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DRE 114044091
Turno Integral
Rio de Janeiro
Dezembro/2019
i
Rio de Janeiro
Dezembro/2019
ii
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço à espiritualidade e à ancestralidade que me
trouxeram até aqui. Eparrei Oyá, Atôto Obaluâe, Laroyê Maria Padilha. Nos momentos de
maior dificuldade e no decorrer desses cinco anos de graduação, a fé sempre foi capaz de me
reestabelecer a garra e a perseverança por uma perspectiva de futuro melhor, buscando ocupar
espaços que historicamente foram negados à população negra.
Agradeço também à UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro por ter me
acolhido desde que ingressei no Curso de Relações Internacionais até o presente momento, no
qual concluo a graduação em História. Por muitos momentos estive mais tempo presente
dentro do espaço universitário do que em minha própria casa e em nenhum momento me
arrependo dessa escolha. Serei eternamente grato pelo papel da universidade pública brasileira
que me permite ingressar no mercado de trabalho com este diferencial que é ter o privilégio
de ter tido uma educação pública, gratuita e de excelência.
Não poderia deixar de mencionar o trabalho em conjunto que norteou esta pesquisa,
por isso meus sinceros agradecimentos à Professora Doutora Andrea Casa Nova Maia, que
ofereceu todo o suporte possível na elaboração desta pesquisa de conclusão de curso, sendo
sempre solícita nos momentos de maior necessidade e angústia, característicos desse processo
de orientação acadêmica.
Aos professores do Instituto de História e ao comprometimento que tiveram em
transmitir o saber, que hoje me tornam historiador e professor dessa disciplina.
Aos professores que tive ao longo da vida, em especial à Andréa Motta, que me
permitiu o primeiro contato com a história negra; Cristiane Santos e Adonis Miguel,
professores de história que me acompanharam por longos anos; Giulia Fernandes e Andreia
Santos, que sempre me motivaram em trilhar o caminho da docência.
À minha família, o meu mais sincero obrigado por tudo o que passamos até aqui na
busca por este diploma. Ao meu pai e minha mãe que, por meio de seus trabalhos
conseguiram me auxiliar nesses anos e hoje entregam aos meus avós o primeiro neto formado
em uma instituição pública. Minha irmã, que sempre me escutou nos momentos de aflição e
que me trouxe um acalento recentemente: Maria Luiza.
Aos amigos que a vida me presenteou e que sempre me motivaram na trajetória
acadêmica: Marcelle Freire, Álvaro Ribeiro, Caroline Ferreira, Tatiane Gastão e Rosana da
Silva e Luana Andrade.
Aos amigos que se fizeram sempre presente nestes anos no Instituto de História: os
que estiveram desde o início: João Pedro, Lucas Avelar e Mirella Pinheiro. E aos que se
iv
aproximaram depois de algum tempo: Bianca Bastos, Isabelle Brenda, Rayssa Sampaio e
Lavínia Bárbara.
Ao Colégio Pedro II, que me ensinou a prática docente, assim como outros espaços
educacionais em que estive que foram capazes de me constituir professor.
Por fim, agradeço a todos que sempre estiveram presentes. E aos que nem sempre
podem estar, mas mesmo assim os carrego no peito.
Gratidão!
v
Resumo
Sumário
INTRODUÇÃO 1
Migração no pós-abolição 8
A imprensa como fonte histórica e o grande medo das elites no início do século XX. 35
CONSDERAÇÕES FINAIS. 45
REFERÊNCIAS. 48
Fontes. 48
Referências bibliográficas. 48
1
INTRODUÇÃO.
Na virada do século XIX para o século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por um
grande número de transformações econômicas, políticas e sociais. Nesse sentido, os aspectos
que mais implicaram mudanças para a cidade se debruçam em dois pontos que paralelamente
levarão a cidade a uma reorganização totalmente oposta ao período antecedente e que
pretende se analisar nesta pesquisa: o fim da escravidão e a proclamação da república.
Sendo assim, após o fim da escravidão inicia-se um período da história que ganhou
grande fôlego nas pesquisas acadêmicas no decorrer dos anos 1990: o pós-abolição. Como um
conceito ainda em construção, várias questões perpassam os debates historiográficos acerca
do período desde a sua cronologia, tempo de duração e a expectativa e ação dos libertos frente
a emancipação. Penso que este último tende a nos oferecer um leque de possibilidades que
nos pode ser apresentada, mas nesta pesquisa me deterei no fenômeno da migração,
especificamente para a cidade do Rio de Janeiro, no imediato pós-emancipação, entre os anos
de 1889 e 1890.
Para gerar tal afirmativa e até mesmo contestá-la, é necessário realizar uma análise
mais profunda nos censos da República. Dessa forma, tomarei o censo de 1890 como
principal fonte desta pesquisa, problematizando-o e questionando algumas nomenclaturas e
termos que são adotados nele como “mestiço” e “caboclo”, que de certa forma estão atreladas
as concepções racistas que emergem com o pensamento positivista, vinculado às ideias de
modernidade propagadas durante o período. Além disso, entrevistas realizadas por Hebe
Mattos e Ana Maria Lugão, do acervo memórias do cativeiro do LABHOI – UFF, sendo
utilizadas em alguns momentos a fim de demonstrar como a permanência dos libertos nas
antigas fazendas era o que ocorria em via de regra, o que de forma alguma não pretende negar
a existência do fenômeno migratório, mas apontar como não ocorreu de maneira imediata e,
sim, no decorrer dos anos.
trabalhos conseguiram identificar a permanência dos libertos nas antigas fazendas em que
conheceram o cativeiro.
No último capitulo, desenvolverei algumas considerações de como pode ter sido criada
a ligação entre o crescimento demográfico da capital Federal. Nesse sentido, analisarei como
o medo das elites da desorganização do trabalho do campo e da grande chegada de negros na
cidade podem ter colaborado nesse processo, assim como o papel desempenhado pela
imprensa, que ora buscava manter os libertos no campo e ora parecia estimular a migração
para o Rio de Janeiro. Para isso, tomarei algumas matérias do Jornal do Commercio, veículo
de grande circulação no período, e a obra de Maria Helena Machado, em “O Plano e o
Pânico”, que trabalho o medo presente nas elites com o fim da escravidão que se aproximava.
Acreditamos por fim, que o que move esta pesquisa é a necessidade de propor um novo olhar
para problemas que de certa forma já foram considerados solucionados pela história
4
No final do século XX, a História do Brasil adquire a data 13 de maio de 1888 como
grande marco, estabelecendo o fim da ordem escravista aliado aos interesses das elites
liberais, após a constante pressão internacional, grande número de revoltas ocorridas por
conta dos próprios escravos e do grande crescimento do movimento abolicionista – que
passava por uma de suas melhores etapas, multiplicando-se em número de adeptos e em
diversas regiões como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Ou seja, muitos foram os fatores
que levaram ao término da escravidão e nas principais cidades do Império e em localidades
mais distantes já se sabia que a sua manutenção se encerrava1. No entanto, o período que
segue no pós-emancipação tem sido marcado por uma série de debates e leituras sobre as
possibilidades de inserção social dos libertos em uma sociedade que reorganiza suas
hierarquias e possibilidades de arranjo.
Um dos principais pontos levantados nos estudos com relação aos ex-cativos está na
ausência do Estado Brasileiro em promover a inclusão deles na nova sociedade de classes.
Primeiramente, a partir do dado momento há uma necessidade de competição entre libertos e
o imigrante - melhor estruturado e contra o preconceito que recai sobre seu ombros. Por
conseguinte, a mudança do status de liberdade não foi capaz de trazer consigo a inclusão da
raça negra, pois eles são expropriados de sua condição de dependentes e recebem a liberdade,
1
MACHADO, Maria Helena, O Plano e o pânico, cap. 4, ênfase pp.133-134. A autora trata do crescimento do
movimento abolicionista a partir de 1880 e como os escravos encontravam novas formas de se organizarem
frente à ineficácia de se manter a ordem escravista.
5
mas não os meios para lidar com sua nova realidade. A igualdade jurídica que era estabelecida
pela recém-proclamada república não deu condições para que a democracia se efetivasse de
forma ampla.2 Sendo assim, ao olhar para o meio negro veremos a reprodução da
desigualdade em sua forma mais cruel. Ao olhar das elites, o cativo sempre representa um
perigo constante, por esse motivo teria sido afastado de uma vida social organizada e logo o
distancia de maneiras que o prepare para a imersão em uma nova ordem social.3
2
SCHWARCZ, Lilia Moritz, Sobre o autoritarismo brasileiro. Cap. 1, pp.25. Ver também Fernandes, F. A
integração do Negro na sociedade de Classes, São Paulo, Ática, 1978. O autor afirma que, ao se estabelecer a
sociedade de classes, em uma sociedade capitalista no período pós-emancipação, os libertos não se inserem,
influenciando na competição de negros e pardos por conta de permanências da economia escravista.
3
ALBUQUERQUE, Wlamyra. A Vala comum da raça emancipada”: abolição e racialização no Brasil, breve
comentário., (2010). pp. 91-108
4
SCHWARCZ, Lilia. Op., cit., p. 30
5
SCHWARCZ, Lilia. Op., cit., p. 31
6
Diante de tais circunstâncias, qual seria a ação dos libertos frente a esse cenário? Ao
olhar para o cativeiro, vemos os constantes levantes de escravos pela liberdade, crescendo
sobretudo na década de 1880. Frente ao aprisionamento do cativeiro, havia resistência e diante
da apatia do Estado em direcionar o elemento servil, eles estariam de braços atados
aguardando alguma medida por parte das autoridades?
Os planos dos libertos e suas expectativas têm se tornado cada vez mais objeto de
estudo e análise e evidenciam o comportamento deles diante da liberdade. Eric Foney é
fundamental nesse debate ao tratar da reação dos libertos norte-americanos com relação aos
significados possíveis dessa questão. Primeiro, o autor irá elencar os diversos significados que
a liberdade assume para os recém emancipados e, por conseguinte, a ação que eles assumem
perante ao novo cenário: a mobilidade, o direito de ir e vir, o reencontro de famílias separadas
pelo cativeiro e ainda a possibilidade de se distanciar dos desmandos de seus antigos
proprietários. Nesse sentido, os negros gostam das oportunidades de exibirem sua liberdade
ante às antigas regras associadas à escravidão, e o principal meio era o direito à mobilidade
adquirido.7 Dentre as nominações mais odiadas da escravidão, tinha destaque a que nenhum
negro poderia viajar sem passe e com a emancipação parecia que metade da população negra
havia saído pelas estradas. Logo, o direito de ir e vir sempre que desejassem era fonte de
orgulho para os ex-escravos.8 Todavia, boa parte dos libertos não abandonam suas fazendas
de origem e a tendência é que este fenômeno migratório ocorra de forma gradual, 9 como o
caso não só norte-americano, mas também ocorrente no Brasil.
Os estudos sobre o período no Brasil possuem certa similaridade com o caribenho até
a década de 1980 na questão dos chamados “nacionais livres”, pois há um antagonismo entre
o que era esperado pelos libertos e suas ações frente a liberdade recém conquistada,
demonstrando que nas antigas áreas escravistas os libertos permaneceram sendo utilizados
como principal mão de obra nos anos seguintes à abolição. Permanecer nas fazendas poderia
ser uma decisão estratégica, pois ao considerar utilizar da mobilidade recém adquirida, os ex-
escravos e seus descendentes deveriam refletir sobre as formas de conseguirem sobreviver
que dialogassem com as expectativas desta última geração de libertos, diante da emancipação
e das novas formas de trabalho que seriam propostas por seus antigos proprietários, além das
possibilidades de acesso à terra e ao crédito, estando ligada a um possível campesinato
negro.11
10
Inúmeros autores tratam sobre o pós abolição no Caribe, dentre os quais destaco: FONER, ERIC. Nada além
da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; SCOTT, Rebecca. Slave emancipation in Cuba: the transition to
free labour, 1680-1889. Princeton: Princeton University Press, 1985.
11
RIOS, Ana Maria. MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
(junho de 2004). TOPOI(8), 180.
8
tentativa que não obtém o resultado esperado.12 A questão da migração era objeto de grande
preocupação das elites agrárias e proprietárias de escravos no Brasil. Em certa medida a
mobilidade social mostra que grupos subalternos almejam se afastar gradativamente de um
passado escravo, muitas vezes vinculado diretamente com o trabalho ligado à terra.
12
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do Silêncio – OS significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil,
século XIX. Cap. 1, 1998. P. 179
13
ALBUQUERQUE, Wlamyra. A vala comum da raça emancipada: abolição e racialização no Brasil, breve
comentário. História Social (2010). pp. 103-104.
9
migração é tomada como ato consciente e com significado próprio, não apenas como
consequência da perda material.14
Por outro lado, a história econômica irá afirmar que para os egressos do cativeiro a
segregação do trabalho era o que havia de mais comum. Colocados no espaço urbano como
habitantes da cidade, aos antigos escravos restou a segregação racial, social e espacial.
Warren Dean aponta para uma disputa entre imigrantes europeus e os chamados “nacionais
14
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho. Migrações Negras no Pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888-1940). O
autor afirma que a constante ideia de vitimização do negro no período que sucede a abolição negligencia a ação
destes indivíduos, suas vontades e projetos. Dessa forma, a migração não deve ser analisada como uma
consequência do desmantelamento da ordem escravagista, mas como parte dos projetos e expectativas dos
libertos no pós-abolição. Ver também MATTOS (2004).
15
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 16.
16
FONER, Eric. Os significados da liberdade. p. 15.
17
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. Outros autores
afirmarão que a migração é um comportamento natural dos homens livres, principalmente para lugares onde
existe a possibilidade de emprego e acesso à terra. LIMA, Carlos A. M. (2000).
10
Perante essa experiência, libertos de outras localidades são atraídos pela abundância e
terras que se organizam perante o trabalho familiar. Isto é, negros libertos se direcionam para
regiões periféricas por conta de terras livres disponíveis, e muitas vezes tratavam-se de
propriedades que não despertavam interesse aos elites latifundiárias, atraindo negros de outros
regiões, no qual observa-se um processo de migração de libertos.20
No final do século XIX e inicio do XX, ocorre uma intensa diversificação da produção
no Vale do Paraíba que exigia uma quantidade menor de mão de obra. A consequência deste
processo está na migração para regiões em que houvesse maiores possibilidades de emprego.
Entrevistas realizadas pelo projeto memórias do cativeiro mostram que parte da população
habitante do Vale do Paraíba escolhe migrar para outras regiões.21 Um dos destinos dos
libertos e seus descendentes era a Baixada Fluminense, principalmente o município de Nova
Iguaçu. Dos 22 homens nascidos da região do Vale do Paraíba e suas proximidades ( Valença,
18
DEAN, Warren. Rio Claro: Um sistema brasileiro de grande Lavoura, 1829-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977.
20
MONSMA, Karl. Relações entre imigrantes e negros no Oeste Paulista, 1888 – 1914. UNISUNOS (2007). pp.
131-138.
20
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho, Revisitando “Família e Transição”: família, terra e mobilidade social no
pós-abolição: Rio de Janeiro (1888-1940). Revista Brasileira de História. São Paulo, v.35, n° 69, p. 44.
21
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira.
11
Paraíba do Sul, Juiz de Fora, Bananal), 15 foram tinham a baixada como destino.22Na região
analisada por Carlos Coutinho, boa parte das fazendas haviam entrado em crise econômica
devido à produção do café e açúcar em larga escala, gerando o loteamento de terrenos
menores, criando um novo contexto que permite a produção de laranjas. Além disso, com a
venda de terras a preços mais baixos, muitos libertos e seus descendentes possuiam mais
facilidade no acesso à terra.
Na base do processo de migração exercido pelos libertos está a lei de terras – Lei N°
601, de 18 de setembro de 1850, estabelecida ainda nos tempos do Império em 1850. Esta
determinava parâmetros e normas para a posse, manutenção, uso e comercialização,
colocando a possibilidade de acesso à propriedade exclusivamente por meio da compra. 23 A
lei surge em um cenário de transformações políticas e econômicas no Império, no momento
em que o tráfico de africanos havia sido criminalizado por meio da Lei Eusébio de Queiroz.
Sendo assim, surgia como alternativa substituir a mão de obra escrava pelo imigrante europeu,
que por sua vez esperava chegar ao Brasil e desenvolver um modelo de agricultura oposto ao
latifúndio voltado para a exportação. A chegada deste último ameaça o interesse de grandes
proprietários de terra, que viam no sistema monocultor e agroexportador a fonte de grandes
lucros que satisfaziam seus interesses.
A terra se transformara em mercadoria de alto custo, tendo acesso apenas uma restrita
parte da população brasileira. Dessa forma, pessoas mais pobres, em condição financeira
fragilizada como os imigrantes europeus, trabalhadores livres e ex-escravos, possuem
dificuldade no acesso à terra. Contudo, a lei de terras não é cumprida na maior parte dos
casos, permitindo o aumento da propriedade de latifundiários. Com a República, as normas
referentes à propriedade da terra são colocadas em prática, extinguindo uma legislação
paralela que por vezes fizera do costume lei, auxiliando de alguma maneira os libertos e
indivíduos mais pobres em geral.
A lei torrens, estabelecida em 1890 por Rui Barbosa, ainda no governo provisório
republicano, tornava a propriedade da terra quase que incontestável, sendo até mesmo mais
eficaz que a lei de terras. O Estado se torna o responsável por marcar as terras devolutas,
22
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho, Migrações Negras no pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888 – 1940).
TOPOI. Rio de Janeiro, vol. 16, n° 30.
23
CAVALCANTE, J. L. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do Estado sobre a
terra. Revista Histórica, n. 2. Disponível em: <https://goo.gl/M2YGtV>. Acesso em 3 dez 2013.
12
declarando terras ocupadas por aqueles eu não possuíam título de propriedade e retirando a
legitimidade desta forma de ocupação.24
A mobilidade espacial dos libertos tem se tornado relevante nas pesquisas sobre a
permanência deles no mundo rural no período pós-emancipação, questionando trabalhos já
desenvolvidos dentro da historiografia que afirmam uma imediata substituição do escravo
negro pelo imigrante europeu, levando-o a se deslocar para os grandes centros urbanos,
sobretudo o Rio de Janeiro, em busca de postos de trabalhos nas indústrias que despontavam
na cidade. Esse deslocamento populacional é inegável nos primeiros anos do período
supracitado, no entanto algumas especificações devem ser consideradas. Como as migrações
que são feitas na própria área rural, muitas vezes o deslocamento ocorre entre fazendas da
mesma região, de acordo com os relatos de Hebe Matos, onde as famílias, ao obterem
contratos de trabalho temporário, vão habitar barracões no interior das fazendas que
abrigavam trabalhadores sazonais, que em período posterior buscavam trabalho em outra
propriedade.26
Os que migram no período imediato pós-abolição buscam por terras livres, não
cobiçadas ou abandonadas. Em alguns casos migravam para outras localidades cuja terra
possuía um valor mais baixo de mercado. Sheila de Castro Faria identificou a migração de
negros livres no interior do Brasil. Segundo a autora, já é possível observar a mobilidade no
século XVIII.27 Ana Lugão Rios também observa duas tendências nos anos seguintes a
emancipação: à migração entre fazendas da mesma região e a permanência em suas antigas
24
RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. O pós abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
TOPOI. Rio de Janeiro. v. 5, n° 8, pp. 180 .
25
Ibidem, p. 181.
26
RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. Op.cit., 180.
27
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. p.111.
13
fazendas nos tempos do cativeiro.28 O segundo grupo composto por descendentes de liberto só
foram migrar para as cidades a partir de 1920.29
A busca pela cidadania e inserção social por parte dos libertos e seus descendentes é
uma constante, inclusive no que diz respeito ao trabalho e acesso à propriedade. Perante a
dificuldade desses libertos, a migração surge como alternativa e uma possibilidade real de
inserção social na nova ordem estabelecida no pós-abolição. Contudo, o fluxo migratório não
está diretamente relacionado ao crescimento demográfico dos centros urbanos. A mobilidade
se dá, sobretudo, entre diferentes localidades nas antigas áreas escravistas ou cidades satélites
a então capital federal.
28
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira. Ao analisar trajetórias de libertos e seus descendentes, sobretudo,
na região do vale do paraíba a autora se depara com a formação de comunidades quilombolas e remanescente de
quilombo próximo as fazendas onde vivenciaram o cativeiro. Hebe Mattos, faz sua contribuição nesse sentido ao
falar sobre o deslocamento de libertos e seus descendentes entre fazendas (2004).
29
Ibid.
30
FILHO, Walter Fraga. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870 – 1910).
Campinas, São Paulo. Ed. Unicamp, 2006.
14
No caso Norte Americano, Eric Foner, ao considerar a migração dos libertos como
“tentativa de chegar mais perto da liberdade”, justifica que mesmo diante da mobilidade
vivenciada no Sul dos Estados Unidos a regra nos anos seguintes à abolição, era a
permanência nas antigas propriedades onde conheceram o cativeiro. Em Cuba não ocorre uma
migração imediata de ex-escravos, o que teria levado a um desmantelamento da organização
do trabalho no campo.31 Em ilhas pequenas e com maior número de escravos, como Barbados
e Antígua, o sistema de plantação de açúcar sobreviveu à abolição, afinal os libertos tinham
poucas alternativas de trabalho, a não ser permanecerem nas mesmas propriedades nas quais
tinham sido escravos.32 Segundo Rebbeca Scott, o grande número de pretos e pardos em
Havana, então capital, eram descendentes de escravos que ali se estabeleceram antes da
abolição. Situação semelhante ocorre na Bahia, onde nos anos seguintes à abolição houve
permanência de libertos nas antigas fazendas onde vivenciaram o cativeiro.33 No Brasil,
muitos proprietários conseguiram fixar os libertos nas fazendas.
No Vale do Paraíba não foi diferente, já que a permanência dos libertos e de seus
descendestes também foi uma realidade. A maior parte das expectativas deles estava na
possibilidade de adquirir um pedaço de terra e conseguir novos arranjos de trabalho, distintos
do que era estabelecido durante a escravidão, atendendo de certa maneira os seus anseios e a
forma com a qual concebiam a liberdade recém adquirida. Buscavam, assim, adquirir terras a
um custo menor, em áreas produtivas, e quando não era possível, buscavam lotes em outras
regiões. Tentava-se multiplicar as formas de obter renda, permitindo certa autonomia do
poder dos fazendeiros.34 Na região, houve pouca migração estrangeira e a alta de mão de obra
já era presente antes do término da escravidão. Para manter o tipo nacional livre, uma das
estratégias utilizadas pelos proprietários de fazendas era a doação de terras, visando o
despertar de um sentimento de gratidão por parte dos libertos, o que os manteria como
trabalhadores de seus antigos proprietários. Isso partia do entendimento dos senhores no qual
31
SCOTT, Rebecca. Emancipação escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre, 1860 – 1889. Rio de
Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Ed. Unicamp, 1991. P. 243.
32
Idem.
33
FILHO, Walter Fraga. Op., cit., p. 318
34
MACHADO, Maria Helena, O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo.
EDUSP, 2010. p. 32.
15
os escravos deveriam receber a liberdade por sua mão e não pelo estado, entregando os louros
da liberdade aos ex-proprietários.35
Dona Zeferina e Manoel nasceram em torno de 1920 e relatam sobre seus pais -
nascidos anos após a abolição, em finais do século XIX, que pertenciam aos chamados
“ventre-livres” - e seus avós nascidos antes de 1871. Além disso, foram habitantes da fazenda
São José, de propriedade legal do homem que falam apenas o primeiro nome “Dr. Ferraz”. O
casal afirma que com o estabelecimento da Lei Áurea, seus antepassados receberam um
pedaço de terra da então família Ferraz, proprietários da fazenda de café. 36 Também no vale
do Paraíba, as fazendas que pertenciam a José Gonçalves Roxo, que tinha como escravos
Tertuliano e Miquelina, por conta das relações paternalistas exercida por seu então
proprietário, permaneceram nas terras.37 Mesmo que muitos dali partissem em busca de
melhores oportunidades, outros permaneciam, mantendo as relações de parentesco que
haviam sido mantidas desde o tempo do cativeiro e que ainda se mantinham no pós-
emancipação. A doação de terras por seus proprietários ainda nos tempos do cativeiro permite
que parte da população permaneça no Vale do Paraíba. Pesquisadores já apontavam essa
doação de terras como forma de manter os escravos nas fazendas, afim de evitar uma
repentina evasão de trabalhadores da zona cafeeira
As doações tanto de liberdade, pecúlio quanto de terras partindo de senhores para seus
escravos - aparentemente os mais dispostos a abrirem mão de parte ou de todos os seus bens
em nome deles, principalmente quando se dava na forma de terras - se dava por que não havia
uma preocupação de continuação do nome ou da fortuna familiar, a exemplo do caso do
Major Moreira Alves da Cunha e seus cativos. Segundo relatos de seu médico, o paciente
sofria de estreitamento da uretra e se recusava a tomar os medicamentos recomendados; com
isso, havia sido deixado de lado pela família. Em um cenário de crise de transição para o
trabalho livre, o Major reconheceu a posse dos frutos do trabalho de seus escravos, assim
como a propriedade da terra. As condições que se encontram esses grupos, transicionando
entre a escravidão e a liberdade (com parte das famílias que permanecem escrava e outras que
se mantem na área das antigas fazendas) pela herança se seus ex-senhores, pela posse ou
35
RIOS, Ana Maria Lugão; MATTOS, Hebe Maria. Os combates da memória. Escravidão e liberdade nos
arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros. Tempo, v. III, n° 6, pp. 119 – 138, 1998.
36
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira, pp. 263 – 264.
37
Ibidem, p. 272 – 274.
16
compra da terra comum, nas décadas que sucedem o fim da escravidão, tem sido analisada por
alguns historiadores no que tange a dificuldade em se manter a legitimidade dessa situação.38
Nas entrevistas realizadas por Ana Rios, encontramos casos de libertos e descendentes
que não conseguem adquirir estabilidade e por essa razão migram de fazenda para fazenda em
busca de trabalhos, que era uma forma de ascensão social, mas nestes casos, a curta
permanência nas propriedades dificultava essa possibilidade.
Um dos primeiros trabalhos que apontam a presença de libertos nas áreas escravistas
no período posterior a abolição foi “A Sul da História”, de Hebe Mattos. No município de
Capivary, no estado do Rio de Janeiro, Matos deparou com negros proprietários de posses que
possuíam memórias do cativeiro. Para a pesquisadora, o desmantelamento econômico do
município permitiu que a população pobre permanecesse na região, em especial antigos
escravos. Os negros se tornaram proprietários de pequenas posses, logo, há condições para a
permanência da população pobre e ex-escrava, além de atrair libertos de outras localidades
por conta da grande quantidade de terras livres.39 Em Juíz de Fora, mesmo com o caráter
exportador da produção, principalmente de café, os trabalhadores provenientes do cativeiro,
libertos e seus descendentes conseguiram acesso à terra, seja por meio da herança, da posse ou
até mesmo da compra. Em vista disso, naquela localidade também não ocorreu uma saída
significativa de negros com o fim do cativeiro.40
38
MACHADO, Maria Helena, O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo.
EDUSP, 2010. p. 42 – 43.
39
MATTOS, Hebe Maria. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2009. p. 135.
40
SOUZA, Sônia Maria de. Terra, família, solidariedade... Estratégias de sobrevivência camponesa no período
de transição - Juiz de Fora (1870-1920). Tese de doutorado. História. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2003.
41
RODRIGUES, João Lucas. Serra dos pretos: Trajetórias de famílias egressas do cativeiro no pós-abolição (
Sul de Minas 1888 -1950). Afro-Ásia n° 50 (2014). p 171- 197.
42
Ibidem, p. 172
17
43
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. Revisitando "Família e Transição": família, terra e mobilidade social no
pós-abolição: Rio de Janeiro (1888-1940). Rev. Bras. Hist. [online]. 2015, vol.35, n.69, pp.35-58.
18
Por receio de um crescimento demográfico exagerado da cidade por parte das elites
juntamente com o papel desempenhando pela imprensa, que propaga a grande quantidade de
libertos que se direcionam a cidade no imediato pós-abolição, tenham contribuído de forma
significativa para esta abordagem. O crescimento populacional da cidade é inegável nos
primeiros anos da República, porém como afirmar que essa população que se deslocou era
necessariamente habitantes das antigas fazendas escravistas. Desse modo, a migração em
massa de pretos e pardos, ex-escravos ou não, para a então capital Federal não ocorreu.
44
Ibidem. p. 41.
45
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. A migração em massa no pós- Abolição: os jornais e a migração de
trabalhadores negros no período pós-Abolição ( Rio de Janeiro 1888 – 1940). In: MAIA, Andréa Casa Nova. O
mundo do trabalho nas páginas das revistas ilustradas. 1. Ed. – Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015. p. 121.
19
origem dessas pessoas que chegam à cidade. Ressalta-se ainda a dificuldade de lidar com as
fontes, considerando que o elemento cor desaparece dos registros de nascimento, óbito e
inclusive nos demais censo republicanos, voltando a figuras nos levantamentos demográficos
apenas em 1940.
20
46
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 Ed – São
Paulo: Schwarczh LTDA. 2005. p. 15 – 16.
47
NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da monarquia ao fim do Estado Novo. São
Paulo: Contexto. 2016. p 44-45.
21
48
MAIA, Andréa Casa Nova.; CARDOSO, Luciene Carris.; SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Lições do
tempo: temas em historiografia do Brasil Republicano. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: 7 Letras, 2016. p. 91.
49
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Neste trabalho o autor irá se
debruçar em apontar os amplos fatores e interpretações acerca deste movimento social. Neste sentido os
trabalhos de Jaime Benchimol possui um importante significado ao analisar as ações de Pereira Passos,
colocando-o em uma posição importante no processo de transição da cidade do Rio de Janeiro no início do
século XX.
50
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril - cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia Das
Letras, s.d.. SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da vacina .p. (137-139). Uma das crenças também correntes entre
os adeptos dos cultos de matriz africana era que a propagação das doenças era atribuída ao Orixá Omolú,
chamado também de Obaluaê. Neste rito acreditava-se que a propagação das doenças era um castigo dado pela
divindade.
22
51
MAIA, op., cit p. 89.
52
NAPOLITANO, op. Cit., p. 42.
53
Op. Cit., p. 43-44.
23
raciais. A República era tida como uma oportunidade de modernização, portanto o meio para
superar o legado escravocrata afastou o país de outros modelos civilizatórios tidos como
ideais.54 O modelo importado pela chamada “República das Letras” não se restringia apenas à
égide política, mas também a questões culturais. Todavia, a realidade dos habitantes da capital
federal estava distante do parâmetro idealizado. Ao olhar a massa da população, a maior parte
era composta por analfabetos, permeada pela pobreza e por sua vez a elite política nacional
que era tomada pela ignorância, igualmente iletrada e tomada por arranjos políticos que irão
conceber a base do sistema eleitoral republicano, uma realidade distinta do que era tido como
civilização nos moldes europeus.
Neste quadro permeado pelo racismo, pela exclusão social e política que pautavam a
política do inicio da república, o estímulo ao branqueamento racial também se estabelece no
54
Para compreender o imáginario da república no Brasil ler: CARVALHO, José Murilo. A formação das almas:
o imaginário da República no Brasil. – 2ª ed. – São Paulo: Companhia de Letras, 2017. Em especial o capítulo
que versa sobre utopias republicanas.
55
Diversos literários eram contrários ao pensamento intelectual racial vigente no período, por isso, a literatura
irá apontar diversas críticas neste sentido, as obras O alienista (1882), Urupês (1919) e o Triste fim de Policarpo
Quaresma (1915).
24
imaginário das elites, que buscarão branquear a população brasileira como forma de modificar
a “herança” degeneradora da raça negra. Por conta disso, a imigração em massa de imigrantes
europeus – italianos, portugueses, espanhóis, alemães – seria uma forma de alterar a
composição racial nacional, pois não era tida apenas como mão de obra, mas há nisso um
cunho ideológico presente. Entre 1886 e 1890, entraram no Brasil cerca de 391.600
imigrantes.56 Os imigrantes mudavam a paisagem da região centro-sul do Brasil, com seus
hábitos, costumes e sua presença nas atividades econômicas. Há de se considerar que a capital
federal possuía seus atrativos para o estabelecimento destes novos atores, inclusive por causa
das atividades industriais, ainda que incipientes, que ali se desenvolveriam.
Para Boris Fausto, o estabelecimento de fábricas no Rio de Janeiro se deu por diversos
fatores, tais como a acumulação dos capitais provenientes da atividade agrícola, a decadência
do café no Vale do Paraíba, além dos bancos presentes na cidade, que poderiam beneficiar
outras atividades. Além disso, a capital servira como satélite para as demais regiões em seu
entorno, sem contar a presença de ferrovias que facilitava o deslocamento de pessoas não só
para a cidade, mas também para regiões no seu entorno.57. Dessa maneira, a cidade também
seria um polo atrativo para imigrantes e migrantes e, de fato, esse deslocamento se mostrou
em números.
A população era avaliada no ano de 1890 em cerca de 522.651 habitantes. Mas qual
seria a composição destas pessoas estabelecidas no município neutro? Como tomar de forma
veemente a veracidade do censo em meio a tantas falhas metodológicas no recenseamento da
população - que por sua vez era permeada por ideias eugenistas que buscavam demonstrar a
presença de brasileiros não estabelecidos, de fato, aqui? Estas questões serão melhor
aprofundadas na seção que se segue.
56
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12ª ed. Sâo Paulo : Editora da Universidade de Sâo Paulo, 2006. p. 275.
57
Op. cit., 279 – 281.
25
Aristides Lobo, forte defensor do positivismo, movimento intelectual que nasce na Europa e
teve o crescimento em adeptos no Brasil durante o antigo regime. O responsável pelo novo
recenseamento também exercia a função de ministro dos negócios do interior. A frente da
organização do censo estaria Timóteo da Costa, também aliado ao positivismo e atuante na
Escola Militar da Praia Vermelha. Nesse contexto, a República pensada nesses moldes
estabelece a regulação temporal do censo populacional a cada dez anos, inclusive essa nova
especificação será estabelecida na constituição de 1891. Logo, esta seria uma maneira de
afirmar o novo modelo político republicano.58 Além disso, estabelecer o censo em um período
tão breve demonstra uma tentativa de ligar o novo regime ao progresso liberal presente no
cenário internacional, opondo-se ao império como construtor da modernidade.
58CAMARGO, Alexandre Paiva. Mensuração racial e campo estatístico nos censos brasileiros (1872-1940):
uma abordagem convergente. In:Ciência Humana., Belém, v. 4, n. 3, set.- dez. 2009. p 369.
26
Ao estabelecer um paralelo com o censo imperial de 1872, nota-se que categorias que
foram consideradas importantes no primeiro levantamento, tais como a idade escolar e o nível
de escolaridade da população, já não são mais no recenseamento de 1890. Em uma sociedade
que se constitui em moldes sociorraciais, dada esta análise, se apresenta mais uma estratégia
de não vincular baixos níveis de escolaridade a uma grande presença de ex-cativos na recente
República. Essa perspectiva se alinha ao crescimento das ideias liberais fortemente
propagadas no início da República, em uma clara alusão à modernidade que se deseja
propagar.
Corroborando para esta análise, nota-se que o censo de 1890 inclui dois componentes
distintos no que se refere à formação dos grupos: os pretos, por um lado, são lidos apenas
como aqueles que tem como origem o continente africano e os decentes frutos de relações
entre negros; por outro, os “brancos” eram tidos apenas como frutos do processo de
miscigenação. Dessa forma, são descartados os próprios mestiços, os indivíduos que são fruto
de relações entre negros, outros que não são considerados brancos e de negros com os
próprios mestiços. Sendo assim, o levantamento censitário se utiliza da própria ideia de
mestiçagem para consagrar a grande presença de brancos e estrangeiros no Brasil, se
alinhando às teorias raciais que emergem no pós-abolição. Ou seja, a categoria mestiços
acaba por dar ênfase à grande participação de brancos na composição racial do Brasil. No
entanto, estas colocações não são postas de forma explícita na divulgação do censo, pois só e
possível visualizar em uma análise mais profunda sobre o recenseamento. Vale ressaltar que
os censos anteriores a 1940 não contavam com a categoria cor e o termo “raça” era utilizado
em seu lugar. Essa classificação foi utilizada na apuração, coleta e divulgação do censo de
1890, desaparecendo no levantamento realizado em 1920.
O censo de 1890 publica dados sobre cor apenas para a população geral e por estado
civil. A condição de mestiço está ligada a um critério de descendência. Além disso, supõe-se a
incerteza na declaração da cor baseada na tonalidade da pele, sendo algo variável, deixando a
desejar no caráter descritivo e tornando-se um elemento incerto. Segundo Camargo, esse
conjunto de mecanismos dilui a população negra dentro dos levantamento.61
Em uma análise mais ampla, direcionando o olhar para a região da América Latina, o
continente como um todo possui ligações entre a questão racial e a imagem que se buscava
construir diante das ideias do liberalismo no cenário internacional. As classificações raciais,
ao engendrarem os censos latino americanos, ocupam lugar de destaque e acabam por indicar
o progresso que tanto era ovacionado nesse período, o que não incluía a pluralidade étnico-
racial na sua constituição. A ênfase na imigração e no seu crescimento no decorrer dos anos
atrelam-se ao ideário do embranquecimento.
Além disso, alguns apontamentos de são fundamentais. Para Mara Louveman, ao tratar
de recenseamentos latino americanos, não há uma preocupação inclusive para atestar o
62
declínio natural dos indivíduos. Sendo assim, os dados que são estabelecidos possuem
características muito frágeis que levaram a afirmativas tão generalizadoras como ocorreram
nos primórdios da república, no que tange a chegada maciça de libertos ao Rio de Janeiro.
Abre-se então uma lacuna: como verificar a real composição quantitativa de pretos e egressos
do cativeiro na então capital federal? É pertinente afirmar que a migração que se estabelece no
rio de janeiro nos primeiros anos da república era em sua maioria composto pelos egressos do
cativeiro?
Segundo Carlos Eduardo Coutinho, o fator cor irá desaparecer inicialmente nos
primeiros censos da república e só irão figurar novamente nos questionários censitários em
1940, já no governo Vargas. Hebe Mattos corrobora ao falar sobre as matrículas de ex-
escravos que são queimadas ao término da escravidão, apagando uma série de registros que
poderiam contribuir na análise quantitativa de negros nos primeiros anos da república. Dessa
maneira, o censo demográfico não deve ser resumido apenas a um procedimento técnico, pois
estes levantamentos demonstram projetos políticos que se apresentam em questões
formuladas, nos métodos utilizados e nas opções de resposta fornecidas ao entrevistado. Para
se apurar a classificação racial é necessário estabelecer vias para chegar a categorias sociais
que se pretendem visibilizar em detrimento de outras, sendo isso um reflexo de uma dada
ideologia racial que foi legitimada em um determinado recorte de tempo, neste caso no
período posterior a abolição.
62
LOVEMAN, Mara. National colors: racial classification and the State in Latin America. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2014. p – 144.
29
63
OLIVEIRA, Carla Mary S. O Rio de Janeiro da Primeira República e a Imigração Portuguesa: panorama
histórico. In: Revista do Arquivo Geral da Cidade. Nº 3. 2009 p. 151.
64
Ibidem, p. 154.
30
65
BARRETO, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho (João do Rio). A alma encantadora das ruas.
Organização e notas de Raúl Antelo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p – 270.
66
MAIA, Andréa Casa Nova. Kosmos (visões) do mundo do trabalho: cultura visual no morro do Castelo. In: O
Mundo do Trabalho Nas Páginas Das Revistas Ilustradas. 1º ed. – Rio De Janeiro: 7 Letras, 2015. p – 138.
31
67
SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Construindo uma nova vida: migrantes paulistas afrodescendentes na
cidade do Rio de Janeiro no pós-abolição ( 1888 – 1926), 2001. Tese ( Doutorado em História_ Universidade
Estadual de Campinas , 2001.
68
SARMIENTO, Erika; AZEVEDO, André Nunes. Cidade e Imigração: a freguesia de Santo Antônio e o
cotidiano dos galegos nos logradouros cariocas ( 1880 – 1930). In: História vol.36 Franca 2017 Epub Jan 16,
2017. p – 2 – 3.
32
atrativos para imigrantes que chegam no Rio de Janeiro, assim como os que se estabeleceram
no Vale do Paraíba para atuar na lavoura cafeicultora.69
A migração dos que habitavam o Vale do Paraíba também foi visto por outras fontes
de pesquisa, que fazem metodologia da historia oral. Ana Lugão Rios na década de 90,
encontra trajetórias de ex-escravos e descendentes que tomam a migração para o Rio de
Janeiro como opção.
Nesse sentido, é importante lembrar que não só a região central atrai migrantes, mas
também a própria periferia, subúrbio e a baixada fluminense. No decorrer da história
colocou-se Reforma Pereira Passos como única origem da formação de guetos e da periferia
carioca, trata-se de uma falácia. Bairros mais distantes da região central atraem pessoas por
sua dinâmica particular e não como mera expulsão dos cortiços extintos pelo “bota a baixo”.
Já os bairros do subúrbio geralmente são vistos como uma última alternativa aos que
desejavam habitar a capital federal, mas, segundo Rafael Matoso, estas localidades possuem
dinâmica própria na atração, Como Madureira, que se torna uma opção por conta do amplo
comércio local, ou ainda Bangu, que ganha grande visibilidade devido o desenvolvimento
fabril na região.70
69
Ibidem, p. 7
70
MATOSO, Rafael. Echos da resistência suburbana: uma análise comparativa das contradições sócio-espaciais
cariocas a partir das experiências dos moradores da Freguesia de Inhaúma (1900 – 1903). 2009. Dissertação (
Mestrado)– Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
71
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Ritos de Magia e Sobrevivência: Sociabilidade e Práticas Mágico-
Religiosas no Brasil (1890-1940). Doutorado em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
72
Ibidem, p. 62
33
73
SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Construindo uma nova vida: migrantes paulistas afrodescendentes na
cidade do Rio de Janeiro no pós-abolição (1888 – 1926), 2001, Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2001.
74
LOPES, 1992. p - 3
75
AERJ, Livro n º4059, s/n º, 1860. (apud SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Emergindo do silêncio: libertos e
afro-descendentes no pós-abolição ( 1888 – 1930). p. 13).
76
AERJ, Livro n ºCD 72, s/n º,1881. (apud SILVA, 2009)
34
77
AERJ, Livro n º CD 72, s/n º, 1881.( apud, SILVA, 2009)
35
3.1. A imprensa como fonte histórica e o grande medo das elites no início do século XX.
De certo ponto o discurso escrito expressa parte integrante de uma questão ideológica
em grande escala, que refuta, confirma, antecipa algo. O texto é uma produção coletiva,
sofrendo interferência de diversos agentes sociais, dialogando com as ideias que perpassam os
indivíduos e também com o contexto social do momento analisado. Segundo Chartier, não
existe nenhum texto fora do suporte que o permite ler, não existe a compreensão de um texto
que não depende da forma que ele chegue até o seu leitor.79 Por causa disso, é preciso
interpretar os jornais produzidos na época como um campo de narrativas e de produção
78
VIEIRA, Martha Victor. O Surgimento da imprensa política e a retórica da opinião pública na província de
Goiás. Hist. R., Goiânia, v. 21, n. 3, p. 126–142, set./dez. 2016.
79
CHARTIER, Roger. Introdução. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: _____. A História
Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 13-28.
36
intelectual de uma dada visão que se pretende passar e nos quais distintos campos políticos e
ideológicos enxergam um meio de se propagar uma determinada ideia que se deseja
transmitir.
A partir de 1970 outras fontes são utilizados como referencial, dentre estas a imprensa,
e o jornal é utilizado, então, como importante forma de se conceber a ciência histórica. Nesse
sentido, Maria Helena Capelato nos elucida:
Aliado a isso, junto aos jornais surge uma nova elaboração na estrutura de produção.
Para Tania Regina de Lucca, essas alterações eram muito mais profundas e também estavam
ligadas ao conteúdo dos impressos que passam a contar com redatores, articuladores, críticos,
repórteres, revisores, desenhistas e fotógrafos, tudo isso sem abandonar as questões políticas.
Outros gêneros também foram incorporados ao texto jornalístico, como: reportagens,
entrevistas, crônicas e aqueles destinados a grupos específicos como mulheres, matérias sobre
esporte, cultura, críticas sociais, notícias policias e internacionais.81A intelectualidade e a vida
80
DE LUCA, T. R. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, C. B. (org.). Fontes Históricas. São
Paulo; Contexto, 2005. p. 111-153. P - 118
81
LUCCA, Tania Regina de. A Grande Imprensa no Brasil da Primeira Metade do Sèculo XX. In: LUCA, Tania
Regina; MARTINS, Ana Luiza. (orgs.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, v. 1, p. 149-
175.
37
cultural eram postas de forma a tornar público uma série de questões que emergem com o
advento da República. Autores importantes como Nelson Werneck Sodré apontam para a
necessidade de contextualizar o conteúdo da imprensa nesse período perante uma sociedade
majoritamente agrária e baseada na escravidão, por isso o contéudo analisado nesses
impressos devem se atentar a esses fatores. Destaco ainda o advento da República e o Fim da
escravidão, que por sua vez serão objetos de destaque na imprensa do período.
Em razão disso, o papel das elites no período e suas respectivas ideias tomam o
conteúdo dos impressos. Maria Helena Machado, em seu clássico o Plano e o Pânico, aponta
para relevantes questões sociais colocadas desde a década de 1880 até o advento da
República, relacionadas ao crescente número de movimentos escravos pelo fim da escravidão
e simultaneamente no medo que parte das elites em relação a desorganização da mão de obra
do campo, assim como da reação dos negros que constantemente se organizam pelo fim do
regime de exploração. Nesse sentido, a ideia corrente por parte dos proprietários de escravos é
que, ao tomarem a liberdade como realidade, a mobilidade estaria ligada a esse processo,
desde então criou-se a concepção que a desorganização do trabalho nas áreas rurais seria dada
pela migração da população negra para os centros urbanos em ascenção, sobretudo a capital
Federal.
82
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O Plano e o Pânico: os movimentos sociais na década da
abolição. 2, ed. Ver. – São Paulo: Editor da Universidade de São Paulo, 2010.
38
insurreições que se espalhavam pelo país. Por conta dessa incapacidade de controlar os
conflitos, as forças policiais teriam agido de maneira a censurar e abafar os assuntos mais
tensos nos últimos anos da escravidão. Logo, essa postura é justificada pelo medo que seria
despertado na população caso a tensão espalhada nas propriedades escravistas viesse a
público. Contudo, o pânico já havia se estabelecido, pois o fim do controle sobre os libertos
ruía a largos passos.
Nesse sentido, Maria Helena aponta como havia um desencontro entre aquilo que era
propagado nos jornais e a realidade que se passara na tensão entre escravos e aqueles que de
alguma forma se amedrontavam diante do aumento de levantes que contestavam a escravidão,
como relatado a seguir:
Além disso, penso que o processo de industrialização perpassado pelo então município
neutro gerou a ideia de que há uma necessidade substancial de mão de obra nos novos
processos de produção, ligados às ideias de modernidade que surgiram atreladas ao
liberalismo que se faz presente no pensamento intelectual da época. Esta mão de obra, sendo
então necessária para atuar na indústria incipiente que surgia então no Rio de Janeiro, no
entanto, foi em partes ocupada também por imigrantes europeus que se estabeleceram na
cidade, e não apenas por libertos que chegaram a capital federal.
83
Ibidem, p. 72.
39
passa em ambos os contextos com relação ao medo das elites pelo o que estava por acontecer.
Fato desconhecido por muitos é que, nas semanas seguintes após a queda da bastilha, boatos
ganhavam as ruas de Paris, capital francesa, afirmando que “bandidos” se dirigiam a cidade,
aqueles que supostamente foram libertados pelo fim da prisão estavam livres, e tomariam em
assaltos a população.84
84
LEFEBVRE, George. O grande medo de 1789: os camponeses e a revolução e a revolução francesa. Ed:
Campus. 1979.
85
GONÇALVES, R. S. Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: PUC – Rio; Pallas, 2013.
40
Consta que, ao chegar ao Rio de Janeiro, o seu fundador francês adquiriu laços
próximos ao imperador, o que lhe havia garantido certa estabilidade, sendo identificado como
um impressor imperial, imprimindo folhetos, leis, livros e papéis avulsos, não sendo capaz de
impedir que o impresso fosse fechado em 1827 após publicação de um texto considerado
ofensivo à Assembleia Geral do Império. Depois desse acontecimento, Pierre retornou às suas
atividades e tornou o seu jornal voltado apenas para assuntos comerciais e econômicos,
deixando os temas políticos em segundo plano. Ainda no período Imperial, é possível
constatar o aspecto político do impresso, no qual liberais e conservadores expressavam suas
opiniões sobre o monarca.86
86As informações relacionadas a história do Jornal do Commercio estão disponíveis no acervo da Hemeroteca
digital, disponível no link < http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/>.
41
temáticas que efervesciam no momento. Eram essas as orientações dadas por Francisco
Antonio Picot, que comandava à distância o chefe de redação João Carlos de Sousa Ferreira.
Contudo, em 1890, o governo republicano enxerga que seus antigos dirigentes estavam
demasiadamente associados à imagem do Império, levando o periódico a ser adquirido por
José Carlos Rodrigues, homem de vasta experiência no jornalismo e na política. Havia sido
colaborador do Jornal do Commercio nos Estados Unidos a partir de 1868, para depois, no
período entre 1882 e 1890, atuar em Londres, onde também colaborava com o Times e o
Financial News.
IIude-se crassamente quem quer que acreditar que a nossa riqueza há de ser
a agricultura. Esta vive hoje com restrições, de meros expedientes, fazendo
para comer. Os libertos preferem as fabricas aos antigos eitos, e a atividade
industrial manifesta-se pujantemente, tal é a confiança na tarifa (...)87
De acordo com o trecho exposto acima, haveria uma preferência por parte dos libertos
em se estabelecerem nas indústrias, todavia, ao considerar as indústrias que se estabelecem no
Outras variáveis devem ser analisadas, a fim de apresentar uma perspectiva que não
seja apenas econômica, e por conta disso o papel da imprensa deve ser considerado como
elemento crucial nesse processo. Sendo assim, os jornais da época tiveram um papel
importante, inclusive no impedimento da migração em massa do campo para a cidade:
88
Jornal do Commercio. Viver ás Claras. 10 jan. 1890.
43
interior, afim de impedir o êxodo dos libertos, visto como podião dele
resultar mortes e latrocínios.89
De certa forma, as notícias que são propagadas nos jornais colaboram para a
manutenção dos negros nas antigas áreas onde vivenciaram o cativeiro, principalmente ao se
considerar o Vale do Paraíba, região que possui maior proximidade com o então município
neutro. Carlos Eduardo Coutinho, ao analisar o jornal Correio da Lavoura, dá ênfase à
máxima “faltam braços no campo e sobram pernas na cidade”, discursos que geram impacto
naqueles que viam na possibilidade de migração uma mudança de sua realidade, mas ao terem
contato com os anúncios propagados na imprensa reconsiderariam essa possibilidade.
Ao comparar esses dados com entrevistas realizadas por Ana Lugão Rios, arquivadas
no Laboratório de História Oral da UFF, Carlos Eduardo Costa conseguiu constatar que a
migração definitiva ocorreu apenas com os nascidos após 1888. Baseado nos depoimentos
selecionados pelo autor, este movimento se iniciou em meados da década de 20, quando os
descentes não haveriam encontrado as mesmas condições que seus antepassados para
permanecerem no campo, e por conta disso buscam melhores possibilidades de inserção social
em outras localidades, onde o fenômeno teria tido seu auge em 1930 e finalizado em 1940.93
93
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. Migrações negras no pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888-1940).
In: Topoi (Rio J.) vol.16 no.30 Rio de Janeiro Jan./June 2015. p 101-126.
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
indivíduos a Capital Federal não parece coerente. Este trabalho não buscou negar a realidade
desta experiência que de fato foi vivenciada por parte da população negra, no entanto, ela não
ocorreu da forma e na proporção que foi afirmado até o presente momento.
Uma série de fatores foram considerados para se chegar a esta conclusão, dentre os
quais ganha espaço a elaboração do Censo de 1890, que possui uma série de incoerências em
sua organização, que por sua vez não ocorrem por acaso, as mesmas foram inseridas frente a
uma mentalidade liberal entremeada pelo racismo cientifico que ganha força nos primórdios
da República. Ao buscar apresentar uma população mais branca, inserindo o Brasil em um
modelo de progresso e modernidade presente no cenário internacional o fator cor desaparece
dos levantamentos, sendo substituído pelo fator raça. Onde, há uma ênfase em se quantificar
imigrantes europeus, brancos, que de certa maneira afastariam a herança tida como
degeneradora da raça negra.
Ao inserir termos como “mestiços” e “caboclos” se estabeleceu certa fragilidade nos
dados levantados, principalmente no que diz respeito a interpretação relativa de quais pessoas
poderiam ser classificadas como tais. Além disso, ao não considerar o local de origem dos
habitantes da então Capital Federal não se torna palpável afirmar com veemência que o
crescimento demográfico era fruto da chegada de libertos. Penso que este trabalho mostra que
há uma divisão racial no início do século que arquitera um perigo direcionado a população
negra, que busca colocar a população branca em evidencia, demonstrando que a população
negra era inferior. O que de certa forma neutralizava esta população no avanço da busca por
suas demandas.
A pluralidade dos habitantes do então município neutro era uma clara realidade, que se
torna possível inclusive pelo estímulo à imigração por parte da elite agraria e do próprio
Estado. Italianos, espanhóis e portugueses estiveram na cidade. E não só estes, mas
nordestinos que haviam sido atraídos e constavam nos inquéritos policiais e até mesmo a
população negra que de certa forma pode ter chegado no intervalo compreendido entre 1872 e
1890, não necessariamente todos os negros aqui estabelecidos eram frutos do 13 de maio. Não
apenas a região central desenvolve atração, mas outras localidades, inclusive bairros do
subúrbio possuíam uma dinâmica de atração própria, permitindo que os mesmos também
vivenciassem a chegada de novos habitantes em suas localidades.
Houve medo por parte da elite rural da desorganização do trabalho no campo e junto a
isso ocorre um receio por parte daqueles que habitam o Rio de Janeiro da possibilidade de
uma chegada em massa de negros provenientes das fazendas para a cidade. Este medo não
estava presente apenas em 1888 e 1889, no decorrer da década de 1880 com o crescente
47
levante de escravos no campo o medo se estabeleceu entre seus proprietários, o receio das
revoltas e a possibilidade da ausência de mão de obra no cultivo da terra.
O “grande medo” cresce exponencialmente e gerou a máxima da retirada dos libertos
da cidade para o campo, que viria a engrossar a disputa por postos de trabalho nas fábricas,
que na disputa entre nacionais e imigrantes seria gerado um grande número de desempregados
urbanos.
A imprensa desempenhou um papel de fundamental importância, ao estampar nas
paginas de seus impressos o “grande medo” que se espalhara por todos os cantos. O Jornal do
Commercio, veículo de grande circulação no período desempenhou um papel fundamental no
ano de 1890, ao expor em suas letras noticias que estimulavam a vinda de libertos pra cidade
e ao mesmo tempo outras que afirmavam a necessidade de se manter a população negra no
campo. A imprensa teve um papel importante no alarde sobre a migração de libertos para a
capital Federal. Porém, ainda se faz necessário que outras fontes sejam melhor analisadas,
inclusive outros impressos, afim de identificar em qual proporção se deu a influência destes
na ideia do crescimento demográfico gerado pela população negra.
Além disso, existe uma necessidade dos pesquisadores que estudam a formação das
favelas, sobretudo da região central da cidade se utilizem de outras fontes que permitam
compreender a origem de seus habitantes: certidões de nascimento, registros de óbito e até
mesmo fontes criminais. Pois, foi desenvolvida a ideia de que a formação destes espaços se
deu pela população negra e por aqueles que foram expulsos do centro da cidade no processo
de reformulação do espaço urbano no início do século XX, sobretudo após o “bota-abaixo”
promovido pelo então prefeito Pereira Passos.
Em via de regra a explicação mais generalizada que se utilizou no mundo inteiro foi a
teoria da liberação da mão de obra do campo para a cidade, gerando um exercito de reserva de
trabalhadores que serviria como mão de obra para a futura industrialização, e no caso do
Brasil não foi diferente. A trajetória de ex-escravos que se segue após 1888 foi fruto de
notícias alarmantes veiculadas pelos jornais da época e pelas ideias liberais que vislumbravam
a modernização do Brasil, como forma de inseri-lo nas correntes de pensamento que
figuravam no contexto internacional.
Como apresentando neste trabalho a imigração em massa da população negra para o
Rio de Janeiro mais assustou do que se efetivou. Me levando a crer que este processo que até
então foi propagado de fato não ocorreu, mas que se propagou no decorrer de um longo
espaço de tempo. Haja vista que para alguns o fim da escravidão era a ultima etapa necessária
para a liberação da mão de obra que seria necessária para a industrialização brasileira.
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