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Introdução:
Peter Gay iniciou seu caminho na psicanálise pela leitura de Erich
Fromm, psicanalista e sociólogo de origem alemã. Em 1976 ingressou no
Western New England Institute for Psychoanalysis como candidato à formação.
2. Insultando Freud
Neste tópico Peter Gay cita alguns trabalhos de historiadores que variam
entre a recusa da teoria freudiana, a redução simplista ao senso comum, e a
distorção de seus conceitos. Movimento que leva a um julgamento valorativo
equivocado da psicanálise como ferramenta. Em especial cita um trabalho de
Lawrence Stone sobre análises familiares no século XVIII da Inglaterra, e cai
em alguns equívocos teóricos pelo mal uso da psicanálise.
Vemos que Gay insiste em analisar a relação dos historiadores com
Freud a partir de uma revisão dos porquês surgem tais críticas, e a resposta
que encontra é exatamente a recusa em se debruçar e conhecer a teoria
corretamente, reduzindo a percepção ao nível do senso comum, que tem
pouca relevância.
2. Recordando o fundador
Freud afirmou: “ninguém tem o direito de se intrometer com a psicanálise
se não tiver passado por certas experiências” (p.58), se referindo à análise
pessoal. Freud, segundo a crítica que retoma Peter Gay, teria uma centralidade
excessiva na psicanálise, como se sua validade teórica dependesse de seu
consentimento pessoal, e de certa forma o historiador confirma em partes esta
afirmação (talvez desconsiderando outros desdobramentos da psicanálise).
O estilo de escrita de Freud remonta uma necessidade de colocar sua
própria vivência pessoal no texto, “não é por acaso que deu às suas
apresentações mais populares a forma de diálogo, Ele sabia melhor do que
qualquer um, pois havia experienciado todas essas dúvidas em si mesmo, o
que nas suas ideias era ofensivo, improvável, e mesmo inacreditável” (p.59).
Esforçou-se literariamente para criar textos polêmicos, mas que mantivessem
sua audiência.
As críticas dirigidas a psicanálise se concentram nos aspectos do
dogmatismo e da incoerência, “mas a primeira delas é injustas e a segunda
exagerada” (p.60).
Toda a amplitude da psicanálise permite algumas visualizações que são
difíceis de recusa, mesmo pelos mais céticos – desde que minimamente
instruídos. E mesmo que Freud tenha acompanhado muitos teóricos, filósofos,
poetas e psicólogos, a maior parte de sua teoria e de suas afirmações é de
origem pessoal.
É indiscutível a contribuição de Freud na ciência moderna, e ao contrário
de torna-lo um líder monolítico, é correto contextualiza-lo juntamente com sua
produção, sua fundamentação e sua argumentação são evidências de seu
modo de fazer pesquisa e fazer ciência.
2. A procura de representações
A realidade também afeta a mente, do mesmo modo que a mente
procura a realidade, a realidade invade a mente. A mente age como uma
ditadura militar moderna: “com frequência nem os censores, nem as patrulhas
tem a inteligência ou a agilidade para desempenhar adequadamente suas
tarefas, mensagens disfarçadas de sonhos, lapsos de fala ou sintomas
neuróticos escapam, e as percepções, disfarçadas em roupagens inocentes,
adentram” (p.105-6).
Muitas vezes estas mensagens são disfarçadas de modo a ficarem
irreconhecíveis, nada é o que parece ser. Este inconsciente guarda
sentimentos contraditórios, desejos reprimidos, auto reprovações. Em sua
maioria são resíduos infantis, e as neuroses adultas são retornos posteriores e
altamente distorcidos de questões emocionais não resolvidas, e os sonhos “são
produções cuja origem última pode ser rastreada até os desejos infantis”
(p.106).
A teoria dos sonhos de Freud é bastante conhecida, ela indica que os
sonhos são na realidade desejos distorcidos, e que se utiliza de materiais do
cotidiano recente, da vida diurna para elaborar estas mensagens. Mantendo-se
sempre no nível da realidade, não importa o quão distorcidos pareçam.
As pessoas tornam-se neuróticas, ou loucas, em uma situação
específica, tecem seus sintomas a partir de histórias ouvidas, incidentes vistos,
ansiedades sentidas, todas expressas através de um vocabulário pictórico e
verbal que partilham com seus contemporâneos mais afortunados (p.110).
O aparelho psíquico deve sair do estado infantil de autossuficiência
mental para, pouco a pouco – e com vários retrocessos – ver o mundo como
ele realmente é. Muitos adultos recorrem à auto ilusão, a humanidade suporta
apenas um pouco a realidade.
1. Além da biografia
Inicia falando da psicologia de massas de Freud, o comportamento de
manada que indivíduos exercem quando estão submetidos a lideranças. Fato
observado não somente por Freud, mas por outros estudiosos e historiadores
que viam com intensa preocupação movimentos descontrolados como a
Revolução Francesa, por exemplo. Com a diferença que Freud acrescenta a
estes estudos alguns fatores mais, como a libido, por exemplo.
Com relação à biografia, Freud construiu um caminho que liga biografia
à história a partir de materiais mais fundamentais, o amor e o ódio (p.125). Que
são os elementos que permitem os indivíduos se submeterem a grupos como
membros submissos, ativos e intolerantes. Esse abandono das perspectivas e
controles adultos age como uma orgia luxuriante e regressiva, que mantem o
grupo coeso temporariamente, até enfraquecer-se ou desintegrar-se.
O que envolve a formação grupal são duas identificações inconscientes:
os membros do grupo identificam-se entre si, e coletivamente com o líder
(p.126). Este líder não precisa ser uma pessoa, pode ser uma ideia, além
disso, os grupos podem viver de acordo com padrões morais mais elevados do
que aqueles que atingiram individualmente (p.126). O que certamente leva
Freud a afirmar que qualquer resolução de um grande problema, ou
descobertas importantes, só são possíveis para o indivíduo que trabalha
solitariamente.
A partir do ego ideal – que mais tarde chamaria de superego – uma trilha
significativa leva à compreensão da psicologia da multidão (p.127): “toda
religião é uma religião de amor para aqueles que a adotam, e inclinada à
crueldade e à intolerância para aqueles que estão excluídos dela” (p.127).
Em paralelo também escreve assim Thomas Hobbes, que cria uma
teoria social pessimista, a civilização é uma multiplicidade de coisas, busca da
ciência, da realização de desejos, mas também é uma defesa coletiva contra o
incesto, assassinatos, “onde cada cultura realiza a sua forma própria de defesa
e adapta o seu estilo a condições mutáveis” (p.128).
2. A partilha social
A descoberta do fato de que as emoções privadas estão investidas na
vida pública é apenas uma das formas que as teorias freudianas podem ser
absorvidas pela história, para além da biografia (p.129).
As experiências humanas tendem a observar certos padrões temporais
de desenvolvimento que apresentam semelhanças marcantes em relação aos
outros (p.130).
Mesmo os grandes grupos humanos que se inscrevem historicamente
sob certas rubricas carecem de individualidade, como classe social, por
exemplo. Citando neste ponto Edward Thompson e a formação da classe
operária inglesa. Para Freud a experiência é governada pela passagem do
tempo, pelo estigma de classe e pelos acidentes dos eventos, que modelam os
ingredientes da natureza humana em configurações dramáticas, nunca
completamente repetidas (p.131).
A teoria psicanalítica reconhece firmemente que na construção da
história mental dos indivíduos, a experiência cultural deve reivindicar um lugar
importante. A cultura exerce um papel fundamental no processo de
desenvolvimento humano, cujo foco principal está na família, antes mesmo de
a criança frequentar a escola, estado e a religião. E a fase edípica representa
toda a experiência humana como a sua natureza essencialmente social. A
cultura não é uma roupagem superficial no homem, mas é parte integrante da
própria definição de sua humanidade (p.134).
As defesas são manobras psicológicas profundamente pessoais, que se
desenvolvem em resposta à realidades coletivas externas, e permanecem em
contato íntimo e contínuo com elas, ao mesmo tempo, tornam a civilização
suportável. No entanto, a maior parte dos sofrimentos mentais pode ser
atribuído às defesas que se tornaram selvagens, podem erigir muralhas
protetoras que se tornam prisões que confinam fobias, gestos obsessivos ou
inibições paralisantes (p.135).
Do mesmo modo, as defesas problemáticas se desenvolvem na cultura,
que busca sempre desenvolver compromissos sustentáveis, tréguas
temporárias, mas renováveis, entre desejos ininterruptos e os temores gerados
por esses desejos, em si mesmo e nos outros. Estas defesas constroem
códigos legais, injunções morais, ritos religiosos, costumes matrimoniais e
forças policiais.
Poderia ser uma possibilidade escrever a história das defesas, suas
origens e transformações pessoais e sociais. Como por exemplo, a obra de
Keith Thomas, man and the natural world sobre as mudanças de atitudes
inglesas em relação aos animais, aos seres humanos, às árvores e à grama
(p.137). Estudo que Peter Gay afirma estar muito próximo de Freud.
3. O self obstinado
Embora os estudos sobre a cultura estejam presentes, a psicanálise não
se desviou de sua preocupação sobre o indivíduo. Uma abordagem
provocativa, e utilizável para os historiadores, vem de um artigo do sociólogo
Dennis Wrong sobre a concepção hipersocializada do homem: a sociologia
procurou compreender como o homem internaliza as normas de sua cultura,
tornando-se modelado pelas instituições que o cercam e o oprimem. Responde
naturalmente às forças externas, à política de poder das autoridades que lhe
inspiram medo e o compelem para a submissão. Internaliza as regras sociais e
sente-se culpado ao desobedece-las (p.140).
Wrong nota, no entanto, que este modelo da sociologia não leva em
consideração os conflitos internos entre diferentes pulsões e os controles
repressivos do superego. O conflito é de extrema importância, os indivíduos,
mesmo os que estão – e querem se submeter – sofrem muito mais fortemente
do que os contestadores, pois seu superego é mais severo. Ele é o mais
torturado pela culpa e pela ansiedade.
O conflito é a norma, e não a anomalia (p.141). O desejo, a emoção e a
fantasia são tão importantes quanto os atos na experiência dos homens. O self
obstinado luta pela constante aprovação dos outros. Freud definiu a psicanálise
como o estudo dos destinos/barreiras das pulsões confirmando a maleabilidade
da natureza humana. “as pulsões não são disposições fixas para comportarem-
se de uma forma particular, estão sujeitas a serem canalizadas e
transformadas socialmente, e não se revelariam no comportamento sem a
moldura social” (p.141).
Para Freud o homem é um animal inteiramente socializado, que é em si
mesma a fonte de conflitos e antagonismos que criam resistências à
socialização através das normas de qualquer sociedade que possa ter existido.
A cultura é indispensável e sufocante ao mesmo tempo. O que sugere que há
também nesta relação conflituosa possibilidades de fuga para além do controle
social.
Há no fundo do sujeito um núcleo irredutível que a cultura não pode
alcançar e que se reserva o direito, e o exercerá mais cedo ou mais tarde de
resistir e revisá-la.
O individualismo humano se confronta com sua necessidade de
generalizar, clãs, profissões, classes, que pesam continuamente sobre o
indivíduo. A mentalidade (francesa) é apenas o termo atualizado do zeitgeist
alemão. E nesse sentido, a psicanálise pode contribuir adicionando a existência
destes conflitos ocultos e de pressões invisíveis na construção das mentes
humanas. Crenças compartilhadas são no mínimo fantasias compartilhadas
(p.143).
O mesmo ocorre ao tematizar o futuro de uma ilusão, e o mal estar na
cultura, que identifica os conflitos individuais numa escala maior, coletiva e
social.
VI – O programa em prática
1. Pensamentos acerca dos registros
Não se pode psicanalisar os mortos (p.147), o passado, coletivo ou
individual, não é um paciente. Comenta os artigos psico históricos de Freud,
como no caso de sua análise sobre Leonardo Da Vinci, que narrou em certas
passagens memórias de sua infância, levou Freud a especulações excessivas.
As críticas ao uso da psicanálise na história se resumem a falta de
profundidade de conhecimento daqueles que tecem as principais críticas, e
julgam o pensamento freudiano como um reducionismo à sexualidade e causas
menores.
2. Modos e meios
Fala diretamente sobre o trabalho interpretativo da história a partir de
referenciais psicanalíticos: “os programas escondidos que quase
imperceptivelmente dominam a infância, a família, e a cultura como um todo, e
os fluxos libidinosos e agressivos que em segredo, mas irresistivelmente
invadem a vida social e política” (p.151), e segue adiante “pode observar os
ódios apaixonados, seguidamente escondidos, que deixam seus traços nos
jogos e nos festivais e que vão desde a hostilidade grosseira dos charivaris até
as mensagens oblíquas dos ritos de iniciação” (p.151).
Formas não racionais que os indivíduos utilizam de forma involuntária
em diferentes ocasiões.
No caso do estudo sobre a proibição da prostituição, o desejo difundido
de salvar mulheres decaídas, logrando assim uma vida respeitável, tendo em
vista fantasias inconsciente que seus autores tinham em relação a salvar suas
mães, que eram submetidas à arbitrariedade dos pais no quarto. Numa
sociedade pronta para ter compaixão.
Os diários, comuns e apreciados no século XIX, são fontes de
experiências pessoais, revelam confissões inconscientes que o escritor não
tinha intensão de revelar. Além do grande repertório de sonhos que
memorialistas guardaram e que deixaram traços de conteúdos agressivos,
“conglomerados de símbolos no sonho manifesto ou de outros detalhes que
parecem ocorrer com maior frequência em certas culturas em dados
momentos, dando pistas valiosas, em alguns casos irreplicáveis, para conflitos
gerais, mas pouco percebidos” (p.153).
Examina, por sua vez, Os gregos e o irracional, de E.R. Dodds, que se
pergunta: “seriam os gregos assim tão cegos para a importância dos fatores
irracionais sobre a experiência e o comportamento humanos como supuseram
seus apologistas como seus críticos?” (p.154). O livro de Dodds foi uma
resposta que ele deu a esta pergunta.
Debruça-se sobre as crenças, sobre as práticas e modos de vida dos
gregos, tratando-os como sintomas, ou jogos imaginativos que escondem por
baixo o pensamento racional. Considerou os sonhos, a loucura e o transe,
reconhecendo o hábito de atribuir tais casos à entidades divinas, estes
sentimentos internos que eram exteriorizados deram origem aos deuses
gregos. O irracional era assim excluído do sujeito, sendo atribuída a uma
origem alheia.
Esta postura coloca o autor acima de uma visão moralista, “uma cultura
da vergonha”, como chamou (antes da cultura da culpa, cristã). Freud “nos
ensinou o quão potente é a pressão de desejos desconhecidos, enquanto fonte
de sentimentos de culpa, desejos excluídos da consciência exceto nos sonhos
e nos devaneios, e ainda assim capazes de produzir no sujeito um profundo
desconforto moral” (p.156).
Outro trabalho citado é a biografia de Ludwig Beethoven de Maynard
Solomon. Beethoven passou a vida tentando provar que não havia nascido em
1770, mas em 1772. Percebe que esta obsessão do compositor deriva de um
drama familiar, na qual ficcionaliza questões delicadas que tinha com seu pai.
3. A história total
O modo pelo qual o autor concebe sua interpretação do passado vai
determinar se sua história global é dirigida pela mão da providência, pela força
da inovação tecnológica, pressões do inconsciente. “A procura por uma história
total prossegue, e nela a história psicanalítica tem muito a realizar” (p.164).
Cita o trabalho de Emmanuel Le Roy Ladurie sobre o Languedoc
francês, como um trabalho de história total que visa aproximar a questão das
mentalidades. Toca levemente questões de “psicanálise histórica”, ao aludir
fontes inconscientes da selvageria que às vezes irrompe os camponeses do
Languedoc após uma provocação prolongada (p.164).
Marc Bloch pediu ao historiador que explore as necessidades secretas
do coração, necessidades alojadas na consciência humana (p.165) (GAY apud
BLOCH nota p.192 n°33 e 34). A história psicanalítica pode entrar ai, incluindo
o inconsciente e o incessante tráfico entre a mente e o mundo, na pesquisa
histórica (p.165).
A psicanálise oferece um estilo de ver o passado, compatível com todos
os gêneros de história. Peter Gay finaliza enfatizando que a psicanálise
auxiliará os historiadores a ter uma visão mais sólida da experiência humana.