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As bactérias que
comiam pterossauros
Fósseis de microrganismos foram
encontrados na crista de réptil voador
que viveu há 115 milhões de anos
Salvador Nogueira 1
tupandactylus
imperator
U
ma das coisas mais empolgantes no es- O fóssil, que responde pelo código CPCA 3590 Imperador dos ares:
crista formada por
tudo de fósseis é encontrar preservados no acervo do Centro de Pesquisas Paleontológicas
osso e material fibroso
os chamados tecidos moles – basica- da Chapada do Araripe, se destaca pela enorme
mente tudo o que não é osso no corpo crista, que se manteve parcialmente fossilizada.
do animal. Sua investigação permite descobertas Felipe Pinheiro, pesquisador da equipe de Cesar
mais concretas sobre como eram e viveram es- Schultz no Setor de Paleovertebrados da UFRGS,
ses bichos extintos e, nesse sentido, a Formação descreveu o fóssil no ano passado na Acta Pala-
Crato – na bacia do Araripe, no interior de Per- eontologica Polonica. “Na época, não fazíamos
nambuco, Piauí e Ceará – é prolífica. Um novo ideia da presença das bactérias”, conta Pinheiro.
estudo ajuda a explicar por quê. Foi somente quando Paula Sucerquia, da USP, fez
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio as primeiras micrografias do fóssil que os pesquisa-
Grande do Sul (UFRGS), da Universidade de São dores notaram a presença de pequenas estruturas
Paulo (USP) e do Centro de Pesquisas Paleon- em forma de bastonetes na superfície do tecido
tológicas da Chapada do Araripe encontraram mole fossilizado. A equipe então passou a investigar ilustrações 1 e 2 voltaire paes imagens 3, 4 e 5 felipe pinheiro e bruno horn / ufrgs
BIOFILME
reconstituição Micróbios em forma de bastão viviam em
do crânio colônias densas nos tecidos da crista
SINAIS DO TEMPO
Fóssil encontrado em Nova
Ceará
Olinda, no Ceará, com
Bacia do
Piauí Araripe a mandíbula (em amarelo) 5
foram identificadas como bactérias que estariam of Paleonthology and Stratigraphy. Esse processo,
decompondo o tecido mole do pterossauro no chamado de autolitificação bacteriana, já não é tão
fundo do então lago Araripe, logo após a morte gentil com os tecidos moles do animal em proces-
do réptil voador mais de uma centena de milhões so de fossilização. Como as bactérias formam uma
de anos atrás. Se a análise estiver correta, essa é espécie de molde fossilizado, é impossível estudar
a primeira evidência sólida de fossilização bac- em detalhes microscópicos o que havia por baixo.
teriana proveniente daquela região. Esse trabalho, somado a outros recentes, ajuda a
derrubar um mito da paleontologia: o de que a
MORTE E PRESERVAÇão boa preservação do fóssil está necessariamente
A propósito, segundo os pesquisadores, a presen- associada à ausência de decomposição bacteriana.
ça desses microrganismos pode ter permitido a Uma característica interessante das estrutu-
preservação dos tecidos moles no fóssil. Há dois ras granulares – os fósseis das antigas bactérias
caminhos para que isso aconteça. Num deles, as – encontradas pelos pesquisadores é que algu-
bactérias que decompõem os animais produzem mas parecem se encontrar unidas duas a duas,
reações químicas que levam à mineralização dos como se estivessem em meio a um processo de
tecidos. “Na maior parte dos casos, o tecido morto replicação quando fossilizaram.
serve como sítio de deposição de fosfato e não é in- Embora os próprios pesquisadores admitam
comum a preservação de estruturas subcelulares, que essa evidência ainda é pouco conclusiva,
como fibras musculares e até núcleos celulares, com ela é importante por sugerir que a fossilização
um grau elevado de fidelidade”, explica Pinheiro. talvez ocorra muito rapidamente – em horas ou
paleontologia
O caso do pterossauro, contudo, é outro. “As dias após a morte do animal. Quase como uma
próprias bactérias caem em uma armadilha”, con- gentileza da natureza, que permitiria a seres há
ta o pesquisador. “O fosfato que estava diluído se muito extintos serem descobertos milhões de
deposita na parede celular desses microrganismos. anos mais tarde. n
Isso causa a morte das bactérias, mas permite que
elas sejam preservadas como fósseis”, explica o Artigo científico
pesquisador, primeiro autor do novo artigo, pu- pinheiro, F. L. et al. Fossilized bacteria in a Cretaceous
blicado na revista Lethaia – International Journal pterosaur headcrest. Lethaia. 2012.