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PÓS-ABOLIÇÃO: a migração negra em massa que não ocorreu (1888 – 1890).

Paulo Vitor Gastão Honorato

DRE 114044091

Turno Integral

Rio de Janeiro
Dezembro/2019
i

Paulo Vitor Gastão Honorato

PÓS – ABOLIÇÃO: a migração negra em massa que não ocorreu (1888-1890).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de História


da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Bacharel em História.

Orientador: Profª Drª Andrea Casa Nova Maia

Rio de Janeiro
Dezembro/2019
ii

Aos meus pais (carnais e espirituais), por tudo.


iii

Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço à espiritualidade e à ancestralidade que me
trouxeram até aqui. Eparrei Oyá, Atôto Obaluâe, Laroyê Maria Padilha. Nos momentos de
maior dificuldade e no decorrer desses cinco anos de graduação, a fé sempre foi capaz de me
reestabelecer a garra e a perseverança por uma perspectiva de futuro melhor, buscando ocupar
espaços que historicamente foram negados à população negra.
Agradeço também à UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro por ter me
acolhido desde que ingressei no Curso de Relações Internacionais até o presente momento, no
qual concluo a graduação em História. Por muitos momentos estive mais tempo presente
dentro do espaço universitário do que em minha própria casa e em nenhum momento me
arrependo dessa escolha. Serei eternamente grato pelo papel da universidade pública brasileira
que me permite ingressar no mercado de trabalho com este diferencial que é ter o privilégio
de ter tido uma educação pública, gratuita e de excelência.
Não poderia deixar de mencionar o trabalho em conjunto que norteou esta pesquisa,
por isso meus sinceros agradecimentos à Professora Doutora Andrea Casa Nova Maia, que
ofereceu todo o suporte possível na elaboração desta pesquisa de conclusão de curso, sendo
sempre solícita nos momentos de maior necessidade e angústia, característicos desse processo
de orientação acadêmica.
Aos professores do Instituto de História e ao comprometimento que tiveram em
transmitir o saber, que hoje me tornam historiador e professor dessa disciplina.
Aos professores que tive ao longo da vida, em especial à Andréa Motta, que me
permitiu o primeiro contato com a história negra; Cristiane Santos e Adonis Miguel,
professores de história que me acompanharam por longos anos; Giulia Fernandes e Andreia
Santos, que sempre me motivaram em trilhar o caminho da docência.
À minha família, o meu mais sincero obrigado por tudo o que passamos até aqui na
busca por este diploma. Ao meu pai e minha mãe que, por meio de seus trabalhos
conseguiram me auxiliar nesses anos e hoje entregam aos meus avós o primeiro neto formado
em uma instituição pública. Minha irmã, que sempre me escutou nos momentos de aflição e
que me trouxe um acalento recentemente: Maria Luiza.
Aos amigos que a vida me presenteou e que sempre me motivaram na trajetória
acadêmica: Marcelle Freire, Álvaro Ribeiro, Caroline Ferreira, Tatiane Gastão e Rosana da
Silva e Luana Andrade.
Aos amigos que se fizeram sempre presente nestes anos no Instituto de História: os
que estiveram desde o início: João Pedro, Lucas Avelar e Mirella Pinheiro. E aos que se
iv

aproximaram depois de algum tempo: Bianca Bastos, Isabelle Brenda, Rayssa Sampaio e
Lavínia Bárbara.
Ao Colégio Pedro II, que me ensinou a prática docente, assim como outros espaços
educacionais em que estive que foram capazes de me constituir professor.
Por fim, agradeço a todos que sempre estiveram presentes. E aos que nem sempre
podem estar, mas mesmo assim os carrego no peito.
Gratidão!
v

"Tudo que bate é tambor


Todo tambor vem de lá
Se o coração é senhor
Tudo é África"
(Emicida)
vi

Resumo

Na transição entre o final do século XIX e início do século XX a cidade do Rio de


Janeiro experimentou um crescimento demográfico relevante, cerca de 522. 651 habitantes.
Este salto populacional foi atribuído como fruto do fim do trabalho escravo, que teria levado
os libertos de maneira imediata para a capital federal. Esta afirmação foi feita com base no
censo de 1890 e em uma imediata associação entre a formação das favelas da região central
da cidade como fruto desta grande chegada de negros. Porém, neste trabalho buscará se
apontar como estes dados são frágeis, assim como esta imigração em via de regra não ocorreu
de forma imediata, mas sim, no decorrer de longos anos, pois, perceberemos que ao olhar para
outras experiências emancipatórias no continente americano a tendência é que ex-escravos
permaneçam nas localidades onde conheceram o cativeiro. Para além, disso o medo que
perpassava a mentalidade das elites, atrelado ao que se propagava pela imprensa, tomando
como exemplo o Jornal do Commercio, colaboraram para este grande medo da
desorganização do trabalho do campo e da chegada da população negra para capital federal.

Palavras-chave: Pós-abolição; migração; negros; Rio de Janeiro; Censo; Imprensa.


vii

Sumário

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO I – O Pós-Abolição como Campo de Estudo: migração e permanência 4


no campo após a liberdade conquistada.

O pós-abolição e suas possibilidades 4

Migração no pós-abolição 8

A permanência dos libertos nas antigas áreas escravistas 13

CAPÍTULO II – Mudanças no Rio de Janeiro no início do Século XX: Crescimento 20


populacional sob uma análise do censo de 1890

O Rio de Janeiro no imediato pós abolição: cidade, organização e racismo cientifico. 20

Uma análise do primeiro censo republicano. 24

A origem dos imigrantes no Rio de Janeiro no pós-abolição. 29

CAPÍTULO III. O grande medo das elites e o papel da Imprensa na construção da 35


“migração que não ocorreu”.

A imprensa como fonte histórica e o grande medo das elites no início do século XX. 35

O Jornal do Commercio em uma análise sobre a população negra no pós-abolição. 40

CONSDERAÇÕES FINAIS. 45

REFERÊNCIAS. 48
Fontes. 48
Referências bibliográficas. 48
1

INTRODUÇÃO.
Na virada do século XIX para o século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por um
grande número de transformações econômicas, políticas e sociais. Nesse sentido, os aspectos
que mais implicaram mudanças para a cidade se debruçam em dois pontos que paralelamente
levarão a cidade a uma reorganização totalmente oposta ao período antecedente e que
pretende se analisar nesta pesquisa: o fim da escravidão e a proclamação da república.

Sendo assim, após o fim da escravidão inicia-se um período da história que ganhou
grande fôlego nas pesquisas acadêmicas no decorrer dos anos 1990: o pós-abolição. Como um
conceito ainda em construção, várias questões perpassam os debates historiográficos acerca
do período desde a sua cronologia, tempo de duração e a expectativa e ação dos libertos frente
a emancipação. Penso que este último tende a nos oferecer um leque de possibilidades que
nos pode ser apresentada, mas nesta pesquisa me deterei no fenômeno da migração,
especificamente para a cidade do Rio de Janeiro, no imediato pós-emancipação, entre os anos
de 1889 e 1890.

Até o presente o momento a historiografia afirmou que a cidade do Rio de Janeiro


vivenciou um significativo crescimento demográfico, constatado no recenseamento de 1890,
cujo número de habitantes da cidade é quantificado em 522.651 habitantes. De fato, à
primeira vista esse crescimento é notável se comparado ao último censo feito ainda durante o
Império, em 1872. Todavia, ligar de forma imediata esse aumento do número de habitantes a
suposta chegada em massa de ex-escravos não é coerente e nesta pesquisa buscarei analisar a
origem desses habitantes da cidade do Rio de Janeiro no início da República e como se criou a
percepção de que toda a massa de habitantes que habitaram o então município neutro no inicio
do século XX era composta por negros vindos das antigas fazendas onde haviam vivenciado o
cativeiro.

Um dos grandes clássicos da historiografia brasileira sobre o período, “Os


Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi”, de José Murilo de Carvalho,
aponta para a ligação direta do crescimento da população urbana da capital Federal com o fim
do trabalho escravo, além de afirmar que a formação dos morros da região central da cidade
também foram frutos da Reforma Pereira Passos, que ao expulsar da região central as
populações mais pobres, sobretudo negros, teria como alternativa a essas pessoas habitar as
periferias da cidade, o que em partes teria sido provocado também pela chegada de libertos
oriundos da região do Vale do Paraíba, saídos da região por conta do declínio do trabalho
cafeicultor.
2

Para gerar tal afirmativa e até mesmo contestá-la, é necessário realizar uma análise
mais profunda nos censos da República. Dessa forma, tomarei o censo de 1890 como
principal fonte desta pesquisa, problematizando-o e questionando algumas nomenclaturas e
termos que são adotados nele como “mestiço” e “caboclo”, que de certa forma estão atreladas
as concepções racistas que emergem com o pensamento positivista, vinculado às ideias de
modernidade propagadas durante o período. Além disso, entrevistas realizadas por Hebe
Mattos e Ana Maria Lugão, do acervo memórias do cativeiro do LABHOI – UFF, sendo
utilizadas em alguns momentos a fim de demonstrar como a permanência dos libertos nas
antigas fazendas era o que ocorria em via de regra, o que de forma alguma não pretende negar
a existência do fenômeno migratório, mas apontar como não ocorreu de maneira imediata e,
sim, no decorrer dos anos.

Buscando justificar as causas que levaram a criação do discurso da chegada imediata


de libertos na cidade, aponto como hipóteses centrais deste trabalho o papel desempenhado
pela imprensa nos anos de 1888 e 1890 que colaboraram com esse discurso, além do “grande
medo” que perpassava a mentalidade das elites, do campo e da cidade. No primeiro caso o
receio da desorganização do trabalho no campo e no segundo o temor pela grande chegada de
negros nos centros em ascensão. Tomando como fonte o Jornal do Commercio, é possível
constatar a presença de discursos que inflamavam uma grande dificuldade de se manter os
libertos nas fazendas e ao mesmo tempo o medo das elites da presença da população negra na
cidade.

O primeiro capítulo deste trabalho fala sobre a importância de se estudar o pós-


abolição e como as abordagens desses estudos assumiram um novo corpo, sobretudo a partir
da década de 1980, quando os estudos se debruçam sobre a experiência e ações dos libertos,
assim como as novas narrativas. Posteriormente, nas duas sessões discorre-se como a
migração e a permanência dos libertos eram realidades que coexistiam. Trato a migração em
uma perspectiva que toma como base Eric Foner, no qual a liberdade da população negra
adquire diferente significados, dentre eles a migração. Além disso, com luz em autores
consagrados, como Rebecca Scott, faço um breve panorama sobre as sociedades pós-
emancipação na América e como a permanência dos ex-escravos era o que ocorria em via de
regras.

Finalizo essa primeira parte do trabalho fazendo menção a importantes referências


como Hebe Mattos, Carlos Eduardo Coutinho e Ana Maria Lugões. cujos respectivos
3

trabalhos conseguiram identificar a permanência dos libertos nas antigas fazendas em que
conheceram o cativeiro.

No segundo capítulo busco contextualizar a cidade do Rio de Janeiro nos primeiros


anos da República, tratando de temas relevantes como as questões raciais (eugenia), as
concepções liberais, associadas a ideias de modernidade que rondam o imaginário intelectual
da época. Além disso, farei algumas considerações sobre a Revolta da Vacina, movimento
que possui um grande teor racial. Em seguida, desdobro-me sobre alguns dados do
recenseamento de 1890 e as mudanças comparadas ao censo de 1872, tratando da fragilidade
de alguns dados e buscando analisar as intenções que se pretendem estabelecer com este novo
levantamento, o que tende a gerar uma série de equívocos.

Encerrando este bloco, busco demonstrar os diversos indivíduos que habitavam a


cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, considerando a grande presença de
imigrantes europeus, de negros que aqui podem ter se estabelecido antes do 13 de maio e de
pessoas de diferentes localidades do país e que não necessariamente se dirigem à cidade por
conta do fim da ordem escravista.

No último capitulo, desenvolverei algumas considerações de como pode ter sido criada
a ligação entre o crescimento demográfico da capital Federal. Nesse sentido, analisarei como
o medo das elites da desorganização do trabalho do campo e da grande chegada de negros na
cidade podem ter colaborado nesse processo, assim como o papel desempenhado pela
imprensa, que ora buscava manter os libertos no campo e ora parecia estimular a migração
para o Rio de Janeiro. Para isso, tomarei algumas matérias do Jornal do Commercio, veículo
de grande circulação no período, e a obra de Maria Helena Machado, em “O Plano e o
Pânico”, que trabalho o medo presente nas elites com o fim da escravidão que se aproximava.
Acreditamos por fim, que o que move esta pesquisa é a necessidade de propor um novo olhar
para problemas que de certa forma já foram considerados solucionados pela história
4

CAPÍTULO I. O Pós-Abolição como Campo de Estudo: migração e permanência no


campo após a liberdade conquistada.

1.1. O Pós-abolição e suas possibilidades.

No final do século XX, a História do Brasil adquire a data 13 de maio de 1888 como
grande marco, estabelecendo o fim da ordem escravista aliado aos interesses das elites
liberais, após a constante pressão internacional, grande número de revoltas ocorridas por
conta dos próprios escravos e do grande crescimento do movimento abolicionista – que
passava por uma de suas melhores etapas, multiplicando-se em número de adeptos e em
diversas regiões como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Ou seja, muitos foram os fatores
que levaram ao término da escravidão e nas principais cidades do Império e em localidades
mais distantes já se sabia que a sua manutenção se encerrava1. No entanto, o período que
segue no pós-emancipação tem sido marcado por uma série de debates e leituras sobre as
possibilidades de inserção social dos libertos em uma sociedade que reorganiza suas
hierarquias e possibilidades de arranjo.

O pós-abolição se constitui como um campo da historiografia ainda em construção que


suscita ainda diversos debates, tais como: Onde se inicia? Seria no dia seguinte ao treze de
maio? E ao considerar os libertos que obtiveram sua alforria antes da Lei Áurea - ao tratarmos
de Brasil e Cuba, temos duas sociedades que possuem uma parcela significativa de negros não
escravos dentro da ordem escravista - , teriam eles vivenciado o pós-emancipação distinto dos
demais escravos? E o seu marco final? Seria a Era Vargas? ou dez, vinte anos depois a tal
momento? Após 131 anos, ainda podemos nos considerar no pós-abolição? Temos, portanto,
um campo de estudo novo que está em busca de sua cronologia, influências e temporalização.

Um dos principais pontos levantados nos estudos com relação aos ex-cativos está na
ausência do Estado Brasileiro em promover a inclusão deles na nova sociedade de classes.
Primeiramente, a partir do dado momento há uma necessidade de competição entre libertos e
o imigrante - melhor estruturado e contra o preconceito que recai sobre seu ombros. Por
conseguinte, a mudança do status de liberdade não foi capaz de trazer consigo a inclusão da
raça negra, pois eles são expropriados de sua condição de dependentes e recebem a liberdade,

1
MACHADO, Maria Helena, O Plano e o pânico, cap. 4, ênfase pp.133-134. A autora trata do crescimento do
movimento abolicionista a partir de 1880 e como os escravos encontravam novas formas de se organizarem
frente à ineficácia de se manter a ordem escravista.
5

mas não os meios para lidar com sua nova realidade. A igualdade jurídica que era estabelecida
pela recém-proclamada república não deu condições para que a democracia se efetivasse de
forma ampla.2 Sendo assim, ao olhar para o meio negro veremos a reprodução da
desigualdade em sua forma mais cruel. Ao olhar das elites, o cativo sempre representa um
perigo constante, por esse motivo teria sido afastado de uma vida social organizada e logo o
distancia de maneiras que o prepare para a imersão em uma nova ordem social.3

Nesse contexto, a marginalização social do negro no período posterior a 1888 é


inegável, inclusive boa parte dos historiadores que se debruçam sobre esse tema chega a esta
mesma conclusão. De fato, é possível constatar que a desigualdade econômica e social é uma
constante em meio a população negra no Brasil. Talvez por isso, na época imediata pós-
emancipação, um sábio dito popular circulou pelas ruas do Rio de Janeiro: “A liberdade é
negra, mas a igualde é branca”. A citação se referia a liberdade recém conquistada pelos
negros com a abolição da escravidão, mas indicava, igualmente, a persistência dos severos
padrões de desigualdade no país, problema que ainda hoje aflige os brasileiros.4 Essas
permanências estão diretamente ligadas a continuidade de estruturas do passado escravista e a
dominação de outrora. Segundo Schwarcz, os negros foram “apartados das políticas e das
benesses do Estado”, e segue afirmando de forma paradoxal que o “racismo é filho da
liberdade”, em razão de pairar ainda hoje sobre a população negra um conjunto de mazelas
sociais que as elencam entre as mais vitimadas em relação a uma série de direitos básicos.5

Já Wlamyra Albuquerque aponta para outro sentido importante no processo de


desmantelamento do escravismo no Brasil. Segundo a autora o caso brasileiro possui
especificidades próprias, sendo necessário compreender as redefinições de lugares e
hierarquias, fundadas em critérios raciais, em um ambiente que reestrutura antigos arranjos.
Enquanto durou a escravidão, reconhecer o outro e ser reconhecido a partir da distinção entre
senhor e cativo foi o exercício social das relações entre os indivíduos e deles com o Estado.
Com o fim da escravidão desestabiliza a ordem, e nesse sentido, o desmonte do escravismo no
Brasil se baseia em políticas de domínio que estabelecem a abolição como horizonte, mas

2
SCHWARCZ, Lilia Moritz, Sobre o autoritarismo brasileiro. Cap. 1, pp.25. Ver também Fernandes, F. A
integração do Negro na sociedade de Classes, São Paulo, Ática, 1978. O autor afirma que, ao se estabelecer a
sociedade de classes, em uma sociedade capitalista no período pós-emancipação, os libertos não se inserem,
influenciando na competição de negros e pardos por conta de permanências da economia escravista.
3
ALBUQUERQUE, Wlamyra. A Vala comum da raça emancipada”: abolição e racialização no Brasil, breve
comentário., (2010). pp. 91-108
4
SCHWARCZ, Lilia. Op., cit., p. 30
5
SCHWARCZ, Lilia. Op., cit., p. 31
6

asseguram arranjos hierárquicos baseados em critérios sociorraciais.6 Sob o título de


emancipados estavam colocados toda a população negra, desconsiderando que boa parte dos
negros eram livres antes do 13 de maio de 1888. Sendo assim, sobre o título de emancipados,
eram colocados aqueles que usufruíram da lei assinada por Isabel e outros que já haviam sido
alforriados no período anterior.

Diante de tais circunstâncias, qual seria a ação dos libertos frente a esse cenário? Ao
olhar para o cativeiro, vemos os constantes levantes de escravos pela liberdade, crescendo
sobretudo na década de 1880. Frente ao aprisionamento do cativeiro, havia resistência e diante
da apatia do Estado em direcionar o elemento servil, eles estariam de braços atados
aguardando alguma medida por parte das autoridades?

Os planos dos libertos e suas expectativas têm se tornado cada vez mais objeto de
estudo e análise e evidenciam o comportamento deles diante da liberdade. Eric Foney é
fundamental nesse debate ao tratar da reação dos libertos norte-americanos com relação aos
significados possíveis dessa questão. Primeiro, o autor irá elencar os diversos significados que
a liberdade assume para os recém emancipados e, por conseguinte, a ação que eles assumem
perante ao novo cenário: a mobilidade, o direito de ir e vir, o reencontro de famílias separadas
pelo cativeiro e ainda a possibilidade de se distanciar dos desmandos de seus antigos
proprietários. Nesse sentido, os negros gostam das oportunidades de exibirem sua liberdade
ante às antigas regras associadas à escravidão, e o principal meio era o direito à mobilidade
adquirido.7 Dentre as nominações mais odiadas da escravidão, tinha destaque a que nenhum
negro poderia viajar sem passe e com a emancipação parecia que metade da população negra
havia saído pelas estradas. Logo, o direito de ir e vir sempre que desejassem era fonte de
orgulho para os ex-escravos.8 Todavia, boa parte dos libertos não abandonam suas fazendas
de origem e a tendência é que este fenômeno migratório ocorra de forma gradual, 9 como o
caso não só norte-americano, mas também ocorrente no Brasil.

Observamos dentro da historiografia do período uma generalização do caso Paulista,


no qual ocorre a substituição do chamado nacional livre pelo imigrante para as demais regiões
do Brasil. Destaca-se que cada localidade possui suas especificações no desmantelamento do
escravismo, a exemplo da região nordeste, onde a escravidão teve um fim mais cedo, gerando
6
ALBUQUERQUE, Wlamyra. Op., cit., p. 102-103
7
FONER, Erick, Significados da liberdade, p.13
8
FONER, Erick. Op., Cit ., p. 14. 14.
9
Matos, H. M. (junho de 2004). O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas. TOPOI(8),
p. 174.
7

um deslocamento de cativos para o Centro-Sul, principalmente para o sudeste no tráfico


interprovincial.

Os primeiros estudos sobre pós-abolição possuíam uma preocupação em questões


econômicas, estabelecendo comparações entre diferentes sociedades. Um destes paralelos está
na comparação entre o pós-abolição brasileiro e o fim do trabalho escravo no Caribe. Neste
trabalho, é dada ênfase à dificuldade de se manter os libertos nas antigas fazendas onde
vivenciaram o cativeiro. A principal causa seria a existência de uma fronteira agrícola aberta,
tornando-se um elemento crucial para entender a atitude dos libertos diante da liberdade
adquirida. Deste modo, ex-escravos se retiram do trabalho nos latifúndios e aderem a pequena
propriedade agrícola, com estilo de vida próprio, baseado no cultivo da terra. Em oposição,
onde esta fronteira agrícola estivesse fechada, os libertos tenderiam a se submeter às
condições de trabalho impostas por seus patrões.10

Os estudos sobre o período no Brasil possuem certa similaridade com o caribenho até
a década de 1980 na questão dos chamados “nacionais livres”, pois há um antagonismo entre
o que era esperado pelos libertos e suas ações frente a liberdade recém conquistada,
demonstrando que nas antigas áreas escravistas os libertos permaneceram sendo utilizados
como principal mão de obra nos anos seguintes à abolição. Permanecer nas fazendas poderia
ser uma decisão estratégica, pois ao considerar utilizar da mobilidade recém adquirida, os ex-
escravos e seus descendentes deveriam refletir sobre as formas de conseguirem sobreviver
que dialogassem com as expectativas desta última geração de libertos, diante da emancipação
e das novas formas de trabalho que seriam propostas por seus antigos proprietários, além das
possibilidades de acesso à terra e ao crédito, estando ligada a um possível campesinato
negro.11

Esse cenário parece vantajoso ao emancipados em um momento que existe uma


grande demanda por mão de obra nas áreas agrícolas, e tamanho era o temor por parte de
fazendeiros que se utilizaram de diversos artifícios que buscavam manter seus antigos
escravos em suas propriedades. Alguns concederam a liberdade antes mesmo do 13 de maio
na tentativa de despertar em seus escravos alguma forma de gratidão que os levassem a
permanecer em seus domínios, buscando formar um exército de trabalhos livres de cor,

10
Inúmeros autores tratam sobre o pós abolição no Caribe, dentre os quais destaco: FONER, ERIC. Nada além
da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; SCOTT, Rebecca. Slave emancipation in Cuba: the transition to
free labour, 1680-1889. Princeton: Princeton University Press, 1985.
11
RIOS, Ana Maria. MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
(junho de 2004). TOPOI(8), 180.
8

tentativa que não obtém o resultado esperado.12 A questão da migração era objeto de grande
preocupação das elites agrárias e proprietárias de escravos no Brasil. Em certa medida a
mobilidade social mostra que grupos subalternos almejam se afastar gradativamente de um
passado escravo, muitas vezes vinculado diretamente com o trabalho ligado à terra.

Durante um longo período os estudos históricos reproduziram uma ilusória percepção


de marginalização e anomia dos libertos nesse contexto da liberdade, desconsiderando que a
grande parte dos ex-cativos encontraram maneiras alternativas de serem inseridos na
sociedade pós-emancipação, como negociar condições de trabalho, utilizar membros da
família para atuarem nas fazendas e nas cidades em ascensão, outros ainda se tornam
produtores independentes em regiões próximas as antigas fazendas onde conheceram o
cativeiro.

A mudança na perspectiva da história social da abolição permite que as pesquisas


sejam centralizadas nas experiências dos libertos, dos novos contextos sociais produzidos,
pois o liberto possui ação histórica ante aos novos obstáculos e hierarquias colocados na
sociedade pós-emancipação. A incorporação do cativo como agente permite um novo
paradigma dentro das análises historiográficas que se volta para os meios buscados de se
organizarem na ausência do Estado. Retirar da vala comum é investigar as diversas maneiras
que os libertos se organizam após o fim da escravidão.13

1.2. Migração no pós – abolição.


Por um longo período os processos de migração ocorridos no pós-abolição são vistos
como uma perda para os ex-cativos que se veem obrigados a deixar suas antigas propriedades
por outras localidades para se inserirem na nova ordem social. Nesse contexto, o processo de
formação das zonas periféricas, favelas e guetos era explicado como fruto da grande chegada
de negros egressos do cativeiro após o 13 de maio. Diversos autores trataram esse processo
como algo negativo, fruto das heranças da escravidão, sendo uma sociedade que entrega a
liberdade mas simultaneamente mantém estruturas do Império. Segundo Carlos Coutinho, a

12
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do Silêncio – OS significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil,
século XIX. Cap. 1, 1998. P. 179
13
ALBUQUERQUE, Wlamyra. A vala comum da raça emancipada: abolição e racialização no Brasil, breve
comentário. História Social (2010). pp. 103-104.
9

migração é tomada como ato consciente e com significado próprio, não apenas como
consequência da perda material.14

Os principais trabalhos sobre migração de negros no Brasil no período imediato à


abolição reproduz a concepção da liberação imediata da mão de obra do campo para a cidade,
construindo um grande contigente a espécie desse serviço nos centros urbanos que seriam
levados para trabalhar nas indústrias, fruto dos ideais liberais de modernidade nacional. As
consequências sociais deste processo estariam ligadas à segregação social desses grupos
subalternos e ao processo de favelização e formação das periferias, sobretudo na cidade do
Rio de Janeiro, então capital federal. Esta explicação não é utilizada apenas no Brasil, pois em
outros lugares do mundo também se utiliza a dimensão migracional para os centros urbanos. 15
Eric Foner irá apontar como os efeitos da chegada de libertos na cidade geraram alta de
trabalho, educação, aumento dos subúrbios e as péssimas condições de higiene. Nos Estados
Unidos, parte da população se direciona aos centros urbanos em busca de associações de
ajuda negra como Igrejas, escolas e sociedades.16

Da mesma forma, José Murilo de Carvalho propõe que a abolição transformou


sobremaneira a cidade do Rio de Janeiro devido ao grande número de habitantes que passa a
residir na cidade, provenientes da zona rural, alterando a composição étnica da cidade, já que,
segundo o autor, esses migrantes seriam ex-escravos, que por sua vez alteram a ocupação
geográfica da cidade. Por falta de moradias no centro da cidade, restam as ocupações dos
morros, uma forma de não se afastar dos centros urbanos, onde havia maior oferta de
trabalho.17 Sendo assim, o Rio de Janeiro se torna um grande atrativo para a mão de obra
ociosa das regiões cafeeiras.

Por outro lado, a história econômica irá afirmar que para os egressos do cativeiro a
segregação do trabalho era o que havia de mais comum. Colocados no espaço urbano como
habitantes da cidade, aos antigos escravos restou a segregação racial, social e espacial.
Warren Dean aponta para uma disputa entre imigrantes europeus e os chamados “nacionais

14
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho. Migrações Negras no Pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888-1940). O
autor afirma que a constante ideia de vitimização do negro no período que sucede a abolição negligencia a ação
destes indivíduos, suas vontades e projetos. Dessa forma, a migração não deve ser analisada como uma
consequência do desmantelamento da ordem escravagista, mas como parte dos projetos e expectativas dos
libertos no pós-abolição. Ver também MATTOS (2004).
15
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 16.
16
FONER, Eric. Os significados da liberdade. p. 15.
17
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. Outros autores
afirmarão que a migração é um comportamento natural dos homens livres, principalmente para lugares onde
existe a possibilidade de emprego e acesso à terra. LIMA, Carlos A. M. (2000).
10

livres”, onde os negros perderam espaço, e na impossibilidade de adquirirem postos de


trabalho nas fazendas paulistas, se veem obrigados a migrar para as cidades em crescimento. 18

Karl Monsma analisa a perspectiva racial presente entre os fazendeiros do Oeste


Paulista. Havia uma grande preocupação por parte das elites agrárias em branquear a
população, ou seja, há um sentido racial importante na imigração, pois acreditava-se que os
europeus seriam os trabalhadores mais obedientes e menos rebeldes que os negros, por isso
desejam tornar o campo repleto de trabalhadores estrangeiros para controlar os libertos.19
Esses, por outro lado, não desejam se submeter a resquícios de trabalhos que os reportassem
aos tempos do cativeiro e desta forma muitos não permanecem nas áreas rurais, apenas em
circunstâncias que se estabeleçam o regime de colonato. Esta forma de trabalho é tida como
mais aceitável aos negros, que também aceitam contratos temporários quando os salários são
maiores. Os fazendeiros empregam libertos e nacionais livres, contudo tê-los como única
opção não era viável para manter a ordem social, que coloca os latifundiários no topo da
hierarquia social.

Perante essa experiência, libertos de outras localidades são atraídos pela abundância e
terras que se organizam perante o trabalho familiar. Isto é, negros libertos se direcionam para
regiões periféricas por conta de terras livres disponíveis, e muitas vezes tratavam-se de
propriedades que não despertavam interesse aos elites latifundiárias, atraindo negros de outros
regiões, no qual observa-se um processo de migração de libertos.20

No final do século XIX e inicio do XX, ocorre uma intensa diversificação da produção
no Vale do Paraíba que exigia uma quantidade menor de mão de obra. A consequência deste
processo está na migração para regiões em que houvesse maiores possibilidades de emprego.
Entrevistas realizadas pelo projeto memórias do cativeiro mostram que parte da população
habitante do Vale do Paraíba escolhe migrar para outras regiões.21 Um dos destinos dos
libertos e seus descendentes era a Baixada Fluminense, principalmente o município de Nova
Iguaçu. Dos 22 homens nascidos da região do Vale do Paraíba e suas proximidades ( Valença,

18
DEAN, Warren. Rio Claro: Um sistema brasileiro de grande Lavoura, 1829-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977.
20
MONSMA, Karl. Relações entre imigrantes e negros no Oeste Paulista, 1888 – 1914. UNISUNOS (2007). pp.
131-138.
20
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho, Revisitando “Família e Transição”: família, terra e mobilidade social no
pós-abolição: Rio de Janeiro (1888-1940). Revista Brasileira de História. São Paulo, v.35, n° 69, p. 44.
21
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira.
11

Paraíba do Sul, Juiz de Fora, Bananal), 15 foram tinham a baixada como destino.22Na região
analisada por Carlos Coutinho, boa parte das fazendas haviam entrado em crise econômica
devido à produção do café e açúcar em larga escala, gerando o loteamento de terrenos
menores, criando um novo contexto que permite a produção de laranjas. Além disso, com a
venda de terras a preços mais baixos, muitos libertos e seus descendentes possuiam mais
facilidade no acesso à terra.

Na base do processo de migração exercido pelos libertos está a lei de terras – Lei N°
601, de 18 de setembro de 1850, estabelecida ainda nos tempos do Império em 1850. Esta
determinava parâmetros e normas para a posse, manutenção, uso e comercialização,
colocando a possibilidade de acesso à propriedade exclusivamente por meio da compra. 23 A
lei surge em um cenário de transformações políticas e econômicas no Império, no momento
em que o tráfico de africanos havia sido criminalizado por meio da Lei Eusébio de Queiroz.
Sendo assim, surgia como alternativa substituir a mão de obra escrava pelo imigrante europeu,
que por sua vez esperava chegar ao Brasil e desenvolver um modelo de agricultura oposto ao
latifúndio voltado para a exportação. A chegada deste último ameaça o interesse de grandes
proprietários de terra, que viam no sistema monocultor e agroexportador a fonte de grandes
lucros que satisfaziam seus interesses.

A terra se transformara em mercadoria de alto custo, tendo acesso apenas uma restrita
parte da população brasileira. Dessa forma, pessoas mais pobres, em condição financeira
fragilizada como os imigrantes europeus, trabalhadores livres e ex-escravos, possuem
dificuldade no acesso à terra. Contudo, a lei de terras não é cumprida na maior parte dos
casos, permitindo o aumento da propriedade de latifundiários. Com a República, as normas
referentes à propriedade da terra são colocadas em prática, extinguindo uma legislação
paralela que por vezes fizera do costume lei, auxiliando de alguma maneira os libertos e
indivíduos mais pobres em geral.

A lei torrens, estabelecida em 1890 por Rui Barbosa, ainda no governo provisório
republicano, tornava a propriedade da terra quase que incontestável, sendo até mesmo mais
eficaz que a lei de terras. O Estado se torna o responsável por marcar as terras devolutas,

22
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho, Migrações Negras no pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888 – 1940).
TOPOI. Rio de Janeiro, vol. 16, n° 30.
23
CAVALCANTE, J. L. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do Estado sobre a
terra. Revista Histórica, n. 2. Disponível em: <https://goo.gl/M2YGtV>. Acesso em 3 dez 2013.
12

declarando terras ocupadas por aqueles eu não possuíam título de propriedade e retirando a
legitimidade desta forma de ocupação.24

Os negócios e heranças em processo desaparecem nos cartórios fluminenses - que já


vinham reduzindo desde o estabelecimento da Lei de Terras - vão desaparecer a partir da
década de 1890. Mesmo que lavouras fossem vendidas de maneira informal em terras de
meação, esta prática não produz efeito legal. O estabelecimento de impostos territoriais no
século XIX no Rio de Janeiro, por sua vez, compromete a transmissão de herança das
25
pequenas propriedades. Segundo Matos, a mobilidade, nesses casos, deixa de ser exercício
da liberdade e se torna um problema para os últimos libertos.

A mobilidade espacial dos libertos tem se tornado relevante nas pesquisas sobre a
permanência deles no mundo rural no período pós-emancipação, questionando trabalhos já
desenvolvidos dentro da historiografia que afirmam uma imediata substituição do escravo
negro pelo imigrante europeu, levando-o a se deslocar para os grandes centros urbanos,
sobretudo o Rio de Janeiro, em busca de postos de trabalhos nas indústrias que despontavam
na cidade. Esse deslocamento populacional é inegável nos primeiros anos do período
supracitado, no entanto algumas especificações devem ser consideradas. Como as migrações
que são feitas na própria área rural, muitas vezes o deslocamento ocorre entre fazendas da
mesma região, de acordo com os relatos de Hebe Matos, onde as famílias, ao obterem
contratos de trabalho temporário, vão habitar barracões no interior das fazendas que
abrigavam trabalhadores sazonais, que em período posterior buscavam trabalho em outra
propriedade.26

Os que migram no período imediato pós-abolição buscam por terras livres, não
cobiçadas ou abandonadas. Em alguns casos migravam para outras localidades cuja terra
possuía um valor mais baixo de mercado. Sheila de Castro Faria identificou a migração de
negros livres no interior do Brasil. Segundo a autora, já é possível observar a mobilidade no
século XVIII.27 Ana Lugão Rios também observa duas tendências nos anos seguintes a
emancipação: à migração entre fazendas da mesma região e a permanência em suas antigas

24
RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. O pós abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
TOPOI. Rio de Janeiro. v. 5, n° 8, pp. 180 .
25
Ibidem, p. 181.
26
RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. Op.cit., 180.
27
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. p.111.
13

fazendas nos tempos do cativeiro.28 O segundo grupo composto por descendentes de liberto só
foram migrar para as cidades a partir de 1920.29

Ao olhar para a América como um todo, observamos que apesar da mobilidade


experimentada pelos libertos nos anos seguintes, a abolição à permanência nas antigas
fazendas foi a realidade da maior parte dos casos. Hebe Mattos aponta para os migrantes que
partem do vale do Paraíba para cidades no entorno da capital, composto por descendentes de
libertos, em grande parte filhos e netos, quando as condições não permitiam que ali se
mantessem por conta da desvalorização do café na região e migraram para regiões próximas
as grandes cidades. Neste sentido, outro autor que colabora para esta perspectiva é Walter
Flagra ao analisar o caso Baiano, observando que não ocorreu uma migração em massa no
imediato fim da escravidão, tendo ocorrido de forma gradual no decorrer dos anos.30

A busca pela cidadania e inserção social por parte dos libertos e seus descendentes é
uma constante, inclusive no que diz respeito ao trabalho e acesso à propriedade. Perante a
dificuldade desses libertos, a migração surge como alternativa e uma possibilidade real de
inserção social na nova ordem estabelecida no pós-abolição. Contudo, o fluxo migratório não
está diretamente relacionado ao crescimento demográfico dos centros urbanos. A mobilidade
se dá, sobretudo, entre diferentes localidades nas antigas áreas escravistas ou cidades satélites
a então capital federal.

1.3. A permanência dos libertos nas antigas áreas escravistas.


Permanecer nas antigas fazendas onde ora foram escravos, ou usufluir da recém
adquirida liberdade e, por conseguinte, do direito à mobilidade? Eis um questionamento
pertinente ao analisar a ação dos libertos diante da necessidade de buscar maneiras de suprir
suas condições de sobrevivência. Por outro lado, há uma expectativa com as novas
possibilidades que adivinham com a emancipação: moradia, a possibilidade da vida em
família e o reencontro de familiares separados pelos anos do cativeiro, a opção por novas

28
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira. Ao analisar trajetórias de libertos e seus descendentes, sobretudo,
na região do vale do paraíba a autora se depara com a formação de comunidades quilombolas e remanescente de
quilombo próximo as fazendas onde vivenciaram o cativeiro. Hebe Mattos, faz sua contribuição nesse sentido ao
falar sobre o deslocamento de libertos e seus descendentes entre fazendas (2004).
29
Ibid.
30
FILHO, Walter Fraga. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870 – 1910).
Campinas, São Paulo. Ed. Unicamp, 2006.
14

formas de trabalho, o anseio em se desvincular do mandonismo dos antigos proprietários e o


desejo por obter um maior controle sobre os ritmos de trabalho figuravam entre os desejos dos
ex-escravos.

No caso Norte Americano, Eric Foner, ao considerar a migração dos libertos como
“tentativa de chegar mais perto da liberdade”, justifica que mesmo diante da mobilidade
vivenciada no Sul dos Estados Unidos a regra nos anos seguintes à abolição, era a
permanência nas antigas propriedades onde conheceram o cativeiro. Em Cuba não ocorre uma
migração imediata de ex-escravos, o que teria levado a um desmantelamento da organização
do trabalho no campo.31 Em ilhas pequenas e com maior número de escravos, como Barbados
e Antígua, o sistema de plantação de açúcar sobreviveu à abolição, afinal os libertos tinham
poucas alternativas de trabalho, a não ser permanecerem nas mesmas propriedades nas quais
tinham sido escravos.32 Segundo Rebbeca Scott, o grande número de pretos e pardos em
Havana, então capital, eram descendentes de escravos que ali se estabeleceram antes da
abolição. Situação semelhante ocorre na Bahia, onde nos anos seguintes à abolição houve
permanência de libertos nas antigas fazendas onde vivenciaram o cativeiro.33 No Brasil,
muitos proprietários conseguiram fixar os libertos nas fazendas.

No Vale do Paraíba não foi diferente, já que a permanência dos libertos e de seus
descendestes também foi uma realidade. A maior parte das expectativas deles estava na
possibilidade de adquirir um pedaço de terra e conseguir novos arranjos de trabalho, distintos
do que era estabelecido durante a escravidão, atendendo de certa maneira os seus anseios e a
forma com a qual concebiam a liberdade recém adquirida. Buscavam, assim, adquirir terras a
um custo menor, em áreas produtivas, e quando não era possível, buscavam lotes em outras
regiões. Tentava-se multiplicar as formas de obter renda, permitindo certa autonomia do
poder dos fazendeiros.34 Na região, houve pouca migração estrangeira e a alta de mão de obra
já era presente antes do término da escravidão. Para manter o tipo nacional livre, uma das
estratégias utilizadas pelos proprietários de fazendas era a doação de terras, visando o
despertar de um sentimento de gratidão por parte dos libertos, o que os manteria como
trabalhadores de seus antigos proprietários. Isso partia do entendimento dos senhores no qual

31
SCOTT, Rebecca. Emancipação escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre, 1860 – 1889. Rio de
Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Ed. Unicamp, 1991. P. 243.
32
Idem.
33
FILHO, Walter Fraga. Op., cit., p. 318
34
MACHADO, Maria Helena, O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo.
EDUSP, 2010. p. 32.
15

os escravos deveriam receber a liberdade por sua mão e não pelo estado, entregando os louros
da liberdade aos ex-proprietários.35

Dona Zeferina e Manoel nasceram em torno de 1920 e relatam sobre seus pais -
nascidos anos após a abolição, em finais do século XIX, que pertenciam aos chamados
“ventre-livres” - e seus avós nascidos antes de 1871. Além disso, foram habitantes da fazenda
São José, de propriedade legal do homem que falam apenas o primeiro nome “Dr. Ferraz”. O
casal afirma que com o estabelecimento da Lei Áurea, seus antepassados receberam um
pedaço de terra da então família Ferraz, proprietários da fazenda de café. 36 Também no vale
do Paraíba, as fazendas que pertenciam a José Gonçalves Roxo, que tinha como escravos
Tertuliano e Miquelina, por conta das relações paternalistas exercida por seu então
proprietário, permaneceram nas terras.37 Mesmo que muitos dali partissem em busca de
melhores oportunidades, outros permaneciam, mantendo as relações de parentesco que
haviam sido mantidas desde o tempo do cativeiro e que ainda se mantinham no pós-
emancipação. A doação de terras por seus proprietários ainda nos tempos do cativeiro permite
que parte da população permaneça no Vale do Paraíba. Pesquisadores já apontavam essa
doação de terras como forma de manter os escravos nas fazendas, afim de evitar uma
repentina evasão de trabalhadores da zona cafeeira

As doações tanto de liberdade, pecúlio quanto de terras partindo de senhores para seus
escravos - aparentemente os mais dispostos a abrirem mão de parte ou de todos os seus bens
em nome deles, principalmente quando se dava na forma de terras - se dava por que não havia
uma preocupação de continuação do nome ou da fortuna familiar, a exemplo do caso do
Major Moreira Alves da Cunha e seus cativos. Segundo relatos de seu médico, o paciente
sofria de estreitamento da uretra e se recusava a tomar os medicamentos recomendados; com
isso, havia sido deixado de lado pela família. Em um cenário de crise de transição para o
trabalho livre, o Major reconheceu a posse dos frutos do trabalho de seus escravos, assim
como a propriedade da terra. As condições que se encontram esses grupos, transicionando
entre a escravidão e a liberdade (com parte das famílias que permanecem escrava e outras que
se mantem na área das antigas fazendas) pela herança se seus ex-senhores, pela posse ou

35
RIOS, Ana Maria Lugão; MATTOS, Hebe Maria. Os combates da memória. Escravidão e liberdade nos
arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros. Tempo, v. III, n° 6, pp. 119 – 138, 1998.
36
RIOS, Ana Lugões; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro (2005). Civilização Brasileira, pp. 263 – 264.
37
Ibidem, p. 272 – 274.
16

compra da terra comum, nas décadas que sucedem o fim da escravidão, tem sido analisada por
alguns historiadores no que tange a dificuldade em se manter a legitimidade dessa situação.38

Nas entrevistas realizadas por Ana Rios, encontramos casos de libertos e descendentes
que não conseguem adquirir estabilidade e por essa razão migram de fazenda para fazenda em
busca de trabalhos, que era uma forma de ascensão social, mas nestes casos, a curta
permanência nas propriedades dificultava essa possibilidade.

Um dos primeiros trabalhos que apontam a presença de libertos nas áreas escravistas
no período posterior a abolição foi “A Sul da História”, de Hebe Mattos. No município de
Capivary, no estado do Rio de Janeiro, Matos deparou com negros proprietários de posses que
possuíam memórias do cativeiro. Para a pesquisadora, o desmantelamento econômico do
município permitiu que a população pobre permanecesse na região, em especial antigos
escravos. Os negros se tornaram proprietários de pequenas posses, logo, há condições para a
permanência da população pobre e ex-escrava, além de atrair libertos de outras localidades
por conta da grande quantidade de terras livres.39 Em Juíz de Fora, mesmo com o caráter
exportador da produção, principalmente de café, os trabalhadores provenientes do cativeiro,
libertos e seus descendentes conseguiram acesso à terra, seja por meio da herança, da posse ou
até mesmo da compra. Em vista disso, naquela localidade também não ocorreu uma saída
significativa de negros com o fim do cativeiro.40

As comunidades de libertos constituídas no pós-abolição também concebem um


importante meio de analisar a ação dos libertos e seus descendentes no período pós-
emancipação, como a Serra dos Pretos, em Jaguary, atual Camanducaia.41. O seu então
proprietário, Francisco Felipe da Maia, ainda na primeira metade do século XX, havia
expressado em seu testamento que seus escravos deveriam ser soltos após a morte de sua
esposa e que a eles deixava parte das terras da fazenda.42 No pós-abolição, os ex-escravos
puderam permanecer nas terras que lhes havia sido deixada, fortalecendo a estrutura familiar e
vínculos comunitários constituídos desde o cativeiro. Igualmente importante ao analisar o

38
MACHADO, Maria Helena, O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo.
EDUSP, 2010. p. 42 – 43.
39
MATTOS, Hebe Maria. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2009. p. 135.
40
SOUZA, Sônia Maria de. Terra, família, solidariedade... Estratégias de sobrevivência camponesa no período
de transição - Juiz de Fora (1870-1920). Tese de doutorado. História. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2003.
41
RODRIGUES, João Lucas. Serra dos pretos: Trajetórias de famílias egressas do cativeiro no pós-abolição (
Sul de Minas 1888 -1950). Afro-Ásia n° 50 (2014). p 171- 197.
42
Ibidem, p. 172
17

período posterior à abolição, a permanência dos laços familiares e a constituição de famílias


foram utilizados de forma estratégica por libertos em busca da mobilidade social e da
possibilidade de permanência nas áreas rurais.43

Os historiadores da escravidão sempre tiveram um olhar especial ao estudar a família


de escravos e libertos. Contudo, a partir de 1980, com a mudança nas pespectivas das
pesquisas sobre pós-abolição, há uma ênfase na unidade familiar presente nas senzalas e em
como este fator influencia na ação dos escravizados. Deste modo, esse diferencial poderia
abrir margem para negociações diante dos proprietários e até mesmo certa mobilidade social e
estabilidade após a aquisição de terras. Hebe Mattos é uma das primeiras intelectuais a se
dedicar ao estudo da família negra no pós-abolição e ao acesso à propriedade. Posteriormente,
analisara ainda como a liberdade era vista pelos ex-escravos, exibindo como os laços
familiares construídos entre os cativos, entremeados por relações verticais e horizontais
ressaltando as estratégias de compadrio e o estabelecimento de vínculos de solidariedade,
permitiram a mudança de vida dos libertos, abrindo possibilidade para novos horizontes.
Além disso, a autora consegue demonstrar a manutenção das famílias negras mesmo com o
fim do cativeiro.

Analisando a mudança na estrutura familiar negra no pós abolição, Carlos Eduardo


Coutinho afirma como essas famílias apostaram no aumento do tamanho dos núcleos
familiares como maneira de mobilidade social e de acessar mais facilmente a terra. Ao
analisar o município de Nova Iguaçu nos anos iniciais do século XX, o autor constata que em
áreas de fazenda não comercial, onde havia grande quantidade de terra, era comum encontrar
diversos núcleos familiares que tinham na base a mesma família originária. Dessa maneira,
era mais fácil conseguir acesso à terra, pois os filhos mais jovens e os recém-casados saíam
mais rápido da casa dos pais. Sendo assim, todos estavam separados em seus pequenos lotes,
mas próximos uns dos outros: avós, pais, filhos e seus descendentes.Terras baratas e
desvalorizadas somadas aos arranjos familiares se tornam locais propícios para a habitação de
negros após o fim do cativeiro.

Posteriormente, com o auge da produção de laranjas na região e o reaquecimento da


economia local, o acesso à terra se tornara mais difícil, encarecendo o valor das propriedades
que dificultava o acesso à propriedade para quem estava na busca de habitação pela região.
Neste processo, aumentara a importância no papel da família estendida e das redes de

43
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. Revisitando "Família e Transição": família, terra e mobilidade social no
pós-abolição: Rio de Janeiro (1888-1940). Rev. Bras. Hist. [online]. 2015, vol.35, n.69, pp.35-58.
18

sociabilidade dos libertos e, consequentemente, as responsabilidades individuais de


sobrevivência. A estratégia do aumento das famílias, muitas vezes somadas a amigos
próximos, por exemplo o compadrio, permitiu a sobrevivência da família negra, assim como a
mobilidade dos componentes deste grupo que por vezes obtiveram acesso à propriedade.44

A permanência de libertos no imediato pós-abolição nas antigas áreas em que


conheceram a escravidão e a forma como a mobilidade se dava entre fazendas na zona rural,
por outro. Ou ainda, conforme apontou Carlos Eduardo, a migração que não ocorre em via de
regra para os centros urbanos, mas para as regiões periféricas, onde se estabelecia plantações,
criação de animais que abasteciam os polos urbanos, neste caso a então capital Federal.. Além
daqueles indivíduos que se estabeleceram em outros bairros localizados no subúrbio da
cidade.45 Diante desses componentes que evidenciam tais pontos a respeito da questão
presente, questiona-se o seguinte fato: Como se criou, dentro da historiografia, a visão de uma
imediata migração dos libertos para a cidade do Rio de Janeiro?

Por receio de um crescimento demográfico exagerado da cidade por parte das elites
juntamente com o papel desempenhando pela imprensa, que propaga a grande quantidade de
libertos que se direcionam a cidade no imediato pós-abolição, tenham contribuído de forma
significativa para esta abordagem. O crescimento populacional da cidade é inegável nos
primeiros anos da República, porém como afirmar que essa população que se deslocou era
necessariamente habitantes das antigas fazendas escravistas. Desse modo, a migração em
massa de pretos e pardos, ex-escravos ou não, para a então capital Federal não ocorreu.

No decorrer do próximo capítulo será abordado o contexto da cidade do Rio de Janeiro


nos anos iniciais do século XX e os múltiplos fatos que colocam a população negra no centro
da questão como a própria Revolta da Vacina, motivada pela “reforma Pereira Passos” - com
suas concepções de modernidade e alinhamento a concepções liberais que emergem no
pensamento das elites. E como não considerar as teorias raciais, sobretudo a eugenia, o
branqueamento da população, que dão corpo a ideia de herança degenerativa da população
negra.

Além disso, analisar os censos demográficos disponíveis da cidade do Rio de Janeiro,


sobretudo o de 1890, um ano depois da abolição, é fundamental para se ter a percepção da

44
Ibidem. p. 41.
45
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. A migração em massa no pós- Abolição: os jornais e a migração de
trabalhadores negros no período pós-Abolição ( Rio de Janeiro 1888 – 1940). In: MAIA, Andréa Casa Nova. O
mundo do trabalho nas páginas das revistas ilustradas. 1. Ed. – Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015. p. 121.
19

origem dessas pessoas que chegam à cidade. Ressalta-se ainda a dificuldade de lidar com as
fontes, considerando que o elemento cor desaparece dos registros de nascimento, óbito e
inclusive nos demais censo republicanos, voltando a figuras nos levantamentos demográficos
apenas em 1940.
20

CAPÍTULO II. Mudanças no Rio de Janeiro no início do Século XX: Crescimento


populacional sob uma análise do censo de 1890.

2.1. O Rio de Janeiro no imediato pós-abolição: cidade, organização e racismo cientifico.

No início do século XX, o Rio de Janeiro (então capital federal), alinhado às


concepções republicanas torna-se um dos principais espaços de trânsito de ideias e de
inúmeros conflitos sociais, algumas ligadas as questões étnica e social. Nesse sentido, as
profundas transformações na cidade refletem as novas concepções políticas, econômicas e
sociais, tais como o aumento populacional da cidade, o elevado número de pessoas
desempregadas, moradores em locais inapropriados, a exemplo de hospedarias e cortiços
crescendo em larga escala, opondo-se às ideias modernizadoras colocadas pela República.46

Os anos iniciais da República estabeleceram o período mais conturbado da cidade. Em


razão disso, resultou em um amplo número de variáveis na cidade mais importante do país no
período de transição entre o Império e o vigente regime político. Em destaque, houve nela
uma modernização, indústrias se estabeleciam na região central, pois a disponibilidade de
mão de obra de imigrantes que vieram a se estabelecer - sobretudo na região centro-sul do
país - assim como o fluxo de ex-escravos para o centro urbano intensificavam a vida urbana
da então capital federal.

A tentativa de implantar o cosmopolitismo, similar à vida europeia, isto é, nos moldes


de Paris, buscava inserir na cidade todo ideário da Belle Epóque e ao passo que a cidade se
modernizara em um claro projeto das elites liberais, visando enquadrá-la em concepções
igualmente atreladas ao positivismo e ao racismo científico.47 Com isso, aumenta
consideravelmente a desigualdade social e tem-se uma cidade de contradições: de um lado, o
progresso, e de outro, o extremo atraso. Neste sentido, ao buscar modernizar a capital federal,
o então presidente Rodrigues Alves deu plenos poderes a Pereira Passos, então prefeito da
cidade do Rio de Janeiro. Pereira Passos toma posse em 1902, dois anos após ser aprovada a
lei de vacinação obrigatória, redigida pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz.

46
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 Ed – São
Paulo: Schwarczh LTDA. 2005. p. 15 – 16.
47
NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da monarquia ao fim do Estado Novo. São
Paulo: Contexto. 2016. p 44-45.
21

O governo de Rodrigues Alves, ao interpretar que a capital do Brasil deveria ser um


cartão de visita que estivesse a altura das civilizações europeias, promove uma modernização
da cidade do Rio de Janeiro. Para tal, o prefeito promoveu o que ficou conhecido como “bota-
abaixo”, colocando em ruínas imóveis antigos e os inúmeros cortiços alastrados pela região
central da cidade, que em via de regra eram moradia da população pobre da cidade. Coroando
este processo, está a abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, que ligara o
aterro do Flamengo à Região Portuária, tendo uma clara semelhança ao modelo urbanístico
parisiense. Aliado a este processo, estavam as grandes epidemias que se alastravam na cidade
como a varíola, febra amarela e a cólera e a partir disso buscava-se higienizar as ruas e a
população.48 Intervia-se na vida das pessoas de poder aquisitivo inferior, acusadas como as
responsáveis pela pobreza, doença e da falta de conhecimento presente nos brasileiros.

Alinhado a isto estava a imposição da vacinação obrigatória contra a varíola, cuja


obrigatoriedade, independente da sua realização, dava aval aos agentes de saúde, com apoio
policial, de ingressarem nas residências particulares e de vacinarem a população mediante o
uso da força, sem qualquer tipo de campanha que buscasse conscientizar as pessoas sobre a
importância do processo de vacinação, no qual a população pobre era o grande foco do
processo higienista.49 Este processo de violação implicou, primeiramente, em uma ligação
direta entre a entrada dos agentes de saúde às questões de moralidade, tratando-se das
mulheres sozinhas em seu lares. Além disso, havia a questão da religiosidade no processo de
vacinação, que sob olhar dos adeptos de tradições africana, eram consideradas insulto às
divindades cultuadas, como Omolú, Orixá da Cura e das doenças.50 Por conta destes aspectos,
em novembro de 1904 eclode a Revolta da Vacina. Ao investigá-la, Nicolau Sevcenko
observou o movimento como o mais explosivo contra o processo de transformações que
passava a cidade:

48
MAIA, Andréa Casa Nova.; CARDOSO, Luciene Carris.; SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Lições do
tempo: temas em historiografia do Brasil Republicano. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: 7 Letras, 2016. p. 91.
49
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Neste trabalho o autor irá se
debruçar em apontar os amplos fatores e interpretações acerca deste movimento social. Neste sentido os
trabalhos de Jaime Benchimol possui um importante significado ao analisar as ações de Pereira Passos,
colocando-o em uma posição importante no processo de transição da cidade do Rio de Janeiro no início do
século XX.
50
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril - cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia Das
Letras, s.d.. SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da vacina .p. (137-139). Uma das crenças também correntes entre
os adeptos dos cultos de matriz africana era que a propagação das doenças era atribuída ao Orixá Omolú,
chamado também de Obaluaê. Neste rito acreditava-se que a propagação das doenças era um castigo dado pela
divindade.
22

“ A estrutura material da cidade se remodelava com demolições de


prédios e cortiços e cortiços, aberturas de avenidas, prolongamento e
alargamento de ruas”51
Ademais, ganhou ainda caráter ideológico por conta da influência de alunos da Escola
Militar, pois o positivismo que viera ganhando adeptos das forças armadas desde o período
imperial. Por conseguinte, o protesto tomou as ruas da cidade por cerca de cinco dias e foi
fortemente reprimido pelas autoridades da época. Nota-se que não só o positivismo, mas
também as teorias raciais presentes na Europa faziam reflexos nos intelectuais brasileiros
como forma de mudar os malefícios sociais que estavam presentes no Brasil: Higienismo,
evolucionismo e o darwinismo social.52 Estas concepções foram utilizadas em larga escala por
aqueles que almejavam transformar o Brasil aos moldes europeus, no entanto para isso era
preciso superar problemas estruturais que haviam sido estabelecidos, em parte pela larga
presença de africanos e seus descendentes: a degeneração da raça causada pelo processo de
miscigenação étnica, estruturas políticas e econômicas ultrapassadas e permanências que
ainda faziam alusão ao período colonial.

Os próximos ao darwinismo social defendiam que a evolução social estaria pautada na


competição, cuja as raças tidas como superiores teriam vantagens, impondo progresso a todos.
Além disso, considerando que as inferiores estariam em um nível de evolução superior as
demais, tomando a evolução como um processo contínuo, jamais chegariam ao mesmo
patamar das raças tidas como melhores, pois estas sempre teriam vantagens frente as demais e
por isso deveriam impor o progresso a todos. Desta forma, os higienistas viram no sanitarismo
a forma de combater as doenças e alcançar a civilização. Estas ações de cunho racial deveriam
ser colocadas para as classes sociais inferiores, impondo formas de higiene, o combate a
doenças infectocontagiosas, além do saneamento urbano. Ou seja, existe uma ligação direta
entre o caráter higienista da reforma e as teorias racistas que foram adotadas no Brasil
Republicano.53

Estas ideias aumentavam substancialmente o racismo e a segregação racial,


propagando o pensamento de que a incapacidade intelectual, os graves problemas de saúde e a
não adaptação a um novo sistema de trabalho eram frutos da mistura de raças que aqui se
estabeleceu, o que gerava esse “atraso” na sociedade brasileira. Em vista disso, as
interpretações intelectuais sobre os brasileiros e o Brasil foram tomadas com base nas teorias

51
MAIA, op., cit p. 89.
52
NAPOLITANO, op. Cit., p. 42.
53
Op. Cit., p. 43-44.
23

raciais. A República era tida como uma oportunidade de modernização, portanto o meio para
superar o legado escravocrata afastou o país de outros modelos civilizatórios tidos como
ideais.54 O modelo importado pela chamada “República das Letras” não se restringia apenas à
égide política, mas também a questões culturais. Todavia, a realidade dos habitantes da capital
federal estava distante do parâmetro idealizado. Ao olhar a massa da população, a maior parte
era composta por analfabetos, permeada pela pobreza e por sua vez a elite política nacional
que era tomada pela ignorância, igualmente iletrada e tomada por arranjos políticos que irão
conceber a base do sistema eleitoral republicano, uma realidade distinta do que era tido como
civilização nos moldes europeus.

As expectativas dos intelectuais cientificistas também eram alvo de críticas, a exemplo


de Machado de Assis, que esboçou uma das maiores críticas às teorias raciais da época. No
conto “O Alienista”, Simão Bacarte, personagem principal da obra, era a representação do
intelectual presente na transição do século XIX para o XX, e buscando identificar as causas da
loucura, o personagem chega a conclusão de que apenas ele era “alienado” e deve ser tratado
em um asilo fundado pelo próprio. Monteiro Lobato, ao criar o personagem Jeca, esse
representava o trabalhador do campo em sua realidade permeada por obstáculos, tido como
ignorante e como um dos obstáculos para o processo de modernização do campo. Lima
Barreto também expôs suas colocações acerca da grande expectativa que fora criada pela
ascensão do regime republicano e o que se efetivou na prática, verbalizando o
conservadorismo das elites, o racismo, por exemplo. para Barreto, os problemas que
assolavam eram de cunho social e político, não fruto da degeneração racial.55

Por conta destas concepções raciais, as manifestações de cunho popular também se


tornaram alvo de repressão policial por estarem, sobretudo, associadas à cultura negra. A
exemplo do samba que, ao se afirmar como música brasileira e mestiça nos seus anos iniciais,
tornara-se o que era considerado “vadiagem” e o fato das pessoas andarem de pandeiro e
violão era causa de prisões. Fatos como estes demonstravam a dificuldade das elites
intelectuais e políticas de incorporarem as manifestações culturais populares.

Neste quadro permeado pelo racismo, pela exclusão social e política que pautavam a
política do inicio da república, o estímulo ao branqueamento racial também se estabelece no
54
Para compreender o imáginario da república no Brasil ler: CARVALHO, José Murilo. A formação das almas:
o imaginário da República no Brasil. – 2ª ed. – São Paulo: Companhia de Letras, 2017. Em especial o capítulo
que versa sobre utopias republicanas.
55
Diversos literários eram contrários ao pensamento intelectual racial vigente no período, por isso, a literatura
irá apontar diversas críticas neste sentido, as obras O alienista (1882), Urupês (1919) e o Triste fim de Policarpo
Quaresma (1915).
24

imaginário das elites, que buscarão branquear a população brasileira como forma de modificar
a “herança” degeneradora da raça negra. Por conta disso, a imigração em massa de imigrantes
europeus – italianos, portugueses, espanhóis, alemães – seria uma forma de alterar a
composição racial nacional, pois não era tida apenas como mão de obra, mas há nisso um
cunho ideológico presente. Entre 1886 e 1890, entraram no Brasil cerca de 391.600
imigrantes.56 Os imigrantes mudavam a paisagem da região centro-sul do Brasil, com seus
hábitos, costumes e sua presença nas atividades econômicas. Há de se considerar que a capital
federal possuía seus atrativos para o estabelecimento destes novos atores, inclusive por causa
das atividades industriais, ainda que incipientes, que ali se desenvolveriam.

Para Boris Fausto, o estabelecimento de fábricas no Rio de Janeiro se deu por diversos
fatores, tais como a acumulação dos capitais provenientes da atividade agrícola, a decadência
do café no Vale do Paraíba, além dos bancos presentes na cidade, que poderiam beneficiar
outras atividades. Além disso, a capital servira como satélite para as demais regiões em seu
entorno, sem contar a presença de ferrovias que facilitava o deslocamento de pessoas não só
para a cidade, mas também para regiões no seu entorno.57. Dessa maneira, a cidade também
seria um polo atrativo para imigrantes e migrantes e, de fato, esse deslocamento se mostrou
em números.

A população era avaliada no ano de 1890 em cerca de 522.651 habitantes. Mas qual
seria a composição destas pessoas estabelecidas no município neutro? Como tomar de forma
veemente a veracidade do censo em meio a tantas falhas metodológicas no recenseamento da
população - que por sua vez era permeada por ideias eugenistas que buscavam demonstrar a
presença de brasileiros não estabelecidos, de fato, aqui? Estas questões serão melhor
aprofundadas na seção que se segue.

2.2. Uma análise do primeiro censo republicano.

Proclamada a República em 1889, surge uma imediata preocupação por parte do


governo provisório, tendo como chefe do executivo Marechal Deodoro da Fonseca, que
consistia em um novo levantamento censitário da população brasileira, renovando o último
censo populacional feito ainda durante o Império, em 1872. O responsável por isso foi

56
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12ª ed. Sâo Paulo : Editora da Universidade de Sâo Paulo, 2006. p. 275.
57
Op. cit., 279 – 281.
25

Aristides Lobo, forte defensor do positivismo, movimento intelectual que nasce na Europa e
teve o crescimento em adeptos no Brasil durante o antigo regime. O responsável pelo novo
recenseamento também exercia a função de ministro dos negócios do interior. A frente da
organização do censo estaria Timóteo da Costa, também aliado ao positivismo e atuante na
Escola Militar da Praia Vermelha. Nesse contexto, a República pensada nesses moldes
estabelece a regulação temporal do censo populacional a cada dez anos, inclusive essa nova
especificação será estabelecida na constituição de 1891. Logo, esta seria uma maneira de
afirmar o novo modelo político republicano.58 Além disso, estabelecer o censo em um período
tão breve demonstra uma tentativa de ligar o novo regime ao progresso liberal presente no
cenário internacional, opondo-se ao império como construtor da modernidade.

A classificação racial foi a principal forma de preservar a ordem social, em busca da


manutenção hierárquica dos tempos do império. Produziu-se assim uma população mais
branca e homogênea, tanto no recenseamento como através do estimulo a imigração europeia.
Em razão da nova imagem que se busca passar do atual regime, uma série de procedimentos
são feitos de maneira equivocada. Primeiramente, observa-se diversos equívocos nos
levantamentos censitários da República, como o surgimento privilegiado dos fatores migração
e miscigenação. Sendo assim, aqueles que adentram o território, motivados pela onda de
imigração se tornam o principal público que se visa apresentar no censo, considerando que
aqueles que haviam vivenciado o cativeiro não eram considerados dignos de carregar todos os
componentes genuínos da brasilidade. Dessa maneira, diversos procedimentos feitos em
outras localidades do mundo são negligenciados nos levantamentos censitários da República,
inclusive a ausência do fator “cor” nos questionários demonstra grande afinidade com a
eugenia e o branqueamento social durante a Primeira República.

Um dos índices que poderiam demonstrar o nível de progresso nacional estaria na


escolaridade da população. No entanto, quando analisamos esse aspecto, a única verificação
feita está no analfabestismo, que por sua vez é quantificado por nacionalidade. Além disso,
pontos relevantes como a faixa etária de escolarização, os anos de estudo, não são
considerados. Sendo assim, se torna diferente do censo de 1872, que possuía essas indagações
em seus relatórios. Além disso, os dados de 1890 apenas distinguem estrangeiros e brasileiros
na categoria “não sabe ler e escrever”, separando-os. Contudo, quando são divulgados

58CAMARGO, Alexandre Paiva. Mensuração racial e campo estatístico nos censos brasileiros (1872-1940):
uma abordagem convergente. In:Ciência Humana., Belém, v. 4, n. 3, set.- dez. 2009. p 369.
26

brasileiros e estrangeiros, ambos são somados e alocados no levantamento total de


analfabetos.59

Mesmo diante de uma tentativa de reduzir o número de estrangeiros analfabetos pelo


quantitativo total, não se chegaria ao número de brasileiros alfabetizados, impossibilitando
essa quantificação, além de não permitir a observância da eficácia do Estado em fornecer
educação aos seus cidadãos. O que salta aos olhos nesta análise é que, ao considerarmos o
passado escravista e a realidade dos libertos e seus descendentes - que em sua maioria não
dominam a leitura e a escrita60 -, quantificar a população negra, herdeira do cativeiro se
tornaria ainda mais difícil mediante as mudanças estabelecidas no recenseamento de 1890.

Em contrapartida, ao analisar o número de alfabetizados, são separados brasileiros e


estrangeiros. Opondo-se aos analfabetos, porém, estes mesmo dados são divulgados de
maneira separada entre nacionais e estrangeiros, isso quando são divulgados. Dessa forma,
não se torna possível analisar a quantidade de iletrados brasileiros, muito menos estabelecer
uma ligação entre analfabetismo escravidão. Mas, ao olhar o número de alfabetizados, é
possível observar a separação entre as categorias estrangeiros e brasileiros, o que acabaria
demonstrando a capacidade educadora do Estado.

Ao estabelecer um paralelo com o censo imperial de 1872, nota-se que categorias que
foram consideradas importantes no primeiro levantamento, tais como a idade escolar e o nível
de escolaridade da população, já não são mais no recenseamento de 1890. Em uma sociedade
que se constitui em moldes sociorraciais, dada esta análise, se apresenta mais uma estratégia
de não vincular baixos níveis de escolaridade a uma grande presença de ex-cativos na recente
República. Essa perspectiva se alinha ao crescimento das ideias liberais fortemente
propagadas no início da República, em uma clara alusão à modernidade que se deseja
propagar.

Considerando a precisão dos dados estatísticos, como mascarar a grande presença de


negros e seus descendentes em meio à sociedade brasileira? Uma das possibilidades está na
atração e fixação de imigrantes. Por isso, ao analisar o censo de 1890, indagações relevantes
direcionadas aos imigrantes são colocadas, como: país de origem, ano de chegada no Brasil e
adoção de nacionalidade. Nesse sentido, a grande presença de brancos reduziria uma forte

59 Brasil, 1898.p - 373


60 MARCHELLI, Paulo Sérgio. As minorias alfabetizadas no final do período colonial e sua transição para o
império: um estudo sobre a história social e educação no Brasil. Educação Unisinos 10(3):187-200,
setembro/dezembro 2006.
27

presença da população negra e de seus descendentes porque a miscigenação e imigração


possuem complementariedade neste novo projeto que se evidencia a partir do levantamento
censitário de 1890. Portanto, o branqueamento racial encontra forte propagação nos primeiros
censos da república.

Corroborando para esta análise, nota-se que o censo de 1890 inclui dois componentes
distintos no que se refere à formação dos grupos: os pretos, por um lado, são lidos apenas
como aqueles que tem como origem o continente africano e os decentes frutos de relações
entre negros; por outro, os “brancos” eram tidos apenas como frutos do processo de
miscigenação. Dessa forma, são descartados os próprios mestiços, os indivíduos que são fruto
de relações entre negros, outros que não são considerados brancos e de negros com os
próprios mestiços. Sendo assim, o levantamento censitário se utiliza da própria ideia de
mestiçagem para consagrar a grande presença de brancos e estrangeiros no Brasil, se
alinhando às teorias raciais que emergem no pós-abolição. Ou seja, a categoria mestiços
acaba por dar ênfase à grande participação de brancos na composição racial do Brasil. No
entanto, estas colocações não são postas de forma explícita na divulgação do censo, pois só e
possível visualizar em uma análise mais profunda sobre o recenseamento. Vale ressaltar que
os censos anteriores a 1940 não contavam com a categoria cor e o termo “raça” era utilizado
em seu lugar. Essa classificação foi utilizada na apuração, coleta e divulgação do censo de
1890, desaparecendo no levantamento realizado em 1920.

O censo de 1890 publica dados sobre cor apenas para a população geral e por estado
civil. A condição de mestiço está ligada a um critério de descendência. Além disso, supõe-se a
incerteza na declaração da cor baseada na tonalidade da pele, sendo algo variável, deixando a
desejar no caráter descritivo e tornando-se um elemento incerto. Segundo Camargo, esse
conjunto de mecanismos dilui a população negra dentro dos levantamento.61

Na categoria raça, são estabelecidos os seguintes termos: “mestiços”, “branco”,


“pretos” e “Caboclos”. Colocando a mestiçagem como uma categoria do levantamento
realizado, observa-se um grande alinhamento com as teorias de branqueamento racial que
emergem como projeto político das elites republicanas. Com isso, torna-se extremamente
impreciso quantificar a verdadeira quantidade de negros realizada nesse primeiro censo
republicano. Essa homogeneidade buscada nos levantamentos estatísticos, então, acaba por

61 CAMARGO, 2009. p 370


28

diluir a presença de negros e caboclos, ampliando a participação de brancos na composição


social do Brasil.

Em uma análise mais ampla, direcionando o olhar para a região da América Latina, o
continente como um todo possui ligações entre a questão racial e a imagem que se buscava
construir diante das ideias do liberalismo no cenário internacional. As classificações raciais,
ao engendrarem os censos latino americanos, ocupam lugar de destaque e acabam por indicar
o progresso que tanto era ovacionado nesse período, o que não incluía a pluralidade étnico-
racial na sua constituição. A ênfase na imigração e no seu crescimento no decorrer dos anos
atrelam-se ao ideário do embranquecimento.

Além disso, alguns apontamentos de são fundamentais. Para Mara Louveman, ao tratar
de recenseamentos latino americanos, não há uma preocupação inclusive para atestar o
62
declínio natural dos indivíduos. Sendo assim, os dados que são estabelecidos possuem
características muito frágeis que levaram a afirmativas tão generalizadoras como ocorreram
nos primórdios da república, no que tange a chegada maciça de libertos ao Rio de Janeiro.
Abre-se então uma lacuna: como verificar a real composição quantitativa de pretos e egressos
do cativeiro na então capital federal? É pertinente afirmar que a migração que se estabelece no
rio de janeiro nos primeiros anos da república era em sua maioria composto pelos egressos do
cativeiro?

Segundo Carlos Eduardo Coutinho, o fator cor irá desaparecer inicialmente nos
primeiros censos da república e só irão figurar novamente nos questionários censitários em
1940, já no governo Vargas. Hebe Mattos corrobora ao falar sobre as matrículas de ex-
escravos que são queimadas ao término da escravidão, apagando uma série de registros que
poderiam contribuir na análise quantitativa de negros nos primeiros anos da república. Dessa
maneira, o censo demográfico não deve ser resumido apenas a um procedimento técnico, pois
estes levantamentos demonstram projetos políticos que se apresentam em questões
formuladas, nos métodos utilizados e nas opções de resposta fornecidas ao entrevistado. Para
se apurar a classificação racial é necessário estabelecer vias para chegar a categorias sociais
que se pretendem visibilizar em detrimento de outras, sendo isso um reflexo de uma dada
ideologia racial que foi legitimada em um determinado recorte de tempo, neste caso no
período posterior a abolição.

62
LOVEMAN, Mara. National colors: racial classification and the State in Latin America. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2014. p – 144.
29

2.3. A origem dos imigrantes no Rio de Janeiro no pós-abolição.

Ao considerar o acentuado crescimento demográfico, que varia de 274.972 em 1872,


para 522.651, à primeira vista se nota o crescimento populacional. Todavia, como afirmar a
origem desses indivíduos que se estabeleceram no Rio de Janeiro?

Uma das grandes questões colocadas no pós-abolição está no questionamento se, de


fato, ocorreu uma imigração imediata dos libertos para os grandes centros nos primeiros anos
da República. Há uma ausência de pesquisas que se debrucem sobre o tema, mas Carla
Oliveira traz um panorama sobre a imigração portuguesa para a cidade entre o final do século
XIX e o início do século vinte, incluindo os primeiros anos da República, afirmando que a
então capital federal chegou a concentrar mais da metade dos portugueses que chegam ao
Brasil na tentativa de fazer fortuna, nas terras que outrora havia sido colônia das Terras
Lusitanas.

Por conseguinte, Portugal passava por diversas reorganizações econômicas que se


baseia na implantação do capitalismo no meio rural, privilegiando grandes companhias para
implementar a agricultura comercial, além de uma grande mecanização do processo
produtivo, alimentada pelo estímulo do governo português, prejudicando os pequenos
proprietários rurais. A grande crise vinícola portuguesa entre 1886 e 1888 que se estabeleceu
no Norte português, ocasionando na migração para o Brasil, sobretudo ao Rio de Janeiro,
representa uma fuga ao processo de proletarização que lá se passa, aliado ao fim da pequena
propriedade agrícola em certas regiões de Portugal.63

Os portugueses que aqui chegavam, após desembarcar no porto do Rio de Janeiro,


instalavam-se, em vias gerais, na região central da cidade e no seu entorno: Gamboa, Santo
Cristo, Saúde, Castelo. Muitos chegavam na tentativa de acumular quantias que permitissem a
mudança de extrato social no Brasil, ou ainda o retorno a sua Pátria. 64 Para isso, trabalhavam
em ocupações, que em sua maioria não exigiam qualificação profissional. João do Rio, ao
olhar a condição de vida desses imigrantes na ilha da Conceição, onde atuavam no
descarregamento de cargas e no embarque de navios cargueiros, aponta ainda a presença de
espanhóis que ocupavam estes ofícios:

63
OLIVEIRA, Carla Mary S. O Rio de Janeiro da Primeira República e a Imigração Portuguesa: panorama
histórico. In: Revista do Arquivo Geral da Cidade. Nº 3. 2009 p. 151.
64
Ibidem, p. 154.
30

São quase todos portugueses e espanhóis (...) Só tem um instinto:


juntar dinheiro, a ambição voraz que os arrebenta de encontra ás
pedras inutilmente. Não tem nervos (...), tem músculos
hipertrofiados.65

Ao analisar o Morro do Castelo, Andrea Casa Nova constata a presença de


estrangeiros ao trabalhar imagens publicadas na revista Kosmos em outubro de 1905, onde
busca apontar quem eram os trabalhadores que ocupavam a localidade. Nisso, considera o que
se busca transmitir por meio das imagens a presença exagerada de Italianos, pois os leitores
do periódico e seu editorial, redatores e fotógrafos transmitem a percepção de um Rio de
Janeiro moderno, alinhado a Belle Époque Francesa, se aliando as ideias de civilização. Além
disso, busca apagar a presença negra e evidencia a presença dos italianos, abandonando os
vestígios de um passado marcado pelas mazelas da escravidão, visando atender aos interesses
das elites e da classe burguesa.

Ainda neste trabalho, a autora apresenta outros referenciais que demonstram a


pluralidade dos habitantes do Castelo, como Carlos Kessel que, em sua obra sobre os
subterrâneos do morro, afirma a presença de portugueses pobres, brasileiros, afrodescendentes
e ex-escravos, fornecendo outras referências sobre a ocupação do morro. Luíz Edmundo, em
“O Rio de meu Tempo”, descreve práticas religiosas de tradição africana, evidenciando
também a presença negra na localidade. Ao analisar ocorrências policiais no morro do
Castelo, Cláudia Paixão encontrou uma maior composição de brancos, totalizando 127
registros policiais, o que de certa maneira para ela pôde apontar para uma elevada
concentração de imigrantes na região.66

De fato, registros criminais são fontes relevantes ao tratar da composição étnica e


origem de indivíduos em um contexto de migração e crescimento populacional desordenado,
conforme é afirmado por Carlos Eduardo Coutinho. Em um cenário de ausência de postos de
trabalho deve-se considerar a criminalidade carioca, que surge como opção aqueles que não
conseguem inserção social. Por isso, analisar as fontes criminais se torna de grande auxílio
para obter respostas sobre quem eram os imigrantes na Primeira República. Nesse sentido,
Lucia Helena Silva analisou documentos da Casa de Detenção da Cidade do Rio de Janeiro e

65
BARRETO, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho (João do Rio). A alma encantadora das ruas.
Organização e notas de Raúl Antelo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p – 270.
66
MAIA, Andréa Casa Nova. Kosmos (visões) do mundo do trabalho: cultura visual no morro do Castelo. In: O
Mundo do Trabalho Nas Páginas Das Revistas Ilustradas. 1º ed. – Rio De Janeiro: 7 Letras, 2015. p – 138.
31

nelas pode se constatar um grande número de baianos.67 Nesse mesmo levantamento, é


possível encontrar também um grande percentual de nordestinos, que podem ter chegado no
Rio após a proibição do tráfico atlântico e início do tráfico interprovincial.

Erika Sarmiento e André Luíz de Azevedo no artigo “ Cidade e Migração: a freguesia


de Santo Antônio e o cotidiano dos galegos nos logradouros cariocas (1880 – 1930)”,
analisam documentos presentes no Hospital Espanhol e o registro de associados da entidade e
do Consulado. No Censo de 1906, dos 210.515 imigrantes, 133 mil eram portugueses, 25.537
italianos e 20.000 eram espanhóis. Nesse caso, a Freguesia de Santo Antônio, onde se
localizava a Lapa, era um logradouro que atraíra grande quantidade de imigrantes, sobretudo
os galegos.68 O crescimento da região se dera, inclusive, por sua afirmação como espaço de
lazer. O autor afirma que a Rua do Lavradio, uma das principais vias da região, abarcava boa
parte dos espanhóis e concentrava no seu curso dois teatros, o Apolo e o Politeama, além do
grande número de cafés, restaurantes e da sede da banda luso-brasileira, que servia como
espaço de integração da população imigrante. Tendo se consagrado como região de lazer
desde o final do século XIX, acabava por servir como polo de atração a estrangeiros devido à
oferta de postos de trabalho gerados pelas atividades desenvolvidas na localidade. Nada mais
natural que ali se fixassem, considerando a conveniência em se estabelecer moradia próxima
ao local de trabalho.

Nesse trabalho, ao analisar as matrículas dos associados ao hospital espanhol e do


consulado, Erika Sarmiento e André Luíz Azevedo estabeleceram uma ligação entre o lugar
de origem e a cidade de destino desses imigrantes. Informações como ano de chegada,
profissão, estado civil e onde se estabeleceram no Rio de Janeiro foram encontradas após o
levantamento. No total, dos 258 imigrantes analisados no até a década de 1880, haviam
indivíduos das provinciais de Pontevedra, Coruña e Ourense, que se estabeleceram nos
logradouros da Rua do Lavradio, Rua dos Arcos e na Rua da Lapa. Cidade e campo são polos

67
SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Construindo uma nova vida: migrantes paulistas afrodescendentes na
cidade do Rio de Janeiro no pós-abolição ( 1888 – 1926), 2001. Tese ( Doutorado em História_ Universidade
Estadual de Campinas , 2001.

68
SARMIENTO, Erika; AZEVEDO, André Nunes. Cidade e Imigração: a freguesia de Santo Antônio e o
cotidiano dos galegos nos logradouros cariocas ( 1880 – 1930). In: História vol.36 Franca 2017 Epub Jan 16,
2017. p – 2 – 3.
32

atrativos para imigrantes que chegam no Rio de Janeiro, assim como os que se estabeleceram
no Vale do Paraíba para atuar na lavoura cafeicultora.69

A migração dos que habitavam o Vale do Paraíba também foi visto por outras fontes
de pesquisa, que fazem metodologia da historia oral. Ana Lugão Rios na década de 90,
encontra trajetórias de ex-escravos e descendentes que tomam a migração para o Rio de
Janeiro como opção.

Nesse sentido, é importante lembrar que não só a região central atrai migrantes, mas
também a própria periferia, subúrbio e a baixada fluminense. No decorrer da história
colocou-se Reforma Pereira Passos como única origem da formação de guetos e da periferia
carioca, trata-se de uma falácia. Bairros mais distantes da região central atraem pessoas por
sua dinâmica particular e não como mera expulsão dos cortiços extintos pelo “bota a baixo”.
Já os bairros do subúrbio geralmente são vistos como uma última alternativa aos que
desejavam habitar a capital federal, mas, segundo Rafael Matoso, estas localidades possuem
dinâmica própria na atração, Como Madureira, que se torna uma opção por conta do amplo
comércio local, ou ainda Bangu, que ganha grande visibilidade devido o desenvolvimento
fabril na região.70

Ao defender sua tese de doutorado, Maria Cristina Wissenbach analisou a migração de


libertos e descendentes do Estado de São Paulo para o município neutro. Sob sua ótica, uma
grande quantidade de nacionais e estrangeiros foram atraídas para regiões como Recife e Rio
de Janeiro. O deslocamento da população esteve presente durante o período colonial e
imperial, mas a migração interna foi se intensificando ao final do século XIX e início do
XX.71 A população que chegará à cidade era múltipla em sua composição, que segundo a
autora aglutinava:

Diferentes etnias e composições de mestiçagem que iam do branco


estrangeiro ou nacional pobre, passando pelo mulato e chegando ao negro
retinto, localizados indistintamente nas moradias coletivas e nos cortiços, nas
áreas insalubres da cidade, invadindo cotidianamente as ruas e praças.72

69
Ibidem, p. 7
70
MATOSO, Rafael. Echos da resistência suburbana: uma análise comparativa das contradições sócio-espaciais
cariocas a partir das experiências dos moradores da Freguesia de Inhaúma (1900 – 1903). 2009. Dissertação (
Mestrado)– Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
71
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Ritos de Magia e Sobrevivência: Sociabilidade e Práticas Mágico-
Religiosas no Brasil (1890-1940). Doutorado em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
72
Ibidem, p. 62
33

O crescimento da cidade nos primeiros anos republicanos era inegável e é provável


que aqueles que a ela se dirigiam de alguma forma ouviram sobre as possibilidades de
melhora de vida na capital Federal. É nesse espaço que imigrantes e os natos cidadãos
brasileiros veem múltiplas maneiras de se estabelecerem. Desde os períodos mais longínquos
o Rio de Janeiro era tido como um local receptivo a estrangeiros e habitantes de outras
províncias, mesmo considerando a péssima situação higiênica da cidade. As belezas naturais
aqui presentes eram colocadas como atrativos. A posteriori, O status de capital política e
administrativa também colaborava para esta visão acerca da cidade, além de possuir o maior
porto entre as demais cidades do país, a colocando em uma posição de privilégio entre as
demais.73

No período pós-abolição, a população da cidade cresceu e esse adensamento


populacional também foi afirmado por Nei Lopes:

Os veteranos da Guerra do Paraguai, os flagelados da grande seca, juntam-se


agora, mais e mais, aos negros oriundos de diversas regiões do país, mas
principalmente das províncias vizinhas.74

Outro fenômeno analisado por alguns autores é a presença de negros provenientes de


outras regiões da América, ou seja, eles não estavam relacionados ao desmantelamento do
escravismo no Brasil. Por mais que esse fenômeno possa ser considerado pontual, há de se
destacar a presença desta população negra no Rio de Janeiro. Segundo Mary Karasch, ao
analisar casos que vão até 1850, pode-se supor que estas análises são relevantes nas décadas
posteriores, pois vinham dos Estados Unidos, Uruguai, Cuba e Argentina. É o Caso de John
Nembre, norte –americano preso em 20 de novembro de 1860, com 23 anos de idade, solteiro
e ocupava o oficio de marinheiro75. Tivera vivenciado a prisão por motivos de vagabundagem,
morava em um navio e provavelmente era livre, já que em nenhum momento sua condição
havia sido pontuada pelos tripulantes da embarcação. Caso semelhante é do Francês Arcide,
com 23 anos em 1881, exercia o ofício de cozinheiro, teria sido igualmente preso por
vagabundagem.76 Habitava a Freguesia do Espírito Santo, mas teria sido preso na Freguesia
de Santa Rita e tinha como residência a rua da Misericórdia na Freguesia do Espírito Santo.

73
SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Construindo uma nova vida: migrantes paulistas afrodescendentes na
cidade do Rio de Janeiro no pós-abolição (1888 – 1926), 2001, Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2001.
74
LOPES, 1992. p - 3
75
AERJ, Livro n º4059, s/n º, 1860. (apud SILVA, Lucia Helena de Oliveira. Emergindo do silêncio: libertos e
afro-descendentes no pós-abolição ( 1888 – 1930). p. 13).
76
AERJ, Livro n ºCD 72, s/n º,1881. (apud SILVA, 2009)
34

Outro caso é o de Miguel da Silva, de Origem uruguaia, mais precisamente de Montevideo,


com 24 anos, também havia sido encarcerado no mesmo dia que Arcide. 77 Porém, a partir de
1891, é identificado uma redução da população carcerária de negros. Nas fichas policiais
figuravam imigrantes europeus portugueses, italianos, espanhóis, demonstrando a chegada de
número considerável de imigrantes brancos na cidade e esse fato aumentaria a
competitividade no mercado de trabalho e, além disso, os negros aqui estabelecidos buscaram
outras maneiras alternativas de sobrevivência, ocupando em sua maioria ofícios que exigiam
pouca especialização.

Ao constatar a grande presença de migrantes na cidade do Rio de Janeiro no pós-


emancipação - sendo esses de múltiplas origens italianos, espanhóis portugueses, motivados a
migrar sobretudo por concepções ideológicas atreladas ao racismo cientifico e por diversos
fatores particulares-, ou como em outros casos apontados no decorrer deste capítulo, o
crescimento demográfico da capital após o 13 de maio possui em seu arcabouço uma
amplitude de outros agentes, a exemplo dos nordestinos que foram identificados em meio aos
processos criminais e a população negra que chega à capital antes de 1888. Afirmar que o
crescimento demográfico é fruto apenas dos egressos do cativeiro é contestável mediante
esses fatores.

O desmantelamento do escravismo e o crescimento das cidades e favelas foram


atrelados como causa e consequência em razão da criação de uma ideia coletiva de ligação
entre ambos os fenômenos, o que em partes está ligado ao anseio de industrialização nacional,
que seria alimentada pelo contingente de trabalhadores que migrariam das antigas fazendas,
onde vivenciaram o cativeiro, para os centros urbanos, ao olhar para a concepção liberal de
modernidade que se faz presente nos discursos das elites. Essa, pois, tem como uma das suas
bases a industrialização nada mais natural que de alguma forma esses fatores fossem
interligados no discurso. A possibilidade de chegada desta população mais assustou do que
ocorreu em prática. Nesse sentido, o papel desenvolvido pela imprensa, sendo o alarde criado
em torno da migração dos libertos propagado nos jornais, ganha espaço nas possibilidades de
análise, que parece ter sido muito maior do que o ocorrido.

77
AERJ, Livro n º CD 72, s/n º, 1881.( apud, SILVA, 2009)
35

CAPÍTULO III. O grande medo das elites e o papel da Imprensa na construção da


“migração que não ocorreu”.

3.1. A imprensa como fonte histórica e o grande medo das elites no início do século XX.

A imprensa brasileira adquire grande importância como objeto de análise no final do


século XIX e início do XX e em parte essas alterações se dão por conta da mudança em seu
modo de produção. Por exemplo, novos avanços técnicos foram incorporados na elaboração
dos impressos, quando se tinha um processo que até então era praticamente artesanal, além da
especialização e divisão do trabalho. Máquinas rápidas, modernas e mecânicas geram um
novo processo que leva a inversão do capital, alterando o processo de organizar e produzir
textos, ou seja, antes o que estava concentrado em um único indivíduo, passa a ser fracionado,
tais como: a função do editor, redator e do proprietário.

Os jornais são utilizados como principais veículos de comunicação, sobretudo nas


grandes cidades brasileiras. Dessa maneira, cresce simultaneamente a demanda de leitores e
para isso era necessário organizar novos métodos de distribuição, se utilizar de estratégias
para reduzir o custo dos impressos. Além disso, as grandes questões políticas do período
ecoam nesse meio de comunicação. De certa forma os periódicos sempre serviram como
modo de denúncia política e estavam a serviço não só daqueles que os escreviam, mas
também dos que consumiam o seus conteúdos. A produção e circulação de impressos também
colaborou para a formação de uma opinião pública no Brasil, pois serviam de referência para
pessoas interessadas em debater e criticar ideias liberais e questões políticas relacionadas ao
governo.78

De certo ponto o discurso escrito expressa parte integrante de uma questão ideológica
em grande escala, que refuta, confirma, antecipa algo. O texto é uma produção coletiva,
sofrendo interferência de diversos agentes sociais, dialogando com as ideias que perpassam os
indivíduos e também com o contexto social do momento analisado. Segundo Chartier, não
existe nenhum texto fora do suporte que o permite ler, não existe a compreensão de um texto
que não depende da forma que ele chegue até o seu leitor.79 Por causa disso, é preciso
interpretar os jornais produzidos na época como um campo de narrativas e de produção

78
VIEIRA, Martha Victor. O Surgimento da imprensa política e a retórica da opinião pública na província de
Goiás. Hist. R., Goiânia, v. 21, n. 3, p. 126–142, set./dez. 2016.
79
CHARTIER, Roger. Introdução. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: _____. A História
Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 13-28.
36

intelectual de uma dada visão que se pretende passar e nos quais distintos campos políticos e
ideológicos enxergam um meio de se propagar uma determinada ideia que se deseja
transmitir.

A partir de 1970 outras fontes são utilizados como referencial, dentre estas a imprensa,
e o jornal é utilizado, então, como importante forma de se conceber a ciência histórica. Nesse
sentido, Maria Helena Capelato nos elucida:

Os estudos históricos no Brasil têm dado pouca importância à imprensa


como objeto de investigação, utilizando-se dela apenas como fonte
confirmadora de análises apoiadas em outros tipos de documentaçãoa. (...).
A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a
imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses
e de intervenção na vida social; nega-se, pois aqui, aquelas perspectivas que
a tomam como mero 'veiculo de informações', transmissor imparcial e neutro
dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se
insere.80

É importante ressaltar que a transição entre o Império e a República também foi


marcada pela mudança na organização do trabalho, que passa do modo escravista para o
trabalho livre assalariado, e claramente questões relacionadas a essa temática estariam
expostas nas páginas dos impressos. Contudo, questões relevantes devem ser colocadas: a
quem estes impressos seriam destinados? Qual o público de alcance? Quais interesses estão
em voga no cenário político? Como as elites estão interpretando o fim do trabalho escravo no
campo e a suposta chegada maciça de ex-escravos nos centros urbanos?

Aliado a isso, junto aos jornais surge uma nova elaboração na estrutura de produção.
Para Tania Regina de Lucca, essas alterações eram muito mais profundas e também estavam
ligadas ao conteúdo dos impressos que passam a contar com redatores, articuladores, críticos,
repórteres, revisores, desenhistas e fotógrafos, tudo isso sem abandonar as questões políticas.
Outros gêneros também foram incorporados ao texto jornalístico, como: reportagens,
entrevistas, crônicas e aqueles destinados a grupos específicos como mulheres, matérias sobre
esporte, cultura, críticas sociais, notícias policias e internacionais.81A intelectualidade e a vida

80
DE LUCA, T. R. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, C. B. (org.). Fontes Históricas. São
Paulo; Contexto, 2005. p. 111-153. P - 118
81
LUCCA, Tania Regina de. A Grande Imprensa no Brasil da Primeira Metade do Sèculo XX. In: LUCA, Tania
Regina; MARTINS, Ana Luiza. (orgs.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, v. 1, p. 149-
175.
37

cultural eram postas de forma a tornar público uma série de questões que emergem com o
advento da República. Autores importantes como Nelson Werneck Sodré apontam para a
necessidade de contextualizar o conteúdo da imprensa nesse período perante uma sociedade
majoritamente agrária e baseada na escravidão, por isso o contéudo analisado nesses
impressos devem se atentar a esses fatores. Destaco ainda o advento da República e o Fim da
escravidão, que por sua vez serão objetos de destaque na imprensa do período.

Em razão disso, o papel das elites no período e suas respectivas ideias tomam o
conteúdo dos impressos. Maria Helena Machado, em seu clássico o Plano e o Pânico, aponta
para relevantes questões sociais colocadas desde a década de 1880 até o advento da
República, relacionadas ao crescente número de movimentos escravos pelo fim da escravidão
e simultaneamente no medo que parte das elites em relação a desorganização da mão de obra
do campo, assim como da reação dos negros que constantemente se organizam pelo fim do
regime de exploração. Nesse sentido, a ideia corrente por parte dos proprietários de escravos é
que, ao tomarem a liberdade como realidade, a mobilidade estaria ligada a esse processo,
desde então criou-se a concepção que a desorganização do trabalho nas áreas rurais seria dada
pela migração da população negra para os centros urbanos em ascenção, sobretudo a capital
Federal.

Segundo a autora, o debate sobre o fim da escravidão e as transformações na forma de


domínio não são devaneios. A escravidão, a liberdade e seus limites são redefinidos e surgem
medos de revoltas, expectativas dos senhores, a ação policial frente a liberdade que se
aproxima, assim como o próprio local ocupado por aqueles que estavam no cativeiro. Ao
analisar o significado dos protestos e das políticas de domínio em um cenário de crescente
politização local e nacional, qual seriam os projetos e ideologias? É necessário refletir sobre
concepções que partem de diversos agentes: escravos, abolicionistas, jornalistas, políticos e
operários. 82

A incapacidade dos senhores de controlar o crescimento das revoltas escravas geravam


o pânico entre as elites que viam o fim da ordem escravista se aproximar com o crescente
número de revoltas. Por conta disso, a polícia assume o papel de estabelecer a ordem pública
mediante a inércia dos senhores diante do drama da escravidão no Brasil. No entanto, essa
também não possuía homens suficientes que fossem capazes de conter o crescente número de

82
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O Plano e o Pânico: os movimentos sociais na década da
abolição. 2, ed. Ver. – São Paulo: Editor da Universidade de São Paulo, 2010.
38

insurreições que se espalhavam pelo país. Por conta dessa incapacidade de controlar os
conflitos, as forças policiais teriam agido de maneira a censurar e abafar os assuntos mais
tensos nos últimos anos da escravidão. Logo, essa postura é justificada pelo medo que seria
despertado na população caso a tensão espalhada nas propriedades escravistas viesse a
público. Contudo, o pânico já havia se estabelecido, pois o fim do controle sobre os libertos
ruía a largos passos.

Nesse sentido, Maria Helena aponta como havia um desencontro entre aquilo que era
propagado nos jornais e a realidade que se passara na tensão entre escravos e aqueles que de
alguma forma se amedrontavam diante do aumento de levantes que contestavam a escravidão,
como relatado a seguir:

(...) relatava o próprio chefe de polícia ao presidente da província, que em


visita á região, havia abandonado os métodos dissuasivos que ele mesmo
havia proposto dias antes. Ao deparar-se com os libertos, percebeu-os como
ameaça social, resolvendo prende-los, interrogando-os diretamente. Embora
não tenham conseguido nenhuma prova decisiva com a qual pudessem ser os
suspeitos mantidos presos (...)83

Além disso, penso que o processo de industrialização perpassado pelo então município
neutro gerou a ideia de que há uma necessidade substancial de mão de obra nos novos
processos de produção, ligados às ideias de modernidade que surgiram atreladas ao
liberalismo que se faz presente no pensamento intelectual da época. Esta mão de obra, sendo
então necessária para atuar na indústria incipiente que surgia então no Rio de Janeiro, no
entanto, foi em partes ocupada também por imigrantes europeus que se estabeleceram na
cidade, e não apenas por libertos que chegaram a capital federal.

Essa revisão historiográfica não pretende anular a chegada de negros na cidade no


imediato pós-abolição, mas busca apontar que inúmeros outros fatores precisam ser
reconsiderados nesse processo de imigração, pois o processo se deu no decorrer dos anos e
não de maneira imediata. Por conta disso, a imprensa se torna uma importante fonte no que
tange esta análise ao exemplificar que existe um medo dual: da desorganização do trabalho do
campo e da chegada da população negra para a capital Federal.

O pesquisador francês George Lefebvre, em seu clássico “O grande medo de 1789”,


ao tratar do processo revolucionário francês afirma que isso foi fruto de processos políticos,
econômicos e sociais que reorganizam a França, ou seja, a certa similaridade entre o que se

83
Ibidem, p. 72.
39

passa em ambos os contextos com relação ao medo das elites pelo o que estava por acontecer.
Fato desconhecido por muitos é que, nas semanas seguintes após a queda da bastilha, boatos
ganhavam as ruas de Paris, capital francesa, afirmando que “bandidos” se dirigiam a cidade,
aqueles que supostamente foram libertados pelo fim da prisão estavam livres, e tomariam em
assaltos a população.84

A origem desse “grande medo” se torna um ponto extremamente controverso nos


estudos sobre a Revolução Francesa, inclusive a respeito de sua origem. A principal corrente
afirma que o “medo” era um esforço propagado por aqueles contrários a revolução, cujo
elementos opostos ao movimento revolucionário espalhavam boatos a fim de desgastá-lo,
amedrontando os próprios participantes. Ademais, declaravam ainda que os camponeses
enfurecidos ameaçavam queimar aldeias, cidades e povoados caso suas populações não
estivessem dispostas a acompanhá-los. Essas tentativas geraram resultados, aldeias pegavam
em armas para se defenderem dos que consideravam inimigos.

Penso que estão aí algumas semelhanças entre a ideia de imigração imediata e do


grande medo que se deu no pós-abolição. O que ocorreu no decorrer do século XX foi um
processo que ligava o crescimento demográfico da cidade ao fim da escravidão, que não foi
analisado em um conjunto de outros processos que ocorreram simultaneamente como a
imigração europeia em massa, as mudanças na elaboração do censo e as concepções de
modernidade engendradas pelas teorias racistas que emergem nos círculos intelectuais da
república. Outros fatos que vem a colaborar para essa visão é o surgimento das favelas na
capital Federal, com sua origem ligada diretamente à chegada da população negra na cidade
do Rio de Janeiro.

Os trabalhos que estudam as favelas da cidade não se debruçaram sobre outros


importantes registros como óbitos, certidões de nascimento, registros paroquiais, o que
poderia ter colaborado para obter dados mais precisos sobre a origem daqueles que habitam os
morros da região central da cidade no ínicio do século XX.85 Localizar o processo de
migração no imediato pós 13 de maio teve como objetivo buscar uma origem a um nascente
processo de segregação social que inicia de forma repentina. Nesse sentido, todo o processo
de racialização que embasa a questão foi deixado a margem das analises historiográficas.

84
LEFEBVRE, George. O grande medo de 1789: os camponeses e a revolução e a revolução francesa. Ed:
Campus. 1979.
85
GONÇALVES, R. S. Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: PUC – Rio; Pallas, 2013.
40

Em relação a isso, a imprensa desempenhou um papel fundamental ao servir um


projeto político que atendia aos interesses das elites que simultaneamente possui medo da
desorganização do trabalho no campo e da chegada de um grande contingente de negros na
cidade. Este último se dá pelo receio que parte das próprias elites em estabelecer na cidade um
modelo de população que se distanciava dos padrões de modernidade europeu alinhados à
Belle Époque, à modernidade e ao liberalismo vigentes. Por conta deste papel desempenhado
pela imprensa, analisarei na próxima sessão algumas notícias vinculadas no “Jornal do
Comércio”, que podem apontar alguns caminhos percorridos pela produção de impressos do
período em questão.

3.2. O Jornal do Commercio em uma análise sobre a população negra no pós-abolição.

Com sua primeira publicação em 1º de outubro de 1827, o Jornal do Commercio


ocupou o posto de jornal mais antigo a circular no Brasil, fundado pelo tipógrafo Parisiense
Pierre René François Plancher de La Noé e estabelecendo sua oficina de produção no Rio de
Janeiro, na qual buscava competir no mercado de impressos, que até então era monopolizado
pelo Diário do Rio de Janeiro. Como seu próprio nome aponta, seu objetivo inicial era
meramente tratar do comércio. Além disso, é importante ressaltar que o jornal possuía uma
linha tradicionalmente conservadora, ou seja, entende-se que o pensamento partilhado pelas
elites encontrava espaço nas páginas do impresso e penso que este aspecto tenha sido
responsável por garantir a sua longevidade comparado a outros impressos da época.

Consta que, ao chegar ao Rio de Janeiro, o seu fundador francês adquiriu laços
próximos ao imperador, o que lhe havia garantido certa estabilidade, sendo identificado como
um impressor imperial, imprimindo folhetos, leis, livros e papéis avulsos, não sendo capaz de
impedir que o impresso fosse fechado em 1827 após publicação de um texto considerado
ofensivo à Assembleia Geral do Império. Depois desse acontecimento, Pierre retornou às suas
atividades e tornou o seu jornal voltado apenas para assuntos comerciais e econômicos,
deixando os temas políticos em segundo plano. Ainda no período Imperial, é possível
constatar o aspecto político do impresso, no qual liberais e conservadores expressavam suas
opiniões sobre o monarca.86

Com o advento da República em 1889, a postura conservadora do Jornal do


Commercio permaneceu intacta, na qual muitas vezes não expressa opiniões claras acerca de

86As informações relacionadas a história do Jornal do Commercio estão disponíveis no acervo da Hemeroteca
digital, disponível no link < http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/>.
41

temáticas que efervesciam no momento. Eram essas as orientações dadas por Francisco
Antonio Picot, que comandava à distância o chefe de redação João Carlos de Sousa Ferreira.
Contudo, em 1890, o governo republicano enxerga que seus antigos dirigentes estavam
demasiadamente associados à imagem do Império, levando o periódico a ser adquirido por
José Carlos Rodrigues, homem de vasta experiência no jornalismo e na política. Havia sido
colaborador do Jornal do Commercio nos Estados Unidos a partir de 1868, para depois, no
período entre 1882 e 1890, atuar em Londres, onde também colaborava com o Times e o
Financial News.

No início da República o jornal figurou entre o de maior expressão entre os impressos


nacionais, onde o Repórter Ernesto Sena esteve entre os nomes de peso do jornalismo ao lado
de outros, como João Luso e Carlos Laet. O valor que era necessário desembolsar para
adquirir um exemplar nos diz muito sobre o público para qual era dirigido, assim como o teor
do que era publicado nele, entre 30 e 60 mil réis, ou seja, um valor que não era acessível às
camadas mais populares, mostrando-nos que este circulava entre os grupos mais privilegiados
e contava com o número de páginas entre 10 e 12. O apoio a qualquer governo se mantinha
como uma marca do impresso que era lido pelos homens de negócio, funcionários de alto
escalão e políticos.

Tendo esses dados, chega-se à conclusão de que o jornal em questão possuía um


público alvo, o que nos leva a crer que a produção ali colocada dialogaria com os seus
leitores. Sendo um jornal voltado para as elites, é evidente que o pensamento delas estaria
figurado nessas páginas.

Retomando ao cenário pós-abolição, o grande medo que perpassa os ex-proprietários


de escravos iria figurar nas páginas dos impressos, receio da desorganização do trabalho no
campo, que por sua vez era justificada pela ida dos libertos para as cidades, pois segundo o
que consta, há uma preferência pelo trabalho nas indústrias:

IIude-se crassamente quem quer que acreditar que a nossa riqueza há de ser
a agricultura. Esta vive hoje com restrições, de meros expedientes, fazendo
para comer. Os libertos preferem as fabricas aos antigos eitos, e a atividade
industrial manifesta-se pujantemente, tal é a confiança na tarifa (...)87

De acordo com o trecho exposto acima, haveria uma preferência por parte dos libertos
em se estabelecerem nas indústrias, todavia, ao considerar as indústrias que se estabelecem no

87 Jornal do Commercio. Impostos de importação. 04 jan. 1890.


42

Rio no período, seguindo as ideias de modernidade e desenvolvimento da República, ainda


eram muito incipientes. Logo, a mão de obra necessária a atuar nelas não abarcaria tamanha
população negra que se dirigiria a então capital federal. Nesse sentido, deve-se considerar
ainda a população que já habitava a cidade, que somada ao grande contingente de estrangeiros
disputaria os postos de trabalho com os recém-libertos. Penso que não é razoável estabelecer
essa relação entre industrialização e o crescimento populacional, exclusivamente por conta
dos libertos que a ela se dirigiriam.

Ao analisar os dados do censo, é possível observar um movimento migratório para a


cidade que não ocorreu no imediato pós-abolição, mas no decorrer da década de 1920. Além
de tudo, é válido reforçar que nos censos realizados, sobretudo o de 1890, não existe uma
preocupação em saber a origem das pessoas que se estabeleceram no Rio de Janeiro, nem de
suas motivações, pois os questionários são extremamente superficiais. Esse quadro nos leva a
crer que, de fato, há uma necessidade de pesquisas e fontes que explorem mais essas questões.

Outras variáveis devem ser analisadas, a fim de apresentar uma perspectiva que não
seja apenas econômica, e por conta disso o papel da imprensa deve ser considerado como
elemento crucial nesse processo. Sendo assim, os jornais da época tiveram um papel
importante, inclusive no impedimento da migração em massa do campo para a cidade:

(...) de modo que os libertos de 13 de Maio voltem aos estabelecimentos


abandonados e assim também sejão contidos todos aquelles, qualquer que
seja a sua origem, que não concorrem para a riqueza nacional!88

Ao analisar as edições do Jornal do Commercio que compreendem o imediato pós-


abolição noo ano de 1890, foi possível localizar algumas matérias que corroboram com essa
análise, demonstrando que havia um esforço por parte das elites em impedir a migração dos
ex-escravos para os grandes centros. Ou seja, não existe apenas o receio oriundo das elites
rurais no que tange a desorganização do trabalho no campo, mas há também um receio por
parte das elites urbanas na chegada da população negra as cidades:

De feito, vendo obstruído o caminho directo para a indenização, o


escravismo pedio, como transacção, leis coercitivas que obrigassem o liberto
a ficar nas fazendas dos seus ex-senhores. Para dissimular a violência de
semelhante arbítrio, aconselhou o governo que mandasse tropa para o

88
Jornal do Commercio. Viver ás Claras. 10 jan. 1890.
43

interior, afim de impedir o êxodo dos libertos, visto como podião dele
resultar mortes e latrocínios.89

Na ligação que se estabelece entre o jornalismo nacional e o estrangeiro, sobretudo


com os Estados Unidos, o trânsito entre a experiência externa do processo Norte-americano
com o brasileiro pode ter colaborado para uma preocupação exagerada com o processo de
migração. Como foi apontando por Eric Foner, a chegada da população negra do Norte nos
grandes centros urbanos provocou uma disputa acirrada nas relações de trabalho e aumentou
sobremaneira as tensões raciais, além de ter gerado uma enorme segregação social,
ocasionando no crescente número de pessoas pobres nas grandes cidades.

De certa forma, as notícias que são propagadas nos jornais colaboram para a
manutenção dos negros nas antigas áreas onde vivenciaram o cativeiro, principalmente ao se
considerar o Vale do Paraíba, região que possui maior proximidade com o então município
neutro. Carlos Eduardo Coutinho, ao analisar o jornal Correio da Lavoura, dá ênfase à
máxima “faltam braços no campo e sobram pernas na cidade”, discursos que geram impacto
naqueles que viam na possibilidade de migração uma mudança de sua realidade, mas ao terem
contato com os anúncios propagados na imprensa reconsiderariam essa possibilidade.

Outras manchetes apontam para a preocupação dos proprietários em manter os libertos


em seus domínios, o que de certa forma demonstra que ocorre a permanência dos libertos nas
suas antigas propriedades:

E’ com immensa satisfação que posso comunicar não se ter retirado da


fazenda pessoa alguma do pessoal encontrado ao tomar posse da referida
propriedade, pelo contrario diariamente se apresentão pedindo ocupação
muitos dos libertos e outros empregados que se havião retirado
anteriormente.90

Em Edição do Jornal do Commercio do dia 17 de janeiro de 1890, ou seja, no imediato


pós-abolição, fala-se sobre a questão da imigração. No dia 10 de janeiro do mesmo ano a
diretoria da sociedade central de imigração havia se reunido sob a organização do Sr. General
Visconde de Beaureparie Rohan, em que uma das questões colocadas estava nos números da
imigração, cujo último levantamento publicado havia sido em outubro do ano anterior, o que
despertara uma certa preocupação. Nela, a diretoria solicitou ao governo que esses
89 Jornal do Commercio. 12 de set. 1890.
90
Jornal do Commercio. Companhia Agrícola Brazileira. 15 de jan. 1890
44

levantamentos voltassem a ser publicados mensalmente. Em seguida, é lido o pronunciamento


do Senhor Alberto Brandão, então diretor da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro,
que reconhece a grande presença de ex-escravos no trabalho do campo, inclusive ressalta que
esses são a maioria diante de outros trabalhadores:

Bem estudadas as cousas, reconhecerá até o observador imparcial que, na


maior parte dos ociosos e dos taes prejudiciais, de que falta a tal exposição,
não devem ser incluídos esses líberos, a quem se parece aludir com tamanha
sobranceria aristocrática, quando sobre esses é que cabe ainda o peso de
quase todo o trabalho realizado no interior. 91

Na edição do mesmo jornal, publicada em 28 de fevereiro, em uma matéria com o


título “A crise da lavoura”, com um claro aspecto sensacionalista é possível observar
algumas críticas a emancipação escrava. A crítica do texto analisado afirma que após as
comemorações realizadas por conta do fim do cativeiro se sucedem preocupações em relação
as lavouras de café. As mesmas, que em dado momento teriam sido fonte da riqueza nacional,
agora eram tomadas pelo mato e por pragas que as destruía. E segue afirmando que o trabalho
estava “desorganizado por todo o lado que se via”. Assim como as ferrovias, que nos tempos
do escravismo serviam como meio de transportar os frutos da colheita. De autoria
desconhecida o mesmo segue afirmando que “ a lavoura que existia morreu em 13 de maio”.
Segundo o escrito a responsabilidade por este feito era dada monarquia, que havia permitido
que a crise do império chegasse a tal situação, e simultaneamente os republicanos também
sentiriam as consequências deste processo que chegaria a todos.92

Ao comparar esses dados com entrevistas realizadas por Ana Lugão Rios, arquivadas
no Laboratório de História Oral da UFF, Carlos Eduardo Costa conseguiu constatar que a
migração definitiva ocorreu apenas com os nascidos após 1888. Baseado nos depoimentos
selecionados pelo autor, este movimento se iniciou em meados da década de 20, quando os
descentes não haveriam encontrado as mesmas condições que seus antepassados para
permanecerem no campo, e por conta disso buscam melhores possibilidades de inserção social
em outras localidades, onde o fenômeno teria tido seu auge em 1930 e finalizado em 1940.93

91 Jornal do Commercio. 17 de jan, 1890.


92 Jornal do Commercio. A crise da lavoura. 28 de fev. 1890.

93
COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. Migrações negras no pós-abolição do sudeste cafeeiro (1888-1940).
In: Topoi (Rio J.) vol.16 no.30 Rio de Janeiro Jan./June 2015. p 101-126.
45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa ao se debruçar sobre o pós-abolição buscou se enveredar por novas


narrativas, em um campo de estudo que ainda busca melhores definições ao propor suas
problematizações, sobretudo aquelas voltadas para a experiência dos negros no período que
sucede o fim da escravidão no Brasil. Neste sentido é de fundamental importância demonstrar
por meio da pesquisa que problemas históricos que aparentemente já haviam sido
considerados como “solucionados”, neste caso da grande migração em massa que se
direcionou ao Rio de Janeiro no início do século XX, precisam ser revisitados, afim de propor
novas questões, por meio da análise de um maior número de fontes históricas e até certo ponto
propor novos questionamentos a fontes documentais que já foram analisadas por historiadores
em outros momentos.
A ação dos libertos tem se tornado tema de grande interesse dentro do campo da
pesquisa e neste sentido ao considerar a experiência migratória dos libertos frente a sua
liberdade, sobretudo no Continente Americano o que foi vivenciado em via de regra foi a
permanência da população negra na zona rural, principalmente nas propriedades onde
vivenciaram o cativeiro. Por conta da dificuldade de fontes que tratem da experiência dos
libertos no Brasil, autores recorrem a diversas formas de buscar respostas a estas questões,
como o uso do relato de descendentes de libertos, que relatavam como seus familiares e
descendestes buscaram se organizar frente à liberdade adquirida. A ação dos libertos diante da
emancipação é diversa, as múltiplas formas de inserção social dos negros foram capazes de
demonstrar a ressignificação que deram a herança da escravidão.
No final do século XIX a uma mudança na postura dos negros frente ao cativeiro, que
ora fugiam amedrontados, agora se revoltam contra a escravidão exigindo sua liberdade. Não
havia mais um sentimento de medo em meio aos negros, mas, de afrontamento e resistência
diante dos fazendeiros. Neste cenário a migração surgiu como ação de escolha frente à
liberdade adquirida. Neste sentido os migrantes em sua maioria se dirigiam para terras
disponíveis ou mudavam constantemente de fazendas no pós-abolição. Porém, nos últimos
anos de escravidão muitos proprietários conseguiram manter seus ex-cativos nas suas antigas
fazendas.
O deslocamento espacial não ocorre apenas após o treze de maio, desde o período
colonial o transito dos libertos para diferentes localidades já era uma realidade, que tende a se
intensificar a partir do inicio do século XX. Contudo, afirmar uma chegada maciça destes
46

indivíduos a Capital Federal não parece coerente. Este trabalho não buscou negar a realidade
desta experiência que de fato foi vivenciada por parte da população negra, no entanto, ela não
ocorreu da forma e na proporção que foi afirmado até o presente momento.
Uma série de fatores foram considerados para se chegar a esta conclusão, dentre os
quais ganha espaço a elaboração do Censo de 1890, que possui uma série de incoerências em
sua organização, que por sua vez não ocorrem por acaso, as mesmas foram inseridas frente a
uma mentalidade liberal entremeada pelo racismo cientifico que ganha força nos primórdios
da República. Ao buscar apresentar uma população mais branca, inserindo o Brasil em um
modelo de progresso e modernidade presente no cenário internacional o fator cor desaparece
dos levantamentos, sendo substituído pelo fator raça. Onde, há uma ênfase em se quantificar
imigrantes europeus, brancos, que de certa maneira afastariam a herança tida como
degeneradora da raça negra.
Ao inserir termos como “mestiços” e “caboclos” se estabeleceu certa fragilidade nos
dados levantados, principalmente no que diz respeito a interpretação relativa de quais pessoas
poderiam ser classificadas como tais. Além disso, ao não considerar o local de origem dos
habitantes da então Capital Federal não se torna palpável afirmar com veemência que o
crescimento demográfico era fruto da chegada de libertos. Penso que este trabalho mostra que
há uma divisão racial no início do século que arquitera um perigo direcionado a população
negra, que busca colocar a população branca em evidencia, demonstrando que a população
negra era inferior. O que de certa forma neutralizava esta população no avanço da busca por
suas demandas.
A pluralidade dos habitantes do então município neutro era uma clara realidade, que se
torna possível inclusive pelo estímulo à imigração por parte da elite agraria e do próprio
Estado. Italianos, espanhóis e portugueses estiveram na cidade. E não só estes, mas
nordestinos que haviam sido atraídos e constavam nos inquéritos policiais e até mesmo a
população negra que de certa forma pode ter chegado no intervalo compreendido entre 1872 e
1890, não necessariamente todos os negros aqui estabelecidos eram frutos do 13 de maio. Não
apenas a região central desenvolve atração, mas outras localidades, inclusive bairros do
subúrbio possuíam uma dinâmica de atração própria, permitindo que os mesmos também
vivenciassem a chegada de novos habitantes em suas localidades.
Houve medo por parte da elite rural da desorganização do trabalho no campo e junto a
isso ocorre um receio por parte daqueles que habitam o Rio de Janeiro da possibilidade de
uma chegada em massa de negros provenientes das fazendas para a cidade. Este medo não
estava presente apenas em 1888 e 1889, no decorrer da década de 1880 com o crescente
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levante de escravos no campo o medo se estabeleceu entre seus proprietários, o receio das
revoltas e a possibilidade da ausência de mão de obra no cultivo da terra.
O “grande medo” cresce exponencialmente e gerou a máxima da retirada dos libertos
da cidade para o campo, que viria a engrossar a disputa por postos de trabalho nas fábricas,
que na disputa entre nacionais e imigrantes seria gerado um grande número de desempregados
urbanos.
A imprensa desempenhou um papel de fundamental importância, ao estampar nas
paginas de seus impressos o “grande medo” que se espalhara por todos os cantos. O Jornal do
Commercio, veículo de grande circulação no período desempenhou um papel fundamental no
ano de 1890, ao expor em suas letras noticias que estimulavam a vinda de libertos pra cidade
e ao mesmo tempo outras que afirmavam a necessidade de se manter a população negra no
campo. A imprensa teve um papel importante no alarde sobre a migração de libertos para a
capital Federal. Porém, ainda se faz necessário que outras fontes sejam melhor analisadas,
inclusive outros impressos, afim de identificar em qual proporção se deu a influência destes
na ideia do crescimento demográfico gerado pela população negra.
Além disso, existe uma necessidade dos pesquisadores que estudam a formação das
favelas, sobretudo da região central da cidade se utilizem de outras fontes que permitam
compreender a origem de seus habitantes: certidões de nascimento, registros de óbito e até
mesmo fontes criminais. Pois, foi desenvolvida a ideia de que a formação destes espaços se
deu pela população negra e por aqueles que foram expulsos do centro da cidade no processo
de reformulação do espaço urbano no início do século XX, sobretudo após o “bota-abaixo”
promovido pelo então prefeito Pereira Passos.
Em via de regra a explicação mais generalizada que se utilizou no mundo inteiro foi a
teoria da liberação da mão de obra do campo para a cidade, gerando um exercito de reserva de
trabalhadores que serviria como mão de obra para a futura industrialização, e no caso do
Brasil não foi diferente. A trajetória de ex-escravos que se segue após 1888 foi fruto de
notícias alarmantes veiculadas pelos jornais da época e pelas ideias liberais que vislumbravam
a modernização do Brasil, como forma de inseri-lo nas correntes de pensamento que
figuravam no contexto internacional.
Como apresentando neste trabalho a imigração em massa da população negra para o
Rio de Janeiro mais assustou do que se efetivou. Me levando a crer que este processo que até
então foi propagado de fato não ocorreu, mas que se propagou no decorrer de um longo
espaço de tempo. Haja vista que para alguns o fim da escravidão era a ultima etapa necessária
para a liberação da mão de obra que seria necessária para a industrialização brasileira.
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