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PROLETARIZAÇÃO1
BRYAN D. PALMER
1
Texto originalmente publicado em Socialist Register 2014 (Registering Class), London, The Merlin
Press, 2013, pp. 40-62. Tradução Renato Rodrigues da Silva.
2
MARX, Karl. Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia
política. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 388.
3
Nota do tradutor: No original ‘shop steward’. Expressão que se refere a um delegado eleito por
trabalhadores e trabalhadoras pra negociar diretamente com a administração do lugar onde trabalham.
4
Ver, por exemplo, as discussões sobre “política de rendimentos” em A.J. Topham, ‘Background to the
Argument’, Ken Coates, ‘A Strategy for the Unions’, e Ralph Miliband, ‘What Does the Left Want’,
Socialist Register 1965, New York: Monthly Review Press, 1965, pp. 163-94; assim como Richard
Hyman, ‘Workers’ Control and Revolutionary Theory’, Socialist Register 1974, London: Merlin Press,
1974, pp. 241-78.
5
Nota do tradutor: No original “wildcat strike”. Expressão que se refere a greves sem aviso prévio, como
é exigido em muitas legislações. Mas “wildcat” é um termo usado pra felino de grande porte e selvagem,
o que faz referência à ideia de “selvagem”.
6
Bryan D. Palmer, ‘Wildcat Workers: The Unruly Face of Class Struggle’, Canada’s 1960s: The Ironies of
Identity in a Rebellious Era, Toronto: University of Toronto Press, 2009, pp. 211-41.
dos anos 1970, por muita discussão sobre o “blues de colarinho azul”7 nas fábricas da
General Motors com a dispersão de uma linha de montagem complexa em Lordstwon,
Ohio.8 Detroit deu a luz à Liga Revolucionária dos Trabalhadores Negros.9 Ben Hamper
identificou um fenômeno de resistência no chão de fábrica, que chamou de “Rivethead”;
este fenômeno derivaria menos de uma crença individual de fuga do trabalho e mais de
um afiado antagonismo de classe.10 Maio de 1968 testemunhou a união de trabalhadores
e trabalhadoras em grandes protestos na França,11 enquanto o governos dos conservadores
[tories] de Edward Heath no outro lado do canal [da Mancha] ruía em 1974. Uma
intensificação do conflito de classe nos quatro primeiros anos da década derrotou a
legislação anti-sindical, acabou com o congelamento de salários e desencadeou a
ocupação de fábricas por militantes, evitando o fechamento de fábricas. Duas greves de
mineradores – uma em 1972, outra em 1974 – finalmente selou o destino dos
conservadores. Elas ajudaram a trazer o Partido Trabalhista de volta ao governo, com a
retórica militante de uma “mudança fundamental no poder de classe”, proposta por
aqueles nas suas fileiras que percebiam um descompasso visível em sua liderança
morna.12
7
Nota do tradutor: No original, blue collar blues. O autor joga com o trocadilho entre blues (melancolia,
insatisfação) e o fato de trabalhadores e trabalhadoras braçais e operários serem chamados de “colarinho
azul”.
8
Barbara Garson, ‘Luddites in Lordstown’, Harper’s Magazine, June, 1972, pp. 68-73; Judson Gooding,
‘Blue-Collar Blues on the Assembly Line’, Fortune, July, 1970, pp. 112-3; Jefferson Cowie, Stayin’
Alive: The 1970s and the Last Days of the Working Class, New York and London: New Press, 2010.
9
James A. Geschwender, Class, Race, and Worker Insurgency: The League of Revolutionary Black
Workers, Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
10
Bill Watson, ‘Counter-planning on the Shop Floor’, Radical America, May-June, 1971; and Ben Hamper,
Rivethead: Tales from the Assembly Line, Boston: Warner, 1991.
11
Daniel Singer, Prelude to Revolution: France in May 1968, Boston: South End Press, 2002; Kristin Ross,
May ’68 and Its Afterlives, Chicago: University of Chicago Press, 2002.
12
Sobre conflito de classe ver: Richard Hyman, ‘Industrial Conflict and the Political Economy’, Socialist
Register 1973, London: Merlin, 1973, pp. 101-54, que pesquisa a década de 1960 e o início da década de
1970. Sobre a greve de mineiros de 1972, E.P. Thompson, ‘A Special Case’, Writing by Candlelight,
London: Merlin, 1980, pp. 65-76. Ver também L. Panitch, Social Democracy and Industrial Militancy,
Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1976, 204-34.
lento e consistente aumento da densidade dos sindicatos. Estes viram, ao longo do tempo,
a percentagem da força de trabalho não-agricultora associadas a organizações sindicais
subirem até 35 por cento, mesmo no bastião do “excepcionalismo” ostensivo, os Estados
Unidos. Estas vitórias desaceleraram, pararam e esfarelaram.
13
Mike Davis, ‘Spring Confronts Winter’, New Left Review, 72(November-December), 2011, p. 15. Ver
também Kwan Lee, Against the Law: Labour Protests in China’s Rustbelt and Sunbelt, Los Angeles:
University of California Press, 2007.
revigorante, mas um certo pessimismo pode também estar na ordem do dia. A consciência
de classe e o apetite pela militância no seio do proletariado chinês está sujeito a um grande
número de restrições, incluindo limitações na agência da classe trabalhadora. Estas
limitações são características das relações de classe forjadas no caldeirão do Estado
estalinista-maoísta, saindo de uma economia planejada em direção a uma integração
numa ordem global capitalista com a qual ainda precisa se alinhar totalmente.
14
Os primeiros comentários sobre a crescente importância da economia informal apareceram em Manfred
Bienefeld, ‘The Informal Sector and Peripheral Capitalism’, Bulletin of the Institute of Development
Studies, 4, 1975, pp. 53-73; e a importância do setor informal em termos da formação de classe Africana
é discutida em Bill Freund, The African Worker, Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
15
Mike Davis, Planet of Slums, New York and London: Verso, 2006, p. 178.
Essas classes então necessariamente ocupam diferentes lugares de classe, com interesses
de classe contrapostos àqueles em outros setores de trabalho. É o propósito deste artigo
sugerir que esse tipo de pensamento (que recentemente ganhou destaque) é antagônico a
elementos basilares do pensamento marxista e irá, inevitavelmente, ter consequências em
termos de luta e prática que são divisivas e contraprodutivas.16
16
Nem toda a recente literatura sobre precariedade está mal encaminhada. Apesar de abordar o tema de
uma perspectiva completamente diferente do presente artigo, abordando o precariado a partir de uma
perspectiva de estudos culturais e colocando ênfase excessiva na “economia de conhecimento”,
“indústrias criativas” e “revoluções culturais”, Andrew Ross recusa a sugestão de que o precariado é
necessariamente uma formação de classes cruzadas e que não há nada que una aqueles que trabalham em
setores como o proletariado tradicional, sindicalizado e aqueles que se encontram em empregos mais
precários. Ver seu Nice Work If You Can Get It: Life and Labor in Precarious Times, New York and
London: New York University Press, 2009.
17
Guy Standing, The Precariat: The New Dangerous Class, London and New York: Bloomsbury
Academic, 2011. Para esta citação nesse parágrafo e nos subsequentes, ver especialmente p. vii, 8-9, 154,
159, 183.
Esse é um novo capítulo do que já é um “recuo da classe”18 de três décadas. Ele
está ironicamente centrado na insistência de que as velhas estruturas e agências de classe
foram substituídas por novas, a despeito das formações de classe que são definidas pela
sua distância das estruturas de lugar de classe e das muitas desestabilizações que separam
essa nova classe precária do que costumavam ser as pedras de toque da identidade da
classe trabalhadora. Standing propõe a existência de uma escada de estratificação que
ordena as classes mais baixas da sociedade em componentes distintos: a classe
trabalhadora manual; o exército de desempregados; os desajustados [misfits] que possuem
uma existência completamente marginalizada; e o precariado composto majoritariamente
por jovens.
18
Ver, por exemplo, Ellen Wood, The Retreat from Class: A New ‘True’ Socialism, London: Verso, 1986;
e Leo Panitch, ‘The Impasse of Working Class Politics’, Socialist Register 1985/6, London: Merlin, 1986;
assim como os artigos subsequentes em ‘The Retreat of the Intellectuals’, Socialist Register 1990,
London: Merlin, 1990.
19
Nota do tradutor: O termo original “denizens” significa algo que não é natural de algum lugar mas que
se adaptou perfeitamente a ele, criando até mesmo raízes e se reproduzindo. Pode ser usado como forma
de falar de vegetais e espécies animais, mas também para cidadãos naturalizados.
redor de seu estandarte como uma questão quase que de seleção natural. “O precariado
não é vítima, vilão ou herói”, ele escreve, “é apenas muitos de nós”.
20
Ver Ricardo Antunes, ‘The Working Class Today: The New Form of Being of the Class Who Lives from
its Labour’, Workers of the World: International Journal on Strikes and Social Conflict, 1(2), January,
2012.
21
K. Marx, “Posfácio da segunda edição”, in K. Marx, O capital – Livro 1, trad. Rubens Enderle. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2013. p. 91. Citação do original em: Karl Marx, Capital: A Critical Analysis
of Capitalist Production, Volume 1, Moscow: Foreign Languages Publishing House, n.d., p. 20.
Grundrisse, concluindo que “A destruição violenta de capital, não por circunstâncias
externas a ele, mas como condição de sua autoconservação, é a forma mais contundente
em que o capital é aconselhado a se retirar e ceder espaço a um estado superior de
produção social.”22
Formação de classe, algo sobre o qual Marx escreveu relativamente pouco, nunca
foi separável desse entendimento de capitalismo como crise. Épocas anteriores viram a
sociedade se fragmentar em “classes distintas, uma múltipla gradação de posições sociais
[...] patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos, [...] vassalos, mestre de corporações,
aprendizes, companheiros, servos”.24 O capitalismo, em contraste, “caracteriza-se por ter
simplificado os antagonismos de classe.” Sob o ímpeto revolucionário da burguesia, a
sociedade civil foi dividida em “dois campos opostos, em duas grandes classes em
confronto direto: a burguesia e o proletariado.”25 Este era, para Marx e Engels, o fato
sócio-político fundamental das relações humanas do capitalismo. A despeito da classe
trabalhadora estar pluralizada (no linguajar político da época), fragmentada por
identidades com caráter de nacionalidade, religião, moralidade e status, Marx e Engles
insistiram que os proletários, recrutados de todas as classes anteriores, estavam
finalmente sendo aproximados em uma associação inevitável pelo que lhes faltava:
propriedade. Uma expropriação original, generalizada (eventualmente através de
22
K. Marx, Grundrisse, trad. Mario Duayer e Nélio Schneider, São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. p.
1034. A referência do original é: Marx, Grundrisse, pp. 749-50.
23
K. Marx & F. Engels, Manifesto Comunista, trad. Álvaro Pina, org. e introd. Osvaldo Coggiola, São
Paulo: Boitempo Editorial, 2005. p. 45. No original, citação de: Karl Marx and Frederick Engels,
‘Manifesto of the Communist Party’, in Karl Marx and Frederick Engels, Selected Works, Moscow:
Progress, 1968, pp. 36-46.
24
Marx e Engels, Manifesto, p. 40.
25
Marx e Engels, Manifesto, p. 41.
gerações) pela despossessão, definiu a massa da humanidade como inerentemente oposta
à poderosa e proprietária minoria, e os isolamentos da vida de trabalho dariam lugar “a
uma combinação revolucionária”. O capitalismo e a burguesia produziram “seus próprios
coveiros”. Essa reflexão é fundamental para o que Marx e Engels insistiam ser um
processo, calcado em que tudo que é sólido desmancha no ar, de homens e mulheres sendo
finalmente “compelidos a encarar sobriamente” suas “reais condições de vida.”26
26
Marx e Engels, Manifesto, p. 40, 41. No original, a citação é a apenas Marx and Engels, ‘Manifesto’. O
texto original de Brian Palmer só possui notação ao final do parágrafo, não referenciando as frases
anteriores.
27
Ver PALMER, Bryan D. ‘Social Formation and Class Formation in Nineteenth-Century North America’,
in David Levine, ed., Proletarianization and Family History, New York: Academic Press, 1984, pp. 229-
308.
constitui, na realidade, um momento da reprodução do próprio capital.
Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado.28
28
Marx, Capital, p. 690.
29
No original, Marx, Capital, pp. 568, 612-6. Ver também Marx, Grundrisse, esp. pp. 483-509.
30
Christopher Hill, O mundo de ponta-cabeça. Idéias radicais durante a Revolução Francesa de 1640.
Trad. e apresentação, Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 65. No original,
Christopher Hill, The World Turned Upside Down: Radical Ideas during the English Revolution, New
York: Viking, 1972, p. 39.
Foi desse “submundo” que as tripulações de embarcações e exércitos foram recrutados, e
dos quais os assentamentos migratórios que povoou o novo mundo foi formado.31
31
Idem.
32
Nota do tradutor: O original é “black-coated worker”, um termo que pode indicar tanto membros do clero
quanto trabalhadores e trabalhadoras de escritórios (um sinônimo da expressão é “pencil pusher”). A
dificuldade em traduzir esta expressão está no fato de que ela é utilizada para diferenciar quem trabalha
em escritórios de quem executa trabalhos manuais.
33
A literatura que poderia ser citada é imensa, e Londres é a grande referência entre 1850 e 1890 pelas
pesquisas sociológicas pionerias de Henry Mayhew e Charles Booth. Ver, para outro comentário útil,
Raphael Samuel, ‘Workshop of the World: Steam Power and Hand Technology in Mid-Victorian Britain’,
History Workshop Journal, 3, 1977, pp. 6-72; Gareth Stedman Jones, Outcast London: A Study in the
Relationship Between Classes inVictorian Society, Oxford: Oxford University Press, 1971; e para a
França, Louis Chevalier, Laboring Classes and Dangerous Classes in Paris During the First Half of the
Nineteenth Century, New York: Howard Fertig, 1973; Robert Stuart, Marxism at Work: Ideology, Class
and French Socialism during the Third Republic, Cambridge: Cambridge University Press, 1992, pp. 127-
79.
trabalho e os pobres em Londres emergiram aproximadamente ao mesmo tempo que os
comentários de Marx e Engels. Mayhew analisou a medida em que o mercado de trabalho
capitalista estava estruturado em uma série de formas arbitrárias. Ele [o mercado] era
dependente do trabalho que podia apenas ser conduzido sazonalmente, a depender de
modismos e acidentes, ordenado por sobretrabalho e pequenos golpes no comércio de
varejo, constantemente reconfigurado pela diluição de perícias, que viu mulheres e
crianças serem inseridas em ofícios específicos para reduzir salários, reestruturado por
inovações de gestão e de maquinaria. Recrutados para as metrópoles pela dissolução das
relações baseadas na terra e a destruição do artesanato aldeão, trabalhadores e
trabalhadoras assalariados e assalariadas lutaram através do tempo com disciplinas
impessoais de um mercado de trabalho sempre abarrotado de limitações agudas. Mayhew
concluiu que o empregamento regular estava disponível para aproximadamente 1,5
milhões de trabalhadores e trabalhadoras, enquanto trabalho de meio expediente podia
garantir uma cifra extra de outro 1,5 milhão, com mais outro 1,5 milhão que estariam
totalmente desempregados ou trabalhando ocasionalmente apenas ao desalojar aqueles
que consideravam trabalhos específicos como o seu terreno de atuação.
34
E.P. Thompson, The Making of the English Working Class, Harmondsworth: Penguin, 1968, esp. pp. 9-
11, 276-7, 887-8. Isto não nega o que Thompson iria sublinhar posteriormente, e que é congruente com
O ponto é que não há nada de novo sobre fragmentações da experiência de classe,
como uma rica historiografia revela, e como é evidente na Formação de Thompson, com
seus relatos de protoindustrialização e trabalhadores a domicílio, do campo, de ofícios em
decadência, “Rei multidão” e “Igreja multidão”, sociedades obscuras de quebradores de
máquinas, os habitantes das “Fortalezas de Satã” e artesãos metropolitanos. Classe
sempre corporificou diferenciação, insegurança e precariedade. Assim como a
precariedade é historicamente inseparável da formação de classe, há invariavelmente
diferenciações que aparentemente separam aqueles com acesso a empregos estáveis e
pagamentos seguros daqueles que precisam correr atrás de trabalho e acesso a salário.
Expropriação é, portanto, uma experiência altamente heterogênea, uma vez que nenhum
indivíduo pode ser desapropriado da mesma maneira que outro, ou viver no processo de
alienação material exatamente como outro indivíduo o faria. Ainda assim, no geral
despossessão define a proletarização. É a metafórica marca de Caim estampada em todos
os trabalhadores e trabalhadoras, independente do seu nível de emprego, taxa de
pagamento, status, nível de salário ou grau de ausência de salário regular
[wagelessness].35
Essa tem sido a premissa de muitas das análises marxistas, evidente, por exemplo,
no (admitidamente genderizado) título do estudo de Martin Glaberman sobre a classe
trabalhadora dos Estados Unidos nos anos 1960, “Seja seu pagamento alto ou baixo” [Be
His Payment High or Low]. Glaberman notou, décadas atrás, que “o que está envolvido
através das indústrias não é a substituição de homens por máquinas automatizadas, mas
o descarte dos homens, o mover de outros e ainda trazer outros para a classe trabalhadora
industrial e a reorganização do processo de trabalho”.36 Este tipo de constante
os escritos subsequentes de Michael Lebowits e David Harvey, que Marx, em sua fixação por assinalar
uma anti-estrutura contraposta à estrutura da economia política convencional falhou em teorizar
adequadamente a formação de classe como algo que não seja o objeto da apropriação acumulativa de
excedente. Ver THOMPSON, E.P. Thompson, The Poverty of Theory & Other Essays, London: Merlin,
1981, pp. 60-5; LEBOWITZ, Michael. Beyond ‘Capital’: Marx’s Political Economy of the Working
Class, Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2003; LEBOWITZ, Following Marx: Method, Critique,
and Crisis, Leiden and Boston: Brill, 2009, pp. 308-11; HARVEY, David, The Limits to Capital, Chicago:
University of Chicago Press, 1982, p.163.
35
Para uma tentativa útil de lutar com a sempre presente tensão entre “universalista” e “excepcionalista”
compreensão do trabalho, ver CHAKRABARTY, Dipesh. Rethinking Working-Class History: Bengal,
1890-1940, Princeton: Princeton University Press, 1989, esp. pp. 219-30.
36
GLABERMAN, Martin. ‘Be His Payment High or Low: The American Working Class in the Sixties’,
International Socialism, 21 (Summer), 1965, p. 18-23. Glaberman naturalmente bebeu diretamente de
Marx: “Se segue, portanto, que em proporção à acumulação do capital, a porção do trabalhador deve
crescer menos, seja seu pagamento alto ou baixo”. Capital, p. 654.
reestruturação foi precisamente o que motivou a preocupação de Harry Braverman com
a degradação do trabalho no século XX.37 Apesar de, conforme Braverman alegava, o
processo de mudança nas relações de produção ter se intensificado na era do monopólio
do século XX, este processo agiu por décadas. Ele impressionava mesmo os primeiros
capitalistas, que não podiam conceber a “economia moral” de Adam Smith. “É em vão
ler seu livro para encontrar um remédio para uma queixa que ele não poderia conceber
que poderia existir, p. ex. cem mil tecelões ou tecelãs fazendo o trabalho de cento e
cinquenta mil”, escreveu um humanizado patrão inglês no início do século XIX. A
inabilidade deste homem de entender “que os lucros de uma manufatura devem ser o que
um mestre pode extorquir dos parcos rendimentos dos pobres, mais do que de outro
mestre” o levou à ruína.38
É neste contexto que a crise capitalista se tornou algo como um manacial perpétuo
do qual brota toda forma de reflexão teórica de novas formações de classe. Por exemplo,
a crise capitalista rapidamente introduziu novas iniciativas de luta de classes por parte da
burguesia. Ela [a crise] tem frequentemente suscitado novas táticas e reavaliações
estratégicas por parte da classe trabalhadora. A afirmação ahistórica de que a
precariedade do trabalho moderno é algo dramaticamente novo, necessitando de uma
revisão de tudo que tem sido sólido na abordagem marxista de classe deve ser, contudo,
rejeitada. Reconhecer a extensão da precariedade nas tendências contemporâneas de
formação de classe global não necessita de uma ruptura política e conceitual com os
entendimentos das possibilidades de uma unidade dos despossuídos, que permanece a
única esperança para uma humanidade socialista.
37
BRAVERMAN, Harry. Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth
Century, New York and London: Monthly Review Press, 1974.
38
Citado em THOMPSON, A Formação, p. 309.
ameaça contínua que amarra exploração e opressão. Marx notou isso em O Capital,
escrevendo que o enriquecimento capitalista estava pressuposto na “condenação de uma
parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada em razão do sobretrabalho da outra
parte”, acelerando “a produção do exército industrial de reserva num grau correspondente
ao progresso da acumulação social”. Todo proletário e proletária pode, portanto, ser
categorizado, não tanto de acordo com seu trabalho assalariado, mas com as formas
possíveis de excedente populacional, que Marx nomeou “a flutuante, a latente e a
estagnada”. Isso é o porquê de a acumulação de capital ser também a acumulação de
trabalho, mas a multiplicação maltusiana do proletariado não necessariamente significa
que a classe trabalhadora irá, em sua inteireza, ser assalariada. Como Marx escreveu:
O que isso sugere é que em qualquer abordagem analítica dentro dos registros
históricos da formação de classe, é obrigatório ver a proletarização como um todo. Como
indicado pelas excursões interpretativas de Michael Dening sobre a ausência de salário
regular e as de Mike Davis sobre favelização [slummification], historiadoras e
historiadores estão começando a avaliar como é imperativo não centrar nossos estudos a
respeito do trabalho na lógica das validações do capital. A classe trabalhadora não apenas
alcança visibilidade e se torna investida de relevância política na medida em que é
assalariada. A expropriação continua acontecendo, e mesmo nos violentos espasmos da
despossessão, o trabalho é necessário para a vasta maioria da humanidade,
independentemente de como ele é remunerado. Na verdade, como as feministas têm
longamente insistido acerca do trabalho reprodutivo não pago, uma perspectiva de
formação de classe ligada apenas ao salário irá inevitavelmente ser estreita de diversas
formas.43
42
BREMAN, Jan. The Labouring Poor in India: Patterns of Exploitation, Subordination and Exclusion,
New York: Oxford University Press, 2003, p. 13.
43
As feministas canadenses fizeram contribuições em particular para esta literature. Ver LUXTON, Meg,
More Than a Labour of Love: Three Generations of Women’s Work in the Home, Toronto: Women’s
Press, 1980; FOX, Bonnie, Hidden in the Household:Women’s Domestic Labour Under Capitalism,
Toronto: Women’s Press, 1980; BARRETT, Michèlearrett e HAMILTON, Roberta (eds.), The Politics
of Diversity: Feminism, Marxism, and Nationalism, London and New York: Verso, 1986.
ocidentais avançadas, mais aparente é que a formação de classe geralmente é estruturada
ao redor da ausência de assalariamento e subculturas dos empregados marginalmente:
transições para dentro e para fora do “capitalismo de centavo”44, criminalidade e
existências híbridas nas quais a subsistência camponesa e o congelamento temporário da
proletarização são quase sempre rotina.
Primeiro, mesmo nos escritos políticos da década de 1840, nos quais não há
dúvidas de que o termo lumpemproletariado é usado para designar depreciativamente
setores dos despossuídos que juntam seu peso político ao projeto de reação e restauração
do privilégio de classe, é óbvio que o uso do prefixo lumpem é usado para expressar
44
Nota do tradutor: No original “penny capitalism”. É um termo cunhado por um antropólogo chamado
“Sol Tax”. A tradução para o espanhol é “capitalismo del centavo”.
45
Ver, por exemplo, DENNING, Michael, ‘Wageless Life’, New Left Review, 66 (November-December),
2010, p. 79-87; VAN DER LINDER, Marcel, Workers of the World: Essays Toward a Global Labor
History, Leiden and Boston: Brill, 2008, pp. 10, 22-7, 267, 298; VAN DER LINDEN, ‘Who are the
Workers of the World? Marx and Beyond’, Workers of the World: International Journal on Strikes and
Social Conflicts, 1, January, 2013, pp. 55-76. A inquietude com a aparente depreciação de Marx sobre o
lumpemproletariado tem sido evidente entre africanistas, e foi colocada de forma ostensiva em
WORSLEY, Peter, ‘Frantz Fanon and the “Lumpenproletariat”’, Socialist Register 1972, London: Merlin,
1972, p. 193- 229.
46
Ver especialmente DRAPER, Hal. ‘The Lumpen-Class versus the Proletariat’, Karl Marx’s Theory of
Revolution: The Politics of Social Classes, Volume II, New York: Monthly Review, 1978, p. 453-80. A
discussão de Draper é bem informada e inestimável, e contém muitos insights e nuances analíticas.
Entretanto, enquanto eu sou influenciado por essa obra, também parto de algumas das suas afirmações.
desvalorização ao invés de uma posição de classe mais árdua. Isto é evidente em como
Marx afixa o adjetivo lumpemproletário em Bonaparte, que é o principal objeto de
repugnância de Marx em O dezoito brumário de Luís Bonaparte e Luta de classes na
França. Bonaparte era metaforicamente castigado como o principesco “chefe do
lumpemproletariado”, um malandro que reconhecia “nessa escória, nesse dejeto, nesse
refugo de todas as classes, a única classe na qual pode se apoiar incondicionalmente”.47
Um teórico da literatura comentou que “Marx deve ter vivido a história da França entre
1848 e 1852 – a revolução marchando para trás – como lembrando uma latrina voltando
atrás.”48 Entender isso pode atenuar as formas nas quais o conhecimento acadêmico
contemporâneo avaliava o nascimento de um termo como o de lumpemproletariado, que
de fato adentrou o mundo em meio às agonias de morte da possibilidade revolucionária.
Como Hal Draper sugeriu, a utilização de Marx do prefixo “lumpen” como uma forma de
rotular um indivíduo ou um grupo social como canalha ou odioso,49 e eu sugeriria que
isso significaria que o termo é mais um adjetivo cáustico e bem menos uma rigorosa
classificação com substância analítica. Isso surge na ridicularização de Marx de um tipo
particular de meados no século XIX, uma aristocracia financeira francesa, uma devassa
camada da burguesia que é apresentada como tendo ascendido a posições altas, de
comando, parasitárias, banqueteando-se na riqueza produzida por outros e outras,
exibindo uma “demonstração desenfreada de apetites insalubres e licenciosas.” Tal
camada aristocrática, caracterizada pelo prazer se tornar “crapuleuse [crapulosa,
devassa], dinheiro, sujeira e sangue confluem”; tal para Marx “nada mais é que o
renascimento do lumpemproletariado nas camadas mais altas da sociedade burguesa”.50
47
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. SCHNEIDER, Hélio (trad.). São Paulo: Boitempo
Editorial, 2011. p. 91.
48
MEHLMAN, Jeffrey. Revolution and Repetition: Marx/Hugo/Balzac. Berkeley and London: University
of California Press, 1977, pp. 24-5.
49
DRAPER, Marx’s Theory of Revolution, esp. p. 628-34.
50
MARX, Karl. As Lutas de Classe na França. SCHNEIDER, Nélio (trad.). São Paulo: Boitempo Editorial,
2012. p. 31.
momentos de luta de classes. Mesmo Fanon – cuja validação de “cafetões, hooligans,
desempregados e pequenos criminosos” como um contingente revolucionário parece estar
empatada com a abordagem menos sadia de Marx de pessoas identificadas desta forma –
entendeu que a autoridade colonial pode ser “extremamente habilidosa em usar a
ignorância e incompreensão do lumpemproletariado”. A não ser que estejam organizados
por ativistas revolucionários, Fanon temia que o lumpemproletariado “se encontraria
lutando como soldados mercenários”, lado-a-lado com as tropas da reação; e ele cita
ocasiões em Angola e no Congo nas quais foi precisamente isso o que aconteceu.51
51
Citado em HALL, Stuart. et al., Policing the Crisis: Mugging, the State, and Law and Order. London:
Macmillan, 1978, p. 385, o qual tem uma discussão pertinente sobre “Os condenados da terra”, pp. 381-
9. Ver FANON, Frantz The Wretched of the Earth, New York: Grove, 1966, pp. 103-9.
52
MARX, As lutas de classe na França. p. 42.
os membros de sua própria classe. A linguagem de antagonismo é então frequentemente
bem dura, como revela a designação “pelego”53.
Em quarto lugar, apesar de Marx nunca escrever o volume decisivo sobre trabalho
que poderia ter sido ao menos abordado, se não esclarecido, o significado de
lumpemproletarização, é certamente crítico reconhecer que a perspectiva de Marx mudou
através do tempo. Sua avaliação do lumpemproletariado alcançou, certamente, seu nadir
[ponto mais baixo] com o golpe de estado de Bonaparte, orquestrado pela assim chamada
Sociedade 10 de Dezembro, composta, nas palavras de Marx, por
Marx, é claro, também teve considerável empatia pelo que foi feito com os
despossuídos, como é mais evidente na sua condenação da “barbárie no tratamento dado
ao indigente” e o reconhecimento do “horror dos trabalhadores ante a escravidão da
workhouse”, que ele intitulava a “penitenciária da miséria”.58 Em seus artigos de 1842-3
para a Gazeta Renana, sobre os debates na Alemanha a respeito da lei sobre o furto de
madeira, há sobretudo uma ampla sugestão de que Marx considerava as formas nas quais
a trajetória sócio-econômica do capitalismo tendeu à direção da ampla criminalização de
56
ENGELS, Frederick. The Condition of the Working-Class in England in 1844, London: Swam
Sonnenschein, 1892. Seis anos antes, Engels havia escrito uma carta para Laura Lafargue e August Bebel
de forma a sugerir um problema em ver “carreteiros, vagabundos, espiões da polícia e falsários” como
fontes de apoio do socialismo. Ele se referiu ao “número de pobres diabos do East End que vegetavam
na fronteira entre a classe trabalhadora e o lumpem proletariado”. Engels a Laura Lafargue, 9 de fevereiro
de 1886; Engels a August Beberl, 15 de fevereiro de 1886, em MARX, Karl e ENGELS, Friederich,
Collected Works, Volume 47, 1883- 1886. New York: International, 1995, pp. 403-10. Ver, também,
JONES, Stedman. Outcast London; and Arthur Morrison, A Child of the Jago, London: Methuen, 1896.
57
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Boitempo: 2004, p. 91-2.
58
MARX, Capital, p. 729. Além das passagens que podem ser citadas, ver também as discussões em “As
camadas mal remuneradas da classe trabalhadora industrial britânica”, p. 729-738; “A população
nômade”, p. 738-741; “O proletariado agrícola britânico”, p. 746-770.
comportamentos dos pobres, sendo estes comportamentos críticos para a sobrevivência
dos despossuídos. Separados primeiramente da natureza, os despossuídos então se
encontraram expropriados das proteções institucionais da sociedade civil.
59
Ver MARX, Karl. ‘Proceedings of the Sixth Rhine Province Assembly. Third Article Debates on the Law
on Thefts of Wood’, in Marx and Engels, Collected Works, Volume 1: 1835-1843, Moscow: Progress,
1975, pp. 224-63; BALLVÉ, Teo. ‘Marx: Law on Thefts of Wood’, 12 July 2011, disponível em
http://territorialmasquerades.net; LINEBAUGH, Peter ‘Karl Marx, the Theft of Wood, and Working
Class Composition: A Contribution to the Current Debate’, Crime and Social Justice, 6 (Fall-Winter),
1976, pp. 5-16; SHOREOVER-MARCUSE, Erica, Emancipation and Consciousness: Dogmatic and
Dialectical Perspectives in the Early Marx, New York: Blackwell, 1986.
60
Ver também LINEBAUGH, Peter. The Magna Carta Manifesto: Liberties and Commons for All,
Berkeley: University of California Press, 2008.
61
MARX, Capital, p. 733; e VAN DER LINDEN, Workers of the World, p. 27.
62
Para uma avaliação sóbria e cautelar acerca da extensão do trabalho precário no setor informal, tão
obviamente central para o Sul Global em desenvolvimento, e relacionado com a compreensão da
lumpremproletarização, que possa talvez se provar uma “improvável fonte de resistência constante e
coerente para uma ordem injusta”, ver FREUND, African Worker, pp. 79-81; Robin Cohen and D.
Michael, ‘Revolutionary Potential of the African Lumpenproletariat: A Sceptical View’, Bulletin of the
Institute of Development Studies, 5, 1976, pp. 31-42.
sociedade, tomando-os como direcionados à incorrigibilidade e, portanto, falhando em
discerni-los. Enquanto isso, Marx reconheceu que a despossessão extrema e de longa
duração pode deformar politicamente uma seção do proletariado, reduzindo-a a um
coadjuvante da reação. Essa questão ainda estava sendo colocada na década de 1930, com
atividades e autores do Left Book Club como Wal Hannington, um membro fundador do
Partido Comunista Britânico e organizador do Movimento Nacional dos Trabalhadores
Desempregados, que perguntava de forma bem preocupada: “Há um perigo fascista entre
os desempregados?”63
64
TAMÁS, G. M. ‘Words from Budapest’, New Left Review, 80 (March-April), 2013, p. 26.