadora. Sentida por muitos, mas
esperada e até mesmo antecipada, nos jornais, por outros, que não tendo como
refutar as idéias queriam a liquidação física do mestre. Esses mesmos, tomados de
estranha atitude, espalham pelas ruas e pelos jornais a reconciliação de Tobias, no
leito de morte, com a Igreja. Falam em confissão, e até mesmo um padre – João
Vaessen –, lazarista do Convento das Missões, em Fortaleza, Ceará, dissera anos
mais tarde que “confessou e ministrou a comunhão a Tobias Barreto”. Em junho de
1939, quando do Cinqüentenário da Morte de Tobias, seu filho João Barreto de
Menezes foi a Fortaleza e colheu do velho padre a informação de que houvera engano
de nomes no caso da confissão de Tobias Barreto, difundida pelos jornais brasileiros.
23
Menores e Loucos em Direito Criminal; estudo sobre o artigo 10 do Código Criminal Brasileiro. Rio de
Janeiro, Laermmert, 1884.
24
Compêndio Elementar de Gramática Nacional, por J. A. de Castro Nunes. Livraria Francesa, J. W.
Medeiros, Pernambuco, 1883. Nova edição reformada e muito melhorada pelo dr. Tobias Barreto de
Menezes.
25
Resumo de Gramática Latina ou arte explicatória das regras indispensáveis aos estudantes de latim,
pelo padre Félix Barreto de Vasconcelos obra póstuma, com um prólogo e notas do dr. Tobias Barreto de
Menezes, Livraria Francesa, Recife, 1889.
O padre esclareceu, em entrevista à Agência Meridional, que chegara ao Brasil,
procedente da Holanda, em 1897, oito anos após a morte de Tobias. É o próprio padre
quem diz: “faço questão de restabelecer a verdade. Em 1897, eu ainda era clérigo,
não podendo confessar”.
Dele fica, para a história, a coerência de uma vida de lutas, na síntese que o Diário de
Pernambuco, em 1939, traçou-lhe: “Entretanto, esse homem de poderosa
personalidade encheu uma época e quase foi todo o seu tempo. Na Faculdade de
Direito, pode-se dizer que o vulto enorme desse mestiço de talento tomava a casa
toda. Tobias era a academia. A sua ânsia de renovação e de reforma dos estudos de
Direito, a sua veia poética e o seu gênio oratório, tudo fazia dele um homem diferente
dos outros. No Recife, transcorreu a parte mais brilhante dessa existência romântica e
inquieta. Tobias foi um precursor e daqui fez jorrar pelo País inteiro um pensamento
novo. Esse é, aliás, o destino heróico do Recife: aqui brotou a primeira idéia da
República, aqui se venceu a batalha da Abolição, aqui se reformou a ciência do
Direito, aqui se deu ao Brasil o que ele nunca possuiu: a crítica filosófica. A glória de
Tobias é também a glória do Recife”.26
O Legado de Tobias
32
Tobias Barreto e seus Seguidores, Luiz Antonio Barreto, série de 9 artigos, publicados na Gazeta de
Sergipe, de 4 a 22 de março de 1989. Vide, também, Nova Missão Tobiática no Recife, por Luiz Antonio
Barreto, série de 13 artigos, Gazeta de Sergipe.
Notas Complementares às Polêmicas sobre Religião
A publicação deste ensaio no Liberal, a partir de 3 de julho de 1873, gerou uma ligeira
polêmica de Tobias com Franklin Távora, que, assinando Lessing, no Diário de
Pernambuco, investe contra o germanismo do sergipano, em artigo de 19 de julho,
recebendo resposta em 27 de julho, pelas paginas de O Liberal: Tobias ao dito Lessing
do Diário de 19 do corrente. Mais tarde, em 1879, o ensaio mereceu de Artur Leal, no
seu Impressões Acadêmicas – Ensaios Críticos (Tipografia do Correio da Noite,
Recife, 1879) o seguinte comentário, à pagina 20: “O distinto alemão Tobias Barreto,
envenenado pelo fel do seu pessimismo, qual D. Quixote de lança em riste, arremete
contra Portugal, apedreja sua literatura, corre os seus literatos, e por último põe fogo
no feudal castelo de um Alexandre Herculano”. É desta mesma época, da publicação
do ensaio, 1873, que datam os primeiros comentários críticos contra o germanismo de
Tobias. No Culto às Letras Albino Meira faz crítica, recebendo forte reprimenda de
Sílvio Romero, através de O Liberal, ainda quando assinava Sílvio da Silveira Ramos.
Sílvio, conterrâneo e discípulo, além de enaltecer Tobias aponta as ligações do
sergipano com os cultores do direito, da filosofia, da crítica religiosa, aí aparecendo o
autor da História do Povo de Israel.