Вы находитесь на странице: 1из 130

Lumen

Lumen Veritatis   –   Teologia Bíblica


Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011

Teologia Bíblica

Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011

Lumen Veritatis é uma Revista de publicação trimestral que pretende ser um


instrumento de divulgação do pensamento de São Tomás de Aquino e de incremen-
to da cultura cristã, promovendo um diálogo crítico entre o pensamento escolástico
Revista de Inspiração Tomista
e as demais correntes filosóficas.
Procura ela ser um veículo de divulgação aberto também aos pesquisadores gra-
duados, sem contudo abrir mão do rigor e da qualidade da produção acadêmica.

Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista – Instituto Teológico São Tomás de Aquino


Lumen
Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011

r eVista de iNsPiração tomista

Revista trimestral editada pelo

Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT)


e
Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA)
ISSN 1981-9390

LUMEN VERITATIS - REVISTA CIENTÍFICA

•  Fundadores:
Dom Benedito Beni dos Santos
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
•  Diretor Responsável:
Pe. Joshua Alexander Sequeira, EP (ITTA)
•  Conselho Editorial:
Dom Benedito Beni dos Santos (Bispo Diocesano de Lorena)
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP (ITTA)
Pe. Bruno Esposito, OP (Angelicum)
Prof. Carlos Alberto Serpa de Oliveira (Presidente da Academia Brasileira de Educação)
Côn. Carlos Antônio da Silva (PISDC-RJ)
Côn. José Adriano (ITTA)
Pe. José Francisco Hernández Medina, EP (Roma)
Pe. Caio Newton de Assis Fonseca, EP (ITTA)
Pe. Arnóbio José Glavam, EP (IFAT)
Pe. Pedro Rafael Morazzani Arráiz, EP (ITTA)
Pe. Carlos Arboleda Mora (UPB)
Dr. Gonzalo Soto Posada (UPB)
Ir. Anna Cristina Andrade de Moraes, EP (IFAT)
•  Publicada por:
Associação Colégio Arautos do Evangelho - CNPJ: 05.905.795/0001-09
•  Secretário de Publicações:
Diác. José Manuel Victorino de Andrade, EP (IFAT)
•  Correspondência e subscrições
REVISTA LUMEN VERITATIS
Caixa Postal 257
CEP 07600-000 - Mairiporã, SP
Fone/Fax: (11) 4419-2311
E-mail: lumenveritatis@arautos.com.br
Aceitamos permuta com revistas congêneres.
•  Montagem:
Equipe de artes gráficas dos Arautos do Evangelho
•  Preços:
Assinatura nacional: R$ 70 - Assinatura exterior: US$ 70 / € 48 (via aérea)
•  Tiragem deste número:
2.000 exemplares

2 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Editorial

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP


Desde toda a eternidade, ao conceber a obra da criação, teve Deus dese-
jo de comunicar-se ao homem. Ao acompanharmos o processo histórico da
humanidade desde seu início, admiramos a beleza da Sabedoria divina ao
fazer-se conhecer através de uma revelação paulatina de Si mesmo. Em nos-
sos dias, a sua Palavra não deixa de interpelar-nos, apesar de estarmos num
mundo que frequentemente “sente Deus como supérfluo ou alheio”, 1 e por
isso, o Papa Bento XVI destacou na Verbum Domini a prioridade de “reabrir
ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor
para que tenhamos vida em abundância” (cf. Jo 10, 10) (VD 2).
Se nos detivermos nas Sagradas Escrituras, veremos que nada há de supér-
fluo. De fato, “Deus dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e fos-
se transmitido a todas as gerações, tudo quanto tinha revelado para salvação
de todos os povos”. 2 Para tal, erigiu Deus o profetismo. Além do magistério
ordinário dos sacerdotes, suscitou profetas que transmitiam as novas revela-
ções e, ao mesmo tempo, conservavam e interpretavam as anteriores, consti-
tuindo assim instrumentos de Deus para educar o seu povo e prepará-lo para
o Evangelho (cf. VD 42; DV 7).
A linhagem dos profetas culminou com o aparecimento de João Batista, o
maior entre todos. A Sagrada Escritura canta as glórias desses varões, conse-
lheiros de grande prudência, que tudo conheciam por meio de visões proféti-
cas, como Elias, Isaías, Jeremias, Daniel, etc. O profeta, no Antigo Testamento,

era a ‘seta eleita de Deus’, aquela flecha que os reis guerreiros guardavam na
sua aljava para matar no combate o monarca inimigo. O programa de vida é
muito parecido em todos os profetas: ‘romper e destruir, edificar e plantar’;
como bons viticultores do monte Carmelo que podam e queimam as cepas
velhas para tornar possível o fruto do outono. A história dos profetas é a

1) BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal. Cidade do Vaticano: Libreria
Editrice Vaticana, 2010. p. 5. n. 2. (Doravante, VD).
2)  CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum: Constituição dogmática sobre a divina revelação, 18 out.
1965. n. 7. (Doravante, DV).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 3


Editorial

tragédia daqueles homens que ‘não podem deixar de falar porque a Palavra
de Javé os queima ‘por dentro’. 3

Eis a alta vocação dos profetas, tão elevada que a Sagrada Escritura os
menciona frequentemente em paralelo com a própria Lei: “A lei e os profe-
tas duraram até João” (Lc 16, 16); “Encorajou-os citando a lei e os profetas”
(2 Mac 15, 9). Eles, ademais, sempre foram os guias do povo de Deus, indi-
cando-lhe sem falha os caminhos do Senhor. Entretanto, o termo profeta não
se refere somente ao que se entende nas línguas modernas como aquele que
anuncia o futuro, mas remete-nos para as Escrituras. É o homem “inspirado
por Deus que comunica aos homens o pensamento e o querer divinos”. 4
São Tomás de Aquino explica-nos que, em diversas épocas da história da
Igreja, nunca faltaram pessoas dotadas de espírito profético, não para reve-
lar novas doutrinas, mas para guiar a conduta dos homens. 5 Também hoje,
os batizados, partícipes no ministério profético de Cristo, estão chamados ao
testemunho da Verdade pelas suas palavras e ações, de modo a, fortalecidos
pela oração, aderirem indefectivelmente a sua doutrina, nela se aprofundarem
e anunciarem o que viram e ouviram da parte do Senhor. 6 Os que assim pro-
cedem, conforme o Catecismo da Igreja Católica, são aqueles que têm a Elias
por pai (cf. CEC 2582), pois à sua semelhança, procuram o Rosto de Deus, o
regresso do povo à Fé e a intercessão da Providência nos acontecimentos da
História (cf. CEC 2581-2584), em suma, consomem-se de “zelo pelo Senhor
Deus dos Exércitos” (cf. 1 Rs 19, 14).
Além disso, na sua infinita Sabedoria, Deus quis que os homens estives-
sem apoiados numa rocha inabalável. Ao operar a Redenção, o Divino Mes-
tre instituiu o Magistério da Igreja, para ensinar e interpretar o que oficial-
mente havia sido revelado. Se Deus, através do “Espírito da verdade”, 7 “falou
outrora aos nossos pais pelos Profetas, nestes dias, que são os últimos, falou-
-nos por meio do Filho” (Hb 1, 1-2), que por sua vez ordenou ao Apóstolos:
“Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as
nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a

3)  LÓPEZ MELÚS, Rafael María. El profeta san Elías, padre espiritual del Carmelo. Onda-Castello:
Amarcar, 1986.
4)  Loc. cit.
5)  Cf. S. Th. II-II, q. 174, a. 6, ad 3.
6)  Cf. Catecismo Igreja Católica, n. 783; 785; 2581-2584. (Doravante, CEC).
7) É o próprio Jesus, no Evangelho de São João, que se refere ao Espírito Santo como “Espírito da
verdade” (cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13).

4 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Editorial

observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o
fim do mundo” (Mt 28, 18-20).
A transmissão do Evangelho — necessária para que os homens conheçam a
verdade e alcancem a salvação — passou a fazer-se de duas maneiras: “Pelos
Apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram
aquelas coisas que, ou receberam das palavras, da convivência e das obras de
Cristo, ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo”, e “também por aqueles
apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo,
puseram por escrito a mensagem da salvação” (DV 7). Ou seja, conforme ensi-
na o Papa Bento XVI na Verbum Domini, “não é possível uma compreensão
autêntica da revelação cristã fora da ação do Paráclito” (VD 15).
Por sua vez, os Apóstolos deixaram aos seus sucessores, os bispos, o encar-
go do Magistério, de modo que o Evangelho sempre se mantivesse inalterado
e vivo na Igreja, e se conservasse, por uma sucessão contínua, até à consuma-
ção dos tempos (cf. DV 8). Por isso afirma D. Isidro Gomá y Tomás:

A Sagrada Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens; mas
estes não podem interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela Igre-
ja, que é a intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para
isso a luz e a assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que
Jesus, antes de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de seus Apóstolos para
que compreendessem as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler
estas deleitáveis cartas de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com
os que têm a autoridade de Deus para interpretá-las. Seria condenar-nos à
ignorância, quiçá a erros grosseiros sobre seu conteúdo. Este é o segredo
das quedas daqueles que interpretam as Escrituras fora da Igreja Católica. 8

No próprio Evangelho encontramos o critério para interpretar de maneira


infalível a Tradição e até mesmo a Escritura, jamais errando em matéria de
Fé e de Moral: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Rei-
no dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que des-
ligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 18). A Cátedra infalível de
Pedro é um ponto fundamental para a vida sobrenatural e até mesmo intelec-
tual de todo católico. Sem esse grande dom concedido pelo Divino Fundador
à sua Igreja, não teria ela atravessado um só século de História. A este propó-
sito, afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium:

8)  GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, Vol. IV, p. 442.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 5


Editorial

A infalibilidade, de que o Divino Redentor dotou a sua Igreja para definir


a doutrina de fé e costumes, abrange o depósito da Revelação que deve ser
guardado com zelo e exposto com fidelidade. O Romano Pontífice, cabe-
ça do colégio episcopal, goza desta infalibilidade em virtude do seu ofício,
quando define uma doutrina de fé ou de costumes, como supremo Pastor e
Doutor de todos os cristãos, confirmando na fé os seus irmãos (cf. Lc 22,
32) […] [Ele] não fala como pessoa privada, mas expõe ou defende a dou-
trina da fé católica como mestre supremo da Igreja universal, no qual resi-
de de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja (LG 25).

Também a Verbum Domini lembra que “o lugar originário da interpretação


da Escritura é a vida da Igreja” (VD 29). Por isso, os exegetas e os teólogos
devem submeter-se filialmente a esta Mãe de Sabedoria, crescendo em amor
e observância, santificando a sua vida, conforme conclui o mesmo docu-
mento através das inspiradas palavras de São Pedro: “‘Nenhuma profecia da
Escritura é de interpretação particular’ (2 Pd 1, 20-21) […] O Espírito Santo,
que anima a vida da Igreja, é que a torna capaz de interpretar autenticamente
as Escrituras. A Bíblia é o livro da Igreja e, a partir da imanência dela na vida
eclesial, brota também a sua verdadeira hermenêutica” (VD 29).

Normas para os colaboradores


Os artigos devem ser enviados em CD ou anexo de e-mail. Também devem ser envia-
dos um resumo (10 linhas) e os dados relativos à titulação do autor, atividade atual, ende-
reço, etc. Os artigos devem ter entre cinco mil e seis mil palavras.
As referências bibliográficas e notas de rodapé devem ser apresentadas conforme as
normas da ABNT, ou da metodologia vigente no país do autor. As referências bibliográ-
ficas poderão ser apresentadas ao pé de cada página, ou colocadas no fim do artigo.
Os autores serão notificados sobre a decisão do Conselho Editorial. Caso seja publi-
cado, receberão cinco exemplares da revista.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores.

Endereço para envio de artigos:


REVISTA LUMEN VERITATIS
Caixa Postal 257
CEP: 07600-000
Mairiporã – SP
E-mail: lumenveritatis@arautos.com.br

6 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Sumário

Artigos
Verbum Domini
Dom Benedito Beni dos Santos ............................................... 9

María, un corazón dócil ante


la palabra de Dios: modelo esplendoroso
de la contemplación (Lc 2, 41-52)
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP .......................... 17

O significado de perfeição no contexto


de Mateus (5, 48)
Thiago de Oliveira Geraldo .................................................. 79

Traduções
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
Juan Donoso Cortés ........................................................... 111

Este é o livro dos mandamentos de Deus


São Tomás de Aquino ........................................................ 119

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 7


Sumário

Resenhas
Jesus de Nazaré: Da entrada
em Jerusalém até a Ressurreição ............................. 123

8 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Artigos
Verbum Domini
Dom Benedito Beni dos Santos 1

Resumo
Este artigo pretende oferecer uma visão sintética da Exortação Apostóli-
ca pós-sinodal Verbum Domini e, ao mesmo tempo, uma chave de leitu-
ra acompanhada de observações teológico-pastorais. A estrutura do artigo
está calcada na própria estrutura da Dei Verbum.

Abstract
This article aims at providing a synthetic vision of the post-synodal Apos-
tolic Exhortation Verbum Domini, and, at the same time, a reading key
accompanied by theological-pastoral observations. The structure of the
article is grounded in the very structure of Dei Verbum.

Durante dois anos, a Exortação Apostólica referente ao Sínodo da Pala-


vra foi aguardada ansiosamente por toda a Igreja. Finalmente, ela foi assinada
pelo Santo Padre Bento XVI no dia 30 de setembro de 2010. Foi um presente
do Papa a toda a Igreja.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini tem uma introdução,
três partes com diversos capítulos e uma conclusão.
A introdução recorda, antes de tudo, a fonte inspiradora de todo o texto:
o prólogo do Evangelho de São João, o texto principal do Novo Testamento
sobre a encarnação do Verbo: “…pretendo apresentar e aprofundar os resul-
tados do Sínodo, tomando por referência constante o prólogo do Evangelho
de São João (Jo 1, 1-18), que nos dá a conhecer o fundamento da nossa vida:
o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus, fez-se carne e veio habitar
entre nós (cf. Jo 1, 14). Trata-se de um texto admirável, que dá uma síntese de
toda a fé cristã” (n. 5).
Em seguida, são recordados os objetivos da Exortação Apostólica. Em pri-
meiro lugar, apresentar os resultados do Sínodo sobre a Palavra na vida e na
missão da Igreja, que teve lugar no Vaticano de 5 a 26 de outubro de 2008. O

1)  Sua Excelência é Bispo de Lorena (SP), Licenciado em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade
Gregoriana em Roma, mestre em Filosofia e Educação pela PUC-SP e doutor em Teologia Dogmática.
É Supervisor Geral da Formação dos Arautos do Evangelho, e co-fundador desta revista.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 9


Verbum Domini

segundo objetivo consiste em promover a animação bíblica de toda a pasto-


ral. Vem, a seguir, a nova evangelização e o incentivo ao diálogo ecumênico.
A primeira parte, de natureza teórica, é dedicada à reflexão sobre a Pala-
vra de Deus e sua natureza (Verbum Dei). O que interessa, em primeiro lugar,
é o fato de Deus ter dirigido sua Palavra ao ser humano. Deus é o Grande
Mistério, o Totalmente Outro. O fato de ter falado ao homem é sinal de que
Deus fala como amigo, fala por amor. Através da Palavra, Ele deseja entrar
em relação com o ser humano, entrar em diálogo, em comunhão. Deus fala
para fazer aliança e salvar. Daí a natureza da revelação. Ela não é, antes de
tudo, uma série de informações sobre Deus. Ela é evento salvífico. Pela sua
Palavra, Deus salva. A Palavra é, antes de tudo, o Verbo gerado pelo Pai des-
de o “princípio”, isto é, desde toda a eternidade: “…nunca houve em Deus um
tempo em que não existisse o Logos” (n. 6). A “Palavra de Deus” designa ain-
da a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai feito homem.
O único Verbo de Deus se expressa numa sinfonia de diversas vozes:

a) A própria criação (liber naturae). São Paulo mostra, nos dois primei-
ros capítulos da Carta aos Romanos, que a revelação de Deus através da
criação não é apenas um processo racional que nos conduz da contem-
plação das coisas criadas à existência do Criador, mas é uma verdadei-
ra comunicação de Deus, suficiente para despertar, nos seres humanos,
a religião (adoração de Deus) e a reta conduta moral.

b) A palavra dos profetas: (“falou pelos profetas”): a Palavra de Deus anun-


ciada, com a força do Espírito, na história da salvação.

c) A Tradição Apostólica: a Palavra de Deus pregada pelos Apóstolos: “Ide


pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura” (Mc 16, 15).

d) A Palavra de Deus escrita: Antigo e Novo Testamento.

e) A Palavra da Cruz (cf. 1, 18): “O Verbo emudece, torna-se silêncio de


morte porque Se “disse” até calar, nada retendo do que nos devia comu-
nicar” (n. 12).

A Exortação Apostólica Pós-Sinodal sublinha a unidade entre o Antigo e


Novo Testamento. Ambos formam um único livro. O novo está implícito no
Antigo e o Antigo se torna claro, se realiza no Novo. Em outras palavras,

10 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Dom Benedito Beni dos Santos

Cristo é o Tesouro escondido no Antigo Testamento, como afirmam alguns


Padres da Igreja. Já antes deles, o Apóstolo São Paulo, no capítulo três da
segunda carta aos Coríntios, recorda o fato de que Moisés, após ter falado
com Deus, desceu da montanha com o rosto resplandecente. Para que as pes-
soas pudessem olhar para ele, cobriu o rosto com um véu. E Paulo conclui:
“…até hoje, quando (os judeus) leem o Antigo Testamento, este mesmo véu
permanece. Não é retirado, porque é em Cristo que ele desaparece. Sim, até
hoje, todas as vezes que leem Moisés, um véu está sobre o seu coração. É
somente pela conversão ao Senhor que o véu cai” (2Cor 3, 14-16).
O texto cita também os critérios da interpretação católica da Bíblia segun-
do a Dei Verbum do Vaticano II: a unidade de toda a Escritura (exegese canô-
nica), a tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé.
É necessário ter em conta a unidade de toda a Escritura, pois existe uma
evolução na revelação. Ela é feita em diálogo com o ser humano e progressi-
vamente. A pedagogia divina respeita a capacidade, as condições históricas e
culturais do ser humano.
Quanto à tradição viva de toda a Igreja, existe uma compreensão continu-
ada e crescente da revelação divina. É, através desta ponte, que chegamos à
leitura do texto sagrado. Esta tradição está presente na liturgia, nos Padres da
Igreja e no Magistério.
Com relação à analogia da fé, basta recordar que as verdades da fé estão
ligadas entre si, formam um conjunto bem articulado. Implicam-se mutua-
mente.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal faz também um alerta com relação à
hermenêutica secularizada, positivista, “cuja chave fundamental é a convic-
ção de que o Divino não aparece na história humana” (35b). Esse pressuposto,
que reduz tudo ao plano exclusivamente humano, nega a própria natureza do
Livro Sagrado, que registra a revelação divina.
Ainda em relação à hermenêutica, o texto trata do sentido espiritual e lite-
ral da Sagrada Escritura. O sentido literal é objeto da pesquisa científica, do
assim chamado método histórico-crítico. Ele se deve ao fato de que a Palavra
divina está encarnada na palavra humana. É necessário, pois, levar em con-
sideração a língua do escritor sagrado, a sua mentalidade e cultura, o gênero
literário que ele usa.
O sentido literal é útil para a compreensão do texto sagrado, mas é insufi-
ciente. A Bíblia não é simplesmente um documento histórico. Ela possui uma
dimensão transcendente. Narra a história da salvação. Ela possui um senti-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 11


Verbum Domini

do espiritual expresso pela tipologia. A exegese tipológica ajuda, sobretudo, a


adquirir uma visão global da história da salvação e de seus diversos períodos.
O sentido espiritual é revelado por Deus. Está presente no Novo Testa-
mento. Encontra-se também na liturgia, bastando recordar a Vigília Pascal.
Encontra-se ainda nos Padres da Igreja, embora alguns deles tenham caído no
exagero. Acham que tudo, na Sagrada Escritura, é sacramento, sinal, símbolo.
A nossa resposta à Palavra de Deus é a fé. Por meio da Palavra, Deus mani-
festa o desejo de entrar em relacionamento com o ser humano, de fazer alian-
ça. A resposta ao Deus que fala é a fé, que consiste em acolher a sua Palavra
como evento salvífico. “…é precisamente a pregação da Palavra divina que
faz surgir a fé, pela qual aderimos de coração à verdade que nos foi revelada e
entregamos todo o nosso ser a Cristo: ‘A fé vem da pregação e a pregação pela
palavra de Cristo’ (Rm 10, 17). Toda a história da salvação nos mostra pro-
gressivamente esta ligação íntima entre a Palavra de Deus e a fé que se reali-
za no encontro com Cristo” (n. 25).
O pecado consiste na não-escuta da Palavra de Deus: “Um fechar-se a
Deus que chama à comunhão com Ele” (n. 26).
A segunda parte tem, como título, A Palavra na Igreja (Verbum in Eccle-
sia).
A Igreja é a Casa da Palavra. De um lado, porque o autor humano da
Sagrada Escritura é o Povo de Deus. De outro lado, porque Cristo confiou
a guarda de sua Palavra não a um indivíduo particular, mas à Igreja. A Igre-
ja é, pois, o lugar originário da interpretação da Palavra. Ela interpreta ofi-
cialmente a Palavra. A Palavra de Deus é norma de fé para a Igreja e, ao mes-
mo tempo, sua vida. Graças à Palavra de Deus e à ação sacramental, Cristo se
torna, na vida da Igreja, contemporâneo dos homens (cf. n. 51).
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal afirma que a liturgia é o lugar privile-
giado para o anúncio da Palavra. Isto é fácil de ser compreendido. A liturgia,
afirma o Vaticano II, é a fonte e o cume de toda a vida eclesial. O anúncio da
Palavra, feito neste contexto e como componente da ação litúrgica, é a princi-
pal forma de anúncio. Ainda mais, a Palavra de Deus deve sempre ser acolhi-
da num contexto de oração. Na liturgia, temos a Igreja em estado de oração.
Para compreendermos a liturgia como lugar privilegiado para o anúncio
da Palavra, basta recordar que os eventos salvíficos anunciados pela Palavra
tornam-se realidade na liturgia. Nesta, a eficácia da Palavra se une à eficácia
dos sacramentos. Finalmente, a liturgia eucarística expressa a própria finali-
dade da Palavra de Deus. Deus fala na Sagrada Escritura, afirma a carta Pós-

12 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Dom Benedito Beni dos Santos

-Sinodal, para reunir o seu povo, alimentá-lo com sua vida e recebê-lo na sua
comunhão.
A carta Pós-Sinodal, fazendo eco à voz do Sínodo, recorda a importância
do atual Lecionário. Este apresenta os textos mais importantes da Sagrada
Escritura. Existe uma correlação entre os textos do Antigo e Novo Testamen-
to, tendo, como eixo, Cristo e seu mistério pascal. Para se descobrir essa cor-
relação, é necessário considerar a unidade intrínseca de toda a Bíblia (cf. n.
57). O valor do atual Lecionário é reconhecido por diversas confissões cristãs
que o utilizam. O Lecionário tem, pois, um significado ecumênico (cf. n. 57).
Após a proclamação da Palavra, segue-se a homilia. Existem três modali-
dades de anúncio da Palavra: o querigma, a catequese e a homilia.
O querigma é o anúncio da Palavra feita àqueles que ainda não creem em
Cristo e que deve ser repetido sempre àqueles que creem. É semelhante à pro-
clamação da Boa-Nova feita pelo arauto. Foi o que fez Pedro no dia de Pente-
costes. Diz o livro dos Atos que Pedro “de pé”, isto é, em atitude de coragem,
tendo os Onze ao seu lado, ergueu a voz e disse: “Homens da Judeia e vós
todos habitantes de Jerusalém, ouvi o que vos tenho a dizer…” (At 2, 14). A
seguir anuncia, com convicção e coragem, a morte e a ressurreição de Cristo
pela nossa salvação. Proclama que, em nenhum outro nome, existe salvação.
O querigma não é, pois, um anúncio decorado e feito mecanicamente. É o
anúncio acompanhado do testemunho daquele que teve a sua vida transfor-
mada pelo evento que está anunciando.
A resposta ao querigma é a conversão, que consiste em renunciar ao peca-
do e entregar a própria vida a Cristo. Esta conversão é expressa publicamente
no Batismo, sacramento pelo qual a pessoa ingressa na Igreja — comunidade
dos discípulos de Cristo. Na Igreja, o discípulo prepara-se para tornar-se mis-
sionário. A finalidade do discipulado é a missão.
A segunda modalidade de anúncio da Palavra é a catequese: visão metódi-
ca da história da salvação e da doutrina da Igreja. O fundamento da cateque-
se é o querigma.
A terceira modalidade é a homilia. Esta tem dois pressupostos. O primei-
ro é a unidade interior de toda a Sagrada Escritura (exegese canônica). E o
segundo é a natureza da Palavra de Deus. A “dabar” é diferente da “logos”
grego, simples comunicação do pensamento. A “dabar” é uma palavra —
ação. Deus age pela sua Palavra. Salva pela sua Palavra. “Com efeito, na his-
tória da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria
Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4, 12), como, aliás, indica o
significado do termo hebraico dabar” (n. 53).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 13


Verbum Domini

A homilia tem, como finalidade, introduzir a comunidade litúrgica no mis-


tério que está sendo celebrado. Deve revelar o sentido cristológico da Palavra
anunciada. Relacioná-la com a Eucaristia e à vida dos fiéis. Deve ter um tom
coloquial e familiar.
A Verbum Domini recorda a importância pastoral da homilia. Ela envol-
ve todas as pessoas presentes: crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos,
homens e mulheres. Às vezes, é o único acesso que as pessoas tem à Palavra
de Deus.
Oportunamente, a Verbum Domini recorda a importância do silêncio litúr-
gico e a necessidade “de educar o Povo de Deus para o valor do silêncio”
(n. 66). Acrescenta: “O silêncio, quando previsto, deve ser considerado como
parte da celebração” (n. 66). Vivemos num tempo barulhento, que não favore-
ce o recolhimento. “…fica-se com a impressão de ter medo de se separar, por
um momento, dos instrumentos de comunicação de massa” (n. 66).
Talvez valha a pena recordar, a propósito, as palavras de Dietrich Bonhoef-
fer: “Façamos silêncio, antes de ouvir a Palavra, para que os nossos pensa-
mentos já se dirijam à Palavra. Façamos silêncio, depois da escuta da Pala-
vra, porque ela continua a falar-nos, a viver e permanecer em nós. Façamos
silêncio logo de manhã cedo, porque Deus deve receber a primeira palavra.
Façamos silêncio antes de nos deitarmos, porque a última palavra pertence a
Deus. Façamos silêncio só por amor à Palavra”.
O silêncio articulado com a escuta da Palavra nos ajuda a compreender
a importância da lectio divina recomendada pela Verbum Domini. A leitura
orante está de acordo com a natureza dialógica da revelação divina. O Papa
cita as palavras de Santo Agostinho: “Quando lês, é Deus que te fala; quando
rezas, és tu que falas a Deus” (n. 8). O esquema para a leitura orante, propos-
to pela Verbum Domini, se inspira na própria liturgia da Palavra; lectio, medi-
tatio, oratio et actio. Cada um desses passos corresponde a uma pergunta: a)
o que diz o texto bíblico em si? (lectio); b) que nos diz o texto bíblico? (medi-
tatio); c) que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra? (oratio). À ora-
tio segue-se a contemplatio: olhar a realidade e perguntar: qual a conversão
da mente, do coração e da vida que o Senhor pede; d) actio: doação aos outros
na caridade (cf. n. 87).
No n. 73, a Verbum Domini, de modo rápido e insistente, trata da anima-
ção bíblica de toda a pastoral, incluindo movimentos, novas comunidades
e pequenas comunidades. Todas as pastorais precisam promover o conheci-
mento da Sagrada Escritura e a leitura orante. As atividades das pastorais
precisam ser iluminadas pela Palavra de Deus. Assim, as práticas pastorais

14 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Dom Benedito Beni dos Santos

serão envolvidas pela espiritualidade. Além disso, a Sagrada Escritura pre-


cisa possuir uma centralidade nos eventos eclesiais: congressos eucarísticos,
concentrações, procissões, etc.
A terceira parte tem, como título, A Palavra para o Mundo (Verbum Mun-
do).
Afirma o Profeta Isaías que a Palavra sai de Deus, opera no mundo e vol-
ta para Deus. Ela é semelhante à chuva que cai e irriga a terra. A Palavra de
Deus “não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter executado a minha
vontade e cumprido sua missão” (Is 55, 10-11). Esta Palavra é Jesus Cristo.
No quarto Evangelho, ele afirma: “Saí do Pai e vim ao mundo. Agora, deixo o
mundo e volto ao Pai” (Jo 13, 3; 16, 28; 17, 8-10).
Ele volta ao Pai, mas a sua missão é continuada pela comunidade de seus
discípulos: a Igreja. A propósito, observa a Verbum Domini: “Por isso, na sua
essência a Igreja é missionária. Não podemos guardar para nós as palavras de
vida eterna que recebemos no encontro com Jesus Cristo: são para todos, para
cada homem” (n. 91).
A missão não é uma super-estrutura acrescentada à vida e à cultura de um
povo. Ela é resposta a uma busca. Afirma a Verbum Domini: “Cada pessoa do
nosso tempo, quer o saiba quer não, tem necessidade deste anúncio” (n. 91).
Sujeitos deste anúncio são todos aqueles que, pelo batismo, se tornaram
discípulos de Jesus Cristo, pois a finalidade do discipulado é a missão (cf. n.
94). Todo o Povo de Deus é um povo enviado (cf. ibid).
O destinatário da missão não são apenas os indivíduos, mas o mundo
humano, ou seja, o mundo construído pelo ser humano: a família, o trabalho,
a política, a economia, etc. A evangelização não pode separar os indivíduos
do povo a que pertencem. Nem pode separar o povo de sua cultura: os hábitos
sociais, as leis, o modo de organizar a sociedade, o conhecimento socializado.
Por meio do anúncio, a Palavra de Deus penetra no mundo. A Verbum Domi-
ni sublinha o papel importante do anúncio da Palavra de Deus para a pro-
moção da justiça (cf. n. 100), da reconciliação (cf. n. 102), da defesa da cria-
ção etc. (cf. n. 108). O anúncio deve, porém, ser acompanhado do testemu-
nho para que tenha credibilidade. O contratestemunho daquele que anuncia,
da comunidade, da Igreja, coloca obstáculos à eficácia da Palavra. “…aque-
les que encontram testemunhas credíveis do Evangelho são levados a consta-
tar a eficácia da Palavra de Deus naqueles que a acolhem” (n. 97). Podemos,
a propósito, recordar a observação de Nietzsche: “Se a boa nova de vossa
Bíblia fosse também escrita no vosso rosto, não teríeis necessidade de insis-
tir, de modo tão obstinado, para que se creia na autoridade desse livro: as vos-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 15


Verbum Domini

sas obras deveriam tornar quase supérflua a Bíblia, porque vós mesmos deve-
ríeis ser a própria Bíblia”.
A conclusão da Verbum Domini insiste na necessidade de familiaridade
com a Bíblia e apresenta um resumo das idéias principais do documento.

16 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


María, un corazón
dócil ante la palabra de Dios:
modelo esplendoroso de la
contemplación (Lc 2, 41-52)
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP 1

Introducción

Los relatos de la infancia refieren importantes tópicos de carácter teoló-


gico que, en relación a Jesús, el Mesías, el evangelista Lucas deseó poner de
relieve a través de su obra.
Como se podrá analizar en estas páginas, según la opinión de diversos
autores, la narrativa centrada en los capítulos 1-2 de su evangelio — deno-
minados por algunos como “evangelios de la infancia” — corresponde a un
auténtico prólogo, obertura o micro evangelio de toda su exposición teológi-
ca, incluyendo los Hechos de los Apóstoles.
En este marco doctrinal, el evento de la Pascua, clave en la obra lucana,
adquiere consistencia y credibilidad, gracias a la narración de importantes
acontecimientos de la infancia de Jesús. Efectivamente, desde la perspecti-
va lucana, la persona de Jesús no pertenece al ámbito de las figuras míticas o
legendarias, sino que por el contrario, corresponde al verdadero y auténtico
Hijo de Dios, el Mesías, que quiso compartir la naturaleza humana para redi-
mir a su pueblo y a todas las naciones, en un plan salvífico proyectado por
Dios desde toda la eternidad y vivificado en la esperanza a través de siglos
por voz de los profetas.
En esta perspectiva de pleno cumplimiento de las profecías, cúspide de la
historia humana, Lucas, como afirma De Fiores “convierte a María en figura
central de los relatos de la infancia. El ángel la saluda. Dios la ama, es alaba-
da por Isabel, bendecida por Simeón, santificada por todas las generaciones.

1) O autor é sacerdote, membro dos Arautos do Evangelho, Conselheiro Geral da Sociedade Clerical
de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e Reitor da Casa de Formação Thabor (Seminário Menor dos
Arautos do Evangelho). É especialista em Teologia Tomista pelo Centro Universitário Ítalo-Brasileiro
(UNIÍTALO), Mestre em Teologia com ênfase em Bíblica, pela Universidad Pontificia Bolivariana
(UPB, Medellín - Colômbia), e doutorando em Teologia pela mesma universidade. Também é licenciado
em Humanidades, pela Universidad Pontificia Madre y Maestra (PUCMM, República Dominicana).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 17


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Ella es interpelada directamente mientras que refleja, responde, actúa e inter-


preta en silencio o en el canto el plan de Dios”. 2
Pues en realidad, la visión que nos presenta el tercer evangelista, muestra
que la entrada del Mesías en la historia, tiene un punto de partida: María, la
criatura “llena de gracia”, la virgen fiel que haciendo la voluntad de Dios, res-
ponde con un sí amoroso y obediente a su llamada, recibiendo una materni-
dad mesiánica y sobrenatural, sellada con su libre y voluntario: “He aquí la
esclava del Señor, hágase en mí según tu palabra” (Lc 1, 38). Así, María es
presentada como un modelo esplendoroso de sabiduría que atiende el llamado
de Dios, lo acepta y es plenamente fiel.
El presente trabajo, toma la perícopa (Lc 2, 41-52) — parte integrante de
Lc 1-2 — que narra el episodio de la pérdida y hallazgo de Jesús en el Tem-
plo. En el contexto histórico del pueblo de Israel, ese acontecimiento tiene su
origen en circunstancias comunes: se trata de la obligación que todo israeli-
ta tenía de tomar parte en las festividades religiosas de la capital, a partir de
cierta edad:

A los trece años, el joven hebreo es considerado bar mitzva, “hijo del man-
damiento”, sometido a los preceptos de la Ley, uno de los cuales consiste en
subir a Jerusalén para las tres fiestas de peregrinación: Pascua, Pentecostés
y Tiendas (Ex 23, 14-17; 34, 18-23; Dt 16, 1-17), siendo habitual que el joven
israelita se anticipe un año a tal obligación 3 (traducción personal).

Esta pieza de doce versículos (Lc 2, 41-52) corresponde a la conclusión de


los relatos de la infancia lucanos, motivo de encontradas opiniones a propó-
sito de su origen. Para algunos, fue una composición añadida, para otros un
conjunto original de la obra. Con todo, es opinión unánime que la obra plan-
tea numerosos aspectos teológicos, algunos de los cuales serán aquí estudia-
dos.
En el capítulo I de este trabajo se presentará la referida perícopa, a la que se
aplicarán algunos métodos histórico-críticos.

2) DE FIORES, Stefano. María, madre de Jesús: síntesis histórico-salvífica. Salamanca: Secretariado
Trinitario, 2002. p. 108.
3)  MEYNET, Roland. Il Vangelo secondo Luca, Analisi retorica, 2a. ed. Bologna: Dehoniane Bologna,
2003. p. 130. “A tredici anni, il giovane ebreo diventa bar mitzva, “figlio del comandamento”,
sottomesso ai precetti della Legge, fra cui quello di salire a Gerusalemme per le tre feste di
pellegrinaggio, Pasqua, Pentecoste e Capanne (Es 23, 14-17; 34, 18-23; Dt 16, 1-17); è abituale che il
giovane israelita anticipi di un anno il comandamento”.

18 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Primeramente, con el objetivo de asegurar el texto de estudio, se utiliza-


rá la crítica textual, siendo analizadas las variantes más destacadas. Una seg-
mentación del texto servirá para visualizar su articulación y la correlación de
sus elementos, siendo realizada al mismo tiempo una traducción literal y lue-
go una de carácter dinámico.
Por medio de la crítica literaria, se analizarán algunas características de los
capítulos 1-2 y sus respectivos niveles estructurales para establecer — a tra-
vés de una delimitación — el lugar que ocupa, la perícopa 2, 41-52. De éste
último texto se analizarán algunos posibles esquemas de estructuración.
El capítulo I concluye con una descripción de las intenciones que posible-
mente movieron a Lucas a redactar su “evangelio de la infancia”. Transcurri-
dos casi dos mil años, éste continúa siendo motivo de estudios en el ámbito de
la teología bíblica.
En el capítulo II, se presentará un análisis de las fuentes utilizadas por
Lucas, ya sean éstas orales o escritas, y su correlación con la obra mateana,
el otro evangelio que también narra algunos episodios de la infancia de Jesús.
Dada la importancia que algunos autores asignan a los estribillos parale-
los Lc 2, 19. 52:
19 “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en su corazón.”
52 “Y su madre conservaba todas estas palabras en su corazón.”
Se realizará un análisis semántico para determinar sus sentidos dentro del
contexto bíblico, sobre la base de la versión de los LXX y el texto masorético.
El trabajo concluye con algunas consideraciones teológicas y hermenéu-
ticas que, desde la mariología bíblica, se consideran útiles para los presentes
días.
En efecto, estamos inmersos en un mundo saturado de pragmatismo, lo
que, en palabras de Pagola, significa vivir en una “cultura de la ‘intrascen-
dencia’ que ata a la persona al ‘aquí’ y al ‘ahora’ haciéndole vivir sólo para lo
inmediato, sin necesidad de abrirse al misterio de la transcendencia”. 4 Para el
citado autor, expresado en otros términos:

Es una cultura del “divertimiento” que arranca a la persona de sí misma


haciéndole vivir en el olvido de las grandes cuestiones que lleva en su cora-
zón el ser humano. En contra de la máxima agustiniana. ‘No salgas de ti

4)  PAGOLA, José Antonio. Silencio y escucha frente a la cultura del ruido y la superficialidad. [En lí-
nea] <Disponible en: http://www.conocereisdeverdad.org/website/index.php?id=2522 [Consulta: 11
Jul., 2010].

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 19


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

mismo; en tu interior habita la verdad’, el ideal más generalizado es vivir


fuera de uno mismo. 5

Frente a esta realidad, es posible que muchos evangelizadores since-


ros, inconscientemente, sean llevados a creer que los éxitos de sus obras de
evangelización deben ser explorados, sobre todo, en factores de orden natu-
ral, como serían cualidades humanas, una eximia organización o el uso de
medios tecnológicos. Esta vía apostólica, contaminada por la aludida “cultura
de la intrascendencia”, inevitablemente por su propio dinamismo lleva a rele-
gar la vida interior, el recogimiento y la meditación a un plano secundario:

Los que tanto hablamos de Dios, ¿cuándo y cómo buscamos realmente al


que está detrás de esta palabra? ¿Cuándo hablan los teólogos desde su pro-
pia experiencia interior?, ¿cuándo gozan y padecen la presencia de Dios en
sus vidas? ¿Cómo puede la Jerarquía pronunciar tantas veces el nombre de
Dios sin que nada “decisivo” suceda en sus vidas? ¿Cómo se pueden escri-
bir y leer tantas obras de espiritualidad sin que el Espíritu haga arder más
nuestros corazones? ¿No nos estamos convirtiendo en ciegos que preten-
den guiar a otros ciegos, sordos que pretenden hacer oír la Palabra de Dios
a otros sordos? 6

Es en este contexto, de tendencias hacia lo episódico y de vacío sobrenatu-


ral, donde la disposición de intenso espíritu contemplativo de María, la madre
de Jesús, se presenta como el modelo en la fe donde el discípulo del siglo XXI
puede encontrar las consignas perennes, que lo lleven a purificar y alimentar
su corazón, como una vía recta, segura y ascensional, para unir su voluntad a
la de Dios. 7 Efectivamente como nos enseñó el Bienaventurado Juan Pablo II:

María era la primera en la peregrinación de la fe, era la más iluminada,


pero también la más sometida a la prueba en la aceptación del misterio. A
ella le tocaba aceptar el plan divino, adorado y meditado en el silencio de
su corazón. De hecho, Lucas añade: “Su madre conservaba cuidadosamente
todas las cosas en su corazón” (Lc 2, 51). (…) Aquí se escucha el eco de las

5) Ibid.
6) Ibid.
7)  MARTINI, Carlo Maria. Una libertad que se entrega. En Meditación con María. Santander: Sal Terrae,
1996. p. 120. Esta verdad de la espiritualidad católica, fue expuesta por Carlo Maria Martini, clausuran-
do un retiro espiritual dirigido a un numeroso grupo de pastores. El entonces Cardenal de Milán, así sin-
tetizó sus consideraciones exegéticas leyendo Lc 2, 19.51: “Por eso el obispo, en nombre de la Iglesia,
está llamado a ejercitarse, con María y como María, en la meditación; esta es parte de su ministerio, y a
ella debe consagrar tiempos largos y silenciosos, tiempos de oración y escucha”.

20 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

confidencias de María; podríamos decir, de su “revelación” a Lucas y a la


Iglesia primitiva, de la que nos ha llegado el “evangelio de la infancia y de
la niñez de Jesús”, que María había tratado de entender, y sobre todo había
creído y meditado en su corazón. Para María la participación en el miste-
rio no consistía sólo en una aceptación y conservación pasiva. Ella realiza-
ba un esfuerzo personal: “meditaba”, verbo que en el original griego (sym-
bállein) significa al pie de la letra juntar, confrontar. María intentaba captar
las conexiones de los acontecimientos y de las palabras para aferrar, en la
medida de sus posibilidades, su significado. 8

1. Crítica textual

En esta primera etapa, con el propósito de identificar posibles variantes tex-


tuales en Lc 2, 41-52, presentes en los diversos manuscritos, y de este modo
asegurar el texto de estudio, se utilizará la versión de la 4ª edición de The
Greek New Testament (GNT) 9 y Sinopsis Quattuor Evangeliorum (SQE). 10
Esta última obra ofrece un elenco de abundantes variantes textuales, sean de
orden verbal, omisiones o adiciones de ciertas expresiones. Por su parte, GNT
considera solamente las variantes más importantes para efectos de traduc-
ción, y tan sólo especifica las segmentaciones en subparágrafos del referido
texto, impresas en las principales ediciones bíblicas.
Finalmente, de gran utilidad para la verificación del pasaje 2,51b ha signi-
ficado la investigación desde el Codex Sinaiticus disponible en línea. 11

1.1. Algunas variantes textuales


1.1.1. Versículo 41
Kai. evporeu,onto oi` gonei/j auvtou/ katV e;toj eivj VIerousalh.m th/| e`orth/| tou/
pa,sca
Iban sus padres cada año a Jerusalén por la fiesta de la Pascua.

8)  JUAN PABLO II, Audiencia General. 4 de julio de 1990. In: Creo en el Espíritu Santo. 6a. ed. Madrid:
Palabra, 2006. p. 221-224.
9)  ALAND, Barbara, et al. The Greek New Testament edited in cooperation with the Institute for New Tes-
tament Textual Research, Münster/Westphalia. 4th rev. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft: Unit-
ed Bible Societies, 1994. p. 202-204 y 205.
10)  ALAND, Kurt. Synopsis Quattuor Evangeliorum. Locis parallelis evangeliorum apocryphorum et pa-
trum adhibitis edidit. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985. p. 18.
11) THE CODEX Sinaiticus Project. [En línea] <Disponible en: http://www.codexsinaiticus.org/en/>
[Consulta: 3 Sept., 2009].

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 21


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

En este versículo, (SQE) muestra que la variante admitida en el texto apro-


bado: oi` gonei/j auvtou (sus padres) es reemplazada en el minúsculo 1012
(S.XI) — ubicado en Athos Iviron —, algunos pocos manuscritos y la mayo-
ría de los de la Vetus Latina, por “o[ te VIwsh.f kai. h` Maria,(m)”, 12 según
Fitzmyer se trata de una armonización de algún copista. 13 Los testigos en
favor de oi` gonei/j auvtou no son indicados. En consecuencia, se afirma que
esta lección se encuentra en los más importantes y confiables testimonios.

1.1.2. Versículo 42
kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka( avnabaino,ntwn auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j
Y cuando tuvo doce año, habiendo subido ellos según la costumbre de la
fiesta.
En este versículo, SQE acusa que los códices (A) Alexandrinus (S. IX),
(C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V) — cuya lectura es la más probable pues
se hace imposible su verificación —, el (Θ) Coridethianus (S. IX), el (Y)
Athous Laurensis (S. VIII/IX), las familias de minúsculos (f.) 1 (S. XII) y
13 (S. XIII), los minúsculos 33 (S. IX), 892 (S. IX), 1006 (S. XI), 1342 (S.
XIII/XIV), 1506 (año 1320), el texto mayoritario (S. IV), la Vulgata y algunos
de la Vetus Latina, la traducción Siríaca Heracleana (Año 616) y el Códice
Boháirico — con una ligera diferencia — (S. III en adelante), acrecientan
la expresión: eij VIeroso,luma (a Jerusalén) después de avnabaino,ntwn auvtw/n
(habiendo subido ellos).
En sentido contrario, se citan los testigos que hablan en favor de la versión
aprobada. Se trata de los códices ( a ) Sinaiticus (S. IV), (B) Vaticanus
(S.IV), (D) Bezae Cantabrigiensis (S.V), (L) Paris – conocido como Regius
– (S.VIII), (W) Washington (S.IV/V) (Freerianus), el minúsculo 579 ubicado
en Paris: Bibliothèque Nationale (S. XIII); pocos manuscritos, aparte de
aquellos explícitamente mencionados para la lectura que difieren del texto
mayoritario; las versiones antiguas en latín: manuscrito b (S. VII) ubicado
en St. Paul (Kärten); los antiguos siríacos tales como el codex Sinaiticus
Syriacus (S.III/IV); el Peshitta (1ª mitad S. V) y todas las versiones coptas
(S. III en adelante).

12)  ALAND, Op. Cit., p. 18 (SQE transcribe sin acentos).


13)  FITZMYER, Joseph. El Evangelio según Lucas T. II. Madrid: Cristiandad, 1987. p. 278. Comenta:
“los manuscritos c y ff2 de la VL traducen: Joseph et Maria mater eius («José y María, su madre»). Se
trata obviamente de la corrección de algún copista que quiso armonizar el texto con la idea de la con-
cepción virginal de la que se habla en Lc 1,34-35”.

22 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Argumenta a favor de esta decisión variante, comenta Bovon: “Por lo que


se refiere a la crítica textual, conviene no mantener “Jerusalén” en el V. 42, ya
que el nombre se encuentra en los V. 41.43”. 14

1.1.3. Versículo 43
kai. teleiwsa,ntwn ta.j h`me,raj( evn tw/| u`postre,fein auvtou.j u`pe,meinen VIhsou/j
o` pai/j evn VIerousalh,m( kai. ouvk e;gnwsan oi` gonei/j auvtou
Y habiendo acabado los días, al volver ellos, se quedó el niño Jesús en Jeru-
salén, sin que lo supiesen los padres.

En el V. 43, continuando con el aparato crítico de SQE, nuevamente se


observa que la oración e;gnwsan oi` gonei/j auvtou/ (que lo supiesen sus padres)
cuyo verbo ginw,skw está conjugado en indicativo aoristo activo 3ra perso-
na plural, se reemplaza por el indicativo aoristo, activo en 3ra persona sin-
gular e;gnw VIwshf kai. h` mh,thr (supiese José y la madre) en los unciales
(A) Alexandrinus (S.IX), (C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V); (Y) Athous
Laurensis (S. VIII/IX), las familias de minúsculos 13 (S.XIII), los minúscu-
los 892 con ligera diferencia (S.IX), 1006 (S.XI), 1342 (S.XIII/XIV), 1506
(año 1320), el texto mayoritario (S.IV), la traducción de los manuscritos de la
Vetus Latina, la versión siríaca llamada Peshitta (1era mitad del S.V) y parte
de la versión Copta Boháirica (desde el S. III).
Sin embargo, a favor del texto aprobado dan testimonio los unciales ( a )
Sinaiticus (S. IV) y (B) Vaticanus (S.IV), (D) Bezae Cantabrigiensis (S.V), (L)
Regius (S.VIII), (W) Washington (S.IV/V) (Freerianus) y (Θ) Coridethianus
(S. IX). La familia de minúsculos (f.) 1 (S.XII); los minúsculos 33 (S.IX),
205 (S.XV) y 579 – ubicado en Paris Bibliothèque Nationale – (S. XIII), los
minúsculos 700 con ligeras diferencias y 788 (S. XI), pocos otros manuscri-
tos, la Vulgata y parte de la Vetus Latina, la versión Siríaca Sinaítica (S.III/
IV) y la lectura al margen en la versión siríaca heracleana (S. III/IV), el
manuscrito Sahídico (S. III en adelante) y una parte de los manuscritos de la
versión Copta Bohaírica (S. III en adelante).
Sobre esta última variante, con rasgos de similitud a la señalada en v. 41,
Muñoz Iglesias comenta que son las únicas de importancia en todo el pasaje

14)  BOVON, François. El Evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2005. p. 226. Tomo I.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 23


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

2, 41-52 “no por su valor textual que es nulo, sino por la intención subyacente,
son las que afectan a la paternidad de José con respecto a Jesús”. 15

1.1.4. Versículo 51
Finalmente, una variante valiosa para efectos del presente trabajo es la que
figura en el v. 51:

kai. kate,bh metV auvtw/n kai. h=lqen eivj Nazare,q kai. h=n u`potasso,menoj auvtoi/jÅ
kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvth/j
Y bajó junto a ellos y fue a Nazaret, y vivía sometido a ellos. Y su madre
guardaba todas las palabras en su corazón.

En el v. 51b la oración: kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn
th/| kardi,a| auvth/j (Y su madre guardaba todas las palabras en su corazón).
El aparato crítico de (SQE) muestra que la lección pa,nta ta. r`h,mata (todas
las palabras), aprobada en su edición, es testimoniada por los unciales ( a )
Sinaiticus (S. IV), en su versión de primera mano, (B) Vaticanus (S. IV) y
(W) (S. IV/V) (Freerianus), el minúsculo 205 (S. XV), pocos códices de los
evangelios, el códice Sinaítico Siríaco (S. III/IV) y la versión Peshitta (1era
mitad del S. V)
Con base en estos testimonios se puede concluir que los miembros del
comité y autores de Synopsis Quattuor Evangeliorum y The Greek New
Testament han dado preferencia, en materia de crítica externa, a los facto-
res de antigüedad y confiabilidad de los manuscritos. En efecto, se está ante
los códices ( a y B) que pertenecen a la familia alejandrina, “cuya bondad
no puede negarse, como base de la comparación con los demás textos”. 16 Y
(W) que si bien es mixto, en sus pasajes lucanos aquí analizados, hace par-
te de la misma familia mencionada. Además, el factor de la independencia
geográfica – importante para el establecimiento del texto original – que-
da asegurado por el minúsculo 205 de influencia bizantina y los dos siría-
cos (Códice Sinaítico y la versión Peshitta), empero, sean mucho más nume-
rosos los textos que adicionan a pa,nta ta. r`h,mata el adjetivo demostrativo
neutro plural tau/ta (estas).

15)  MUÑOZ IGLESIAS, Salvador. Los Evangelios de la Infancia. Madrid: Biblioteca de Autores Cristia-
nos, 1987. p. 217. Tomo III.
16)  BOVER, José María y O’CALLAGHAN, José. Nuevo Testamento Trilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 2005. p. XLVII.

24 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Se infiere en esta última variante la influencia del pasaje paralelo Lc 2, 19:


h` de. Maria.m pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta sumba,llousa evn th/| kardi,a|
auvth/j
María conservaba todas estas palabras meditándolas en su corazón.
Por tal motivo, aplicando los criterios de crítica interna, tau/ta (estas),
adicionada en el v. 51b, sería obra de los copistas, y en consecuencia, un
motivo para descartarla. Dan testimonio de esta variante desechada – según
apunta SQE – los unciales (C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V), (L) Regius
(S.VIII), (Y) Athous Laurensis (S. VIII/IX) y (Θ) Coridethianus (S. IX). Las
familias de los minúsculos 1 (S. XII) y 13 (S. XIII), los minúsculos 33 (S.
IX), 892 (S. XI), 1006 (S. XI), 1342 con ligeras diferencias (S. XIII/XIV),
1506 (Año 1320), el texto mayoritario (S. IV), la Vulgata y parte de los
manuscritos de la Vetus Latina, las versiones siríacas Curetoniana (S. IIII/
IV) y Heracleana (S. III/IV).
Es digno de nota, como observa Kurt Aland en su SQE, que con esta
variante textual descartada, también figura en el uncial ( a ) Sinaiticus (S.
IV), pero con una corrección de segunda mano que incluye el participio pre-
sente, activo, nominativo, femenino, singular sumba,llousa (meditando, pen-
sando) de Lc 2, 19. Confiriendo en el propio texto del Codex Sinaiticus, se
verifica que, al parecer, la mencionada corrección habría salido de mano
del escriba original por medio de una flecha en sentido ascendente apuntan-
do hacia Lc 2, 19, según se puede observar en el screen obtenido del Codex
Sinaiticus en Lc 2,51. 17

17)  THE CODEX Sinaiticus Project. [En línea] <Disponible en: http://www.codexsinaiticus.org/en/ma-
nuscript.aspx?=Submit%20Query&book=35&chapter=2&lid=en&side=r&verse=44&zoomSlider=0>
[Consulta: 15 Oct., 2009].

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 25


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

El texto encuadrado entre las líneas corresponde al v. 51b. Al interior del


óvalo queda patentizada la indicación del corrector por medio de la mencio-
nada flecha ascendente para remitir al lector a Lc 2, 19.

Un análisis de las diferentes variantes observadas en Lc 2, 41-52, llevan a


la conclusión de que éstas no dificultan el sentido léxico y teológico del texto.
La perícopa no presenta “puntos críticos” y se puede afirmar que se está ante
la reconstrucción de un texto seguro.
A continuación se presenta la segmentación del texto acompañada de una
primera traducción literal, seguida de otra, conforme al criterio de equivalen-
cia dinámica. 18

1.2. Segmentación del texto en griego – LC 1, 41-52 19


y primera traducción literal
41a Kai. evporeu,onto oi` gonei/j auvtou/ katV e;toj eivj VIerousalh.m th/| e`orth/|
tou/ pa,sca.
41a E iban sus padres todos los años hacia Jerusalén a la fiesta de la Pascua
42a kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka(
42a Y cuando tuvo de años doce,
42b avnabaino,ntwn auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j
42b habiendo subido ellos según la costumbre de la fiesta

18) EGGER, Wilhelm. Lecturas del Nuevo Testamento. Estella: Verbo Divino, 1990. p. 79. “El valor de
una traducción de equivalencia dinámica consiste en estar intensamente orientada al lector y a la recep-
ción”.
19) Texto aprobado por The Greek New Testament y Synopsis Quattuor Evangeliorum.

26 Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

43a  kai. teleiwsa,ntwn ta.j h`me,raj(


43a  Y habiendo acabado los días,
43b  evn tw/| u`postre,fein auvtou.j
43b  en el volverse ellos
43c  u`pe,meinen VIhsou/j o` pai/j evn VIerousalh,m(
43c  se quedó Jesús el niño en Jerusalén,
43d  kai. ouvk e;gnwsan oi` gonei/j auvtou/.
43d  y sin que lo supiesen los padres de él.
44a  nomi,santej de. auvto.n ei=nai evn th/| sunodi,a|
44a  creyendo pues ellos que estaría en la caravana,
44b  h=lqon h`me,raj o`do.n
44b  anduvieron una jornada de camino,
44c  kai. avnezh,toun auvto.n evn toi/j suggeneu/sin kai. toi/j gnwstoi/j(
44c  y buscábanle entre los parientes y los conocidos;
45a  kai. mh. eu`ro,ntej
45a  y no hallándolo
45b  u`pe,streyan eivj VIerousalh.m
45b  volvieron a Jerusalén
45c  avnazhtou/ntej auvto,n.
45c  a la procura de él.
46a  kai. evge,neto meta. h`me,raj trei/j eu-ron auvto.n evn tw/| i`erw/|
46a  Y sucedió que después de días tres, encontráronlo en el Templo
46b  kaqezo,menon evn me,sw| tw/n didaska,lwn
46b  sentado en medio de los maestros,
46c  kai. avkou,onta auvtw/n
46c  y escuchándolos
46d  kai. evperwtw/nta auvtou,j·
46d  e interrogándolos.
47a  evxi,stanto de. pa,ntej oi` avkou,ontej auvtou/ evpi. th/| sune,sei kai. tai/j
avpokri,sesin auvtou/.
47a  (estaban) estupefactos pues todos los que oíanlo, por su inteligencia y
sus respuestas.
48a  kai. ivdo,ntej auvto.n
48a  Y al verle,
48b  evxepla,ghsan(
48b  quedaron impresionados,
48c  kai. ei=pen pro.j auvto.n h` mh,thr auvtou/(
48c  y dice a él la madre suya:

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 27


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

48d  Te,knon( ti, evpoi,hsaj h`mi/n ou[twjÈ


48d  «Hijo, ¿por qué nos has hecho esto?
48e  ivdou. o` path,r sou kavgw. ovdunw,menoi evzhtou/me,n se.
48e  Mira, el padre tuyo y yo, angustiados, buscábamoste.»
49a  kai. ei=pen pro.j auvtou,j(
49a  y dice a ellos:
49b  Ti, o[ti evzhtei/te, meÈ
49b  «¿por qué buscábaisme?
49c  ouvk h;|deite o[ti evn toi/j tou/patro,j mou dei/ ei=nai me.
49c  ¿No sabíais que en los asuntos del Padre mío es necesario que esté
yo?»
50a  kai. auvtoi. ouv sunh/kan to. r`h/ma
50a  Pero ellos no comprendieron la palabra
50b  o] evla,lhsen auvtoi/j
50b  que (él) díjoles.
51a  kai. kate,bh metV auvtw/n
51a  Y bajó junto a ellos
51b  kai. h=lqen eivj Nazare,q
51b  y fue a Nazaret,
51c  kai. h=n u`potasso,menoj auvtoi/j.
51c  y vivía sometido a ellos.
51d  kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`hm, ata evn th/| kardi,a| auvth/j.
51d  y la madre de él conservaba todas las palabras en el corazón suyo.
52a  Kai. VIhsou/j proe,kopten evn th/| sofi,a| kai. h`liki,a| kai. ca,riti para. qew/|
kai. avnqrw,poij.
52a  Y Jesús crecía [en la] sabiduría, y estatura y en gracia ante
Dios y ante los hombres.

1.3. Traducción conforme al sentido del texto


41  Iban sus padres todos los años a Jerusalén para la fiesta de la Pascua.
42  Y cuando tuvo doce años, subieron según la costumbre de la fiesta,
43  Y habiendo acabado los días, al volver, se quedó el niño Jesús en Jeru-
salén, sin que lo advirtiesen sus padres.
44  Y creyendo que estaría en la caravana, anduvieron una jornada de
camino, buscándole entre parientes y conocidos;
45  y no hallándolo volvieron a Jerusalén en su búsqueda.

28 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

46  Y sucedió que después de tres días, lo encontraron en el Templo senta-


do en medio de los maestros, escuchándolos e interrogándolos.
47  Estaban estupefactos todos los que lo oían, por su inteligencia y sus res-
puestas.
48  Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados; y su madre le dijo:
«Hijo, ¿por qué nos has hecho esto? Mira, tu padre y yo, angustiados,
te buscábamos.»
49  Él les dijo: «¿por qué me buscabais? ¿No sabíais que es necesario que
yo esté en los asuntos de mi Padre?»
50  Pero ellos no comprendieron la palabra que les había dicho.
51  Y bajó junto a ellos y fue a Nazaret, y vivía sometido a ellos. Y su
madre conservaba todas las palabras en su corazón.
52  Y Jesús crecía en sabiduría, y estatura y en gracia ante Dios y ante los
hombres

1.3.1. Comentario a la traducción


Con excepción del v. 49c: ouvk 20 h;|deite 21 o[ti 22 evn 23 toi/j 24 tou/ 25 patro,j 26 mou 27
dei/ 28 ei=nai, 29 me 30 (¿No sabíais que es necesario que yo esté en las cosas de mi

20)  NOLLI, Gianfranco. Evangelo secondo Luca. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1993. p. 121. Ex-
plica que se trata de una negación objetiva que niega el hecho.
21)  FRIBERG, Barbara y FRIBERG, Timothy. O Novo Testamento. Grego Analítico. Brasil: Vida Nova,
2007. p. 181. PABON DE URBINA, José Maria. Diccionario manual griego. Barcelona: Vox, 2000. p.
174. Verbo en indicativo, pluscuamperfecto, activo, segunda persona singular de la forma oi’/da: saber.
22)  PABON DE URBINA, Op. Cit., p. 437. Conjunción coordinante: que. En estilo directo no se traduce
pues equivale a dos puntos.
23)  NOLLI, Op. Cit., p. 122. Una de las diecisiete preposiciones propias del Nuevo Testamento, siendo la
más frecuente de todas (2713 veces) que, en dativo, siempre mantiene el significado fundamental “en”.
24)  FRIBERG y FRIBERG, Op. Cit., p. 181. Corresponde al artículo definido, neutro, dativo, plural.
25)  Ibid., p. 181. Corresponde al artículo definido, masculino, genitivo, singular.
26)  PABON DE URBINA, Op. Cit., p. 462. Corresponde al sustantivo, masculino, genitivo singular de
path,r ¿patro,’j o.À cuyo significado es padre.
27)  NOLLI, Op. Cit., p. 122. Pronombre genitivo de la primera persona singular de e`gw.
28)  Ibid., p. 122. Verbo en indicativo presente activo, tercera persona singular. Es el tiempo de la realidad
y describe una acción que se está desenvolviendo, ahora, en este momento, con tendencia a durar ha-
cia un futuro inmediato.
29)  Ibid., p. 122. Verbo en infinitivo, presente activo de ei.mi,.
30)  FRIBERG y FRIBERG, Op. Cit., p. 181. Pronombre acusativo, primera persona singular.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 29


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Padre?) este texto no ofrece mayores dificultades gramaticales para su tra-


ducción.

1.3.2. Las “cosas” o los “asuntos” del Padre


Según Bovon, 31 evn toi/j tou/ patro,j mou dei/ ei=nai me se trata de una antigua
crux interpretum pasible de tres interpretaciones: La primera, “en el terreno
de mi Padre”. La segunda, una vez que ta, (aquello) más el genitivo designa
por lo general “aquello que pertenece a” y que ei=nai me significa “estar en” se
puede traducir por “ocuparse de” o “ocuparme de los asuntos de mi Padre.” Y
la tercera sería “junto a su Padre” para diferenciarlo del padre terreno, José.
Por su parte, Carrol Stuhlmueller, 32 sostiene que evn toi/j tou/ patro,j
mou dei/ ei=nai me puede traducirse por “en los asuntos de mi Padre” ya
que esta traducción cuenta con el apoyo de la construcción griega en tex-
tos como Mt 16, 23, Jn 8, 29; 9, 4; 14, 31. No obstante, concluya el cita-
do autor, “en la casa de mi Padre” está “de acuerdo con la situación inme-
diata y con la interpretación de numerosos Padres antiguos (cf. Gn 41, 51;
Est 7, 9). Esta interpretación encaja también con un rasgo importante del
evangelio de Lucas, cuyo momento culminante se alcanza en el templo de
Jerusalén, no sólo en el relato de la infancia (2, 22), sino también al final
(19, 45)”. 33
Para Muñoz Iglesias, la traducción “en la casa de mi Padre” propuesta por
los Padres de la Iglesia tendría su génesis “por influjo sin duda de la contro-
versia antignóstica: Jesús se mostraría íntimamente relacionado con el Dios
del Antiguo Testamento al llamar casa de su padre al Templo de Jerusalén”. 34
Así, vemos que tanto “asuntos” como “casa” son traducciones legítimas.
Sea una u otra, el aspecto determinante es constituido por estas palabras que
corresponden a las primeras que Jesús pronuncia en el relato de Lucas. Por
medio de ellas, el evangelista pone en boca de Jesús la proclamación de que él
es Hijo de su Padre Dios.
En el presente trabajo se opta por la opinión de los estudiosos que siguen la
traducción “en los asuntos de mi Padre”, porque – dado el contexto en que se

31)  BOVON, Op. Cit., p. 232.


32)  STUHLMUELLER, Carrol. In Comentario Bíblico San Jerónimo. Dirigido por Brown, Raymond,
Fitzmyer, Joseph y Murphy, Roland. Madrid: Cristiandad, 1972. p. 322-323. Tomo III.
33)  Ibid., p. 322.323.
34)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 257.

30 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

verifican los acontecimientos – expresa con más claridad la misión específica


de Jesús. Más aún, porque según observa Muñoz Iglesias, 35 la pregunta que
María dirigió a Jesús fue “por qué” había hecho tal cosa con ella y José, sin
la más mínima referencia a los aspectos locativos de la búsqueda infructuosa
de tres días. En otras palabras, a la pregunta: ¿Por qué nos dejaste o nos aban-
donaste? Jesús responde: Porque tenía que ocuparme de las cosas o los asun-
tos de Mi Padre.

1.3.3. El v. 48a y un detalle de traducción


Finalmente, corresponde formular una precisión en el v. 48a cuando se tra-
duce: “Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados”. Se pone entre [ ] la
expresión “sus padres” pues como bien repara Bovon, “a pesar del coro final
en el v. 47, el autor no corrigió el v. 48, de modo que los espectadores del v. 47
podrían seguir siendo el sujeto del v. 48”. 36
47 Estaban estupefactos todos los que lo oían, por su inteligencia y sus res-
puestas.
48a Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados.

2. Estructura de Lucas 1-2


2.1. Una magistral “obertura” del tercer Evangelio y Hechos

Una de las peculiaridades de los capítulos 1-2 de Lucas – los Evangelios de


la Infancia – consiste en que las diversas unidades narrativas están claramen-
te delimitadas. Tal particularidad, como observa Bovon, se debe a que ambos
capítulos “están organizados mediante determinaciones de lugar, tiempo,
personajes y acción”. 37 Es decir, se indican claves temporales y ambientales,
como además la presentación y la salida de los actores – según la expresión
de Laurentin – “en una suerte de acción dramática”. 38

35)  Ibid., p. 257. Expone un detallado y erudito análisis de las diversas vertientes y sus respectivos segui-
dores.
36)  BOVON, Op. Cit., p. 222.
37)  Ibid., p. 72.
38)  LAURENTIN, René. Structure et Théologie de Luc I-II. Paris : Lecofre J. Gabalda et Cie Éditeurs,
1964. p. 23.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 31


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Los exegetas son unánimes en destacar cómo “la composición de los ele-
mentos está perfectamente estructurada a base de escenas paralelas” 39 entre
los “anuncios” y los “nacimientos” de Jesús y de Juan Bautista. Este procedi-
miento literario – el paralelismo – según explica Perrot, estaba muy en boga
en el mundo helénico que rodeaba a Lucas y además había penetrado con
fuerza en la Palestina del siglo I. 40
Por otra parte, desde el punto de vista doctrinal, estamos ante textos
que incorporan importantes aspectos teológicos con una marcada nota de
síntesis:
Un auténtico “evangelio en miniatura” según observa Fabris. 41 O, “como
si fuera la obertura de toda la composición evangélica, el relato expone los
temas principales de la obra, que la orquesta se encargará de desarrollar a lo
largo de todo el evangelio y del libro de los hechos”. 42 En otras palabras, se
está ante una notable obra teológico-literaria, caracterizada por la unidad y
coherencia temática de comienzo a fin. Perrot los sintetiza en dos palabras:
“prólogo cristológico”. 43 Efectivamente, los evangelios de la infancia, según
este autor, “forman parte del conjunto de la obra”, agregando que “en Lucas
sólo hay un evangelio y no dos; no es posible separar del conjunto un ‘evan-
gelio de la infancia’. En toda la obra nos encontramos con la misma mano, el
mismo estilo y los mismos temas”. 44
No obstante estemos ante un “prólogo cristológico”, una “magistral ober-
tura” o un “evangelio en miniatura”, ciertos autores negaron la pertenencia de
estos dos capítulos a la obra lucana. Es el caso de Hans Conzelmann (1915-
1989), quien en función de su teoría trifásica histórico-salvífica, opina que los
temas y la teología de Lc 1-2 no tendrían relación alguna con el conjunto de la
obra. Para este autor, la historia, entendida como una historia de la salvación,
comprende dos límites extremos: la creación y la parusía. Así, la historia tras-
curriría en un proceso dividido en tres épocas claves: tiempo de Israel, tiem-

39)  FITZMYER, Joseph. El Evangelio según Lucas T. I. Madrid: Cristiandad, 1986. p. 271.
40)  PERROT, Charles. Los relatos de la infancia de Jesús. Mt 1-2 –Lc 1-2. Estella: Verbo Divino, 1997.
p. 38.
41)  FABRIS, Rinaldo. Os Evangelhos II. São Paulo: Loyola, 2006. p. 13. ”Fiel ao seu programa de ofere-
cer ao leitor uma narração exaustiva e ordenada dos fatos sucedidos a Jesus remontando até as longín-
quas origens, Lucas antepõe ao evangelho público um evangelho em miniatura”.
42)  Ibid., p. 272.
43)  PERROT, Op. Cit., p. 34.
44)  FABRIS, Op. Cit., p. 36.

32 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

po de la actuación de Jesús y tiempo de la Iglesia. 45 Lucas habría presenta-


do este “tiempo de la actuación de Jesús” como el centro de la historia, como
el tiempo de la salvación. 46 Dentro de esta perspectiva, donde la mencionada
actuación de Jesús es el fundamento de la historia, los relatos de la infancia
no tienen razón de ser.
Por otra parte, un punto no menos importante en la tesis del teólogo ale-
mán, lo comenta Brown: “Según Conzelmann, el Juan Bautista lucano no fue
un precursor de Jesús, ni proclamó el Reino de Dios, ni supo nada de él; fue
el último de los profetas y perteneció al período de Israel (Lc 16,16)”. 47 Y ren-
glón seguido el propio comentarista agrega: “Es evidente que en este esque-
ma encaja bastante mal el relato de la infancia, pues en éste Juan Bautista for-
ma parte de la buena nueva de salvación con que se da cumplimiento a lo que
dijeron los profetas (1, 19.70.76)”. 48
Brown, que califica la tesis de Conzelmann de “errónea” 49 – en concordan-
cia con los autores arriba citados, que ven una clara pertenencia de los capítu-
los 1-2 al conjunto de la obra lucana – afirma:

El relato de la infancia puede considerarse como una verdadera introduc-


ción a algunos de los principales temas del evangelio propiamente dicho, y
ningún análisis de la teología debiera olvidarlo. Muchas son las relaciones
de Lc 1-2 con el resto del evangelio y las relaciones de Hch 1-2 con el res-
to de Hechos. 50

Para concluir, creemos pertinente el comentario que teje Fitzmyer a pro-


pósito de la obra elaborada por Conzelmann y otros autores que siguen sus
huellas:

(…) no es lo mismo «teología» lucana — en el sentido más literal del tér-


mino — que «tesis» sobre la concepción teológica de Lucas. (…) Pues bien,
ahí es precisamente donde está el fallo fundamental de algunas mono-
grafías, como la de Conzelmann — especialmente con su engañoso títu-

45)  CONZELMANN, Hans. El centro del tiempo: la teología de Lucas. Madrid: Fax, 1974. p. 32.
46)  Ibid., p. 32. Este tiempo se verificaría en perícopas tales como Lc 4, 16-21 y Hch 10,38 caracterizados
por la actuación de Jesús, el anuncio de la palabra y las curaciones.
47)  BROWN, Raymond E. El nacimiento del Mesías: comentario a los relatos de la infancia. Madrid:
Cristiandad, 1982. p. 246.
48)  Ibid., p. 246.
49)  BROWN, Op. Cit., p. 246.
50)  Ibid., p. 246-247.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 33


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

lo inglés The Theology of St. Luke — y la de J. C. O’Neill, The Theology


of Acts. Lo que ofrecen no es una síntesis del pensamiento de Lucas, sino
meras tesis o proposiciones sobre teología lucana; un verdadero desarrollo
de auténtica teología brilla totalmente por su ausencia. 51

2.2. Estructura Lc 1-2 y la perícopa 2, 41-52

Al momento de tomar contacto con el texto y analizar su trama literaria


observamos que el evangelista compuso la narrativa de estos dos capítulos
sobre la base de siete escenas-pivote de acuerdo con las ya mencionadas esce-
nas paralelas de anuncios y nacimientos:

● Anuncio del nacimiento de Juan (Lc 1,5-25)


● Anuncio del nacimiento de Jesús Lc 1,26-38)
● Visitación de Maria a Isabel (Lc 1,39-56)
● Nacimiento de Juan (Lc 1,57-80)
● Nacimiento de Jesús (Lc 2,1-20)
● Presentación en el templo (Lc 2,21-40)
● Jesús en el templo a los doce años (Lc 2,41-52).

Frente a esta composición de paralelismos, son numerosos los autores


que han elaborado estudios a propósito de su integridad y cohesión litera-
ria, pero como afirma Fitzmyer, “en cuanto a la formalización concreta de
la estructura, no se puede hablar, ni remotamente, de unanimidad”. 52 ¿Cuál
será el motivo?
Al concluir 2,40 entra en escena la perícopa 2, 41-52 en la que — como ya
se ha estudiado — Lucas narra la “subida” a Jerusalén de José y María llevan-
do a Jesús, lugar en el que, al regresar a Nazaret, lo perderán por tres días. Es
en este tramo de la narración donde, en palabras de Bovon, “se altera la sime-
tría, pero no la intención del autor”, 53 hecho que motiva las diversas opiniones
al momento de componer modelos o esquemas estructurales.

51)  FITZMYER, Op Cit., p. 26. T. I


52)  Ibid., p. 57. T. II
53)  BOVON, Op. Cit., p. 227.

34 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Para algunos, se trataría de un texto añadido con posterioridad, para otros


una pieza original de los dos primeros capítulos. 54 Desde el punto de vista
literario existe consenso en tratarse de un texto de factura lucana, sea porque
imita el estilo de los LXX, sea porque tradujo al griego textos de origen semí-
tico o utilizó unos ya traducidos. Sobre este particular volveremos más ade-
lante.
Pero, ¿a qué alteración de la simetría alude Bovon? El episodio de la perí-
copa, acaecido en el Templo, no tiene paralelo con otro análogo en la infancia
de Juan Bautista, hecho que suscita formulaciones estructurales dispares, una
vez que los autores se empeñan en darle una cabida armónica.
Según Fitzmyer, Lc 2, 41-52 “en cierto sentido, es un cuerpo extraño den-
tro de la narración global, y no cuadra demasiado bien con el resto de los dos
primeros capítulos del Evangelio según Lucas”. 55 Para el citado autor, la perí-
copa, dentro de la estructura global de Lc 1-2, viene a ser un complemento de
los paralelismos, de los nacimientos, circuncisiones y manifestaciones tanto
de Juan como de Jesús. 56
A propósito de la composición estructural de esta perícopa, entre las pro-
puestas más acreditadas, se pueden señalar las de Laurentin, 57 Bovon 58 y el
mismo Fitzmyer, 59 figuras de la exégesis que representan la corriente de auto-
res que enfocan su atención sobre la existencia de dos dípticos con escenas
paralelas.

54)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 218-228. Un elenco de las diversas opiniones desde fines del siglo
XIX hasta la década de los ochenta es proporcionada por este autor.
55)  FITZMYER, Op Cit., p. 271. T. II
56)  Ibid., p. 271.
57)  LAURENTIN, Op. Cit., p. 32-33.
58)  BOVON, Op. Cit., p. 73. Se basa en W. Wink quien se inspira en Laurentin y M. Dibelius.
59)  Al presentar su estructura afirma: “La que yo propongo (…) está influida por M. Dibelius y, en parte,
también por S. Lyonnet y R. Laurentin”. FITZMYER, Op. Cit., p. 57. Tomo II.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 35


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Sintetizando y adaptando los tres modelos de estructura de estos autores,


tenemos, en una visión panorámica, el siguiente cuadro:

EnEnloloque
que dice respecto
dice respecto a losados
losepisodios
dos episodios denominados
denominados con
con el título de: el título de:
“complementarios”
“complementarios”
(visitación de María a Isabel(visitación de María
y pérdida-hallazgo a Isabel
de Jesús y pérdida-hallazgo
en el templo), Fitzmyer destacade Jesús
que ambos
en autónomos
son el templo), porFitzmyer destaca
la temática que ambos
que abordan, son que
afirmando autónomos
“sólo el por la temática
primero tiene una que
cierta
abordan,con
vinculación afirmando que precedentes,
los dos pasajes “sólo el primero
mientrastiene
que el una cierta
segundo vinculación
carece concon
de toda relación losel
dos pasajes
contexto”. 60 precedentes, mientras que el segundo carece de toda relación con
el contexto”. 60
Frente a esta dificultad que se plantea para los mencionados autores, otros exegetas prefieren
pensar en una división ternaria. Es la postura de Perrot que propone unir a los dos dípticos de las
anunciaciones y los nacimientos, las dos visitas de Jesús al templo, es decir, presentación y hallazgo.
Un esquema análogo presenta Burrows, citado por Muñoz Iglesias61 según el cuadro que sigue:

60)  FITZMYER, Op. Cit., p. 59. Tomo II.

60
FITZMYER,
36 Op. Cit., p. 59. Tomo
LumenII.Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011
61
MUÑOZ IGLESIAS, Op.Cit., p. 222. Se trata de E. Burrows. The Gospel of the Infancy and other biblical
Essays (The Bellarmine Series, VI) (London 1940).
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Frente a esta dificultad que se plantea para los mencionados autores, otros
exegetas prefieren pensar en una división ternaria. Es la postura de Perrot que
propone unir a los dos dípticos de las anunciaciones y los nacimientos, las
dos visitas de Jesús al templo, es decir, presentación y hallazgo. Un esquema
análogo presenta Burrows, citado por Muñoz Iglesias 61 según el cuadro que
sigue:

Podemos concluir que los esquemas pueden ser diversos, dependien-


Podemos concluir que los esquemas pueden ser diversos, dependiendo del criterio de cada
do del criterio de cada autor. En opinión de Perrot, “en lugar de empeñar-
autor. En opinión de Perrot, “en lugar de empeñarnos en encontrar un plan excesivamente
nos en encontrar un plan excesivamente sistemático y riguroso, habría que
sistemático y riguroso, habría que ver más bien en la composición lucana un nuevo ejemplo de
ver más bien en la composición lucana un nuevo ejemplo de construcciones
construcciones que se mutuamente
que se implican implican mutuamente y deque
y de las las su
queobra
su obra
nos nos ofrece
ofrece otrosmuchos
otros muchos
62
ejemplos”.
ejemplos”. 62
En este sentido, Lucas plantea otros desafíos. Laurentin, de acuerdo con
En este sentido, Lucas plantea otros desafíos. Laurentin, de acuerdo con P. Lyonnet,
P. Lyonnet, menciona en Lc 1-2 la existencia de tres categorías de “refranes”63
menciona en Lc 1-2 la existencia de tres categorías de “refranes” designados por las siglas A, B, C.
designados por las siglas A, B, 64
C. 63 Fitzmyer los denomina de “estribillos”. 64
Fitzmyer los denomina de “estribillos”.

2.2.1. Salida de personajes


61)  MUÑOZ IGLESIAS, Op.Cit., p. 222. Se trata de E. Burrows. The Gospel of the Infancy and other bib-
Estos elementos no delimitan las grandes articulaciones del relato, sino el fin de las escenas
lical Essays (The Bellarmine Series, VI) (London 1940).
y no merecerían propiamente el calificativo de refranes.
62)  PERROT, Op. Cit., p. 39-40.
63)  LAURENTIN, Op. Cit., p. 28-29.
1, 23 Al terminar el tiempo de su servicio, Zacarías volvió a su casa.
64)  FITZMYER, Op Cit., p. 57-58. T. II

1, 38 Dijo María: “Yo soy la esclava del Señor, hágase en mí tal como has dicho.” Después
la dejó
el ángel. Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 37
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

2.2.1. Salida de personajes

Estos elementos no delimitan las grandes articulaciones del relato, sino el


fin de las escenas y no merecerían propiamente el calificativo de refranes.
1, 23 Al terminar el tiempo de su servicio, Zacarías volvió a su casa.
1, 38 Dijo María: “Yo soy la esclava del Señor, hágase en mí tal como has
dicho.” Después la dejó el ángel.
1, 56 María se quedó unos tres meses con Isabel, y después volvió a su
casa.
2, 20 Después los pastores regresaron alabando y glorificando a Dios por
todo lo que habían visto y oído, tal como los ángeles se lo habían anunciado.
2, 39 Una vez que cumplieron todo lo que ordenaba la Ley del Señor, vol-
vieron a Galilea, a su ciudad de Nazaret.
2, 51 Jesús entonces regresó con ellos, llegando a Nazaret. Posteriormente
siguió obedeciéndoles.

2.2.2. Refranes del crecimiento

Son propios del díptico de nacimientos:

1, 80 A medida que el niño (Juan Bautista) iba creciendo, le vino la fuerza


del Espíritu.
2, 40 El niño (Jesús) crecía y se desarrollaba lleno de sabiduría, y la gracia
de Dios permanecía con él.
2, 52 Mientras tanto, Jesús crecía en sabiduría, en edad y en gracia, ante
Dios y ante los hombres.

2.2.3. Refranes de recuerdos

Reveladores del papel que cumple María en estos relatos de la infancia:


2, 19 María, por su parte, guardaba todos estos acontecimientos y los vol-
vía a meditar en su interior.
2, 51b Su madre, por su parte, guardaba todas estas cosas en su corazón.

38 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

2.3. Delimitación de Lc 2, 41-52

La escena anterior a la perícopa aquí estudiada, como fue dicho, corres-


ponde al texto 2,21-40 que describe la presentación de Jesús en el templo.
En dicho episodio, junto con José y María, figuran otros dos personajes
de eminente santidad: el viejo Simeón y Ana la profetisa. Éstos últimos
anuncian con gran alegría la salvación de Israel pues reconocen en el niño
Jesús al Mesías prometido. El cuadro se encierra con un refrán de creci-
miento donde se destaca la sabiduría y la gracia de Dios que acompañan a
Jesús (2,52).
Inmediatamente tiene inicio la perícopa 41-52, con la presentación de dos
de los personajes implicados: José y María, piadosos y obedientes a la ley,
pues anualmente suben a Jerusalén por la fiesta de la Pascua (v. 41). La Ciu-
dad Santa y la más importante fiesta del pueblo son la clave que nos indi-
can el espacio geográfico y la coyuntura temporal donde se desarrollará el
drama.
Jerusalén (VIeroso,luma) es la ciudad sagrada, el corazón cultual por exce-
lencia del pueblo elegido. Lucas la menciona treinta veces en su evangelio y
en nuestro texto que analizamos, en los vv. 41a; 43c y 45b. Tratándose de un
lugar ubicado en cierta elevación del terreno, para acceder a sus umbrales se
decía: “subir” (avnabai,nw). 65
El indicador cronológico del v. 42a kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka( (y cuando
[Jesús] tuvo doce años) es otro dato importante, pues sitúa al lector en la clave
de un cambio de época. El v. 42b muestra a Jesús, José y María avnabaino,ntwn
auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j (habiendo subido ellos según la costumbre de
la fiesta), redacción que viene a ser la introducción que Lucas ha tejido de este
acontecimiento inédito.
Efectivamente, desde el punto de vista dramático, el relato se desencadena
cuando José y María bajan rumbo a Nazaret y se percatan que Jesús no viaja
con ellos. La angustiante búsqueda del niño entre los caravanistas y la nueva
subida de ambos a Jerusalén son imágenes que ahondan la tensión dramática.
La escena del hallazgo de Jesús en medio de los doctores de la ley es descrita
con genialidad literaria.
Es “en el templo” (evn tw/| i`erw/|), simbólico y grandioso escenario, donde
Jesús da muestras de una extraordinaria y fascinante sabiduría, que arrebata a
sus oyentes. Según Bovon, dicho acontecimiento se verifica – con base en el

65)  Lc 2,42.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 39


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

relato lucano – “en el área del templo (i`ero,n y no nao,j, [en] el ‘santuario’)”. 66
Con este marco sacral queda patentizada la gran trascendencia del aconteci-
miento.
El término que revela la mencionada manifestación de sabiduría es pre-
sentado en el v. 47a con el sustantivo sune,sij (entendimiento, inteligencia,
comprensión). 67 De este modo, Lucas traza la capacidad de Jesús para cap-
tar y relacionar los más altos temas del espíritu que conciernen a Dios. Capa-
cidad manifestada por el impacto provocado en todos los circunstantes que
escuchan sus preguntas y respuestas llenas de sabiduría. El evangelista, en
el v. 47a utiliza el verbo evxi,sthmi (dejar atónito) 68 conjugado en indicativo
imperfecto, voz media, en 3ª Pers. Pl. evxi,stanto. La obra de Bovon tradu-
ce por “se extasiaban”, 69 Fitzmyer por “estaban asombrados” 70 y Schmid “se
quedaban maravillados”. 71 Lucas recurrirá a este verbo sólo dos veces más en
su Evangelio. En 8, 56, para ilustrar la reacción de Jairo y su esposa ante la
resurrección de su hija a una palabra de Jesús, y en 24, 22 cuando los discípu-
los de Emaús narran a Jesús, sin percibir su identidad, las repercusiones que
causaron las noticias de “unas mujeres” que afirmaban haber visto ángeles y
que su Maestro estaba vivo.
Esta pericopa, sin duda, describe grandes impactos psicológicos. En el v.
48b Lucas utiliza el verbo evkplh,ssomai (quedar asombrado, quedar atónito,
de temor o admiración) 72 conjugado en el modo indicativo, aoristo pasivo,

66)  BOVON, Op.Cit., p. 227. “El lugar reservado a la enseñanza era entonces la stoa, el pórtico. Lucas
piensa sin duda en el pórtico de Salomón (Hech 3, 11; 5, 12.21.25) y en la sabiduría bien conocida de
aquel rey (Lc 11,31)”.
67)  BALZ, H. In: BALZ, Horst y SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario exegético del Nuevo Testamento (l
– w) Volumen II) Salamanca: Sígueme, 2002. Col. 1591. Sobre este concepto afirma: En el NT el térmi-
no aparece 7 veces; es frecuente en la LXX, especialmente en los escritos sapienciales, Cf. Sal 110, 10
LXX; Prov 2,1ss; Eclo 5,10;34,11; casi siempre se trata de la inteligencia (que Dios proporciona) para
comprender los actos y la voluntad de Dios”.
68)  LAMBRECHT, J. In: BALZ, Horst y SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario exegético del Nuevo Testa-
mento (a – k - Volumen I) Salamanca: Sígueme, 2005. Col.1439. Comenta: “el significado que aparece
con más frecuencia es el del uso intransitivo con sentido atenuado: un estado psíquico en el que se está
desconcertado o en el que se queda uno atónito de asombro o temor. (…) En Lucas 2,47 el asombro es
consecuencia de la actuación maravillosa del Jesús adolescente en el templo”.
69)  Ibid., p. 220.
70)  FITZMYER, Op. Cit., p. 270. Tomo II.
71)  SCHMID, Josef. El evangelio según san Lucas. Barcelona: Herder, 1968. p. 115.
72)  BALZ - SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1282, Vol. I. Comentan: “En el NT (como en los LXX) el verbo
se usa únicamente en pasiva, y se refiere de ordinario a la reacción de los circunstantes, que se sienten
asombrados o atónitos ante las palabras o los actos de Jesús (excepciones en Lc 2,48; Hech 13,12, pero
aun en estos casos el verbo significa ‘maravillarse’”.

40 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

en 3ª Pers. Pl. (evxepla,ghsan) para describir la reacción de José y María al


encontrar – luego de una afanosa y angustiante búsqueda – a su hijo Jesús.
Bovon traduce por “se llenaron de asombro”; 73 Fitzmyer por “se llevaron una
impresión tremenda”; 74 Schmid “se quedaron profundamente emocionados” 75
y Bover y O’ Callaghan por “quedaron atónitos”. 76 El evangelista repetirá este
verbo solamente en 4, 32 para mostrar la reacción de los habitantes de Cafar-
naúm ante la fuerza y penetración de la enseñaza de Jesús y en 9, 43 al narrar,
luego de la Transfiguración, la expulsión, ante una numerosa muchedumbre,
del espíritu inmundo que atormentaba a un muchacho.
Además, el templo es el lugar donde Jesús revela su obediencia al Padre
celestial. Lucas desde el v. 48d al v. 49c deja el estilo narrativo que venía utili-
zando, para recurrir al discurso. Transcribe un emotivo diálogo de pedido de
explicaciones de María a su hijo por tan inusitada desaparición. Jesús, en res-
puesta, proclama su filiación divina, “pero que ellos (José y María) no com-
prendieron” (v. 50a kai. auvtoi. ouv sunh/kan), discurso que constituye el clímax
de todo el episodio.
La dinámica redaccional a lo largo de la perícopa se lleva a cabo por las
conjugaciones verbales: “en el volverse ellos” (v. 43b evn tw/| u`postre,fein
auvtou.j); “anduvieron una jornada de camino” (v. 44b h=lqon h`me,raj o`do.n);
“volvieron a Jerusalén” (v. 45b u`pe,streyan eivj VIerousalh.m); “y buscábanle”
(v. 44c kai. avnezh,toun auvto.n); “Y no hallándolo” (v. 45a kai. mh. eu`ro,ntej);
“a la procura de él” (v. 45c avnazhtou/ntej auvto,n); “después de días tres, lo
encontraron” (v. 46a meta. h`me,raj trei/j eu-ron auvto.n); finalmente, sin duda,
lo álgido del drama es expresado por María quien en tono de lamento le dice
a Jesús: “angustiados te buscábamos” (v. 48e ovdunw,menoi evzhtou/me,n se).
El texto concluye con tres refranes: de salida, de recuerdos y de crecimiento:
v. 51a Bajó con ellos y vino a Nazaret, y vivía sujeto a ellos.
v. 51b Su madre conservaba cuidadosamente todas las cosas en su corazón.
v. 52 Jesús progresaba en sabiduría, en estatura y en gracia ante Dios y ante
los hombres.
Se puede afirmar que la perícopa 2, 41-52 constituye una unidad tex-
tual independiente, pues proporciona antecedentes únicos y específicos.

73)  BOVON, Op. Cit., p. 220.


74)  FITZMYER, Op. Cit., p. 270. Tomo II.
75)  SCHMID, Op. Cit., p. 115.
76)  BOVER y O’ CALLAGHAN, Op. Cit., p. 310.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 41


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Además, queda claramente definida la intención redaccional del autor:


desatacar la sabiduría, la filiación divina y la gracia que caracterizan a
Jesús (v. 52).
El evangelista, continuando su relato, (3, 1) proporciona un nuevo dato cro-
nológico: VEn e;tei de. pentekaideka,tw| th/j h`gemoni,aj Tiberi,ou Kai,saroj( (El
año quince del reinado de Tiberio César…) De este modo, Lucas invita a dar
un salto en el tiempo para adentrar al lector en los inicios de la vida pública de
Juan Bautista. El tercer evangelista, por este recurso literario, indica que los
relatos de la infancia han quedado atrás.

2.4. Estructura de Lc 2, 41-52


2.4. Estructura de LC 2, 41-52
La estructuración del texto no ofrece mayores dificultades. Como fue ana-
La estructuración del texto no ofrece mayores dificultades. Como fue analizado, la perícopa
lizado, la perícopa presenta un sistema de correlaciones entre los diversos
presenta elementos
un sistema dedel
correlaciones
texto, queentre los diversos una
le confieren elementos del texto,
evidente que le
unidad y confieren una que
coherencia,
evidente puede
unidad yser
coherencia,
enmarcadaque puede ser enmarcada
según según
el siguiente el siguiente esquema:
esquema:

2.4.1. Sumarios analépticos


Como fue estudiado anteriormente, la denominación de “refrán” para estas últimas tres
42 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011
estructuras (v. 51a –b y v. 52) pertenece a P. Lyonnet, a quien René Laurentin menciona en su obra
arriba citada. Fitzmyer prefiere la denominación “estribillo” en las categorías A, B y C. Otros
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

2.4.1. Sumarios analépticos

Como fue estudiado anteriormente, la denominación de “refrán” para estas


últimas tres estructuras (v. 51a –b y v. 52) pertenece a P. Lyonnet, a quien
René Laurentin menciona en su obra arriba citada. Fitzmyer prefiere la deno-
minación “estribillo” en las categorías A, B y C. Otros autores, como Bovon,
sostienen que la perícopa 2, 41-52 “está encuadrada entre dos sumarios (2, 40
y 2, 52), que llaman la atención sobre la sabiduría y la gracia”. 77

v. 40 To. de. paidi,on hu;xanen kai. evkrataiou/to plhrou,menon sofi,a|( kai.


ca,rij qeou/ h=n evpV auvto,.
En cuanto al niño, crecía y se robustecía, todo lleno de sabiduría, y el favor
de Dios estaba con él. 78
v. 52 Kai. VIhsou/j proe,kopten evn th/| sofi,a| kai. h`liki,a| kai. ca,riti para. qew/|
kai. avnqrw,poij.
Jesús progresaba en sabiduría y en estatura y en gracia ante Dios y ante los
hombres. 79

Reciban el nombre de estribillo, refrán o sumario, estas estructuras


tienen la particularidad de ser analépticas, es decir, cumplen una fun-
ción retrospectiva. Por este medio, se señalan la conclusión y el inicio
de la escena y al mismo tiempo se sintetizan los diversos eventos narra-
dos. 80 Según Bovon, “es natural que estos dos sumarios se parezcan, aun-
que teniendo cada uno su propio carácter. El primero insiste en el cre-
cimiento durante la infancia; el segundo en el progreso a lo largo de la
adolescencia”. 81

2.4.2. Quiasmo y paralelismo


En esta perícopa, como fue señalado en la parte referente a la delimita-
ción del texto, el evangelista solamente recurre al uso de estilo directo cuan-

77)  BOVON, Op. Cit., p. 220.


78)  Ibid., p. 196. Traducción de François Bovon.
79)  BOVON, Op. Cit., p. 220. Traducción de François Bovon.
80)  DIAS da SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 263.
(Traducción nuestra). “El sumario se diferencia del ‘marco’, pues presenta el sentido de los aconteci-
mientos y, por eso, sirve como fuente primaria para estudiar la teología del redactor”.
81)  BOVON, Op. Cit., p. 221.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 43


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

do María se dirige a Jesús (vv. 48-49). Diálogo que, una vez construido por el
evangelista, “comprende elementos quiásticos y elementos paralelos”. 82

2.4.3. Esquema de revelación


2.4.3. Esquema de revelación
Otra posibilidad más simple de esquematización consiste dividir el episo-
Otra posibilidad más simple de esquematización consiste dividir el episodio en tres estadios,
dio en tres estadios, según un esquema clásico de revelación 83:
según un esquema clásico de revelación:
A) Subida a un lugar alto B) Revelación C) Bajada.
A) Subida a un lugar alto B) Revelación C) Bajada.

82)  Ibid., p. 232.


83)  Cf. SERRA, Aristide. In: Nuevo Diccionario de Mariología. Dirigido por Stefano Fiores y Salvatore
Meo. Madrid: Ed. Paulinas, 1988, p. 340.

44 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

2.4.3.1. Subida.

Todos los años sus padres (v. 41) evporeu,onto (iban) eivj VIerousalh.m (a Jerusalén) para
2.4.3.1. Subida.
celebrar la Pascua.
Todos los años sus padres (v. 41) evporeu,onto (iban) eivj VIerousalh.m (a Jeru-
salén)Jesús,
para José y María
celebrar la(v. 42b) avnabaino,ntwn (habiendo subido) auvtw/n kata. to. e;qoj
Pascua.
th/jJesús,
e`orth/jJosé y María
… (ellos (v.costumbre
según la 42b) avnabaino, ntwn (habiendo subido) auvtw/n kata. to.
de la fiesta…).
e;qoj th/j e`orth/j… (ellos según la costumbre de la fiesta…).
En En
estos
estosdosdosversículos Lucas
versículos Lucas narra
narra la subida
la subida a Jerusalén
a Jerusalén y específicamen-
y específicamente al templo que
te al templo que está situado en el “monte Santo” del Señor (Sal 2, 6) para
está situado en el “monte Santo” del Señor (Sal 2, 6) para celebrar la pascua.
celebrar la pascua.
2.4.3.2. Revelación

Será (v. 46a) evn tw/| i`erw/| (en el templo) — en diálogo con los doctores de ley — donde

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 45


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

2.4.3.2. Revelación

Será (v. 46a) evn tw/| i`erw/| (en el templo) — en diálogo con los doctores de
ley — donde Jesús se revela dejando a todos (v. 47a) evxi,stanto (estupefactos)
(v. 47a) evpi. th/| sune,sei kai. tai/j avpokri,sesin auvtou (por su inteligencia y sus
respuestas).
Luego, al responder a sus padres terrenos que lo inquieren, proclama su
filiación divina (v. 49c) evn toi/j tou/ patro,j mou dei/ ei=nai, me (en las cosas de
mi Padre es necesario que yo esté).

2.4.3.3. Bajada
Jesús en (v. 51a) kate,bh (bajó) metV auvtw/n (junto a ellos [sus padres]); (v.
51b) kai. h=lqen eivj Nazare,q (y fue a Nazaret). El verbo conjugado en indi-
cativo, aoristo, activo kate,bh indica el fin del relato. Los verbos conjugados
en indicativo, imperfecto activo (v. 51c) h=n ([Jesús] estaba); (v. 51d) dieth,rei
([Maria] conservaba) y (v. 52a) proe,kopten ([Jesús] crecía) son indicativos de
una acción que continúa en Nazaret.

2.4.4. Simetría concéntrica


Para concluir este análisis estructural, basta mencionar el esquema elabo-
rado por H. J. de Jonge 84 que ve una construcción quiástica o un modelo de
simetría concéntrica, según esta configuración:

84)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 236 y BOVON, Op. Cit., p. 221.

46 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Para concluir este análisis estructural, basta mencionar el esquema elaborado por H. J. de
83
Jonge que ve una construcción quiástica o un modelo de simetría concéntrica, según esta
configuración: Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Muñoz Iglesias observa que este esquema “resulta un tanto artificial”. 85


Bovon, más explícito, afirma que “no da cuenta suficientemente del movi-
miento del relato, que deriva su tensión dramática de la oposición entre el pro-
grama de los padres y el hijo: la voluntad de los padres tiene que ver con la
ley; la voluntad de Jesús con la revelación”. 86

2.5. La intención de Lucas


La finalidad del evangelio de Lucas queda claramente trazada en la dedi-
catoria dirigida al “ilustre” personaje que identifica como “Teófilo” y atrás de
él, a un vasto público compuesto por gentiles cultos, judíos de habla griega
y miembros de la comunidad cristiana: “Para que conozcas la solidez de las
enseñanzas que has recibido” (1, 4).
Este aspecto es clave para comprender la teología y la cristología lucana,
pues como explica Fitzmyer, nuestro evangelista escribe en una etapa especí-
fica de la historia y desea ofrecer:

Una garantía de que la enseñanza y la práctica de la Iglesia contemporánea


estaba enraizada en el propio tiempo de Jesús; con ello pretende robuste-
cer a sus lectores en su fidelidad a esa enseñanza y esa práctica. Por tanto,

85)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 237.


86)  BOVON, Op. Cit., p. 221.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 47


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

la ‘garantía’ que ofrece Lucas es fundamentalmente doctrinal o didáctica, y


tiene por objeto explicar cómo la salvación de Dios, enviada primariamen-
te a Israel en la persona y en el ministerio de Jesús de Nazaret, se ha difun-
dido como palabra de Dios — con exclusión de la ley — entre los paganos,
hasta los últimos confines de la tierra (Hch 1,8). Si establecemos una relaci-
ón entre Lc 1, 1-4 y Hch 1, 1.8 podremos ver claramente que Lucas-Hechos
es básicamente ‘una obra de edificación’. 87

En este sentido, Perrot es categórico cuando afirma que los dos primeros
capítulos del evangelio de Lucas, como ya fue referido, corresponden a un
“prólogo cristológico”, a “una confesión de fe cuya fundamentación y fuerza
se encuentra en el acontecimiento pascual que proyecta a los comienzos de la
vida de Jesús la luz total de su misterio”. 88
En otros términos, Lucas quiere dar cohesión a las enseñanzas recibidas:
“Tal como nos las han transmitido los que desde el principio fueron testigos
oculares y servidores de la Palabra” (1, 2) y de este modo llevar a sus lecto-
res, a las raíces de las cuales surge el mensaje salvífico de Cristo 89 y demos-
trar que todo lo que ha acontecido en relación a Jesús corresponde a un plano
establecido por Dios desde toda la eternidad.
Efectivamente, ya los dos primeros capítulos lucanos muestran todos los
títulos mesiánicos de Jesús. Él es el Hijo de David (1, 27.32.69; 2, 4); el Sal-
vador (2, 11); el Cristo Señor (2, 11; 1, 43); el Santo, el grande; Hijo del altísi-
mo e Hijo de Dios (1, 32.35) (títulos estos últimos dados por el ángel Gabriel).
Además, son los virtuosos Isabel y Zacarías, llenos del espíritu (1, 41-43.67s),
y los profetas Simeón y Ana (2, 22-38) los que señalan su misión. 90 En sínte-
sis, para Perrot, “tanto en los relatos de la infancia como en el de la resurrec-
ción, quien puede revelar finalmente quién es su Cristo es solamente Dios.
El hombre, dejado a sus propias fuerzas, no puede hacerlo; sólo Dios puede
manifestárselo”. 91

87)  FITZMYER, Op. Cit., p. 31. Tomo I. Cita a E. Haenchen. Acts. p. 103.
88)  PERROT, Op. Cit., p. 36.
89)  FITZMYER, Op. Cit., p. 36. Tomo I. Sostiene que: “La obra lucana es una auténtica proclamación del
acontecimiento Cristo, dirigida a unos lectores en los que intenta provocar una reacción de fe y de acep-
tación cristiana. Tal vez la presentación del kerigma que nos da Lucas no esté formulada en términos
de ‘evangelio’ o de ‘potencia’, como la dynamis de Rom 1,16, pero no por eso renuncia a sus preten-
siones de ser un verdadero proceso de interpelación o un auténtico testimonio sobre Jesús resucitado”.
90)  Ibid., p. 36.
91)  Ibid., p. 36.

48 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Así vemos que el mensaje lucano tiene como fundamento la venida de


Jesús, el Cristo, el Mesías, en cuanto realización plena de la promesa de sal-
vación de Israel y de todas las naciones. Dentro de este plan de Dios, Juan el
Bautista es señalado como el precursor que prepara los caminos de esta espe-
ranza mesiánica.
Para Lucas, Jesús no es un personaje de alegorías y leyendas, motivo por
el cual lo presenta en todas las etapas de su infancia: anunciación, nacimien-
to, circuncisión y presentación, concluyendo con el relato de la pérdida y el
hallazgo en el templo, a la edad en que se deja de ser niño, para manifestar
su sabiduría y filiación divina: “¿no sabíais que debía estar en la casa de mi
Padre?” (2, 49). Palabras que corresponden a las primeras que Lucas pone en
boca de Jesús, y, sus últimas, al expirar en la cruz (23, 46). 92
Sin embargo, es necesario notar que Lucas no deja de resaltar la condición
humana de Jesús, pues, como afirma García-Viana:

Esta filiación divina no suprime los condicionantes de la humanidad de


Jesús (Lc 2, 52). Como todos los niños y adolescentes de su tiempo irá
adquiriendo poco a poco su madurez física y espiritual. Los relatos de la
infancia, que nos han revelado en este niño al Mesías de Israel y al Señor
del universo, se terminan con una clara afirmación de la humanidad de
Jesús. 93

Así, al narrar los extraordinarios acontecimientos en este evangelio de la


infancia, el evangelista muestra que la persona de Jesús — con su naturale-
za divina y humana — y sus enseñanzas, tienen pleno fundamento en las tra-
diciones del judaísmo y que el cristianismo es, en consecuencia, la continui-
dad y el cumplimiento de todas las profecías que anunciaban al Salvador y
Redentor:

La obra de Lucas es, en definitiva, un mensaje dirigido a Teófilo — y a


todos los que se encuentran en la situación del destinatario — en el que se
pregona la gran actuación de Dios, que realiza la salvación escatológica.
Tal vez el adjetivo ‘kerigmático’ no sea la calificación más adecuada para
englobar todos los aspectos de la intencionalidad del tercer evangelio y del
libro de los Hechos. Pero sería absurdo negar ese carácter a una obra, como
la de Lucas, que consiste esencialmente en una proclamación del aconteci-

92)  PERROT, Op. Cit., p. 36.


93)  GARCÍA-VIANA, Luís Fernando. Evangelio según San Lucas. In: Comentario al Nuevo Testamento,
6a. ed. Estella: Verbo Divino, 2000. p. 198.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 49


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

miento Cristo y del reino de Dios y que exige a los destinatarios una res-
puesta de fe y un compromiso cristiano tan radical como el del Evange-
lio según Marcos o como los escritos paulinos; aunque, eso sí, de un modo
bien distinto. 94

En consonancia con estas apreciaciones, Fabris opina que la narrativa de


la infancia de Jesús de los capítulos 1-2 es de carácter eminentemente ‘kerig-
mático’, vale decir, busca anunciar a Jesucristo para quienes adhieren a la fe.
Para el citado autor, como ya fue mencionado, se trata de un “evangelio en
miniatura” cuyo “vértice (…) es verdaderamente el anuncio que el mensajero
de Dios da a los pastores: hoy nació para vos un Salvador, el Cristo Señor (cf.
2, 11)” 95 (Traducción personal).
Para su cometido, al tercer evangelista no le faltan dotes naturales. Exis-
te unanimidad entre los filólogos en identificar a Lucas como “un hombre
de elevada formación literaria, que es también, junto con el autor de la carta
a los Hebreos, el mejor escritor de griego entre los autores del NT”. 96 Efec-
tivamente, con sus dos libros (Evangelio y Hechos) rompe los cánones lite-
rarios del género “evangelio popular” 97 e inaugura un estilo culto para la
difusión de la persona de Jesús, el Mesías, y sus títulos cristológicos. 98 Esta
cualidad literaria, de alto quilate intelectual, dada la gran influencia que
ejercía la cultura helénica en el mundo mediterráneo dominado por Roma
en los últimos decenios del siglo I, desempeñó un importante rol en el anun-
cio del kerigma.

2.6. Conclusión de la primera parte


En esta primera etapa de la presente exposición, por medio del método de
crítica textual se verificó que la reconstrucción del texto presentado por la 4ª
edición de The Greek New Testament (GNT) y Sinopsis Quattuor Evangelio-
rum (SQE) ofrece garantías de ser fiel y conforme al original.

94)  FITZMYER, Op. Cit., p. 253-254. Tomo I.


95)  FABRIS, Op. Cit., p. 27. Como no Evangelho público, o interesse central destas sugestivas narrativas
da assim chamada ‘infancia de Jesús’ é ‘querigmático’, isto é, visa anuciar Jesus Cristo aos que abra-
çam a fé. Com efeito, o vértice deste evangelho em miniatura é verdadeiramente o anúncio que o men-
sageiro de Deus dá aos pastores: hoje nasceu para vós um Salvador, o Cristo Senhor (Cf. 2, 11).
96)  SCHMID, Op. Cit., p. 23.
97)  Ibid., p. 23.
98)  FITZMYER, Op. Cit., p. 331-367. Tomo I. Un elenco de estos títulos son analizados por este autor.

50 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

La investigación demostró la unidad y coherencia de los capítulos 1-2, al


punto que algunos autores no dudan en calificarlos de “obertura” del tercer
evangelio y Hechos, de “prólogo cristológico” o “evangelio en miniatura”.
Discrepa de esta visión Hans Conzelmann, cuyas proposiciones sobre la teo-
logía de Lucas ya fueron brevemente esbozadas.
Por el procedimiento de delimitación, se comprobó que Lc 2, 41-52
corresponde a una unidad textual independiente, cohesionada y bien logra-
da, pues proporciona antecedentes únicos y específicos, quedando clara-
mente definida la intención redaccional de su autor: destacar la sabiduría,
la filiación divina y la gracia que caracterizan a Jesús, sin olvidar su condi-
ción humana.
Luego, fue presentado un esquema estructural de la perícopa dentro del
cual se analizaron algunas secuencias de palabras: estribillos, paralelismos y
quiasmos.
Finalmente, en la parte relativa a las intenciones que el evangelista Lucas
pudo tener al redactar su “evangelio de la infancia”, quedó demostrado su
alto interés “kerigmático” dirigido a gentiles cultos, judíos de lengua griega y
cristianos de las primeras comunidades.
En la segunda parte, corresponde formular un análisis a propósito de
las fuentes lucanas. Como se estudará, los exegetas constatan la presencia
de fuentes exclusivas utilizadas por este evangelista, entre otros aspec-
tos, por las diferencias que su relato presenta en cotejo con el evange-
lio mateano, el otro libro que narra hechos de la infancia de Jesús. Inte-
resantes divergencias surgen entre los estudiosos, al querer determinar
las fuentes del tercer evangelio, sean escritas u orales, pero de modo par-
ticular éstas últimas, pues no pocos autores — con base en la conforma-
ción del texto — señalan a María, la madre de Jesús, como fuente directa
o indirecta de los relatos lucanos por causa de los dos refranes de recuer-
dos (2, 19.51): “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en
su corazón” (2, 19) y “Y su madre guardaba todas las palabras en su cora-
zón” (2, 51).

3. Uso de fuentes
3.1. Las fuentes exclusivas de Lucas

Haciendo una recapitulación, se debe recordar que la perícopa en estudio,


aparte de estar inserida en los dos primeros capítulos lucanos de la infancia,

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 51


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

constituye la clausura de estas narraciones. Además, como ya fue menciona-


do no obstante exista cierta unanimidad en reconocer a Lucas como el redac-
tor, traductor o retocador cuidadoso de su “evangelio de la infancia”, se cons-
tata una discrepancia a propósito de este texto 2, 41-52. Fue dicho que para
algunos autores se trataría de una pieza original de Lc 1-2 y para otros un
añadido con posterioridad. 99 Excepción hecha de Conzelmann que, como fue
estudiado, la desconoce como parte integrante.
Una de las causas que lleva a los estudiosos a discrepar sobre la naturale-
za de la perícopa 2, 41-52, en cuanto texto añadido o no, radica en que Lucas,
al elaborar la secuencia de acontecimientos, parece utilizar materiales inédi-
tos de fuentes de su exclusivo dominio. Dichos materiales no figuran en los
sinópticos y algunos ni siquiera en Mateo, el otro evangelista que se aplica a
narrar la infancia de Jesús.

3.2. Diversidades y analogías entre Mateo y Lucas


Efectivamente, si bien es verdad que, por una parte, una comparación
entre Mt 1-2 y Lc 1-2, muestra una coincidencia teológica “descendente”, 100
al presentar ambos evangelistas a Jesús con “todos los títulos mesiánicos
y divinos”, 101 unida a una concordancia plena en la narración de algunos
hechos 102*, por otra, se observan algunas diferencias sustanciales que, según
ciertos autores, indicarían la independencia de fuentes entre ambos evange-
lios 103 y que, por lo tanto, Lucas no dependería en absoluto de Mateo. 104

99)  BROWN, Op. Cit., p. 249. Junto a los autores que tiene esta perícopa como añadido, se debe incluir su
opinión. “Dentro del mismo cap. 2, el relato de 2, 41-51 es perfectamente separable del resto. No sólo
trata de una fase distinta de la vida de Jesús, sino que su énfasis en que los padres no entendían (2, 48-
50) choca con las revelaciones que se les hicieron en líneas anteriores. Se podría objetar que 2, 40 era la
conclusión original a la que se le añadió un relato de procedencia distinta que exigió una segunda con-
clusión (2, 52)”.
100)  FITZMYER, Op. Cit., p. 239. Tomo I.
101)  PERROT, Op. Cit., p. 9.
102)  * Probablemente huellas de una tradición común, forjada de voz en voz en las primeras comunidades,
a saber: el nacimiento de Jesús de una virgen llamada María (Mt 1, 18-20 y Lc 1, 26-38) la cual estaba
desposada con un hombre llamado José (Mt 1, 18-20 y Lc 1, 27) perteneciente a la estirpe de David (Mt
1, 16-20 y Lc 1, 27. 2, 4). Del mismo modo, la concepción de Jesús fue por obra del Espíritu Santo (Mt
1, 18 y Lc 1, 27) cuyo nombre fue dado por un ángel (Mt 1, 21 y Lc 1, 31) y nació en Belén de Judá, la
ciudad de David (Mt 1, 1 y Lc 1, 32).
103)  SCHMID, Op. Cit., p. 127-129.
104)  FITZMYER, Op. Cit., p. 136. Tomo I. “Si Lucas depende de Mateo, ¿Cómo es que omite invariable-
mente ciertos elementos del primer evangelio en los episodios comunes, que no tienen paralelos en el

52 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

El tercer evangelista, por ejemplo, desconoce a Mateo cuando éste último


narra la presencia de unos “magos venidos de oriente” (Mt 2, 1b). Para Sch-
mid, “Lucas hubiera podido acoger esta escena, tan apropiada para un Evan-
gelio destinado como el suyo a lectores étnico-cristianos”. 105 Y ni se diga que
Mateo pasa por alto hechos que Lucas presenta y que serían de gran utili-
dad para su cometido de demostrar las características mesiánicas de Jesús y
el cumplimiento de las profecías. Nos referimos al nacimiento y los diversos
sucesos milagrosos que acompañan la vida de Jesús, piezas que constituyen
la esencia de la narración lucana.
Para Schmid, la prueba decisiva de que Lucas recurrió a fuentes extra-
mateanas se verifica en Lc 2, 39s, cuando pone a Jesús, José y María bajan-
do a Nazaret, una vez concluida la ceremonia de presentación en el templo,
circunstancia que no coincide con la narración de Mateo, que distribuye los
hechos de modo diverso, además de un viaje urgente a Egipto. 106
Análoga opinión defiende Muñoz Iglesias, quien afirma que Mateo y
Lucas, al describir el origen y la infancia de Jesús, lo hacen con total indepen-
dencia uno de otro. 107
Vemos pues, un motivo más de dificultades, al momento de estudiar las
fuentes lucanas sobre la infancia de Jesús. Pero dejemos el Evangelio de
Mateo y volvamos nuestra atención a Lucas y a sus capítulos 1-2.

3.3. Las fuentes escritas


Un primer aspecto que ha llamado la atención de los estudiosos del ter-
cer evangelio, es el contraste de estilos que se aprecia al comienzo de su obra.
Desde una clásica introducción, según los más puros cánones literarios grie-
gos, pasa a un género veterotestamentario, adoptando un tonus hierático, que
introduce al lector en un ambiente solemne, elevado y sacral que prevalece a
lo largo de los capítulos 1-2. Según la expresión de Fitzmyer, se trata de una

Evangelio según Marcos, por ejemplo, en las narraciones de la infancia y de la resurrección?”


105)  SCHMID, Op. Cit., p. 128.
106)  Ibid., p. 129. “A pesar de todo va demasiado lejos la opinión que ve en este punto una contradicción
inconciliable entre las dos exposiciones. Lc 2, 39s sólo es una prueba de que Lucas dependía aquí de
sus fuentes, que no le daban noticia alguna sobre los acontecimientos que siguieron a la presentación de
Jesús en el templo, de los que da cuenta el Evangelio según Mateo”.
107)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 344. Este autor afirma: “La independencia y desconocimiento mu-
tuo en los autores de ambos relatos me parece evidente”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 53


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

“notable contaminación semítica”. 108 Ahora bien, frente a esta “notable conta-


minación”, y una vez que Lucas manifiesta su propósito de “redactar con cui-
dado” los “acontecimientos que se han cumplido” (v. 3), muchos se han pre-
guntado: ¿Tuvo acceso Lucas a una documentación hebrea o aramea preexis-
tente?
Las opiniones divergen. Fitzmyer presenta una relación de las diversas
corrientes interpretativas. Para unos, Lucas habría utilizado textos de una
fuente hebrea traducidos por él. 109 Entre estos autores figuran Laurentin 110 y
Muñoz Iglesias. 111
Para otros, se sirvió de una fuente aramea. 112 Algunos defienden la tesis de
una fuente semítica ya traducida al griego. 113 Las discrepancias tienen como
punto de partida concreto la interpretación de los cánticos del Benedictus y
del Magnificat. 114
Ante esta ausencia de unanimidad 115 Fitzmyer oportunamente obser-
va: “Lo que hay que evitar a toda costa es que la reflexión se centre exclu-

108)  FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II


109)  Ibid. El autor menciona a G. Dalman, G. H. Box, P. de Lagarde, H. Gunkel, B. H. Streeter, V. Taylor
y R. Laurentin.
110)  La opinión de este ultimo autor queda sintetizada por sus propias palabras: «On retrouvait dans l’An-
cien Testament les expressions et parfois jusqu’à des phrases entières de ces deux chapitres. Ce test a
conduit à l’hypothèse que le grec de Luc est la traduction d’un original hébreu. Cette conjecture n’a ces-
sé de rallier arguments et sufrages, au détriment des deux solutions concurrentes: original araméen et
pastiche du grec des Septante. Elle se présente aujourd’hui comme la solution la mieux fondée. Il de-
meure toutefois hasardeux de déterminer les dimensions exactes de la source hébraïque par rapport à
l’écrit actuel, et plus encore de la reconstituer». LAURENTIN, Op. Cit., p. 13.
111)  MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 269: “El autor único de esta pieza en su totalidad [Lc 1-2], que ori-
ginalmente fue escrita en hebreo, es un judío-cristiano palestinense de primerísima hora, relaciona-
do con los círculos levíticos de Jerusalén, que empleando derásicamente modelos bíblicos viejo-testa-
mentarios transmite, a través de ese artificio literario, los datos históricos fundamentales que la tradi-
ción cristiana presinóptica conocía y profesaba sobre la concepción y nacimiento de Juan y de Jesús”.
112)  FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II. Menciona a B. Weiss, A. Plummer, M. Dibelius, W. Michaelis.
113)  Ibid., p. 55. Cita a K.-H. Schelkle.
114)  BOVON, Op. Cit., p. 38. Afirma: “Los himnos contenidos en el evangelio de la infancia tampoco son
obra de Lucas, sino provienen del movimiento bautista (el Benedictus, 1, 68-79), de la espiritualidad fa-
risaica (el Magnificat, 1, 46-55) o de la piedad cristiana primitiva (el Nunc dimittis, 2, 29-32)”.
115)  PERROT, Op. Cit., p. 37. Diverge de las posturas citadas que afirma: “En estos capítulos [Lc 1-2] en-
contramos todas las características propias de la obra de Lucas, el vocabulario y los giros propios del
tercer evangelista. Lucas usa el griego normal y corriente del siglo I. Sin embargo, al tener conciencia
de estar escribiendo una ‘revelación’, emplea una lengua y un estilo más bien hierático, más aún que en
el resto de su evangelio. Para ello, toma prestadas de la lengua sagrada de los Setenta algunas expresio-
nes, calcando igualmente su estilo de esta Biblia de las comunidades de la diáspora. Sucede a veces que
toma incluso expresiones del texto hebreo de la escritura, para dar a su relato un cierto sabor arcaico,
y, a su parecer, de más autoridad. Estos contactos son a veces tan abundantes que algunos exegetas han

54 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

sivamente en esas composiciones heterogéneas, cuajadas de citas del Anti-


guo Testamento, olvidando la problemática global de las narraciones de la
infancia”. 116

3.4. Las fuentes orales de Lc 1-2


Lucas no parece hacer parte de la generación contemporánea de Jesús. Él
mismo indirectamente lo declara al escribir su introducción, ya comentada,
en un clásico estilo griego. En ésta alude a la existencia de algunos que han
narrado los acontecimientos pues “fueron testigos oculares y ministros de la
palabra” (1, 2).
Lucas, “el historiador entre los evangelistas” 117 recurrirá a estos “testi-
gos” y “ministros” para lograr su cometido: “Escribir un relato ordenado”
(1, 3) que constituirá el tercer Evangelio. Según Bovon, Lucas, “como evan-
gelista, conoce la tradición de la Iglesia y sobretodo la tradición misione-
ra paulina, que la recibió a su vez de Antioquia y de los helenistas; como
escritor, está documentado gracias a sus contactos personales y a sus sabias
investigaciones”. 118
Sin embargo, como ya fue observado, son los evangelios de la infancia
aquellos que más dificultades causan a los exegetas al momento de estudiar
sus fuentes. Tomando como base las principales opiniones aquí expuestas, se
puede quizá conjeturar que Lucas (capítulos 1-2) mezcló con arte los diver-
sos componentes de su material. Tuvo acceso a textos semíticos de primera
mano, los tradujo para hacerlos accesibles a sus destinatarios y logró así un
relato convincente que parece fusionar realidad histórica, experiencias místi-
cas y teología.
Todo ello bajo el común denominador de su hábil y culta pluma. Para este
objetivo, dentro de la perspectiva en la que explícitamente se sitúa, de “minu-
ciosidad informativa” (1, 3), sus fuentes orales fueron de importancia primor-
dial.

pensado que existió un original hebreo de Lc 1-2 traducido por el evangelista. La hipótesis no acaba de
convencer: los ‘lucanismos’ (expresiones propias de Lucas) son abundantes y si el lenguaje es arcaico
intencionadamente, el texto actual no da la impresión de ser una traducción”.
116)  FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II.
117)  SCHIMD, Op. Cit., p. 129.
118)  BOVON, Op. Cit., p. 38.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 55


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Este último aspecto es lo que observa Bovon: “A pesar de todas las fija-
ciones por escrito, el manantial de la tradición oral no se secó de pronto, de
manera que Lucas tuvo la posibilidad de corregir o completar en algún que
otro sitio sus fuentes escritas recurriendo a la tradición oral”. 119
¿Pero a fin de cuentas, cuáles serían esas fuentes orales? Al intentar dar
una respuesta, una vez más, se constata que los estudiosos no consiguen
salir de una maraña de probabilidades. En efecto, la temática plantea aspec-
tos conflictivos, pues las opiniones a propósito del origen o del substrato de
las fuentes orales de estos relatos lucanos, no encuentra consenso entre los
autores.
En este sentido, Fitzmyer, al dar inicio a su trabajo, aquí tantas veces
citado, presenta a sus lectores una visión retrospectiva sobre el estado de
la investigación de esta obra. 120 Su análisis, que principalmente abarca un
período desde la segunda mitad del siglo XX hasta fines de los años ochen-
ta, proporciona un elenco de diversos autores. En él, no deja de indicar la
línea más radical de interpretación crítica a la obra lucana, formada por “el
iniciador indiscutible de este tipo de análisis”, 121 Martin Dibelius, seguido
por otros tres exegetas alemanes: Philipp Vielhauer, 122 Ernst Haenchen 123 y
el ya citado Hans Conzelmann. 124 Representantes de esta corriente fueron
también R. Bultmann, E. Dinkler, E. Grasser, E. Käsemann, G. Klein, S.
Schulz y otros.

Según Fitzmyer:

Los resultados de este enfoque han conducido no sólo a una actitud escépti-
ca con respecto al valor histórico de los escritos lucanos, sino también a un
juicio negativo sobre lo que se considera como «teología» de Lucas, y que

119)  Ibid., p. 39.


120)  FITZMYER, Op. Cit., p. 19-30. T. I.
121)  Ibid., p. 23.
122)  Ibid., p. 23. Autor de Zum “Paulinismus” der Apostelgeschichte (1950) quien ha desempeñado un pa-
pel relevante en toda esta problemática.
123)  Ibid., p. 23. Quien publica su gran obra The Acts of the Apostles (1965), un exhaustivo trabajo sobre
Hch, que adopta gran parte de las interpretaciones de Conzelmann, y que puede considerarse como el
principal comentario crítico a este libro del Nuevo Testamento.
124)  Ibid., p. 23. Autor que con sus obras dado el mayor impulso a esta línea interpretativa: Die Mitte der
Zeit (1953; 1964), traducido al inglés con el título The Theology of St. Luke, un análisis de la teología
lucana, centrado fundamentalmente en el Evangelio según Lucas, y su comentario a los Hechos de los
Apóstoles y Die Apostelgeschichte (1963).

56 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

implica una concepción «tendenciosa» del cristianismo primitivo; se ha lle-


gado incluso a poner en duda la propia identidad del autor. 125

En vista de este arrière-fond que suscita la obra lucana, aquí apenas serán
citados algunos autores que opinan a propósito de una de las hipotéticas fuen-
tes orales del evangelio de la infancia. En consecuencia, nos situamos en la
órbita de quien observa, pondera y conjetura.

3.5. El dictamen de algunos exegetas


Formulando preguntas inquisitivas con vistas a lanzar alguna luz a propó-
sito de las fuentes orales lucanas, Bovon se responde: “Todo lo más tenemos
razones para suponer que las leyendas de la natividad y de la infancia proce-
den de un ambiente judío-cristiano, eventualmente del entorno de Santiago el
Menor y de la familia de Jesús”. 126
Este dato parece ser efectivo. Consta que la persona de Santiago el Menor
fue conocida por Lucas (Hch 21, 18), pero ¿y la familia de Jesús? Esta últi-
ma afirmación de Bovon da pábulo para plantear la tan debatida hipótesis
de que haya sido María, la madre de Jesús, quien haya narrado al interior
del colegio apostólico, como testigo viviente, estos hechos de la infancia.
Lucas la menciona explícitamente en Hch 1, 14 cuando la retrata haciendo
cabeza del sector femenino de la naciente comunidad cristiana que, junta-
mente con los apóstoles y los “hermanos de Jesús”, “perseveraba unánime-
mente en la oración”.
Fitzmyer, al abordar la problemática, sin citar autores, presenta un elenco
de los testigos que comúnmente se invocan para intentar determinar este tipo
de fuentes que nuestro evangelista pudiera haber utilizado, y a título informa-
tivo escribe:

Entre esas fuentes de información se cita frecuentemente a personajes


como María, la madre de Jesús, que «conservaba en su interior el recuerdo
de todo aquello» (Lc 2, 51; cf. Lc 2, 19; Hch 1, 14); se dice que María fue la
que informó a Lucas sobre los episodios de la infancia y sobre la visita de
Jesús a su pueblo de Nazaret (Lc 4, 16-30). 127

Grelot, por su parte, así presenta esta hipótesis:

125)  Ibid., p. 23.


126)  BOVON, Op. Cit., p. 38-39.
127)  FITZMYER, Op. Cit., p. 155. T I.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 57


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

¿Hay que suponer que el relato de Lucas tiene como punto de partida una
confidencia de María? En él aparecen ciertamente dos alusiones a los
recuerdos que María conservaba en su corazón (2, 19.51). Pero nada nos
indica que el evangelista haya estado en contacto directo con María. Se
necesitaría, pues, al menos un intermediario, pero ¿quién? En este campo
sólo contamos con suposiciones, nunca con certezas probadas. 128

Años antes, en la introducción de su obra — ya referida — y que se vol-


vió un clásico obligado en los estudios referentes al evangelio de la infancia
lucano, su autor, René Laurentin, afirmó: “Tengamos pues una consideración
modesta, puesta bien en relieve por Gächter: María es (directa o indirecta-
mente) la principal fuente de la mayor parte de la narración [Lc 1-2]. Esto se
desprende de la naturaleza de la escena de la Anunciación, de la cual ella fue
el único testigo, y la mención explícita de sus recuerdos”. 129 (Traducción per-
sonal).
Y más adelante agregó: “El Evangelio de la infancia se refiere directamen-
te a testigos oculares: en primer plano, María, cuyos recuerdos son dos veces
evocados (2, 19 y 51). Estas menciones recuerdan la manera cómo el Evange-
lio de Juan invoca el testimonio del discípulo en Juan (13, 23, 18, 15, 19, 26).
Véase también 1, 14 y 1 Jn 1:1-4”. 130 (Traducción personal).
Años después, en los 70, Daniélou, al analizar la escena 2, 41-52, había
observado algo semejante. Afirmó que era posible concluir con seguridad
que la narración pertenecía a un género literario histórico, pues en su origen
se remontaba a testimonios de testigos oculares. Dichos testimonios, para el
autor, no constituían meras hipótesis, una vez que era el propio Lucas quien
apuntaba para su fuente (2, 51): “Su madre guardaba todas estas cosas en su
corazón”. Y Daniélou acotaba: “La fuente de nuestra historia es así, el testi-
monio de María. Pero este testimonio, Lucas sin duda no lo ha recibido de la

128)  GRELOT. Pierre. Los evangelios y la historia. Barcelona: Herder, 1987. p. 206.
129)  LAURENTIN, Op. Cit., p. 19. “Tenons-nous en donc à une constatation modeste, bien mise en re-
lief par Gächter : Marie est (directement ou indirectement) la source première de l’essentiel du récit [Lc
1-2]. Cela ressort notamment de la nature de la scène de l’Annonciation dont elle fut seul témoin, et de
la mention explicite de ses souvenirs”.
130)  Ibid., p. 97. “L’évangile de l’enfance se réfère directement à des témoins oculaires: au premier plan,
Marie, dont les souvenirs sont deux fois évoques (2, 19 et 51). Ces mentions rappellent la manière dont
l’Évangile de Jean invoque le témoignage du disciple en Jean (13, 23 ; 18, 15 ; 19, 26). Cf. aussi (1, 14
et 1Jn 1, 1-4)”.

58 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

misma María”. 131 El autor concluía afirmando que la preservación de tales


materiales vivenciales — si así se pudiese expresar — se debía a la inten-
ción catequética de la primera comunidad judío-cristiana y de quienes habían
estado cercanos a Jesús.
Semejante es la postura de Muñoz Iglesias, autor para quien María está en
el centro de Lc 1-2. Esta afirmación — puntualiza — no va en desmedro de
Jesús, toda vez que el Hijo es superior a la madre, “sino porque ella fue la des-
tinataria cualificada de aquellas revelaciones como una superviviente que las
había de conservar, comprobando el alcance de las mismas, a lo largo de la
trayectoria de Jesús hasta después de Pentecostés”. 132
Sobre la base de estas premisas, otro autor francés, Feuillet, también en
la década de los 70, planteó una variante. Estimó que las narraciones de Lc
1-2 serían recuerdos conservados y meditados por los seguidores de Juan el
Bautista y por la madre de Jesús. Lucas sería, por lo tanto, el transmisor de
acontecimientos de comprobado valor histórico, obtenidos de fuentes fide-
dignas. 133 Por otra parte, Feuillet mostraba la relación entre algunas tradicio-
nes joánicas plasmadas en el Apocalipsis y las escenas cristológicas y mario-
lógicas de Lc 1-2. El evangelista habría tenido acceso a tal doctrina por voz
de Juan, quien a su vez la habría recibido de María, durante todo el período en
que la cuidó como hijo.
Por esos mismos años, Mc Hugh, 134 al analizar las fuentes lucanas, defen-
dió la tesis de la existencia de una relación de paralelismos entre el cuarto y
el tercer evangelio. 135 Para el citado autor, se hacía difícil creer que los parale-
los por él mencionados fueran fruto de una simple casualidad. Se trataría de
conceptos doctrinales profundos, que estaban en el centro de las atenciones

131)  DANIÉLOU, Jean. Les Évangiles de l’ Enfance. Paris: Du Seuil, 1967. p. 129. Traducción personal
del texto original:  “La source de notre récit est donc le témoignage de Marie. Mais ce témoignage, Luc
ne l’a sans doute pas reçu de Marie elle-même”.
132)  Ibid., p. 155.
133) FEUILLET, A. Jésus et sa Mère. Paris: Gabalda, 1974. p. 83. “Nous sommes dès lors invités à
conclure que, loin d’être une libre construction théologique de l’évangéliste, les récits de Lc 1-2 remon-
tent en définitive à des souvenirs conservés et médités para les cercles baptistes et par la Vierge Marie;
en particulier ils nous livrent quelque chose de la contemplation faite par la Mère de Jésus du mystère
de l’Incarnation, mystère lié indissolublement à sa propre existence et à événements vécus par elle”.
134)  MC HUGH, John. La Mère de Jésus. Dans le Noveau Testament. Paris: Les Éditions du Cerf, 1977.
s.p.
135)  MC HUGH, Op. Cit., p. 55-56. En ambos prólogos — a diferencia de Mateo y Marcos — se mencio-
na a Juan Bautista (Lc 1, 15-16.76-77; Jn 1, 6-8.15). Jesús era la luz del mundo (Jn 1, 8-12) y luz para
revelación a los gentiles (Lc 2, 32; 1, 8-12) Ambos abordan la gloria de Jesús ( Lc 2, 32; Jn 1, 14 Lc 2,
9.14). Lucas y Juan apuntan para la gracia de Dios (Lc 2, 40.52; Jn 1, 14.16.17).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 59


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

de los miembros de la Iglesia primitiva, durante la segunda mitad del primer


siglo de la era cristiana. 136
Igualmente para Mc Hugh, María estaría en la fuente de Lc 1-2. Su argu-
mentación sostiene que la naturaleza de los eventos narrados por Lucas
hubiesen sido olvidados o desapercibidos por el gran público, caso no exis-
tiese alguien cercano a Jesús que guardara en su memoria y luego relatara lo
sucedido. Por lo demás, razona que el acontecimiento de la anunciación sólo
es conocido por María. Si este hecho se considera como histórico, la discu-
sión quedaría cancelada y se debería aceptar a la madre de Jesús como tes-
timonio directo del evangelio de la infancia. Mc Hugh así concluía su argu-
mentación: “Pero incluso si hacemos abstracción para el momento de la rea-
lidad histórica de la concepción virginal, debemos reconocer que Lucas nos
cuenta esta historia como si la viera a través de los ojos de María”. 137
Pese a todo, estas interpretaciones no encontraron eco entre otros estudio-
sos. Es así como Raymond Brown sostuvo que la presunta existencia de un
contacto pre-evangélico, es decir, de fuentes orales o escritas que están en la
base de Juan y que habrían influenciado a Lucas o viceversa, ofrecen puntos
“problemáticos”. 138
Asimismo, al estudiar las posibles fuentes lucanas del capítulo 1, Brown
manifiesta sus prevenciones a la opinión que “tiene hoy muchos abogados

136)  Ibid., p. 56. “Il est difficile répétons-le, de croire que ces parallèles entre Luc et Jean soient l’effet
d’une pure coïncidence, d’autant plus qu’ils impliquent le type même de ces notions doctrinales sur les-
quelles se concentra l’attention de l’Eglise chrétienne durant la seconde moitié du premier siècle. Leur
présence dans deux de nos évangiles semble indiquer que leurs auteurs ne se contentent pas d’ exprimer
ici un jugement purement personnel sur la personne de Jésus, mais se font en réalité l’écho, au moins
dans une certaine mesure, de croyances qui avaient cours dans l’Eglise primitive”.
137)  Ibid., p. 189. “Mais même si nous faisons abstraction pour le moment de la réalité historique de la
conception virginale, nous devons reconnaître que Luc nous raconte cette histoire comme s’il la voyait
à travers les yeux de Marie”. (Traducción nuestra).
138)  BROWN, Op. Cit., p. 242: “(…) no tiene ningún interés la tesis que recurre a toda una serie de conje-
turas sin peso para establecer una relación entre Lucas y Juan y explicar así el origen del relato de la in-
fancia: el discípulo amado era Juan, Hijo del Zebedeo (problemático); la escena de Jn 19, 27, altamente
simbólica, es histórica, y María vivió en casa de Juan cierto número de años (muy problemático); Ma-
ría contó a Juan los acontecimientos que rodearon el nacimiento de Jesús (pura conjetura); y Lucas ob-
tuvo esa información de sus contactos con la tradición joánica, contactos que se demuestran por los pa-
ralelismo mencionados antes”. El autor alude a los paralelismos que se invocan apuntando a la referen-
cia de la figura de Juan Bautista en el prólogo del cuarto evangelio (1, 6-8.15) y en Lc 1. Para Brown,
“no se parecen en nada”.
* En nota al pie de página Brown opina: “En Jerusalén o en Éfeso (según leyendas nada fidedignas que
cuentan la historia posterior de Juan). Se piensa que Lucas, incluido en el “nosotros” de Hechos, tuvo
contacto con Juan y María en alguno de esos sitios (Hch 20, 17; 21, 15)”.

60 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

en círculos católicos” 139 de una fuente mariana. En efecto, para el exegeta, la


tesis por la cual María habría revelado su experiencia personal en contacto
con el ángel que le anuncia la encarnación:

(…) ha perdido mucha fuerza, desde el momento en que, para el pensamien-


to católico, la inspiración de la Escritura no es garantía de historicidad.
Actualmente no hay motivo alguno por el que un católico no pueda juzgar
que la escena es producto de la imaginación creadora de Lucas, mientras no
niegue las verdades teológicas que se contienen en ella. 140

Constatamos que las opiniones aquí vertidas no agotan la problemática.


Por el contrario, son las pruebas que la temática “fuentes lucanas, capítulos
1-2”, en el pasado reciente, ha sido tema de investigación y de intercambio de
argumentos exegéticos al interior del mundo académico, que de modo parti-
cular se interesa por estos evangelios de la infancia.
Algunos autores dan preeminencia a los acontecimientos históricos de la
infancia de Jesús, mientras otros los consideran leyendas edificantes. Frente a
esta realidad, oportunas son las palabras de Fitzmyer que aconsejan estar en
conocimiento de esta problemática y sus implicaciones, para lograr “un análi-
sis y una interpretación correcta de los escritos lucanos”. 141 Pues, aludiendo a
dos figuras de la mitología griega, concluye que:

El verdadero problema consiste en conducir hábilmente el curso de la inves-


tigación entre Escila y Caribdis, entre una actitud excesivamente crítica,
que convierte a Lucas no sólo en «el malo de la película» (Van Unnik), sino
incluso en el «terremoto» de la familia neotestamentaria, y una aceptaci-
ón ingenua de sus tendencias conscientes y deliberadas, como expresión de
una auténtica mentalidad histórica. 142

Seguramente, ante esta problemática, no pocos serán de la idea que lo


importante, tratándose de estudios teológico-exegéticos, es intentar descifrar
la globalidad del mensaje contenido en la narrativa lucana, tanto más que en
palabras de Fitzmyer:

139)  Ibid., p. 249.


140)  Ibid., p. 249.
141)  FITZMYER, Op. Cit., p. 25. Tomo I.
142)  Ibid., p. 25.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 61


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

El Evangelio según Lucas posee una característica peculiar, en cuanto que


es el único escrito del Nuevo Testamento que tiene una continuación con
perspectivas propias en el aspecto literario, didáctico, apologético, geográ-
fico, histórico y teológico. Algunos de estos aspectos se pueden detectar
también en la propia narración evangélica, y valen para justificar el traba-
jo redaccional con el que Lucas ha reelaborado los materiales recibidos de
la tradición. 143

4. El sentido de “corazón”, “conservar o guardar”, “cosas


o palabras” y “meditar” en el contexto bíblico

Considerando la importancia que los autores arriba citados asignan a estos


dos versículos, a continuación se presenta un análisis semántico, determinan-
do el sentido que los conceptos “corazón”, “guardar” o “conservar”, “pala-
bra” y “meditar” desempeñan dentro del contexto bíblico. Para tal propósito
se tomará como referencia la versión de los LXX y el texto masorético.

4.1. Palabras o cosas / conservar y guardar


Como se ha señalado, Lucas repite en dos ocasiones que “María guardaba
en su corazón todas estas palabras…”

2, 19 h` de. Maria.m pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta sumba,llousa evn th/|
kardi,a| auvth/j
María conservaba todas estas palabras meditándolas en su corazón.
2, 51b kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvth/j
Y su madre conservaba todas las palabras en su corazón.

Dentro del evangelio de Lucas el sustantivo r`h/ma es utilizado 18 veces


y podría corresponder a una traducción del concepto hebreo rB'D' dābār,
“palabra”. 144 En 2, 19 y 2, 51 describe por medio de tres verbos la actitud espi-

143)  Ibid., p. 22.


144)  Lc 1, 37,.38.65; 2, 15.17.19.29.50.51; 3, 2; 5, 5; 7, 1; 9, 45; 18, 34; 20, 26; 24, 8, 24, 11. BETZ, O.
In COENEN, Lotar; BEYREUTHER, Erich y BIETENHARD, Hans. Diccionario teológico del Nue-
vo Testamento. 3a. ed. Salamanca: Sígueme, 1993. p. 275. Vol III. “En los LXX rhéma se da preponde-
rantemente por el hebreo dābār palabra, cosa, aunque es verdad que el término hebreo se traduce con
preferencia, especialmente en los libros proféticos, por lo,goj [lógos], sin embargo, rhéma se encuentra
147 veces en el Pentateuco y se da con frecuencia en Dt y en la obra histórica deuteronomística. Aquí
la estructura doble de dābār /palabra/cosa ha matizado también el uso de rhéma, que por ello puede si-
gnificar tanto, a) palabra, sentencia, como b) cosa, acontecimiento, caso, rhéma aparece como resultado
del decir y también del hacer; es más, este último significado es el decisivo (Cf. 1 Sam 18, 8)”.

62 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

ritual que María adopta frente a: ta. r`h,mata tau/ta (2, 19); pa,nta ta. r`h,mata
(2, 51) “todas estas ‘palabras’ o ‘acontecimientos’ que a ella le ha correspon-
dido vivir. 145
En 2, 19 indica que María suneth,rei (indicativo, imperfecto activo 3ª
Pers. Sing) del verbo sunthre,w (conservaba, custodiaba detenidamente o con
detalle) 146 todas las palabras-sucesos. Este verbo es usado sólo dos veces más
en el Nuevo Testamento, una por Marcos y otra por Mateo, 147 y no figura en
la versión de los LXX.
En 2, 51, por la conjugación dieth,rei (indicativo, imperfecto activo 3ª Pers.
Sing) del verbo diathre,w se afirma que María custodiaba con atención o cui-
dadosamente 148 todas sus experiencias que ha vivido. Este verbo es una par-
ticularidad de Lucas pues aparece solamente una vez más en el Nuevo Testa-
mento (Hch 15, 29), pero en el sentido de “evitar, mantenerse lejos, o guardar-
se de algo”. 149
La conceptualización de un “guardar” o “retener” en la mente, referida a
María, tiene un paralelo en la versión de los LXX. En Gn 37, 11b, a propósito
del relato del enigmático y profético sueño de José, se dice que:
(37, 11b) 150 o` de. path.r auvtou/ dieth,rhsen to. r`h/ma
(su padre guardó el acontecimiento).
rb'D'h;-ta, rm;v' wybia'w> (37, 11b) 151

145)  RADL, W. In: BALZ–SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1310. Vol. II. Sobre la expresión ta. r`h,mata tau/
ta, presente en Lc 1, 65; Hech 13, 42 como objeto directo de (dia-) lale,w “podrían referirse a las pa-
labras pronunciadas; pero el contexto sugiere que se piensa en sucesos o cosas, y que r`h/ma especial-
mente en Hech 13, 42, y también en Lc 2, 15.19.51, no se refiere tan sólo a lo que se ha ‘dicho’ inmedi-
atamente antes (acerca de lale,w con acusativo de cosa cf. Hech 2, 11)”.
146)  Keep or preserve closely. LIDDELL, Henry George y SCOTT, Robert. A Greek – English Lexicon.
New York: Oxford University Press, 1996. p. 1727.
BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1607. Vol. II. Sostienen que significa, “preservar, conservar, prote-
ger, conservar en la memoria (…) según Lc 2, 19 María conservaba en la memoria las palabras angéli-
cas que le habían transmitido los pastores pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta”.
147)  Mc 6, 20 lo utiliza para describir la “protección” de Herodes hacia el Bautista pues sabía que era un
hombre santo. En Mt 9, 17 en el sentido de “conservar” los odres de vino.
148)  “Watch closely, observe”. LIDDELL y SCOTT, Op. Cit., p. 415. BALZ - SCHNEIDER, Op. Cit.,
Col. 949-950. Vol. I. Comentan: “Lc 2,51: ‘su madre conservaba pa,nta ta. r`h,mata en su corazón’. No
se hace referencia probablemente a ‘todas las palabras’ que ‘se conservan en la memoria’ (así Bauer,
Wörterbuch, s.v.), sino a ‘todos los sucesos’; cf. 2, 19”.
149)  RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005. p. 128.
150)  RAHFS, Alfred et HANHART, Robert. (ed). Septuaginta: id est Vetus Testamentum Graece iuxta
LXX interpretes. 2a. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2006. s.p.
151)  ELLIGER, K et RUDOLPH, W. Biblia hebraica Stuttgartensia. 5a. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelge-
sellschaft, [1967/1977], 1997. s.p.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 63


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

dieth,rhsen (aoristo, activo indicativo 3ª Pers. Sing) corresponde a la tra-


ducción de rm;v' shâmar (guardar, conservar). 152 Y to. r`h/ma (en acusativo sin-
gular) traduce rb'D'h; hadābār (el acontecimiento) de rb'D' dābār (palabra, cosa,
suceso). 153

4.2. Meditar / pensar / captar el verdadero sentido


En 2, 19 la forma verbal sumba,llousa (participio, presente activo, nomi-
nativo, femenino, singular) del verbo sumba,llw (meditar, pensar), 154 expre-
sa la situación de diálogo interior, de deliberación por medio de la cual María
entrelaza y confiere hechos y palabras, para establecer cuáles son los desig-
nios de Dios. 155 Este último verbo también es exclusivo de Lucas pues de las

152)  ALONSO SCHÖKEL, Luis. Diccionario bíblico hebreo-español. Madrid: Trotta, 1994. p. 777. Tam-
bién almacenar, depositar, encerrar, custodiar, observar, cumplir.
SAUER, G. In JENNI, Ernest y WESTERMANN, Claus. Diccionario teológico manual del Antiguo Tes-
tamento. Madrid: Cristiandad, 1985. Col. 1232-1233. Tomo II. Comenta que este verbo rm;v' está atesti-
guado 468 veces en el AT. “Tiene la misma amplitud semántica en las afirmaciones religiosas. El san-
tuario ha de ser custodiado y vigilado (1 Sm 7, 1, el arca; en época posterior es, sin duda, una función
independiente). En sentido traslaticio, los piadosos guardan y observan la alianza (Gn 17, 9s y passim),
el derecho (Is 56, 1), el amor y el derecho (Os 12, 7) y, sobre todo, los mandamientos, preceptos e ins-
trucciones de Dios (Gn 26, 5 y passim)”.
153)  ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 170. “Significa primero la palabra: sea el acto de hablar, el enun-
ciado o su contenido (tomar la palabra, pronunciar unas palabras, comprender las palabras). De ahí pa-
sa a significar el tema o el asunto. Significa además la acción y el modo de hacerla o ponerla en prácti-
ca, conducta; y su contenido o la tarea, faena. También hecho, suceso; y su causa: ocasión condición”.
GERLEMAN, G. In JENNI, Ernest y WESTERMANN, Claus. Diccionario teológico manual del Antiguo
Testamento. Madrid: Cristiandad, 1978. Col. 620-621. Tomo I. Sobre este sustantivo observa: “Aun-
que se asigne un doble sentido a dābār (es decir, ‘palabra’ - ‘cosa’), no se debe explicar esta duplici-
dad semántica refiriéndose a la antigua concepción del mundo que no distinguía estrechamente entre lo
espiritual y lo material. dābār no significa ‘objeto’ en sentido material, como opuesto a ‘persona o co-
mo designación de objetos propios de alguien (por ejemplo ‘objeto, aparato’), sino que es, por su mis-
mo carácter, una abstracción. En dābār queda siempre algo propio de la actividad del verbo: designa al-
go que puede dar o ser ocasión de alguna reflexión o alguna acción, es decir, ‘ocasión’, ‘suceso’, ‘acon-
tecimiento’”.
154) TAMEZ, Elsa. Diccionario conciso Griego-Español del Nuevo Testamento. Nördlingen: Socieda-
des Bíblicas Unidas, 1978. p. 168. Según RUSCONI, Carlo. Op. Cit., p. 432. entre sus acepciones es-
tá: “Reflexionar, meditar, concatenar, coordinar Lc 2, 19”. Este verbo también tiene otros significados
próximos. En intransitivo puede ser, encontrarse con; enfrentarse con; discutir con; consultar con; deli-
berar con; en uso medio, ayudar, socorrer (Hch. 18, 27).
155)  S HOFIUS, O. In BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1532-1533. Vol. II. “Ofrece dificultades la
comprensión de sumba,llw en la frase de Lc 2, 19, que debe atribuirse a la redacción lucana. Contra la
traducción, muy difundida, de ‘meditar/reflexionar’ habla el hecho de que este significado no se hal-
la atestiguado en ninguna otra parte; tampoco en los pasajes ajenos al NT, aducidos por Bauer; Wörter-
buch, s.v. Es discutible que pueda presentarse como prueba el texto de Herodoto VII, 24 (¡en voz me-
dia!). Como en el contexto del v. 19 se habla de acontecimientos extraordinarios y misteriosos, el ver-
bo podría significar: captar el verdadero sentido, dar con el significado correcto (como Eurípides, Med

64 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

seis veces que aparece en el Nuevo Testamento, cuatro son en Hechos (4, 15;
17, 18; 18, 27; 20, 14) y dos en su Evangelio (2, 19; 14, 31).
Todo este “movimiento dinámico y progresivo” 156 de diálogo sobrena-
tural en que María ha reunido (2, 19) con cuidado (2, 51) los impactan-
tes sucesos que ha vivido en relación a su Hijo, tienen por sede un concep-
to de alto valor antropológico para el mundo hebreo: el corazón ble lêb / bb'le
lêbab.

4.3. Corazón
En la mentalidad del pueblo elegido, el “corazón” desde el punto de vis-
ta físico, es el más noble de los órganos del cuerpo. Al mismo tiempo, como
observa Wolff, “es el término más importante del vocabulario antropológico
del antiguo testamento (…) en su forma más corriente (lêb) la que se presen-
ta en el Antiguo Testamento hebreo 598 veces y lêbab 258. Se debe agregar
el arameo de Daniel: lêb, una vez y lêbab siete. En total son 858 veces y en
consecuencia se trata del concepto antropológico más frecuente. En síntesis,
‘corazón’ a diferencia de otros términos, también fundamentales, dice rela-
ción casi exclusivamente, al hombre”. 157
El “corazón”, como también los conceptos “espíritu” h;Wr rūah y “alma”
vp,g< nefeš conforman un campo semántico, en el que con frecuencia son
apuntados como sitiales de la esfera de los sentimientos y los deseos. Es así
como en algunos pasajes de las escrituras se aprecian ciertos paralelismos: 158
Mirad que mis siervos cantarán con corazón dichoso, mas vosotros grita-
réis con corazón triste, y con espíritu quebrantado gemiréis. (Is 65, 14)
El corazón alegre mejora la salud; el espíritu abatido seca los huesos.
(Prov 17, 22)

675; Iph Taur 55; Josefo, Ant II, 72; Bel lII, 352; Filóstrato, Vit Ap IV, 43; cf. además Wettstein, NT I,
633s, así como en cuestiones de detalle van Unnik). A diferencia de los pa,ntej, del v. 18, que simple-
mente se ‘maravillan’ de lo que refieren los pastores (v. 17), María conoce el verdadero significado ‘de
todas esas cosas’ (pa,nta ta. r`h,mata tau/ta). Ella reconoce en la milagrosa aparición de los ángeles y en
el mensaje angélico (vv. 9-14) la confirmación de la promesa que ella misma había escuchado de labi-
os del ángel (1, 26ss)”)
156)  GARCÍA PAREDES, José. Mariología. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1995. p. 94.
157)  WOLFF, Hans Walter. Antropología del Antiguo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1975. p. 63.
158)  Jos 2, 11; 5, 1; Ez 21, 12; Sal 34, 19; 51, 19; Prov 15, 13. ALBERTZ, R y WESTERMANN, C. In
JENNI y WESTERMANN, Op. Cit., Col. 929-930. Tomo II.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 65


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

“¿Hasta cuándo tendré congojas en mi alma, en mi corazón angustia, día y


noche? ¿Hasta cuándo triunfará sobre mí mi enemigo?” (Sal 13, 3).
Yahveh está cerca de los que tienen roto el corazón, él salva a los espíritus
hundidos” (Sal 34,19).
Sin embargo, como explica Eichrodt, “de todos modos, tales casos no cons-
tituyen lo característico del empleo de lêb; lo que deja entrever el significado
propio del término dentro de la mentalidad hebrea es su utilización preponde-
rante en relación con procesos intelectuales y volitivos”. 159
En este mismo orden de ideas, a propósito de los puntos de contacto entre
“espíritu” y “corazón” afirman Albertz y Westermann:

Las interferencias no deben inducir a considerar rūah, en analogía con lêb,


como ‘sede de los sentimientos’. lêb está por principio ligado al hombre; es
algo presente, que luego participa de la concepción dinámica y unitaria del
hombre en el AT. rūah no es originariamente parte constitutiva del hombre
del mismo modo, sino un poder que puede dominar al hombre no sólo desde
dentro, sino también desde fuera. 160

Vale decir, el concepto lêb, “corazón”, se asocia a las facultades inte-


lectuales del entendimiento y la voluntad, que corresponden a propiedades
inherentes al ser humano, pues es en su interior (su corazón), donde delibe-
ra, juzga y decide el rumbo de sus acciones, hecho fundamental que lo dis-
tingue de los seres irracionales. Solamente él, y nadie más, es dueño, ante
su Creador y sus semejantes, de sus actos, sean éstos objeto de mérito o
demérito.
Pone de relieve este aspecto intelectivo vinculado al concepto “corazón”,
Eichrodt:

Cuando Oseas quiere caracterizar la torpe política del reino del Norte, dice
que Efraín no tiene corazón, o sea, que no tiene inteligencia; y si Jeremías
se propone anatematizar los sacrificios infantiles israelitas como algo total-
mente contrario a la voluntad de Yahvé, dirá que él no ha mandado nada
de eso, ni tuvo nunca cabida en su corazón. Esto demuestra dónde reside el
verdadero énfasis, incluso cuando lêb se utiliza de forma complexiva para
designar la persona entera, su vida interior, su carácter: hay una referen-
cia clara a la actividad espiritual voluntaria y consciente, de un yo huma-

159)  EICHRODT, Walther. Teología del Antiguo Testamento II. Dios y mundo-Dios y hombre. Madrid:
Cristiandad, 1975. p. 149.
160)  ALBERTZ, R y WESTERMANN, C. In: JENNI y WESTERMANN, Op. Cit. Col. 930. Tomo II.

66 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

no considerado como completo, que se contrapone de modo patente tanto a


la actividad de la nefĕs, de cáracter fundamentalmente animal e instintivo,
como a la de rūah, que actúa de forma prepotente y domina al hombre por
completo 161.

Dentro de la perspectiva de la Alianza y del relacionamiento entre el hom-


bre y Dios, se llega a la conclusión de que es en el corazón ( ble lêb) donde, en
última instancia, la criatura opta por la fidelidad o el rechazo al llamado de
su creador. 162
Como explica Sorg, el corazón es la fuente de la vida espiritual, de la
inteligencia, el conocimiento, de las mociones y fuerzas intelectivas (1Re 3,
12, 5, 9), del amor, de la valentía, del dolor (Jer 4, 19) de la alegría (Dt 28,
47), de la tranquilidad (Prov 14, 30) o excitación (Dt 19, 6), como también
de las fantasías y visiones (Jer 14, 14). En resumen, el corazón es la fuen-
te del sentir, pensar y querer del ser humano. Pero además es en el corazón
donde se fragua la necedad (Prov 10, 20s) y los malos pensamientos. Del
corazón sale la voluntad, la intención resuelta (1Re 8, 17) y la decisión dis-
puesta a la acción (Ex 36, 2). 163
Para Mourlon, cuando en la Biblia se habla del corazón, se intenta desig-
nar a toda la persona en su interioridad y no solamente como la sede de las
emociones y de la afectividad. El corazón es el centro de los proyectos y de
las opciones decisivas de la conciencia moral de la decisión de fe (un corazón
abierto) o de la decisión de no-fe (un corazón duro). En síntesis, el corazón es
el asiento de la vida psíquica, de la voluntad, de la vida emotiva, de la vida
moral y religiosa. 164

161)  EICHRODT, Op. Cit., p. 150.


162)  (Dt 30, 15-19). “Mira, yo pongo hoy ante ti vida y felicidad, muerte y desgracia. Si escuchas los man-
damientos de Yahveh tu Dios que yo te prescribo hoy, si amas a Yahveh tu Dios, si sigues sus caminos y
guardas sus mandamientos, preceptos y normas, vivirás y multiplicarás; Yahveh tu Dios te bendecirá en
la tierra a la que vas a entrar para tomarla en posesión. Pero si tu corazón se desvía y no escuchas, si te
dejas arrastrar a postrarte ante otros dioses y a darles culto, yo os declaro hoy que pereceréis sin reme-
dio y que no viviréis muchos días en el suelo que vas a tomar en posesión al pasar el Jordán. Pongo hoy
por testigos contra vosotros al cielo y a la tierra: te pongo delante vida o muerte, bendición o maldición.
Escoge la vida, para que vivas, tú y tu descendencia”.
163)  SORG, Th. In: COENEN, Lotar; BEYREUTHER, Erich y BIETENHARD, Hans. Diccionario teo-
lógico del Nuevo Testamento. 3a. ed. Salamanca: Sígueme, 1993. p. 339. Vol I.
164)  MOURLON BEERNAERT, Pierre. El hombre en el lenguaje bíblico. Estella: Verbo Divino, 1984.
p. 8-9.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 67


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

Para Alonso Schökel, el corazón es la sede de la vida, la interioridad, la


intimidad, la memoria, la imaginación, la fantasía, la atención, la inteligen-
cia, el entendimiento, el juicio, la razón, la comprensión, el ejercicio de pen-
sar, la voluntad, el deseo, la decisión. 165
Léon-Dufour afirma que “el corazón es lo que se halla en lo más interior
(…), en lo íntimo del hombre se hallan, sí, los sentimientos, pero también los
recuerdos y los pensamientos, los razonamientos y los proyectos. El hebreo
habla, pues, con frecuencia del corazón en casos en que nosotros diríamos
memoria, o espíritu, o conciencia”. 166
En otras palabras, por corazón se designa a la personalidad conciente, inte-
ligente y libre. 167

4.4. Guardar en el corazón


La expresión, “guardaba en el corazón”, empleada por Lucas, altamente
elogiosa en relación a María, tiene paralelos en el Antiguo Testamento. En
los LXX (1Sm 21, 13 a) se lee que David, huyendo de Saúl, llegó a la corte
de Akís, rey de Gat. Para desgracia del vencedor de Goliat, los sirvientes le
recordaron a su señor que del visitante hebreo se cantaba: “Saúl ha herido a
sus mil y David a sus diez mil”:
(1Sm 21, 13 a) 168 kai. e;qeto Dauid ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvtou
Y puso la atención David sobre estas palabras en su corazón.
Abb'l.Bi hL,aeh' ~yrIb'D>h;-ta, dwID' ~f,Y”"w: (1Sm 21, 13 a) 169
La forma verbal e;qeto (aoristo medio indicativo, 3ª Pers. Sing) del verbo
ti,qhmi (poner, colocar establecer) 170 en el texto masorético tiene su equivalen-
te en: ~Wf sum / ~yfi sim (poner, colocar, depositar, dejar, guardar); 171 r`h,mata
(en acusativo plural) palabras ~yrIb'D>h; hadebārîm (las palabras) y kardi,a (en

165)  ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 380-384.


166)  LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulario de Teología Bíblica. Barcelona: Herder, 1965. 871 p. 159
167)  Ibid., p. 159.
168)  RAHFS et HANHART, (ed). Septuaginta: id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes.
169)  ELLIGER et RUDOLPH. Biblia Hebraica Stuttgartensia.
170)  SCHRAMM, T. In BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1747. Vol. II. Sostiene que “el uso de ti,qhmi
en la LXX corresponde al uso de este verbo en el griego profano”.
171)  ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 725.

68 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

dativo) corresponde a ble lêb / bb'le lêbab (inteligencia, entendimiento, juicio,


razón, comprensión, imaginación, voluntad). 172
David reflexionando, y con desconfianza de Akís, concebirá la hábil estra-
tagema de pasar por débil mental, para así librar su vida de la amenaza que
sobre él pesaba.
También en los LXX, en el libro de Daniel (7, 28b), cuando el profeta con-
cluye su relato de la impresionante visión de las cuatro bestias que Dios le ha
concedido, declara que se conmovió en extremo:
(7, 28b) 173 kai. to. r`h/ma evn kardi,a| mou evsth,rixa
(y en mi corazón conservé el acontecimiento).
trej.nI yBiliB at'L.miW. (7, 28b) 174
La conjugación evsth,rixa (aoristo activo, indicativo 1ª Pers. Sing.) del verbo
sthri,zw (fortalecer, afirmar, fijar, establecer) 175 corresponde a la traducción
de trej.nI (Perf.1 Sing) de rj;n' net-ar’ (guardar, retener). 176
A su vez, kardi,a| (en dativo singular) de kardi,a (corazón) traduce ble lêb; 177
y r`h/ma (en acusativo singular) traduce hL'mi milla (palabra, discurso). 178
Finalmente, Lucas en su evangelio, relata el santo temor que se apoderó de
los vecinos de Zacarías (1, 66), quienes son testigos de la cura sobrenatural de
la mudez que lo afectaba. A propósito de la divulgación de estos sorprenden-
tes acontecimientos por toda la montaña de Judea, escribe:
(Lc 1,66) 179 kai. e;qento pa,ntej oi` avkou,santej evn th/| kardi,a| auvtw/n…
Y todos los que los oían, los guardaron [a pecho o] en su corazón...
La conjugación e;qento (aoristo, indicativo, medio, 3ª Pers. Pl.) del verbo
ti,qhmi está relacionada con evn kardi,a| (tomarse a pecho/ prestar atención),
según la traducción que presenta Schramm. 180

172)  Ibid., p. 380.


173)  RAHFS et HANHART, Op. Cit.
174)  ELLIGER et RUDOLPH, Op. Cit.
175)  LIDDELL y SCOTT, Op. Cit., p. 1644.
176)  ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 493. Guardar, vigilar, custodiar (Cant 1, 6; 8, 11s).
177)  Para un estudio detallado del uso y significado de ble en los distintos pasajes del Antiguo Testamento
Cf. ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 380-384 y STOLZ, F. In: JENNI y WESTERMANN, Op. Cit.,
Col. 1176-1185. Tomo I.
178)  ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 429. Cf. El significado “palabra” en (Dn 4, 30/33) y “asunto” en
(Dn 2, 10).
179)  ALAND Barbara, et al. The Greek New Testament Fourth Revised Edition.
180)  BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1749. Vol. II. “Lucas es el único que, ateniéndose al lengua-
je semitizante de sus fuentes, ofrece las expresiones ti,qhmi evn kardi,a| tomarse a pecho/ prestar atención

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 69


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

El concepto “corazón” kardi,a a su vez ha hecho derivar algunos neologis-


mos, como por ejemplo, kardiognw,sthj, que aparece por primera vez en el
Nuevo Testamento (Hech 1, 12; 15, 8) y se aplica a quien tiene el don de cono-
cer los corazones como también el discernimiento que Dios o Cristo posee en
lo más íntimo del ser (Lc 16, 15; Rom 8, 27 1Tes 2, 4; Apoc 2, 23 y en el AT
1Sam 16, 7; 1 Rg 8, 39). 181
Un segundo concepto que se desprende de kardi,a es de carácter negati-
vo, y corresponde a sklhrokardi,a “dureza de corazón” acuñado por los LXX
al traducir h'lr>[' bb'le lêbâb ‛orlâh (incircunciso de corazón) (Dt 10, 16; Jer 4,
4; Sir 3, 26s; Ecle 16, 1) que denota la actitud de alma refractaria al plan de
salvación de Dios. 182 Además la “incircuncisión de corazón” es sinónimo de
“paganismo”, “impureza” y “distanciamiento de la Alianza con Dios”. Este
reproche es uno de los tópicos de la predicación penitencial, en el ambiente
deuteronomístico-profético y — dependiendo de él — en el Israel antiguo. 183
Por otra parte, desde el punto de vista formal, la imperiosa necesidad para
los israelitas de abrir su corazón hacia el Señor, fue un tópico anunciado por
Jeremías.
Como afirma Léon-Dufour, este profeta “fue sin duda el primero que le
recordó [a Israel] que la circuncisión física, practicada por no pocos pueblos,
no tiene en sí misma ningún valor (Jer 9, 24); lo que importa es quitar el
prepucio de los corazones (Jer 4, 4), (…). El Deuteronomio proclama el mis-
mo llamamiento a la circuncisión del corazón, es decir, al amor exclusivo de
Yahveh y a la caridad fraterna (Dt 10, 12-22)”. 184

5. María, el discipulado y la sabiduría


Habiendo llegado a esta etapa de la exposición y teniendo como fon-
do de cuadro las observaciones y análisis de los autores arriba citados,
quienes sostienen que los “evangelios de la infancia” corresponden a una
“obertura” de todo el evangelio de Lucas y Hechos (Fitzmyer); un “prólo-

(Lc 1, 66 [en voz media]; 21,14; Hech 5, 4 [en voz media] y ti,qhmai eivj ta. w=ta, ‘escuchar a /grabarse
en la memoria’ (Lc 9, 44). Cf. también Hech 1, 7; 19, 21”. SCHRAMM, T., voz ti,qhmi.
181)  KITTEL, Gerhard y FRIEDRICH, Gerhard. Translated by BROMILEY, Geoffrey. Theological dic-
tionary of the New Testament. United States of America: William B. Eerdmans Publishing Company,
2003. p. 416. Vol. I.
182)  Ibid., p. 416.
183)  BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1436. Vol. II.
184)  LEON-DUFOUR, Op. Cit., p. 144.

70 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

go cristológico” (Perrot); o un “evangelio en miniatura” (Fabris), se puede


concluir que la perícopa 2, 41-52 se presenta como la culminación — den-
tro del conjunto eximiamente concatenado de confesiones cristológicas —
de todo Lc 1-2:

La densidad teológica es tal, que ilumina retrospectivamente con nueva


luz todos los títulos hasta el momento atribuidos al Mesías, y resume de
tal manera toda su enseñanza y su conducta en el ministerio público, que
una manifestación así, casi no aparecerá más. Resulta claro por qué Lucas
ha querido incorporar este texto a modo de conclusión en los relatos de la
infancia y como obertura al propio Evangelio. 185 (Traducción personal).

De hecho, la perícopa en cuestión está integrada en una atmósfera en la


que sobresale la sabiduría e inteligencia de Jesús. Cualidades que por vez
primera y de manera pública, brillan ante los sabios de Israel y otros oyen-
tes en el lugar sagrado. Es Jesús en íntima relación con su Padre celestial,
obediente y sumiso a su voluntad, que sale al encuentro de los hombres.
Esta particularidad, que el evangelista se encarga de describir con maestría
literaria, la destaca enmarcándola entre dos refranes o estribillos con fun-
ción analéptica: 186*
2, 40 El niño (Jesús) crecía y se desarrollaba lleno de sabiduría, y la gracia
de Dios permanecía con él.
2, 52 Mientras tanto, Jesús crecía en sabiduría, en edad y en gracia, ante
Dios y ante los hombres.
Pues bien, de estos dones de sabiduría y de gracia también participa María,
quien, como se ha leído, junto con José, angustiados por la desaparición de
Jesús, “no comprendieron” (2, 50) la respuesta que él les da. Con todo, “María
guardaba todas estas cosas en su corazón” (2, 51), realizando así un sapiencial
ejercicio de meditación en el que se articulan, cual mosaico interior, las valio-

185)  ROSSÉ, Gérard. Il vangelo di Luca: commento esegetico e teologico. Roma: Città Nuova, 1992. p.
106. “La densità teologica é tale che illumina di luce nuova retrospettivamente tutti i titoli finora attri-
buiti al Messia, e fa da sfondo a tutto l’insegnamento e comportamento nel ministero pubblico dove una
tale dichiarazione non apparirà qua­si più. Diventa chiaro perché Luca ha tenuto a incorporare questo te-
sto come conclusione ai racconti dell’infanzia, e come ouverture al vangelo vero e proprio”.
Esta hipótesis también es seguida por LAURENTIN, René. Jésus au Temple. Paris: Gabalda, 1966. p. 161s.
y LEGRAND, L. L’annonce à Marie. Une apocalypse aux origenes de l’Évangile. Lectio Divina, 106.
Paris: Du Cerf, 1981. Autor que va más allá pues Lc 2, 41-52 sería quizá la conclusión de todo el evan-
gelio lucano. Ver MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 236.
186)  * Ver numeral 3.4.1.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 71


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

sas piezas de los acontecimientos vividos en cotejo con las profecías mesiá-
nicas que todo judío piadoso, fuera hombre o mujer, conocía a la perfección.
Igual ejercicio piadoso María ya lo había realizado en 2, 19 — luego de oír
el relato de los pastores, que maravillados referían las palabras del ángel y la
visión de la cohorte celestial.
Se debe agregar a todo esto, que no faltan autores que sostienen que
Lucas, al presentar a María y José, “no comprendiendo” las palabras
que Jesús le dirige en respuesta a su desaparición por tres días, tendría
una clara intención catequética: el destinatario debería leerlos en la cla-
ve Pascual de la Resurrección. Efectivamente, María se presenta tam-
bién como la madre sufriente que experimenta la angustia de perder a su
hijo, sin saber si la “espada que le atravesará un día su corazón” (Lc 2,
34-35), profetizada por Simeón, doce años antes, no estaría a tiempo de
cumplirse.
Ese “no comprender” que es guardado y rumiado en su corazón, solamen-
te sería dilucidado veintiún años después, y al tercer día, al resucitar su hijo
glorioso de entre los muertos, luego de abrazar – en cumplimiento a la volun-
tad del Padre – una muerte ignominiosa de cruz. 187* En síntesis, la escena que
describe la pérdida y hallazgo en el templo podría ser un acontecimiento pre-
monitorio, no obstante algunos autores disientan. 188
En otros términos, como explica De Fiores, el evangelista Lucas:

Traza una imagen de María recorriendo los caminos de la fe. Su no-com-


prensión del misterio pascual oculto en la respuesta de Jesús (Ambrosio)
muestra que el misterio del Señor permanece como un enigma insondable
para todos los creyentes. Pero “se trata de un ‘no comprender’ interrogati-
vo, abierto a Dios, sin menoscabo de su inte­ligencia” 189.

La madre de Jesús se convierte así en modelo de discipulado, aunque


deba también enseñar a su hijo, como es propio a toda madre: “Fue, desde

187)  * De hecho, Jesús durante su predicación, dentro del relato lucano, en tres oportunidades anunciará
que sufrirá, morirá y resucitará al tercer día (Lc 9, 22.43-44; 18, 31-33; 24, 6-7.26-27.44-46).
188)  Discrepa de esta interpretación Muñoz Iglesias que no la considera probable. MUÑOZ IGLESIAS,
Op. Cit., p. 236. El mencionado autor, (Ibid. p. 248) cita como seguidores de esta hipótesis a LAUREN-
TIN, René. Jésus au temple. Mystère de Pâques et foi de Marie en Luc 2, 48-50. Paris: Gabalda, 1996.
p. 101-115; DUPONT, Jacques. L’ Evangile de la Fête de S. Famille (Lc 2, 41-52) y Jésus à douce ans.
AssSeign 14 (1961) 24-43. ELLIOT, J.K. Does Luke 2, 41-52 anticipate the Resurrection? ExpTim 83
(1971-72) 87-89, y LEGRAND, Lucien. L’Annonce à Marie (Lc 1, 26-38). Une apocalypse aux ori-
genes de l’Évangile. Lectio Divina, 106. Paris: du Cerf, 1981.
189)  DE FIORES, Op. Cit., p. 105. Citando a Shürmann. Il vangelo di Luca, p. 269.

72 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

el principio, discípula y maestra del Hijo. En esa tensión y proceso para-


dójico fue superando las dificultades de la fe, confirmando su opción por
el reinado de Dios a través de su propio proyecto de vida en Dios y des-
de Dios”. 190
En palabras de García-Viana, “esta fe reflexiva de María nos invita a los
creyentes a volver nuestra mirada a estos acontecimientos para descubrir en
ellos la luz que ilumine el camino de nuestra vida a servicio del evangelio de
Jesús”. 191 Así tenemos que la figura de María se perfila nítidamente como el
ideal más elevado del discípulo que escucha, guarda, reflexiona, contempla y
medita la palabra con amor, aunque el hic et nunc, por los designios misterio-
sos del Padre, puedan quedar en la oscuridad.
Sobre este particular se pregunta Clá Dias:

¿Por qué Nuestra Señora y San José no entendieron? Dios no les dio luces
para eso en aquel momento, a fin de que pidiesen tener mayor mérito, com-
prendiendo sólo más tarde las razones del comportamiento del Niño Jesús.
María no entendió las palabras de su hijo, pero (…) conservaba en su cora-
zón “todas esas cosas” con amor, sabiendo que había una lección por detrás
de ese episodio. 192

En otros términos, para María, su hijo amado, el Mesías, será el eje en


torno al cual gravitarán todas sus preferencias y actividades. Los constan-
tes ejercicios de oración contemplativa tendrán como sede su sapiencial cora-
zón, al interior del que se sintetizarán elevadas operaciones de la inteligencia
y la voluntad, impregnadas de sentimientos de afecto, veneración y ternura.
Como explica Serra:

La que había sido la reflexión sapiencial de Israel y de cada Israelita fue


también herencia de María. Para comprender quién es Jesús, ella repite en
su interior el itinerario espiritual del pueblo del que desciende. En efecto,
¿cómo se comporta la Virgen ante todo lo que hace y dice Jesús, “sabiduría
de Dios”? (cf Cor 1, 24.30). Ella “conserva” el recuerdo de aquellos hechos
y de aquellas palabras (Lc 2, 19a.51b); pero no de una forma estática, pues-

190)  LEÓN MARTÍN, Trinidad. María. In: FLORISTÁN, Casiano. Nuevo diccionario de Pastoral. Ma-
drid: San Pablo, 2002. p. 867.
191)  GARCÍA-VIANA, Luís Fernando. Evangelio según San Lucas. In: Comentario al Nuevo Testamen-
to, 6a. ed. Estella: Verbo Divino, 2000. p. 198.
192)  CLÁ DIAS, João Scognamiglio. ¿Cómo encontrar a Jesús en la aridez? In: Revista Heraldos del
Evangelio. Madrid. No. 77 (Dic., 2009), p. 15.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 73


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

to que se esfuerza en profundizar en su sentido, meditándolas (literalmente:


“confrontándolas”) en su corazón (Lc 2, 19b: symbállousa). […] He aquí,
por consiguiente, el desarrollo dinámico de la fe de María: recordar para
profundizar, para actualizar, para interpretar 193.

Lo que sería, por excelencia, un ejercicio propio a la sabiduría:

Subraya el evangelista, “su madre guardaba todas estas cosas en su cora-


zón” (v. 51b): a semejanza, se diría, de los sabios, que se recogen en medi-
tación para rumiar los enigmas de la palabra de Dios. Y de esta manera,
como dice el Vaticano II, la Virgen avanzaba en la peregrinación de la fe
(LG 58). 194

6. Conclusiones

El presente trabajo, centrado en la perícopa 2, 41-52, unidad pertenecien-


te a los primeros capítulos de la obra lucana, ha permitido llegar a las siguien-
tes conclusiones.
En primer lugar, aplicando el método de crítica textual se identificaron las
variantes más destacadas, según atestiguan los manuscritos más importantes
a disposición. Se comprobó que ellas no dificultan el sentido léxico y teológi-
co del texto. La perícopa no presentó “puntos críticos” y se puede afirmar que
tuvimos ante nosotros la reconstrucción de un texto seguro.
La traducción literal acompañada de una segmentación permitió una visua-
lización más precisa de la articulación y correlación de los elementos grama-
ticales que conforman el texto. La presentación de una traducción dinámica o
funcional aproximó el texto para el lector contemporáneo.
Antes de entrar en el estudio de Lc 2, 41-52, con base en algunos de los
más destacados estudiosos del evangelio lucano, se demostró que los capí-
tulos 1-2 — llamados de “evangelio de la infancia” — corresponden a textos
con una clara unidad y coherencia. En otros términos, ambos capítulos son
inseparables, al grado de ser definidos por ciertos autores como un “prólogo

193)  SERRA, Aristide. María en el Antiguo Testamento. In: ROSSANO, Pietro, RAVASI, Gianfranco,
GHIRLANDA, Antonio. Nuevo Diccionario de Teología Bíblica, 2.ed., Madrid: San Pablo, 1990, p.
1129.
194)  Ibid., p. 1129.

74 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

cristológico”, una “magistral obertura” de todo el evangelio lucano y Hechos


o un “evangelio en miniatura”.
Quedó además en evidencia que Lucas compuso la narrativa de estos dos
capítulos sobre la base de siete escenas-pivote, de acuerdo a un paralelismo
entre los anuncios y nacimientos de Juan Bautista y Jesús.
Por otra parte, se analizaron algunas de las características literarias de
la perícopa 2, 41-52, que indicaron tratarse de una unidad textual inde-
pendiente, que narra acontecimientos únicos y específicos, quedando
en evidencia la intención redaccional del autor: desatacar la sabiduría,
la filiación divina y la gracia que caracterizan a Jesús. En síntesis, al
momento de organizar una estructuración del texto se verifica que éste
no ofrece dificultades. Como fue estudiado, el texto presenta un sistema
de correlaciones entre sus diversos elementos que le confieren una evi-
dente cohesión.
No deja de ser interesante comprobar las encontradas opiniones que
motiva este texto, 2, 41-52, cuando los autores intentan determinar su ori-
gen. Para algunos sería una composición añadida, para otros un conjun-
to original de la obra. Con todo, la opinión unánime es que la perícopa
plantea numerosos desafíos teológicos dignos de ser estudiados. En este
sentido, al concluir la primera parte del trabajo se mostró el alto interés
“kerigmático” del evangelista al redactar este “evangelio de la infancia”.
Era necesario que gentiles, judíos de habla griega y los primeros cristia-
nos, conocieran en detalles la figura de Jesús de Nazaret, pues no se trata
de un personaje mítico o legendario, sin arraigo en la historia. Por el con-
trario, Él es el verdadero Hijo de Dios, el Mesías, el Redentor, quien en un
momento decisivo de la historia humana se anonadó a sí mismo, muriendo
y resucitando, salvando así a su pueblo y a la humanidad, según lo anun-
ciado por los profetas.
En el capitulo II se presentó la opinión de los exegetas al momento de ana-
lizar las posibles correlaciones entre los “evangelios de la infancia” lucanos y
mateanos. Los referidos especialistas son unánimes en señalar el desconoci-
miento entre Lucas y Mateo y viceversa.
El estudio sobre las posibles fuentes de Lucas, demostró que la temática
plantea un cúmulo de conjeturas en el mundo académico. Para algunos, el
tercer evangelista habría tenido acceso a un texto original escrito en hebreo,
próximo a ciertos círculos levíticos de Jerusalén. Lucas, gran conocedor
de la lengua griega, habría realizado su traducción. Otros afirman tratar-
se de un texto en arameo y finalmente no faltan los que opinan que utili-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 75


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

zó un texto semítico ya traducido al griego. Con todo, las conjeturas alcan-


zan su zenit cuando se indaga al respecto de las fuentes orales. Es el propio
Lucas que las señala al iniciar su obra: “testigos oculares y ministros de la
palabra” (Lc 1, 2). Es así como no pocos autores levantan la hipótesis de ser
María, la madre de Jesús, la fuente directa o indirecta de estos relatos luca-
nos, pues en dos ocasiones la menciona en estribillos paralelos de modo elo-
gioso (2, 19. 52):
19 “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en su corazón.”
52 “Y su madre guardaba todas estas palabras en su corazón.”
Dada la trascendencia que estos dos versículos desempeñan en los relatos
de la infancia, se realizó un análisis semántico, determinando el sentido que
los conceptos, “corazón”, “guardar” o “conservar”, “palabra” y “meditar” tie-
nen dentro del contexto bíblico, tomando como referencia la versión de los
LXX y el texto masorético.
En la parte final se concluye que la perícopa 2, 41-52 se presenta como la
culminación — dentro del conjunto de confesiones cristológicas — de todo
Lc 1-2. Dentro de la trama textual, María se erige como la figura modelo del
discípulo(a) que conserva, medita y guarda la palabra de Dios de modo sabio
y amoroso, inclusive cuando no comprende cabalmente sus designios miste-
riosos e insondables.
La contemplación de la madre de Jesús, constituye, como enseña Martini,
una invitación para penetrar en su corazón y “establecer un dialogo con ella,
para que nos enseñe esa actividad afectiva y espiritual que nos permita pro-
fundizar el misterio de Cristo en su totalidad”. 195
Esta actitud reflexiva, de quien procura entrar en sintonía con el Señor,
corresponde a una sublime práctica de espiritualidad, fruto del don de la sabi-
duría, que en nuestros días se vuelve apremiante. En efecto, como afirma
Pagola:

La ausencia de silencio ante Dios, la falta de escucha interior, el descui-


do del Espíritu están llevando a la Iglesia a una “mediocridad espiritual”
generalizada. K. Rahner consideraba que el verdadero problema de la Igle-
sia contemporánea es “seguir tirando con una resignación y un tedio cada
vez mayores por los carriles habituales de una mediocridad espiritual” (Lo
dinámico en la Iglesia. Herder. Barcelona 1968; La experiencia del Espíritu.
Narcea. Madrid 1980). (…)

195)  MARTINI, Op. Cit. p. 120.

76 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

En la Iglesia hay actividad, trabajo pastoral, organización, planificación


pero, con frecuencia, se trabaja con una falta alarmante de “atención a lo
interior”, buscando un tipo de eficacia inmediata y visible, como si no exis-
tiera el misterio o la gracia. 196

Sin duda, esta “mediocridad espiritual” y esta falta de “atención interior”


tiene sus reflejos en una crisis que se manifiesta en los individuos, en la fami-
lia y en las costumbres; en el egoísmo de los hombres y mujeres contemporá-
neos, en el materialismo de la vida, en la secularización de la sociedad tem-
poral, en la descristianización de las masas, en el relativismo moral y en la
indiferencia religiosa. En último análisis, múltiples aspectos de una sola cri-
sis fundamental, que tiene su raíz está en los problemas más profundos del
alma humana y que se extienden para todos los aspectos de la personalidad
del hombre contemporáneo. 197
La humanidad del siglo XXI necesita urgentemente de una renovación —
como medio de afrontar y superar los desafíos cruciales en los que se debate
— y ésta debe comenzar a realizarse necesariamente en el ámbito del corazón
humano y de la vida espiritual. Pero, ¿dónde podremos encontrar los paráme-
tros adecuados y verdaderamente equilibrados para alcanzar esa tan deseada
renovación, sino en el modelo de la contemplación admirativa e sapiencial del
Corazón de María? La voz de la Iglesia, por medio de los papas, no cesa de
aconsejar a la humanidad a mantener vivo el recuerdo del ejemplo mariano.
Concluyamos con las palabras que el Bienaventurado Juan Pablo II dirigió a
todos los fieles, en el primer día del nuevo milenio, al comentar los versículos
de Lucas que este trabajo ha focalizado:
“Su madre guardaba todas estas cosas en su corazón” (Lc 2,51).

Hoy, primer día del año nuevo, en el umbral de un nuevo año, de este nue-
vo milenio, la Iglesia recuerda esa experiencia interior de la Madre de Dios.
Lo hace no sólo volviendo a reflexionar en los acontecimientos de Belén,
Nazaret y Jerusalén, es decir, en las diversas etapas de la existencia terrena
del Redentor, sino también considerando todo lo que su vida, su muerte y su
resurrección han suscitado en la historia del hombre.

196)  PAGOLA, José Antonio. Silencio y escucha frente a la cultura del ruido y la superficialidad. [En lí-
nea] <Disponible en: http://www.conocereisdeverdad.org/website/index.php?id=2522 [Consulta: 11
Jul., 2010].
197)  CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. São Paulo: Retornarei, 2002. p. 21.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 77


María, un corazón dócil ante la palabra de Dios

María estuvo presente con los Apóstoles el día de Pentecostés; participó


directamente en el nacimiento de la Iglesia. Desde entonces, su maternidad
acompaña la historia de la humanidad redimida, el camino de la gran fami-
lia humana, destinataria de la obra de la redención.
Oh María, al comienzo del año 2000, mientras avanzamos en el tiempo
jubilar, confiamos en tu “recuerdo” materno. Nos ponemos en este singular
camino de la historia de la salvación, que se mantiene vivo en tu corazón de
Madre de Dios. Te encomendamos a ti los días del año nuevo, el futuro de la
Iglesia, el futuro de la humanidad y el futuro del universo entero. 198

198)  JUAN PABLO II. Homilía en la apertura de la puerta santa de la basílica de santa María la Mayor, 1 de
enero de 2000. In: Alabanza a la Trinidad, el hombre y su encuentro con Cristo, catequesis del gran ju-
bileo. Madrid: Palabra, 2002. p. 186-187.

78 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


O significado de perfeição
no contexto de Mateus (5, 48)

Thiago de Oliveira Geraldo 1

1. Contextualização histórica:
análise pragmática e aspectos circunstanciais

No presente capítulo se pretende fazer um esquema geral do Evangelho de


Mateus, a fim de situar o Sermão da Montanha neste contexto. Os comentá-
rios acerca do sermão (cap. 5-7), em Mateus, são apenas clave de interpreta-
ção e aproximação do texto proposto.
Quando se fala de Evangelho, refere-se a uma mesma realidade inspira-
da sobre o ponto de vista peculiar dos escritores humanos. Três momentos
podem ser citados para relatar a redação dos Evangelhos: a vida e ensinamen-
tos de Jesus, a pregação apostólica (entre os anos 30 e 60), e a redação dos
Evangelhos (entre os anos 60 e 90).
Acerca da ordem e das fontes dos Evangelhos, alguns estudiosos 2 têm a
concepção de que Mateus e Lucas trazem como fonte de sua redação a Mar-
cos e os ensinamentos do Senhor (a fonte “Q”), 3 além de Mateus possuir um
patrimônio próprio. 4

1) O autor é Arauto do Evangelho, especialista em teologia tomista pelo Centro Universitário Ítalo-
Brasileiro (UNIÍTALO), mestre em teologia com ênfase em bíblica pela Universidade Pontifícia Boli-
variana (UPB, Medellín — Colômbia), e doutorando em teologia pela mesma universidade. Atualmente
faz parte do Corpo editorial da Revista Arautos do Evangelho.
2)  DENZINGER-HÜNERMANN, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e
moral. Trad. José Marino e Johan Konings. São Paulo: Paulinas — Loyola, 2007. p. 1467 (n. 3562). Se-
gundo a Resposta da Comissão Bíblica a 19 de junho de 1911 (Pergunta 2), o Evangelho de Mateus es-
crito em língua pátria, precede aos demais Evangelhos na data de redação. No entanto, o documento da
PCB expedido a 15 de abril de 1993, diz que esta hipótese acerca da fonte “Q” e Marcos é a mais acei-
ta na exegese científica atualmente.
3)  CASCIARO, José Maria. Nuevo Testamento. Pamplona: Eunsa, 2004. p. 41. “Alguns propõem que o
Evangelho de Mateus na língua dos hebreus de que fala Papias [Cf. Eusébio de Cesareia, História Ecle-
siástica 6, 14, 4], e do que só nos restou essa menção, seria em realidade este documento Q, que mais
tarde, traduzido ao grego, e confrontado com o Evangelho de Marcos, deu lugar ao Evangelho de Ma-
teus canônico”.
4)  LOPEZ, Luíz José Castellanos. Evangelio de San Mateo. Bogotá: Paulinas, 1981. p. 7.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 79


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

O Evangelho de Mateus 5 pode ser considerado uma narrativa. Uma narra-


tiva da história de Jesus prepara um relato que atravessa toda a sua vida (nas-
cimento-ressurreição). Em sua trajetória pode-se notar primeiramente uma
atuação na Galileia e posteriormente em Jerusalém. 6
O evangelista se utilizou de uma estrutura doutrinal composta de cinco
partes, que são cinco discursos proferidos por Jesus para um público espe-
cífico: ora para os discípulos, ora para uma multidão, ora para ambos. 7 Este
número “cinco” em elementos é importante em Mateus.
Esta estrutura dos discursos no Evangelho de Mateus pode ser representa-
da no seguinte quadro:

Figura 1. Os cinco grandes discursos de Jesus. 8

As Conselhos Sermão
Sermão da instruções O ensino em sobre a sobre a
Montanha sobre a parábolas vida da plenitude
missão comunidade dos tempos

Mt 5-7 Mt 10 Mt 13 Mt 18 Mt 24-25

O Jesus que Mateus caracteriza é um Jesus que lembra a Moisés, o que dá


um sentido mais profundo ao livro do Deuteronômio. 9 No Evangelho Mate-
ano se percebe uma semelhança entre a vida de Jesus e Moisés: Jesus é o

5)  POITTEVIN, P. Le e CHARPENTIER, E. El evangelio según san Mateo. Navarra: Verbo Divino, 1976.
p. 17. Entre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de Mateus pode ser considerado como a lite-
ratura cristã mais influente até as últimas décadas do século II. O cristianismo se estabeleceu sobre seu
Evangelho, tornando-se norma de vida cristã. Por isso, foi denominado como o Evangelho “eclesial”.
MASSAUX, E. Influence de l’évangile de saint Matthieu sur la littérature chrétienne avant saint Irénée.
Louvain, 1950. p. 651 e 654.
6)  LEVORATTI, Armando J.; TAMEZ; Elza y RICHARD, Pablo. Comentario bíblico latinoamericano:
Nuevo Testamento. Estella, Navarra: Verbo Divino, 2003. p. 275.
7) HENAO MESA, Jairo Alberto; MONTOYA MEJÍA, Francisco. El Evangelio según San Mateo: el
evangelio de la iglesia discípula. Bogotá: Instituto San Pablo Apóstol, 2007. p. 27.
8)  JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. Trad. Itamir Neves de Souza — João Rezende
Costa. São Paulo: Academia Cristã, 2006. p. 91; HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit., p. 26.
9)  BENTO XVI (Joseph Ratzinger). Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta Brasil, 2007. p. 74. Trad. de Jo-
sé Jacinto Ferreira de Ferreira, SCJ. “Deveria ter-se tornado claro que o Sermão da Montanha é a no-
va Torá que Jesus traz”.

80 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

novo Moisés. Antes de morrer, Moisés dá a síntese de tudo o que ensinou —


o significado do Êxodo, do Sinai e da Lei judaica — expressando-a em cinco
grandes discursos no livro do Deuteronômio. Seguindo este esquema, Mateus
está mostrando que seu Evangelho é a síntese de tudo o que Jesus significou
e ensinou. 10
Além desta divisão dos discursos de Jesus, ainda se pode fazer outra divi-
são mais ampla do Evangelho de Mateus em dois grandes blocos: a atividade
de Jesus na Galileia (infância e preparação do ministério) e o segundo bloco
se subdivide em dois momentos (caminho da Galileia a Jerusalém e as ativi-
dades e sucessos na Cidade Santa). 11
Como seus destinatários, Mateus tem a judeus convertidos ao cristianismo, 12
e isso se supõe por muitas características encontradas em seu Evangelho. As
expressões como “Reino dos Céus”, “Pai Celestial”, “casa de Israel”, entre
outras, indicam a proveniência de seus ouvintes. 13 No Evangelho de Mateus,
Jesus é apresentado em sua majestade e dignidade (Pantokrátor). 14
O fato de o Evangelho estar escrito em grego na sua forma atual (e não
em aramaico) denota ter sido redigido fora de Jerusalém. Talvez essa hipó-
tese se possa firmar com base na queda de Jerusalém no ano 70 d.C.; 15 com
isso, os cristãos tiveram de refugiar-se em outro lugar. Este provável refú-
gio dos cristãos seria em Antioquia da Síria, onde havia comunidades cris-
tãs. Também tinham se refugiado na Fenícia e em Chipre. Os de origem
judaica pregavam a Boa Nova apenas aos judeus, mas quando alguns ciprio-
tas e cirenenses convertidos chegaram a Antioquia, anunciaram Jesus tam-
bém aos gregos. 16
Este quadro histórico permite conjecturar Antioquia como a provável
região onde foi escrito o Evangelho de Mateus. A crítica está em acordo ao

10)  HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit., p. 27.


11)  CASCIARO, Op. Cit., p. 59.
12)  POITTEVIN, P. Le e CHARPENTIER, E. El evangelio según san Mateo. Navarra: Verbo Divino,
1976. p. 13. “Para quem se escreveu o Evangelho de Mateus? Sem dúvida alguma, em primeiro lugar
para as comunidades cristãs de Síria e de Palestina do norte, das que formava parte o próprio autor”.
13)  Mt 5, 18-19.
14)  THEISSEN, Gerd. El Nuevo Testamento: historia, literatura, religión. Santander, Sal Terrae, 2003. p.
152. Trad. María del Carmen Blanco Moreno y Ramón Alfonso Díez Aragón. “No EvMt encontramos
um cristianismo ético consequente de cunho judeu-cristão. O Jesus mateano quer cumprir a tradição ju-
dia (a Lei e os Profetas) atendo-se à sua verdadeira intenção (5, 17)”.
15)  LEVORATTI, Op. Cit., p. 275.
16)  At 11,19-20.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 81


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

dizer que a versão em aramaico do Evangelho de Mateus (da qual fala Papias),
data entre os anos de cinquenta a setenta; e a versão grega, que é a canônica,
uns vinte anos depois. 17
A Igreja, através de seu Magistério, diz que se deve admitir uma unida-
de substancial entre o texto grego e o texto aramaico, 18 uma vez que no texto
grego se manteve a estrutura semítica. 19
A comunidade mateana era composta em sua estrutura de judeus converti-
dos, mas nesta comunidade eclesial havia um vínculo com o judaísmo; chega-
ria um momento onde estes judeus deveriam tomar sua posição ante o judaís-
mo oficial. Em seu Evangelho, Mateus sem deixar o Primeiro Testamento vai
indicando uma descontinuidade com o judaísmo oficial, pois foi Jesus quem
deu sequência ao Testamento.
No que diz respeito às características teológicas e literárias do Evangelho
Mateano, tem-se em primeiro plano um Evangelho didático: há uma unidade
no texto, onde o evangelista deixa claro uma intenção de transmitir certo con-
teúdo. 20 Por outro lado, este Evangelho também se caracteriza pelos discursos
do Senhor, cinco em geral, pois há outros menores: como aos fariseus e aos
escribas (motivo de controvérsias entre eles e Jesus). 21
Por fim, este Evangelho possui a característica do cumprimento. Mateus
se esmera por mostrar como em Jesus se cumpriu o Antigo Testamento. Para
Mateus, Jesus de Nazaré é o verdadeiro Messias de Israel, que realiza as pro-
messas do Antigo Testamento; é Filho de Deus que atua na terra (também por
meio de seus discípulos).
Estes pressupostos permitem fazer um quadro demonstrativo-comparativo
da relação do Sermão da Montanha dentro do Evangelho de Mateus:

17)  CASCIARO, Op. Cit., p. 62.


18)  JEREMIAS, Op. Cit. p. 93. Defende que: “Existe, por conseguinte, subjacente ao Sermão da Monta-
nha e ao Discurso da Planície, uma tradição aramaica comum”.
19) Resposta da Comissão Bíblica, 19 jun. 1911. (Pergunta 5). Apud DENZINGER-HÜNERMANN,
Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas –
Loyola, 2007. (n. 3565). Trad. José Marino e Johan Konings.
20)  LOPEZ, Op. Cit. p. 12-13.
21)  CASCIARO, Op. Cit., p. 63.

82 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

Figura 2. Características do Evangelho de Mateus

Evangelho de
Mateus

Destinatários:
judeus convertidos ao cristianismo

Características
Teológicas e Literárias

Evangelho
Didático

Cinco discursos
de Jesus

Sermão da
montanha

Evangelho do
Cumprimento

Feita esta introdução geral acerca do Evangelho de Mateus, cabe um


comentário sobre o primeiro grande discurso proferido por Jesus: o Sermão
da Montanha. A estrutura deste sermão pode ser representada da seguinte
forma:

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 83


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

Figura 3. Estrutura do Sermão da Montanha 22

Situação: Jesus, a multidão e os discípulos 5, 1-2

Pertencer ao Reino 5, 3-16

Cumprimento da Lei 5, 17-20

Relação com o Próximo 5, 21-48

Relação com Deus 6, 1-18

Relação com as Coisas 6,19 - 7,11

Cumprimento da Lei 7,12

Pertencer ao Reino 7,13-27

Situação: Jesus e a multidão 7,28 - 8,1

Por meio deste esquema se percebe uma relação interna neste discurso:
em primeiro lugar, uma relação para com Deus (o centro máximo do discur-
so); também há uma relação com o próximo, cuja consequência será a relação
com as coisas. A narração de Mateus é organizada e com um objetivo deter-
minado.
Há uma situação inicial que coincide com a final; o tema geral versa acerca
do Reino de Deus. A Lei é o meio para atingir a meta, Jesus será o verdadei-
ro intérprete desta Lei; é com a luz de Jesus que o Antigo Testamento se torna
compreensível. 23 O caminho proposto por Mateus pretende criar uma tríplice
relação: Deus-próximo-coisas.
Acerca deste discurso pode-se dizer que houve três grandes interpre-
tações no intuito de descobrir seu verdadeiro sentido. O primeiro deles

22)  HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit. p. 63.


23)  LOPEZ, Op. Cit. p. 8.

84 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

se trata da “concepção perfeccionista”, que tentou mostrar no Sermão da


Montanha preceitos morais a serem praticados, como os mandamentos.
Também se tem a “teoria do ideal inatingível” que foi a proposta oferecida
pela ortodoxia luterana. Esta escola prega máximas inatingíveis pelo ser
humano, afirmando que Jesus quis transmitir a ideia de que com as pró-
prias forças é impossível praticar estes preceitos. Por fim, o terceiro inten-
to de resposta ao problema do Sermão da Montanha consiste em uma “éti-
ca de emergência”: Trata-se de uma concepção do sermão aplicado a um
caso em estado extremo; Jesus não o fez com a intenção de sua utiliza-
ção diária, senão para uma ocasião onde a catástrofe é iminente (como em
caso de morte). 24
Destas tentativas de compreensão do Sermão da Montanha, resulta um
denominador comum, e este se refere à ideia de Lei. Nos comentários se
ressalta o papel da Lei em uma situação inadequada para este discurso de
Jesus. 25 Ele mais do que oferecer a prática da Lei, quer interiorizá-la. 26 A ação
posterior será a consequência do amor.
Como cenário para este sermão tem-se a montanha. Geralmente o monte,
na perspectiva bíblica, é o lugar do encontro com Deus. Certamente devido à
sua altura e do mistério que a envolve, a montanha, na maioria das religiões é
o lugar onde a terra e o céu se encontram. 27
Aparece aqui um lugar de comunicação, um ambiente propício para Deus
revelar-Se. “Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se
e seus discípulos aproximaram-se dele. Então abriu a boca e lhes ensinava,
dizendo” (Mt 5, 1-2). Estes versículos dão uma clave de leitura para todo o
sermão.

24)  JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. Tradução de Itamir Neves de Souza – João Re-
zende Costa. São Paulo: Academia Cristã, 2006. p. 79-90.
25)  JEREMIAS, Op. Cit., p. 90. “As três tentativas de solução que acabamos de discutir apresentam, não
obstante sua diversidade, um caráter comum: consideram o Sermão da Montanha como uma Lei. Ora,
que esta Lei seja, mais precisamente, perfeccionismo, pedagogia da salvação ou moral de emergência,
afinal pouco importa. Pois toda interpretação legalista situa Jesus na esfera do judaísmo tardio. A pri-
meira teoria faz dele um doutor da Lei; a segunda, um arauto da penitência; a terceira, um apocalípti-
co”.
26)  LÉON-DUFOUR, Xavier. L’évangile selon saint Matthieu, p. 92. Apud POITTEVIN e CHARPEN-
TIER, Op. Cit. p. 34. Assim exprime esta interioridade da Lei: “No coração de cada ação, a intenção re-
ligiosa. No coração de toda ação religiosa, o amor. No coração de todo ato de amor, o absoluto”.
27)  DUFOUR, Xavier Leon S. J. Vocabulário de teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. p. 611. Trad. de
Frei Simão Voigt O.F.M.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 85


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

Aqui há um conflito com o Evangelho de Lucas no tocante ao lugar desta


narrativa: “Descendo com eles, parou numa planície” (Lc 6, 17a). Lucas não
apresenta um monte, mas sim uma planície onde Jesus falou a seus discípulos
e à multidão. Esta aparente contradição pode ser interpretada segundo a hipó-
tese de que tais ditos de Jesus podem ter-se dado em diversas ocasiões para
públicos distintos, e isso faz com que este discurso seja corrente, mais do que
estar determinado a certa ocasião e a um público restrito. 28 Mas esta discus-
são não deve ter muita gravidade, devido ao formato da montanha, que pode
ser vista sob os dois aspectos. O importante é ter em conta a dimensão sim-
bólica: a montanha de Moisés e a planície do povo peregrino, pois ambas as
situações remetem a um símbolo do Êxodo.
Nesta narrativa é comumente aceita a comparação entre Moisés no monte
Sinai e Jesus no monte das bem-aventuranças. 29 Isto se observa claramente na
estrutura do Evangelho Mateano, onde os cinco discursos de Jesus se equipa-
ram aos cinco discursos de Moisés. 30
Outra clave interpretativa para o Sermão da Montanha é a ideia de Jesus
como Mestre; Jesus enquanto docente sobe em sua cátedra (a montanha),
se senta e começa a ensinar aos seus discípulos. 31 Jesus é o novo Moisés,
o “Moisés da Nova Aliança”, e seu discurso é a “Torá do Messias”, que
vem com uma doutrina dotada de autoridade; portanto, é aquele que ensi-
na como Mestre. 32 Isto indica que, sendo Mestre, deve ser seguido por meio
do discipulado.
Jesus já havia chamado seus discípulos (Mt 4, 18-22), mas no Sermão da
Montanha está, de um lado, o fortalecimento dos discípulos para seguirem o
Mestre em seu itinerário; e por outro, a multidão indica o caráter universal do

28)  CARDONA RAMÍREZ, Hernán y OÑORO CONSUEGRA, Fidel. Jesús de Nazareth en el Evangelio
de San Mateo: comentarios bíblicos al ciclo litúrgico A. Medellín: UPB, 2007. p. 183.
29)  FERREIRA, Francisco Albertini. As Bem-aventuranças de Jesus no Evangelho de Mateus. Aparecida:
Santuário, 1999. p. 16. Diferentemente de Moisés que sobe sozinho o Sinai, Jesus leva consigo seus dis-
cípulos. Mostra com isso, que uniu a distância que separava seus seguidores do Reino de Deus.
30)  CARDONA RAMÍREZ, Op. Cit. p. 184. “Os três planos do cenário (Jesus, os discípulos e a multidão)
lembram a Moisés quando sobe à montanha junto com os anciãos (Êx 24, 1), enquanto aos pés da mon-
tanha permanece o povo. Então começa o ensinamento”.
31)  BENTO XVI (Joseph Ratzinger). Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta Brasil, 2007. p. 72.
Trad. de José Jacinto Ferreira de Ferreira, SCJ.
32)  BENTO XVI, Op. Cit. p. 101. “O Eu de Jesus avança para uma dignidade que nenhum doutor da Lei
podia permitir-se”.

86 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

discurso de Jesus. 33 Com isto, estabelece que todo aquele que escuta as pala-
vras de Jesus pode tornar-se discípulo. 34
O conteúdo do Sermão da Montanha é a relação Jesus-discípulo presen-
te no Evangelho, e portanto, um convite ao discipulado. A pregação de Jesus
é para todos, sem restrição; Deus fala a todos, pois há diversas formas (voca-
ções) de segui-lo. O quadro abaixo mostra a relação que Jesus estabelece por
meio de seu discurso:

Figura 4. Convite ao discipulado

JESUS

Discurso

Multidão Discípulos

Convite ao discipulado

Deus convida o homem a estabelecer uma relação com Ele. Isto é possível
através de seu Filho, Jesus Cristo, que é a revelação (o exemplo) do modo que
o homem deve viver:

O Sermão da Montanha esboça, como vimos, um quadro envolvente do


modo correto de ser homem. Quer mostrar-nos como é que se faz para
ser homem. A sua visão fundamental poderia resumir-se na afirmação: o
homem só se entende a partir de Deus e só quando vive na relação com
Deus é que a sua vida é correta. Mas Deus não é um distante desconhecido.

33)  THEISSEN, Op. Cit. p. 155. “Interpreta a Torá judia de tal modo que a aplica aos gentios e aos judeus
em todo o mundo”.
34)  MATEOS, Juan e CAMACHO, Fernando. O Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 61.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 87


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

Em Jesus, Ele nos mostra o seu rosto; no Seu agir e na Sua vontade, conhe-
cemos os pensamentos e a vontade de Deus. 35

2. A perícope de Mt 5, 21-48
numa visão linguístico-sintática geral

A finalização encontrada em Mt 5, 48 cuja estrutura se estende para Mt


5, 21-48 e mesmo dentro desta como componente do Sermão da Montanha
Mt 5-7, fornece elementos para uma compreensão do lexema perfeição nes-
ta perícope.
Na estrutura do Sermão da Montanha, após Jesus mostrar o prêmio aos
μακάριοι (“bem-aventurados”, vs. 3-11), chamar os discípulos de ἅλας τῆς
γῆς - φῶς τοῦ κόσμου (“sal da terra”, v. 13 e “luz do mundo”, v.14), assegura-
do τὸν νόμον ἤ τοὺς προφήτας (“a Lei e os profetas”, v. 17), vai agora entrar
nos detalhes da Lei antiga, aperfeiçoando-a com um novo ensinamento.
As seis antíteses do Sermão da Montanha são precedidas pela ideia de que
os discípulos devem ter uma justiça maior que a dos escribas e fariseus (v.
20a). Isto indica que a fórmula Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes
que foi dito aos antigos”, v. 21a) já não era suficiente para entrar no Reino dos
Céus prometido por Jesus. Mateus, ao utilizar a expressão οὐ μὴ εἰδέλθητε
εἰς τὴν βασιλείαν τῶν οὐρανῶν (“não entrareis no Reino dos Céus”, v. 20b)
no subjuntivo aoristo ativo, 36 reforça a ideia de que os discípulos deveriam ter
mais justiça do que a τῶν γραμματέων καὶ φαρισαίων (“dos escribas e farise-
os”, v. 20a). 37
As antíteses indicam uma mudança de mentalidade, e esta é a novidade
trazida por Jesus. É possível verificar as contraposições entre a Lei mosaica e
o acréscimo de Jesus: matar — ofensa (5, 21-26); adultério — olhar (5, 27-30);
divórcio — matrimônio indissolúvel (5, 31-32); juramento — sim e não, lin-
guagem clara (5, 33-37); lei de talião — generosidade (5, 38-42); odiar aos
inimigos — orar por sua conversão (5, 43-47). As antíteses se fecham com a

35)  BENTO XVI, Op. Cit., p. 121.


36)  FRIBERG, Timothy e FRIBERG, Barbara. Novo Testamento grego analítico. São Paulo: Vida No-
va, 1987. p. 13.
37)  DEMOSS, Matthew S. y SARTOR JR., Paulo. Dicionário gramatical do Grego do Novo Testamento.
São Paulo: Vida, 2004. p. 161. Ressalta que a expressão οὐ μὴ εἰδέλθητε também pode ser chamada de
subjuntivo enfático de negação, por trazer consigo as negativas οὐ e μή as quais expressam uma nega-
ção forte que irá acontecer. Ademais, pode ser considerada como subjuntivo em declarações negativas.

88 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

grande proposta de Jesus: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”
(5, 48).
A fórmula adotada por Jesus nas seis antíteses que precedem o v. 48
— onde está descrita a plenitude do discipulado — será a de Ἠκούσατε
ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes que foi dito aos antigos”, v. 21a), 38
com suas variações nos versículos subsequentes: Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη
(“Ouvistes que foi dito”, v. 27); Ἐρρέθη δέ (“Foi dito também”, v. 31);
Πάλιν ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes também que foi dito
aos antigos”, v. 33); Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη (“Ouvistes que foi dito”, v. 38);
Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη (“Ouvistes que foi dito”, v. 43). Em contraposição
com a tradição até então vigente, vem o acréscimo de Jesus por meio da
fórmula ἐγώ δὲ λέγω ὑμῖν (“Mas eu vos digo”, vv. 22.28.32.34.39.44); 39
aqui, porém, não há variação como na fórmula anterior, onde pode se res-
saltar que a nova doutrina ensinada por Jesus é una e dotada de potência,
sobretudo quando Mateus utiliza do pronome pessoal na primeira pessoa
do singular ἐγώ (“eu”).
A perícope de Mt 5, 21-48 apresentada num plano genérico, forne-
ce três momentos onde se desenvolvem as antíteses até chegar à sua defini-
ção (v. 48): momento de repetição (vv. 21.27.31.33.38.43); momento de antí-
tese (vv. 22.28.32.34a.39.44); momento parenético (vv. 23-26.29-30.34b-37.3
9b-42.45-48).
Na sexta antítese será revelado onde Mateus pretende conduzir seus leito-
res e o modo para se atingir este objetivo. Sua estrutura pode ser representa-
da da seguinte maneira: momento de repetição (v. 43); momento de antítese
(v. 44); momento parenético (vv. 45-47); desfecho das seis antíteses e propos-
ta paradigmática de como deve ser o discípulo (v. 48).
Por sua vez, o momento parenético indica algumas fases na relação entre
os elementos desta antítese: aproveitando o momento de antítese (v. 44),
Mateus inclui por meio da conjunção subordinada ὅπως (“para que”, v. 45a)
a condição para tornar-se υἱοι τοῦ πατρὸς ὑμῶν τοῦ ἐν οὐρανοῖς (“filhos do
vosso Pai que está nos céus”, v. 45a). Pode-se encontrar nos vv. 46-47 três

38)  PIROT, Louis e CLAMER, Albert. La Sainte Bible. Paris: Letouzey et Ané, 1950. p. 62. Tome IX: “Esta
longa perícope se desenvolve segundo um plano uniforme: inicialmente o apelo da Lei mosaica, sempre
com a mesma fórmula: Vós ouvistes o que foi dito aos antigos (21, 23); ou o que foi dito (27); ou sim-
plesmente: foi dito (31). A seguir vem a interpretação pessoal de Jesus, rompida claramente pela antíte-
se: Mas Eu vos digo. Enfim uma exortação que segue estes vigorosos artigos do código”.
39)  EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1994. p. 80. Trad. de Johan
Konings e Inês Borges. Evidencia que a frequência de alguns vocábulos pode fornecer a estrutura resi-
dente em determinada perícope.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 89


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

fases proporcionais: vv. 46a.46b.46c.47a.47b.47c, indicando uma relação de


atitude (a), valor de reconhecimento (b) e paralelo com os não-praticantes
da Lei (c).
Em 46a e 47a tem-se uma oração subordinada precedida pelo termo ἐάν
(“se”) em ambos os casos; no entanto, 46a tem o reforço da conjunção subor-
dinada γὰρ (“pois”) antes de ἀγαπήσητε (“amais”) no subjuntivo aoristo
ativo, enquanto que 47a é sucedido pelo subjuntivo aoristo média depoen-
te ἀσπάσησθε (“saudais”). Num plano linear, os vv. 46a.47a apresentam a
seguinte estrutura:
Figura 5. Estrutura de 46a e 47a

Estrutura de: 46a 47a


Conjunção subordinada: ἐάν γὰρ *
ἐὰν
Verbo: ἀγαπήσητε ἀσπάσησθε
Artigo definido: τοὺς τοὺς
Verbo**/substantivo: ἀγαπῶντας ἀδελφοὺς
Pronome: ὑμᾶς ὑμῶν
Adjetivo pronominal: - μόνον

*  NOLLI, Gianfranco. Evangelo secondo Matteo. 2a ed. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996. p.
120. “Conjunção coordenada causal (1036 vezes): sempre dá uma explicação, esclarecimento, pode ter
uma grande variedade de nuances que derivam uma da outra: porque, na verdade”.
**
Particípio presente ativo: o que indica que está amando continuamente, ou seja, amar aquele que está me
amando continuamente não é um ato difícil; apenas se trata de uma reciprocidade natural.

Os vv. 46b e 47b também apresentam estruturas paralelas na sequência do


movimento parenético, indicando o valor de reconhecimento pela atitude pratica-
da em 46a.47a. Aqui Mateus mostra que para ser filhos do Pai que está nos céus
(v. 45a), não basta praticar os desdobramentos da Lei antiga (vv. 46a.47a), descrita
de forma geral no movimento de repetição (v. 43). A pretensa recompensa é trans-
formada em pergunta de desvalorização, ou seja, a pergunta indica que a atitude
praticada não tem valor suficiente para tornarem-se filhos do Pai.
Desta forma, pode-se apresentar da seguinte maneira a estrutura contida
nos vv. 46b e 47b:

90 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

Figura 6. Estrutura de 46b e 47b

Estrutura de: 46b 47b


Adjetivo interrogativo τίνα τί
Substantivo/Adjetivo
μισθὸν περισὸν
pronominal
Verbo ἔχετε ποιεῖτε

Estes versículos se iniciam com o adjetivo interrogativo próprio a cada per-


gunta, τίνα e τί (“que”, vv. 46b.47b), prosseguem com o substantivo μισθὸν
(“recompensa”, v. 46b) ou com o adjetivo pronomial περισὸν (“extraordiná-
rio, excelente”, v. 47b); e terminam a pergunta apresentando a mesma estrutu-
ra verbal: indicativo presente ativo na segunda pessoa do plural: ἔχετε (“ten-
des”, v. 46b) e ποιεῖτε (“fazeis”, v. 47b). Os verbos denotam que estas ações
praticadas continuamente não são suficientes para se tornarem filhos do Pai
celeste.
Como conclusão dos versículos 46.47 tem-se o paralelo com os não-prati-
cantes da Lei (c), mostrando que a atitude tomada (a) não tem o valor necessá-
rio para tornarem-se filhos do Pai, pois os τελῶναι (“publicanos”, v. 46c) e os
ἐθνικοὶ (“gentios”, v. 47c) também fazem o mesmo e não são dignos de torna-
rem-se filhos de Deus por esta ação de reconhecimento natural.
Neste paralelo dos vv. 46c.47c, Mateus põe em equivalência não somen-
te os publicanos e os pagãos, senão os próprios hebreus, uma vez que esta lei
natural era praticada por ambos. Veja-se a seguinte estrutura encontrada em
46c.47c:

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 91


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

Figura 7. Estrutura de 46c e 47c

Estrutura de: 46c 47c


Partícula
οὐχὶ οὐχὶ
interrogativa*
Advérbio καὶ καὶ
Artigo definido οἱ οἱ

Substantivo /
τελῶναι ἐθνικοὶ
adjetivo pronominal

Artigo definido τὸ τὸ

Adjetivo pronominal αὐτὸ αὐτὸ

Verbo ποιοῦσιν ποιοῦσιν

*  NOLLI, Op. Cit., p. 120-121. “Partícula de negação reforçada (53 vezes) de modo algum, lat. minime”.

O verbo ποιοῦσιν (“fazem”) no indicativo presente ativo, denota que


os publicanos e os pagãos realizam a mesma ação assiduamente, o que
permite dizer que não era nada de extraordinário amar aqueles que os
amavam e saudar aos que os saudavam, podendo ser denominado de
presente costumeiro. 40
O momento parenético encerra-se com o v. 48 fechando as seis antí-
teses, de forma a criar um modelo paradigmático para a Lei aperfeiço-
ada por Jesus. Para verificação deste modelo é necessário ressaltar a
nova comparação feita por Mateus no v. 48; já não se trata de comparar
os hebreus aos publicanos e pagãos, mas de revelar aos discípulos que
a meta a ser atingida é a perfeição, como ὁ πατήρ ὑμῶν ὁ οὐράνιος (“o
vosso Pai celeste”, v. 48b).

40)  DEMOSS, Op. Cit., p. 141. “Tempo verbal presente que denota uma ação que é típica, costumeira, nor-
mal, contínua ou habitual. Usado de forma sinônima com o presente processual e habitual ou presen-
te geral”.

92 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

O v. 48 inicia-se com o verbo ἔσεσθε (“Sede”, v. 48a) que está no indica-


tivo futuro 41 média depoente, mas exercendo a função de imperativo pre-
sente 42 ativo. 43 Este verbo apresenta uma ordem contínua, ou seja, não deve
ser praticada somente neste ou naquele momento, mas sempre. No v. 48a
Mateus coloca um imperativo contendo uma ordem permanente a qual os
discípulos de Jesus deverão sempre cumprir. O verbo utilizado pelo evan-
gelista indica, portanto, que os discípulos deverão possuir uma qualidade 44
inerente aos praticantes da “nova Lei” e que se resume no termo τέλειοι
(“perfeitos”, v. 48a).
Segue o v. 48a com a conjunção coordenativa conclusiva οὖν (“portanto”),
referindo-se ao contexto do versículo, mas pode significar que não está encer-
rada somente esta antítese. Esta conjunção talvez se refira ao resultado obtido
com as seis antíteses. A nova Lei passa a entrar em vigor, mas deixa o para-
digma de como ser: ὑμεῖς τέλειοι (“vós perfeitos”, v. 48a). Estes termos indi-
cam como devem ser os discípulos, mas a expressão τέλειοι, sendo um adjeti-
vo, denota por causa da cópula precedente que é um atributo de valor enquan-
to tal. No entanto, o termo τέλειοι pode apresentar outros significados, 45 dos
quais vários representam uma ação de acabado; daí se compreende que a con-
junção οὖν aplicada ao termo τέλειοι determine a finalização da perícope,
mas tendo uma atitude permanente perante este discurso de Jesus.
A parênese do v. 48a obtém uma resposta em 48b, quando a conjunção
subordinada ὡς (“como”) indica a meta que o discípulo deve atingir. Jesus
não faz uma proposta irrealizável, mas oferece uma perfeição ὡς ὁ πατήρ
ὑμῶν οὐράνιος (“como o vosso Pai celeste”, v 48b), mostrando por meio

41)  MACHEN, J. Gresham. Grego do Novo Testamento para Iniciantes. Revisão de Cláudio J.A. RODRI-
GUES. São Paulo: Hagnos, 2004. p. 83. Trad. de VICTORINO, Augusto. “O presente e o imperfeito,
em todas as três vozes, são formados com base no radical do presente ao qual se acrescentam as desi-
nências pessoais ligadas por uma vogal variável o/e. Porém, os futuros ativo e médio são formados com
base no radical do futuro, isto é, acrescentando-se s ao radical do verbo”.
42)  Ibid., p. 183. “Não há nenhuma distinção temporal entre os tempos verbais do imperativo. O imperati-
vo aoristo refere-se à ação sem dizer qualquer coisa a respeito da sua duração ou repetição, enquanto o
imperativo presente dá a idéia de ação contínua ou repetida”.
43)  FRIBERG, Op. Cit., p. 15. Indica esta mudança de função ocorrida no verbo.
44)  NOLLI, Op. Cit., p. 121. “Med indic ft 2pl, εἰμί; ἔσομαι; ser, existir, na linguagem jurídica ft é utiliza-
do com valor imperativo categórico, mas também fora dessa linguagem para uma exortação insistente,
ou um dever a cumprir, o ft tem caráter imperativo, o verbo εἰμι ser exprime existência quando é predi-
cado; exprime qualidade quando é cópula: aqui é o segundo caso”.
45)  DICCIONARIO Manual Griego. p. 578. “Terminado, acabado, realizado; completo, cumprido, irre-
vogável (ψῆφος decreto); perfeito, sem mancha, eminente; grave; maduro, crescido, feito (οἱ τέλειοι os
homens da idade), definitivo; último”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 93


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

do verbo ἐστιν 46 (“é”) que o Pai continuamente contém a realização do pla-


no geral da perícope: τέλειος 47 (“perfeito”). Este predicado nominal expõe
uma situação final — em sentido de plenitude — na qual o Pai permanece.
Os discípulos são convidados a participar desta mesma plenitude por meio
de Jesus.
Em resumo: a perícope de Mt 5, 21-48 apresenta sempre três movimentos
onde Jesus faz uma proposta que supera as relações humanas que eram pra-
ticadas. Coloca como modelo de ação a própria perfeição do Pai celeste, que
faz o bem a todos (continuamente), mesmo quando este bem não é recíproco.
O próprio Jesus neste momento faz este chamamento aos que o ouvem, a fim
de que participem do reino que Ele está anunciando.

3. A semântica no v. 48 em paralelo com Lv 19, 2 e Lc 6, 36


O inventário 48 a ser utilizado nesta pesquisa será a divisão do versículo na
seguinte estrutura: Ação de ser; predicado nominal; detentor do predicado.
Este texto já contém em si uma comparação evidenciada pela conjunção ὡς, o
que torna seus elementos equiparados numa finalidade paradigmática:
Figura 8. Estrutura do versículo 48

Predicado Detentor do
Ação de ser:
nominal: predicado:

Sede perfeitos vós

É Perfeito vosso Pai celeste

46)  NOLLI, Op. Cit., p. 121. “Att indic pres 3sing, εἰμί; ἔσομαι; ser, existir. O presente é o tempo da rea-
lidade e descreve uma ação que se está desenvolvendo agora, neste momento, com tendência de durar
em direção a um imediato ft”.
47)  BALZ, Horst e SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético del nuevo testamento. 2a. ed. Salaman-
ca: Sígueme, 2002. p. 1707. Vol. II. Trad. de Constantino Ruiz-Garrido. “No NT os 20 testemunhos de
τέλειος se distribuem da seguinte maneira: 3 em Mateus, 1 em Romanos, 3 em 1 Coríntios, 1 em Efé-
sios, 1 em Filipenses, 2 em Colossenses, 2 em Hebreus, 5 em Tiago, 1 em 1 Pedro (usado como advér-
bio) e 1 em 1 João”.
48)  EGGER, Op. Cit., p. 93. “A expressão ‘inventário’ deriva da linguagem comercial, onde indica o com-
plexo dos objetos e as suas subdivisões em grupos”.

94 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

A finalidade paradigmática de 48b, coloca 48a numa oposição


semântica momentânea, que deve ser superada e continuada, como
revela o verbo ἔσεσθε (“Sede”, v. 48a).
O texto de Mt 5, 48 encontra paralelo em Lv 19, 2, no Antigo Testa-
mento, e em Lc 6, 36 no Novo Testamento. Ambos os textos propagam
a ideia dos homens assemelharem-se a Deus, adquirindo o mesmo pre-
dicado que Ele possui.
No caso do Livro do Levítico, este apresenta nos capítulos 17-26 um
conjunto de leis baseadas na santidade do próprio Deus (leis de santida-
de), por onde Lv 19, 2: “Sede santos como eu sou santo!” — torna-se a
clave interpretativa do texto e convite à participação desta qualidade. 49
As prescrições em sua maioria são de ordem cultual, pois é onde a san-
tidade de Deus se manifesta e o povo pode participar dela; 50 estendem-
-se, porém, à vida cotidiana tornando-se um prolongamento do Decálo-
go e, por consequência, obtendo a santidade em todos os âmbitos.
A santidade em Deus vem a ser considerada um atributo essencial de
seu ser, contendo o mistério de sua glória, majestade, bondade e fide-
lidade. 51 A partir de Isaías o termo qados 52 (santo) torna-se qualificati-
vo divino (Is 1, 4; 5, 19; 10, 17.20), e convida à participação (Lv 19, 2; Sl
71, 22; 145, 17) d’Aquele que é capaz de santificar; condição que afas-

49)  MONLOUBOU, Louis e DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. 2a. ed. Petrópolis: Vozes,
2003. p. 730.
50)  SÁNCHEZ, Tomás Parra. Dicionário da Bíblia. 3a. ed. Aparecida: Santuário, 1997. p. 193. Trad. Pe.
Francisco Costa, C.Ss.R.., e Pe. João Boaventura Leite, C.SS.R.
51)  PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 6a. ed. Aparecida: Santuário, 1994. p.
280. Trad. de Pe. Francisco Costa.
52)  BORN, A. Van Der. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 6a. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 1389-1393.
‟Os termos hebraicos qados (s.) e qodes (santidade) provavelmente vêm de qadad (cortar; em senti-
do cultual: ser afastado, separado do impuro, do profano (hol) e destinado para o serviço de Deus); cf.
o grego τέμνειν = cortar e o latim sanctus de sancire. Uma noção aparentada, mas não idêntica, é tahor
= puro (ritualmente, aos olhos de Deus) e por isso em condições para se tornar s. A noção bíblica de s.
apresenta três aspectos inseparavelmente ligados entre si; os dois últimos têm caráter relativo e só são
mencionados explicitamente quando tal relação se verifica. (1) A razão mais profunda da san­tidade (o
s. em sentido absoluto) consiste na­quilo que a filosofia das religiões chama o “numinoso” na divinda-
de, a saber, a inacessi­bilidade e majestade incriada de Deus; é, portanto, quase sinônimo com a → gló-
ria de Deus. (2) Santa em sentido cultual, é a criatura, quando subtraída conscientemente ao uso pro­fano
e consagrada a Deus. (3) Como qualidade moral e religiosa a santidade só compete a Deus, aos anjos e
aos homens, manifestando-se no caráter moralmente irrepreensível, imacula­do (gr. ἁγνός) dos pensa-
mentos e ações. A terminologia dos LXX (e do Novo Testamento) é bem dife­rente da do mundo grego
e helenístico; pela estreita continuidade com o AT o termo ἱερος foi substituído pela palavra muito me-
nos freqüente ἅγιος”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 95


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

ta o participado do mal. 53 Existe uma concepção fundamental no Anti-


go Testamento da diferenciação daquilo que é santo com o que é profa-
no. Através do culto (lugares, objetos, etc.) se propõe a aproximação do
divino, buscando uma reciprocidade positiva da parte humana com o
benefício recebido do divino. 54
No Novo Testamento esta participação da santidade divina encontra eco e
fundamento em Jesus; com seu advento, a santidade passa a vir por meio dele
(Jo 17, 17-19). 55 Antes o culto purificava os homens de forma exterior, mas
com o sacrifício de Cristo, verdadeiramente a santidade veio aos homens. 56
Esta participação da santidade divina faz com que o homem viva para valores
absolutos: Deus, mas também ao próximo; nesta concepção o santo tem como
sua expressão o amor e a caridade. 57
No paralelo sinóptico em Lc 6, 36 58 encontra-se o conceito grego
οἰκτίρμων 59 (“misericordioso”): “Sede misericordiosos como vosso Pai é
misericordioso”. Três palavras gregas podem exprimir este conceito: ἕλεος,
οἰχτιρμός e σπλάγχνα. 60 O primeiro termo refere-se ao sentimento de “com-
paixão”; o segundo — utilizado por Lucas — exprime a moção de “compai-
xão” ao deparar-se com a desdita alheia; por fim, σπλάγχνα indica a sede das

53)  SÁNCHEZ Op. Cit., p. 193.


54)  BROWN, Colin; COENEN, Lothar (Ed.). O Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testa-
mento. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 365. Volume IV: R - Z.
55)  MANZANARES, César Vidal. Dicionário de Jesus e dos Evangelhos. 3a. ed. Aparecida: Santuário,
1997. p. 309. Trad. de Fátima Barbosa de Mello Simon.
56)  LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulaire de théologie biblique. Paris: Les Éditions du Cerf, 1966. p.
986. “Diferentemente das vítimas e do culto do A. T., que não purificavam os Hebreus senão exterior-
mente (Hb 9, 11-14; 10, 10), o * sacrifício de Cristo santifica os fiéis ‘em verdade’ (Jo 17, 19), lhes co-
municando verdadeiramente a santidade. Os cristãos participam de fato na vida de Cristo ressuscitado
pela *fé e pelo batismo que lhes dá ‘a unção vinda do Santo’ (1Co 1, 30; Ef 5, 26; 1Jo 2, 20). São tam-
bém eles ‘santos em Cristo’ (1Co 1, 2; Fl 1, 1), pela presença do Espírito Santo neles (1 Co 3, 16s; Ef
2, 22); eles são de fato ‘batizados no Espírito Santo’, como João Batista o anunciara (Lc 3, 16 p; At 1,
5; 11, 16)”.
57)  PEDRO, Op. Cit., p. 281.
58)  BALZ e SCHNEIDER Op. Cit., p. 515.
59)  BROWN, Op. Cit., p. 181. “A palavra radical ho oiktos (Ésqu. e Sóf. em diante) significa a “lamenta-
ção” ou “pena” do infortúnio ou morte de uma pessoa, e depois, por metáfora, “simpatia”, “dó”. ho oi-
ktirmos (desde Píndaro) era originalmente uma forma poética de oiktos. O derivado oiktirmōn, “com-
passivo” (Górgias, século V a.C., em diante), raras vezes se acha; oiktros, “lamentando” e “lamentá-
vel”, é mais comum. O vb. oikteirō, também oiktizō (desde Homero) significa “ter compaixão”, “com-
padecer-se”, tanto no sentido de mero sentimento quanto da ação misericordiosa dinâmica; emprega-se
freqüentemente como sinônimo de eleeō (→ eleos)”.
60)  Ibid., p. 176.

96 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

emoções: as “entranhas” ou o coração como é considerado mais frequente-


mente. 61
O sentido íntegro de misericórdia não se exprime somente pelo senti-
mento de compaixão, mas inclui da fidelidade à Aliança. 62 Esta fidelida-
de pode ser explicada mais profundamente pela ótica divina, que vai ao
encontro dos homens. 63 A misericórdia de Deus expressa no Antigo Tes-
tamento realiza-se com profusão na pessoa de Jesus, criando o modelo
de misericórdia com o qual os homens devem conviver. 64 Jesus — “sumo
sacerdote misericordioso” (Hb 2, 17) — experimenta a própria miséria
que veio salvar; com isto, a misericórdia de Deus 65 no Antigo Testamento,
cuja expressão se faz na pessoa do Verbo, cria o paradigma de misericór-
dia entre os “irmãos”. 66
No Sermão da Planície, Lucas descreve como Jesus apela à misericórdia
no relacionamento mútuo entre os homens, tendo por medida exata desta atu-
ação o próprio Deus. 67 Esta atitude, por sua vez, deve ser praticada com os
“doentes” 68 (na concepção de pecadores), o que torna a ação mais perfeita e
condição essencial para entrar no Reino dos Céus. 69
Como paralelo dos textos acima citados, tem-se o termo utilizado por
Mateus: τέλειος (“perfeito”). Este termo pode adquirir vários significados; no
entanto, em sua maioria se circunscreve à ideia de realizado, de plenitude, de

61)  SÁNCHEZ, Op. Cit., p. 139. “A antropologia bíblica a expressa com o uso e as reações dos órgãos in-
ternos como as entranhas, o seio, ou regaço e o coração (Nm 14, 17-19; Is 54, 7-8; Lc 1, 54.72; Mt 5,
7). É também propriedade de Deus (Ex 33, 19; Lc 1, 50; Rm 9, 15-23) e meta da práxis cristã (Lc 6, 36;
10, 37; Mt 18, 23-35)”.
62)  LÉON-DUFOUR, Op. Cit., p. 626-627.
63)  MANZANARES, Op. Cit., p. 240.
64)  BORN, Op. Cit., p. 994-995.
65)  MANZANARES, Op. Cit., p. 240. “Deus é um Deus de misericórdia (Lc 1, 50) e essa virtude deve ser
encontrada também nos discípulos de Jesus (Mt 9, 13; 12, 7; 18, 23-35; Lc 6, 36; 10, 37)”.
66)  BORN, Op. Cit., p. 994-995.
67)  BROWN, Op. Cit., p. 181-182.
68)  BORN, Op. Cit., p. 994-995.
69)  LÉON-DUFOUR, Op. Cit., p. 631-632. “A ‘perfeição’ que Jesus exige de seus discípulos segundo Mt
5, 48, consiste no dever de ser misericordioso ‘como vosso Pai é misericordioso’ segundo Lc 6, 36. É
esta uma condição essencial para entrar no Reino dos Céus (Mt 5, 7), que Jesus retoma seguindo o pro-
feta Oséias (Mt 9, 13; 12, 7). Esta ternura deve me tornar próximo do miserável que eu encontro em
meu caminho, assim como fez o bom samaritano (Lc 10, 30, 37), cheio de piedade para com aquele que
me ofendeu (Mt 18, 23-35), pois Deus teve piedade de mim (18, 32s). Também nós seremos julgados
segundo a misericórdia que tivermos exercido, quiçá inconscientemente, face à pessoa de Jesus (Mt 25,
31-46)”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 97


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

acabado, de completo, etc., o que indica um ponto ao qual se chegou. Pode ser
entendido como contendor de todas as qualidades possíveis 70 ou como algo
que está dentro de todo o seu desenvolvimento. 71 Da mesma forma que o ter-
mo qados pode ser entendido como algo sem defeito, assim se diz de τέλειος
num sentido de ausência de algo (carência); portanto, se trata de uma ação ou
pessoa que possui sua plenitude. 72 Num sentido mais lato, 73 pode ser enten-
dido como algo perfeito em todos os pontos, como uma virtude perfeita, ou
como um homem perfeito. 74
No Novo Testamento, o termo τέλειος é utilizado de três formas distin-
tas: como adjetivo substantivado, indicando um sentido de “os perfeitos”
— sempre no plural; 75 em Col 4, 12, pode estar sendo usado em tom de
ironia ou para indicar que há pessoas menos perfeitas. Outra forma refe-
re-se a um adjetivo substantivado em sentido escatológico (1 Cor 13, 10)
ou como sentido ético (Rom 12, 2). Por fim, também se utiliza para indi-
car de maneira adjetiva uma qualidade em relação a determinados concei-
tos, como nos casos de Hb 9, 11 (“tabernáculo maior e mais perfeito”), Tg
1, 4.17.25 (“obra perfeita”; “dom perfeito”; “Lei perfeita da liberdade”), 1
Jo 4, 18 (“amor perfeito”). 76
O adjetivo τέλειος (“perfeito”) tem sua correspondência ao hebraico tamim
(“íntegros”, “completo”, “indiviso”, “sem defeito”, “são”). 77 Assim deveria ser
a relação de Israel com Deus, com uma sinceridade íntegra, uma adoração
indivisa (Dt 18, 13). Mais tarde, no judaísmo tardio, o termo tamim ficou rela-
cionado com o fiel cumprimento da Lei. Assim, a integridade absoluta dian-

70)  CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. 2a. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. (Perfeito).
71)  DE LA LITTÉRATURE GRECQUE, Op. Cit., p. 985.
72)  PEDRO, Op. Cit., p. 242.
73)  Sempre na ideia de plenitude.
74)  ALEXANDRE, PLANCHE et DEFAUCONPRET. Dictionnaire français-grec. Paris: Hachette, 1896.
p. 690.
75)  1Cor 2, 6; Hb 5, 14.
76)  BALZ e SCHNEIDER, Op. Cit., p. 1708.
77)  BONNARD, Pierre. Evangelio según san Mateo. Madrid: Cristiandad, 1976. p. 121. Trad. L. Alonso
Schökel y J. Mateos. “O tema da perfeição (tāmîm), nos escritos bíblicos, não expressa tanto a ideia de
pureza moral quanto de entrega total, de pertencer sem reserva a Deus no seio mesmo do pecado (cf. Dt
18, 13; Lv 19, 2; 1 Pe 1, 16; Mt 19, 21). Em seus atos de amor, de reconciliação, de fidelidade intrépida
à Lei de Cristo, seus discípulos farão aparecer neste mundo algo da perfeição do reino de Deus (cf. 25,
31-46). Lucas entendeu bem que a única perfeição que o Evangelho conhece é a da misericórdia (6, 36;
οἰχτίρμονες), mas isto não significa que seu texto seja mais arcaico que o de Mateus”.

98 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

te de Deus, corresponderia ao cumprimento radical e intransigente da Torá. 78


No Evangelho de Mateus o termo τέλειος aparece apenas três vezes: duas no
v. 48 e uma em 19, 21. Em Mt 19, 21 parece estar confirmado o sentido de
integralidade que aparece no v. 48.
O v. 48 resume em si toda a perícope, e em certo sentido todo o ensinamen-
to do capítulo 5, e propõe como a plenitude da Lei a perfeição do Pai celes-
te. A melhor forma de alcançar esta plenitude é a imitação de Jesus Cristo. 79
Na época de Jesus havia uma interpretação generalizada entre os rabinos,
na qual somente os israelitas deveriam ser entendidos como próximos. 80 A
primeira parte do versículo 43 encontra-se no Levítico (19, 18), mas o que diz
respeito ao ódio, isto não se encontra escrito, e no entanto era praticado. É
esta visão errônea que Jesus corrige (Lc 10, 25-37). 81
Provavelmente a palavra “ódio” utilizada por Jesus, sirva para designar a
rejeição que os israelitas deveriam ter em relação aos outros povos, 82 insisti-
da por Moisés e pelos profetas. Esta precaução pretendia evitar a contamina-
ção idolátrica e manter o verdadeiro culto a Deus; rapidamente a precaução
tornou-se ódio. 83 O mesmo ódio era nutrido em relação aos publicanos. Eram
cobradores de impostos a serviço do Império Romano. Para sua própria sub-
sistência, acrescentavam uma sobretaxa ao valor estabelecido pelos Roma-

78)  LEVORATTI, Armando J.; TAMEZ, Elza y RICHARD, Pablo. Comentario bíblico latinoamericano:
Nuevo Testamento. Estella, Verbo Divino, 2003. p. 310. “Em Qumrán, o ‘caminho perfeito’ era um
conceito clave para a auto-definição da comunidade. Seus membros se chamavam a si mesmos ‘homens
da santidade perfeita’ (1QS 8,1). Em Mt o adjetivo téleios também implica a reta observância da Lei,
mas a diferença entre Qumrán e Mt está dada pelo contexto em que aparece este chamado à perfeição:
aqui não se trata, como em Qumrán, de uma observância rigorosa da Torá, mas de um cumprimento se-
gundo o espírito expressado nas seis antíteses. A perfeição que se exige dos discípulos se identifica com
a justiça de 5, 20, parafraseada com o mandamento do amor”.
79)  ASTERIO DE AMASEA, Homiliae 13. Apud CASCIARO, José Maria. Nuevo Testamento. Pamplo-
na: Eunsa, 2004. p. 94. “Se quereis imitar a Deus, posto que fostes criados a sua imagem, imitai seu
exemplo. Vós, que sois cristãos, que com vosso mesmo nome estais proclamando a bondade, imitai a
caridade de Cristo”.
80)  TEODORO DE HERACLEA, Fragmentos sobre el Ev. de Mateo, 38 / MKGK 67: Apud SIMONET-
TI, Manlio. La Bíblia comentada por los Padres de la Iglesia – Evangelio según San Mateo. Madrid:
Ciudad Nueva, 2004. p. 178.
81)  CASCIARO, Op. Cit., p. 172.
82)  BONNARD, Op. Cit., p. 119. “É provável que, como propôs Foerster [ThWbNT, art. ἐχθρός , II,
811ss], o inimigo não seja neste contexto nem o adversário pessoal no interior da comunidade religiosa
nem o inimigo da nação no sentido político e militar, senão o perseguidor da fé, o inimigo da comunida-
de messiânica formada pelos primeiros cristãos”.
83)  DURAND, Alfred. Évangile selon Saint Matthieu. 3a. ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1929. p. 94-95.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 99


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

nos, atitude que caracterizava seu explícito auxílio a uma nação gentílica, em
oposição aos cumpridores da Lei. 84
O ato de amar aos inimigos introduz uma mudança qualitativa na prática
da justiça 85 — da forma como entendiam os fariseus. Os discípulos de Jesus
devem procurar a perfeição 86 na correspondência com a generosidade do Pai
celeste, 87 que se estende a todos: bons e maus; também a luz do sol brilha para
todos, assim como a chuva é um dom do qual todos desfrutam. O imitar esta
ação misericordiosa de Deus não se torna requisito para o atuar divino, mas é
apenas a reciprocidade do dom gratuito. 88
A Lei que foi expressa através da escrita, a qual se concebia ter assumido
todo o espírito divino, agora é levada à perfeição pelo ensinamento de Jesus. 89
Por sua natureza a Lei é um conjunto de preceitos, que sempre pode ser pra-
ticada de forma mais perfeita. 90 A Lei de Moisés dada aos homens refere-se a
regras de conduta em seus deveres positivos, sociais e religiosos, mas para o
futuro estava reservada a proposta de Jesus, que em vez da obrigação, propõe
a caridade. Esta mesma caridade pode ser superada amanhã. 91

84)  BENTO XVI. Os Apóstolos. Uma introdução às Origens da Fé Cristã. São Paulo: Pensamento, 2008.
p. 106-107. Trad. Euclides Luiz Calloni e Cleusa Margô Wosgrau.
85)  DURAND, Op. Cit., p. 96. “Pagar o mal pelo bem é diabólico, pagar o bem pelo bem é humano, pa-
gar o bem pelo mal é divino. Ora, o cristão não poderia se contentar com uma perfeição puramente hu-
mana [...] Temos aqui um preceito ou um conselho? Um e outro, conforme o caso, que é preciso ana-
lisar conforme os costumes e as circunstâncias [...] O perdão cristão das injúrias não exige que o ofen-
dido renuncie ao seu direito, nem mesmo à reparação do erro que lhe foi feito, seja aos seus bens, se-
ja à sua honra”.
86)  TUYA, Manuel de. O.P. Biblia comentada. 3a. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1977. p.
87. “Esta palavra [perfeitos], no contexto de Mt, exige a perfeição do caso concreto a que se alude. Co-
mo a ‘perfeição’ que se pede aqui é a benevolência e o amor aos inimigos, pode ser traduzida no estilo
helenístico de Lc pelo sentido amplo da palavra ‘misericordiosos’ (οἰχτίρμονες)”.
87)  HILARIO DE POITIERS, Sobre el Ev. de Mateo, 4, 27 / SC 254, 146-148. Apud SIMONETTI, Op.
Cit., p. 181. “Ele o terminou tudo na perfeição da bondade [...] Assim nos forma Ele à vida perfei-
ta com este laço de bondade para com todos, posto que temos no céu um Pai perfeito a quem imitar”.
88)  LAVORATTI, Op. Cit., p. 309.
89)  CROMACIO DE AQUILEYA, Comentario al Ev. de Mateo, 26, 2, 1 / CCL 9A, 320: BPa 58, 195-
196. Apud SIMONETTI, Op. Cit., p. 181. Ressalta que a lei comum do amor humano é superada pe-
lo amor evangélico.
90)  SILVA, Duarte Leopoldo da. Concordância dos Santos Evangelhos. 7a. ed. São Paulo: LTr, 1998. p.
108. “O ideal da virtude não está na mera observância de um texto escrito; o vosso modelo, o original
divino que deveis imitar e ter continuamente sobre os olhos, é vosso Pai celeste. É certo que nunca che-
gareis à perfeição, mas podeis aproximar-vos da perfeição, procurando ser cada vez melhores”.
91)  LAGRANGE. J. M. O.P. El Evangelio de Nuestro Señor Jesucristo. 2a. ed. Barcelona: Litúrgica Es-
pañola. p. 126-129. Trad. de R. P. Elías G. Fierro.

100 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

Esta novidade trazida por Jesus na consideração da Lei é um grande bene-


fício na prática do amor aos inimigos. Jesus deu um sentido novo a este man-
damento, ampliando-o de forma universal e ilimitado. Na verdade, Jesus uniu
a este mandamento do amor ao próximo, a filiação divina; 92 amar ao próximo
enquanto filho do Pai celeste. 93
Não deve assustar o fato de Jesus propor como ideal de perfeição o Pai
celeste, 94 pois é natural que os filhos imitem seus pais e este é um modelo de
perfeição que nunca está abaixo do ideal. 95 O versículo 48 não pretende atrair
o homem para se “igualar a Deus” (Gn 3, 5), mas para prestar a cada um a
dignidade que lhe pertence. 96
Num sentido mais estrito, o cristão não pode atingir a perfeição divina tal
qual ela é, 97 mas tem um ponto para o qual deve se nortear. 98 Isto não signifi-
ca uma diminuição do mandamento do amor, mas um imitar o divino 99 atra-
vés do amor e da misericórida. 100 Torna-se uma chamada universal à santida-
de, como relata a Constituição Lumen Gentium (n. 40):

Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de


vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos Seus dis-
cípulos, de qualquer condição: ‘sede perfeitos como vosso Pai celeste é
perfeito’ [...]. É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou
ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.
Na própria sociedade terrena, esta santidade promove um modo de vida
mais humano.

92)  AGUSTÍN, Sermón del Señor en la Montaña, 1, 23, 78 / PL 34, 1268: BAC 121, 881-883. Apud SI-
MONETTI, Op. Cit., p. 180. Comenta que o ser filhos de Deus comporta uma regeneração espiritual,
a qual inclui ser adotados para o reino de Deus — não como estranhos — como criaturas e obra de su-
as mãos.
93)  LOPEZ, Luíz José Castellanos. Evangelio de San Mateo. Bogotá: Paulinas, 1981. p. 66.
94)  JUAN CRISÓSTOMO. Obras de San Juan Crisóstomo. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo.
2a. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 384. “Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai
celestial. O nome do céu está como semeado por todo seu discurso, e pelo lugar mesmo trata de levantar
os pensamentos de seus ouvintes. É que suas disposições, de imediato, eram muito débeis e grosseiras”.
95)  FILLION. Sainte Bible. 8a. ed. Paris: Librairie Letouzey et Ané, 1924. p. 49. Tome VII.
96)  DATTLER, Frederico SVD. Comentários bíblicos e homiléticos do novo lecionário – ano a. São Pau-
lo: Paulinas, 1971. p. 140-141.
97)  ROQUETTE, J. – I. História sagrada do Antigo e Novo Testamento. 5a. ed. Paris, 1908. p. 331.
98)  CASCIARO, Op. Cit., p. 94-95.
99)  TUYA, Op. Cit., p. 87. “A grande lição que Cristo ensina é que o cristão, em seu obrar, tem que imitar,
no modo de conduzir-se, ao Pai celestial, norma cristã de toda perfeição”.
100)  CASCIARO, Op. Cit., p. 174.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 101


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

O paralelo criado entre o termo qados, expressado na santidade de Deus


que faz o homem participante desta mesma santidade por meio do sacrifí-
cio de Cristo e o termo grego οἰχτιρμός, sentimento de compaixão para com
o próximo, adquire sua plenitude no sentido do lexema τέλειος utilizado por
Mateus, onde se reunirão os outros dois conceitos.
Santo é aquele que busca participar da própria santidade de Deus; mise-
ricordioso será aquele que praticar a bondade para com o próximo (como
participação da bondade de Deus). No entanto, perfeito é aquele que reú-
ne em si o desejo da participação do divino por meio do seguimento de
Jesus, mas também compreende o amor que Deus tem para com os seres
humanos (misericórdia) e como consequência desse amor, o homem pro-
cura praticar a caridade fraterna. A perfeição consiste nestas duas dimen-
sões: para com Deus através da santidade e para com os homens por meio
da caridade.
Nesta concepção a perfeição concentra em si o grande mandamento:
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de
todo teu espírito (Dt 6,5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Lv
19,18). Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os profetas” (Mt
22, 37-40).
No entanto, o conceito de “perfeição” está em uma frase subordinada que
compara o homem a Deus. Assim também acontece com Lv 19, 2 e Lc 6,
36, onde o homem tem como modelo o próprio Deus. Enquanto a mediação
da santidade no Antigo Testamento se realiza por meio do culto exterior, no
Novo Testamento ocorre uma purificação interior. A misericórdia de Deus
para com os homens deve ser expressa pela misericórdia para com o próxi-
mo (ser humano). O τέλειος se faz sentir através da escuta de Jesus, o mestre
que ensina da montanha (sua cátedra) que está falando aos discípulos e à mul-
tidão (para todos), que está anunciando uma palavra enraizada na fé de seus
pais (Moisés), mas que vai mais além de tudo isto, posto que conduz à realiza-
ção do Reino de Deus (expresso nas bem-aventuranças, de modo geral). Por-
tanto, alguém se torna τέλειος na medida em que escuta o Evangelho e o rea-
liza no seguimento de Jesus.

102 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

4. Algumas considerações teológicas num diálogo


com o conceito de perfeição em Mateus

Concluída a leitura bíblica, se fará agora um estudo sintético acerca de


duas opiniões teológicas, a fim de confrontá-las com os resultados obtidos em
Mateus. Vale ressaltar que o ponto de vista pelo qual se analisará as informa-
ções a seguir será o da Revelação expressa em Mateus. Apenas se destacará
pontos convergentes com o Evangelho Mateano.
Em primeiro lugar considera-se a opinião do teólogo suíço, Hans Urs von
Balthasar. Foi um teólogo que buscou a aproximação com o mistério de Deus.
A grande problemática de seu pensamento está centrada na relação de Deus
(Ser infinito) com o homem (ser finito):

Colocou-se à escuta da revelação e da interpretação que deram os Padres da


Igreja e os grandes mestres da História da Igreja. Pensou a revelação à luz
do amor trinitário de um Deus que assume em si a morte como expressão e
prova derradeira de seu fazer-se conhecer. O cerne da obra de Balthasar é o
amor total e gratuito — o único de fato crível — revelado na entrega total
de Jesus de Nazaré. A temática do amor total e gratuito em Balthasar vem
de encontro com a Encíclica Deus é amor, do Papa Bento XVI, em que os
temas Deus, Cristo e amor se fundem como guia central da fé cristã. Subli-
nhando a centralidade da fé em Deus — neste Deus que assumiu um rosto
humano e um coração humano. 101

Ele começa sua reflexão a partir do homem que é limitado, dentro de um


mundo limitado, mas que possui uma razão aberta ao infinito. Esta situação
se torna uma problemática para o ser humano, a relação entre finito e infinito
e a busca por um Ser Absoluto. A razão da própria existência e a do mundo só
podem receber uma resposta definitiva com base no próprio Ser, que se reve-
la “a si mesmo por si mesmo”. 102 Para que o homem possa receber esta autor-
revelação de Deus e entendê-la, necessita procurá-la.
Von Balthasar, a fim de explicar a essência de sua teologia, cria este exem-
plo cogente:

101)  SILVA, José Pereira da. Vida e obra de Hans Urs von Balthasar: mistério e beleza. Em: Teologia em
Questão: Mística & Diálogo. Ano VI. Taubaté. (2007); p. 77.
102)  BALTHASAR, Hans Urs von. Um resumo do meu pensamento. Em: Communio 15: International
Catholic Review. (1988; s.p.).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 103


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

O homem existe apenas em diálogo com seu vizinho. A criança é trazida à


consciência de si mesma apenas pelo amor, pelo sorriso de sua mãe. Neste
encontro um horizonte ilimitado se abre para ela, revelando-lhe quatro coi-
sas (1) que ele é um no amor com sua mãe, mesmo em sendo outro que sua
mãe, entretanto, seu ser é uno; (2) que o amor é bom, então o ser é bom; (3)
que o amor é verdadeiro, então todo ser é verdade; e (4) que o amor evoca
prazer, gozo, então todo ser é belo. 103

Sem dúvida esta é sua ideia principal, na qual mostra sua originalidade em
apresentar a teologia por meio de um olhar estético. Von Balthasar construiu
este pensamento não a partir de considerações abstratas do Ser, mas de uma
analogia concreta dos atributos transcendentais do Ser. E se o homem criado
possui a linguagem interpessoal, por que não falar com o Ser, criador desta
mesma linguagem?
Deste modo ele apresenta sua trilogia: Estética, Dramática e Lógica (ou
Glória, Teodramática e Teológica).
Teologia Estética: Deus aparece, se comunica através dos antigos patriar-
cas e profetas, atingindo seu auge em Jesus Cristo. Mas como diferenciá-lo
de tantos outros ídolos? E como diferenciar a Glória de Deus da glória do
mundo?
Teodramática: Travando aliança conosco, surge a questão de como a liber-
dade absoluta de Deus pode conformar-se com a liberdade finita do ser huma-
no. Haverá um choque com aquilo que se escolhe como bem?
Teológica: Na Encarnação, Deus mostra que é possível sua Palavra infini-
ta se tornar compreensível ao ser humano; por meio do Espírito Santo, Deus
permite ao espírito limitado do homem “apreender o sentido ilimitado” de
Sua Palavra. 104
Bento XVI comenta que von Balthasar procurou alcançar a genuína verda-
de, a verdadeira Vida; não fez sua mente prisioneira de si, mas buscou os ves-
tígios de Deus, abrindo a razão ao infinito. 105

103)  Ibid., s.p.


104)  Ibid., s.p.
105)  BENTO XVI. Mensagem do Papa aos participantes no congresso internacional no centenário do nas-
cimento do teólogo Hans Urs von Balthasar. [Em linha]. Vaticano, 6 de Outubro de 2005. <Disponí-
vel em: www.vatican.va> [Consulta: 16 Feb., 2010. “A estética teológica, a dramática e a lógica cons-
tituem a trilogia, onde estes conceitos encontram amplo espaço e aplicação convicta. Posso afirmar que
a sua vida foi uma busca genuína da verdade, que ele compreendia como uma busca da verdadeira Vida.
Procurou os vestígios da presença de Deus e da sua verdade em toda a parte: na filosofia, na literatura,
nas religiões, chegando sempre a interromper aqueles circuitos que muitas vezes fazem a razão prisio-
neira de si e abrindo-a aos espaços do infinito”.

104 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

Um ponto sobre o qual von Balthasar discorreu e que parece ter relação
com o chamamento de Deus e a resposta do ser humano encontrados em
Mateus, localiza-se em sua obra Glória, na qual distingue o tempo de Jesus, o
tempo da Igreja e o tempo do seguimento. O acontecimento de Jesus (crono-
lógico) deve ser analisado a partir da história da salvação. 106 A compreensão
do tempo de Jesus está na ordem estruturada do mundo criado, a qual se rela-
ciona com a perspectiva divina.
A Igreja é o sujeito receptivo da Revelação. O tempo da Igreja é o momen-
to de uma resposta livre a esta revelação; portanto, não se trata simplesmente
de pessoas concretas que ouviram a Jesus.
O tempo da Igreja está intimamente ligado ao tempo de Jesus. Segundo
von Balthasar, somente em Mateus se vê a tendência de juntar a realidade da
ressurreição e da parusia numa única perspectiva. 107 Esta nova perspectiva
deve ser vista pelo aspecto do amor, pois a justiça de Deus já não é a do Anti-
go Testamento (uma salvação terrena de Israel), mas uma salvação escatoló-
gica para todos.
O tempo do seguimento é a entrega incondicional à vocação. É a resposta
para o chamado de Deus, comprometendo-se com Jesus, na qual é assumida
a própria existência. 108 O seguimento inclui, por parte do discípulo, uma cola-
boração para o anúncio do reino (o apostolado).
Parece oportuno relembrar nesta pesquisa a relação entre teologia e exege-
se, pois como afirma Bento XVI:

Seguindo uma regra fundamental de cada interpretação de um texto literá-


rio, o Concílio afirma que a Escritura deve ser interpretada no mesmo espí-
rito com que foi escrita, e por conseguinte indica três elementos metodoló-
gicos fundamentais [...]: 1) interpretar o texto, tendo presente a unidade de

106)  BALTHASAR, Hans Urs von. Gloria una estética teológica. Madrid: Encuentro, 1998. p. 136-137.
Vol. VII.
107)  Ibid., p. 147. “Nesta perspectiva, o tempo da igreja se situa objetivamente entra a ressurreição (como
síntese divina da vida terrena pela cruz) e a parusia, um tempo dentro deste parêntese, determinado por
ambos os lados: pela certeza de que em Jesus o fim foi alcançado e pela certeza de que se avança preci-
samente em direção a este fim (sua ‘volta’)”.
108)  Ibid., p. 156. “Mas o peso do tempo de Jesus se imprime na vida dos que lhe seguem como peso da
chamada ao seguimento incondicional. Os quatro Evangelhos são explícitos em seus numerosos relatos
de vocação: para quem quer comprometer-se com Jesus, ou por quem Jesus mesmo se compromete, a
questão é ou tudo ou nada. O seguimento é algo indivisível que implica toda a existência que fica assim
marcada não em um, senão em todos seus pontos, com o estigma da possessão”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 105


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

toda a Escritura; [...] 2) além disso, há que recordar a tradição viva de toda a
Igreja e, finalmente; 3) é preciso observar a analogia da fé. 109

Quando falta o elemento teológico, cria-se um abismo entre exegese cien-


tífica e Lectio Divina. 110 Por isso, cabe a insistência de um capítulo de apro-
ximação teológica no presente trabalho. A fim de fechar este estudo, propõe-
-se tomar algumas considerações sobre a Encíclica Deus Caritas Est, de Ben-
to XVI, na mesma perspectiva em que foram analisados os textos de Baltha-
sar, pois indicam uma aproximação com o texto de Mateus em uma possível
atualização do discurso de Jesus.
Na mesma relação com Balthasar, o Papa inicia seu documento deixando
claro que o primeiro passo do cristão com Deus se dá por meio de um acon-
tecimento, de uma “Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, assim, o rumo
decisivo”. 111 Portanto, é Deus que primeiro toma a iniciativa de se aproximar
do ser humano.
Ele continua com uma distinção entre eros, entendido numa concepção
grega de um amor natural no intuito de suscitar uma “loucura divina” 112 e
ágape, que verdadeiramente expressa uma entrega de amor. Numa visuali-
zação bíblica, o amor (ágape) pode ser entendido a partir da relação de Deus
com seu povo. Esta mesma relação muitas vezes é simbolizada pela união
matrimonial, a fim de mostrar essa entrega total ao outro.
Nesta perspectiva encontra-se um paralelo com a perfeição em Mateus,
pois o amor recíproco exige uma entrega total e definitiva ao Outro (Jesus):
“O amor compreende a totalidade de existência em toda a sua dimensão,
inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque sua promessa
visa ao definitivo: o amor visa à eternidade”. 113
Bento XVI argumenta no sentido de que Deus ama a criatura feita por Ele
mesmo. Quando Deus oferece a Torá ao homem, não o faz na intenção de
esmagá-lo, mas de criar condições mais humanizadoras. O homem, seguindo
este caminho, está sendo amado por Deus que lhe mostra a verdade. 114 Mostra

109)  BENTO XVI. Exegese não só histórica mas teológica para o futuro da fé. L’Osservatore Romano:
Edição semanal em português, Vaticano, v. 39, 2.027 / 43, p.14, Outubro. 2008.
110)  Ibid., p. 14.
111)  BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est: São Paulo. Loyola; Paulus, 2006. p. 7. n. 1.
112)  Ibid., p. 11. n. 4.
113)  Ibid., p. 13. n. 6.
114)  Ibid., p. 17. n. 9. “A história de amor de Deus com Israel consiste, em sua profundidade, no fato de que
Ele dá a Torah, isto é, abre os olhos a Israel sobre a verdadeira natureza do homem e indica-lhe a estrada
do verdadeiro humanismo. Por seu lado, o homem, vivendo na fidelidade ao único Deus, sente-se como

106 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

também como o auge desse amor se dá na Encarnação de Jesus Cristo, onde


Deus “desce” até as criaturas humanas e este ato contém um alcance muito
maior do que qualquer mística de elevação do homem ao Divino.
O chamamento encontrado em Mateus para uma plenitude do discipula-
do em relação a Jesus Cristo está em paralelo à doação exigida pelo amor em
relação ao outro. Aqui ocorre uma comunhão de vontade, unificada por meio
do amor. 115 Primeiro é Deus que chama o homem a uma integridade de entre-
ga por meio de seu amor, depois cabe ao homem corresponder a este chama-
do por meio do discipulado; este processo gera a comunhão e supera todas as
divisões. 116
Na segunda parte desta encíclica, o Papa aborda a prática concreta do amor
ao próximo, por meio de instituições. Propõe o seguimento do exemplo dos
santos, os quais souberam responder a este chamado. A tal propósito, lem-
bram-se as palavras de Bento XVI aos Postuladores da Congregação para
as Causas dos Santos: “Os santos e beatos, confessando com a sua existên-
cia Cristo, a sua pessoa, a sua doutrina e permanecendo n’Ele estreitamente
unidos, são quase uma ilustração viva de ambos os aspectos da perfeição do
Mestre divino”. 117
Este trabalho se encerra com uma consideração a respeito do próprio
Mateus, em cujo Evangelho está proposto um seguimento perfeito. Não só na
categoria de evangelista, mas de santo e Apóstolo, ele soube responder a este
chamado que descreve. 118 Desta forma, Mateus anuncia as palavras de Jesus,
as palavras que ele mesmo seguiu e da qual é testemunha:

O Evangelho de Mateus escrito em hebraico ou aramaico não existe mais,


mas no Evangelho grego que temos, continuamos a ouvir ainda, de certo
modo, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apósto-
lo, continua a anunciar a misericórdia salvífica de Deus para nós. Ouçamos

aquele que é amado por Deus e descobre a alegria na verdade, na justiça – a alegria em Deus que Se tor-
na sua felicidade essencial”.
115)  Ibid., p. 24-25. n. 17.
116)  Ibid., p. 26. n. 18.
117)  BENTO XVI. A importância eclesial e social de propor novos modelos de santidade. Discurso aos
Postuladores da Congregação para as causas dos Santos. L’Osservatore Romano: Edição semanal em
português, Vaticano, 2007. p. 5. ANO XXXVIII, n. 51.
118)  BENTO XVI. Os Apóstolos. Uma introdução às Origens da Fé Cristã. Trad. Euclides Luiz Calloni e
Cleusa Margô Wosgrau. São Paulo: Pensamento, 2008. p. 109. “Outra reflexão inspirada pela narrati-
va evangélica é que Mateus responde imediatamente ao chamado de Jesus: ‘ele se levantou e o seguiu’.
A brevidade da frase põe claramente em evidência a presteza de Mateus em responder ao chamado”.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 107


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

a mensagem de São Mateus, meditando sobre ele sempre de novo também


para aprender a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação. 119

Este diálogo teológico com a Revelação transmitida por Mateus nos


faz propor um pensamento e uma forma de teologia com base no Evan-
gelho Mateano. Sob a perspectiva tratada neste trabalho, bem se poderia
delinear uma “teologia da perfeição”. O que se quer dizer com este ter-
mo é o significado mais profundo da concepção de “perfeito”, que pode-
ria se resumir na seguinte ideia: uma teologia da plenitude, entendida
enquanto sendo a Encarnação e o momento histórico de Jesus como o
auge do cumprimento das profecias, por um lado, mas também se refere
à novidade evangélica, um Deus que vem até nós por amor (Mt 9, 35-38),
que não rejeita os pecadores, mas os atrai (Mt 9, 11-13; 18, 21-35).
Essa “teologia da perfeição” proporia um Jesus que chama a todos a
participarem do Reino de Deus (Mt 13, 18-23; 24, 14). Esta proposta de
Jesus, em Mateus, renova as concepções de religiosidade: não é mais o
simples cumprimento de uma Lei exterior (Mt 5, 17.18) que basta para a
salvação (Mt 23, 23), mas é uma entrega interior e exterior do ser (Mt 19,
21.22; 19, 27-29). A perseverança nesta entrega a um chamado de Jesus é
o que propriamente caracterizaria esta perfeição, a fidelidade a Deus em
todos os momentos e vicissitudes (Mt 10, 308; 16, 24.25), da mesma forma
que Jesus o fez (Mt 20, 28).
Neste sentido se entende o alcance de Mt 5, 48. O ser humano deve manter
a integridade do seguimento a Jesus (Mt 8, 21.22), assim como Deus susten-
tou a proposta de amor para com a humanidade ao ponto de enviar seu Filho
(Mt 23, 37-39). Da parte de Deus esta “perfeição” deve ser entendida como
a história da salvação (Mt 20, 1-16), dos homens, aceitando e fazendo parte
desta salvação (Mt 8, 11).
Aquele que aceita o chamado de Jesus, deve aceitar uma entrega total que
comporta uma conversão e uma reciprocidade de amor (Mt 9, 9). Esta reci-
procidade (Mt 22, 36-40) se faz notar não somente com Jesus, mas com todos
aqueles que são os “pequeninos” do Reino de Deus (Mt 18, 1-14; 19, 13-15).
A expansão de amor proposta em Mateus se assemelha a uma gota de azeite
em um papel; no início é um impacto (com Jesus), mas logo a tendência des-
te amor será expandir-se ao próximo e, posteriormente, a todos os povos (Mt
28, 18-20).

119)  Ibid., p. 110.

108 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Thiago de Oliveira Geraldo

Ainda hoje se faz sentir a ressonância deste chamado, por meio da Igreja.
Uma forma de “perfeição” atual seria responder com plenitude a este chama-
do que Jesus faz a todos, compreendendo a história particular do ser humano
como sendo parte integrante da história da salvação.

5. Conclusões
O presente trabalho procurou abordar certos temas acerca do Evangelho de
Mateus a fim de compreender com mais profundidade o significado do con-
ceito de “perfeição”. Entre estes elementos pode-se ressaltar que o Evangelho
escolhido tem uma estrutura didática formada intencionalmente. Em Mateus,
Jesus é o novo Moisés, é n’Ele que as promessas do Antigo Testamento se rea-
lizam.
As mensagens de Jesus distribuídas em cinco grandes discursos recordam
Moisés à frente do povo eleito, mas agora é Jesus que convoca um “novo
povo”; neste momento é a própria humanidade que é convidada a fazer parte
desta relação íntima com Deus, por meio do chamado de Jesus.
Como receptores imediatos da mensagem de Mateus encontram-se os
judeus convertidos ao cristianismo. Mateus necessita mostrar que o Antigo
Testamento tem sua continuidade com Jesus e que, através do anúncio do
Reino de Deus, todos os povos também devem receber a boa nova.
No discurso do Sermão da Montanha Jesus fala enquanto Mestre, des-
de sua cátedra (a montanha). Ele não aboliu a Lei, mas deu-lhe pleno cum-
primento (interiorizando-a), mostrando que pode ser cumprida com mais
radicalidade desde que se ame. O amor torna-se fundamental para a prá-
tica da Lei.
O Evangelho grego — canônico — de Mateus mostra que a perfeição não é
somente o cumprimento de certas regras exteriores, praticadas eventualmen-
te, mas propõe um programa de vida contínuo. Também evidencia que não
basta comparar-se aos não praticantes da Lei a fim de mostrar a integrida-
de de vida; é necessário olhar para Jesus que mostra qual o rumo a ser toma-
do (o Pai celeste).
Este ponto de encontro entre o humano e o divino se faz notar, sobretudo,
em três momentos da Bíblia: Mt 5, 48; Lv 19, 2; Lc 6, 36. Aqui se evidencia
que o ser humano está subordinado a Deus, e Ele mesmo quer que os homens
participem de suas qualidades. Através da santidade, mostra como os sacri-
fícios antigos purificavam exteriormente, mas com o oferecimento de Cris-
to veio a purificação interior. A misericórdia de Deus torna-se paradigma da

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 109


O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)

misericórdia que deve existir entre os seres humanos. No conceito de “perfei-


ção” ganha realce o sentido de plenitude. Não é simplesmente um conjunto de
virtudes praticadas irrepreensivelmente, mas refere-se a uma entrega íntegra
a Deus.
O significado de entrega total a um chamado de Deus, acerca do conceito
de perfeição, se corrobora em Mt 19, 21. Somente em três momentos encon-
tra-se o termo τέλειος (perfeito) no escrito deste evangelista: duas em 5, 48 e
uma em 19, 21. Portanto, Mateus mostra que não é mais o cumprimento rigo-
roso de regras exteriores que tornam o homem perfeito, mas uma atitude per-
manente de seguimento a Jesus, fazendo sempre sua vontade. Nesta relação
torna-se fundamental o amor.
O Evangelho oferece um plano de vida que evita perfeccionismos fari-
saicos. Propõe através de seu conceito de “perfeição” perceber que Deus se
entregou pelos homens por amor, e é por este motivo que os homens devem
entregar-se a Deus: por amor. Esta relação divino-humana deve ser o padrão
de relacionamento entre os seres humanos. Somente nesta compreensão o ser
humano encontrará sua própria dignidade e a dos outros.
Esta mensagem do Evangelho Mateano, confrontada com as duas opiniões
teológicas expostas neste trabalho, encontra pontos consonantes. Em geral,
eles têm como fundamento uma experiência de relação, que deve ser a base
para uma reciprocidade de amor.
Neste sentido, o conceito de “perfeição” em Mateus mostra na teologia um
Deus que, na história da salvação, amou os homens a ponto de se entregar por
eles. Este sentido contribui para dar a razão de ser e existir dos homens no
mundo. Os seres humanos não são apenas “mais um” dentro de uma multi-
dão, mas fazem parte de uma história, onde o caminho pelo qual se deve tri-
lhar está no seguimento integral das palavras e exemplos de Jesus.

110 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Traduções
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia  1

Juan Donoso Cortés 2

Senhores,

Chamado por eleição vossa a preencher o vazio deixado nesta academia


por um varão ilustre pela sua doutrina, célebre pela agudeza e fecundidade
de seu engenho, e pela sua literatura e ciência, merecedor de eterna e escla-
recida memória, quem poderá afirmar ser digno de escritor tão eminente, e
desta nobilíssima assembleia, alguém como eu, pobre de fama e de escasso
engenho? Posto em tão grave situação, pareceu-me conveniente escolher para
tema de discurso um assunto altíssimo, que cativando a vossa atenção, force-
-os a apartar de mim vossos olhos, para colocá-los em sua grande majestade
e sublime alteza.
Há um livro, tesouro de um povo, que é hoje fábula e ludíbrio da terra, e
que foi em tempos passados estrela do Oriente, onde foram dessedentar sua
divina inspiração todos os grandes poetas das regiões ocidentais do mundo,
e no qual aprenderam o segredo de elevar os corações e arrebatar as almas
com sobre-humanas e misteriosas harmonias. Esse livro é a Bíblia, o livro
por excelência.
Nele aprendeu Petrarca a modular seus gemidos; nele viu Dante suas
aterradoras visões; daquela frágua acesa extraiu o poeta de Sorrento os
esplêndidos resplendores de seus cantos. Sem ele, Milton não teria surpre-
endido a mulher na sua primeira fraqueza, ao homem na sua primeira cul-
pa, a Lúcifer em sua primeira conquista, a Deus no seu primeiro cenho;
nem poderia anunciar aos povos a tragédia do Paraíso, nem cantar com
canto de dor a má ventura e triste fado da linhagem humana. […] Quem
colocou diante dos olhos dos nossos grandes escritores místicos os obs-

1)  Discurso proferido por Juan Donoso Cortés a 16 de abril de 1848, ao tomar assento na Real Academia
de la Lengua. Tradução de excertos escolhidos do original em espanhol presente em OBRAS de D. Ju-
an Donoso Cortés. (Ord.) Gavino Tejado. Madrid: Imprenta de Tejado, 1854. Tomo III. p. 171-198, por
José Manuel Victorino de Andrade (IFAT).
2)  Juan Donoso Cortés (1809-1853) filósofo, político e diplomata espanhol, autor de numerosos escritos
e discursos. “O seu estilo distingue-se por uma rara energia e um brilho que nenhum outro se crê que
iguale; mas não falta quem desaprove os frequentes neologismos e os giros singularmente atrevidos que
usa, em abono da abundância de ideias e da louçania da sua imaginação”. Ver DE OCHOA, Eugenio.
Apuntes para una biblioteca de escritores españoles contemporáneos: Colección de los mejores autores
españoles. París: Librería Europea, 1840. Tomo XXIII. p. 467-498.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 111


Discurso Acadêmico sobre a Bíblia

curos abismos do coração humano? Quem colocou em seus lábios aque-


las santas harmonias, e aquela vigorosa eloquência, e aquelas tremendas
imprecações, e aquelas fatídicas ameaças, e aquelas saídas sublimes, e
aqueles suavíssimos timbres de ardorosa caridade e de castíssimo amor,
com que algumas vezes espantavam a consciência dos pecadores, e outras
levavam ao arrebatamento as limpas almas dos justos? Suprimi a Bíblia
com a imaginação, e tereis suprimido a bela, a grande literatura espanho-
la, ou a tereis ao menos despojado de suas centelhas mais sublimes, dos
seus mais esplêndidos atavios, de suas soberbas pompas e de suas santas
magnificências.
E quanto, senhores, a literatura se desdoura, se com a supressão da Bíblia
todos os povos permanecem em trevas e nas sombras da morte? Porque nela
estão escritos os anais do céu, da terra e do gênero humano; na Bíblia, como
na própria divindade, está contido o que foi, o que é, e o que será: na pri-
meira página conta o princípio dos tempos e das coisas; na última, o fim
das coisas e dos tempos. Começa com o Gênesis, que é um idílio, e aca-
ba com o Apocalipse de São João, que é um hino fúnebre. O Gênesis é belo
como a primeira brisa que refrescou o mundo, como a primeira aurora que
se levantou no céu, como a primeira flor que brotou nos campos, como a
primeira palavra amorosa que pronunciaram os homens, como o primei-
ro sol que surgiu do Oriente. O Apocalipse de São João é triste como a últi-
ma palpitação da natureza, como o último raio de luz, como o último olhar
de um moribundo. E entre este hino fúnebre e aquele idílio, veem-se pas-
sar umas após outras, à vista de Deus, todas as gerações, e uns após outros,
todos os povos: as tribos vão com os seus patriarcas, as repúblicas com os
seus magistrados, as monarquias como os seus reis, os impérios com os
seus imperadores. Babilônia passa com a sua abominação, Nínive com a
sua pompa, Mênfis com o seu sacerdócio, Jerusalém com os seus profetas e
o seu templo, Atenas com as suas artes e com os seus heróis, Roma com o
seu diadema e com os despojos do mundo. Nada está firme sem Deus; todo
o restante passa e morre, como passa e morre a espuma que vai desfazen-
do a onda.
Ali se contam ou se predizem todas as catástrofes; e por isso, estão ali
todos os modelos imortais de todas as tragédias; ali se recontam todas
as dores humanas; por isso, as harpas bíblicas ressonam lugubremente,
dando os tons de todas as lamentações e de todas as elegias. Quem vol-
tará a gemer como Jó, quando prostrado na terra por uma mão excelsa
que o oprime, enche com seus gemidos e humedece com suas lágrimas os

112 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Juan Donoso Cortés

vales da Idumeia? Quem voltará a lamentar-se, como se lamentava Jere-


mias em torno de Jerusalém, abandonada de Deus e das gentes? Quem
será lúgubre e sombrio, como era sombrio e lúgubre Ezequiel, o poeta dos
grandes infortúnios e dos tremendos castigos, quando oferecia aos ven-
tos a inspiração arrebatada, espanto de Babilônia? Contam-se ali as bata-
lhas do Senhor, em cuja aparência são vãos simulacros as batalhas dos
homens: por isso a Bíblia, que contém todos os modelos de todas as tra-
gédias, de todas as elegias, e de todas as lamentações, contém também o
modelo inimitável de todos os cantos de vitória. Quem cantará como Moi-
sés, do outro lado do mar Vermelho, quando entoava o cântico da vitória
de Javé, do triunfo sobre o Faraó, e da liberdade de seu povo? Quem vol-
tará a cantar um hino de vitória como o que entoava Débora, a Sibila de
Israel, a Amazona dos hebreus, a mulher forte da Bíblia? E se dos hinos
de vitória passamos aos hinos de louvor, em que templo ressoaram jamais
como no de Israel, quando subiam ao céu aquelas vozes suaves, harmo-
niosas, concertadas, com o delicado perfume das rosas de Jericó, e com o
aroma de incenso oriental? Se buscais modelos da poesia lírica, que lira
haverá comparável com a harpa de David, o amigo de Deus, ele que colo-
cava o ouvido às suavíssimas consonâncias e aos dulcíssimos cantos das
harpas angélicas? Ou com a harpa de Salomão, o rei sábio e felicíssimo,
que colocou a sabedoria em sentenças e em provérbios, e acabou por cha-
mar vaidade à sabedoria; que cantou o amor e seus regalados desejos, e
sua dulcíssima embriaguez, e seus saborosos transportes e seus eloquen-
tes delírios? Se buscais modelos da poesia bucólica, onde os encontrareis
tão frescos e tão puros como na época bíblica do patriarcado, quando a
mulher, a fonte e a flor eram amigas, porque todas juntas e cada uma por
si eram o símbolo da inicial sensibilidade e da cândida inocência? Onde
encontrareis, senão ali, os sentimentos limpos e castos, e o aceso pudor
dos esposos, e a misteriosa fragrância das famílias patriarcais?
Vede, senhores, porque todos os grandes poetas, todos os que sentiram os
seus peitos devorados pela chama inspiradora de um Deus, correram para
aplacar a sede nas fontes bíblicas de águas inextinguíveis, que agora, formam
impetuosas torrentes, rios amplos e caudalosos, estrepitosas cascatas e buli-
çosos arroios, ou tranquilos reservatórios e remansos.
Livro prodigioso aquele, senhores, que há trinta e três séculos o gênero
humano começou a ler, e após lê-lo todos os dias, todas as noites e todas as
horas, ainda não acabou sua leitura. Livro prodigioso aquele, em que se cal-
cula tudo, antes de se ter inventado a ciência dos cálculos; em que sem estu-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 113


Discurso Acadêmico sobre a Bíblia

dos linguísticos, se dá a notícia da origem das línguas; em que sem estudos


astronômicos, se computam as revoluções dos astros; em que sem documen-
tos históricos, se conta a história; em que sem estudos físicos, se revelam as
leis do mundo. Livro prodigioso aquele, que vê tudo e sabe tudo; que sabe os
pensamentos que se levantam no coração do homem, e os que estão presen-
tes na mente de Deus; que vê o que se passa nos abismos do mar, e o que suce-
de nos abismos da terra; que conta ou prediz todas as catástrofes das gentes,
e onde se encerram e entesouram os tesouros da misericórdia, todos os tesou-
ros da justiça, e todos os tesouros da vingança. Livro, enfim, senhores, que
quando os céus se dobrarem em si como um leque gigantesco, e quando a ter-
ra padeça desmaios, e o sol recolha sua luz e se apaguem as estrelas, perma-
necerá com Deus, porque é a sua eterna palavra ressoando eternamente nas
alturas.
Por aí vedes, senhores, quão livre e extenso campo se abre às investiga-
ções dos homens. Forçoso empenho, pela índole exclusivamente literária
desta ilustre assembleia, considerando a Bíblia somente como um livro que
contém a poesia de uma nação digna de perdurável memória, limitar-me-
-ei a indicar algo do muito que poder-se-ia indicar e dizer acerca das cau-
sas que servem para explicar o seu poderoso atrativo e resplandecente for-
mosura.
[…] Sob o prisma religioso, todas as nações eram idólatras, maniqueias ou
panteístas. A notícia de um deus consubstancial ao mundo, espargida entre
todos os povos nos primitivos tempos, teve a sua origem nas regiões indos-
tânicas; a existência de um deus, princípio de todo o bem, princípio de todo
o mal, fazendo-se oposição e contraste, foi invenção dos sacerdotes persas; e
as repúblicas gregas foram exemplo das nações idólatras. O deus do Indostão
estava condenado a um eterno repouso, o dos persas a uma impotência abso-
luta, e os deuses gregos eram homens.
Quanto à mulher, estava condenada em todas as regiões do mundo ao
ostracismo político e civil, e à servidão doméstica. Quem reconheceria nes-
sa serva com a frente inclinada sob o peso de uma maldição tremenda e
misteriosa, a mais bela, a mais suave, a mais delicada criatura da criação,
em cuja face retrata-se Deus, refletem-se os céus, e se olham os anjos? Por
último, senhores, se buscais um povo livre, um povo que tenha notícia da
dignidade humana, não encontrareis nenhum em todos os âmbitos da ter-
ra, que se eleve a tão grande majestade e que se levante a tamanha altura.
Em vão buscareis naqueles impérios portentosos da Ásia, que caindo com
estrépito uns sobre os outros, desabaram com espantosa ruína. Em vão os

114 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Juan Donoso Cortés

buscareis na terra dos faraós, onde se levantam aqueles gigantescos sepul-


cros, cujos cimentos se amassaram com o suor e com o sangue de nações
vencidas e sujeitas, e que denunciam com eloquência muda e aterradora que
aqueles vastos despovoados foram assentamentos de gerações escravas. E
se apartando os olhos das regiões orientais, os voltais às partes do Ociden-
te, o que vedes nas repúblicas gregas, senão aristocracias orgulhosas e tirâ-
nicas oligarquias? Que outra coisa vem a ser Esparta, sede do império dóri-
co, senão uma cidade oriental, dominada por seus conquistadores? E, que
vem a ser Atenas, a heroica, a democrática, a culta, pátria dos deuses e dos
heróis, senão uma cidade habitada por um povo escravo e por uma aristo-
cracia feroz e desvanecida, que não se chamou a si mesma povo, uma vez
que o povo não era nada?
[…]
As tradições bíblicas, que foram causa da liberdade da mulher, foram ao
mesmo tempo ocasião de liberdade para os filhos: os dos gentios caíam no
poder dos seus pais, os quais tinham sobre eles o mesmo direito que sobre
as suas coisas, enquanto os dos hebreus eram filhos de Deus, e um deles
haveria de ser o Salvador dos homens. Daqui, o santo respeito e o ternís-
simo amor dos hebreus pelos seus filhos, igual ao que tinham pelas suas
mulheres, daqui o exímio cuidado das matronas em amamentar com seus
próprios peitos aos que haviam levado em suas entranhas, sendo tão univer-
sal este costume, que apenas se sabe que Joas, rei de Judá, de Mifiboseth e
de Rebeca, que não tenham sido amamentados pelos peitos de suas mães.
Daqui, as bênçãos que desciam do alto sobre os progenitores de uma nume-
rosa família e sobre as mães fecundas. Os seus netos são a coroa dos anci-
ãos, diz a Sagrada Escritura. Deus tinha prometido a Abraão uma posteri-
dade numerosa; e essa promessa era considerada pelos hebreus como uma
das suas mais insignes mercês. Daqui, a esmerada solicitude dos seus legis-
ladores pelo crescimento da população, coisa já advertida por Tácito, que a
respeito do povo hebreu, observa o seguinte: “Nam et necare quemquam ex
agnatis nefas”.
Entretanto, se levais em conta a distância que há entre a família gentílica
e a hebreia, vereis logo que estão separadas entre si por um abismo profun-
do: a família gentílica compõe-se de um senhor e de seus escravos, enquanto
a hebreia, do pai, da mulher e de seus filhos. Entram como elementos consti-
tutivos da primeira, deveres e direitos absolutos; a segunda, deveres e direi-
tos limitados. A família gentílica descansa na servidão; a hebreia funda-se na
liberdade. A primeira é resultado de um esquecimento; a segunda, de uma

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 115


Discurso Acadêmico sobre a Bíblia

recordação; o esquecimento e a recordação das divinas tradições, prova cla-


ra de que o homem não ignora, senão porque esquece, e não sabe, senão por-
que aprende.
Agora se compreenderá facilmente porque a mulher hebreia perde nos
poemas bíblicos tudo o que teve entre os gentios de sombrio e de sinistro;
e porque o amor hebreu, diferentemente do gentio, que foi incêndio dos
corações, é bálsamo das almas. Abri os livros dos profetas bíblicos, e em
todos aqueles quadros, risonhos ou pavorosos, com que davam a entender
às sobressaltadas multidões, ou que ia desfazendo-se o nebuloso, ou que
a ira de Deus estava próxima, achareis sempre em primeiro lugar as vir-
gens de Israel, sempre belas e vestidas de resplendores aprazíveis, levan-
tarem então seus corações ao Senhor em melodiosos hinos e em angéli-
cos cantares, ou depositarem, sob o peso da dor, as cândidas açucenas de
suas frontes.
[…]
Nem se contentaram os hebreus em confiar à mulher o brando cetro de
seus lares mas puseram muitas vezes na sua mão fortíssima e vitoriosa o pen-
dão das batalhas e o governo do Estado. A ilustre Débora governou a repúbli-
ca na qualidade de juiz supremo da nação; como general dos exércitos, peleou
e ganhou batalhas sangrentas; como poetiza, celebrou os triunfos de Israel
e entoou hinos de vitória, manejando ao mesmo tempo, com igual soltura e
maestria, a lira, o cetro e a espada.
No tempo dos reis, a viúva de Alexandre Janeu teve o cetro dez anos;
a mãe do rei Asa governou em nome do seu filho, e a mulher de Hircano
Macabeu foi designada por este príncipe para governar o Estado depois
de seus dias. Até o espírito de Deus, que se comunicava a poucos, des-
ceu também sobre a mulher, abrindo-lhe os olhos e o entendimento para
que pudesse ver e entender as coisas futuras. Hulda foi iluminada com o
espírito de profecia, e os reis aproximavam-se dela sobressaltados com
um grande temor, contritos e receosos, para saber de seus lábios o que
no livro na Providência estava escrito de seu império. A mulher, entre
os hebreus, ora governa a família, ora dirige o Estado, ora fala em nome
de Deus, ora avassala os corações, cativos de seus encantos. Era um ser
benéfico, que já participava tanto da natureza angélica como da humana.
Lede apenas o Cântico dos Cânticos e dizei-me se aquele amor suavíssi-
mo e delicado, se aquela esposa vestida de odoríferas e cândidas açuce-
nas, se aquela música harmônica, se aqueles arrebatamentos inocentes
e elevados, e aqueles deleitosos jardins, não são mais que coisas vistas,

116 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Juan Donoso Cortés

ouvidas e sentidas na terra, coisas que se nos apresentam como sonhos


do paraíso.
E entretanto, senhores, para conhecer a mulher por excelência; para ter
notícia certa do encargo recebido de Deus; para considerá-la em toda a sua
beleza imaculada e altíssima; para formar-se alguma ideia de sua influên-
cia santificadora, não basta colocar a vista naqueles belíssimos exemplos
da poesia hebraica, que até agora deslumbraram os nossos olhos e doce-
mente embargaram os nossos sentidos. O verdadeiro modelo e exemplo de
mulher não é Rebeca, nem Débora, nem a esposa do Cântico dos Cânti-
cos, cheia de fragrâncias como uma taça de perfumes. É necessário ir mais
além, e subir mais alto; é necessário chegar à plenitude dos tempos, ao cum-
primento da antiga promessa. Para surpreender à maneira de Deus, forman-
do o tipo perfeito de mulher, é necessário subir até ao trono resplandecen-
te de Maria. Ela é uma criatura aparte, mais bela por si só que toda a cria-
ção; o homem não é digno de tocar suas vestes brancas, a terra não é digna
de servir-lhe de peanha, nem os tecidos de brocado como tapete; a sua bran-
cura excede a neve que se acumula nas montanhas; o seu corado, o rosado
dos céus; o seu esplendor ao resplandecente das estrelas. Maria é amada de
Deus, venerada pelos homens, servida pelos anjos. […] O Pai a chama filha,
e lhe envia embaixadores; o Espírito Santo a chama esposa, e lhe faz som-
bra com as suas asas; o Filho a chama mãe, e faz de sua morada o seu sacra-
tíssimo ventre. Os Serafins compõem a sua corte; os céus a chamam Rai-
nha; os homens a chamam Senhora: nasceu sem mancha, livrou o mundo,
morreu sem dor, viveu sem pecado. Vede aí a mulher, senhores, vede aí a
mulher, porque Deus em Maria as santificou: às virgens, porque Ela foi Vir-
gem; às esposas porque Ela foi Esposa; às viúvas porque Ela foi Viúva; às
filhas, porque ela foi Filha; às mães porque ela foi Mãe. Grandes e porten-
tosas maravilhas obrou o cristianismo no mundo: fez as pazes entre o céu
e a terra, destruiu a escravidão, proclamou a liberdade humana e a frater-
nidade dos homens. Mas com tudo isso, a mais portentosa de todas as suas
maravilhas, a que mais profundamente influiu na constituição da sociedade
doméstica e da civil, é a santificação da mulher, proclamada desde as altu-
ras evangélicas. E além do mais, senhores, desde que Jesus Cristo habitou
entre nós, nem sobre as pecadoras é lícito lançar o escárnio e o insulto, por-
que até os seus pecados podem ser lavados pelas suas lágrimas.
O Salvador dos homens colocou a Madalena sob o seu amparo. E quan-
do chegou o tremendo dia em que se nublou o sol, estremeceram e desloca-
ram-se os despojos da terra, ao pé da sua cruz estavam juntas a sua inocen-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 117


Discurso Acadêmico sobre a Bíblia

tíssima Mãe e a arrependida pecadora, para dar-nos assim a entender que os


seus amorosos braços estavam abertos igualmente à inocência e ao arrepen-
dimento.
[…]
Terminei, senhores, o quadro que me havia proposto apresentar ante os
vossos olhos: se lhes parece belo e sublime, a sua sublimidade e a sua beleza
estão nele, como traçado que foi pelo próprio Deus, na larga e lamentável his-
tória de um povo maravilhoso. Se nele encontrais grandes lacunas e sombras,
essas sombras e lacunas são minhas. Por elas reclamo a vossa indulgência;
vossa indulgência, senhores, que nunca foi negada aos que, como eu, a implo-
ram, e aos que, como eu, a necessitam.

118 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Este é o livro dos mandamentos de Deus  1

São Tomás de Aquino

Este é o livro dos mandamentos de Deus,


e a Lei que subsiste eternamente:
todos os que a guardam alcançarão a vida 2. (Baruc 4, 1)

Louvor à Sagrada Escritura 3

Segundo Agostinho, na Doutrina Cristã 4, o homem instruído no falar deve


o fazer a fim de que ensine, deleite e comova 5: que ensine aos ignorantes,
que deleite aos entediados e que comova aos obtusos. A linguagem da Sagra-

1)  Título original: Hic est liber mandatorum Dei. Traduzido do latim pelo Diác. Felipe de Azevedo Ramos,
EP a partir da edição: S. Thomae Aquinatis Opuscula Theologica, t. 1: Principium fratris Thomae de
commendatione et partitione Sacrae Scripturae. Ed. R. A. Verardo, Marietti, Taurini-Romae, 1954, p.
435-439 (hic: 435-436). O códice original, encontrado em Santa Maria Novella, Florença em 1912 (Bibl.
Cent. MS Conv. Soppr. G, 4, 36) está junto com o famoso discurso Rigans montes (cfr. Revista Lumen
Veritatis, 12, 2010, p. 111-126). No início do Hic est liber está escrito: Principium fratris Thomae de
Aquino quando incepit Parisiis ut baccalarius biblicus. Ou seja, seria uma aula inaugural ao começar o
magistério em Paris como Bacharel bíblico (cfr. Spiazzi, Raimondo. San Tommaso d’Aquino: biografia
documentata di un uomo buono, intelligente, veramente grande. Bologna: Ed. Studio Domenicano, 1995,
p. 75). Contudo, a esse respeito explica J.-P. TORRELL (Iniciação a Santo Tomás de Aquino, São Paulo:
Loyola, 2004, p. 63): “Seguindo sugestão de Mandonnet, até hoje todos viam nesse segundo texto a aula
inaugural de Tomás, ao iniciar seu ensino de bacharel bíblico em Paris, em 1252. Ora, conforme vimos,
ao que tudo indica Tomás jamais exerceu esse posto em Paris; portanto, não pôde ter pronunciado esse
discurso na referida ocasião. Daí a proposição de Weisheipl de ver nesse segundo discurso o que Tomás
teria pronunciado no dia de sua resumptio [primeiro dies legibilis seguinte a inceptio]. Esse texto revela-
se uma continuidade bastante clara do principium [Rigans montes] acima analisado, que ele completa
e prolonga, e podemos desse modo ter uma idéia mais precisa do que se passou em setembro de 1256,
por ocasião da entrada em regência de Tomás”. Weisheipl, por sua parte, nega que exista uma inceptio
para o cargo de Bacharel bíblico e confirma também a continuidade temática do Rigans montes com o
Hic est liber. O primeiro trata da sublimidade da Doutrina sagrada transmitida sabiamente do mestre
aos discípulos; já o segundo trata da autoridade, imutabilidade e utilidade da Sagrada Escritura. Por fim,
reitera que “estes dois discursos devem ser lidos em união de um com o outro e como parte integral
da cerimônia inaugural” (WEISHEIPL, J.A. Friar Thomas d’Aquino. His life, thought, and Work. New
York: Doubleday, 1974, p. 104 - trad. nossa). Por fim, este autor afirma que o Hic est liber teria sido
proferido em abril ou maio de 1256 em Paris (e não em 1252).
2) Original: Hic est liber mandatorum Dei, et lex quae est in aeternum: omnes qui tenent eam pervenient ad
vitam.
3) Original: Commendatione Sacrae Scripturae. Não traduziremos aqui a segunda parte do discurso
chamada Partitione Sacrae Scripturae.
4)  De doctrina christiana, IV, c. 12 in Corpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum (CSEL), vol. 80, ed.
W. M. Green, 1963, p. 185.
5) Inspirado em Cícero. Cfr. De oratore, I, 130. in Bibliotheca scriptorum graecorum et romanorum
Teubneriana (BT), vol. 3, ed. K. Kumaniecki, 1995, p. 50.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 119


Este é o livro dos mandamentos de Deus

da Escritura contém plenissimamente estas três coisas. Pois ela ensina firme-
mente com sua verdade eterna: Eternamente, Senhor, permanece a tua pala-
vra (Sl 118 [119] 89-90). Deleita suavemente por sua utilidade: Quão doces
são vossas palavras para o meu paladar (Sl 118 [119], 103). E convence efi-
cazmente por sua autoridade: Não é minha palavra como fogo, diz o Senhor?
(Jr 23, 29).
Por esta razão, a Sagrada Escritura no texto proposto é louvada por três
motivos: primeiro, pela autoridade através da qual comove, dizendo: Este é
o livro dos mandamentos de Deus; segundo, pela verdade eterna com a qual
instrui, ao dizer: e a Lei que subsiste eternamente; terceiro, pela utilidade que
atrai, ao dizer: Todos os que a guardam alcançarão a vida.

A autoridade da Sagrada Escritura


A autoridade desta Escritura, por sua parte, é demonstrada eficazmente
por três razões. Primeiro, por sua origem, visto que Deus é a sua origem. Por
isso diz: dos mandamentos de Deus. Diz também Baruc (3, 37): Ele descobriu
o caminho inteiro da ciência; e em Hebreus (2, 3): Esta [salvação] foi anun-
ciada no início pelo Senhor, e confirmada no meio de nós por aqueles que a
tinham ouvido.
Além disso, este autor deve ser crido infalivelmente, tanto pela condição
de sua natureza, em razão de ser ele a verdade: Eu sou o Caminho, a Verda-
de e a Vida (Jo 14, 4); quanto pela plenitude da ciência: Ó profundidade da
riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! (Rm 11, 33); quanto pelo
poder das palavras: a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que
qualquer espada de dois gumes (Hb 4, 12).
Segundo, mostra-se eficaz pela necessidade que claramente se impõe: mas
quem não crer será condenado (Mc 16, 16), etc. Por este motivo, a verdade da
Sagrada Escritura é apresentada por meio de preceitos, e por esta razão está
escrito: dos mandamentos de Deus. E estes se dirigem ao intelecto através da
fé: Credes em Deus, crede também em mim 6 (Jo 14, 1); e, pelo amor, infor-
mam a sensibilidade: Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros,
assim como eu vos amei (Jo 15, 12); conduzindo-nos à ação: faze isto e vive-
rás (Lc 10, 28).

6)  Este trecho é retomado constantemente por S. Tomás em suas obras como princípio de sistematização
teológica e cristológica (cfr. BIFFI, I. I misteri di Cristo in Tommaso d’Aquino. Milão: Jaca Book, 1994,
p. 40).

120 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


São Tomás de Aquino

Terceiro, mostra-se eficaz pela uniformidade de seus escritos, pois todos


os que transmitiram a sagrada doutrina 7 ensinaram o mesmo: Portanto, seja
eu ou sejam eles, assim pregamos, e assim crestes (1 Cor 15, 11). E isto é
necessário, pelo fato de que todos tiveram um único mestre: um só é vos-
so Mestre, etc. (Mt 23, 8); possuíram um único espírito: Não andamos com
o mesmo espírito? (2Cor 12, 18). E apenas um amor que vem do alto: A mul-
tidão dos fiéis era um só coração e uma só alma em Deus (At 4, 32). Por
isto, como sinal desta uniformidade de doutrina, está escrito com proprieda-
de: Este é o livro.

A verdade da Sagrada Escritura


A verdade desta doutrina da Escritura é imutável e eterna. Donde resul-
ta que a Lei subsiste eternamente. E diz Lucas (21, 33): O céu e a terra pas-
sarão, mas as minhas palavras não passarão. Desta forma, esta lei subsiste
eternamente por tres razões. Primeiro, em razão do poder do legislador: Se o
Senhor dos exércitos decidiu, quem poderá revogar? (Is 14, 27). Em segun-
do lugar, em virtude de sua imutabilidade: eu sou o Senhor e não mudo (Ml
3, 6). O Senhor não é homem para que minta, nem criatura humana para que
se arrependa (Nm 23, 19). Terceiro, em consequência da verdade da própria
lei: Todos os teus mandamentos são verdade (Sl 118 [119],86). Os lábios sin-
ceros permanecem para sempre (Pr 12, 19). A verdade permanece e se forti-
fica eternamente (3Es 4, 38).

A utilidade da Sagrada Escritura


Por fim, a utilidade desta Escritura é máxima: Sou eu, o Senhor teu Deus,
sou quem te ensina o que vale a pena (Is 48, 17). Por isso continua: todos os
que a guardam alcançarão a vida. Esta vida se divide certamente em três. A
primeira é a vida da graça, para a qual a Sagrada Escritura nos prepara: As
palavras que vos disse são Espírito e são vida (Jo 6, 63). De fato, através des-
ta vida, o espírito vive para Deus: Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em
mim. (Gl 2, 20). A segunda é a vida da justiça, baseada nas obras, para a qual
a Sagrada Escritura guia: Jamais esquecerei teus preceitos: pois por eles me
deste a vida (Sl 118 [119], 93). A terceira é a vida da glória, prometida e con-

7)  Biffi (op. cit., p. 40) nota como S. Tomás fala indiferentemente de “Sagrada Escritura” (sacra Scriptura)
e de “Sagrada doutrina” (sacra doctrina).

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 121


Este é o livro dos mandamentos de Deus

duzida pela Sagrada Escritura: A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de


vida eterna. (Jo 6, 68). Da mesma forma (Cf. Jo 20, 31): Estes [milagres],
porém, foram escritos para que creiais; e para que, crendo, tenhais a vida em
seu nome 8.

8)  Biffi (op. cit., p. 41) nota que a sucessão graça-justiça-glória se encontra também no prólogo de S.
Tomás a Lectura in Galatas (in Marietti, p. 563) onde se fala de “renovatio per novitatem gratiae, seu
Veritatis praesentiae Christi”, da “renovatio per novitatem iustitiae” e da “renovatio per novitatem
gloriae”.

122 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Resenhas
Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição
RATZINGER, J. / BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011. 272p. ISBN:
9788576656180.

O segundo volume do livro “Jesus do (cf. Dei Verbum, n. 12), sem descui-
de Nazaré”, do Papa Bento XVI, veio dar o auxílio da investigação histórica,
a lume recentemente, confirmando a semântica e arqueológica.
grande expectativa causada pelo anún- O estilo do livro é habitualmente
cio de sua iminente publicação. Foram já um reflexo da disposição de espírito do
vendidos cerca de um milhão de exem- autor. Assim, singeleza e sabedoria ins-
plares da obra, editada em sete línguas. piram a pena do Papa, sempre aberto ao
A versão em português do Brasil chegou diálogo crítico e construtivo com a exe-
às livrarias em maio de 2011, por meio gese histórica, mesmo quando se apre-
da editoria Planeta. senta impregnada de positivismo, mos-
O autor, com a fineza de pensamento e trando seus limites e explorando seus
o acurado rigor científico que o caracteri- contributos ao estudo das Escrituras.
zam, apresenta uma Cristologia viva, pro- O livro, com efeito, é convidativo e
funda e enriquecedora a partir dos mis- atraente. Lê-se com paixão e amenidade,
térios da vida de Jesus, desde “a entrada sendo difícil deter a leitura. Não se desti-
em Jerusalém até a Ressurreição”. A obra, na exclusivamente ao estudo de técnicos
porém, não adoece da frieza acadêmica de e especialistas. Nas suas páginas encon-
um estudo técnico e exaustivo. O propósi- tra-se uma mensagem acessível ao públi-
to de Bento XVI é claro: partindo da exe- co católico e cristão em geral. O Carde-
gese histórico-crítica e de seus resultados, al Marc Ouellet, por ocasião da apresen-
vai mais longe, de modo a chegar à inter- tação da obra na Sala Stampa do Vatica-
pretação teológica. Este passo é decisivo, no, em doze de março deste ano, definiu
pois, se a árvore da exegese não dá bons “Jesus de Nazaré” como “um testemunho
frutos na área da Cristologia, corre o risco comovente, fascinante, libertador”. 1
de tornar-se teologicamente estéril. Pelo prestígio do autor e sua capaci-
Trata-se, portanto, de procurar res- dade de comunicação, a obra pressagia
saltar o autêntico valor de uma exege- uma nova aurora na exegese bíblica, por
se verdadeiramente católica, inspirada
pelo sincero desejo de aprofundar à luz 1)  Disponível em: <http://www.radiovaticana.org/
portuguese/noticiario/2011_03_11.html#gr1>.
da Fé a verdade contida no texto sagra-
Último acesso a 2 jun. 2011.

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 123


Resenhas

sua acertada aproximação científica e O fio condutor de toda a obra, em con-


teológica à Pessoa de Jesus. tinuidade com o primeiro volume, é o
O conteúdo do livro é substancioso e fundamento histórico do cristianismo e
muito rico, pois aborda os acontecimen- da própria Escritura. Para Joseph Rat-
tos-chave narrados pelos Evangelistas, a zinger, a mensagem do Novo Testamen-
fim de tornar possível conhecer melhor to não é tão só um conjunto de verdades
a figura e a mensagem de Jesus. A partir metahistóricas baseadas em narrações
desses episódios trágicos e gloriosos — simbólicas. Isso seria transformar em
paixão, morte e ressurreição — é pos- fábula, ou em mito, acontecimentos reais.
sível aprofundar muito especialmente o Pelo contrário, pertence à essência da
mistério da filiação divina e da missão Revelação o fato de estar fundada na his-
redentora de Jesus, nas quais se mani- tória que aconteceu sobre a face da terra.
festa o rosto amoroso de Deus. Ratzinger exemplifica a este respei-
A obra está estruturada em nove capí- to com a Eucaristia: se Jesus não tives-
tulos. Abarca o período que vai desde a se dado a seus discípulos seu corpo e
entrada em Jerusalém e a expulsão dos seu sangue sob as espécies do pão e do
vendilhões do Templo até a Ascensão vinho, a celebração eucarística perderia
de Jesus aos céus. O Autor põe em foco seu conteúdo, seria uma “ficção piedo-
temas muito debatidos e de vivo interesse sa” e não “uma realidade que estabelece
nos meios exegéticos e teológicos. À guisa a comunhão com Deus”.
de síntese, enunciamo-los em seguida: A No livro, aborda-se com seriedade
análise do discurso escatológico de Jesus o tema do caráter sacrifical da missão
e seu conhecimento a respeito dos aconte- messiânica de Jesus, pedra de escânda-
cimentos futuros; a mensagem de amor ao lo de alguns teólogos influenciados pela
lavar os pés dos discípulos; a oração sacer- sensibilidade moderna, avessa à ideia de
dotal de Jesus no Evangelho de São João expiação. Embora a historicidade dos
e sua profunda ligação com a Eucaristia e textos eucarísticos do Novo Testamento
com a Páscoa; a Última Ceia e a atualida- seja incontestada pelos exegetas, paira a
de do caráter expiatório da missão de Cris- dúvida e continua-se discutindo a respei-
to; a agonia no Horto das Oliveiras como o to do verdadeiro sentido do “sangue der-
grandioso embate da luz contra as trevas; ramado” e do “corpo entregue”. Para Rat-
o processo de Jesus com a descrição, em zinger, estes textos evocam o sacrifício
minuciosos detalhes, dos acontecimentos de expiação da Antiga Lei e o levam, ao
e das personagens envolvidas; a crucifi- mesmo tempo, a seu pleno cumprimento.
xão e morte de Jesus vistas em seu mais Depois de explicar a necessidade de
profundo sentido bíblico-salvífico; a Res- deixar-se guiar pela Escritura, abando-
surreição de Jesus de entre os mortos; e, nando a atitude de querer confrontá-la
por fim, a Ascensão aos céus. de forma presunsuosa e racionalista com

124 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Resenhas

os critérios humanos, o Santo Padre des- males decorrentes da soberba e da revol-


venda primorosamente a força vencedo- ta. A morte é vencida pela Vida Eterna.
ra do sacrifício de Cristo sobre o peca- Para Ratzinger, esta realidade é
do, a morte e o mal. Na paixão de Jesus, expressa de forma simbólica no Evan-
a imundície do mundo entra em conta- gelho de São João, o qual situa a Res-
to com O imensamente puro, mas des- surreição de Jesus e, portanto, a vitó-
ta vez o mal não vence. Em Jesus, o bem ria definitiva sobre a morte, num horto
é infinitamente mais forte, com poder onde havia um sepulcro ainda não utili-
para anular e transformar a sordície do zado, evocando por contraposição o jar-
pecado. dim do Éden, lugar do primeiro pecado.
É o “extremo sim” ao Pai, após o com- O Santo Padre, ao tratar da Ressurrei-
bate interior travado no Horto das Olivei- ção, afronta vários temas candentes. Em
ras, que, por assim dizer, consagra a Cris- primeiro lugar, pergunta-se a respeito da
to Sacerdote, no sentido mais pleno do essência da Ressurreição, o que sucedeu
termo, “segundo o rito de Melquisedec”. com Jesus e se teria Ele simplesmente vol-
Sua doação voluntária leva a humanida- tado à vida como Lázaro. Estuda também
de até o alto, até Deus, configurando-o os dois tipos de testemunhas do evento:
como o Sacerdote perfeito. Ele, tal como a tradição em forma de confissão e a tra-
o apresenta a epístola aos Hebreus, ofere- dição em forma de narração. Em seguida
ce-Se a Si mesmo: “Tu não queres sacrifí- oferece uma síntese conclusiva a respeito
cios e oferendas, mas me preparastes um da natureza e da significação histórica da
corpo” (Hb 10, 5). São as palavras dirigi- ressurreição. Usando a linguagem analó-
das ao Pai pelo Filho como sinal de total gica, o autor explica a Ressurreição como
obediência e submissão, em atitude dia- um “salto qualitativo radical”, pois Jesus
metralmente oposta à soberba de Adão, com seu mesmo corpo “pertence agora
que quis ser como Deus (cf. Gn 3, 5). totalmente à esfera do divino e do eterno”.
Ressalta-se na obra a diferença exis- A obra termina com uma perspecti-
tente entre o Salmo que inspira esta pas- va de índole escatológica, fundada na
sagem e a adaptação dele feita na Epístola Ascensão do Senhor aos Céus. Com
aos Hebreus. Com efeito, o ato de “abrir efeito, a alegria experimentada pelos
o ouvido” (Sl 39, 7) é substituído pelo Apóstolos ao testemunharem o fato indi-
de “preparar um corpo” (Heb 10, 5). Eis ca a nova forma de presença de Jesus no
apontado com clareza o caráter sacrifical meio deles. Cristo não partiu para uma
e expiatório do sacerdócio de Cristo. Era zona longínqua do universo, mas entrou
necessário que o Filho de Deus reparasse para sempre na comunhão de vida e de
com seu holocausto o pecado da humani- poder com o Deus vivente.
dade. Mas não se trata só disso: a repara- Nessa perspectiva, adquire pleno sen-
ção é ao mesmo tempo triunfo sobre os tido a promessa de Jesus no Evange-

Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011 125


Resenhas

lho de João: “Não vos deixarei órfãos. tão esquecida nestes tempos de indivi-
Voltarei a vós” (Jo 14, 18). Ao subir ao dualismo imprevidente: “A sonolência
Céu, Jesus “foi”, mas ao mesmo tempo dos discípulos continua sendo uma oca-
“veio”, e sua presença fortalece os dis- sião propícia para o poder do mal”.
cípulos de maneira especial. Com isso, Reflexiona também sobre a surpreen-
esclarece-se o mistério a respeito da dente combinação entre a douta erudi-
cruz, da ressurreição e da ascensão. ção e a profunda ignorância dos estudio-
Após oferecer a síntese da mensa- sos apoiados sobre um saber que se pre-
gem nuclear e central da obra e em razão tende autossuficiente, incapaz de trans-
da impossibilidade de esgotar a sua formar o homem. Desta forma, inter-
riqueza, serão destacados outros temas pela o leitor com agudeza, indagando-o
importantes nela tratados. acerca da verdade e daquilo que muitas
Ratzinger oferece um contribu- vezes a ela se opõe: nós, o nosso saber, e
to à ética cristã definindo sua essência. a fuga à dolorosa verdade.
Para ele, a Lei de Moisés oferecia ao Desde o ângulo da exegese históri-
homem um caminho de verdadeira per- ca, a obra traz contributos muito interes-
feição, mas com a Encarnação do Filho, santes, como por exemplo, a datação da
na kenosis misericordiosa, manifesta- última ceia de Jesus. Os sinóticos afir-
-se o perfil do verdadeiro cristão. Amar mam que a última ceia foi a ceia de Pás-
como Cristo amou, eis a nota fundamen- coa; São João a situa na parasceve, vés-
tal da moral cristã. E só mediante a par- pera da Páscoa. Como resolver a aparen-
ticipação pessoal na vida de Jesus é-nos te contradição? Depois de um acurado
comunicada sua ardentíssima caridade. estudo, Ratzinger mostra a idoneidade
As reflexões teológicas da obra ilu- cronológica da narração joanina e apon-
minam de forma especial a vida espiri- ta para a concordância de fundo entre as
tual cristã. O verdadeiro teólogo deve duas tradições. Jesus no cenáculo não
ser um homem de Fé vivida e, em conse- teria celebrado a páscoa judaica, mas a
quência, pode oferecer reflexões de alto sua própria Páscoa.
teor espiritual. Ao estudar, por exemplo, Em síntese, o Santo Padre trata com
a figura de Judas, o traidor desesperado, maestria e par cœur daquilo que conhe-
incentiva a prática da virtude da Espe- ceu e amou na Pessoa de Jesus, com uma
rança na misericórdia do bom Mestre, ciência — como ele mesmo explica —
focalizando o arrependimento de São que cria comunhão com o conhecido. A
Pedro, o traidor arrependido. mensagem de seu trabalho é, sem dúvi-
Não menos oportunas são as refle- da, a mesma de Jesus: “Que Te conheçam
xões — a propósito da oração de Jesus a Ti, o único Deus verdadeiro, e Aquele
em Getsêmani e da sonolência dos dis- que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3).
cípulos — sobre a virtude da vigilância, Pe. Carlos Werner Benjumea, EP

126 Lumen Veritatis  -  Nº 15 - Abril-Junho - 2011


Lumen

Lumen Veritatis   –   Teologia Bíblica


Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011

Teologia Bíblica

Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011

Lumen Veritatis é uma Revista de publicação trimestral que pretende ser um


instrumento de divulgação do pensamento de São Tomás de Aquino e de incremen-
to da cultura cristã, promovendo um diálogo crítico entre o pensamento escolástico
Revista de Inspiração Tomista
e as demais correntes filosóficas.
Procura ela ser um veículo de divulgação aberto também aos pesquisadores gra-
duados, sem contudo abrir mão do rigor e da qualidade da produção acadêmica.

Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista – Instituto Teológico São Tomás de Aquino

Вам также может понравиться