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Fichamento: GAY, Peter. Freud para historiadores.

Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1985

Introdução:
Peter Gay iniciou seu caminho na psicanálise pela leitura de Erich
Fromm, psicanalista e sociólogo de origem alemã. Em 1976 ingressou no
Western New England Institute for Psychoanalysis como candidato à formação.

1. As necessidades secretas do coração


O historiador opera com teorias sobre a natureza humana e, nesse
sentido, Freud suscitou intrigas e críticas dos historiadores. A expressão
“necessidades secretas do coração” veio de Marc Bloch, que levava em
consideração o plano mental e psicológico de seus objetos de estudo.
Eric Carr, por sua vez descreve a relevância de Freud para os
historiadores em dois aspectos: os motivos pelos quais agem os homens não
são suficientes para explicar suas ações; e do mesmo modo, de onde vem
nossos preconceitos. Que para Gay é “uma aquisição negativa de alguma
importância” (p.27). Neste momento, década de 1980, os psicólogos se
afastavam de Freud.
Gay procurou utilizar-se da psicanálise como método para a pesquisa
histórica pela primeira vez ao analisar discursos da Revolução Francesa,
colocando a teoria freudiana como alvo de duras críticas.
Erik Erickson apresentou um estudo como “estudos em psicanálise e
história” e Christopher Lasch. Os conceito psicanalíticos tornaram-se um lugar
comum no discurso cotidiano, mas a precisão conceitual é a mais delicada das
consequências da ampla divulgação de seu pensamento.

2. Insultando Freud
Neste tópico Peter Gay cita alguns trabalhos de historiadores que variam
entre a recusa da teoria freudiana, a redução simplista ao senso comum, e a
distorção de seus conceitos. Movimento que leva a um julgamento valorativo
equivocado da psicanálise como ferramenta. Em especial cita um trabalho de
Lawrence Stone sobre análises familiares no século XVIII da Inglaterra, e cai
em alguns equívocos teóricos pelo mal uso da psicanálise.
Vemos que Gay insiste em analisar a relação dos historiadores com
Freud a partir de uma revisão dos porquês surgem tais críticas, e a resposta
que encontra é exatamente a recusa em se debruçar e conhecer a teoria
corretamente, reduzindo a percepção ao nível do senso comum, que tem
pouca relevância.

A psicanálise, nunca é demais enfatizar, não é um remédio milagroso ou


uma senha mágica, é um estilo instruído de pesquisa, que fornece
respostas que antes se pensava que não eram disponíveis ou – o que é
mais importante ainda – sugere questões, que ninguém havia pensado
em formular (p.43).

Quais são estas questões? E como formulá-las ou responde-las? Este é


nosso objetivo.

3. Uma arena para amadores


Poucos historiadores tem se ocupado com Freud. A tentativa que fazem
de lidar com questões psicológicas são muitas vezes desapontadoras segundo
Peter Gay.
Por exemplo, cita análises de Eugen Weber sobre a ordem social
francesa no século XIX, descrevendo o aumento da sensibilidade pública em
relação a ordem social. Gay rebate esta argumentação, não é de fato algo
simplista que possa ser reduzido a uma explicação tautológica sem levar em
consideração algumas transformações coletivas de ordem psicológica.
No século XIX houve um crescente aumento no exercício público dos
sentimentos de culpa, o que veio a ser conhecido como consciência social, “um
superego cultural traduzido em criticismo cultural, pesquisa sociológica e
legislação reformadora” (p.44). Uma mistura de responsabilidade recentemente
sentida e expectativas solidamente fundamentadas.
Os debates entre história e psicanálise muitas vezes estão mais
recheados de polêmica do que de análise crítica.
“Os psicanalistas chamam essa modificação tão drástica e conveniente
de “cisão” e a veem como um afastamento de modos mais adultos de se
perceber o mundo” (p.48). E adiante, sobre Lefebvre, “dá origem a
comportamentos que parecem inconscientes, mas que obedecem a sua lógica
interna, própria e rígida” (p.48). Cita no final, Os gregos e o irracional, de 1951
de E. R. Dodds, que se baseia em Freud, um bom exemplo de uso correto da
psicanálise: como a cultura grega se moveu da vergonha para a culpa.
E este processo não para por ai, em outros momentos a condução
psicológica da vida individual auxiliou e guiou outras formações coletivas, como
a sociedade burguesa no século XIX, por exemplo.

II. Alegações freudianas


1. Uma aparência de convencimento
Partindo do pressuposto de que se pode pensar em algum tipo de
relação entre história e psicologia, por que aceitar Freud como ferramenta?
Mesmo que a psicanálise tenha se desenvolvido e se enriquecido com novas
releituras, seus referenciais freudianos permanecem, regressão, recalque,
projeção, recusa, ambivalência e transferência, “e o resto do seu vocabulário
profissional, enquanto descrições precisas dos próprios atos mentais reais”
(p.52).
Por que Freud, mesmo com tantos outros referenciais? Esta questão
não é neutra nem inocente, todas as aproximações com outras ciências estão
permeadas de discussões e controvérsias, que resultam de escolhas e
exclusões. A psicanálise é relutante quando se vê diante de provas empíricas,
que por sua vez exigem comprovações públicas, e por este motivo não se
equiparam a muitas outras ferramentas de análise utilizada pela história, como
a antropologia e sociologia, por exemplo. Fica reduzida a material clínico que é
pouco compartilhado além dos muros criados pelos próprios psicanalíticos.
A palavra Traumdeutung se refere à interpretação dos sonhos. Este
tópico se resume a dedicar uma explanação de exemplos onde cientistas
buscaram comprovar empiricamente a psicanálise, e que muitas vezes
encontraram resultados satisfatórios.

2. Recordando o fundador
Freud afirmou: “ninguém tem o direito de se intrometer com a psicanálise
se não tiver passado por certas experiências” (p.58), se referindo à análise
pessoal. Freud, segundo a crítica que retoma Peter Gay, teria uma centralidade
excessiva na psicanálise, como se sua validade teórica dependesse de seu
consentimento pessoal, e de certa forma o historiador confirma em partes esta
afirmação (talvez desconsiderando outros desdobramentos da psicanálise).
O estilo de escrita de Freud remonta uma necessidade de colocar sua
própria vivência pessoal no texto, “não é por acaso que deu às suas
apresentações mais populares a forma de diálogo, Ele sabia melhor do que
qualquer um, pois havia experienciado todas essas dúvidas em si mesmo, o
que nas suas ideias era ofensivo, improvável, e mesmo inacreditável” (p.59).
Esforçou-se literariamente para criar textos polêmicos, mas que mantivessem
sua audiência.
As críticas dirigidas a psicanálise se concentram nos aspectos do
dogmatismo e da incoerência, “mas a primeira delas é injustas e a segunda
exagerada” (p.60).
Toda a amplitude da psicanálise permite algumas visualizações que são
difíceis de recusa, mesmo pelos mais céticos – desde que minimamente
instruídos. E mesmo que Freud tenha acompanhado muitos teóricos, filósofos,
poetas e psicólogos, a maior parte de sua teoria e de suas afirmações é de
origem pessoal.
É indiscutível a contribuição de Freud na ciência moderna, e ao contrário
de torna-lo um líder monolítico, é correto contextualiza-lo juntamente com sua
produção, sua fundamentação e sua argumentação são evidências de seu
modo de fazer pesquisa e fazer ciência.

3. Uma teoria controvertida


Por mais de 50 anos negou-se à psicanálise o estatuto de científica. A
crítica se recusa a validá-la, acusando de ser um artificio retórico
autorreferente.
Por exemplo, Karl Popper afirmou que o marxismo, a psicologia
individual e a psicanálise pareciam seres capazes de afirmar qualquer coisa,
“uma vez que alguém havia se convertido, via instâncias confirmadoras em
todos os lugares, o mundo estava cheio de comprovações da teoria” (p.65).
Esta irrefutabilidade é o que a deixava como condição pseudocientífica, pois o
fato de poder ser refutada – por algum princípio científico que seja – é pré-
requisito de uma teoria científica válida.
“O pacifista belicoso exibe, com a sua sinceridade, os traços de um
passado inicial muito similar. Tais estratagemas não são para Freud, objeto de
reprovação: sem eles, a limpeza ou a modéstia, dois hábitos culturais valiosos,
dificilmente poderiam surgir” (p.72).
As descobertas da psicanálise falam diretamente à paixão do historiador
por complexidade, ou seja, como as pessoas são sacudidas por paixões
ambivalentes, procurando reduzir tensões através de estratagemas defensivos,
e na maior parte vagamente, ou nada, conscientes do que sentem e de que
agem e como fazem – por que sabotam sua carreira, repetem desastrosos,
amam e odeiam com uma paixão que nos momentos de sobriedade
simplesmente não compreendem (p.73).
O que está em questão é a visão psicanalítica da experiência humana e,
com ela, a sua relevância para o trabalho do historiador:
O que a psicanálise pode trazer para a determinação do passado é um
conjunto de descobertas e um método – falível, testado de forma
incompleta, ainda difícil de ser aplicado e ainda assim, estou convencido,
o melhor que temos no presente – para registrar as superfícies
fragmentadas e o som das profundezas inexploradas da natureza
humana (p.74).

III. Natureza humana na história


1. Contra os historicistas
Críticas à psicanálise e a Freud: é estritamente dependente da cultura, e
adiante, as experiências vienenses do final do século XIX não podem servir de
modelo para toda a sociedade humana. Afirmações que não levam em
consideração a quantidade de pacientes não-vienenses, não-judeus, que
vinham ser analisados por Freud durante os anos que praticou a psicanálise.
Freud acreditava poder fazer inferências sobre indivíduos normais por
duas razões: os neuróticos são pessoas normais e, em segundo lugar, que
estes casos refletem aspectos da chamada natureza humana. Ideia que não é
satisfatória.
Colocada em questão pela escola historicista de Von Ranke, no século
XX repensam, e afirma-se que “o homem não tem natureza, o que ele tem é
história” (p.78),

2. As pulsões e suas vicissitudes


O homem entra na vida como o mais incompleto dos animais,
necessitando pateticamente de alimentação e proteção por parte dos outros,
nasce com poucas pulsões instintuais cuja plasticidade, com toda sua
tenacidade, é educável para o bem ou para o mal (p.82). O homem é
preponderantemente cultural, e os modos de treinamento e alimentar varia
conforme a cultura, classe, região e família. O que não muda é a necessidade
de tutela a todos os homens.
Uma realidade biológica inescapável com consequências psicológicas
variadas, mas previsíveis (p.82). E vem carregado com suas pulsões, dentre as
quais se destacam a sexualidade e a agressão, que são foco para o
psicanalista. Estas pulsões amadurecidas, combinadas, disfarçadas, servem
como combustível para a ação humana. São elas que fazem a história (p.83).
Freud elenca críticas a própria teoria das pulsões, nunca se satisfez com
ela, chamando-a de “nossa mitologia” (1932).
Inicialmente Freud postulou dois conjuntos de pulsões – sexuais e
egóicos – um a serviço da continuidade da espécie, o outro, do indivíduo. Em
seguida, identificou energias de destruição, da pulsão de morte. Cada uma
delas possui intensidades e tendências distintas que mudam de indivíduo para
indivíduo.
Pulsões são conglomerados feitos a partir de desejos frequentemente
discordantes que lutam por satisfação, na linha limítrofe entre “o mental e o
somático” (p.84). Estas pulsões diferem de acordo com sua origem, pressão,
objetivo e acima de tudo, seus objetos (p.84), que são o que há de mais
variado nas pulsões.
O objeto não está ligado a pulsão em sua origem, mas liga-se a ela na
medida em que se mostra adequado para tornar possível sua satisfação. E no
curso de sua história individual, pode ser alterado à vontade. O amor por
objetos eróticos e seus obstáculos (amor por si mesmo, por outro ser humano
entre outros), é em larga medida o trabalho da cultura traduzido em
representações mentais no indivíduo, a “natureza humana” aplica-se às
pulsões, e por este motivo, elas tem sua história.
Ponto em que a história e a psicanálise podem convergir. “A proposição
de que as pulsões formam um conglomerado unido em uma família de
impulsos que busca satisfação oferece boas razões para que o historiador
reconheça e analise motivos humanos de indivíduos e sociedades longínquas
sem os reduzir a cópias pálidas de seus próprios traços culturais (p.84)”.
A pulsão de morte oferece um repertório ainda mais amplo do que a
sexualidade, sem ocultar sua origem comum.
O mesmo ocorre com os mecanismos de defesa, é uma constante da
vida humana, alguns desejos são vistos como ameaças à boa opinião que ela
tem de si mesma, às suas necessidades de aprovação pelos outros, e mesmo
ameaças a sua sobrevivência.
Do ponto de vista do psicanalista, estes desejos nunca são
completamente dominados, e inclina-se a tratar a vida como uma tragicomédia
de desejos insatisfeitos e realizações arriscadas, de advertências ansiosas e
restrições defensivas problemáticas (p.84-5).
Esta natureza humana a qual fala Gay, se refere ao resultado de
processos históricos, cuja variedade de formas se esconde atrás de aparentes
uniformidades, que é analogicamente o foco de um psicanalista.
O exemplo de seu funcionamento, pela ótica da psicanálise está no
Complexo de Édipo, que exibe com força excepcional as vicissitudes das
pulsões, a atividade propositada das defesas e o drama do desenvolvimento. É
a experiência crítica do desenvolvimento, que torna o homem humano.
A forma como o complexo se resolve ou é recalcado depende muito
fortemente da influência da autoridade, do ensinamento religioso, da educação,
das leituras feitas (p.85).
A versão usual do complexo de Édipo, no qual o menino descobre o
sentimento de amor pela mãe, e a rivalidade pelo pai, é superada na formação
de um sentimento de culpa e consciência, aprisionando seu ódio e deslocando
o amor à mãe para objetos aceitáveis e não incestuosos, a fim de satisfazer
suas necessidades incestuosas. Este é, no entanto, apenas o começo.
Freud expandiu as possibilidades em todas as direções, incluiu também
as meninas, diferentes classes e culturas agem de modo diferente a ele, e este
modelo descrito não é o mais frequente. Uma ambivalência fundamental e
inerradicável do homem, a coexistência entre amor e ódio, e neste ponto reside
a dificuldade em superar o complexo.
Não serve apenas para criar neuroses, mas também para ensinar as
crianças suas paixões e como lidar (ou não) com elas, “ramifica-se pela vida
mental desde anos da infância, ao deixar os meus traços de ambição e
resignação, até os tabus mais energicamente protegidos pela cultura” (p.87).
Um dos seus aspectos mais relevantes do complexo de Édipo e sua
interação com a cultura, como “o avanço secular do recalque na vida
emocional, e só sabemos da sua existência a partir de operações inibidas que
decorrem dela” (p.87.).
Freud nunca desprezou seu possível campo de expressão ou as suas
dimensões sociais, o que contraria o fato de que o complexo de Édipo fosse
rígido e imóvel, o que pode ocorrer de leituras enviesadas e inadequadas, e
mais ainda, que fosse somente uma leitura dirigida para Viena no final do
século XIX.
O Complexo de Édipo deixa marcas nos lugares mais inesperados: na
política e na religião, na educação e na literatura, mesmo no mercado, ou seja,
pistas para entender o funcionamento universal da natureza humana.

3. Anatomia do interesse privado


A razão da resistência para levar a psicanálise em consideração em
análises historiográficas é o fato de considera-la como uma ciência destinada a
observar interesses privados da vida humana (p.89). “Se para a psicanálise o
homem é um animal desejante, para o historiador, ele é um animal egoísta, os
dois não são idênticos, o primeiro luta para reduzir as suas tensões sob a
pressão do inconsciente, o segundo vive sob o controle do egotismo
consciente” (p.90).
Toda cultura tem suas formas de irracionalidade ou inconsistência
econômica e, portanto, a psicologia está implicitamente no meio de nossa
disciplina.
Medidas econômicas, por exemplo, escondem na descrição de suas
ferramentas, a ansiedade e a inseguranças pelas quais passaram seus
agentes, e as vezes, as percepções contam mais do que os fatos, embora os
fatos na maioria das vezes acabem impondo-se sobre as percepções.
Sentimentos morais ou patrióticos escondem o conteúdo latente, a
paixão por levar vantagem. Quanto mais altos os riscos e investimento menos
escondem os interesses pessoais, e por mais que os historiadores manifestem
fascínio pelo interesse privado, pouco se detiveram em seu estatuto
psicológico.
Em seus artigos metapsicológicos, Freud se refere ao interesse pessoal
pela energia da libido, ou investimento de energias mentais liga-se à libido,
mas sem dar muito andamento nesta sugestão fértil.
Altruísmo ou o masoquismo, embora pareçam contrariar o interesse
privado, são na verdade exemplos disfarçados dele, “o preconceituoso que
incita massacre contra judeus, o mercador que maximiza seus lucros, o santo
que procura martírio, todos estão perseguindo seu interesse privado” (p.95).
A conformidade pela qual, seres oprimidos defendem e sustentam sua
própria submissão é explorada pela indústria publicitária, “essencialmente
construída em torno da intensão de despertar, ou de construir, desejos que
finalmente serão integrados na estrutura social do coletivamente desejável”
(p.95).
O que os psicanalistas podem oferecer é explicar como os indivíduos ou
grupos internalizam esses logros e os tornam como sendo suas próprias ideias
(p.95). Pasme, a consciência falsa e a verdadeira são iguais, o que os homens
pensaram, como sabedoria ou tolice é um acontecimento histórico, e não há
como ignorar este fato. Ao rastrear esta percepção por meio de suas fontes o
historiador entra no campo de domínio do psicanalista.
Algumas podem ser:

Um derivado de fixações anais de retenção, um emblema de potência sexual,


um triunfo edipiano tardio. Pode manifestar-se indiretamente: a paixão pelo
poder pode ser um instrumento para aquisição de dinheiro que pode gratificar
uma variedade ampla de necessidades, como aliviar uma angústia, por
exemplo. (p.96)
O interesse pessoal torna-se complicado, pois o ego funciona como
adversário das pulsões, evitando exigências excessivas em uma descarga
imediata, mas também planeja assegurar sua satisfação, se possível num nível
mais elevado do que aquele disponível para o desejo primitivo não atenuado
(p.97).
O interesse privado é o produto do princípio de realidade a serviço do
princípio do prazer. Podem ser desejos defensivos ou instintuais decorrentes
de pulsões agressivas ou eróticas. O interesse privado aparece semelhante a
um sintoma neurótico, é uma forma de compromisso. O interesse deve
enfrentar três formações hostis, o mundo externo, o superego e o id, o que
torna a ideia de interesse privado como algo unicamente racional é uma
abstração.
A mudança de percepção do interesse é o que o psicanalista vê na
passagem do pensamento primário para o secundário. O que na superfície
pode parecer uma questão de valores morais, mas na verdade, está inscrita
numa batalha oculta entre desejos e inibições.

IV – Razão, realidade, psicanálise e o historiador


1. Dois mundos em tensão
Erroneamente o historiador acredita que seu objeto está separado
daquele do psicanalista. Realidade e fantasia se apresentam nesta etapa,
referindo-se à teoria da sedução de Freud, quando deixa de acreditar nas
histórias dos seus pacientes, dando-se conta de que muitas são histórias
inventadas (fantasiadas).
O paciente deve falar tudo o que vier a sua mente, o chamado princípio
fundamental da psicanálise. Em segundo lugar, a transferência, sentimentos de
amor e ódio pelo analista, “é como se a psicanálise devesse desfazer-se da
mais alta aquisição do ego: a capacidade para organizar e governar a massa
desregrada de impulsos e ideias que estão por baixo da superfície da
consciência humana” (p.102).
Os historiadores se detém em situações concretas, sem questionar as
emoções contraditórias não se sentem a vontade. Mesmo que tenham existido
investidas relevantes, como o trabalho de Lucien Febvre, que se debruça sobre
as mentalidades coletivas do passado, sem rastrear esses estados até suas
raízes na mente inconsciente (p.103).

2. A procura de representações
A realidade também afeta a mente, do mesmo modo que a mente
procura a realidade, a realidade invade a mente. A mente age como uma
ditadura militar moderna: “com frequência nem os censores, nem as patrulhas
tem a inteligência ou a agilidade para desempenhar adequadamente suas
tarefas, mensagens disfarçadas de sonhos, lapsos de fala ou sintomas
neuróticos escapam, e as percepções, disfarçadas em roupagens inocentes,
adentram” (p.105-6).
Muitas vezes estas mensagens são disfarçadas de modo a ficarem
irreconhecíveis, nada é o que parece ser. Este inconsciente guarda
sentimentos contraditórios, desejos reprimidos, auto reprovações. Em sua
maioria são resíduos infantis, e as neuroses adultas são retornos posteriores e
altamente distorcidos de questões emocionais não resolvidas, e os sonhos “são
produções cuja origem última pode ser rastreada até os desejos infantis”
(p.106).
A teoria dos sonhos de Freud é bastante conhecida, ela indica que os
sonhos são na realidade desejos distorcidos, e que se utiliza de materiais do
cotidiano recente, da vida diurna para elaborar estas mensagens. Mantendo-se
sempre no nível da realidade, não importa o quão distorcidos pareçam.
As pessoas tornam-se neuróticas, ou loucas, em uma situação
específica, tecem seus sintomas a partir de histórias ouvidas, incidentes vistos,
ansiedades sentidas, todas expressas através de um vocabulário pictórico e
verbal que partilham com seus contemporâneos mais afortunados (p.110).
O aparelho psíquico deve sair do estado infantil de autossuficiência
mental para, pouco a pouco – e com vários retrocessos – ver o mundo como
ele realmente é. Muitos adultos recorrem à auto ilusão, a humanidade suporta
apenas um pouco a realidade.

3. Uma escala de adequação


Coloca-se em dúvida como o arsenal de Freud pode ser utilizado pelos
historiadores. A psicanálise poderia esclarecer a região dominada pelos hábitos
sociais e culturais que chamamos de costume ou tradição, dividindo espaço
com a antropologia e a sociologia.
Os comportamentos normais, quaisquer sejam eles, são muito mais
parecidos com sonhos manifestos ou sintomas neuróticos: “formações de
compromisso compostas de desejos arcaicos e resíduos diurnos, gestos
impulsivos e estratagemas ponderados” (p.114).
O papel do historiador envolvido com a psicanálise se articula quando
entra no terreno da racionalidade com vistas a valores, pois os valores que as
intensões corporificam podem em si mesmos não ser totalmente racionais,
aliás, uma atitude exibida como racional pode ser profundamente irracional.
O id, ego e superego têm objetivos próprios e que entram em conflitos
uns com os outros, a história pessoal é a somatória destes conflitos. As
pulsões muitas vezes são conservadoras em sua essência, qualquer mudança
é vista com desconfiança, mesmo que para melhor, e causam ansiedade. “O
costume e a tradição, essas repetições organizadas, com a sua monotonia
tranquilizante, sua recusa axiomática em examinar suas origens e questionar
suas operações, amenizam e moderam as ansiedades” (p.116).
Estes hábitos institucionalizados em si mesmos já podem ser tomados
como materiais, o comportamento racional governado pelo costume pede para
ser julgado por meio de experiências concretas: “em tempos de insurreição, a
recusa em reformar estilos de pensamento e padrões de autoridade pode
favorecer o pânico ou a raiva, e pode gerar, mais do que controlar ou resolver
conflitos“ (p.117).

V – Do divã para a cultura


A psicanálise segundo Freud, estabelece conexões íntimas entre as
aquisições psicológicas de indivíduos e de coletividades ao postular a mesma
fonte dinâmica para ambas. Parte da ideia que a função do mecanismo mental
é aliviar tensões criadas pelas necessidades, que em partes pode,
primeiramente, ser aliviada pela obtenção de satisfação no mundo externo – e
para este propósito é necessário ter um domínio sobre o mundo real. Em
segundo lugar, deve encontrar um modo de liberar seus impulsos não
satisfeitos.
A história da cultura freudiana é uma descrição dos modos pelos quais
os seres humanos criaram para aliviar seus desejos insatisfeitos sob condições
mutáveis, ainda mais modificados pelo progresso tecnológico – desejos
admitidos ou frustrados pela realidade: “esta passagem é um programa
ambicioso para historiadores, um convite cujas implicações nem psicanalistas
nem historiadores começaram ainda a explorar” (p.121).
Freud desenvolveu a ideia de um superego cultural, em mal estar na
cultura, continua o caminho aberto em Totem e Tabu, argumentando que seus
temas eram psicológicos e históricos ao mesmo tempo. O outro é tomado como
um objeto, um modelo, um auxiliar, um adversário, o que torna sua psicologia
individual também psicologia social.
O capítulo visa explorar esta concepção, buscando analisar as
possibilidades de investimento da pesquisa histórica pelo viés psicanalítico. No
entanto, simplesmente utilizar seu vocabulário para descrever épocas e fatos
históricos não é o caminho defendido por Peter Gay, “essa assimilação
imaginativa de duas entidades muito diferentes pode levar a simplificações
excessivas e patéticas, suas posições (de Freud) relativas à cultura requerem
análises mais meticulosas, demonstrações mais sólidas” (p.123). Tema deste
capítulo.

1. Além da biografia
Inicia falando da psicologia de massas de Freud, o comportamento de
manada que indivíduos exercem quando estão submetidos a lideranças. Fato
observado não somente por Freud, mas por outros estudiosos e historiadores
que viam com intensa preocupação movimentos descontrolados como a
Revolução Francesa, por exemplo. Com a diferença que Freud acrescenta a
estes estudos alguns fatores mais, como a libido, por exemplo.
Com relação à biografia, Freud construiu um caminho que liga biografia
à história a partir de materiais mais fundamentais, o amor e o ódio (p.125). Que
são os elementos que permitem os indivíduos se submeterem a grupos como
membros submissos, ativos e intolerantes. Esse abandono das perspectivas e
controles adultos age como uma orgia luxuriante e regressiva, que mantem o
grupo coeso temporariamente, até enfraquecer-se ou desintegrar-se.
O que envolve a formação grupal são duas identificações inconscientes:
os membros do grupo identificam-se entre si, e coletivamente com o líder
(p.126). Este líder não precisa ser uma pessoa, pode ser uma ideia, além
disso, os grupos podem viver de acordo com padrões morais mais elevados do
que aqueles que atingiram individualmente (p.126). O que certamente leva
Freud a afirmar que qualquer resolução de um grande problema, ou
descobertas importantes, só são possíveis para o indivíduo que trabalha
solitariamente.
A partir do ego ideal – que mais tarde chamaria de superego – uma trilha
significativa leva à compreensão da psicologia da multidão (p.127): “toda
religião é uma religião de amor para aqueles que a adotam, e inclinada à
crueldade e à intolerância para aqueles que estão excluídos dela” (p.127).
Em paralelo também escreve assim Thomas Hobbes, que cria uma
teoria social pessimista, a civilização é uma multiplicidade de coisas, busca da
ciência, da realização de desejos, mas também é uma defesa coletiva contra o
incesto, assassinatos, “onde cada cultura realiza a sua forma própria de defesa
e adapta o seu estilo a condições mutáveis” (p.128).

2. A partilha social
A descoberta do fato de que as emoções privadas estão investidas na
vida pública é apenas uma das formas que as teorias freudianas podem ser
absorvidas pela história, para além da biografia (p.129).
As experiências humanas tendem a observar certos padrões temporais
de desenvolvimento que apresentam semelhanças marcantes em relação aos
outros (p.130).
Mesmo os grandes grupos humanos que se inscrevem historicamente
sob certas rubricas carecem de individualidade, como classe social, por
exemplo. Citando neste ponto Edward Thompson e a formação da classe
operária inglesa. Para Freud a experiência é governada pela passagem do
tempo, pelo estigma de classe e pelos acidentes dos eventos, que modelam os
ingredientes da natureza humana em configurações dramáticas, nunca
completamente repetidas (p.131).
A teoria psicanalítica reconhece firmemente que na construção da
história mental dos indivíduos, a experiência cultural deve reivindicar um lugar
importante. A cultura exerce um papel fundamental no processo de
desenvolvimento humano, cujo foco principal está na família, antes mesmo de
a criança frequentar a escola, estado e a religião. E a fase edípica representa
toda a experiência humana como a sua natureza essencialmente social. A
cultura não é uma roupagem superficial no homem, mas é parte integrante da
própria definição de sua humanidade (p.134).
As defesas são manobras psicológicas profundamente pessoais, que se
desenvolvem em resposta à realidades coletivas externas, e permanecem em
contato íntimo e contínuo com elas, ao mesmo tempo, tornam a civilização
suportável. No entanto, a maior parte dos sofrimentos mentais pode ser
atribuído às defesas que se tornaram selvagens, podem erigir muralhas
protetoras que se tornam prisões que confinam fobias, gestos obsessivos ou
inibições paralisantes (p.135).
Do mesmo modo, as defesas problemáticas se desenvolvem na cultura,
que busca sempre desenvolver compromissos sustentáveis, tréguas
temporárias, mas renováveis, entre desejos ininterruptos e os temores gerados
por esses desejos, em si mesmo e nos outros. Estas defesas constroem
códigos legais, injunções morais, ritos religiosos, costumes matrimoniais e
forças policiais.
Poderia ser uma possibilidade escrever a história das defesas, suas
origens e transformações pessoais e sociais. Como por exemplo, a obra de
Keith Thomas, man and the natural world sobre as mudanças de atitudes
inglesas em relação aos animais, aos seres humanos, às árvores e à grama
(p.137). Estudo que Peter Gay afirma estar muito próximo de Freud.

3. O self obstinado
Embora os estudos sobre a cultura estejam presentes, a psicanálise não
se desviou de sua preocupação sobre o indivíduo. Uma abordagem
provocativa, e utilizável para os historiadores, vem de um artigo do sociólogo
Dennis Wrong sobre a concepção hipersocializada do homem: a sociologia
procurou compreender como o homem internaliza as normas de sua cultura,
tornando-se modelado pelas instituições que o cercam e o oprimem. Responde
naturalmente às forças externas, à política de poder das autoridades que lhe
inspiram medo e o compelem para a submissão. Internaliza as regras sociais e
sente-se culpado ao desobedece-las (p.140).
Wrong nota, no entanto, que este modelo da sociologia não leva em
consideração os conflitos internos entre diferentes pulsões e os controles
repressivos do superego. O conflito é de extrema importância, os indivíduos,
mesmo os que estão – e querem se submeter – sofrem muito mais fortemente
do que os contestadores, pois seu superego é mais severo. Ele é o mais
torturado pela culpa e pela ansiedade.
O conflito é a norma, e não a anomalia (p.141). O desejo, a emoção e a
fantasia são tão importantes quanto os atos na experiência dos homens. O self
obstinado luta pela constante aprovação dos outros. Freud definiu a psicanálise
como o estudo dos destinos/barreiras das pulsões confirmando a maleabilidade
da natureza humana. “as pulsões não são disposições fixas para comportarem-
se de uma forma particular, estão sujeitas a serem canalizadas e
transformadas socialmente, e não se revelariam no comportamento sem a
moldura social” (p.141).
Para Freud o homem é um animal inteiramente socializado, que é em si
mesma a fonte de conflitos e antagonismos que criam resistências à
socialização através das normas de qualquer sociedade que possa ter existido.
A cultura é indispensável e sufocante ao mesmo tempo. O que sugere que há
também nesta relação conflituosa possibilidades de fuga para além do controle
social.
Há no fundo do sujeito um núcleo irredutível que a cultura não pode
alcançar e que se reserva o direito, e o exercerá mais cedo ou mais tarde de
resistir e revisá-la.
O individualismo humano se confronta com sua necessidade de
generalizar, clãs, profissões, classes, que pesam continuamente sobre o
indivíduo. A mentalidade (francesa) é apenas o termo atualizado do zeitgeist
alemão. E nesse sentido, a psicanálise pode contribuir adicionando a existência
destes conflitos ocultos e de pressões invisíveis na construção das mentes
humanas. Crenças compartilhadas são no mínimo fantasias compartilhadas
(p.143).
O mesmo ocorre ao tematizar o futuro de uma ilusão, e o mal estar na
cultura, que identifica os conflitos individuais numa escala maior, coletiva e
social.

VI – O programa em prática
1. Pensamentos acerca dos registros
Não se pode psicanalisar os mortos (p.147), o passado, coletivo ou
individual, não é um paciente. Comenta os artigos psico históricos de Freud,
como no caso de sua análise sobre Leonardo Da Vinci, que narrou em certas
passagens memórias de sua infância, levou Freud a especulações excessivas.
As críticas ao uso da psicanálise na história se resumem a falta de
profundidade de conhecimento daqueles que tecem as principais críticas, e
julgam o pensamento freudiano como um reducionismo à sexualidade e causas
menores.

2. Modos e meios
Fala diretamente sobre o trabalho interpretativo da história a partir de
referenciais psicanalíticos: “os programas escondidos que quase
imperceptivelmente dominam a infância, a família, e a cultura como um todo, e
os fluxos libidinosos e agressivos que em segredo, mas irresistivelmente
invadem a vida social e política” (p.151), e segue adiante “pode observar os
ódios apaixonados, seguidamente escondidos, que deixam seus traços nos
jogos e nos festivais e que vão desde a hostilidade grosseira dos charivaris até
as mensagens oblíquas dos ritos de iniciação” (p.151).
Formas não racionais que os indivíduos utilizam de forma involuntária
em diferentes ocasiões.
No caso do estudo sobre a proibição da prostituição, o desejo difundido
de salvar mulheres decaídas, logrando assim uma vida respeitável, tendo em
vista fantasias inconsciente que seus autores tinham em relação a salvar suas
mães, que eram submetidas à arbitrariedade dos pais no quarto. Numa
sociedade pronta para ter compaixão.
Os diários, comuns e apreciados no século XIX, são fontes de
experiências pessoais, revelam confissões inconscientes que o escritor não
tinha intensão de revelar. Além do grande repertório de sonhos que
memorialistas guardaram e que deixaram traços de conteúdos agressivos,
“conglomerados de símbolos no sonho manifesto ou de outros detalhes que
parecem ocorrer com maior frequência em certas culturas em dados
momentos, dando pistas valiosas, em alguns casos irreplicáveis, para conflitos
gerais, mas pouco percebidos” (p.153).
Examina, por sua vez, Os gregos e o irracional, de E.R. Dodds, que se
pergunta: “seriam os gregos assim tão cegos para a importância dos fatores
irracionais sobre a experiência e o comportamento humanos como supuseram
seus apologistas como seus críticos?” (p.154). O livro de Dodds foi uma
resposta que ele deu a esta pergunta.
Debruça-se sobre as crenças, sobre as práticas e modos de vida dos
gregos, tratando-os como sintomas, ou jogos imaginativos que escondem por
baixo o pensamento racional. Considerou os sonhos, a loucura e o transe,
reconhecendo o hábito de atribuir tais casos à entidades divinas, estes
sentimentos internos que eram exteriorizados deram origem aos deuses
gregos. O irracional era assim excluído do sujeito, sendo atribuída a uma
origem alheia.
Esta postura coloca o autor acima de uma visão moralista, “uma cultura
da vergonha”, como chamou (antes da cultura da culpa, cristã). Freud “nos
ensinou o quão potente é a pressão de desejos desconhecidos, enquanto fonte
de sentimentos de culpa, desejos excluídos da consciência exceto nos sonhos
e nos devaneios, e ainda assim capazes de produzir no sujeito um profundo
desconforto moral” (p.156).
Outro trabalho citado é a biografia de Ludwig Beethoven de Maynard
Solomon. Beethoven passou a vida tentando provar que não havia nascido em
1770, mas em 1772. Percebe que esta obsessão do compositor deriva de um
drama familiar, na qual ficcionaliza questões delicadas que tinha com seu pai.

3. A história total
O modo pelo qual o autor concebe sua interpretação do passado vai
determinar se sua história global é dirigida pela mão da providência, pela força
da inovação tecnológica, pressões do inconsciente. “A procura por uma história
total prossegue, e nela a história psicanalítica tem muito a realizar” (p.164).
Cita o trabalho de Emmanuel Le Roy Ladurie sobre o Languedoc
francês, como um trabalho de história total que visa aproximar a questão das
mentalidades. Toca levemente questões de “psicanálise histórica”, ao aludir
fontes inconscientes da selvageria que às vezes irrompe os camponeses do
Languedoc após uma provocação prolongada (p.164).
Marc Bloch pediu ao historiador que explore as necessidades secretas
do coração, necessidades alojadas na consciência humana (p.165) (GAY apud
BLOCH nota p.192 n°33 e 34). A história psicanalítica pode entrar ai, incluindo
o inconsciente e o incessante tráfico entre a mente e o mundo, na pesquisa
histórica (p.165).
A psicanálise oferece um estilo de ver o passado, compatível com todos
os gêneros de história. Peter Gay finaliza enfatizando que a psicanálise
auxiliará os historiadores a ter uma visão mais sólida da experiência humana.

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