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FUNDAÇÃO GETOLIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTORIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

FRANCISCO JULIÃO

(depoimen tO)

CPDOC - HISTORIA ORAL - 1982


entrevistador: Aspásia Camargo

levantamento bibliográfico e roteiro: Aspásia Camargo

conferência da transcrição e sumário: Nara A. de Brito

texto: Maria Tereza Lopes Teixeira

técnico de som: Clodomir Oliveira Gomes

duração: 6h50m

local: Yxcatepec (Morelos), México

data: dezembro de 1977

fitas cassete: 7 (sete)

�ginas datilografadas: 173


SUMÂRIO

l5! Entrevista: vida profissional; origem familiar;


o trabalho no campo; a profissionalização e o Di­
reito; o inicio das causas juridicas no campo; o
trabalho de Antônio Cicero de Paula; os foreiros e
a origem do cambão; a estratégia utilizada nas ações
judiciais; a organização dos camponeses; deputado
estadual pelo PSB; formação politica; participação
no PR; Barbosa Lima Sobrinho; os fornecedores de
cana; os usineiros e o governo de Agamenon Maga­
lhães; atuação politica de Agamenon; ruptura com o
PR; formação das primeiras Ligas Camponesas; a Li­
ga de Vitória; a expansão das Ligas; Congresso de
Salva 2ão do Nordeste; apoio a Cid Sampaio; desapro
priaçao de Galiléia; rompimento com Cid Sampaio; -
participação de Clodomir de Morais nas Ligas; lide
rança nas Ligas; relacionamento entre a Igreja e
as Ligas; atuação politica do padre Melo; a lide­
rança intermediária nas Ligas; a Liga de Sapé; or­
ganizando as Ligas no Sertão; a marcha a Juazeiro;
as Ligas e os ativistas não-camponeses; infiltra­
ções e divergências no movimento; deputado federal
em 1962; guerrilha; os padres na liderança do mov�
mento; relacionamento entre as Ligas e o PC; o Con
gresso de Belo Horizonte; a ULTAB e as Ligas; as
Ligas e a organização dos sindicatos; as Ligas no
Congresso de Belo Horizonte; importância do Congres
so de Blo Horizonte; encontro com João Goulart;par
ticipação na Frente Parlamentar Nacionalista � . . . . . 1 a 131

25! Entrevista: ligações com a Frente Parlamentar


Nacionalista; encontro com João Goulart; divergên-
cias com Jango; oposição ao presidencialismo; cri-
tica à proposta de reforma agrária de João GoularG
trabalho desenvolvido por Miguel Arrais e Leonel
Brizola; posição politica do padre Melo; relações
com a Igreja e o PC; conflitos nas Ligas, sindica-
tos e Igreja; Gregório Bezerra; atuação do PC em
Pernambuco; influência da Revoluçãp Cubana sobre a
popularidade do movimento; religiosidade e marxis-
mo; os objetivos das Ligas; a greve de 1963 em Per
nambuco; o conflito de Barreiros; prisão e asilo -
politico; desentendimentos com Jânio Quadros; cri-
se do governo Goulart; invasões de terras; relacio
namento com Miguel Arrais . . . . . . .� . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 a 173
SUMÁRIO
complemento

A entrevista, realizada em dezembro de 1977, contém uma fita


complementar, gravada em apenas um lado e disponível para
consulta somente na forma de escuta. O conteúdo dessa fita é
resumido a seguir:

FITA 8-A: Retorno, com Jânio, de viagem à Cuba; apoio de


Rockefeller recebido por Jânio em Caracas; interferência de
Brizola nos desentendimentos entre Jânio e Julião; renúncia
de Jânio; o comício das reformas nos últimos dias do governo
João Goulart; avaliação dos movimentos finais do governo Jan
go; relação Jango-Arrais; Justino Alves; perfil de Arrais
ambivalência de Jango; afastamento de Julião em relação a
Arrais; atuação de Julião contra as invasões de terra no NOI
deste; relação com Arrais.
l � Entrevis t a : 5 . 1 2 .1977

A.C. -- Dr . J u l i ão , eu queria i n i c i a r a nossa conve rsa por

um perí odo de s ua vi da que acho ext remame n te ri co e impo rt�

te , que é aque le em que o senho r , quando sai da universidade ,

i n i c i a a sua e xpe r i ên c i a profi s s ional e come ç a a atuar como

advogado dos campon e s e s da região próxima a Re c i fe . E u gos­

taria que nos transmi t i s s e o que foi a sua e xperiên c i a mme�

s e s c ampon e s e s , como se desenvolviam as causas que o senhor

defendi a , que de st ino , que encaminhamento em ge ral tomavam , e

qual foi o seu pape l no sentido de apo i á- los j uridi camente .

F.J. -- Muito bem . � uma h i stória um pouco larga e vou te�

tar sinteti z á- l a . Quando de c i d i e s tudar le i s , e s tudar di rei

to , e v i de n temente eu não e s tava ainda moti vado por e s s a idéia

de defender os camponeses , de ser um advogado de campon e s e s .

Eu e s tudei di re i to porque não podia es tudar medi ci n a . A mi-

nha vocação e ra a medi c i n a . E eu que r i a s e r um ci rurgião , �

ver e m um hospi t a l , f a z e r operaçõe s . A mim , i s so me pare c i a

muito intere s s ante . No entanto , para se e s t udar medicina era

ne c e s s ár i o freqüentar aulas práti cas de anatomi a , de labora­

tóri o . E s tudando d i re i t o , eu i r i a somente fa z e r as provas e ,

naturalmente , freqüe ntaria um ou outro profe s sor que me par�

cesse mai s i n te re s s an te .

Querendo ser independente , adquiri com um colega um

pequeno colégio e come cei a dar c l a s ses . O result ado é que

acabei e s tudando dire i to e , na facul dade , come cei a senti r o

problema das i dé i a s , a ter uma parti cipação di s c re t a . &mpre

fui um aluno a s s im , muito di s c re to , e p a s s e i quase que como

uma sombra pela uni ve r s i dade . Mas as i dé i as come ç aram , na­

turalmente , a i n f luir no meu pensamento .

Além do mai s , e pre c i s o buscar as raí zes . Vim do


i
campo , nasci em engenho de açúcar e tinha , natura lmente , co-

mo amigos de in fân c i a os fi lhos dos trabalhadores e dos cam

ponese s . Eu obse rvava a dis t ân c i a que nos separava : enquan-

to eu ia para a e s cola e depois para a universi dade , eles

i am para o trabalho com a sua enxada , e i s so me pare c i a uma

in j us t i ç a . De certo modo , eu sentia aque la vergonha de que

fala José Lins do Rego em um dos seus l i vros , quando con fe�

s a que pass ava perto dos moradores com seu avô , e e l e s en-

tão ti ravam o chapéu . E le di z que senti a certa vergonha, pois

achava que e le é quem deve r i a ti rar o chapéu , j á que s ab i a

que se tinha t i do oportunidade de e s tudar é porque havia ge�

te que dava o trabalho para o engenho do seu avô . I s s o , mais

ou menos , foi o que se pas sou com i go .

A.C. -- Seu pai também o in fluenciou n e s s e part i cu l a r porque

e r a um homem muito aberto , não?

F.J. -- S im , muito . Meu pai e ra uma figura intere s s an te .

Era um homem quase an al fabe to , mas um tan to român ti co , com

uma í n do l e muito b o a , e que tinha pena dos moradore s . N o in

verno , por e xemplo , e le sempre se preocupava com o e s tado da

cas a de fu lan o : " Se rá que e s t á gote j ando sobre aque l a família

nume rosa? " E le se preocupava um pouco com e s s e s problemas .

N aturalme n te , i s s o in fluiu n a minha formação . Como eu dizia,

o bom mode lador vai mode lando o barro , e eramos um barro mui

to suave quando meninos . o velho teve realmente b as tante

i n fluén c i a . E le não e r a , vamos di z e r a s s im , um proprie tário

r í g i do ; era bas tante ace s s íve l .

Se eu fo sse buscar as raí z e s de s s a conduta , b us c a-

va-as no avo . o avô foi um h omem que , quando veio a l iber-

tação dos e s c ravos , todos os e s c ravos que pos suí a quiseram fi-

car com ele e continuar e s cravos . E ra um tipo , por oonse�

te , de boa índole , uma figura român ti c a . E creio que e s tou ,


J..-
decerto , mai s l i gado ao avô do que ao pai . Meu pai me cont�

va muitas coisas inte r e s s antes de meu avo , que se chamava Fran

c i s co de P au l a , e eu me s e n t i a muito vinculado a e le .

A . C . -- O seu avo materno e ra muito di ferente?

F . J . -- O avo materno era outra coi s a . Ape s ar de s e r um ho

mem formado -- era um advogado muito conhe c i do , po l í ti co de

grande importân ci a , dono de mui tas terras -- , e s s e tinha a

índole de um grande terratenente , de um senhor feudal . Já o

meu avô pate rno , não .

A . C . -- Como e ra o nome de seu avo materno?

F . J. -- O meu avô paterno chamava-se Fran c i s co Gomes de Pa�

l a , e o meu avô materno chamava-se Manue l Tertu l i ano de Arru

da . Er a advogado e po l í ti c o .

Bem , as i déias na facul dade de direi to i n f luíram mui

to para que eu come çasse a pensar n a pos s i b i l i dade de de fen-

de r os campone se s . Eu vi a que cons t i tuíam a maior parte da

população do e s t ado de Pernambuco e di z i a comi go : "P or que

nao vamos defender os c ampone ses , se e les não têm advogado ? "

E u cons i de rava que , sem a parti cipação dos campone ses , não se

podi a pen s ar em uma trans formação da socie dade b ras i le i r a .

Diante das i dé i as j á revo lucionári as , das i déias progres s i s -

tas que tínhamos dentro d a unive r s i dade , o s co legas es tavam

bem dividi dos : havia gente que es tava de um l a do e gente que

e s tava do outro . Eu seguia lendo , observando , e di z i a comi-

go : " Já que não pude fazer c i rurgi a em um hospi t a l , vou te!:!.

tar fazer uma ci rurgia ne s ta sociedade . que e s t á en ferma , e

ver se é pos s íve l rasgar e s s e tumor , que é o camponês pobre ,

sem terra , abandon ado , sem j us t i ç a , sem nada " .

Em resumidas palavras , ante s de deixar a univer s i da

de , convidei alguns dos colegas para organ i z armos e montarmos


3
um e s c ritório de advocacia para defender os campones e s . E les

acharam que i s s o era uma loucura e me perguntavam como e u i a

agarrar uma caus a de s s a s . o campones não tinha dinheiro pa-

ra pagar a gente , nem sequer podia dar voto , porque a maioria

dos campon e s e s era de an al fabetos . E u di z i a : " Bom , mas nos

temos o n o s s o i de al , somos pess oas que querem uma outra so-

c i e dade , uma outra forma de vida , melhorar a s i tuação de s s e s

c ampone s e s . Então , creio que a gente deve i r com esse ideal" .

o re s u l tado é que n i n guém acei tou a propo s ta .

Eu fui só . Tomei o meu Cõd�go Q�v�! e fui para o


u�

c ampo . E u partia da i dé i a de que era pre c i s o c r i ai �entre os


)
camponeses a con s ciên c i a de seus direi tos .

lveri fiquei que

havi a um verdade i ro choque entre o Côd�go Q�v�!, que a gente

acabara de e s tudar na universi dade , e uma espécie de código

de l e i consuetudinária. que exi stia no campo . o Côd�ga uvd

de fendia a propriedade privada , mas de fendia também o di reito

de s a lário e outras coi s a s . o Côd�go falav a , por e xemplo , no

di rei to do c ampon e s que alugava uma terra , du' r ante 30 ou 40

anos , a c a s a que construí ra , à cerca , ao poç o , às árvores6�u­

;ta�!.l q u$'Plantava ' { Não se pagava indeni z ação de nada d i s s o ,

e o Côd�go mandava pagar .

Eu notava e s s e choque , e s s a contradição entre a l e i

codi fi cada , o dire i to pos i t i vo , e a l e i que re a lmente se apl,!,.

cava no campo . I s s o foi o que me convenceu a i r ao c ampo com


\'
Mui ta gente achava que era uma estupidez po!:

que, no ano em que dei xamos a univer si dade com todas éqUelas
'Iv" J, ,,

i dé i a s avançada s , o Côd�go Q�V�! j á era consi derado h i s t ori-

came n te superado . o Côd�go Q�v�! nascera em 1 9 1 7 , como tam-

bém em 1 9 1 7 havi a n a s c i do a Re volução Rus s a , e con s i de r avam

que e le não tinha mais senti do h i s tori camente . Mas não era

verdade .
N a Amé rica Latin a , o campo ainda e s tava comp le tame�

te , ou em grande parte , dominado por esse direit o consuetudi

nário , por resquí cios feudais da Penínsu la , e a gente podia

de scob r i r i s s o faci lme nte , obse rvando como e r am os campone-

ses tratados e os trabalhadores contratados para pLBs tarem os

seus se rviços . E u achava que a gente devi a fazer uma es pécie

de revolução burgue s a ou Revolução France s a , demo cráti c a , no

campo . E nenhum ins trume nto era mais adequado do que o Cô­
Ji�'
d�g o c�v�i. Ao invé s de levar ao camp� O cap��ai, de Marx ,

levei o Côd�g o c�v�i, porque me pareceu que e r a o ins trumen-

to mai s adequado para e s s a fase da luta , da organi z ação , da

tomada de con s ciênci a das mas s as c ampone sas .

Bem , n o Norde ste , n a zona canavi e i ra , veri fi quei que

havi a mui to senhor de engenho que alugava terra . Uma parte

das terras e le de s tinava aos que devi am traba lhá- la todos

os di as . E s s e tipo de trabalhador era ass a l ari ado , o e i te i -

ro , como chamavam . O e i te i r o todo d i a i a com a sua enxada e

dava o seu d i a de traba lho . Re cebia um pago em dinh e i ro ou

um s a lário que realmente não correspondia ao s a lário re al .

Havi a também o morador que alugava a terra . E le pagava uma

importân c i a anual em dinh e i ro e t i nh a ainda a ob rig ação de

dar certos dias de trabalho ao senhor da terra . Esses dias

de trabalho eram de stin ados a l i mpar a cana ou eram empre-

gados na colhe i ta ou ainda na época do p lant i o da c an a , qua�

do eram mui to n e c e s s á rios . Não eram mui tos di as . I s s o varia

va de acordo com o senhor . Havia proprietários que exigi am ,

di gamos , o i to , ou de z , o u 15 o u 2 0 dias . Vari ava . Quando

era um propri e tário ma i s human o , naturalmente e l e e xi g i a me-

nos dias de trabalho por ano .

Havi a uma coi s a curi o s a : e s s e s dias de trabalho que

o morador dava ao patrão eram pre c i s amente os dias de traba-

lho de que e l e n e c e s s i tava para empregar em seu próprio proveito.

5
Também era época de p l antio em suas terras , e ele pre c i s ava

p l antar para poder viver e pagar o seu foro , o aluguel do teE

re n a , do s í ti o . Por i s s o , e s s e s moradore s , e s s e s foreiros-

evidenterrente , a palavra foreiro não e s tá ap li cada aqui no �

ti do técni co , j ur í di co , pois s abemos que o foro é outra ooisa

mas e s s e s foreiros . . .

A.C. -- O que e o foro?

F.J. O foro vem da e n fi teuse . Aqui , o foro e s t á tomado

como renda mas , em verdade , não se ap l i c a à renda anual ou se

me s t ral . Em ge ral o foro er a anual , sendo sempre pago no

dia o i to de de z embro , dia de N o s s a Senhora da Con c e i ç ão . Nes

se dia , no Norde s te , todos os moradores comparecem para pa-

gar ao senhor a renda anual . I s s o é uma praxe , um princípio,

uma regra , uma convençao .

Cre i o que nao de talhei bem a i dé i a de foro . Vou dar

um exemplo . As terras pertencentes a naçao e que o governo

dá enfi teuse a uma determinada pessoa -- os terrenos da Mari

nh a , por exemplo -- , n e s te caso se paga um foro . A expressão

foro , nesse caso , está apl i c ada de forma correta . Mas a ter

ra que se arren d a a um propri e tário pri vado , o a l ugue l , a

renda que se paga de l a , em geral , se chama foro . Por i s s o e

que chamamos forei ros .

Então , ve ri fiquei que e s s e s moradores tinham muito

ódio de sses dias de trab alho . E ram pouc os , mas e l e s odi avam

mai s e s s es dias de trabalho do que , por e xemplo , o auremto do

foro . Todo ano o proprietário aume ntava o foro , de forma ar

bi trár i a , a seu cri téri o . O morador j á sab i a que i a te r um

largo debate com o propri e tário sobre o aumento do foro . Mas

e le s tinham mai s ódio desse dia de trabalho , que e l e s chama­

vam de c ambão .
A pal avra cambão , no Nordeste , é ap l i cada prec i s a-

mente ao dia de trabalho que o foreiro dá ao senhor da terra

sem receber nada em troca : nem dinhe iro , nem comi da , nem coi

sa al guma . o foreiro odiava s a i r com a enxada de manhã e

re gre s s a r à noite , sem nada para a famí l i a . Ademais , ele ti

nha o ó�a�uó d i s t i n to do a s s a l ari ado , do e i te i ro . O eiteiro

era sempre uma categoria social mui to mais humi lde . E o fo-

re i ro , como arrendava trê s , quatro ou cinco e até mai s qua-

dros de terra - o quadro de terra é pouco mai s do que um hec

tare e aí plantava , e l e tinha a lguns bens , as ve z e s uma

vaca , um cavalo e ce rtas e conomi as . Então e l e se con s i dera-

va um homem que tinha uma s i tuação s o c i a l e econômica melhor

do que o ei teiro .

Em gera l , o propri e tário dava ao e i te i ro apenas um

pedacinho de terra , um hectare ou meio he ctare , para que pu-

de s s e p l antar al guma roça . Mas esse tinha que trabalhar du-

rante toda a semana e , às ve z e s , até n o domingo . N a época de

s a fra , quando o engenho tinha que moer a can a , e le trab alha-

va até n o domingo . Mas o outro , não . Então , para o foreiro

e s s e d i a de trab alho que tinha que dar ao patrão era humilhan

te . Em geral , e l e mandava ou pagava a outra pessoa para que

de s se e s s e d i a de trabalho em seu lugar . É c l aro que essa

pes soa cobrava mais dele do que do propr i e t ári o , que tinha

mui to mais força para impor o s a l ári o . Outras ve z e s , o pro-

pri etário que ri a que o próprio foreiro vie ss e , ou que mandas

se um fi lho . Às ve z e s , e s s e con f l i to surg i a porque o propr�

e tário j á e s tava vi s ando as suas terras , j á q ue r i a trans for-

mar e s s a terra de a l uguel em uma terra de ei teiro , porque lhe

rendi a mai s e era mais importante para e l e ter o e i te i ro do

que ° rende i ro , o fore i ro . En fim , descobri a e xi s tên c i a do

cambão .

A.C. Tinha um caráte r mui to s imbó l i co das re lação re ais


+-
que h avia entre o proprietário e o foreiro , não?

F . J. - O foreiro , em geral , so compare cia à pre sença do p�

prietário para pagar o foro ou para dar os dias de cambão .

No mais , mantinha com e l e um outro tipo de r e l ação . I aà fei

ra e dispunha de uma certa liberdade para move r- s e e fazer

dinheiro . Assim , se respeitava mais . E s s e homem odiava o

foro . E e u parti daí .

Com o Cõd�ga na mão , fui buscando os foreiros . Eu

di zia : " P o r que é que você dá esse dia de trabalho de graça

ao proprietário , quando a lei proíb e ? " O camponê s é mui to, l�


I/VW,
galis ta . E le sempre se preocupa em con s tatar e verificar se

está de acordo com a lei . É c l aro que não e � sua lei , mas

e '\ lei . De certo modo , e le se condiciona a e s s a legislação ,

que nao foi feita para e l e , senão contra e l e .

P a rtindo de s s a legalidade , eu dizia : "Você diz que

está de acordo com a lei , mas a lei aqui proíbe : não se pode

dar um dia de trabalho se não se recebe uma contraprestação



ou se não se recebe um* �mporCância em dinheiro que corre s -
() y'
ponda a e s s e dia de trabalho. Aqui e s t á o Cõd�go c.�v�.e, que

diz is s o . E aqui está o Cõd�ga C'1i, que pune . Se você dá


-
um dia de trabalho a uma pessoa e e s s a pessoa nao lhe paga ,
"..4',�..CI '._' o J rv... .t .� r"'l,t V<"T�cr"" -). .)
,..;j:,,/
e l a fica suj eita �ma punição , e você também . (iJ traba lho es

cravo desapare'ce-B de s de 1888" . Eu tinha que e xp licar toda

e s s a coisa para ele entender que isso e r a um trabalho escravo.

Muitos se e spant avam e eu con firmava : "Está �qui ,


,
está na
- -
lei . E eu venho , por conseguinte , di zer a voce que voce nao
I tI' -
mais deve dar cambao . A lei o protege e eu e stou aqui para

defendê - lo . Serei seu advogado , caso o proprietá rio queira

exigir que voce dê esse traba lho . Vou à Justiça defendê-lo" .

Bem , a princ ípio , e ra muito difí cil . Mas , pouco a

pouco , como fui muito insistente , pertin a z , paciente . . . Não


foi um trabalho de uma semana , nem de um mes e nem de seis

mese s . Foi um trabalho de muitos anos . Basta dizer que co-

me cei e s s a coi s a em 19 4 0 . Eu saí da facul dade em de z embro de

3 9 e , em 40 , come cei a vi s i tar os c ampone ses . Era como uma

andorinha buscando f a z e r ve rão . Eu i a pe lo camp o , por toda

parte , buscando .

A.C. -- Mas , além de s s a de fesa dos camponeses , o senhor ti-

nha uma ativi dade j ur í di ca norma l , não?

F.J. -- S im , normal . E u tinha um e s c r i tório de advocacia

em Re c i fe e , naturalmente , exercia a minha prof i s são como um

advogado comum e corren te . No entanto , eu j á tinha e s s a me-

ta, i s s o j á e s tava na cabe ça .

A.C. -- Acho que , em a l gum momen to da entrevi sta ao p rof .

o senhor mencionou uma expre s s ão que ache i muito in

tere s s an te . o senhor di sse que se intere s s ava pela clínica

geral da advocaci a . Achei mui to intere s s ante , porque dá idéia

da amp l i tude de seus intere s s e s na áre a j ur í di c a .

F.J. -- Exatamente . É pre c i s o notar o seguinte : eu não ti-

nha realmente muito entus i asmo pe l a minha pro f i s s ão , e foi

e s s e ob j e ti vo que me animou re almente a ser um profi s s i on a l .

Em verdade , eu nece s s i tava , ��Qlu�o para sobrevive r , de fa-

z e r c l í n i c a ge ra l . E u não podia me espe c i a l i zar , digamos, em

dire i to de famí l i a , ou direito f i s c a l , ou legis lação traba-

lhi s ta . Onde apare cesse um con f l i to , eu tinha que e s tudar .

Por i s so , eu f a z i a a chamada c l í n i c a geral . Por conseguinte ,

eu tinha uma visão mais hori zontal do que ve r t i c a l de minha

profi s s ão , não procurava me especi a l i z ar . É verdade que tr�

tei de e s tudar um pouco mais o dire i to de famil i a , sobre tudo

os problemas de inve s t i gação de paterni dade e de desquite ,

que me i n te r e s s aram mui to . Aí também eu que r i a fazer justiça:


queria que todo fi lho i legí timo fos s e reconhecido pelo seu

pai . I s s o deu muitos con f l i tos .

Às ve z e s , e u tinha que defender um fi lho de um se­

nhor poderos o , e era um problema fazer a investigação de pa­

terni dade . Chegou o momento em que me tornei bas tante conhe

c i do corno de fe nsor de mulheres em maté r i a de desquite . Em

ger a l , e ra fáci l de spo j a r a mulhe r . Um senhor queria se de s

qui tar , e a prime ira preo cupaçao de le era a de que a mulhe r

não ficasse com metade dos be ns , com a parte a que e l a tinha

direito , de acordo com o Cõd�go c�v �t. Então e le emitia, por

e xemp l o , urnas promi ss órias , f a z i a urna dívi da f i c t í c i a , com

um amigo de con f i anç a . O s bens pass avam a e s s e amigo de con

fian ç a . E le f a z i a o desquite e , depoi s , e s s e s bens regress�

vam para o seu domínio . Eu sab i a de todas e s s a s coi sa s, e c�

meçava a tratar di s s o . Assim , cheguei a ganhar a l gum dinhe�

ro . Dava para sobreviver com desqui te , i n ves t i g ação de pa-

ternidade e outras causas . P o r i s s o é que digo que , realmen

te , tratei de fazer c l í n i c a ger al .

Com o passar do tempo , fui ve r i f i cando que o campo­

n e s sempre perdia a ques tão . A legi s lação que e xi s ti a , por

consegui nte , era urna le gi s l ação de c l asse , nao era urna legi�

lação que se adequasse à s i tuação do campone s . Então , na mi

nha cabeça surgiu a i dé i a de dar um passo adiante , de orga­

n i z ar o campones para que e le também pudesse fazer a sua lei .

Eu parti da idé i a de q ue não bas tava fincar e s t acas n a atitu

de dos campone s e s va lentes que se negavam a dar o cambão .

Era pre c i s o uni fi car , organi zar e s s a gente . Nesse sen tido ,

come cei a assimilar dos próprios camponeses mui tas imagens

intere s s ante s , para poder entregar a e le s e s s a s imagens trans­

formadas em documento s .

Come cei a e s c rever as famo s as Ca�ta� d o � camp one�e�


etc . Mas i s s o s omente apareceu depois de 19 5 5 . No anore 46 ,

que se s e gu i u à redemocrati zação do Bras i l , e s c revi a prime�

ra cart a , chamada Ca��a ao� no�e��o� de Pe�nambue o. Lamenta

velmente , não tenho cópia de s s e docume nto , o prime ir o que e s

crevi . Foi muito i n teressante . A carta er a muito amp la e

mui to s imple s , não propunha coi s as comp l i cadas . Era um de s-

pe rtar . E , para di s tribuir e s s a cart a , ut i l i ze i um primo .

t curi oso e s s e primo. Ele tinha uns burros e vi vi a

de comprar açucar e aguardente nos engenhos para vender no

Sertão . E le também t r a z i a algumas coi s a s do s e r tão para ven

de r no B re j o , como couro e outros produtos . E le se e s tabe-

le ceu nesse comé rcio e tinha relações com senh ores de enge-

nho , de quem comprava o açucar o Mas também e le conve rsava

mui to com os c ampone ses , os foreiros , os moradore s . E le go�

tava mui to de conve r s ar com e s s a gente . E ra sobrinho de meu

pai , f i lh o de um irmão de meu pai . E e u conve r s ava mui to oom

e le , que ape s a r de s e r um homem com pouca ins trução -- e le

fe z apenas o curso primári o , que não chegou a terminar -, era

muito inte l i gente , mui to hábi l . Tudo e ra pos s í vel a esse ho-

mem . E le era capaz de f a z e r qualquer coi s a : uma sela , um

f re i o , um p i lão , uma arapuca , uma s é r i e de trampas para agaE

rar , por exemp l o , animais ou pass aros . Era uma p e s s oa curi�

sa. De tudo e l e entendia e tinha uma grande hab i l i dade com


-

as maos .

A. C . - Como era o nome de le ?

F.J. - Chamava-se Antôn i o Cí cero de P au l a . Meu t i o , e m uma

ocas i ã o , foi ao Juaze i r o , ainda j ovem , e re gre s s ou mui to im-

pre s s i onado com o padre Cí cero Romão B a t i s t a e , por isso, qu�

do n a s ce u o prime i ro f i l h o , e l e pôs Antôn i o e pôs C í ce r o , em

homenagem ao padre C í ce r o . E s s e detalhe é intere s s ante .

A.C. - t a i n fluên c i a do padre C í ce ro na re g i a o .


F . J . -- Sim ; a i n f l uênci a muito podero s a do padre Cicero.

Eu poderi a contar uma anedo ta mui to intere s s ante sobre ess a

influênci a .

Bem, foi o meu primo quem me di s tribuiu e s s as pri-

meiras cartas . E le i a aos engenhos . Durante o dia, ele co�

versava com o senhor de engenho, f a z i a negócios, compravaa�

car e aguardente . De noi te, ele i a à casa dos moradores e di-

z i a: " Olhe, exi s te uma pessoa que está fazendo assim e as-

sim . . . " E le era uma espécie de propagandi s t a des sas i déias

que eu começava a defender . E, sempre que podia, ele prega-

va em uma porteira de engenho, em uma coi s a a s s i m . E s s e ra-

paz me acompanhou durante mui to tempo . Muitos anos depois,

quando o movimen to j á estava grande, ai pelo ano de 1959,

ele foi estupi damente a ssa s s inado . É uma hi s tória muito do-

lorosa .

A . C . -- No ano do a s s a s s inato do Pedro Teixeira?

F . J . -- Sim . E l e foi a s s a s s inado um pouco antes do Pedro

Teixe i r a .

A . C . -- P o r razoes poli ticas ?

F.J . -- S i m ; por razoes politicas . Aparentemente, o assas


....
sinato foi um crime pas s i onal . Em verdade, no fundo, foi

um crime pol i tico . Era como que uma advertência para mim:

" Olhe, es tamos abatendo este, e você, por conseguinte, se cui

• de " . Era como um avi s o .

A . C . -- Como foi o a s s a s s i n ato?

F.J. Foi terri ve l . E s s e homem foi-se metendo nes s a coi-

sa e chegou o momen to em que faz i a uma tremenda propaganda,

em toda a pa rte, dos documentos e das i déias que eu defendia

em favor dos camponeses . . .

� INAL DA F I TA l-A]
F.J. -- Então, e le se comprome teu muito comigo e acabou se

me tendo também n a p o l í ti c a . Era uma espé c i e de cabo e le i to­

ral , que di z i a : " Olhe , temos que votar nos candidatos que d§.

fendem a re forma agrári a " . E le f i s c a l i z ava as e le i çõe s , CO!!!

pare ci a . Naturalmente , sendo um h omem valente , criou confli

tos com o s i s tema , com os terra tenentes e os l at i fundiários

da re g i ão . E le acabou atraindo mui t o ódi o .

E le era casado c om uma campone s a , tinha doi s fi lhi­

nhos , e uma pes soa se acercou , tornou- se amante da senhora e

preparou o de l i to muito bem preparado . É uma hi stória q ue

pode r i a ser trans formada num conto mui t o dramát i c o pe l a s uti

le za com que esse assassina to foi feito. Por trás , havia uma

i n te l i gê n c i a diab ó l i c a que orientou para que o crime pare-

ce s s e pas s i on a l quan d o , em verdade , era de nature z a política.

Ele foi abatido à n oite , c omendo n a sua cas a , por um tipo

que disparou n a e s curidão uma carga tremenda . Foram 3 0 caro

ços de chumbo e uma b a l a que arrombou tudo , e e le caiu .

A. C . --
Uma b a l a n o pei to?

F . J . -- S i m , no pe i t o , que ar rombou o coraçao . E le caiu de

tal forma que , no dia seguinte , o caixão teve que ficar aber

to, porque a mão de l e fi cou r í g i da . E le foi levado por cen­

tenas de camponeses pedindo vingan ç a . Era mui to que rido . E

e u s ab i a quem e ra o a s s a s s i n o .

A. C. -- Quem era?

F. J . E r a o amante da mu lhe r de le . A mulhe r , s imul andot�

do . Mas e s s e assas s ino e s tava l i gado a uma pe s s oa que era

meu inimigo pol í ti c o de vida e de morte , um i n i migo pol í ti co

tremendo .
/3
A . C . -- Quem e ra?

F . J . -- Eu pre firo nao dar o nome , porque essa pe ssoa ainda

vive . Pas s aram-se mui tas coisas , e eu tenho hoje li gações

com os fi lhos de s s a pe s s o a . É um homem cuj os fi lhos evoluí-

ram mui to , embora e le s e gui sse sendo o mesmo . Os fi lhos se

li garam , depoi s , a mim . Alguns pass aram para o lado de cá e

começaram a trabalhar , � n eL u� o no movimento , onde se compro-

meteram muito . Então , em respe i to aos fi lhos , pre fi ro n ao

dar o nome de s s a pe ssoa . I s s o s i gnifica que sou um homem de

e spe ranças e nao guardo rancor . N ão sou revanch i s ta , é p re -

c i s o dei xar i s s o bem c l aro . Creio que a gente deva e s tar sem

pre olhando para a frente .

A . C . -- E aonde foi o as sa ssinato?

F . J . -- O assassinato foi n a propriedade Boa Espe rança , em

um lugar ch amado Barruncos . Era um desmembramento de s s a gr�

de proprie dade que o meu avô deixou e di s tribuiu entre os fi

lhos . Ele aí tinha o seu pedacinho de te rra e aí foi assas­

sinado . É c l aro que a gente c l amava vingança e e u não podi a ,

abso lutame n te , apontar o assassino . Se eu o indi cas se , el e

seria linchado , trucidado na hora , porque o ódio contra e le

era tremendo . Meu primo era tão queri do , tão que r i do , que

até os cegos vie ram de longe e , como não podi am vê- l o , toma-

vam o rosto do cadáver e choravam . Foi uma co i s a muito dra-

máti c a .

Ele e r a um homem muito origin al . Quando chegava em

uma ci dade , por e xemp lo , a prime ira coi s a que f a z i a e ra com-

prar farinh a , carne de charque , fumo , uma rede , qualquer coi

s a , e levar a cade i a . Ele buscava os presos , n ao que r i a sa-

ber de qual de l i to e r am acusado s , e di s t ribuía as co i s as que

havia comprado . Era muito curioso . E a gente o queria mui-

to , pelo que e le fazia . Depo i s de ver pub l i cado o livro de


José Lins do Re go , Fogo mo�zo, iden ti fiquei muito o meu pri-

mo com o personagem Papa Rabo , q ue também tinha rasgos assim ,

como você deve - s e lembrar .

A.C. -- Rasgos humani tários .

F.J. -- S i m ; humani tári os . E ele nao fa z i a somente i s s o .

E le che gava na ci dade e às ve z e s encon trava uma pobre velha

em um canto , sem c as a , e e le a cobri a . E ra um homem mui to

curi o s o . F a z i a , em uma encruzi lhada, de e s trada , uma casa p�

ra um ce go , e di z i a : " Olhe , aqui pas s a toda a gente que vai

para a f e i ra e que vem da feira e , aqui , voce pode pe dir a

sua e smo l a , tendo a sua casinha " . E l e f a z i a i s s o em um ter-

reno devoluto ou que pertencia ao governo federal . Aí pass�

va a e s trada de ferro e havi a sempre uma margem para se fa-

z e rem e s s as coi s as . E r a uma pes soa muito curi osa .

A.C. -- Ele foi a s s a s s i n ado perto de Bom Jardim?

F.J. -- S im , perto de Bom Jardim . Ele andava sempre de al-

pe rcatas , e gos tava mui to de cantar . E l e cantava enquanto

ia levando seus burros . Imagine que , um di a , eu i a dar uma

c la s s e no CEDOC , aqui em Cuernavaca , no Centro de Documenta-

ção de Ivan Ili ch , que fi cava no alto , em um morro . Vou s u-

bindo a lade i ra e , de repente , s into o xaxado das alpercatas

de s s e meu primo Antôn i o . Voltei-me a s s im , repentiname n te , e

fique i pen s an do . C l aro que me veio a i dé i a de e s c rever algo

e, imedi atamente , come cei a e s crever um poema sobre Antônio .

E s crevi um largo poema sobre e le . E s s e poema acaba de ser

pub li cado nesse livro sobre os e xi l ados , cuj o primeiro volu

me saiu em Portugal , e que foi organi zado pe lo Paulo Fre i re

e mais outros doi s . Aí o poema e s t á pub l i c ado na íntegra e ,

portanto , você poderá vê- lo .

A . C . -- Ele foi um de sses tantos l í dere s anônimos que . . .

IS
F.J. -- Quantos e quantos , nao é ? Antônio foi um de ss es .

Foi um João Pedro Teixe i r a , sem a dimensão deste , mas com as

mesmas i n tençõe s .

A. C. -- Houve muitos de sse tipo .

F.J. -- S i m ; h ouve muitos de s se tipo . Muita gente foi sa-

cri fi cada e liqui dada . o lati fúndi o é cego , é terríve l . Bem,

c re i o que devemos voltar à que s tão dos fore i ros .

Come ce i a pe n s ar n a n e c e s s i dade de buscar uma outra

dime n s ã o , que não s omente o trab a lh o de advoga do . Eu achava

que a tribuna j udici ári a não er a su fic iente , porque invaria

velmente o campon ê s acabava perdendo a que s tão . Talve z orrÉ

r i t o ou a razã o por que acabei conqu i s tando a con fi ança dos

camponeses e s te j a no fato de e u nunca ter mentido para e le s .

Sempre d i s s e : " Olhe , vamos defender e s s e direito seu . Mas

você vai perde r a que s t ã o , porque a Jus t i ç a n ã o é sua , voce


-

n a o fe z e s s a Jus t i ç a . E s s a Jus t i ça é para defender um t i po


-

de socie dade que nao vai - lhe dar a oportun i dade de ser t ra-

tado de forma i gua l . A lei di z que todos s ão iguais perante

e l a , mas e s s a igualdade nao fun c i ona" . E , então , e u exp l i c�

va por que .

Agora , como advogado , naturalmente , eu conhe cia to-

das as trampas da l e i e podi a prolongar a agon i a do con f l i to.

Meu trabalho con s i s t i a em evi tar que o j u i z pudesse dar a sen

tença em um determinado p ra z o . E u sempre tratava de fazer

com que esse pra z o se prolongas s e , até criar uma espécie de

con s ci ê n c i a n o campone s , um calo de re s i s tênc i a , para que

e le come çasse a sent i r mai s con fi an ç a e , por con s e guin te , op�

sesse mai s re si stên c i a .


E u p ode r i a figurar um exemp l o . Um campone s se ne-

gava a dar o cambão. A prime i ra ati tude do propri et ário . . .


I s so e s tá relatado , de forma muito sinté ti c a , nesse l i vrinho

chamado O que úio a.6 -f-<-ga.6 c.amp o Yl e.6a.6. Mas eu pode r i a dar um

exemplo bem c l aro e re latar a l go que não e s t á no livro , que

se passou e que s e r ia matéria para uma nove l a . A primeira co�

s a que f a z i a o proprietário e r a tratar de intimidar . Manda-

va chamar o forei ro e pe rguntava por que e le não vinha dar o

cambão , se i s s o tinha s i do combinado com el e . Lembrava que

e le devia pagar uma parte em dinhei ro e uma parte em di as de

trabalho . E s s a e ra uma coisa que , realmente , me cus tava mui

to exp l i car ao camponê s .

o camponês di z i a : "Mas eu fi z um contrato com o ma

j o r ou com o corone l " . Eram s inônimos de dono de terra , ge�

te que ainda guardava os tí tulos da Guarda N a cional , sendo

que alguns tinham até a sua farda guardada . E o camponê s :

"Eu fi z e s s e compromi s so com e le e não quero falhar , porque

dei a minha palavra " . E e u argumentava : "Mas voce deu a sua

palavra sem s aber que e stava ferindo a lei e , como voce diz

que e s tá caminhando sempre dentro d a lei , você foi enganado .

o proprietário não lhe expli cou que esse contrato não podia

s e r fe i to a s s im . Que el e aumentasse um pouco mais o foro ,

mas que não lhe cobrasse o cambão , porque e s t á proibido pe la

lei . N ão e s tá proibi do a e le aumentar o foro , porque nao


-

e xi ste nenhuma lei que regule o problema do alugue l , do afo-

ramento de terras . Não existe ainda e s s a proib i ç ão , a gente

tem que trabalhar para i s so" . Então , o camponês se convencia .

A.C. -- Qual a disposição j urídica que proibi a o cambão?

Havi a uma di spo s i ção exp l í cita?

F.J. -- Não havi a nenhuma dispo s i ç ão explíci ta .

A. C . -- N ão havi a , também , no sentido de permi ti r , não?

F.J. -- Não . o cambão , o dia de trabalho que el e dava ao


senhor , e ra um dia de trabalho gratuito . Rigorosamen te ,

podia- se f a z e r e s s e tipo de contrato , porque a lei não e s ta­

be le cia que modalidade de contrato de al ugue l podia existir

entre o proprietário e o rendeiro . A minha posição era de

que e s se dia de trabalho deveria s e r e l iminado , deveria ser

considerado uma reminiscência da e s c ravidão e da se rvidão .

S abemos que o cambão nao e outra coisa que o jug o

dos e spanhóis , o yORe dos ingleses traduzido em outras pala­

vras . O camponês estava ligado ao proprietário por esse dia de tra

b a l h o , que era uma reminiscência feuda l . Ain da há ou tra coi

sa. A prin cípi o , e s s e camb ã o , ou e s s e yORe, e s s e jug o se d�

va para limpar os caminhos e os poços de águ a . O senhor b a­

rão da terra di z ia : " Olhe , e s s a agua e e s s e s c aminhos são uti

liz ados por voces . Então , vocês têm que dar uma aj uda para

limpá-los " . Então , j un tavam- se todos e davam aquele dia de

trabalho por um bene fí cio cole tivo . Mas a coi s a passou a ad

quirir uma forma privada . A princípio era para li mpar as f�

tes de agua e os caminhos por onde trans itavam os campon e s e s .

A. C. -- I s s o era a corvé i a , não?

F.J. -- Exa tamente , la c04vce. Mas e s s a corvé i a , com o avan

ço da sociedade capitalis t a , foi adquirindo outra modali dade

e chegou ao cambão . Tornou-se uma coi s a privativa , e o pro-

prietário não mais chamava os camponeses para realizar e s s as

tarefas , mas para dar a e les um dia de trab a lh o , de acordo

com a sua conveniência . Aí e s t á a origem da cois a . Portan-

to, considero que o c ambão é como que o neto , o tataraneto da

corvéia . Eu tratava de e xp l i car aos camponeses tudo is s o em

linguagem muito simp le s , mostrando que a e s c ravidão tinha-se

acabado , que não havia mais se rvidão .

A. C . -- O cambão j á e uma deturpação da corvéia .



F.J. S im , uma deturpação . Em verdade , e ra po s s í ve l fazer

esse tipo de contrato , mas eu tratava de e s c l a recer o campo­

nes para que e le pude s s e ut i li z ar e s s e argumento legal , evi­

tando que de ss e mais um dia de trabalho gratuito ao s enhor da

terra .

Bem , o prop rie tário prime i ro intimi dava , e o cam-

pones re s i s t i a . o segundo pas so do propri e tário era falar

com o de le gado de po l í c i a do mun i c í pi o , para mandar prender

o campones . Quando a ame aça do patrão não fun c i onava , quan-

do o capanga j á não tinha s e n t i do para o camponês , porque ele

sab i a que atrás dele havi a o Cõd� g o, a le i , e havi a um a�

gado que e s tava disposto a defendê- lo , o de legado , que as ve

zes i a comer uma buchada na casa do senhor de engenho , pren­

di a o campone s . Imediatame n te , eu entrava comum nabecu-c.oJtpUi>

e o libe rtava . I s s o dava ao campones muita forç a , porque ele

sab i a que es tava amparado p e l a lei .

Então começava a fase da luta j ud i c i á ria propriame�

te di t a . o proprie tário e s gotara os meios de coerção , de v�

olên ci a , e pass ara a levar o camponês para onde e u que r i a .

A grande revolução que eu e s tava fazendo não e r a outra senão

tran s ferir o camponês da porta do de legado para a porta do

j ui z . Esse pa s so , para os campon e s e s era uma verdade i r a re

voluç ão . Mui t a gente não enten d i a . Muitos companh e i ro s que

se conside ravam marxi s t as , s o c i a l i s tas , não entendiam ab s o l u

tamente que era um p a s s o importan t í s s imo f a z e r com que o ca�

ponês s aí s s e da porta do de le gado para a porta da Justiça .

E eu compreendi a a importán c i a que i s s o tinha , porque e u co�

vivi a com e le s , vi a a dis tância que havi a entre um campones

e um obre iro s i n di c a l i z ado , entre um campones e um homem da

cidade , que j á di spunha de o utros i n s trumentos para se de fen

de r .
19
De acordo com o Cõd�go e�v�i , o proprietário tinha
que noti fi car o camponê s par a , dentro de seis mese s , deixar

a terra . Então , começava a luta . N e s s e s seis me ses , eu di-

z i a ao camponês : " Olhe , você de agora por diante nao tem

mais que trabalhar para o proprie tári o , nem dar o �ão , nem

nada . Trabalhe n a sua terra , e trabalhe o máximo que pude r ,

aprovei tando até o c l aro da lua , porque você vai perder a que�

tão , mas asse guro que você viverá aqui um ano , doi s anos ,

três anos , quatro anos . N e s se intertempo , você talve z , com

muito e s forço e muito trab a lho , reúna o dinheiro suficiente ê

ra comprar um pedaço de terra e se libe rtar , porque a sua as­

piração é e s s a , é ter o seu pedacinho de terra " .

Re alme n te , o campones começava a trabalhar como n�

ca , fero zmen te . Eu e s tava vendo o comportamento dos demais

campone ses , porque o que eu queria é que outros se associ as

sem , que todos segui s sem o mesmo exemp lo . Por isso é que f�

lei em fincar uma e s t a c a : cada campones que começava a re s i s

t i r e r a uma es taca fincada . E eu que ria que , em torno de s s a

e s t ac a , outros che gassem.

O proprietário d i z i a : "Eu tiro fulano dentro de 48

horas , dentro de uma semana , dentro de um mês " . E não ti ra-

nao
-

va . Então , o campones di z i a : " Que intere s s ante , fu l ano

saiu , nao vai mais dar o cambão , a gente passa na casa de l e

e e le pergunta : "Por que e que vo ces vão dar o camb ão? Por

que você s não fazem como e u ? " E o pe ssoal , às ve ze s , até o

evi tava , a princípio , mas depois ia vendo que a questão se

prolongava e come çava a di z e r : " E u acho que a gente tem q ue

seguir o caminho do fu l ano . Você vê que el e nao dá mais o

cambão , e s t á lá , trab alhando n a sua terra , e nem paga mais o

foro" . Em verdade , eu di z i a : " O lhe , enquanto a que s tão e s ti

ver n a Jus ti ç a , você nem dá o cambão , nem paga o foro . Es-

pere porque , no final , e le tem que fazer um enoontro de contas ,

02.0
e le tem que pagar a inden i z ação de suas lavouras, das arvo-

re s, da casa, do poço, da cer c a . Por i s s o, não pague o foro

agora" .

A Ju s t i ç a e s tá sempre che i a de muitas deman das, e o

j u i z nao tem tempo de se de dicar a uma determinada demanda

para atender a determinado proprietário . Por i s so, as audi-

ências sempre se prorro gam mui to : um mês para reali zar uma

audi ênci a, porque há pendentes também outros assuntos de in-

tere s s e . E u aprove i tava tudo i s so, e cri ava uma série de in

c i dentes, para prolongar a ago n i a da demanda .

A. C . -- Que tipo de i n c i dente, por exempl o ?

F.J. -- Digamos, prime i ro se fazia a prova técni ca, de acoE

do com a Le i Proce s s ual Civi l . Então, o proprie tário de s i g-

n ava um técnico, um agrônomo, para fazer a avaliação das la-

vouras e dos bens do campon e s . Eu também tinha que designar

um té cni co, e o j ui z de s i gnava o chamado desempatador . O rreu

té cni co o fe r e c i a um laudo, que nunca correspondia ao l audo

do técnico do patrão, porque e s se sempre tratava de diminuir

e di zer que nao exi s t i a nada . Ao meu, eu tratava de di zer:

" O lhe, você tem de di z e r o que existe, contar as árvores 6tw.-

;ta,ú." os pés de laran j a, de abacate, de j aca, a casa, o poço,

e dar o valor real correspondente " .

E o té cn i co do j ui z, em ge ral, e ra um fun c i onário da


-

J u s t i ç a, mal pago, e que, por pre s s ao mesmo da socie dade, do

si stema, se inclinava e de sempatava em favor do té cn i co do


patrão . En tão, a gente j á perd i a aí .

O j ui z não ia, mas e le tinha a faculdade de i r ve r .

O j u i z podia desprezar os l audos, i r l á e veri fi car com os

prôprios o lhos e com a as s i stência de quem ele qui s e s s e . Mas,

por comodismo e para não parecer que e s tava sendo parcial, ele

nao i a . S e e le fosse, e l e encontrari a e s s a verdade e nao

21
pode r i a ab solutamente de s conhecê- la . Ele preferia nao ir e

con fi a r em um té cn i c o . Então , j á aí perdí amos uma batalh a .

S e guia-se a audiência para se tomar o tes temunh o , as

de c l araçõe s das parte s e das tes temunhas que er am apre senta-

das . De acordo com a lei , a gente tem que apresentar um ma-

ximo de oito e um mínimo de duas tes temunh as , porque uma tes


- -
temunha s o nao f a z prova . Eu me re cordo de que , de acordo

com o Cõd�g o de p4oee��o� b r as i le i r o , era um máximo de oi to .

E u n ã o punha n ove , porque não p odia pôr nove . Com a preocu-

pação de prolongar o quanto pos s í ve l o de s fech o da deman da ,

e u punha oito te stemunh as . A outra parte punh a , quando máx�

mo , duas ou três tes temunhas , em ge ral moradores . E u busca-

va , e as ve z e s e ra di f í ci l , encontrar tes temunhas porque a

gente tinh a me d o .
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. ·1'
A c i r cun s tân c i a der.- n o dia da audiên ci a , ( sen tar-se
.e

frente ao proprie tári o , para o-campone� Ja e r a um pas s o tre-


_ . _

mendo . Muitos di z i am : " O lhe , doutor , e u pos s o perder a cau

s a , mas j á e s t ou s ati s fe i to , p orque vi o coronel fulano de

tal mentindo. na pre sença do j ui z , n a sua presença, na minha


>
pre sença e de outras pe s s oas . E le , que é tão rico, nem s abe

menti r . E u , que sou pobre , fui lá e disse a ve rdade . En tão ,

com e s s a coi s a de ele me n t i r na minha pre sença , de ele se sen

tar ali e s e r obrigado a menti r , e u j á es tou s a t i s f e i t o , já

ganhei a minha caus a . Não importa que e u abandone a terra" .

'
i �uriOso � q� ; se pass ava dentro de le , que valores
,,.-
tinha l e s s e campone s . O prob lema da palavra , da verdade . . .
(2,,, J" •
E-le consi derava que o h omem r i co não pod�a menti r , não devi d

men t i r . Tudo i s s o a gente tem que cons i de rar , e tudo isso

e u observava .

A. c. I s s o e um dado muito importante da con s ciência s o-

c i a l de le .
2.2
F.J. - 10: muito importante e s s e dado, e por i s s o a gente tem

que ver bem e s s e terreno, para não ide a l i z ar coisas, porque

a re ali dade e e s s a, i s s o e xiste nele .

Tomava-se o tes temunho, tomavam-se as declarações

do prop r i e t ário e do camponês, que se confli tavam, porque ele

ne gava tudo . o c amponês afi rmava : " E u tenho i s so, i s so, i s -

50 e mai s i s s o " . S e gu i a - s e o depoimento das t e s temunh as . É

c l aro,·primei ro se t o�)as tes temunhas do propri e t á rio .

Então, eu começava a criar toda a sorte de con f l i tos .


P, l "'� 'J

\ �juiZ di z i a às test emunhas : " Olhe, você tem de di

zer a verdade de acordo com a lei, e o Côd-i.go c.-i.v-i.L pune a te §.

temunha que fal ta ã verdade " . E u o inte rromp i a e d i z i a : "Dr .

j ui z, e u que r i a que o senhor mandasse o es crivão l e r o arti-

go do Côd-i.go pena.L que pune a tes temunha que falta ã verdade,

que vem ã Jus t i ç a menti r " . O j u i z e r a obri gado a fazer isso,

porque, se e le não f i z e s s e , e s t aria cometendo uma infração

graví s s i ma que pode r i a anular todo o proce s s o . E ele s ab i a

qual er a a minha inten ção . Então, e l e mandava o escrivão ler :

" O senhor leia o que o advogado e s t á pedindo . Le i a " . O es­


c.. k �..-""""...J....a.:/
'
criva0 li a e eu di zi � , "Você e s t á bem adve rtido . Se você

vem men t i r aqui, você vai pegar s e te anos de cade i a, porque

a lei pune " . o juiz tentava pro s s e gu i r, e eu : agora

vou pe di r ao senhor que faç a a tes temunha j urar nao so pe ra�

te a l e i , mas que j ure também ante Deus que vai di zer a ver-

dade, pois, pos sive lmente, a tes temunha é temente a Deus " .

Em ge ral os camponeses s ao cató l i cos . E o j uiz re spondi a :

"Mas i s s o não e s t á ab s o lutamente na lei " . Então, abria-se uma

di s cu s s ã o que, as ve zes, tomava toda a audiênc i a . Eu já ia

preparado para e s s e debate, e era um d i a perdi do .

A.C. - Não, um d i a ganho .

F.J. - S im, um di a ganho . Pe rdido para e le , ganho para o


camponês . Então , e le di z i a a ssi m: "Mas como é que o senhor

vem com um argumento des s e ? " O advogado da parte contrária

se exaspe rava . Eu respon di a : "Vou-me j usti fi car . E u per�

to , dr . j ui z , qual é a lei maior? Não é a con s t i tuição? " E

e le respondi a : "Precisamente 11 •

E u continuava : "Então , to-

das as demai s l e i s devem e star subordinadas à Con s t i tuição .

O senhor ve j a aí o pre âmb ulo da Con s ti tuição , que di z qu= es-

sa Con s t i tui ção foi j urada baixo os auspí cios de Deus . Se ela

foi j u rada bai xo os auspícios de Deus , da proteção de Deus ,

todas as demais le i s devem , naturalmente , subordin ar-se a

isso. É um argumento lógi co , dr . j ui z . Peço que o senhor

pergunte à te s temunha se e l a j ura dar o tes temunho per ante

Deus , porque , se a tes temunha j ura perante Deus , ela sabe qtE ,

se mente , vai direto para o in ferno quando morre r . E la crê

no in ferno , e l a cre n o cé u e e la crê no purgatório " .

E ra um debate feroz ! É c l aro que , depois de tudo

i s so , terminava o prazo da audiên ci a . De acordo com a lei ,

as audiências tinham prazo . Come çavam às duas horas e ti-

nham que se encerrar as se i s . E ganhava-se tempo . E u pode-

ria narrar uma série de i nci dentes des s a nature z a , mas e mui

to largo .

A. C . -- Mas é muito importan te . Ta lvez o senhor se lembre

de alguns casos que cons i de re típicos . No fundo , e l e s sao o

retrato fie l da s i tuação em que os camponeses vivi am .

F.J. -- Sim , de toda a s i tuação . Segui�-se o te stemunh o .

Às ve zes a te s temunha s e intimi dava , ficava realme n te com

medo quando eu faz i a e s s a adve rtência e confe s sava a verda-

de . I s so j á melhorava , poi s o l audo técni co fi cava comprom�

tido . Evi dentemen te , o j u i z pre fe r i a sempre o laudo técn i co

ao laudo te stemunhal , partindo do princípio de que esse laudo

peri cial e r a muito mai s sub s tan c i oso do que o simp l es te s te -

munho , onde a verdade pode ria s e r e s c amoteada e ne gada .


2<1
I s s o se pro longava . Às ve zes , durante um d i a , tom�

vam-se um tes temunho ou doi s . Eu me prolon gava mui to , faz ia

uma série de perguntas que levavam uma hora , duas horas . Pa

ra i s so , e u tinha paciên ci a e tudo e ra feito e m forma j á bem

calculada , bem intencionada , para ganhar tempo . O re sultado

é que uma demanda , às ve ze s , se di latava durante um ano ou

doi s anos . Houve demanda que demoras se , di gamos , quatro ano�

I s so dava margem para que eu pudesse i r de spe rtando o inte­

resse e afugentando o medo de outros camponeses que e s tavam

vivendo o mesmo drama desse camponês .

As sim é que eu i a ganhando terreno para a outra coi

sa em que eu pensava : organ i z ar os camponeses . Evi dentemen­

te , eu não pensava em organi zá- los em l i gas . Em 5 5 , apareoeu

a prime i ra associ ação , a Soci edade Campone s a , que eu não fun

dei . Nunca fundei uma l i g a , é outra co i s a que sempre gosto

de e s clarece r . Não fui o fundador das l i gas camponesas . Não

me cabe e s se mé ri to , mas aos próprios campone ses . Eles é qoo

as fundaram .

A . C . -- Ainda sobre e s se período em que o senhor atuou in-

ten s amente como advogado , e u q ue r i a lhe perguntar se esses

víncu los com os campone ses parti ram de uma demanda desses tra­

balhadore s que e s t avam em di fi culdade s e que achavam que o

senhor , como advogado , pode r i a aj udá- los , ou se o senhor te­

ve um pape l de c i s i vo em procurá-los para induz i r esse proce�

so de luta j ur íd ica ?

F . J . -- E u tive e s s e pape l . Em verdade , antes de entrar na

universi dade , mui to antes di sso , conheci mui tos camponeses

que re s i s t ir am . Mas resisti ram de forma comp letamente de sa�

parada , sem nenhum advogado para de fendê- los , sem nenhuma per�

pectiva . Eram tipos de uma grande valen ti a , com um mínimo

de con s ciê n cia de seus direitos , que res i s t i ram e foram suma

ri amente ap lastados , liquidados , porque não s ab i am a quem


recorre r . B u s c avam , muitas ve zes , o caminho menos indi c ado ,

que r di ze r , um outro propri e tá r i o ou um chefe po l í t i co . Q�

do e s se camponês s ab i a le r , tinha t í tulo de e l e i to r , tinha

uma famí l i a mais o u menos grande que podi a vo tar , e le e n con­

trava um c e r to amparo . E l e perdi a . Naturalmen te , o d i re i to

de proprie dade e r a muito s agrado . Os propri e tári o s , entre

si, r e s pe i t avam muito i s s o . Mas e le di z i a : " O lhe , vou ver se

faço um arran j o com fulan o , mas voce s ab e , e le é de outro PeJE

tido . O que posso fazer é lhe dar um pedaço de terra . E vo

ce vem para c á . Vamos ver " . Era uma j u s ti ç a paternali s ta .

O amparo de le e s tava em função de um tí tulo de e l e i tor , de

algum intere s se que pude s s e oferecer a um determinado p a r t i ­

do p o l í ti co o u a u m determinado che fe p o l í t i co . E u ob s e rva-

va i s s o . Mas , em verdade , a c o i s a come çou a tomar uma forma

muito mais conseqüente , dentro de s s a l e g a l i dade codi f i c ada ,

quando come cei a e xp l i car . . .

[!INAL DA FITA l-�

F.J. -- Bem , aceitO que realmente desempenhei e s se pape l de

bus c ar o campon ê s , durante o s prime i ro s 1 5 anos . E s s a co i s a

come çou em 4 0 , e a prime i r a l i ga campone s a só surgiu e m 1955 ,

embora não tive s se e s s e nome . Foram 15 anos de contato per-

manente com e s s e s campone s e s . Durante todo e s s e l argo pro-

ce s s o , houve co i s as mui to i n t e re s s ante s . A princípio , eu tra

tava de convencer os campone s e s de que e le s deveri am s e de­

fender em conj unto .

S e e le s se de fende s sem em con j un to , se fos sem qua­

tro , cinco , sei s , ou de z demandado s , proce s s ado s , levados a

Justi ç a , eu pode r i a prolongar mais o proce s so . E u fari a uma

con t e s tação para cada demanda e pode r i a me te r o i to t e s temu­

nhas em cada um a . Multiplicanoo oito por oito , são 6 4 t e s temunh as.

26
E, para ouvir 6 4 tes temunhas , leva-se mui to tempo : um ano I

d e i s anos , três ano s .

Eu uti l i z ava sempre tudo aqu i l o que a l e i me permi-

ti a . Sempre que havi a p o s s ib i l i dade , e u re corri a d a i n s tân-

c i a i n fe ri o r para a i n s t ân c i a supe r i or , uti l i z an do recursos

q ue a l e i me pe rmi ti a . Quando o j u i z tomava uma m e d i da q ue

eu não con s i derava corre t a , ou quando o laudo não me conten-

tava , eu podia usar uma série de recurso s . E e u o s u s ava ,

também , para para l i sar o proce s s o .


,
Eviden temente , a l guns r�

cursos t i nh am um e f e i to s us pe n s i vo ; outros , não , t inham e fe i

t o devo l u t i vo .

Nos re cursos de e fe i to s us pe n s i vo , a demanda i a to-

da para o Tribunal e , lá , passava t rê s , quatro , c i n c o me se s .

Enquanto i s s o , o campones f i c ava de s cans ado e e u , t ratando de

outras c o i s a s . Em p r i n c í pi o , procurei convencer o campon e s

de que e ra muito importante que e l e fo s s e a s s i s t i r , n a Jus t i

ça , o desenvolvimento d a q ue s tão . Chegou o momento mui to i n

tere s s an t e e m que , conve n c i do p o r mim , o campon e s , a s ve z e s ,

i a com o s e u companhe i ro para ver como fun ci o n ava a J us t i ç a .

Evi den temente , i s so caus ava um certo e s c ân dalo na c i dade , c�

dade pequena que e r a , morta . Durante a semana não havi a mo-

viment o , só nos d i a s de fe i r a ; quarta- fe i r a , s ábado e domin-

go !

A. C . -- E s s e s proce s s o s se desenvolviam nas c i dade s .

F.J. -- Sempre n a s ci dade s .

A.C. -- Nas s e de s de muni cíp i o .

F.J. -- N as sedes de mun i c í pi o , porque a í e s t ava a J us t i ç a .


-

Então , e u di z i a ao campones : " P o r que e que voce nao vai

com os demai s , para que vej am como e que a Jus t i ça fun c i on a ,

ao invés de i r voce somen te , com as s uas t e s temunhas . Nesse


di a , suspendemos aqui o trabalho e vamos " . Chegou o momento

em que che gamos a levar à J u s t i ç a 50 ou 60 c ampone se s , 100

c ampon e s e s , que nao e s tavam l i gados dire tamente à demanda ,

mas que iam po r urna e s p é c i e de s o l i darie dade . I s s o j á era o

começo da convi cção .

A.C. -- Em que ano?

F.J . -- Vari ava um pouco , pois dependia de a regiao estar ou

n ão s e n s ib i l i z ad a . Urnas e r am m a i s sensibi li z adas e outras ,

menos . Mas pos so di z e r a você que , a parti r do ano de 50 ,

j á havi a i s s o .

A. C . -- E quais e r am a s z onas m a i s s e n s i bi l i z adas ?

F.J. -- Vi tóri a de S an t o Antão , por e xemp l o , e r a uma zona

m u i t o sensibi l i zada . Bom Jardim , minha terra n a ta l , e ra ta�

bém b a s t ante sensibi l i z ada . Limoe i r o , terra do coronel Chi-

co Herác l i o , e ra urna zona muito s e n s i b i l i z a da . Havia outras.

A.C. -- Jaboatão?

F.J. -- Jaboatão também , b a s t an te sensibi l i z ada , mais Cb que

Vi tóri a . t curi o s o , em Jaboatão havi a mui ta re lação entre

campone s e s e ferrovi ários . Era um e n t roncame n to ferroviário

importante e , ai , os campone s e s e s tavam muito l i gados aos tr�

balha dores d a c i dade , aos ob re i ro s . Por caus a de s s a ligação ,

era re a lmente uma zona muito s e n s ib i l i z ada .

A. C . -- E n o s u l do e s tado , nada?

F.J. -- No s u l do e s tado , a l gumas re g i õ e s j á começavam a s e

sensibi l i z a r . Houve , por e xemp l o , uma demanda grande cem urna

usina de P e s s o a de Que i rós , a U s i n a Santa Tere s inh a , que e ra

em Arnaragi . Houve realmente urna demanda e xtraordinári a , on-

de mobi l i z amos . . . Ai j á foi urna demanda c o l e t i va . Foi urna

2&
questao que envolvi a duas propriedades que os proprietários

venderam ao u s i n e i ro , porque não podi am tirar os camponeses

que aí vivi am h á 4 0 ou 50 anos . E havia mui tas ben fe i torias

e tc . E le pre feriu vender mai s barato . Então , começamos a

luta contra a usi n a , e a demanda foi total . Evi dentemente fo

ram derrotados , ap lastados , e houve recurso até a a s s a s s i na­

to de c ampone ses .

A. C . -- I s s o ainda na prime i ra fase , em 5 0 , por a í ?

F.J. -- S im , ainda na prime i r a fase . E u me recordo de que ,

em uma das audi ências em que compare ci , quando entrei na ci­

dade para a s s i s t i r à audiê n c i a , come cei a e s cutar o coro da

No�a S in fon i a de Bee thove n . Então , e u di s s e : " A l gum acont�

cimento grave ocorreu ne ste p aí s , para que , em uma ci dade tão

pequena como es s a , se e s te j a e s cutando o coro da Nona S i n fo-

nia" . Eu entrava na ci dade , era Amaragi , e ia comigo uma pe�

soa .

I n f orme i -me , então , de que Vargas acabara de se sui

cidar . E s t avam transmitindo um pedaço da carta de Vargas e

tocando o coro da Nona S i n fon i a . Não ob s t an te , a audi ê n c i a

s e re a l i zou . E u quis pedir ao j ui z que , em homenagem ao pr�

s i dente , não se fi z e s s e a audiênci a , mas e le fe z . Ora , isso

foi em 1 9 5 4 . Portan to , a e s s a altura , j á havi a demandas im­

portan tes , � � CLUh O contra u s i n e i ro , e contra um u s i ne i ro im­

portante como o P e s s oa de Que i rós , em P e rnambuco .

Bem , a circ un s t ân c i a de i r tanto camponês assistir

a audi ê n c i a mo l e s t ava muito , cri ava muitos problemas com o

j ui z . O j u i z me perguntava: " Por que é que o senhor e s t á tra

tando de desorgani z a r a vida des sses c ampon e s e s , trazendo es

sa gente em um dia de semana , quando são tão ne ce s s á rios no

campo , traba lhando sua própria terra? " E u re spon di a : Dou-


11

tor , vou- l he e xp l i car . O camponês tem mui t a curi o s i dade de

2.. 9
s ab e r como se faz j us t i ça e , por i s s o , me perguntavam se ha-
-

vi a inconve n i ê n c i a em vi r aqui . Eu di s s e que nao , porque ,

como as audi ê n c i a s s ã o púb l i cas , de acordo com a le i , também

podem compare ce r os senhores de te rra e o s coronéi s " . No seu

entender e u e s t ava di zendo a l go que lhe p a re c i a uma e spé cie

de sublevação . Mas as audi ê n c i a s s ão púb l i c a s e os campone-

s e s vêm a s s i s t i - l a s , convencido s e procurando s aber como se

di s tribui a j u s ti ç a .

I s s o foi cri ando o c l ima para eu poder ent rar n a o�

tra fa se , que e u chamar i a de organi zação , de unidade dos cam

pone s e s . E u tentava conven c ê - los , uti l i z ando à s ve z e s ima-

gens muito simp l e s . o campon es sempre viveu m a i s ou menos de

mão e s tendida , pedindo ao prop r i e t ário que não aumen tas s e o

foro , pe dindo a te rra , pedi n do i s s o e aqui lo , pendido a um e

outro , pedindo a um chefe po l í t i c o . Eu d i z i a : " O lhe , a mão

e s tendida não tem s e n t i do . Se você e st e n de a mão , quando m�

to , e l e pode dar uma e smola . Vocês têm que f a z e r com a ma0

o que sempre fazem quando tomam a enxada . Vocês comprimem a

mão n o cabo da enxada , apertam a mão . Quan do apertam a mão ,

os dedos s e unem . Com a mão e s tendida , voces podem , natural

mente , separar os dedos , mas , com a mao apertada no cabo da

enxada , é impo s s í v e l separar os dedo s . E n t ão , vo cês tomem

que a soci e dade que amanhã ou depo i s s u r g i r á de vo cês e uma

e sp é c i e de mão fechada no cabo da e n xada " .

E s s a i dé i a da un idade dos dedos e outras imagen s ,

eu as uti l i z ava para que os c ampon e s e s f o s s em mai s ou menos

entendendo o s e n t i do da unid ade . O camponês também tem isso,

sobre tu do o camponês que arrenda a terra : e l e é um s e r muito

individua l i s ta . A s ua lega l i dade é conhe ci da , e o seu indi-

vidual i smo , t ambém . E e le é individua l i s t a p re c i s amente pOE

que a s u a relação se e s tabe lece dire tamente com a t e r r a , com

a enxada , com o seu i n s t rumento de trab a lho , com o cavalo que

'3 0
lhe serve para i r à fei r a , com a semente , com os fenômenos

meteorológi cos . Então , e le não necessita do outro campone s ,

porque a s ua re l ação e d i re t a com a terra .

Era p re cis o i r rompendo com i s s o e mostrando que a

uni dade de todos é que i r i a dar a oportunidade de pos sui r a

te rra . C laro , o camponê s aspira à terra onde e le vive . No

pedaço de terra onde e le vive é que el e tem suas raí ze s . Aí

morreram seus antepas s ados . E le e s t á li gado a i s s o , tem amor

a e s s a terra , aspira a esse pedaço de terra . Então , eu tinha

que uti li zar e s s a aspi ração ao pedaço de terra , e s s e dese j o

de pos s e , para que e le lutas se por e s se pedaço de terra . Ev�

denteme n te , era mai s fáci l e stimu lar e s s e dese j o nos campon�

ses do que di z e r : " Bom , vocês vão ter um pedaço de terra no

Maranhão , em GOi ás , ou mesmo em outro lugar daqui de Pe rnam-

E le s n ao i ri am , porque o seu hori zonte é aque le .

Seu hori zonte , às ve z e s , se e s tendia até onde s ua vi sta po­

dia a l cançar , e i s s o às ve zes não pass ava da alde i a onde ia

fazer s ua fe i r a , ou da usina , que j á tinha todo um mecani smo

para manter o campones sempre dentro de sua áre a : tinh a o bar

racão , às ve z e s davam o dinhe i ro , as ve zes o vale do barra-

cao , uma série de coi s as . Então , e l e s tinham amor àque le p�

daço de terra e , naturalmente , re ssentimento contra o propr�

e tário que comet i a i n j u s tiças , que lhe i n fe l i citava uma fi-

lha , que s acrifi cara um parente ou o pai . E le sempre se re-

cordava de s s as coisas todas . Por i s s o é que eu bus cava o caro

ponê s que e stava aqui , sempre partindo do princípio de que

o galo canta no seu terre i ro .

Bem , e s s a i dé i a de levar os camponeses à Justiça flo-

re s ceu , adqui r i u mui ta importânc i a , mas , naturalmente , j á em

uma fase muito mai s avançada , em que me foi possíve l pensar

no problema da unidade . Coin c i de que , em 1 9 5 4 , dado a uma


de s s a s coi s a s quase acidentai s , logrei uma cadeira de deput�

do e s tadu a l . Foi a prime i ra ve z em que se e l e ge u um deputa-

do do P a r t i do Soc i a l i s ta em P e rnambuco . E u voltava do inte-

rior -- como sempre , ia de fender campon e s e s -- , e encontrei

a casa che i a . Todo o mundo di zendo ; " O lhe , você acaba de

s e r e le i to deputado e s tadua l " . Eu pergunte i ; "Mas como ? " E

responderam : " É que se somaram os d i ve rs o s companhe i ros do

partido , e a soma de tudo deu o quociente e le i toral , e voce

e s tá e le i to deputado " . E u di s se : "Mas e umà s urpre s a treme�

da . Bem , agora vou ter duas tribun a s : a tribuna j udi c i ária

e a tribuna p o l í t i ca . Já é interes s an te " .

A. C . -- E como foi a c ampanha para deputado?

F.J. -- Bem , voce sabe , eu me meti em po l í t i c a desde muito

j ovem , a princípio sem a preocupação de mi l i t a r em partido

po l í ti c o . P o rém , com a redemocrati zação , em 4 5 , tome i um pa!:

t i do . O meu primeiro partido foi o P ar t i do Repub l i can o . Fui

do P a r t i do Repub l i can o , em Pernambuco , e logo fiquei como te!:

cei ro s up lente , enquanto candidato a deputado feder a l . Fiz

uma campanha , s ó , e m todo o e s tado de Pe rnambuco . Eu ia as

fe i ras , falava . E u j á tinha e s s a coi s a , mas perdi .

A.C. -- E s s a sua entrada n a p o l í t i c a é que me intri ga um po�

co , porque o senhor di z que , n a epoca de facu l dade , o senhor


-

quase p a s s ou corno uma s omb r a f o i a e xp re s s a0 que o senhor

usou h á pouco . De repente , quando o senhor s ai da un i ve r s i -

dade , descobre a p o l í t i c a , de scobre a s u a vocação de conse-

lhe i ro j ur í di co dos c ampone s e s e t c . Como é que s e deu e s se

proce s s o tão abrupto de trans formação?

F.J. -- E le nao foi tão abrupto . A parti r dos 18 anos de

idade , quando entre i na uni ve r s i dade , come ce i a l e r mui ta li

tera tura e d e s c obri a e x i s tênc i a da po l í t i ca . A princípi o ,


32
era uma coisa assim mui to teóri ca . Eu a vi a de uma fonna bas­

tante teórica e não s ab i a como concre ti z ar todo esse pensa-

mento que fui adqui rindo na uni ve r s idade . Por suposto que na

uni ve rs i dade e u t i ve mais contato , sempre me entusi asmei mais

com a corrente de e squerda entre os e s tudan tes , gente que t�

ri a , por conseguinte , i déi a s mai s avançadas . Em ve rdade , n�

ca fi z pol í ti ca uni ve r s i tári a , nun ca parti cipei de pol í t i c a

uni ve r s i tá ri a .

A. C . -- Não e ra o seu mundo .

F . J . -- Não e ra o me u mundo . Nesse tempo , por e xemp lo , eu

gostava mui to d e l i te ratura , gostava muito de l e r e e s c revia

mui to . Mas nunca parti cipe i , em prime iro lugar , porque nao

tinha tempo ; em se gundo l ugar , porque , realmente , não me pa-

re c i a in te re s sante a política uni ve rs i tári a . Apenas aconte-

ceu que , em 39 , quando nos formamos , havi a duas correntes na

turma , uma que que r i a que o orador fos se um e lemen to que eu

con s i de rava reacion á ri o , e a outra que que r i a um elerrento con­

s i de rado muito progre s s i s ta , rapaz de esque rda , muito inte l i

gente , que e ra meu cole ga e que foi o prime i ro que me meteu

al gumas idéias na cabe ça . Foi el e quem me deu , por e xemplo ,

o A nt� - V lih�i ng para le r . Esse rapaz ti nha mui ta influência,

era excelente orado r .

A. C . -- Quem e ra e le ?

F . J . -- Chamava-se Eurico Cos t a . Era fi lho de portugueses ,

grande orado r , bom poeta , pinto r , com mui tas inquietaçõe s , e

e le in fluiu muito em mim , � n cLu6 o para e s tudar direito . E le

me levou muito . Então , eu di sse : " O lhe , Euri co , você vai ser

o orador da turma " . E havi a um debate tremendo , em 39 . Foi

quando se re ali zou o prime iro Congre s s o Eucarí s ti c o , em Reci

fe . A gente da outra corrente queria que o paraninfo fosse

o carde al Dom Leme , e nós , da facção esquerdi sta da faculdade ,


queríamos que fosse o p ro f . Sori ano Neto , um admi rável pro-

fe ssor de d i re i to civi l , que tínhamos como um grande l í de r .

Grande civi l i s ta e s s e h omem .

Então , o que se passou e que a corrente mais de di-

rei ta come çou a fazer um abaixo-assinado para que o paranin-

fo da turma fos se o carde a l Dom Leme , e a gente nao ousava

absolutamen te deixar de assiná-lo , porque seri a um e s cândalo .

E ra uma época ainda muito dura . Estávamos no E s tado Novo ,

Agamenon gove rnava Pe rnambuco e havi a mui ta p re s s ao dentro


-

da unive rs i dade . A úni ca coi sa que fi z foi fazer clesaparecer

a l i sta , quando , j á no di a seguinte , se devia proclamar o p�

ran i n fo . De s apare ceu a l i s t a .

E u que r i a que o paran i n fo fos se o Sori ano N e to -- e ,

claro , uma grande parte da gente . A coi s a e s tava divi di da ,

embora mais inc linada para o outro lado . Uns fi rmavam o do-

cumento por temor de serem persegui dos , não por convi c çao ,

mas , em verdade , que r i am que fosse o S ori ano . No di a s e gui�


-

te , devia-se apresentar a l i s ta , que nao apareceu . E u a gui3!:

dei por muito tempo . Então , preparamos uma grande ovaçao :

quando o Sorian o chegou para dar a última c l asse do ano , o

pessoal come çou a apl audi r , e fomos levantando , levantando . . .

A outra parte se sentia mui to i ncômoda , porque e le e ra um e x

ce lente profe s s o r , que r i do de todos . Sentindo - s e incanodados

por permanecerem sentados e le s se levantaram , aplaudi ram , e

nós , então , proclamamos Sori ano o paran i n fo . Foi assim que

e le foi e le i to paran i n fo . Daí , saiu também o orador da tu r-

ma , que foi e s s e meu co lega Euri co Costa . t curi os o . Cre io

q ue talve z tenha s i do a úni ca ati vi dade que tive em toda a

vida de academi a .

A. C . -- Mas percuti u bas tante .

F.J. -- Bem , c l aro que e s s a gente nao s ab i a disso , e creio



que muitos ainda nao s abem . E stou dando um depoimento agora,

di zendo que e scamotee i e s s a l i s t a . Guarde i - a comigo durante

muitos anos , e só mos trava a a lgum companhe i ro quando tinha

nele absoluta confianç a , mesmo a ssim , muito tempo depois .

Foi um pouco de astúcia que havia n e s s a cois a . Mas i s so quer

di z e r que as minhas inquietações políti cas começaram re alme�

te quando en trei na universi dade . E u tomei um parti d o .

A. C . -- Como é que repercuti ram , naque l a época , n a universi

dade , a s ações de ANL , aque le movimento todo de esquerda, éqUe

la frente popu lar que se formou em 3 4 ?

F . J . -- Em Pe rnambuco , a s liberdades estavam bastan te garrQ

teadas . Re a lmente , o E s t ado Novo aí funcionou bem . Ho j e te-

nho outro conce i to de Agamenon . Eu o ve j o através da dimen-

sao h i stóri ca , e penso de outra forma . Come temos a l guns e r­

ros com re lação a Agamenon Magalhães e a Ge túlio Vargas . Te­

mos que revi s ar tudo i s so e ver a importân c i a de ce rtas de ci

sões tomadas naquele tempo , mesmo por Agamenon . El e foi um

homem que teve uma atuação intere s s ante em re lação aos u si­

nei ros de P e rnambuco .

A. C . -- Sobre i s s o e que eu queria lhe pergun tar .

F . J . -- E temos que fazer j ustiça : Agamenon foi o homem que

fe z a prime i ra lei anti truste no Brasi l . Quando acabou o Es

tado Novo e e le foi para o Ministério da Jus ti ç a , e le fe z a

prime i ra lei antitruste . E nós a combatemos simplesmente POE

que Agamenon tinha s i do inte rventor e tinh a s i do o homem for

te que perse guiu e s tudantes , que perseguiu a gente mais pro-

gre ss i sta , os inte lectuais de Pe rnambuco . E o movimento , to

da a res i s tênci a foi dentro da universi dade .

A universi dade foi o grande cadinho das lutas po l í ­

ticas e m Pe rnambuco . Aí se gestou e s t a consciênci a , de onde

35
s a i u Demócri to de Sousa Fi lho , de onde sa iu , naturalmente , o

prime i ro movimento de re s i s t ân c i a contra a di tadura , antes

mesmo de 1 9 4 5 , ant e s mesmo da redemocrat i zação . E u aí e s ta­

va e , evi dentemen te , tinha que s o f re r o impacto de toda e s s a

coi s a . P o r con seguinte , a minha formação pol í ti ca teve iní-

cio n a unive r s i dade . É c l aro que , depoi s , e u tinha que t�

um caminho , e o que me pare ceu mai s adequado foi o de que re r

trazer os campone ses para in corporá-los a esse proce s s o .

E u sempre penso nas coi s a s como e l as vão-se dar da-

qui a de z anos . Os amigos ou a l guns companhe i ros diziam: "Mas

e s s a coi s a não vai prosperar " . Eu sempre respondi a : Então ,

por que é que a gente não e s tabe lece uma me ta? Vamos trab a ­

lhar durante de z anos e , depoi s , vamos ver o re s ul tado " . E

eu e xp l i cava : " O lhe , há pessoas que gostam de pJ:antar couve

e coentro , porque , daí a um ou dois me s e s , j á e s tá dando .

Mas eu gosto de p l antar j ac a . A j ac a dá com de z anos ; então ,

pode pas s ar 1 0 0 anos dando . Ademai s , e uma sombra e xtraordi

nári a , boa made i ra , e a gente a tem po r 1 0 0 anos . N ão é me­

lhor a gente p l an t ar agora a j ac a ? "

E u sempre pen s ava em como seria de z anos depoi s . Si

go sempre pens ando em como as c o i s a s se vão proce s s a r den t ro

de de z anos . Não perco e s s a perspe ctiva . Se a gente for �

s a r i s s o em termos de tempo fi s i o l ógico ou b i o l ógi co , pXe-se

de sanim ar , porque a pes soa que r viver a sua vida . Mas se a

gente pen s a em termos de tempo h i s t ó ri co , sempre s e anima mui

to , porque , se nao se consegue chegar a uma me ta detenffinada,

outros che garão . Sou do tempo h i s t ó ri co , não do tempo f i s i o

lógi co . Talve z , p o r i s s o , quem s abe , e u pos s a viver ain da

mui tos anos , porque penso sempre em termos do tempo hi s tóri-

co , e s tou sempre olhando para adi ante . Foi a s s i m que me me-

ti na p o l í t i c a . Portanto , não foi uma co i s a brus c a ; foi n as

cendo , nas cendo , nas cendo . . .


A . C . -- De qualquer forma , esse seu interes se tão vivo , tão

presente pela causa c ampone s a , como o senhor mostrou há pou­

co , n ao e r a comum na época . O senhor devia s e sentir muito

solitário , no fundo . Mesmo as pe s soas de e squerda e s t avam

preocupadas com outras coisas que não o campe s inato .

F.J. -- Em verdade , voce tem razao . Não h avia realmente en

tusi asmo por parte dos cole gas . Basta di zer que convidei mUh

tos , e é r amos uma turma de 1 1 9 . Evidenteme n te , ne s s a turma ,

havi a mui ta gente que j á tinha o seu caminho traçado . Uns

i am ser advogados de bancos , de empresas , de usinas ; outros

i am continuar seus e s tudos , vi s ando conquistar uma cátedra ,

uma cade i ra n a uni versi dade ; outros que riam montar s ua banca

de advogado , para advogar para grandes empre sas etc . ; outros

queri am fazer concurso para j ui z , para promotor . . . E eu , em

verdade , con fe s s o que o que aspi rava mesmo era defender os

c amponeses .

Aqui entram mui tos e lementos de ordem românti ca , s�

timenta l , t a lve z , li gados à in fânci a . Eu sempre me recorda­

va de todos e s s e s companhei ros de i n fân ci a , que foram de sa­

parecendo , enquanto e u , que havia recebi do uma alimentação me­

lhor e tinha s i do mai s bem cuidado , pude sub si s ti r . Você s a

be que a mé di a de vi d a humana , no N orde s te , n a minha epoc a ,

era de 3 0 anos , ou t a lve z mais b ai xa . E eu sempre dizia: "Olhe ,

se a gen te e scapa dos 3 0 , pode vi ver até 100 " . O norde s tino

tem i s s o , não é ? A questão é es capar dos 3 0 .

A . C . -- H á uma seleção da espécie . Se nao morre no início . . .

F.J. S im , é um verdade i ro proce s s o d e se leção . Bem , en-

tão , chega 19 5 4 . C laro , entrei no P arti do S o c i a l i s t a quan-

do s a í do P artido Repub licano . Rompi pub l i camente com o Par

ti do Repub l i cano , porque con s i de re i que come teu um grande er

ro em Pernambuco . E s t ávamos na campanha para governador de


Pe rnambuco e o partido , para divi dir as forç as , apresentou

um candidato próprio , sem nenhuma possib i l i dade . O candida­

to teve cinco m i l ou dez mi l votos , o s u fi ciente para dar a

vi tória ao candidato que comb a t í amos . Foi uma manob ra muito

bem pens a d a .

A.C. -- E ra o Barbora Lima?

F.J. -- Não , foi muito an tes disso . Barbosa Lima acabou sen

do do P arti do Sociali s t a , também , e foi meu companheiro de

partido , uma figura pela qual tenho um grande respe i to , uma

grande admira ção . E le fe z um governo mui t o bom , e realmente

era o candidato i de a l .

A.C. -- Mas O senhor apoiou Neto Campe lo .

F.J. -- Eu nao apoiei N e to Campe lo . Ap oiei o candidato do

Partido Repub l i cano , que e ra o Eurico de Sousa Leão . Imag i ­

n e s ó , Eurico de S o u s a Leão ! Por problemas de fide l i dade ao

part i d o , eu o apoie i . N ã o porque e s tive s s e conven c i do . Em

verdade , o Neto Campelo me era s impát i co , porque tínhamos ou

tros vínculos . Havi a , entre n ós , ainda aque l a i dé i a de com­

bater o ete lvini smo , de combater o Agamenon e o Ete lvino .

A.C. -- Porque era o candidato de opos i ç ão .

F.J. -- Sim ; porque era o can d i d ato de opos i ç ão . Mas o ve­

lho Barbosa Lima Sobrinho reve l ou- se um grande governado r .

E le foi evoluindo . Eviden temen te , e l e j á tinha as coi s as

dentro de si , e le nunca realmente mudou . A gente é que foi

mudando , para compreender melhor o papel h i s t ó ri co do Barbo­

sa Lima Sobrinho , desde que ocupara a pre s idên c i a do IAA -­

I n s t i tuto do Açúcar e do Álcoo l . E le introdu z i u uma legi s­

lação que foi o come ço de uma re forma agrária moderada , bem

pen s ada , na zona canavi e i ra . Barbosa Lima foi o homem que


deu os prime i ros passos , temos que fazer j u s t i ç a . Um di a ,

quando se contar a h i s tória da re forma agrári a no Nordeste ,

o pape l de Barb o s a Lima vai s e r de s t acado , como o homem que

tratou de despertar a cons ciên ci a , a unidade entre os forei­

ros , entre os mode stos fornecedores de can a , os pequenos fo­

re i ros e pequenos propri e tários que também forn e c i am can a .

O prime iro passo de Barbosa Lima foi e s s e . A gente deve , n�

turalmente , l e r e ob se rvar , ve r como foi que e le pôde intro­

duz i r i s s o no Insti tuto do Açúcar e do Á l cool .

A.C. -- Conversei muito com e l e sobre e s s e problema , e me

parece mui to curi oso que o senhor concorde com e le nesse par­

ti cular . Eu gos tari a que nos falasse um pouco sobre essa le­

gi s l ação . P arece que e le previa um descont o , na us ina , dedl

cado à prote ção dos trabalhadore s . E n f i m , havia uns �os

Itens a s s i m na l e g i s lação . Como é que o senhor vê i s s o ?

F.J. -- Olhe , con s i dero que a legis lação que foi i n s p i rada

por Barbo s a Lima Sobrinho é como que a raiz de um p=cesso que

se foi de se nvolvendo até chegar a se trans formar em uma cons

ciên c i a entre muitos fornecedores de can a . Barbosa Lima ag�

çou , através de s s a l e g i s lação do I n s t i tuto do Açúcar e do Ál

coo l , um con f l i to latente que existi a entre o usine i ro e o

fornecedor de can a , sendo que e le tomou a causa do fornecedor

de can a . Pa ra mim , a importân c i a do traba lho de B a rb o s a Li­

ma está aI . Agora , não pode r i a dar detalhes , porque nao te­

nho e lementos para loc ali zar onde e s s e con f l i to foi mai s for

te .

A.C. -- O B a rb o s a Lima ve mui to o fornecedor de cana como

um pequeno propri e tári o , e isso , con f e s s o ao senhor , me s ur­

preendeu muito , porque acho que , em Pe rnambuco , essa inter­

penetração não me parece tão evidente quanto , por . e xemp lo ,

seria no es tado do Ri o . O senho r ach a , realmente , que haveria

31
e s s e segmento dos fornecedores confundindo-se quase que com

o pequeno propri etário?

F.J. -- T a l ve z , conhe cendo me lhor o problema , tratando di r�

tame n te com os fore i ros e forne cedo re s de c an a . . . Não vou

concordar , assim , tão s imple smente .

�INAL DA FITA 2 -�

A.C. -- O senhor d i s s e que nao con cordari a tão simple smente

com a proposta do dr . Barbo s a Lima , mas que e l a ab ri u o deba

te .

F.J. -- S im . Cre io que o mé rito do d r . Barbosa Lima i/. fren

te do I n s t i tuto do Açúcar e do Álcool foi o de despertar uma

con s ci ê n c i a e n t re os fornecedores de cana . A gente tem que

c l a s s i fi c ar também o fornecedor de can a . Havia o grande fo r

n e cedor de cana que es tava muito vi ncul ado ao usineiro . AI

guns er am até p are ntes de le , l i g ados à usi n a , e gente com �

s i bi l i dades . E havi a o pequeno fornecedor de cana . E n t re os

próprios fornecedores de can a , h avi a moradores que ocupavam

uma area bas tante re gular e que forn e c i am também a cana ao

fornecedor ou di retamente a usin a .

Havi a , portanto , dois tipos de forn e cedores de cana:

o grande e o pequeno forn e c e do r . O Barbo sa Lima , natura lmen

te , e s t á englobando tudo . Cre i o que a gente deva fazer uma

d i s t i nção bem c l ara entre e s s e s doi s tipos de fo rnecedores de

can a . Talve z s e j am trê s tipos : o grande , o médio e o peque­

no , aquele que nem sequer entrega a c ana d i re tamente ao u s i ­

n e i ro , mas s i m ao próprio forne cedo r , cu j as terras e le arren

da . De toda sorte , Barbos a Lima tratou de organ i z a r e c ri a r

e s s a con s c iênci a entre o s fornecedore s .

Agora , as con tradi çõe s exi s t i am , rresll'O entre o grande


quando se de frontava com a Associ ação de Forne cedores de ca­

na . Mas não eram tão grandes . A dependên ci a nao era tão p�

derosa quanto a que e xi s t i a entre o pequeno e o grande forn�

cedor . Não sei , mas i s s o c omportari a , nat uralmente , uma an�

l i se mai s detida . S e r i a necessário an a l i s a r , na epoc a , como

e s t avam organi zados os forne cedores de can a . N ã o s e i como

se poderia então , s urpreender os con f li tos e determinar me­

lhor a nature z a de les , ver qual foi a camada de fornecedores

de cana que realmente ofereceu mais re s i s tê n c i a ou re c l amou

mai s contra a us ina .

A.C. Do ponto de vi s t a do campones , me parece que o for-

necedor , no fundo , era mai s opre s s or do que o próprio usinei

ro. O fornecedor , talve z , es tive s s e em uma s i tuação e c onômi

ca mai s precári a e , por Cünseguinte , tive s s e que ti rar do cam-

pones mais do que uma grande empre s a melhor organ i zada . Te­

nho a impre s s ã o de que , naque la áre a do norte de Pernambu c o ,

Carp i n a , B om Jardim et c . , o pe so d o fornecedor de can a , o p�

s o opre s s i vo do forne c e dor sobre o campones talve z fosse mai s

evidente do que o do própri o usine i r o . N ã o s e i se o senhor

concorda .

F.J. -- Concordo, pe lo segu i n te : o usineiro trabalhava di­

retamente as suas terras ; e le contratava , todos os anos , a

mão-de-obra . Havi a os caminhões das usinas , que i am busca r

os c ampone ses em outras áreas , nas áreas mais seca s onde o

campones n e c e s s i tava comp lementar o seu orç ame nto fami l iar �

ra pagar o foro ou para s obrevi ver . Então, os caminhões i am

a Surub i n , Vertentes e outras áre as áridas buscar camponeses,

durante as fases mai s di f í ce i s , que eram as do p l ant i o da c a

n a e do corte .

O usin e i ro contava com e s s a mão-de -obra que e xi s t i a

na pe ri fe r i a das usinas , di gamos as s im , ao passo que o


fornecedor tinha os seus próprios moradores . Por i s s o , a s i

tuação do morador e ra mais opre s s iva . Concordo que o forne-

cedor oprimia mais o camponês e o foreiro do que o usine i ro .

Este úl timo tinh a , natura lmente , mais possibi l i dades e cono-

micas de con t ra ta r , n a época da s a fra , do p l antio e da co-

lheita , os camponeses que vinham de outras partes e n ao ti-


-

nham com e le nenhuma re lação d i reta , a n ao ser e s s a re l ação

p re c ária , ci rcuns tanci a l , de p l antar e de cortar . N i s s o eu

concordo .

o outro , nao , o outro era um e lemento que tinh a , ali

dentro , o seu morado r , o seu fore i ro . N aturalmente , a sua

s i tuação e conôm ica obri gava . . . E le que r i a ter até o � �a�u�

de usineiro . Havi a grandes fornecedores que que r i am ter um

� �a�u� de usine i ro , de s frutar do mesmo amb i ente , freqüentar

o mesmo c l ube , ter um cavalo de raç a , educar os fi lhos tam-

bém no Rio de J an e i ro e em outros lugare s . Por i s s o , torna-

vam-se mai s opre s s o re s . E u estou de aco rdo com i s s o .

A.C. o senhor acha que , no período de Agamenon , houve a!

guma hosti lidade s i s temáti c a do gove rno ao poder pol í ti co dos

usineiros e dos fornecedore s ? Ou teri a havido uma hos t i l i da

de maior a o s usine i ro s do que aos fornecedore s ? En fim , como

é que o senhor vê a re l ação entre e s s e s doi s grupos tão im-

portante s , usinei ros e fornecedore s , no governo Agamenon?

F . J . -- Bem , o governo Agamenon tratou de apl i c a r a l eg i s-

l ação soci a l trab a lh is t a . Agamenon era um homem que tinha

certas inquietações nesse terreno . E le e stava , por conse-

guinte , mui to vincu l ado à pol í ti c a de Vargas . Foi um dos ins

p i radores de s s a po l í ti c a . Colaborou j un to a Vargas , no sen-

tido de de fende r os intere sses da classe trabalhadora -- nao

podemos negar i s s o a Agamenon . Ago r a , em P e rnambuco , a gen-

te tem que fazer uma pequena dis tin ção : Agamenon tanbém e s t ava

"1 2
li gado aos usine i ros , basta di zer que um dos seus �D)S e ra

um usine i ro .

A . C . -- Quem e r a ?

F.J. -- Dei xe-me v e r se me recordo . . . E s s e rapaz , depois ,

foi deputado fede r a l várias ve ze s . Enfim , Agamenon tinha um

genro que e r a usine i ro e tinha re l ações com usineiros . Ago-

ra , a luta de Agamenon foi contra o grande usine i ro . Contra

Catende , por exemplo . Catende foi uma usina contra a qual

Agamenon t ravou uma luta fero z . Nesse caso , e le tratou de

fortalecer o s indi cato e apoiou o s indic ato dos trabalh ado-

res . Os con f l i tos t rabalhis tas a í eram forte s . E le teve


-

mao forte .

Evi dentemente , entendemos bem e s s a c aracte rís tica de

Agamen on . Ademai s de e le e s t a r l i gado a e s s a pol í ti ca de Var

gas , a e s s e e s forço por s indi cal i z ar os trabalhadores , havi a

n i s s o uma forma t ambém de contro l á- los . Bem s abemos que VaE

gas t ratou de controlar a mas s a de trab alhadore s . Além dis-

so , Agamenon vinha do se rtão , e ra um homem que procedi a de

uma famí l i a pobre e e r a pro fessor . Por conseguinte , tinha

uma mentali dade aberta a novas i dé i a s e sensibi l i dade para o

problema . Mas não vamos nos e xtremar a ponto de admi t i r que

Agamenon t ambém não mant i vesse re lações com usineiros . E le

as mantinha . Agora , e s s e s usine i ros sempre se opuseram mui-

to a Agamenon , trataram de derrotá-lo politi camente e e le ,

sempre que pôde , tratou de dividi - los .

A . C . -- Havia algum grupo que e le apoiasse mai s abertamente

em detrimen to de outros ?

F.J. -- Havi a . O grupo de Catende , por exemplo , e le o com-

b a teu de forma s i s temát i c a . Catende por seu turno , n un c a a�

solutamente transigiu com Agamenon . Era uma luta de pode r .


E le , com o poder po l í ti co , e o grupo , com o poder e conômico ,

j á que s e trata , realmente , de uma das grandes usi nas de P e r

nambuco . É curi oso que , de Catende , ele tenha ti rado o me-

lhor técnico , que era Apo l ôn i o S ales , para fazer de le o seu

se c re t ário de Ag ricultura . Depoi s , Apo l ôn i o Sa l e s foi mi n i �

tro da Agri cultura . E le vem de Catende . Sales foi uma cri a

de tenentes da Catende . Havi a todas e s s a s contradições e,

naturalme n te , o problema do poder pessoa l .

A.C. -- Mas o senhor acha que o Apolônio repre sentava o in­

teresse de Catende no governo , ou não?

F.J. -- Eu nao di ri a que e le representas se , mas diria que

e l e foi uma espécie de algodão entre c r i s t ais , um me diado r .

E le e ra o e l emento con c i l i ador . Agora , Agamenon era um ho-

mem áspero , um sertan e j o áspero e que , naturalmente , utilizcu

o pode r po l í ti co mui tas ve zes para se e xcede r . E e le s e e x­

c e de u mui tas ve ze s . Mas vendo h o j e a atuação desse homem ,

temos que convir que , com todos os erros e perse gui ções polí

ticas de Agamenon , e le andou muito mais avançado do que mui­

tos dos p o l í t i cos que o comb ateram naque l a época e que se

de clar avam homens progre s s i s t as , �n Qtu� o al guns profe s s o re s .

Eu toma ri a como e xemplo o sociólogo Gi lberto Freire,

um homem que e s tava mui to vinculado aos usine i ros . E le tinha

a sua s o ciologia da casa grande e da se n z a l a , e e pos s í ve l

que encon t remos a í a rai z de s s a intolerân c i a de Gi lberto pa­

ra com Agamenon e de Agamenon para com Gi lberto . N a turalmen

te , Gi lberto e s tava cerc ado de outras pe s s oas . O v��o de

Pe�nambu Q o e ra dominado por Anti ógen e s Chave s ; por conseguin­

te , es tava li gado ao grande poder da u s in a . O J o �nat d o Co ­

mê� Q�o , também . Agamenon teve que fundar a sua F o t ha d o P o ­

v o para poder e xpre s s a r o seu pe nsamen to po l í t i co e combater

e s s a grande o l i garqui a dos usine i ros .


Mas encontra-se l i gado , por e xemp l o , a Armando Mon-

t e i ro , seu gen ro . Es tava li gado a Armando Monte i ro , pai , e

a Armando Mon t e i r o , fi lho , que acabou casando com uma filha

de Agamen on . Não vamos considerar que e le e s ti ve s s e total­

men te do lado de cá , do lado dos trabalhadores , não é? Ago­

r a , e le teve um pape l que con s i de ro progre s s i sta . E u faço o

mea culpa porque , naquela época , também comb ati mui to Agame­

non o Mas eu o combati a porque vinha da uni versi dade e , como

e s tudante , s ofrera a p re s s ão do E s tado Novo , incluó o chegan-

do a ser p re s o . E u fui pre s o durante o gove rno de Agamenon .

A.C. -- O senhor fi cou preso por quanto tempo?

F.J. -- Fui pre so por uma n oi te . E u acabava de me forma r ,

es tava come ç ando minha vi da , quando recebi uma intimação pa-

ra i r à De legacia de Ordem p o l í t i c a e Soc i a l . Foram à minha

casa e , curi os o , o ún i co l i vro que me levaram foi Caó a g�an ­

de e ó enzala, de Gi lberto Fre i re , que e ra uma prime i ra edi-

ção na qual eu fi z e ra anotaçõe s . E u l i a com mui ta aten ção e�

se l i vro e anotava .

N aque l a fase , Gi lberto er a Qm h omem que es tava mui-

to l i gado aos e s tudante s . Ele chegou a s e r um í dolo dos e s -

tudan tes . Então , fui preso e me levaram e s s e l i vro , que , por

s i n a l , nunca me devolveram . Es tava todo anotad o . Eu o ha-

vi a lido com mui t o cuidado e com mu i t o intere s s e . C re i o que

fi z uma re ferê n c i a a e s t e fato n a carta que e s c revi , quando

e s tava pre s o , em P e rnamb u c o , depois de 6 4 , Mê. C[uctJLta, Ió abela.

Aí há uma re ferén c i a larga ao l i vro , conto como fui pre s o e

por que .

Bom , i s s o j á p a s s ou . Mas reconheço que , um di a , se

deva fazer j us t i ç a a certos aspectos da atuação de Agamenon ,

mesmo durante o Es tado N ovo , sobretudo depoi s , quando e le o�

pou o Mi ni stério da Jus t i ç a , j á na fase de redemocrati z ação


do Brasi l .

A . C . -- Mas ê que as a rb i trariedades do E s tado Novo suscita

ram uma re s i s tência democráti ca , em 4 5 . Foram e las , prova-

velmente , que o levaram a apoi ar o Bri gadeiro , não?

F . J . -- Exatame n te . o candidato de Vargas , o candidato do

P arti do S o ci a l Demo cráti co e do P artido Trabalhista era o g�

neral Eurico Dutra e , dada a resi stência que e s s e ofere ceu

durante o governo Vargas , nós o con si de r ávamos o candidato

menos indi c ado para e s s a fase de redemo c rati z aç ão do Bras i l .

Por i s s o ê que apo i amos todos ao B r i gade i ro , e o apoiamos com

muito entusiasmo .

A. C . --
O senhor nao pensou em entrar para a Esquerda Demo­

cráti ca , ou e l a não e xi s t i a em Pernambuco?

F . J . -- S i m ; a Esquerda Democráti ca existi a . Eu já e s tava

vinculado ao P artido Repub l i cano , de man e i ra que , s omente de

pois que a Esquerda Democrática se trans formou em Part i do 50

c i a l i s t a e que s urgi u a ruptura em conseqüênci a de sse fato

que j á n arrei aqui . . . Refi ro-me ao fato de o P a rtido Repu-

bli cano apresentar um candidato próprio q ue nos divi diu e q1.E

favorece u , n aturalmente , ao PSD de Agamenon e de Ete lvino , �

bora h o j e e u reconhe ça que o candidato ideal e ra o Barbosa

Lima . E ra a pe s s o a indicada para , naquele momento , ocupar o

gove rno de Pe rnambuco , e nao outro .

Barbosa Lima , n aturalmen te , representava os intere�

ses do forne cedo r , do pequeno propri e tári o , dos trabalhadores

que Agamenon começou a de fender e a sindicali z a r , e não os

intere s s e s dos usinei ros , que e ram defendidos pelo Neto . O

N e to representava e s s e s intere s se s , e não era usineiro ! Era

um grande fornecedor d e c an a ! É curioso . E le e s tava figu-

rando entre os fornecedores que não se consideravam beneficiados


pe l a legi s l ação do Insti tuto do Açúcar e do Âlcoo l .

A . C . -- t i s s o que me deixa surpreendi d a , porque toda a le­

gi s lação vi sou muito a proteção do fornecedo r , mais do que

a do us i n e i ro , pe lo menos na sua fase fi nal , depois do E sta-

tuto da Lavoura Canavi e i ra , do Barbosa Lima . E , j ustamente

quando a s s i s t imos ao processo de redemocrati z ação , e s s e s for

necedores po s i c i on am-se contra aque l a facção do governo que

os protege ra . Eu me pe rgunto o que foi que houve entre o ní

ve l e conômi co e o po l í tico que levou e s s as pe ssoas à oposição?

F. J . -- Mas e p reciso você cons ide rar que foi o grande for-

necedor . . . Cre io que o equívoco nao se se pode ri a chamar

ass im -- do Barbos a Lima foi que el e englobou o grande forn�

cedor com o mé dio e o pequeno . Creio que have r i a que cons i ­

derar a s di ferenças . N ão podemos f a l a r e m um b loco de forne

cedores como a l go mono l í tico . Temos que veri ficar que e xi s-

tem contradições entre os próprios fornecedores de c an a . En

quan to uns e s tavam muito mai s vinculados aos intere s s e s da

usina e s e sentiam mais amparados pe l a us i na , outros e s tavam

sendo n aturalmente dis criminado s .

o pequeno forne cedor , por exemplo , mui tas vezes, per­

dia cana , porque a usina dava pre ferên c i a ao outro fornece­

dor , que era amigo ou compadre do usinei ro ou que tinha mais

cana para entregar . Às ve zes , quando che gava a epoca de moa

gem de s ua can a , o outro j á encontrava a cana s e ca -- quer �

ze r , o rendime n to e r a pequeno . são e s s as coi sas que , natu-

ra lmente , necessi tam de uma anál i s e , quando se pretende in­

vesti gar bem o problema .

t pos s í ve l que se pos s a e s t ab el ece r uma di stinção e

corri gir um pouco e s s a vi são de Barbosa Lima , que pretendeu

englobar todos os fornecedores de can a . Creio que e le pro-

prio i rá , naturalme n te , concordar com e s s a apre c i ação que


es tamos fazendo , na hipótese de que se inve s t i gue a =isa com

mai s pro fundidade .

A.C. -- De qualquer forma , a s ua tendência era apo i ar Neto

Campe l o , ou pe lo menos torcer por e le nas e lei ções . Jiá que

o senhor não se sentia mui t o li gado ao candidato republicano,

porque ele , no fundo , divi d i a os votos , s uas i n c l inações i am

mai s para o N e to Campe lo , não?

F.J. -- Com franque z a , é muito di f í ci l , agora , ne s s a altura,

di z e r se as minhas inc linações e ram mais pelo N e to Campe lo .

É pos s i ve l que , se o P ar t i do Reoub l i cano tives se ,


.
naquele mo -

me n t o , apoiado abertamente Barb o s a Lima Sobrinho , e u o apoi�

se com entus i asmo . É pos s í ve l . Agora , o rompimento com o p�

ti do n ão se deu porque o partido divi d i s se em favor de Barbo

sa Lima -- o que de fato ocorre u . Quando o E ur i co de Sousa

Leão tomou e s s a decisão , e le t i ro u o voto de Neto Campe l o .

Alguns crêem que , s e não t i ve s s e havido e s s a candidatura pró-

pri a , é pos s í ve l que N e to Campe lo t i ve s s e obtido mai s votos .

E u não sei ; é di f í c i l an a l i s ar e s s a questão , a e s s a al tura .

A minha ruptura com o partido deu- se pre cis amen te

porque o p a rt i do não foi franco . O par t i do pode r i a di z e r :

" Vamos marchar para a candidatura de Barbosa Lima ou para a

candidatura de N e to Campe lo" . E u que r i a que o p a rtido hou-

ve sse de f i n i do a s ua posi ção não como um i n terme di ário de ss e

ou daque le candidato , mas que fo sse conseq�ente : " Apo i amos

e s s e ou aquele candidato " . Se o partido t i ve s s e , por e xem-

plo , apoiado a candidatura de Neto Camp e l o , não sei se eu o

apoiar i a . É po s s í ve l q ue e u o apoia sse , por di s c i p l i n a .

A minha ruptura foi pre c i s amente pe l a s i tuação de

ambi g�i dade do partido . O partido tomou uma deci s ão que nao

era de sacr i f í cio , como e le d i z i a : " Nós vamos marchar para

uma candidatura de s acri f í c i o " . Não foi . Tom:Ju essa decisão,


j á dentro de uma i dé i a preconcebida de tirar votos de um ca�

didato para que o outro pudesse vence r . De maneira que é mui

to di fíci l , n e s s a a ltura , eu dizer se i r i a ou não i r i a com

aque l a candi datura . Penso que i r i a com a candidatura de Ne-

to Campe lo se o partido o apoi asse , assim como i r i a com a can

didatura de Barbos a Lima , por problema de di s cip lin a , e n ada

mais .

[2:NTERRUPÇÃO DE FITA]

A.C. Logo depois d a queda do E s tado Novo , acho que se ini

ci a , em P e rnambuco , em Reci fe , parti cularmente , um pro cesso

de mob i l i z ação popular que talvez possamos con s i de rar pre cuE

sor das l i gas campon e s as de 55 . As pe ss oas falum mui to , por

e xemp lo , n aque l as cooperativas que o Agamenon Magalhães criou

e que pare ce que deram ori gem a umas l i gas urban as , em Poti�

ga , Ambole i , en fim , j á n a are a de Reci fe . :e nesse memento que

se denomina e s s as organ i z a ções de " li gas " . Qual a sua versao

sobre e s s e s prime i ros movime n to s ?

F . J . -- E m verdade , com a redemocrati z ação , quando o P arti-

do Comuni s ta entrou na legali dade -- porque a inici ativa cou


-

be ao partido , n ao a Agamenon tratou de fundar vári as or

gan i z açõe s , à s quais s e davam mesmo o nome de l i gas campone-

s as . Mas não sei se e ram realmente l i gas c ampon e s as no sen-

tido e s trito , porque fo r am fundadas principalmente nos arra-

b a ldes de Re ci fe , em Bongi , em Pontiga , por aí , no engenho que

fora , n a épo c a , dos h o landeses , o engenho de Bernardo Vie i ra

de Me l o . E s se engenho perten c i a à famí l i a Barreto , fam í l i a

muito tradi cional n a regi ão .

E s s e Barreto foi o se cre tário de Agricultura do go-

verno de Barbosa Lima . E r a um homem muito avançado , progre�

s i s ta e que , tempos depoi s , foi candidato fede ral ]:elo Partido

49
Comun i s t a , j á na epoca em que se lançou a candidatura de Mi-

gue l Arrais de Alencar . N e s s a época , e l e s a i u como can

di dato do partido . Aí se fundaram , � n ctu� o com o consentimen-

to de le , como herdeiro que e ra de parte de ssas terras , e s s as

li gas , que não tinham outra finalidade senão plantar verduras .

Aí entrou e s s a co i s a de p l antar verduras para fornecer aos

mercados de Re c i fe , mas o movime nto não se e s t endeu ao inte-

rior . E s s as li gas foram liqui dadas , na época do Dutra , qua�

do e le chegou à p re s i dê n c i a e o partido entrou na i le g a l i da-

de . E l as foram sufocadas , mas dei xaram alguns e lemento s .

E m verdade -- agora tenho que fazer e s s a digre s s ão ,

prestar e s s e depo ime nto -- a prime i r a l i ga c ampone s a , que se

chamava Socie dade Agrí co l a e P e cuári a dos P l antadores de P e r

nambuco , n as ceu e m Vitória de S an to Antão e teve i s s o como

finali dade . Quem organi zou e s s a l i ga foi um grupo de campo-

n e s e s l i gados a Vitória de S anto Antão , e é po s s í ve l que a

cabeça de s s e grupo fosse de e l ementos que pertence ram -- ou

a l guns de l e s ainda pertenciam -- ao Partido Comun i s t a . O ve

lho P r a z e re s , o i rmão de P razere s . . .

A.C. -- Quem era o i rmão de l e ?

F . J . -- O irmão dele vivi a n o Bongi ; e r a um homem muito de i

gado , muito agradáve l . Como se chamava e s s e homem? Imagine

que , ago r a , se me es capa o nome . Era uma pessoa muito agra-

dáve l , muito fina . Aliás , p a re c i a-me mai s autêntico do que

o próprio P r a z e re s . P razeres era um pouco . . .

A . C . -- E le era do partido ou tinha sido mais um an�sta?

F.J. -- H á uma hi stóri a muito curi o s a de Pra zeres . Algumas

pe s s oas tratam de exa ltar muito a fi gura de le . Porém , t i ve

uma expe riên c i a muito intere s s an te com P r a z e re s , que t a l ve z

se j a bom re latar . P r a zeres era fi lho i le g í timo de senhor de

50
en genho , de um grande fornece dor . E u , por problemas de dis-

creção , nunca perguntei quem era o s e u pai . Mas ele e r a um

homem que tinha e s s a origem .

o pai o c ri o u , mas , quando chegou o momento em que

se devia definir bem a s i tuação , o pai fi cou com a fam í l i a

legí tima , deu a s terras aos outros filhos e Pr azeres fOi , por

conse guinte , despoj ado e abandonado à própria sorte . É pos-

s í ve l que daí ve nha o s e u re s s ent imento . E le veio para a ci

dade , l i gou-se e , depois , foi condutor de bonde no Re ci fe .

Daí , naturalmen te, agarrou-se ao partido . É a h is t óri a do Pra

zeres . E le voltou a me ter-se no problema da te rra por uma

espécie de vin gança contra o senhor que o havi a despoj ado do

pedaço de terra a que e l e tinha direito , como filho i le gí t i ­

m o de sse senhor .

Esse fenómeno era muito freqüente , desde a épo ca da

escravidão : o senhor ter filho com uma moradora ou uma es cra

va e , depois , na hora de fazer a j us t i ç a e dar- lhe um pedaço

de terra , abandonava-o à própria sorte . E s t a é uma das ra-

zões por que fui advogado de mui tos filhos i legí timos , em PeE

nambuco , a come çar por e l ementos da minha próp ria famí lia .

E u tinha t i os , primos ou parentes que er am ricos e pos s uí am

terras . E u dizia a um ou outro : " O lhe , você tem que re conh�

ce r fulano " . E l es retrucavam : "Mas como? " Eu pensava : II Te­

nho que come çar a j us t i ç a por cas a , fazendo re conhe cer essa

paternidade " . E tive s ucesso várias ve zes .

I s s o provocava muitas di s s idências , você pode imag�

nar . Às ve zes , um primo branco tinha um filho mulato = uma

n e gra e nao queria reconhe cê- lo , embora fosse a cara de le ,

mesmo sendo mulato . E eu fazia reconhe cer . Fi z muito de s ­

sas coisas , bus cando esse tipo de j ustiça . Isso , enquanto

es tava trabalhando com os camponeses e se guia o movimen to .

51
Al guns me ch amavam : "Vamos en trar em um en tendimen to , sem ruí

do . Vamos reconhecer ca lmamente " . E u di z i a : " O lhe , você bo-


- -

te e s s e menino na e s co l a e eduque -o . N ao s ao somente seus fi

lhos que têm di reito à i n s t rução . Vamos s a l va r e s s e menino .

Quem s abe , e le pode s e r até o pre s i de n te da Repúb l i c a , un dia,

não é ? "

Bem , então , P r a ze res tinha e s s e ressent imento . A

gente tem que sa lientar o pape l do irmão dele , que sempre foi

uma fi gura mui to agradáve l , mas sempre viveu muito apagado, e

foi a a lma do movimento , por e xemplo , no Bongi . Chamava-se

Amaro do Cap i m . N ão sei s e e s t á vivo ou se e s t á IrOrto -


Pra

zeres j á n ã o vive -- , mas é um homem que nece s s i t a s e r re s g�

tado . Não se contou a verdade i ra h i s tória de Amaro do Capim,

que e r a i rmão de P ra z e res , porém não fi lho do mesmo pai . Era

um campon ê s humi lde , mas era i rmão de le . P ra z e res e r a o úni

co fi lho desse senhor -- ou , pelo menos , o prime i ro . Bem ,

então , se fundou a l i ga .

A.C. -- O senhor di z i a que quatro pe ss oas o procuraram .

F.J. -- Sim. E r am P r a z e re s , Amaro d o Capim , seu i rmão , um

outro c ampon ê s , que e ra de Vitória de Santo Antão -- nao me

recordo mais do nome de le -- , e um quarto que não e ra campo-

nês -- devia s e r um e lemen to do parti do , um l í d e r da c l asse

obre i r a , um condutor , e eu não me reco rdo bem de le . Eu me re

cordo bem de Amaro do Capim , de Pra z e res , desse camponês de

Vi tóri a de S anto Antão -- não tenho o nome , mas sei que e ra

de Vitória de S an t o Antão e vi e r a da propriedade Ga li léia .

E le s dis s e ram : " Olhe , a socie dade e s t á fundada . t uma coop�

rati va e que remos ve r se conse guimos crédito para plantar mais

ve rdu r a . As terras j á e s t ão todas arrendadas e s ão terras que

j á não dão mais c an a . Por i s s o é que o Be ltrão nos arrendou.

E es tamos lá" . E ram umas 104 famí l i as , mi l e tantas pessoas .

52
Havia uma concentração muito forte . E continuaram: " E aqui

viemo s , po i s queremos t e r um advogado para nos defende r , e

s abemos que você de fende c ampone s e s " . Quando me bus ca ram, j á

s ab i am , naturalmente , que e u era um velho de fensor de c ampo-

neses . E s s a coi s a foi em j ane iro de 5 5 ; ademai s , eu a c abava

de conqui star uma cadeira de deputado . As e le i ções foram em

outubro de 5 4 e eu devia tomar pos se em março de 5 5 .

frINAL DA VITA 2-B]

F.J. Então , e s s e grupo de campon e s e s , e s t ando entre e le s

Josê Ai re s dos P ra z e re s , foi a cas a . P re c i s amente , eu e s ta-

va vivendo em P otinga . E me di s seram: " Olhe , temos aqui e s -

t a a s s o ci ação que a c abamos de fundar . E l a j á e s t á aprovada .

Porém , nece s s i tamos de um advogado " . Vi os e s tatutos , uma

co i s a muito s imple s . E r a uma cooperativa para ob ter crédito ,

poder vender me lhor as verduras e obter uma série de co i s as .

E le s continuaram : " Agora , a a s s o ci ação e s t á fundada aqui , mas

vai funcionar na G a l i l é i a , que é onde e xi s te terra , onde os

campone s e s vão plantar chuchu , al face , uma série de verduras p�

ra vende r . Querí amos que o senhor fosse l á " . E u disse : IIEs

ta
- bem" . M arcamos um d oml. n go , e eu fU l. .

Cheguei l á e encon trei um corredor d e campone s e s e

campone s as , com flore s , uma coi s a mui to boni ta , com pé talas

de ro sas , mui tos fogue te s , uma ve rdade ira fe s t a . E eu aí as

sumi o comprom i s s o de de fendê- los . Usei até uma expressão de

que sempre me recordo , porque me emocionou muito ver aque las

velhinhas c amponesas , à medida que eu p a s s ava , me j o gando

flore s . E u pen s e i : " E s s a gente tem espe ranç a " . Então , e u

di s s e : " O lhe , vou fazer tudo para que e s s as pé talas não se

trans formem em pedras " . E as s umi o compromi s s o de de fendê-

los .
A coope rativa , entre outras coi sas , que r i a cx:ntratar

uma profe s s o r a para a l fabe ti z ar e ensinar aos meninos . Há aí

um pouco de exagero , quando o pessoal d i z que a sociedade era

t ambém -- e principa lmente para comprar caixaozinho para

sepultar os meninos . I s s o e s t á no livro de Josué de Castro ,

S et e p atm o � d e te��a e um Q a� x ã o , que e uma e xpre s s a0 que

usei em um dos muitos documentos que redi gi . E u disse que os

camponeses , que tinham tanto amor à terr a , viam que todas as

suas aspiraçõe s acab avam sempre em s e te palmos de terra e um

caixao . Eu usava e s s a e xpres s a0 para d i z e r que e s s a era a

te rra que sobrava para e le s .

A. C . É um pouco o tema da poes i a de João Cabral , M o �t e e

v � da S e v e�ú! a .

F.J. Exatamen te ; é o tema d a poe s i a de Cabral . Bom , as-

sumi aí e s s e compromi s s o , falei com e les , e xp liquei a coi s a

e di s s e : " Vamos , vamos l utar por i s so ll .

A . C . -- Então nao e r a fato que e le s e s t i ve s s em preocupados

com e s s e problema da compra de caixões ?

F . J . -- N ão ; i s so n ao era a coi s a fundame n ta l . A coi s a fun

damental e r a o crédito , para poder desenvolver a coope rativa

de verduras e manter a professora . E , c laro , re unir a l gum

dinhei ro para sepultar os seus mortos , evi tando ter que se­

pultar uma criança em uma encruzi lhada , dentro de uma cai xa

de papelão ; ao menos , que fosse levada em uma caixinha de ma

de i ra . Mas i s s o não e r a a coi s a fundamen tal . Muita gente fez

di sso o problema fundame n ta l , para dramati zar a ques tão da

mortali dade no Norde s te . Entendo perfeitamente bem , porem

n ao e r a a coi s a fundamental , p ara di zer a verdade .

Então , P ra z e re s foi a pessoa que se rviu de e lemento

de li gação entre eu e a l i ga c ampon e s a de Vitória. Mas passei

5 -L\
a ter con tato direto com os campone ses , porque j á defendia

campone s e s . Eu i a lá com freqüênci a , nos fins de semana , e

i a convi dando campon e s e s de outras re giõe s . Assim , a asso­

ci ação trans formou-se em uma es pécie de Meca dos camponeses

da re g i ã o . Toda a gente vinh a , porque s abi a que , aos domin

gos , eu e s tava sempre c om e l es . Eu e ra o deputado que , ao

invés de p a s s ar o fim de semana des frutando da prai a , sillple�

mente i a ao campo . E ti rava o dom i n go para i s s o .

Era a época e m que e u convi dava es tudantes , c onvi-

dava a l guns profi s s i onai s , alguns méd i c os : " P or que é que v2

cês não vão comi go , para a gente dar uma ce rta assistência aos

camponeses ? " C orno o campon ê s e s tava em um e s t ági o muito atra

sad o , esperava sempre que vi e s s e a l go ou do céu ou do patrão ,

do dono da te rra , então e xi s ti a e s s e problema do patern a l i s ­

mo. Eu tinha que fazer a l go me i o patern a l i s ta , a o mesmo te�

po que tra tava de condu z i r a coi s a por um terre n o mais conse

qüente . o patern a l i smo e ra usado , aí , porque e le s j á e s ta-

vam condi c i onados a i s s o , e eu teria que des=dicioná-Ios , usan-

do o própri o patern a l i s m o . Eu pode r i a tentar e xpli car isso

e s tabele cendo uma espécie de re l aç ã o d i a l é t i c a entre o pateE

n a l i smo e uma tomada de con s c i ênci a j á conseqüente , s é ri a .

E u s e i é que e u uti l i z ava e s s a mis tura .

Os camponeses viam em mim uma pe s s oa que os defen­

dia na Justiça e que i a também defendê - l os na tribuna da As-

sernblé i a . Fi zemos reuniões , a coi s a começou a cre s ce r , a li

ga foi c re s ce n d o . F o i quando o problema adqu i r i u j á ce rtas

proporçõe s , e o proprietário se dese sperou -- e le e r a o pre-

s i dente de honra da assoc i ação . Imedi atamente abandonou- a ,

quando viu que e u es tava me tido aí e q ue os camponeses i r i am

mais adiante . E u come çara a falar na n e ce s s i dade da unidade ,

da re forma agrári a , a di z e r que não bas tava p l antar verduras

e nem te r uma coope r ativa , q ue era pre c i s o fundar outras

55
organi zaçõe s . E le s continuaram chamando de as soci açõe s .

A gente botava sempre as p l acas : Sociedade Agrí cola

e Pe cuária dos P l antadores de P e rnambuc o . A e xpre s s ão l i gas

camponesas surgiu como uma reação dos grandes j orna i s que e�

tavam a se rviço dos usineiros , dos lati fundiários . O vi ã�io

de Pe�nambu e o foi quem primeiro usou a expre s s ão l i ga c ampo­

ne s a , para queimar as associ açõe s , para pôr a l i ga na i le ga­

l i dade . I s s o não foi pos s í ve l , p orque a l i ga era uma a s s o­

ciação legal . O j ui z que a aprovou chamava-se Rodol fo Aure­

l i a n o , e ra pre s i dente da Associação Cató lica de Re c i fe , e

con s i de rou que a a s s oci ação era uma coi s a perfeitamente anó­

dina e que e s tava aj ustada à lei .

E por que e que a expre s s a 0 l i ga campone sa , de s s a

ve z , funci onou , e não funcionou em 4 6 7 I s s o é o que quero

di ze r . Em 4 6 , não havia condi çõe s , que eu chamaria de h i s t ó

r i c as , para que o movimento pudesse surgi r e se desenvolver .

Ademai s , como o partido e s tava por detrás das as s oci açõe s ,

e l as fi caram com um caráter de c é l u l a comun i s ta . É claro que ,

posto o partido n a i le ga l i dade , ime diatamente liquidaram com

o m ovimento . A gente que es tava à frente de s s a s l i gas do

Bongi , e s s a gente via a c oi s a mais c omo uma célula do que

propriamente como um movi mento autónomo que pude sse ir ganh�

do a confi ança dos c ampones e s , mesmo do Bongi , porque er am cam-

p oneses que aí culti vavam verduras . Por i s s o é que o movi-

mento foi li qui dado .

Agora , nesse momento, nao . Prime i r o , porque eu nao

con s i de rava i s s o como uma cé l ul a ; eu dava c omo um moviment o .

E u não falava absol utamente e m p ol í t i c a ; não le vava , por e�

p I o , i dé i as marxi s tas para o campo. Eu não fal ava que os �

pone ses deviam entrar em um partido polí ti c o ; si mple smente

tra tava de seus problemas concretos imediatos , de f ortalecer

a sua uni dade , de organ i z a r outras coope rativas , de atrair

S6
mais camponeses , de f a z e r com que se defendessem contra o cam

bao , de ob ter uma l e i que pude s s e impedi r , também , o aumen­

to do foro , como j á havia uma lei que impé d i a o aumento do

a l uguel da casa n a ci dade .

E u di z i a : " Olhe , j á exi ste uma lei nesse sen t i do .

A gente também pre c i s a f a z e r uma l e i para o camp o , para que

não se aumente arbitrari amente o p re ç o do alugue l , da renda

da terra" . Então , e l e s se animavam , porque e u e stava tocan-

do em doi s problemas concretos e imediatos que eles sent i am ,

que eram o aumento do foro e o cambão . Aí , n e s s a proprieda-

de , não tanto , porque o propri etá ri o era um ausent i s ta . E le

ia no fim do ano receber os foros e apre sen tava o aume n to .

Levava um s aco e re ceb i a todos os foros . Geralmente , o di-

nhe i ro do camponês era muito trocadinho ; as ve z e s , pagava o

re stinho do foro em moedas ou cédulas trocadinhas . E l e s le-

vavam montes assim para pagar . O proprietá r i o , às ve zes , t�

nha que passar um d i a todo contando . Então, o s u j e i to leva-

va um s a c o , me t i a todo o dinhe ir o aí dentro para contar em

cas a , n o Re ci fe . O Be ltrão f a z i a i s s o . E aumentava o foro:

" Fulan o , para voce , um aumento de tanto do foro ; você aí , tan

to ; e você I tantoll •

Agora , também temos q ue nos re f e r i r a um fenômeno

i n te re s s ante . Em 5 5 , chegava Jusce lino K ub i t s chek ao pode r ,

e vinh a com as metas de s e nvolviment i s tas , com um programa que

provocou toda aque la e uforia na burgue s i a n a c i ona l , n a bur-

gue s i a indus tri a l . Era o m omen to em que a ci dade começava a

vencer o c amp o , nas e le i ç õe s . O e le i torado da ci dade j á e ra

o pe s o , j á não e r a mais o coron e l quem de c i d i a em Última ins-

tânci a . Então , e s s e s a l t o , que foi um s al t o de quali dade ,

e xp l i ca também por que o movime nto nao foi liqui dado aí , ap�

s a r de cri smado e bati z ado de l i ga campon e s a - uma coisa sub

versi v a , para rememorar o tempo das l i gas camponesas cb Bongi

5"1-
ou , quem s abe , até as li gas c amponesas do sé culo XVI , n a Al�

manha Cent ral , que eram movimen tos de uma grande violé n c i a .

o movimen t o foi assim bati z ado com e s s a finalidade .

E n t ã o , havia a eufori a da burgue s i a naciona l . Fala

va-se mesmo n a n e c e s s idade de democrati z ar a terra , de criar

uma cl a s se média no campo para poder absorver os produtos da

indústria de trans formação n o Brasi l , em tudo i s s o . Esse mo-

me n to hist órico é importante . 1': pre c i s o de s tacar o papel que ,

ne sse momen to , de sempenhou Jus celino Kubits chek com a sua p�

líti c a , com o seu programa de metas , de desenvolvime n to .

A . C . -- A impre s s ão e que o camp o , sobretudo o Nordeste , apa-

re c i a c omo um e s t i gma em uma s ociedade que es tava se indus-

tri a l i z ando , prósper a , que começava a acreditar em si mesma .

o campo e r a uma es pécie de ve r g onha naci on a l .

F.J. -- Sim , por i s s o nasceu a S udene . A Sudene é um prod�

to pre ci s amente de s s a nova concepção desenvolvime n t i s t a do

Jus c e l i n o Kubi ts chek . Um fenômeno que e r a latino-ameri cano .

Coincide que , n e s s e momento , , es tava aqui o Migue l Alemán ,

que também tinha a mesma men tali dade cesenvolvimentista. Creio

que , em Colômbi a , e s tava Re s t repo , não s e i . Foi a fase em

que come çou uma nova concepção de de senvolvimento do capital

aqui n a América Lati na , para se rvir aos mesmos fins da grande

poténcia impe r i a l . Bem , então , surgi ram periodi s tas , j orna-

l i s t as que iam ao N orde s te para ver esse fenôme n o , quando c�

meçou a se fa lar mui t o nessa coi s a . A prin cíp i o , e s távamos

na página poli ci a l , é c l aro; depois pas samos a página polítl

ca e , fina lme nte , à página interna cional . Mas esse trân s i t o

não foi fáci l ; e s s e trâns i to demandou mui to temp o , muita luta ,

muitas derrotas , muitos avan ços , muitos retroces sos .

A.C. -- Ainda sobre a l i ga de G a l i l é i a , como foi , exatamen-

te , a inte rvenç ã o do propr ie tári o , do Be ltrão , n i s s o tudo?

sE>
Antes , e le fora e s c olhido como uma espécie de membro honorá-

rio. Depoi s , o que le vou os camponeses a procurá - l o e a pe-

direm a s ua aj uda j urídica? E le mudou, e le voltou atrás? Co

mo foi esse proce s s o ?

F . J . -- Pri me i r o , con s t i tuí ram a associaç ão e convidaram o

Beltrão . o Be ltrão viu aí uma oportunidade para fortalecer

mais a s ua economi a . E le deve ter pe n s ado: " S e esses campo-

neses organ i z am uma coope rativa e se tiram crédi t o , eles vao,

naturalmente , ter quem financie a produção de ve rduras e ou­

tras coisas -- mandioca e t c . -- , que e l e s vão pl antar aqui ;

se de senvolverem , vão ganhar mui t o mais dinhe i r o , vão vender

os s e us produtos dire tamente n o Reci fe , e i s s o vai-me dar mar

gem para que eu pos s a também aumentar o alugue l das te rras .

Ao invés de aumentá- l o em 2 0 % , 30 ou 40 % pode rei aume n tá-lo

em 50% e até mai s , porque e l e s es tarão ti rando mui to lucro" .

o Be l t rão comportou- se como um senhor q ue arren dava

a terra e que que r i a s implesmente ganhar mais , que ria que a

terra rende s s e o máxim o -- uma terra e m que n ã o se p l antava

mai s can a , porque j á e s tava e s gotada . Os camponeses que me

bus caram , natur almente , foram ori entados por al guém . N ã o sei

qual foi a pe s s oa , mas devem ter dito : " Vocés pre c i s am de um

advogado e fulano entende di s s o , j á está metido n a coi s a e

pode dar a s s i s t é n c i a " . Quem os mandou, não sei . O fato e que

chegaram à minha casa e d i s s e ram : "Nós j á s abemos que voce

defende campone ses , mui tas pe s s oas nos falaram di s s o , e a �-

te quer que vocé nos de fenda " .

Quando agarrei o e s tatut o , vi que tinha um instru-

men to legal mui to importante -- ob serve que e u trabalhava can

o Cõd�go �� v�t -- para ampliar o trabalho que eu vinha fazen

do e dar aqui l o que e u queri a . Os campon e s e s passariam da

fase de e s tar s implesme n te indo à Jus ti ç a , para uma organi za

çao , uma a s s oci ação em que poderiam debater os seus p�lemas .

53
Toda ve z que se reune um grupo de camponeses e se come ça a

debater os prob lemas , surge uma nova i dé i a , há sempre uma p�

sibili dade de avanço . A unidade e a organ i z ação levam , n a t�

ralmente e inevitavelme nt e , a um p a s s o adiante . É essa a

i déia , não? Ademai s , traz a pos s i b i l i dade de defendê-los e

também de denun c i a r qualquer arbitrarie dade come tida contra

e les .

Bem , e u j á es tava aí como pol í t i c o , tinha um progr�

ma . O me u partido tinha um programa de democrati z ar a terra ,

de lutar por uma re forma agrári a . Depoi s , dei a e s s e progr�

ma um caráter de radi cal , porque havia de e s t i rpar de ve z o

lati fúndi o, criar grande s coope rativas , em s uma , mudar a fi­

s i onomia do Norde s te .

A. C. -- S obre i s s o e que eu queria lhe perguntar . Insisto

ne s s a i d é i a de que a s ua posição e r a muito s o l i t ár i a , j á que

o tema da terra não era um tema , naque la époc a , que ocupasse

os pol í t i cos em gera l , de nenhum parti do , nem mesmo do Parti

do Comun i s t a . Eu gos t ar i a que o senhor nos falasse um pouco


'
sobre a reação dos seus corre ligionários soci a l i stas , dos c0-

mun i s t as , enfim , dos grupos mais intere ss ados , mai s sensib i l i

zados p e l a cau s a de esquerda , naque l a época .

F . J . -- E s s a e uma pe r gunt a muito intere s s ante . Em verdade ,

quando regre s s e i da Gali l é i a , a imprensa come ç ou a falar mui­

to ne sse assun to e f a l ou na e xi s tência das l i gas campone sa s .

Imedi atamente , fui procurado por muitos ami gos , que i am à m�

nha casa , para que eu d e s i s t i s s e de s s a i dé i a . Eviden temente ,

por detrás d i s s o e s t ava , sem dúvida , o Partido Comuni sta , p�

ocupado com que e s s e movimento pudesse desembocar em al guma

coisa que afetasse a e s t raté gia que o partido tinha para �

la re gião ou para o paí s .

Di z i am : " Ful ano , você deve de s i s t i r . I s s o vai acabar

W
em uma tragédi a . Você sabe que , aqui , o lati fúndio está mui-

atras ado . E s s a gente e uma gente de um autori tarismo muito

forte , muito vi o lento , você conhece o fenômeno . Muita gente

tem s i do s acri f i cada , e você vai - s e s a cr i fi c ar inuti lmente ,

porque e s s e não é o momento de tratar desse prob lema . No mo

me nto , a gente deve cuidar de outras coi s as " . E u então re s-

pondi a : " O lhe , j á e s tou me tido n i s s o há mui tos anos . Cre i o

que é che gado o momento de dar um pas s o adiante , e não ve j o

moti vo para se teme r " . E u di z i a i s s o a muitos de s s e s amigos ,

que foram Pe lópidas S i l ve i r a , e outros .

P e lópidas se preo cupava mui to . E le foi muito meu

amigo e se preo cupava mui to com que e u pude s s e s e r trucidado,

l i q ui dado , a s s a s s inado ou embos cado . E u di z i a : " O lhe , pe ló-

pi das , eu j á e s t ou metido na coi s a . Você é o pre fe i to d a c a

pi t a l . Se me abatem , s e i que vo ce , pelo menos , não vai de i -

xar que e u fique e s tendido em uma e s t rada . P e lo rrenos sei que

voce me sepultará " . I s s o eu d i s s e a Pe lópidas . E le ficou mui

to aborre c i do comi go , saiu indi gnado , porque e le foi = pre-

feito , como auto ridade , como amigo , para f a z e r e s s e ape lo .

E e u ainda d i s s e : " E olhe , se e u e s capar , dentro de d e z anos

a gente conver s a . Eu converso com você e com outros que e s -

tão re ceo s os de s se trabalho . E u j á me comprome t i , é um pro-

b lema que vem de longe e vou s e guir com e s s e traba lho . Agora ,

se f i c o i s o l ado , e pior , porque é mai s fác i l de s e r liquidado.

Mas , se conto com a s o l i darie dade de você s , o movime nto avan

ça . Então , deixo o problema com a con s c i ê n c i a de vo ce s , q ue

s ao revolucionári os , que são homens de e s querda e que es tão

intere ss ados , n a t uralmente , em modi fi c a r comp le tamente a ca-

ra de s se Norde s t e e s a i r de sse impa s s e em que estamos " .

Bem , aí dei xaram . Eu continue i , s o l i tário , enfre n -

t an do . . . C l aro , havi a outros amigos que di z i am : " O lhe , voce ,

rapa z , voc.!! s abe que toda pessoa tem o an j o da guarda , nao é?

61
Você tem doi s , mas que j á devem estar com a l í n gua de fora ,

de tanto prot e gê - l o . Es tao muito cansado s " . Havi a e s s as oci

s as ; era muito intere s s an te . E e u se gui . Al gumas pes soas

vi am ne s s a minha ati tude uma ati tude m í s t i c a de um homem que

se que r i a cruci fi car . Em ve rdade , nao era nada d i s s o . Eu

tinha a con s ci ê n c i a e xata de que e s t ava re a l i z an do um traba­

lho que , com o correr do tempo , pode r i a produ z i r grandes fr�

tos , em uma regiao onde predominava a mas s a campone s a ana l f a

b e ta .

A populaçao e r a con s t i tuída , em s ua quase�to tali da­

de, de analfabetos . Mais de 7 0 % da populaçao e r a de campone­

ses e , de s s e s 7 0 % , quase 9 0 % era de analfabetos . Eu sabia que

e s s a e r a uma regi ao de grande concentraçao e que er a pre c i s o

trabalhar n e s s e sentido -- trabalho duro , di f í c i l , e m que ti

nha que empregar e s s a s coisas todas . E e u uti l i z ava o Cõd�-

90 � v i l, a Bíb l i a e a l i teratura de corde l , os cantadore s .

Toda e s s a coi s a eu fui descobrindo que er a intere s s ante para

motivar os campone se s . A própri a linguagem que e u usava e ra

uma l i n guagem muito ace s s í ve l , porque vinha dos campone ses ,

e e u a traduz i a em documentos .

o fato e que fundamos a l i ga , e o pe s s oal come çou a

ir para lá . Eu tinha a preocupaçao constante de sempre ado-

tar ce rtas medidas de precauç ao , mas nao pod i a adotar todas .

Vou contar uma anedota que nunca narrei mas que agora j á po�

so fazê- lo . N e s s a epoca , passou e s s a pe l í cul a , Vi v a Z apata,

que f o i rodada com o principal protagon i s t a sendo o Marlon

Brando . E foi tremendo , porque a pe l í cu l a rea lmente caus ou

um grande impacto , todo o' mundo foi a s s i s t i - l a . E um j orna-

l i s t a me u ami go , Clóvis Me l o , fi lho do grande h i s t oriador M�

r i o Me lo , que era um croni s t a da c i dade do Re ci fe , Clóvis pÓs ,


em um dos j ornais de Pessoa de Que i rós , o que s a í a de tarde ,

pôs em grandes letreiros : "Viva Z apata ! " . E ident i fi cou a


pe l í cu l a de Z apata com a liga c ampone s a . I s so foi uma coisa

tremenda . Foi quando o negócio realme nte explo di u , de repe�

te , na impren s a , mas j á na parte p o l í ti c a . Foi em primeiro

p l an o , j á não e r a tratado como caso de políci a ; pas s amos a

s e r um caso po l í ti co . Em conseqüên c i a di s s o , os lati fundiá-

rios se reun i ram .

A.C. -- Mas foi uma maté ria simpát i c a ?

F.J. -- Sim; f o i uma m atéria si mpática . Clóvis e r a uma pe�

soa que tinha s impati a por nós . Mas o fato é que e le foi sim

pático e me j o gou às feras .

A. C. -- Que j ornal e ra?

F . J . -- Era um vespertino do J o �nat d o C o m ê � c� o , que s a í a a

tarde ; era o v� ã�� o da N o �z e , ne s s a epoca muito l i do , em Re ­

c i fe . Toda a gente l i a o v�ã�� o da N o � z e . Mas o Clóvis lan

çou e s s a manche te , e o re s ul t ado foi que , de certo modo , en-

tre gou-me às feras . Reuniram-se os terratenente s , vários la

ti fundi ários , usine i r os e fornecedores de can a , e de cre t aram

a minha morte . Agora , como sei d e s s a coisa? Vou-lhe contar.

É intere s s ante narrar e s s e fato , para você ver como são as

coi s as .

E les se reun i r am e disseram : " O lhe , a gente tem dois

caminhos . Um é fazer um cheque em branco e dar a esse cama-

rada , para ele abandonar o Nordeste , ir-se embora , viver em

outra parte , no Rio de Jane i ro , em P ari s ou em outra parte .

A gente dá a e le o cheque em bran c o , e l e enche e vai embora.

Do contrári o , o que devemos fa zer? " Havia entre e le s um j o­

vem que tinha s i do me u colega na universi dade e que havia heE

dado do pai uma usina e que me conhe c i a . E le d i s s e : " O lhe ,

conheci fu l ano . E le era uma pe s s o a muito serena na uni versi

dade , mas e s tou se guro de que ele é incorruptível . Eu proponho

b3
que se lhe mate " . Meu colega ! E u nao quero dar o nome dele.

Você me permite que eu não dê o nome . E le e s t á vivo e a ge�

te pode , amanhã , se encontrar e ainda , quem s abe , fazer uma

a liança .

E le di s s e i s s o e os demais di ss eram : " É mesmo . Mas

como a gente faz i s s o ? " E le responde u : " N ós sorteamos . Não

devemos mandar n i n guém . A gente se sorte i a aqui " . E r am 2 0 ,

e se s ortearam . Caiu a um cidadão que era da famí l i a Guerra

e que tinha s i do capitão da Marinh a . E le havi a se re ti rado

e se cas ado com um e lemento da famí l i a Gue rra , e herdara teE

ras o Rico e bom n a p i s t ol a , foi a ele que caiu a tare f a .

Agora , como é que e u soube e como é que es cape i ? Como eu dis

se u. voc:e . . .

A. C . Eu sei quem e esse seu co leg a . Mas nao vo u-lhe di-

zero

F.J. -- t , voce deve sab e r . Mas fique aí .

A.C. -- De ve s e r uma pe s s o a que morreu há pouco tempo .

F.J. -- Não ; era outro , nao e e s s e . Era outra pe s s o a , e n�

ca pe nsei que fos se capaz d i s s o , porque era muito amáve l co-

mi go . Bem , eu não es tava tão comprome t i do como j á estava aí .

Nem sequer e u era , para e le , um peri go e m poten ci a l . Aí , eu

já era mais do que um peri go em potenci al . Bem , então . . .

A. C . -- O senhor tem cert e z a de que e um fato re a l ?

F .J . --
Como e que eu s e i ? Bem , como eu di sse a vo ce , eu

de fendi a mui tas causas e era advogado de muitos de squites .

Coinc i d i u que , n e s s a época , eu es tava de fendendo uma senhora

de uma famí l i a mui to importante , a fam í l i a Brito , da fábrica

P e i xe , da usina e tc . Então , e u de fendi a uma senhora que era

casada com um membro da famí l i a Brito , porque nenhum advogado


qui s e r a acei tar a causa em Re ci fe . E l a veio a mim , por in­

termédio de uma ami g a . E s s a ami ga tinha relações muito es-

trei tas com um de s s e s senhore s . Como ami ga íntima da minha

c lient e , foi a e la e d i s s e : " O lhe , você avi se ao s e u advogado

que e l e e s t á condenado à morte . E u venho avi s a r , porque vo-

cê f a l a tão bem de le e di z que e le está lhe de fendendo , diz

que e le vai s a lvar uma parte do patrimônio e t c " .

Então , e l a ve i o à minh a c as a , muito a l te rada , tarde

da noite , me e xp l i car : " O lhe , você foi condenado à morte as-

sim , a s s i m e as s im'l • E u fi z um testamento polí tico , dei o

n ome das pessoas que es tavam n a reuni ão , porque e l a me deu

os nomes um por um , fi z um s e guro de vi da . . . Eu já estava ca

sado e tinha quatro fi lhos pequenos . Então fi z e s s e se guro

de vi d a , à prova de tudo , porque eu tinha poucos havere s , e

fique i cal ado . Se e u fosse denun c i a r i s s o pub l i c amente , se-

ria ne gado e pare ce r i a que e u es tava com medo . O me u negÓcio

e r a e s pe rar . Havi a um pouco de fatali smo ne s s a co i s a , mas

nao havia outra s a í da .

E u peguei todo e s s e materi a l , testamento et c . , e en

treguei a um ami go de minha con f i an ç a e disse : " O lhe , se eu

for abatido , você pub lique i s s o . Entre gue uma c óp i a à Ordem

dos Advogados do Brasi l , outra ao pre s i dente do Tribunal de

Justi ça , e a outra você pub lique na impren s a . Aí e s t á tuOO" .

Bem , se gui . Chegou o d i a em que a sentença s e ri a e xe cutad a .

O enc arre gado de e xe cutá- la tomou o automóve l de le com o mo-

tor i s t a e s a i u .

E u devi a , n e s s e di a , falar na Cámara . Os temas dos

di s cursos dos deputados sempre e r am an unci ados com antecedên

ci a . No dia ante rior , davam- s e os a s s un t os que i am ser fal�

dos no dia s e guin te , e a gente tinha que se i n s crever ant es .

Então , e l e s ab i a que e u i a denun c i ar uma arbi trariedade come

tida contra um camponês de uma propriedade de um parente dele .

65
o camarada s ai u e no me i o do caminho , de repente , d i s s e ao

motori s t a : " Vo lte para casa " . o moto r i s t a deu a vol ta , e ele

voltou. Mais tarde , quando ele es tava perto de morre r , fez

uma con fis são a uma pe s so a q ue depois veio a mim transmiti�la.

E ra um e s crivão e , como eu trabalhava como advogado , no P a l �

cio da Jus ti ç a , ele veio a mim e d i s s e : " O lhe , fui mui to arn!.
go de fulano , que acaba de morre r , e ele me con fessou i s s o .

Agora , pos s o contar a você " .

E e le me contou que e s s e senhor havia-se convertido

ao e s p i ri t i smo me ses ante s , e havia contado que , quando vi a­

j ou , senti u que a l go lhe di z i a : " N ão mate e s te homem" . E , por

i s so , e le re gre s s ou . É intere s s ante e s t a h i s tór i a , porqua �

ve la e s s as coi sas todas que se p as s am na vida de uma pe s s o a .

E u pode r i a ter s i do abatido nesse di a , mas aconteceu i s so .

Um di a , ta lve z , eu possa re l atar i s s o em umas memórias e dar

os nomes de todos , mas nao penso em e s c rever memó ri as agora ,

nem nada di s s o . Ainda tenho muito o que faz e r .

� INAL DA FITA 3-�

F.J. -- O movimento seguiu e as li gas começaram a se mul ti-

p l i car .

A.C. -- E s s e perí odo que vai de 5 5 a 5 9 e aparentemente tr�

qüi lo , e nin guém s abe exatamen te o q ue e que se pa s s a , como

e que e s s as l i gas cre s cem , que tipo de movimento dá re spaldo

a e l as , en fim , como e que se dá e s s e proce s s o de e xpan são das

li gas , até que e l as aparecem a n í ve l nacion al , como uma rea-

l i dade po l í ti c a .

F.J. -- Bem , como e u d i s s e a voce , ho uve e s s a tran s i ção da

página p o l i c i a l para a pági n a internacional . E ho uve esse fa

to que acabo de narrar , de que uma p e l í c u l a de Marlon Brando ,

66
fi gurando Emi l i ano Z apata , contribuiu para dar certas resso­

nâncias e f a z e r com que a l guns periodi s tas começas sem a escre

ver arti gos -- amigos q ue sab i am que e u es tava re almente cor

rendo peri go de vida . E foi nesse momen to que os amigos me

procuraram -- entre outros , P e l ópi das Si lve i r a -- ' para que eu

de s i s t i s se e e s pe rasse um pouco mai s , porque nao era tempo e

o proce s so nao e s t ava sufici entemente maduro para tratar de

i r ao campo , organi zar e in corporar os camponeses ao movimen

to democrático bras i le i ro , à luta do povo b ra s i l e i ro p e l a de

mocrac i a . Entao , de i e s s a resposta a ele e s e gui .

o que se pas s a é que , em virtude da e xi s tência dessa

e ufor i a do país para mo di f i c ar o problema do campo , muita �

te começou a i r ao Norde s te porque e ra a regiao mal- sinada ,

porque e r a a grande chaga do Brasi l . Ve io a c o i s a de Celso

Furtado , a S udene , e come çaram a s urgi r , por conseguinte , m�

tas vo z e s c l amando pelo Nordeste abandonado , para que o go­

verno de stinasse mai s crédito , nos orçamentos da Repúb l i c a ,

para a re gi ao . N aturalmente , havia mui ta gen te -- políti=s ,

me mbros tradi c i onais de partidos políti cos -- intere s s ada e m

melhorar a s i tuaçao da regiao .

Em conse güênci a , o movimento foi cres cendo como uma

coi s a n atural . Já nao era o trabalho de um homem que pre ga-

va a n e c e s s i dade de organi zar os camponeses . E ra um trabalho

que es tava um pouco di fuso na con s c iência de toda a gente av�

çada e progre s s i s t a do Norde s t e . Diz i am : " É j usto . Temos que

modi ficar e s s e quadro , nao e pos s í ve l continuar a s s im . P e r-

nambuco nao vai para d i ante , o Norde s te nao vai para diante ,

porque e xi s t e e s s e encalhe , que a gente nao a ce i t a , ab s o l ut�

mente . o coron e l i smo e s t á pas s ando , j á e s tamos em outra fa-

se e tcll •

I s s o expli c a , naturalmente , o começo da resi s tênci a

6 "1-
des s a burgue s i a industri a l , intere s s ada em sair das di fi cul­

dades , em se desenvolve r , em bus car uma pos i ç ão mais equita-

tiva , mai s fi rme . E eu pude aprovei tar i s s o . No Norde s te ,

por exemp lo , pass avam j orn alis tas como He r á c l i to S ales do Jo�

nal d o B�aô il , que foi l á , ver e s se fenômeno ; e o Antônio Ca­

lado , do C o��eio da M a n h ã.

A.C. -- O Heráclito S a l e s pas sou antes do Cal ado?

F . J . -- Sim; antes do Calado . E es creveu uma séri e de arti

gos para o J o�nal do B�aô i l muito intere ss antes . E l e enfocou

o problema , e i s so , natura lmente , teve re s s onân c i a nacional .

S ab i am que , no Nordeste , e xi s t i a um movimento a s s i m . Então ,

houve várias entrevi stas comi go , sendo que o Ca lado me oercou

mais do que o Sales . O Eô tado de s ã o Paul o havia mandado o

seu correspondente em Re c i fe me pedir uma série de arti gos ,

antes mesmo da ida do S a l e s e do Calado . E e s crevi vários ar

ti gos para o Eô t a d o de s ã o Paul o, que me pagou por e les mui-

to bem . Foram uns quatro ou cinco art i gos sobre o s i gn i fi c�

do do fenômeno das l i gas campon e s as e o fenômeno campone s no

Nordeste . Isso est á l á , pub l i cado com destaque , no Eô ta d o

de s ã o Paul o .

Descobri u-se , então , a e xi s tência da l i ga �nesa.

Todo o mundo passou a chamar de l i ga campone sa à associ ação,

embora os c amponeses continuassem a chamá- l a de socie dade .

Mas todo o pessoal , no Re ci fe , come çou a chamar de l i ga cam-

pone s a . De maneira que a expre s s a0 l i ga camponesa não se de

ve aos camponeses , nem a mim , e nem a nenhuma força intere s ­

s ada e m crismar o movimento . Deve-se a uma reação dos pro­

prios usinei ros , do próprio lati fúndi o , empenhado em ver se

apagava e s s a fogue i r a , se liquidava esse movimento . É muito

intere s s ante .

A . C . -- Si m , muito intere s s ante . Sempre fui mui to fascinada


pe l a mane ira como as l i gas se pro j e taram internaciona lmente .

t impre s s i onante .

F . J . -- Podemos , depoi s , falar um pouco sobre a pr o j e ç ão in

te rnacional da l i ga .

A.C. -- S im , acho i s s o muito importante . Mas , ante s , eu que­

ri a perguntar ao senhor duas coi s as . A prime i ra é sobre um

congre s s o que se organi z o u em Pernambuco , chamado Congre sso

P ara a s a l vação do Nordeste . Que s e n t i do po l í t i co teve es se

congre s s o ? A outra é sob re a reunião dos b i s pos de Campina

Grande , que teve um e fe i to p o l í t i c o muito grande .

F.J. o Congre s s o P ara a s a lvação do Norde s te foi organi-

z ado por muitas e n ti dade s . Aí es tava me t i da a Sudene , es ta-

va também me t i do o governo do es tado , e s t ava metido . . .

A.C. -- A S udene nao , porque nao havi a ainda .

F . J . -- Você tem razao , a Sudene não .

A.C. -- Era o gove rno , não?

F.J. -- S i m , era o governo . Mas e s t ava me t i da a P r e f e i tura

do Re ci fe , e s tava P e lópidas , e havi a uma série de enti dades

e personali dades interess adas nesse congresso . A l i g a c ampo-

nesa rea li z o u , de forma parale l a , o seu primeiro congre s s o

re gional , e quem aj udou muito nesse congre s s o foi Josué de

Castro . Josué postulava uma cade i ra de deputado federal .

Era uma época de grande agi tação . Josué deu uma aj uda e foi

levado , di gamos , de forma bastante triun fa l , para encerrar o

congre s s o . E u então o convidei para pronun c i ar uma conferên

cia no Joaquim Nabuco sobre reforma agrár i a .

A. C . -- N o Insti tuto Joaquim Nabuco?

F.J. -- Não ; na Assemb l é i a Le gi s l ativa . Nós en chemos toda

a Assembl é i a Le gi s l ativa . Ce rcamos e fi z emos a primeira gra�

de marcha de campone ses . Eram uns três mi l oamponeses . 6 3


Fi zemos uma marcha extraordi nári a , pas samos em frente ao q�

tel e me lembro de que os o f i c i a i s baixaram , vie ram a s s i s t i r

à pass agem dos camponeses , tudo muito bem d i s c i p l i nado . Eu

escutava , por e xemplo , o s o f i c i a i s di zendo : " E l e s finalmente

despertaram" . E era curioso , porque e u notava que muitos o fi

ciai s fa lavam com entusi asmo e sentia que havia ce rto inte-

re s se no despertar dos campone se s , que não havi a medo . Er a

uma fase mui to in tere s s an te , porque era uma fase arrbígua , enée

a coi s a nao e s t ava bem de fini d a .

J á a presença do campones na capi tal , e s s a pre sença

come çou em 5 6 , quando fi z uma marcha s o l i tári a , só com o s l í

deres c ampon e s e s que e u j á t i nh a n o campo . Consegui levar

6 10 camponeses , no 19 de mai o . E u di z i a : "Por que é que a

gente não s a i ? Se voces vao a Jus t i ç a , vão a uma fe sta , vao

a um enterro , por que e que não vamos ao Re ci fe a s s i s t i r ao

19 de maio , s aber o que é que os operários e s tão fazendo ? "

E ace i t aram . Consegui comprar , pe l a metade do preço por que

se vendia na es tação da estr ada de ferro , as pass agens de se

gunda c l a s s e , e metemos 6 0 4 campon e s e s nos tre ns .

Desembocamos no Re ci fe , organ i z amos uma marcha de

do is em doi s , para mostrar que era maior , até o Teatro Santa I s a-

be l , onde os po l í t i cos e senadores es tavam re un i dos com os

trabalhadores para comemorar o dia do trabalho . Ent ramos e

foi uma coi s a notáve l . Ent ramos com toda e s s a mas s a campon�

sa e ho uve uma grande con fraterni z ação . Eu parti da da i dé i a

de q ue , j á que o s ope rários não i am ao c ampo , que o s campon�

ses vi e s s em a c i dade , para mostrar que e xi s t i am .

Aí e que e u vi a a di feren ç a das duas culturas : a do

camarada q ue vai para a ci dade e que f i c a muito preso à cul­

tura urban a , ao problema da te levi s ão , do cinema e , sobretu-

do , do futebol , ao invés de i r ao campo . Os estudantes quando

i am ao campo , era para uma espécie de weeileYl d revolucionário.

ta
Falavam , di z i am muitas coi s as , porem i s s o nao se repe ti a .

Entao , e u d i s s e : " O camponês tem q ue ir à ci dade " . Foi qua�

do pensei na i dé i a de trazer o camponê s , prime i ro , as peque-

nas ci dades do interi ror . Depo i s , aprove i tar as grandes da-

tas n a c i onais e coisas a s s i m , importante s , para que o campo-

n e s pude s s e aparecer e a gente da cidade descobrir a exi s tên

c i a de le . Que r i a que de i xassem de vê- l o como uma figura fo I

c l óri c a , ou uma f i gura que a gente descobre quando toma um

trem , vai p e l a es trada e a vê trabalhando , num quadro muito

bucó l i co , muito bonito . E u que r i a que vi s sem o camponê s , mas

vis sem o outro lado , o outro aspe cto do camponê s .

A . c. O senhor e s t á falando muito e m campones , mas a pro-

pria palavra camponê s , i n c l us i ve , surgi u n e s s a época . N i n guém

usava a denominação campones para um trabalhador do camp o .

F.J. -- Re almen te , nao se usava . A pal avra campones , e u a

pronunciei pe l a prime i r a ve z n a Assemblé i a , e ho uve um e s t re

me cimento . J á narre i i s so em um livro . Houve até uma pro-

fe ss ora que me pedi u , encareci damente , que eu usasse a pa la-

vra rur í co l a . Era uma colega , pro fe s s ora muito fi n a . E u dis

se : " O lhe , d . Mari a Luí s a , não posso usar e s s a expres são , po!:

que os camponeses não s abem o que é rurí cola e podem pensar

que es tou usando uma palavra fei a . Di go camponês porque vem

de c ampo . E a senhora vê que , em qualquer i d i oma , tudo deri

va de campo " .

Mas a pal avra campones j á tinha uma conotação ideo-

l ó gi c a , uma conotação pol í t i c a . Como , depo i s , vei o a t e r a

palavra l ati fúndi o . Quando e u chamava um co l e ga usando a e x

pre s s ao l ati fundi s t a , s abe que muitos s e levant avam e s e con

s i de ravam ofendi dos? E d i z i am : " N ão , não sou um lati fundis-

ta ; sou um empre s ár i o rural , um empre s ário agrí cola " . Essa

gente não que ri a mais aparecer cano um coronel , um te.r ratenente ,

11
um lati fundi st a . Por conseguinte , as duas p a l avras adquiri-

ram conotações verdade i r amente p o l í t i co-ideológi cas . Bem , o

movimento se desenvolve u , cre s ce u . você f a l a n o congre s s o. . .

A . C . -- E s s e congre s s o , de 5 5 , foi feito antes d a passeata

do 19 de maio de 5 6 .

F.J. -- Sim; o congresso foi antes d a p a s s e at a . Mas , o Con

gresso de s a l vação do Norde s te , você se recorda em que ano

foi ?

A.C. -- Foi em 5 5 .

F.J. -- Você e s t á se gura de que foi em 5 5 ?

A.C. -- P e l o menos as fontes que conheço men c i onam 5 5 .

F.J. -- Não es tou muito se guro .

A.C. --
O governo de P e rnambuco e s t ava envolvido n i s s o ou

era so a Pre fe i tura?

F.J. -- Bom , e r a a Pre fe i tur a . O governo , nao . O governo

compareceu arrast ado , levado , porque h avi a con f l i to . O pre-

feito fora e le i to cont r a a vontade do gove rno . Pe lópidas g�

nhou uma e le i ção es trondo s a , em Re c i fe , mas contra a vontade

do governo do e s t ado . Sempre havi a um con fli to mui to forte

entre a Prefeitura e o governo , porque a cidade do Recife e r a

uma cidade rebe l ada . Antes ou depoi s , o fato foi que os cam

pone ses particip aram , não dentro do congre s s o , mas de forma

p a r a le l a , à parte . F i z emos uma grande concentração .

A.C. -- E le s se reuni ram n e s s a época?

F.J. -- S i m ; os camponeses se reun i r am . Fi zemos um pequeno

congre s s o regiona l de c ampone s e s e pe s c adores -- junUillos t am-

bém os pe s c adore s . E o pre s i dente de sse congresso não quis


apare ce r . E u apareci como pre s i dente de honra , mas o pre si-

dente e fe t i vo foi José Aires dos P r a z e res , que es tava muito

l i gado à l i g a campon e s a de Gali l é i a e foi o homem que condu-

z i u o congre s s o .

A. C . -- O senhor falou muito no José dos P r a z e re s , mas acho

que interrompemos a nossa conve rs a , não?

F.J. Bem , vou contar o que se passou com José dos Praze-

re s , para deixar e s s e assunto liqui dado . Você s abe que to-

das as forças de esque rda e progre s s i s tas de Pernambuco se

reuni r am p ara a campanha de C i d S ampaio . Houve uma c o l i ga-

ção de forças , e derrotamos Jarbas Maranhão , candidado de Ag�

menon e de E te lvino . E ra meu ami go pe s s o a l , mas fiquei con-

tra e le porque , naque le momento , enten d i a que meu dever er a

apoiar Ci d .

Quando C i d chegou ao gove rno , n os s as relações e ram

muito boas , porque nós o haví amos apoiado e e l e defendera o

programa das l i gas campone s e s . E le i a ã tribuna comi go , paE

ti cipava . En fim , foi uma campanha realmente monumen ta l , que

abalou todo o es tado de Pernambuco e todo o Nordeste . Pare-

cia uma campanha pre s i denci a l , de tão bela . E l e ganhou com

uma margem de votos extraordinári a , uma di ferença de mai s de

1 0 0 mi l votos , para um es tado que não tinha 5 0 0 mi l eleitores .

Poi e xtraordinári a a vi tóri a , es petacul ar , arrasadora . E ele ,

de fendendo tamb él!l .. as te ses de senvolvimen tis tas , a nece s s i d�

de de uma nova e s trutura , de uma nova vida . Em s uma , foi um

h omem de e s perança .

Quando e le s ub i u ao pode r , fui a e le e levei um pr�

j e to que fora e s tudado por mim , por Carlos Luís de Andrade e

por outros companhei ros do P artido S o c i a l i s t a . Levamos um

pro j e to para trans formar a Gal i lé i a em uma coope rativa . Ha­

ví amos ganhado a questão da Gali lé i a , um di sputa que durava

13
mai s de quatro anos , uma demanda feroz , uma luta tnmEnda, POE

que o proprie tário demandara contra todos os c amponeses .

Criou-se um caso s o c i a l e , n e s s e caso , a Con s t i tu i ç ão mandava

proteger o coletivo sobre os intere s s e s do indivíduo . Foi aí

que apre sen tamos um pro j e to de l e i para desapropriar a Gali­

lé i a .

De s apropriamos . Foi uma batalha fero z , e C i d ac�u

s an cionando a lei . Como foi que conse guimos i s s o é uma h i s -

tóri a muito intere s s ante . Reunimos a mas s a c ampon e s a , mob i -

l i z amos gente , porque havia uma resi stência muito grande de�

tro da Assemb lé i a , Ú 1 C. .t'. UJ., o por parte de deputados que eram do

governo , mas que tinham os seus intere s s e s pri vados e tinham

medo de que a desapropriação da Ga li l é i a pudesse desencadear ,

ace le rar um proce s so contra o lati fúndio , contra os terrate-

nente s . E s s e era o medo . Em verdade , depois , e s s a coi s a se

tran s formou em a l go muito intere s s an te .

Como a desapropriação foi paga com dinhe i ro de con-

tato e e s s a coi s a , os lati fundiários come çaram a me buscar

para que eu apre sentasse pro j e tos de desapropri ação : " Olhe ,

voce apre sente um pro j e to , aí . As terras são boas , mas nao

quero mais aqui l o " . Então , e u di z i a : " S e eu for fazer uma

coi s a dess as , acabo advogado de lati fundiários , e não de cam

pone se s . Vocês querem i s s o , mas o Tesouro da nação não dá

para pagar as terras de que os campon e s e s necessi tam . Se a

gente reforma a Contituição e manda pagar em bônus da d í vi da

púb l i ca nacional , com uma taxa de j uro s pequena e com um pr�

zo largo , de 2 0 ou 30 anos , então podemos desapropriar a s ua

terra . Mas , para pagar em dinh e i r o que você vai usar para

cons truir aqui um arranha-cé u , ou comprar açoe s ou ap l i car

no Rio ou em são Paulo , isso vai so lucionar o seu problema e

não o problema dos c amponeses , porque a quantidade de terra

é muito peque n a " . Havia e s s a deman da . Houve um momento em


q ue todo o mundo que r i a e e s tava em fi la para desapropriar

terras . Mas , n e s s e caso , se rviu mui t o , porque explodiu o mo

vime n to . A Gal i lé i a se tran s formou em um caso nacional .

A.C. -- A legal i z ação de uma reivi ndicaç ão .

F.J. -- Sim. Então , o que fe z Cid? E l e , que havia vi aj ado

por toda a E uropa , e s tado na Chin a , quando apre sentei o pro­

j e to de formar uma coope rativa , que era uma cooperativa de

tipo superior , organ i z ada em forma j á bas tante avan çada mas

dentro dos canones do coope rativi smo bras i le i ro , C i d me dis­

se : " O lhe , nao vou f z e r uma coi s a dessas , porque o que voce

e s t á me propondo é uma espécie de comuna popul ar" . Re spondi :

"Mas l e i a o pro j e to " . E le se negou . O que e le q uer i a era

dividir o movimento . E l e recebera o nos so apoio e , a princi

p i o , e s t ávamos bem . Depo i s , t i vemos uma polêmi ca fe ro z . Há

p e l a impre n s a de Pernambuco duas cartas , uma que e le me es­

c reveu e outra que es crevi , que e s t á bas tante larga e que d�

ve e s tar pub l i cada no J 0 4nai do Comé4cio , em que e u e xamina­

va todo o problema de raí z e s e e s s a coi s a toda , com o C i d .

Foi quando rompemo s .

A.C. -- A propós i to de quê ?

F.J. -- A propó s i to do movimento c ampone s .

A.C. -- A propós i to de G al i lé i a?

F.J. -- S im ; a propó s i to não só da Gal i lé i a , mas de outras ,

porque , nesse mome n to , havi a outras li gas em vá rias partes

de P e rnambuco . O movimento havia pass ado os l imites da Gali

lé i a , os limites de Vitóri a , e j á e s tava em vári os municípios.

A agitação era grande , e a úni ca coi s a que pedi a Cid foi que

di s s e s s e nos comí cios . . . Eu di z i a a ele : II O lh e , 50 quero

de vo cê que t i re o soldado de po l í c i a da porta do campone s .

1'5
Não quero mai s nada de voce , senao que a po l í c i a nunca mais

interfira nos con flitos entre camponeses e lati fundiários , teE

ratenentes e propri e t ários de terra . Quero que o a s s un to se

j a sol ucion ado de acordo com a Cons t i tuição , pela Justiça" . E

e le di z i a i s s o em todos os comí c i o s . E r a uma coi s a formidá-

ve l o I s s o era um pas s o .

A princípi o , realmente , e l e ti rou a po l í ci a . Mas ,

depo i s , os usine i ros fi ze ram pre s s ão para que sua polí cia pri

vada entrasse novame n te em ação , con s i derando que o movimen­

to cre sce ra muito e tomava uma forç a tremenda , porque a poli

ci a j á nao podi a inte r fe ri r . Bem , C i d retrocedeu . A prin­

cípio , e le tratou de dividi r . E le chamou P ra z e re s , viu que

Prazeres fora o homem que organ i z a ra aquele congre s s o , que

part i cipara , e s tava muito i n f l uenci ado e tinha muito nome den

tro da G al i lé i a . Deu a e le um cargo muito importante de co­

ordenador em um Departamento de Terras e Colon i z ação , que

C i d fundou para tratar de s o lucionar o problema dos campone-

ses . Mas o que e le que r i a era medi a ti z ar .

A.C. -- Houve uma colônia de ssas n o Cabo?

F.J. -- S i m ; e l e fundou mesmo um departamento , lig ado a Se­

cretaria de Agri cultura , que tinha como função e s tudar e s s e s

cas os , tratar de obter terras e l o c a l i z a r campone ses . A ver

dade é que e le que ria es vaz iar o movimento e , sobretudo , li­

quidar a l i ga de G a l i l é i a , que es tava muito forte . Era j á

uma terra dominada por campone s e s , e todo o mundo podia ir

para l á . A gente di s cuti a , todo o mundo b us c ava . . . Você sa

be que até o irmão do Kennedy , Robe r t Kennedy , como mini s t ro

da Jus t i ç a do gove rno John Kennedy , e s teve l á .

A. C. Sim; também o Schles s i nger e uma quantida de de gen-

te . N unca o Norde ste foi tão vi s i t ado .

1-6
F.J. -- Foi muito inte re s s ante . E le foi lá para ofereoer um

motor de energi a e lé t r i c a aos campone ses . N e s s a época , era

uma l uta tremenda com Ci d . Cid j á havia metido a polÍcia lá,

o s campon e s e s nao que ri am mai s mandar o s meninos para a e s c�

la . . . Havia uma operação tremen da , quando o Robert Kennedy

di z : " o pre s i dente Kennedy me pede para perguntar se voces

querem al guma coi s a de le " . Aí , o velho z e z é da Gal i lé i a , com

muita s abedori a , d i s s e : " A gente ace i t a o motor que o pres�

dente q uer mandar para nós . E s t á bem que a gente tenha aqui

e letri c i dade . Mas o que a gente quer que vo cé fale com o p�

s i dente é que e l e mande ti rar a po l í c i a daqui " . I s s o foi um

espetáculo , de u até manche te .

Be m , a coi s a chegou a esse n í ve l . Então C i d chamou

o nos so amigo , o José Ai res dos P r a z e re s , e deu a e le um car

go e um j i pe . E l e , então , começou a tratar de desviar os caro

poneses e i r liqui dando aquele entusi asmo que havi a na G a l i -

léi a , aceitan do a s teses de Cid . Cid quer i a tirar os campo-

neses mais ativos da G a l i l é ia , para os i r dispersando por ou

tras propriedades . E le di z i a : " Dou d e z hectares de terra em

um lugar . Aqui nao dá , só tem um hectare ou meio h e c tare " .

E eu de fen di a a se guinte te se : " Se o dr . Cid quer dar terras

a vocé s , deve dar d e z hectares a cada um , mas aqui pertinho .

Aqui também tem terras que ele pode desapropriar e entregar

a voce s . vocés não devem , abso lutamente , i r para Araripina

ou não s e i para onde , porque o que ele quer é di spe rsar vo­

cés por aí afora , para que o movime nto des apare ç a . E l e quer

deb i l i tar a liga , que é o coração , que é o motor onde a gente

vem re cebe r energi a para fundar outros movime n to s " .

E o P r a z e re s c a i u n e s s a c o i s a e acei tou o trabalho

de dividi r o movimento campone s . É cl aro que j á havi a alguns

c ampone ses da G a l i l é i a bastante po l i ti zados , muito polit i za-

do s , que percebe ram , reuniram-se e e xpu l s a ram P razeres da

11
Gal i lé i a . E s s a coi s a deve ser di ta , porque é h i s tóri a . Dis

se ram a e le : " Ou vo ce f i c a com a gente , ou fica com o seu j i

p e e o dr . Cid" . Então , expu ls aram-no e vieram me �icar:

" O lhe , nao queremos mai s o ve lho Praz eres lá" . E le foi e x-

pu lso por uma decisão unânime , uma coisa tremenda ! E le se-

guiu e , quando C i d viu que ele nao tinha mais forç a , despe-

diu-o e fi cou o pobre do P ra z e re s sem nada . Pas sou três anos

sem nada e sumi u , desapareceu o Pr azere s .

Depoi s , quando Arrais ganhou o governo do e s tado e

tomou posse , e le ve io com o i rmão , Amaro do Capim , a minha

casa e di s s e : " Olhe , quero con fes sar os meus pecados . Eu er

re i , re a lmente fui no j ogo do dr . Cid , sem percebe r . A úni-

ca co i s a que que ro , ainda que depo i s eu morra lá mesmo , e re

tornar a Gali l é i a , ter o dire i to de entrar ali , abraçar os

velhos ami gos . Ainda que morra n e s s a hora . E quero voltar

a trab a lhar , mesmo que não fique na G a l i l é i a . Gostaria de

trabalhar aqui , com as li gas urbanas " . Eu j á e s tava fundan-

do li gas urbanas . A minha idéia era e s s a : l i gas campcnesas ,

l i gas urbanas e l i gas de pes cadores . A gente j á e s tava o r ga

n i z ando os e s t a tutos n e s s e sentido , para uni f icar o movimen-

to .

E u di z i a sempre : " A terra é para o campon e s ; a casa,

para o trabalhador ; e o peixe , para o pescador " . A gente �

ri a , quem sabe , dai a mais adiante , fundar um partido agra-

rio nacion al , ou qualquer c o i s a assim . A gente e s tava pen-

s ando , � n ctu� o , em e s truturar um grande partido que tive s s e

como e i xo o movimento c ampon ê s , pe l a importân c i a que tinha o

c ampe s i n ato no Brasi l , para lutar pe lo voto do ana l fabeto , �

formar a Con s t i tuição da RepÚb l i c a para que o camponê s t i ve�

se ace s s o à terra , limitar a e xtensão da propriedade , uma s�

rie de c o i s a s a s s i m . Tudo i s s o s ur gi u , depoi s , no grance con-

gre s s o nacional camponês de Be lo Hori zonte , o famoso congresso

+&
nacion a l .

Então , o P r a z e res ve i o , eu o recebi , chamei o pe s-

soal da diretor i a e d i s s e : " Olhe , h á e s s e problema . Afinal

de cont as , esse homem não e nosso inimi go ; equivocou-se , caiu

na coi s a do C i d . . . " E le s responderam: " E s t á bem , vamos re-

cebi - l o , mas o senhor vai com ele " . Concordei e , um di a , p�

guei P r a ze re s , Amaro e mais dois amigos , fornos à G a l i l é i a e

ele foi recebido com muita fe sta . E l e chorava mui to , e s tava

muito emocionado . Assi m , houve a con c i l i ação da l i ga cc:rn Pra

z e re s , depois que o candidato de Cid S ampaio foi derrotado e

Mi gue l Arrais ocupou o gove rno do e s t ado .

A.C. -- Mas , para P razeres viver corno campon e s . . . Imagino

que tivesse mais re cursos do que . . .

F.J. -- Não ; ele nunca viveu corno campone s . E le vi via no

Bongi . E le tinha muitos fi lhos e es tava em s i tuação difícil .

E u então d i s s e a e le : " O lhe , P r a z e res , a l i ga vai lhe dar urna

bomb a , porque é pre c i s o água para o ne gócio das ve rduras . A

l i ga vai lhe dar uma bomb a , para voci ter aí duas ou tris pe�

soas trabalhando e voci se movimen ta r " . Então , e l e =seguiu

um pedaço de terra no Bongi e aí insta lamos uma bomba para

e le . Em verdade , eu d i s s e que e ra da l i ga para e l e compree�

der que nao era uma coi s a pe s s oal . Mas fui e u que comprei a

bomba e de i a ele . E s s a coi s a toda terminou e começamos a afi

nar .

Depoi s , um dos s e c re t ários do gove rno de Arra is , do

negócio do Serviço Social Contra o Moc ambo , o Engenhe iro Gil

do Gue r r a , agarrou o Prazeres e também lhe de u um trab a lho .

O Pra z e res se mete u aí com e l e , e di s s e : " Olhe , não vou mais

ao campo , mas fi co aqui , trabalhando no n e gócio das l i g as uE

b anas . Vamos trabalhar j untos " . E trabalhamos , até que veio

o golpe . Mas , em verdade , a h i s tória dele é muito simples .

"1-9
Quero acre d i t ar que Prazeres f o s s e um homem re s s e n t i do com o

pai , que não o reconhece r a " .

Ago r a , aque l a h i s t ó r i a de que e le organ i z o u um bata

lhão verme lho para vir lutar aqui , em 19 1 0 -- C l odomir narra

e s s a h i s tó r i a -- , isso e uma coi s a que cre i o que pre ci s a s e r

inve s t i gada . o que se pas s a com o rap a z que foi o meu braço

forte na l i ga campone s a , o C l o domi r , é que ele toca muitos in�

t rumentos , tem uma inte l i gênci a privi l e gi ada , é uma pe s soa

que tem coi s a s curi o s as . Às ve z e s , não s e i se ele está no

mundo da re ali dade ou e s t á fantas i ando . É um pouco e s s a coi

sa de quem vai e, de repente , vem à ponte e cai . Eu gost ava

de le quando começava a narrar e contar casos e anedotas da

Bahia e do i n t e r i or .

A. C . -- Ele e b a i an o ?

F.J. -- Sim, e le é bai ano , e aderiu ao movime n to d a s l i gas

campone s a s . Foi curioso , porque e le foi do Partido Comuni s -

ta , foi deputado , entrou n a le genda do P a r t i do Trabalhi s t a .

Mas e ra do Parti do Comun i s ta , todo o mundo s ab i a . E le , do

P artido Comun i s t a , eu, do P ar t i d o S o c i a l i s t a , e Mi gue l Ar-

rai s , que sempre b u s c ava uma l e genda e se e legi a , mas era um

progre s s i s t a , um n a c i on a l i s t a , a gente formava . . .

[! INAL DA FITA 3-BJ

F.J. -- Formávamos uma t r i n c a que de fendi a as caus as mai s

progre s s i s t as dentro da Assemb l é i a Le g i s lativa . Os ceputados

di z i am que é ramos a t ró i c a . Bem , C l odomi r ade r i u ao movimen

to campon e s em 1 9 5 7 ou 5 8 , depois que fi zemos uma vi a gem a

Europa . Fomos em uma comi s s ão e conômico-parlamen tar , = mais

de 4 0 deputados do Norde ste , i n d us t r i a i s e come rciante s , e,

de lá , fomos até a União Sovi é t i c a , ver o Congresso da Juventuce


bO
Mundi al . E s t ando lá , fomos ã Geórgi a . N a Geórgi a , me recoE

do de que fomos a s s i s t i r a uma pe l í cu l a muito bon i ta que se

chamava " O Burro de Magvi ran a " .

E ra a h i s tória de uma c ampone s a viúva , com fi lhos ,

que conseguiu um burrinho que e s t ava abandonado e ferido .

E l a tratou dele , e e s se burro er a quem l e vava as coi s as para

a c i dade , para o povoado . Então , toda a vida de s s a famí l i a

pas sava a gi rar em torno de s s e burro . As s im , come çaram a

sair de uma m i s é r i a abso luta para uma miséria suportáve l . E

o fundo mus i c a l era muito bonito ; e ra mús i c a de um famoso =m-

posi tor sovi é t i c o de quem não me recordo o nome , mas que e

mui to famoso . O Cl odomi r saiu muito comovi do . Todos nós ,

quando s aímos da pe l í cu l a , e s t ávamos com lágrimas , re almente

comovi dos , e e l e d i s s e : " Rapaz , voce e s t á certo com a s ua

i dé i a de organ i z a r os campone s e s e de tr azê- los para a luta

po l í t i c a . Eu, desde j á , a s s umo o compromi s s o de ade r i r ao

movimento e trabalhar con s i go " . E vo l t amos ao Bras i l com e s

se comprom i s s o .

Não s e i realmen te quando e l e s e de s l i gou ou foi de s

li gado do partido e p a s sou a trabalhar comigo nas l i gas c am-

pone s as . S e i q ue , de s de então , começou a se intere s s a r pelo

movimento . E le tinha nece s s ari amente que s urgir como uma

fi gura com mui tas inquietaçõe s . E le de u realmen te um irrpulso

muito grande ao moviment o . Eu di s s e : "Você tem que ir para

o Bras i l , fundar l i gas campon e s a s , organi zá- l as . . . " E j untos

elaboramos mui tos trabalhos . Mas i s s o é uma h i s tória que ,

depoi s , se rompe u , porque e le s e excedeu em mui tas coi s as .

E o movimento foi duramente golpeado por causa de al guns er-

ros tremendos de C l odomi r .

E le p l ane j ava e e s truturava bem as coisas , mas , na


-

hora em q ue o movimento começava a nece s s i tar de que nao se

�I
ace lerasse tan t o , de um pouco mais de calma , então o CloOOmir

ace le rava demai s , e com i s s o cri ava problemas . Não elegia bem

os quadros , tanto que a gente tratou de formar uma e s c o l a de

quadros , para poder orientar melhor o movimen to . Mas essa já

foi a f a s e em que todo o mundo es tava se metendo dentro da li

ga . A l i ga era um grande movime n t o , um rio que come çava a

se de s l ocar e , você s abe , quando um r i o leva muitas aguas ,

vem de tudo : vem a f lor , mas também vem o cadáve r . De manei

ra que era d i f í c i l f a z e r uma s e l e ç ão , porque era um movimen-

to , não e r a um partido . Entravam n o movimento as diversas cor

rentes , querendo , naturalmente , conqu i s t á - l o p ara o s e u par­

tido .

A.C. -- Qual o balan ç o que o senhor pode faze r da l i der an ç a

n a s l i gas , n o momento e m que o Cl odomi r en trou? A impre ss ão

que se tem é que es tava havendo uma grande carênci a , e que o

senhor e s t ava mui to soz inho para organ i z ar uma coi sa muito

grande . Então , eu que ri a que o senhor nos de s s e uma i dé i a

de qual era o quadro , i n c l u s i ve das l i der anças internediárias

dos campon e s e s . z e z é de Gali lé i a , por exemplo , o que repre-

sentava e s s e homem? O que e que os c amponeses es tavam dando ,

concretamente , como l i deranç a , dentro do movimento?

F.J. -- Devo aqui recordar uma co i s a , que des cobri como ad­

vogado . Cheguei até a buscar uma frase para mostrar a minha

preocupaçao com esse prob lema . No momento em que as l i gas

campon e s a s s urgi ram e que a gen te vi u que , por mais que tra­

ba lhas se -- trabalh ávamos , digamos , 48 horas por dia -- , não

éramos s u fi cientes para atender às n e c e s s idades crescentes do

movimento camponê s , cheguei à evidên c i a de que o fun damental

para a l i ga campon e s a era o advogado . Se eu t i ve sse , naque­

le mome n to , 40 ou 5 0 advogados , d i s po s tos a dar à l i ga o que

eu e s t ava dando , re almente , podí amos haver fundado , no Brasil ,

82
um movimento campones com uma força incon t í ve l .

Podia haver s i do um movimento camponês extraordiná­

rio , mas fa ltou e s s e quadro fundamental , que é o advogado .

Era mais importante do que o agitador , mai s importante do qtE

qualquer e lemen to po l í t i co que fosse . . . N aturalmente , falo

em advogado comprome tido , que de fendesse realmente o campo­

ne s . E s s a foi a maior carên c i a que senti , de s de o começo do

movimento até que e le foi s u focado . E u pre c i s ava de 4 0 ou 50

advogados para aque la mas s a campone s a que come çava a desper-

tar . Era como se eu pude s s e apl i car a fórmula de Arquimedes :

''!:ê-rre uma alavanca e u m ponto de apoio , e e u levantarei o mun

do" .

E s s e s advogados seriam a a l avan c a ; a l i ga , o ponto

de apoio . E eu levantaria toda e s s a mas s a campone s a que ha-

vi a no B r asi 1 . o que eu precis ava e ra de um trabalho l e ga l ,

fei to por advogados que se de d i c assem , em tempo comp leto , ao

movime n t o . Lamentave lmen te , tínhamos mui to poucos e , d e s s e s

poucos , alguns se de svi aram , n a o eram re a lmente advogados que

se dedi cas sem e xc lusi vame nte ao trabalho c amponês . Alguns

tinham a preocupação de ti rar um pedaço ou de encaminh ar o

movimento camponê s para e s s e ou aquele partido p o l í ti co ao

qual e s tavam f i l i ados .

Agora , ao lado d i s s o , a gente preci s ava também dos

quadros intermedi ári os , dos quadros que pude s sem trab alhar di

re tamente , permanentemente , no campo , com o camponê s . Esses

quadros e s t avam s urgindo d o próprio movime n to camponê s , e j á

havi a alguns excelente s . Durante as campanhas e le i torais e

que a gente vi a a importân c i a des s e s quadros , que se dedica­

vam , que f a z i am um prose l i t i smo formidável a favor dos candi

datos que a l i g a apoiava - candidatos a pre s i dente , ou a gove!:

nador , ou a pre f e i to , ou a deputado , ou a senador . Era muito


importante não d e i xar de l i gar o movimento camponês à p o l í t�

c a e le i tor a l , porque , na época de e le i ç õe s , as l iberdades de

mocrát i c a s s e e xpand i am mui to .

N i n guém queri a , ab s o l utamente , afetar o campone s .

N i n guém queri a entr ar em con f l i t o com o movimen to e , por i s -

so , havi a m a i s libe rdade . Os candidatos eram mui to mai s aces

S l ve l S . E s t á aí o caso , por e xemplo , do d r . Cid , que foi a


. .

tribuna e as sum i u comprom i s s o s sérios em s e us di s cursos . De

p oi s , retroce deu , porque não c a l cu lou bem o que seri a . A ou

t r a hipótese é que tenha a g i do com um sen t i do pu ramente dema

gógi co .

De man e i ra que e s s e s quadros eram importan t í s s imos ,

e eu tratava de e xp l i car : " O lhe , a gente não pre c i s a de qua-

dros some n te para a gi t a r . A gente pre c i s a de quadros para

compreender a n e ce s s i dade de vincular o movime n t o às grandes

campanhas po l í t i cas do p aí s , porque a nos s a pre o cupação é tr�

z e r a mas s a campone sa para e s s e proce s s o , é me t e r a m a s sa carn

pone s a dentro de s s e grande proce s s o que e s t á s e desnvolvendo

nesse paí s " . Já um pouco tarde , fundamos uma e s co l a de qua-

dros , que funcion ava lá mesmo .

A.C. -- A I gre j a fe z i s s o , e muito bem .

F.J. -- A I gre j a tinha uma e s trutura mui to poderosa e podia

faz ê - l o . E r a mai s fá c i l para a I gre j a do que para nos . Hou

ve , por exemp l o , a conferên c i a dos b i spos em Campina Grande .

E s s a confe rên c i a pode - s e d i z e r que foi um re f l e xo , o produto

de uma r e f l e xão que a I gre j a começou a f a ze r . você se re cor

da mai s o u menos d a data em que foi o congre s s o dos b i spo s ?

A. C. -- Foi em 5 6 .

F.J. -- Em 1 9 5 6 , portanto , muito ante s do 1 1 Vati cano . Mas ,

em 5 6 , j á havia b i spos do Norde s te preocupados com o prOblema


do campon e s . Muitos padres j á nos bus cavam para conversar

sobre esse problema . t c l aro que a l guns b i spos conden avam

e s s a ati tude , porque ainda e s t avam mui to vi nculados à e stru­

tura da terra , ao lati fúndio , e cons i de ravam que havi a algo

que e s t ava pondo em peri go a paz dos campos . Então , e s c re-

viam pastorai s , e e u tinha que responder a e l as com muitc cui

dado . Eu nunca po lemi z ava com a I gre j a , pois não seria inte

l i gente , nem táti co , travar esse po lêmi c a . Mas trat ava de

dia logar . Por i s s o e que o cl ima que e xi s ti a entre a l i ga

campon e s a e a paróqui a , o cura , era sempre um clima toler á­

ve l , a não s e r com um o u outro cura mais reacionário , que con

denava a l i ga de forma s i s temát i c a . Ainda a s s i m , eu não ace�

tava o des a fi o , porque não e s t ava dentro dos c ál culos e se­

ria uma es tupide z ace i t ar uma polêmi ca ou um de s a f i o da I gr�

ja. Mas a I gre j a podia fazer i s s o e rea lmente o fe z . O ca­

so do padre Me lo é s i n tomá tico . O padre Me lo foi um h omem

que s urgi u de repente no Norde s te . Ele apareceu a s s im , de

repen te , como uma e s t re la .

A. C . -- P ara nos , que e s távamos no S u l , e como se e l e fosse

um J u l i ão da I gre j a .

F.J. -- S i m ; em verdade , o padre Me l o surgi u , e muitas ve­

z e s com l i n guagem mui to mais forte , muito mai s ace lerada do

que a que us avamos . Mas tudo bem cal culado . O padre Me lo ,

depoi s , reve lou-se um e lemento de con f i an ç a dos grandes ter­

ratenente s , um homem de con fian ç a de C i d e outros . Eu pro-

prio pude con s t atá- lo , durante o governo de Cid , quando co-

me cei a entrar em choque com e le por causa de s e u retroce s s o

e d a quebra d a s prome s s a s . I s s o d e u uma grande polêmi c a ,

através da imprensa no Re c i fe . O padre Me lo , que tinha mui­

tas re laçõe s com a Se cre taria de S e gurança P Úb li c a , e s crevi a

cartas , mo s trava onde é que a se cre tar i a deve r i a atuar com


mais e fi c i ê n c i a p ara conter o movimento campone s .

Como e u também tinha um se rviço de v i g i l ân c i a j unto

ao padre , mui tas ve zes eu s ab i a do conte údo de s s as cartas .

P ubli camen te , e u não podia d i z e r e s s as coisas , mas tratava à=

foto gra f á- l as e guardá- la s para um futuro aj uste de contas

com o padre Me lo , quando ele se torn asse de tal forma perig�

so p ara o movimento que e u tive s s e que di zer : " O padre é i§.

so" . Quando Arrai s chegou ao governo , o padre entrou em cho

que franco com e l e .

Uma noite , e le chegou à minh a c a s a , de se spe rado , po�

que a po l í c i a de Arrais de s c obrira a s u a li gação com o IBA D ,

o famoso I n sti tuto Bras i l e i ro d e Ação Democrá ti c a . A polícia

fl agrou e s s a c o i s a toda e o padre che gou tão de se sperado que

me di sse a mim : " O lhe , fulano , e s t o u disposto a lutar até com

as armas n a mao p ara derrubar e s s e governo . Disponho de uma

quantidade de metralhadoras , de armas , de tudo o que voce

que i r a . Se você quise r , ponho tudo à sua d i s pos i ç ão " . P e r-

gunte i : " Mas , padre , onde é que você vai b us c ar tanta metra

lhadora? E, depo i s , por que e que vo cê e s t á tão de se sperado

com Arrai s , que não é inimigo da l i ga c ampone s a , nao e ini­

mi go d o s campone s e s , e s t á fazendo um governo popu l ar , um go�

verno li gado aos traba lhadore s ? Agor a , não se pode avançar

muito , a marcha d e ve ser lenta , mas cont i n uad a . Não ; n a ho-

ra em que e xi s t a qualquer pe r i go de que se s ubverta a co i s a ,

e s t are i ao lado d e um homem que foi apoiado p e l o s camponeses ,

pe los trab alhadore s , pe las classes mais avançadas , mai s pr�

gre s s i s t as do e s t a do . Acho que você e s t á equivocado , o u en-

tão i s s o é uma provocação " . E o padre s a i u furioso .

A.C. E l e pens ava , provavelmente , em explorar as dive r gê�

c i as que o senhor tinha com Arrai s .

F.J. -- E u tinha certas divergê n c i a s com Arrai s . Então , o


padre pens ava que e s s as divergên cias eram de tal nature za gue

fariam com que e u me l i gasse à causa de le . Posteriormente , vi-

mos que o padre era um homem que dava uma no c ravo e outra na

fe rradur a . Ao mesmo tempo que convidava o camponê s , ace lera

va e fal ava uma li n guagem radi ca l , el e tinha li gaçõe s com os

grandes terratenentes e usinei ros que não e ram , naturalmente ,

os usine i ros mais progre s s i s tas . Havi a usineiros progre s s i�

tas , com quem se pod i a conve r s a r , e cheguei a conve rsar com

a lguns .

A . C . -- Quem e r am e l e s ?

F . J . -- P o r exemplo , e s s e us ineiro que e r a dono de um a fá-

brica de teci dos que fica entre Rec i fe e Olinda , uma grande

fábri c a de tecidos . E r a uma pessoa muito interes s ante . E le

não foi homem que formou usina ; e le he rdou- a em conseqüênci a

de um ca s ame n t o . E le m e di sse : " Olhe , não tenho muito amor

à usin a , à terr a . Sou homem de fáb r i c a , tenho mai s amor a

fábri ca , sou um indus t ri a l . N atura lmente , não posso me adaE

tar a e s s a coisa de perse guir camponês . E u q ue r i a es tudar

com você uma fórmula . você acha que , se e u entregar dois ou

três e n genhos para você fazer a s ua experiên c i a de cooperat�


-

va , e s s a que o C i d nao quis faze r , i s so pode r i a servi r? Se

servi r , e stou di sposto a entre gar . Mas entre go a coi s a para

que vocês façam a l go bem feito , bem organi z ado . Mas não criem

problemas , n ao criem um con f l i to por l á , porque não é pos s i -

ve l ll •

Havi a muitos con flitos n e s s a re gi ão . I s so ficava @

ra o lado de Barre i ros , a usina de Barreiros . Pois e s s e ho-

mem -- não me recordo agora de seu nome -- chegou a oonversar

comi go e t i vemos di s cussões b as tante sérias . E u , em princi-

pio , aceite i : " Olhe , é inte re s sante a propo s i ç ão que você faz,

desde que vo cê faç a a doação à l i ga , porque a l i ga é uma so-

ciedade que pode receber i s s o . Você não vai fazê- l a a mim ;


faça à liga" . E le responde u : " Bom , voces me di gam o que de.-

vo faz e r para que e u faça a e s critura , não há prob lema . Vo-

cês façam a experiên ci a . Agora , também compreendam que nao


-

posso abso lutamente sociali z ar , fazer da minha usina uma pe-

quena Cub a . Não é possíve l . E stou dentro de sse si stema .

Mas não tenho muito amor a e le . Não pense que vou morrer e

matar pela te rra" . Havi a desses casos intere s s ante s . I ss o

mostra que a gente deve sempre tratar esses problemas ccm mn

to cuidado , porque aparece , aqui e aco l á , gente surpreenden-

te .

A. C . -- A usina de le e r a perto de Barre i ros ?

F . J . -- S i m ; perto de Barre i ros , pre c i s amente pe rtinho da

ci dade de Barre i ros . Fui l á e fi z uma grande concentração .

Foi a prime i ra ve z que fui a uma concentração de mais de de z

mi l campone ses . Foi n e s s a usin a . Havi a um con f l i to entre

os campone s e s e os trabalhadores da usin a , e fui para so luci

onar o con fl i to . I s s o j á e r a fruto da penetração de outras

fontes -- como trotsquistas e outros e lementos -- i ntere s s a-

das em divi d i r o movime n to e provocar um grande con fl i to .

Fui para l á muito preocupado .

A . C . -- O senhor acha i s s o ? A impre s são que se tem e de que

era quase que uma provo c açao . Não sei até que ponto seria

uma coi s a de libe rada .

F . J . -- Chego a admi t i r que fosse uma provocaçao de liberada.

Não tenho autoridade para di z e r de onde parti a a provoc ação ,

mas , em verdade , fui para con c i l i ar os intere s s e s . A i dé i a

era invadir a usina e l iquidá- l a , quebrá- l a , por conseguinte ,

ti rar o pao da boca dos trabalhadore s . E u disse : " Bem ou mal ,

e s s e s t r ab a lhadores vi vem di s s o . Acho que vocês têm que fa-

z e r ali an ça . Deve ser uma a l i ança entre o camponês que corta

a cana e trabalha no camp o , e o ope rário que e s t á l á dentro ,


fabri cando . Agora , a luta de voces deve ser uma luta para

que , um di a , se j am realmente os donos de tudo , da us i n a e da

terra , mas dentro de um outro s i stema , de uma outra organ i z�

ç�OI' .

Foi uma coi s a t remenda . S e i que , nesse di s curso, l�

vei mai.s de quatro horas falando , e dei xe i os ânimos mai s ou

menos ca lmos . Mas o trabalho s e gui u . Houve realmente mui ta

coi sa obs cura n e s s a epoca . N ão sei até que ponto a gente p�

de falar n a pene tração de outros partido s com uma pos i ção m�

to agre s s iva e faccios a , ou , ainda , de algun s centros de in­

te l i gênc i a . Não sei se , aí , j á e s t ava trabalhando a crA ou

se havi a in te re s se em cri ar um con f l i to que pude sse j usti fi­

car uma i n te rvenção fe deral em Pe rnamb uco .

A . C . -- E o senhor , em uma s i tuação di fi cí lima ! Por um la­

do , uma pos i ç ão que acho muito cl ara , de total independênci a

com relação a o pode r , mesmo aque le poder ma i s a l i ado , con fi -

gurado , di gamos , em Arrais e J ango . N e s s e sentido e r a uma

posiçao muito soli tári a . Por outro , o própri o movimento já

min ado por uma série de correntes ext remamente radicai s , das

quais acho que Clodomir seri a uma pe ça , puxando o movimento

para uma esque rda quase que anarqui s t a .

F . J . -- S im ; naturalmen te , e u j á es tava aparecendo como o

pode r moderado r , como uma espécie de a l godão entre cristai s .

E u trat ava de ver s e e r a poss í ve l , sem pre j udi car o ascenso ,

o avanço do movime nto , conc i l i a r forças que eu cons i de r ava

afin s . E havi a e s s e intere s s e em que o movimento fosse de s-

viado , divi dido , atomi z ado . Foi nes s a fase que , a l i ás , o Ca

lado anali s a pos te riormente em um trabalho -- que fui re al­

me nte e duramen te golpeado , porque eu não que r i a pe rde r a a�

tonomi a . E u cons i de rava que o movimento e ra autônomo , a co­

me çar pe lo e s tatuto , pela formação .

Quando a gente e s t ruturava o que , no e s tatuto ,


69
chamava-se liga campone s a -- a sociedade e stava lá -- , em qua!

quer parte , digamos , em Pernambuco , a gente part i a do se gui�

te princípio : a di retori a da l i ga só podi a ser compos ta por

camponeses da l i ga , aí re s i dente s . Não podi a nem s e r um cam

ponês de fora ; um obre i ro , muito menos ; um e s tudantes ou um

intelectua l , nada ! P rime i ro , o camponês luta pela terra on-

de e le vive . S e gundo , se a gente bota um e lemento es tranho ,

entra em con f li to , porque e le não conhece a re ali dade , nao

s abe quai s s ão os re ssentimentos , as aspi raçoes do campones

daqui . Não ê s omente a te r r a , h á mui tos outros prob lemas que

a gente tem que cons i de rar : problemas de re lações humanas, de

compadre sco e uma série de outros que e s tão l i gados à vida, a

todo o universo de s s e pequeno mundo . Então , por i s s o , a li­

ga foi sempre mui to cuidado s a em só fazer participar de sua

di reção o camponês do loc a l ; e s s e camponês dali j á não podia.

Agora , é c laro que a gente f a z i a sempre congre s s os

e re uniões para intercamb i ar e xperi ências , dentro de um me s ­

mo município , o u entre um e s t ado e outro , como ocorr i a , por

exemp lo , entre Pernambuco e paraíb a , ou entre Pernamb uco e

Alagoas . o intuito era intercambi ar expe riên cias e animar o

moviment o , enrique cê- l o . Às ve ze s , um t r a z i a uma idéia in-

tere s s ante : " Ah , vamos ap li car i s s o aqui , para s e guir o de­

senvo lvimento do nosso trab a lho " . Mas o movimento c re s c e u ,

tornou-se um prato muito s aboroso , e os partidos po l í t i c o s -­

incluindo , naturalmente , a Igre j a , que se preocupou muito com

o movimento -- começaram a atuar , a travar uma l ut a no senti

do de ganhar o movimento . Eu di z i a : " Enquanto for um movi-

mento , é fáci l de a gente condu z i r . P ara e s t r ut urar-se em

parti do po l í tico , a gente tem que fazer a l go de sério . Um

partido p o l í t i co não pode ser fundado a s s i m , de repente . Tem

que haver todo um trabalho para que a própria ma s s a c ampone­

s a , nas suas as semb lé i a s locai s , se convença de que se deva

fundar um parti do " .


90
Bem , e s s a e , mai s ou menos , a hi stória da l i g a . É

cl aro que a gente pode r i a conversar creio que dois ou três

dias , para e xp li c ar ce rtas anedotas e ce rtos de talhes , bem

como a forma como muitas ve z e s tínhamos que procede r , retro-

cedendo aqui e avançando aco lá . Di go com franque z a : sempre

fui bastante flexíve l , tal ve z até muito tolerante . E s s e e x-

ce s s o de tolerân ci a , i s so f i c a um pouco por conta do patern�

li smo . A forma como eu tinha que tratar o Qamp e� � n o , ut i li -

z ando um certo paternali smo . . .

Não havia outra forma de eu me aproximar , porque eles

e s tavam ainda muito ma l e s c lare c i dos , muito dentro de s s a de-

pendê n c i a de e sperar que a gente desse a coi s a , tanto que e u

tomava certas at i tude s , para i r cri ando uma outra con s c i ên-

cia no campones . Eu nunca ace i t ava nada dos c amponeses , por

exemplo , e adotava i s s o para todo o pesso al . Quando eu s ab i a

que um companhe i ro ace i t ara um presente de um campones , eu

imedi atamente o cens urava e denun c i ava . Um campones me di-

zia: " O lhe , e stou cri ando aqui um peru , que e u q ue r i a que o

senhor levas se . É para a sua c a s a " . E u respon di a : " Se eu co

me çar a a c e i t ar um peru s e u , vou acabar come r c i ante de peru .

Vou acabar levando muito peru para ca s a , a minha c a s a vai e�


-

che r e eu vou ter que vender peru . Por que é que você nao

mata esse peru aqui ? Quando e o seu an i ver sá rio de casamen-

to , ou o an iversário da sua me nina? Eu venho aqui , matamos

o peru e comemos aqui " . Ele di zi a : "Mas aqui não tem nem uma

me sa para se sentar " . E eu: " Tem , sim. A gente senta aqui

no chão . A gente corta umas folhas de banan e i r a e senta em

cimall • E le retrucava : "Mas não tenho nem um garfo " . E eu:

"Mas as maos são uns garfos fabulos os , e o dente , a faca . A

gente come o pe ru aqui . Convide os seus comp adre s " .

O meu interesse era pas s ar , di gamo s , todo um di a o u

uma tarde , conve r s ando e tratando de exp l i car o problema, para

91
ganhar mais campone s e s para a coi s a . E então e u nao aceita-

va o presente , i s s o para demons trar ao campones q ue , em ver­

dade , o que eu que ri a era que despe r t ass em , que tivessem um

senti do de unidade , que compre endes sem que o nosso trabalho

e ra re a lmente um trabalho de entre ga . Bem , essa é a coi s a .

A.C. -- E os l í de re s ? O senhor i a falar sobre a l i derança

intermedi ári a . Âs veze s , a gente tem um pouco de d i f i cu lda-

de em sabe r o nome das p e s s o as , dos heróis anônimos de s s a lu

ta . Nós conhecemos , por e xemp l o , o Z e z é da Ga l i l é i a . Quem

era e le ?

F.J. O velho Z e z é da G a l i l é i a era um homem an al fabet� fa

lava muito pouco , era b a i xi nh o , e sempre foi con si derado o

pre s i dente da sociedade . E l e sempre e s t ava à frente da s o-

cie dade . Er a muito honrado , de uma grande di gni dade , muito

séri o , havi a s i do admi n i s trador da Gal i lé i a , e passou , com

toda a mas s a campon e s a , à dire ção da socie dade , com uma sere

ni dade , uma compo st ura , uma di gni dade imeneas . E morreu assim.

Foi preso , passou muitos vexames , j á velho , mas nunca ab s o lu

tamen te c l audi c o u . O compo rtamento de le sempre foi magní fi­

co .

A. C . -- E le teve um pape l importante na cri açao das l i gas?

F.J. -- Não n a cri ação das l i gas . E le teve um papel impor-

tante como coordenador e continuador . Nun c a perdia a paciê�

cia nem a e s p e rança . z e z é era i s s o : um homem de grande esp�

rança e de grande paciên c i a . Minha admi ração pe lo Z e zé nao

vinha do fato de e le ser um ativi s t a ou um grande quadro , no

sentido de organ i z ar e t a l , mas por e s t a r sempre disposto a

parti cipa r , sempre pronto a ir a qualquer lugar e a estar p�

sente , embora a sua pre sença pare ce sse a de um bon z o . E le

falava muito pouco , di z i a muito pouco . Agora , e r a muito

92
sensato . Quando o Zezé dava uma pal avra , aqui lo e r a produto

de uma grande e l aboraçao . Foi uma fi gura extraordinári a, por

e s s e comportamento , e s s a dignidade , e s s a serie dade . E ra um

ve lho admi ráve l .

Havi a outros , como João Pedro T e i xe i r a , que foi de

S apé . Era um pastor prote s t ante , com uma grande vocaçao pa-

ra trabalhar com os camponeses . Era também um homem de pou-

cas palavras , mas que trabalh ava sér i o , comprome t i do . Em ge-

ral , os pastores prote stantes t i veram um pape l muito impor-

t.ante nas li gas c ampone sas , pre c i s ame n te quando a I gre j a co-

meçou a atacar o movimento , e muitos curas pass aram a conde-

ná- lo . Então , os c ampone ses come çaram a ficar muito inquie-

tos e preocupados , porque tinham mui tos problemas religiosos ,

e os pastores prote stan te s , n e s s e mome nto , foram convocados

por mim . Eu os convoque i .

Ch ame i -os e d i s s e : " O lhem , há um vaz i o que VOCES pr�

c i s am enche r . Mui tos campone s e s não querem ab s o l utame n te peE

der a sua alma , es pe ram a s a lvação , e a I gre j a os e s t á amea-

çando de nao b a ti z ar , de nao dar a e xtrema-un ç ão , de não ca-

s ar e t c . E u gos tari a de que voces fos sem l á . vocês também

são oprimidos aqui . Ás ve z e s , querem fazer uma cape l a z i nh a ,


-

o p adre vem e poe abaixo ou ape dre j a . vocês são perseguido s ,

e u sei . Vocês são tão pe r s e guidos quanto o s campone ses . Ve-

nham para c á . Tr agam a sua Bíbl i a , as suas re zas e venham

cantando" . E e le s foram .

Ás ve zes , a gente tomava um caminhão , e vinham os

pastores prote s t ante s , com outros protes tantes . Eu, no me io

de le s , e e le s , cantando os seus hinos . Lá , e l es pre gavam a

S agrada E s cri tura , em geral o Velho T e s t amen to , que é muito

bom para i s so . P ara o problema camponê s , o s profetas s ao me

lhores do que os apósto los , e s tão mui t o mais l i gados à te=a ,


sao mais radi c ai s , mais conseqfientes na luta pe l a terra . En-
-

tão , e l e s pre gavam e s s as coi sas , e eu falava de outras . Mui

tos pre s i dentes de li gas foram re almente pastores protestan-

tes -- em Jaboatão , em S apé , em vários outros lugare s . Não

bebi am , não fumavam , tinham somente uma famí l i a , impunham gr�

de re s pe it o , e i s s o os tornava , n aturalmente , l i de re s , com

esse sentido de hone sti dade em conduz i r o movimento . E se

radicali zavam .

r INAL DA FITA 4-�

A . C . -- Muitos s ao mártires , não?

F . J . -- Muitos dos pastores protestante s , muitos pre s i den-

te s e se cretários de l i gas foram s acrifi cados , foram márti-

re s . An tes mesmo do movimento de 6 4 , muitos de les foram ab�

tidos . O João Pedro Teixeira foi o coroamento de tudo i s so ,

porque es tava ã frente da maior l ig a campone s a do Bras i l , que

e r a a li g a de S apé , muito bem organ i z ada , muito d i s ci p l in ada.

A . C . -- E , curi osamente , fora de Pernamb uco .

F . J . -- Fora de Pernambuc o . Curioso , não?

A . C . -- são tantas as perguntas , e e u n ao que ro cortar o fio

do seu pensame n to , mas corno é que o senhor e xp l i ca e s s e cres

cimento tão grande das l i gas de Sapé e da paraiba? Havi a ra

zões e conômi ca s ?

F.J. Não , re a lmente a grande l i ga era a de S apé . Em ou-

tros l ugares se fundaram li gas também , mas e l as tinham corno

centro , corno e i x o , S apé . S apé foi uma grande Galiléi a . Em

ve rdade , em Gali léia , não havi a um grande trabalho de massas ,

mas um trab a lh o permanente , e fe tivo . Lá , a gente toda busc�

v a , e era mais fáci l de a gente fazer as reuniõe s . Agora ,


S apé e r a um grande tumu l t o , a l go que havi a de sabado de repen

te .

� p re c i so exp l i car uma co i s a . A l i ga de S apé sur-

gi u quando o movimento camponês j á havi a adqui ri do bastan te

importân c i a em P e rnambuco . Sapé surgi u muito depoi s . Então ,

j á encontrou um campo propi cio . � pre c i s o também que a gen­

te con s i de re que s apé é uma região de pequenas proprie dade s .

Em torno de s s as mui tas pequenas propriedades tem a grande usi

na , e muitos dos campon e s e s que e s tavam a s s o c i ados à l i ga de

S apé não a lugavam terra , eram ass a l ari ados e iam à l i ga em

b usca de j us t i ç a . E, como a l i ga deu , imedi atame n te , assis­

tên c i a j uridi ca , e e r a organ i zada por u m tipo que tinha b a s ­

tante d i s c i p l i n a e mui t a experi ê n c i a . . .

João P e dro T e i xe i r a ve i o de P e rnambuco para a Para i

ba. E r a ori gi nário de P e rnambuco , onde havia adquirido mui ­

t a expe riên c i a pol i t i c a . N ão s e i se e l e foi do Partido Comu

n i sta ; não s aberi a lhe di ze r , porque nao i n ve s t i guei o pass�

do de João Pedro T e i xe i ra . Quando o conh e c i , ele j á e s t ava

à frente da l i ga . A prime i r a ve z que fui à l i ga , em que se

reun i u a l i ga e m Sapé e me levaram , havi a 8 0 0 s ó ci o s . E m dois

ano s , aqu i l o cresceu tanto que chegou a ter de z mi l s ó c i o s .

Mob i l i zava os campone s e s de toda uma vas t a região que era b�

tante populos a , porque e r a uma terra boa . Sapé era uma ter-

ra boa , onde havia muit a concentração de campone se s , que pu­

deram formar e s s a grande l i ga .

Mas a l i ga de Santa Ri t a também era uma boa l i ga .

� c l aro que nao tinha a mesma dimensão de Sapé , mas era b a s ­

tante d i n âm i c a . E h av i a outras pequenas l i gas . Agora , em

P e rnambuco , che gamos a formar uma federação de l i gas . Em 6 3 ,

j á tinhamos cerca de 6 4 l i g as em Pernambuco , e formamos uma

federação de l i g as . Havi a 6 4 representantes de 6 4 l i gas e s ­

palhadas , e eu j á e st av a , então/ preo cupado e m ver como fundar

95
o movimento campone s n o s e rtão .

A.C. -- Nota-se que as l i gas se concentram muito em torno

do Re c i fe e bei ram as e s tradas . E l as se guem o percurso das

es tradas . o Se rtão era outro problema , não é verdade ?

F.J. -- Sim; eu e s t ava preo cupado em ver como fundar li gas

no Se rtão , como rompe r e s s e problema . E u conside rava que o

se rtane j o seria um e l emento e xtraordi nário para a l i ga , pe la

sua grande se riedade . o sertane j o é um homem muito s é ri o .

Depoi s , havia aque la tradição do cangaceiro e do beato , e eu

queri a ve r como e que eu poderia transformar i s so em um movi

men to organ i z ado , po l í t i co , consciente , j á em outra dirrensão .

O cangaceiro e o beato eram forças de sorgani zadas , que nao

conduz i am a nada , senão a grandes violên c i a s . Agora , como o

sertane j o era mui to m í s ti co , mui to li gado ao padre Cícero, e u

tinha que buscar a fórmul a .

E u j á es tava trabalhando com o Cal ado , i s so foi em

fins de 6 3 . E u disse a e le : " Olhe , Calado , vamos f a z e r o se

guinte : a l i ga vai organ i z ar uma grande marcha ao Juaz e i ro

do padre C í cero . O n o s so trabalho vai s e r pequeno " . E u s a-

bia os pontos de concentração , e o que a gente i a f a z e r era

coordenar e s s a grande marcha , colocar romarias das l i gas cam

pone s as ao Jua z e i ro . Mandei fazer uma e s tátua , contratei um

grande e s c u l to r , Abelardo da Hora , em Re ci fe , um j o vem muito

s e n s í ve l , formidáve l .

E u d i s s e a Abe l ardo : " E u queria que você fi z e s se uma

e s c u l tura do padre Cí cero , em tamanho natural . Que ir a que

puse s s e , de um lado , os homens e , de outro , as mu lhere s , tra

zendo presente s , deixando bem caracte ri z ados o sertanej o , a::rn o

s e u chapéu de couro , o s e u bode , o se u cabrito ; o homem do

Agre s te , com o mi lho ; e o homem da Z ona da Ma ta , que vem com

a cana e a mandioca " . E l e e s colheu o barro apropriado para


fazer a maque te , e começamos a trabalhar nisso . Mandei me­

di r , em Jua z e i ro , a porta da I gre j a , para que a e s tátua pu­

de sse entrar .

você s abe que o padre Cí cero era proscri to da I gre­

j a , e eu queria uma coisa violenta . A gente i a levar uns 50

caminhõe s , cada um com umas 50 pessoas , enfi m , um total de

2 . 500 pe ssoas , para invad i r o Juazeiro . Entraríamos com e s-

sa maque te , pa r a que o padre a abençoasse dentro da I gre j a .

Depo i s , e u t raria e s s a e st átua para Pernambuco . E já tinha

e s colhido uma montanh a , uma serra , um lugar alto onde havi a

um páti o muito bon i to onde porí amos a e s tátua para desviar um

pouco a romaria do Juaze i ro . Que r í amos trazer e s s a coi s a do

padre Cí cero para o movimento . I s s o foi a l go que concebi cam

o Calado .

E u di s se a e le : " Ca lado , a gora , a sua função vai ser

a de mob i l i zar toda a te levi s ão do mundo , a imprensa mundi a l

-- i t a l i an a , norte-american a , frances a , inglesa e t c . . . Venha

com toda e s s a gente aqui para acompanhar e s s a march a " . A ge�

te , i n clus i ve , j á e stava preparado para outro pas so , que era

re formar o arti go 1 4 1 da Con s t i tuição , para não mais pagar o

valor das terras em dinhei ro de contado , senão em bônus da

dívida púb l i ca . E s s a marcha i a-se fazer nas vesperas das

e le i ç õe s .

As e le i ções para pre s i dente e ram marcadas sempre pa

ra o dia três de outubro , e a marcha ia ser no dia s e te de

s e tembro . S e te de se tembro e r a o di a da grande concentração

de campone s e s no Jua z e i ro , e eu que r i a que toda e s s a mas s a

que j á e s tava lá vi s s e a chegada de 2 . 500 camponeses das l i -

gas , carre gando faixas e a e s t átua d o padre C í ce ro . Ia ser

uma coi s a formi d áve l . Quando a gente re gre s s a s s e , vi r i a com

uma força tremenda , com uns cartõe z inhos com a imagem do pa­

dre C í ce ro e tudo , que a gente pretendia distribuir por oentenas


de mi lhares em todo o Sertão , desde a Bahi a até o P iauí , até

o Ceará . Aí , toda e s s a mas s a sertane j a ter i a não somente a

imagem do padre C í ce ro , mas t ambém e s s e document o , e s s a coi ­

s inha onde e s tava e s crito , embaixo da maquete do padre Cíce-

ro : " Romari a ao Juazeiro . Li gas C amponesas do Norde ste " . A

gente i a chamar " do Nordes te " para abranger toda a regi ão .

Depois d i s s o , eu i a t ratar de mandar ati vi s tas , com a cartei

rinha da liga , para organ i zarem o s e rtan e j o em l i gas , vendo

os seus problemas , vendo que con f l i tos t inham com o lati fún­

di o . Era p re c i s o procurar uma forma de organi zar e s s a gente

dentro de outra re a l idade q ue não é a mesma do B re j o , não e

a mesma do Agre s te . Eu quer i a fazer i s s o às vésperas das

e le i çõe s , um pouco ante s , para que , quando regre s s ás semos , �

véssemos uma força tremenda para atuar também no processo ele.:!,.

toral . Depo i s é que a gente i a ver s e e ra poss í ve l organ i ­

zar a marcha para uma concentração e m Bras í l i a .

A . C . -- E s s a i dé i a d a marcha sobre Juaz e i ro s e r i a em 6 4 ?

F . J . -- Sim ; em 6 4 . A marcha deve r i a culminar no d i a s ete

de setembro , que e o d i a da concentração , em Jua zeiro, de

todos o s s e gu i dores do padre Cí cero . Todos os seguidores do

padre C í ce ro se concentram no dia sete de s etemb ro , não sei

por que . Se voce tive r , um di a , oportunidade de conve rs ar

com o Calado , e le poderá lhe confi rmar que tínhamos e s s e pIa

n o , o qual expusemos a e le e que e s t ava dentro de nossa idéia.

Mas o golpe nos truncou .

A . C . -- Vo ltando ao problema das l i de ranças intermediárias ,

o senhor e s tava falando da parti c ipação dos pas tores prote s -

tantes ne s se movime n to . Uma coi s a que notei também , curi osa

men te , e que alguns l í deres intermedi ários eram , não exata­

men te campon e se s , mas , as ve zes , artesãos , cunhadores de pe­

dra . . . O próprio João Pedro e ra um cunhador de pedra , se nao


me engan o . o senhor t e r i a conhecimento de outras experiên-

cias de sse tipo?

F.J. -- E xato ; e l e era dinamitador de pedr a . E u n a o poderia

di z e r grande coi s a sobre i s s o . Agora , você tem que conside-

rar que toda e s s a gente que trabalhava n e s s e tipo de ativida

de e s tava muito mais l i gada ao camponês do que ao homem da

ci dade .

A. C . Não , sobre i s s o não h á dúvi d a . A minha p e r gunta vem

mai s no s e n t i do de que , t a lve z , o arte s ão , hi stori came n te , s�

j a uma cate gori a s o c i a l muito ciente da s ua i dentidade , en­

fim , muito mob i l i z áve l . Acho que o próprio movimento operá­

rio e u ropeu é um exemplo d i s s o , j á que se fa z , s obre tudo , ocm

artesãos que es tão se proletar i z ando . No movimento camponês

havia i s s o ?

F.J. você agora me despertou para um a s s un to que foi ob-

j e to de um curso que de i aqui no CE DOC . Dei um curso sobre

ideologia e con s c i ên c i a campone s a , onde tratei de mostrar a

i denti dade q ue exi s t i a entre o arte s ão e o campone s . o arte

s ão e s t á mui t o mais l i gado i de ologi camente ao camponê s do �

ao obre i ro , ao a s s a l ariado agrí co l a , entende ? E p re c i s amen­

te porque , no caso do artesão , como também do campones , a sua

re lação se faz di retamente com o inst rumento de trabalho e

com a matéria-prima .

S e o arte s ão , por exemp l o , uti l i za o couro para tra

b a lhar e tem seus i n s t rume n tos , e le s e l i ga a s ua faca e ao

couro e faz o seu trabalho , como o campones se l i ga à enxada ,

à semente e a terra . E le s f a z em um t r ab a lho s o l i tári o . Há

uma c e r t a s o l i dão que exp l i c a , m a i s o u menos , e s s a i denti da­

de ideológica entre o camponê s , que trabalha diretamente a

terra , e o arte s ão . Eu não s aberia lhe d i z e r se i s s o pode i r a

qq
haver contribuído para que , entre os artesãos , pude s sem sur­

gi r quadros d i ri gentes interme diários nas ligas camponesas .

T a lvez eu e s te j a teori z ando um pouco , mas exi s te e s s a identi

dade , tanto que o campones que ara a terra não nece s s i ta fa­

z e r greve , como o obreiro de uma fábri c a nece s s i t a para ooter

um aumento de s alário . A sua re l aç ão e uma rel ação salarial,

enquanto que a outra é uma rela ção

t di ferente o tipo de re l ação . Então e le nao enten

di a , por e xemplo , o problema da greve , porque , para e le , nao

tinha sentido . Greve para quê ? Pa ra que venha a chuva? A

chuva vi rá ou não vi rá , é uma coisa que e s capa , naturalme nte ,

as suas maos , ao s e u pode r . Talve z se j a i s s o . Agora , surg�

ram também outros quadros . A l guns es tudantes che garam mesmo

a se radi car , a ter um trabalho intere s s an te , a se de s l i gar

de sua ati vi dade como est udante e se inte grar no movime n to .

Alguns e s tudantes e um ou outro e lemento de c l a s s e méd i a ag�

ram a s s im .

A. C. -- Mas o senhor d i s s e que a condição para s e r da d i re­

ção da l i ga er a que a pessoa fos se daquele lugar , não?

F.J. S im , sim ; mas e l e s se l i gavam como ati vi s t as , nao

como membros da l i ga . Eram ativi s tas . Eu, por exemp lo , nao

tinha voto , só tinha vo z . Quando a l i ga campone s a se reun i a

para de c i d i r sobre qualquer problema , todo o mundo podi a fa­

l a r , podi a opinar . Mas , na hora de vo tar , somente podi am f�

z ê - l o os c ampon e s e s daquela l i ga , nem seque r de outras l i gas.

As s i m , e s s e s quadros atuavam como ativi s t a s , trazendo idéias ,

trazendo prob lemas , demandando , mas não tinham voto nas de ci­

sões das l i gas . E s s a foi uma me d i d a tomada para impe dir que

o movimento pude s s e s e r i n f i l t rado e dominado por outras for

ças capazes de cri ar con f l i tos dentro da própria l i ga . Isso

e s t á bem c l aro n o s e s tatutos .


1 00
A.C. -- E u q ueria perguntar ao senhor sobre um dos primei-

ros reve zes que houve em termos da l i ga , enquanto movimento

un i t ário . P are ce-me que foi em Sapé , depois da morte de Jo-

ão Pedro , quando houve um con f l i t o grande no período das elei

çoe s . o As s i s Lemos aparece um pouco l i gado ao P artido Comu

n i s t a , os c ampon e s e s se dividem . . . A E l i s abete Te ixe i r a , se

nao me e n gan o , foi candidata a deputado ou al guma coisa as-

sim. o senhor pode r i a m e e s c l are ce r como se passou i s s o tu-

do?

F.J. -- N e s s a s e l e i ções em que a E l i s abete aparece como ca�

di data a deputado e s t adua l , eu apareço como candidato a dep�

tado fede r al . Durante e s s e tempo , e s t ava-se vivendo uma fa-

se realmente bastante anárq u i ca , com mui tas i n f i ltraçõe s .

Ademai s , estávamos s ai n do de um problema muito de l i c ado nas

li gas , sobre o qua l , lamentave lmente , não vou poder falar, POE

que te ria que envolver pessoas que e s t ão l á no Bras i l e p e s -

s o a s que es tão fora do Bra s i l . Foi uma fase que con s i de ro

muito de l i c ad a para o movimento campon e s . Pre firo n ao tra-

tar de sse assunto agor a , mas numa outra oportun i dade , quando

eu realmente considere . . .

A.C. -- . . . que não h á mais ri s cos para nin guém .

F . J . -- Sim ; e q ue nao prej udique , naturalmente , futuras ali

anças no Brasi l . Mas houve e s s a fase muito de l i cada , mui ta

gente s abe d i s s o . As sim como e u , outras pe s s o as não podem

tocar nesse a s s unto ; se tocarem , se rão muito i n di s c retas .

A. C . -- Os ame ri canos e s tão tocando em de ta lhes realme n te

absurdos . A gente às ve zes fica com tantos es crúpulos . . .

Não sei se o senhor conhece o l i vro do P a ge , que trata de mui

tos det a lhes a parti cipação do C l odomi r , as l i gações com

Cub a , problemas de reoebimento de dinheiro,.".papéis que aparece :r:: am

�01
em um de s a s t re de avião . . . E n fi m , as co i s as e s tão , pelo me-

nos a e s s e nive l , muito revolvi das . A impressão que se tem

é de que havi a realmente três forças p o l i t i cas atuando , ou

pe lo menos duas muito n i t i das . Uma era o Partido Comun i s t a ;

outra e ram e s s e s radi c a i s de e sque rd a , trotsqui stas e outras

minori as . Ao mesmo tempo , o movimento e s t ava sendo pre s s io-

nado à sua direita por uma I gre j a c ada ve z mais organi zada ,

por um sindi cato gove rnamental cada ve z mai s e s t ruturado .

Acho que , em certo sentido , a l i ga , enquanto organ i zação , se

diss o lve u , mas , enquanto centro de re i vindi cação , foi incor­

porada pelos outros movime n tos . E s s a seria a minha interpr�

tação dos fatos . Não s e i se o senhor concordari a comi go .

Como é que o senhor vê tudo i s s o ?

F.J. E u go star i a de d i z e r uma p a l avra sob re i s s o . Havia

toda e s s a i n f i l tração , do P artido Comuni s t a , do P artido Comu

n i s t a do Bras i l -- há doi s part i dos , não? -- e também da I�

j a , que re almente j á tinh a , pelo seu caráte r organi z at i vo , a

sua grande e xperiê n c i a e vivên ci a . Depo i s , o re sul tado do

11 Vati cano foi deci s i vo p a r a que a I gre j a pude s s e tomar uma

pos i ç ão mais c l ara no Bras i l . Ainda havi a o problema de Cu­

ba, de Fide l Castro .

Em verdade , naque l a prime i ra fase da Revolução Cuba

na, con s i de ro que Fidel C a s tro , que não conhe c i a a América La

tina -- conhe c i a bem os problemas de uma i lha , mas não de um

continente -- , cre io que e le come te u alguns e r ros , ou as pe�

soas que o s e gui ram não foram capazes de s a i r daque l a i n f l u­

ê n c i a , daque l a aura misti c a , daquele ambi e n te que Fidel Cas­

tro cri ava . Ele tinha uma person a l i dade muito poderos a , mul

to atraente , que o fus cava . Con s i de ro que o Fide l de ho j e e

outro , o a fri cano , o homem que entende o problema do P anamá ,

o único homem que , por exemplo , modera o Torri j os .


Enquanto o doutor aí di z e s s a s coi s as , eu e stava �

s ando aqui no poder moderador que s i gn i fi c a Fide l Castro pa-

ra Torri j o s , e coi sas de s s e e s t i lo . Considero que , hoje, ele

tem re a lmente uma visão de e s t a di s t a . Mas , n aque le tempo ,

h avi a a concepção de que era pos s í ve l fazer um partido polí-

t i c o partindo de um foco e toda aque l a co i s a . I s so pesou mu,i

to dentro do movime n to , e foi um dos fatores que contribuí-

ram para golpear duramente as li gas .

Sempre fui contra, con si derando que a l i g a deveria

continuar como um movime nto de massas até que a gente tives-

se mob i l i z ado todos os c ampone s e s do B r as i l . E u era partid�

r i o da formação de l i gas em todo o Bras i l , até ter cinco ou

s e i s mi lhõe s de campone s e s ne l as organ i z ados -- como movimen

to , nao como par t i do . Mas o pe s s oal come çou a golpe a r . Eu

nao podi a dispor de muito tempo p ara de di car-me a um e s tudo

mais sério d e s s e s problemas . V i vi a em um prati ci smo fero z ,

era d e s s e s que iam comprando l i vros e acumulando , com a e s p�

rança de um d i a poder l é - Ios . E u d i z i a sempre : " Um d i a vou

t e r tempo de ler i s s o , n a cade i a ou não sei aonde " . Acabei

lendo no e x í l i o .

Tratei de ler mui ta co i s a n e s s e s de z anos ; l i muito,

amp l i e i muito , e di go mesmo que aprofundei a vi s ão que eu ti

nha dos problemas do Nordeste , dos c ampone ses , do Bras i l , da

Amé r i c a Lati na e do Terce i ro Mundo . Hoj e tenho uma visão bas-

tante dis tinta daque l a que e u tinha quando vi a as co i s a s atr�

ve s do pri sma region a l . Todos e s s e s fatores con trib uíram mui

to . Agora , houve um momento muito dramático que tratei de

definir no chamado " Benç a , mãe " . E s s e foi o último documen-

to que lancei no Re c i fe , em j an e i ro , no an iversário da Revo-

I ução Cubana .

F i zemos uma grande concentração , que o IV E xé r cito

aprove i t o u , j á com o general Justino Alves , para fazer um


1 03
e n s ai o geral do q ue depois s e r i a o golpe . Naquele monen to ,

e u sen t i a que havia um interesse muito grande não propri ame�

te em absorver a l i g a c ampone s a , mas em l iqui dar com o movi-

mento , por caus a da sua autonomi a . Corno a l i ga era autônoma,

não e s tava l i gada a nenhum part i do polí t i co e tinha um desen

volvimento que não pod i a so frer o controle do Mi n i s téri o do

Traba lho , i s s o con s t i tuía re a lmente urna co i s a muito incômoda

para os que que r i am controlar a mas s a de trabalhadores do

camp9 . Mas eu cons i derava q ue e s s a autonomia era por muito

tempo necessári a . A experiência que e u tinha era a de que ,

toda ve z que se i n fi l trava um partido , o movimento se e s face

lava , porque se e s tabe le c i a a po lêmi ca dentro do movime n to .

N as últimas grandes concent raçõe s , por exemplo , em

Paraíba ou em Pernambuco , era comum al guém me perguntar lá

do centro : " Fina lmente , companh e i ro , qual é a l inha que voce

s e gue? Você é de Mo s cou , Pequim ou Havan a ? " Eu j á s ab i a que

era al guém que q ue r i a uma defini ção , ou um provocador ou um

trotsqui s t a . Eu di z i a , s e rename n te : " S o u linha S apé " . Corno

era a l i ga mai s importante , a maior , a que tinha mai s e xpre�

são , mai s conhe cida , porque muito divulgada , eu di z i a sempIE :

" l inha S apé " . As sim , eu s a í a de s s a polêmi c a tremenda e caía

no problema que e u queri a , que e r a e fe t i vamente cuidar de tra

b a lhar , de organ i z a r , de po l i t i z ar e cons c i en t i zar o campo-

nJis do pa í s .

Com toda e s s a penetraç ão , pe nsei no " Be nç a , mãe " , p�

ra mob i l i za r as massas e demons trar que não havi a incompati-

b i l i dade entre a liga e o s i ndi cato , nem com a coope rativa ,

desde q ue a gente havia come çado a l i g a corno uma =perativa.

A prime i r a l i ga fora uma coope rativa . E a s i n di c a l i z ação r�

ral , e u queria que se f i z e s s e , não corno a s i ndi ca l i z ação dos

trabalhadore s . E s s a foi controlada de tal forma que se for-

mou o ch amado pe l e gui smo dentro dos s i n d i c atos . você ve que


1 0 Lj
faziam todo aquele ruído mas a mas s a dos trabalhadores que se

si ndi cali z ava era pequen a . Eu queria uma s in di c a l i z ação au-

tênti ca , e , para ser autên tica , tinha que ser autônoma , ter

uma grande independênc ia , para poder ser vigoro s a .

Tentando outra ve z e s c l arecer e mo st rar que nao se

devi a , por exemplo , con s i derar o movi mento campones j á como


-

um movimento fora da h i s tóri a , corno se nao tive s se nenhuma

função , então convoquei . . . Aqui havia mi lhões de campone ses


-

que es tavam e s perando , que est avam sensib i l i z ados , mas nao

e s t avam organi za dos . Eram milhõe s de camponeses que neces-

s i tavam e s tar nas l i gas . E outros , que não eram campone ses ,

mas a s s a l ar i ados , necessitando de s indicatos . Ainda havi a

pequenos propri e tários e fundi ários , me s mo mé dios proprietá-

rios , que nece ssi tavam se organi z ar em cooperat i vas . O que

e u que ria era uni fi c ar tudo i s s o , e , por i s s o , imaginei o

" Ben ç a , mãe " , e s s e úl timo documento a que me re feri , que cau

sou uma grande repe r c u s s ão no Reci fe , quando fi zemos essa reu

n i ão .

Depois , o Partido Comun i s t a tratou de fazer uma re-

p l i c a e es crever o " Benç a , pai " , que não chegou a s e r lança-

do porque veio o golpe em s e gui d a . O meu sentido e ra sempre

o de unidade , mas unidade com autonomi a . E u q ue r i a a unida-

de da l i g a , com autonomi a . t po s s í ve l que , daí , eu pude s s e

naturalmente reorgan i z ar o partido ou evitar o es face lemento

do movimento , não sei . Eu e s tava concebendo e s s as marchas ,

pens ando também na organi zação de um grande congre s s o no NO�

deste . Es tava ainda tratando de ver se era pos sí vel fazer un

congre s s o internacional sobre o movimento camponês latino-

ameri cano .

E u j á e s t ava trabalhando nesse sentido : j á havia i do

ao P e r u , a Cub a , es tava bus cando o Hugo B lenco e outros lí-

deres que eu conhe c i a no continente , para ver s e er a possível


105
fazer a reunião em Re c i fe . E u es tava tratando de convencer

Mi gue l Arrais de fazer em Re ci fe um grande congre s s o latino-

ame ri cano de campone se s , para uni fi car todo o pen s amento ca�

ponês l a ti no-ameri cano . E u tinha mui tas i déias , q ue e s t avam

a f lorando no meio de toda e s s a d é b â cL e , e s s as lutas , e s sas

facções , e s s as penetrações e t c . Eu não de i xava de ser um mo

tor em f un c i oname n to .

A.C. -- Agora , em S apé , com o As s i s Lemos , em que termos se

de u a divergê n c i a ?

F.J. -- E m S apé , o As s i s f o i l an ç ado candidato para contra-

por- se à candidatura de E l i sabete . E l i s abete s a i u e não t i -

nha , naturalme n te , a expe riên c i a de Pedro T e i xe i ra . E l a acom

panh ava e apoiava o marido , porém não tinha e xperiê n c i a , e

houve momentos em q ue foi conduz ida por a l guns e l ementos ,pa-

raibanos que te ri am uma postura tremendamente sectári a .

o meu trabalho , para que e u próprio me e l e ges se, foi

fero z , foi tremendo . Muitas ve z e s , eu t inha que di luir os

di s cursos que os meus próprios companhe i ros , a come çar pe lo

padre Al ípio de F re i tas , f a z i am nas grandes concentraç õe s .

Eram dis cursos que faz i am es tremece r , de um sectari smo feroz .

E eu falava por último e demorava muito , para i r d i l uindo ,

diluindo , di luindo , até res tab e l e cer a normali dade e tirar o

medo da gente . A gente f i cava com medo dos d i s cursos , que

eram de um se ctari smo e de uma vi olência i n concebíve i s . Eu

di z i a sempre para os companhe i ros , quando , por exemplo , i n va

diam uma propri edade : " Aonde e s tão as b a z ucas , os tanque s , os

aviõe s , as armas modernas para vocês poderem mante r isso a::rui?

Vocês e s tão tocando no tabu do s i s tema , que é a propriedade

privada . Aonde e s tão e s s a s co i s a s ? Vocês então pensam que

vão combater com e s s a s velhas espingardas ou com discursos ou

man i fe s t o s ? "
você pode imaginar o que era ter que voltar correndo

do Rio de Jane i ro ou de Bras í l ia , para , muitas ve zes , ti rar

os camponeses de uma propriedade cuj o dono estava feli z , pOE

que era a oportunidade que tinha para expropr iar as s uas ter

ras , que e l e s ab i a que havi am perdido o valor . E u , natural-

mente , era contra tudo i s s o . Mas havi a esse prob lema , q ue

e u próprio encontre i .

Então , n a p araíb a , lanç aram o As s i s . E l e , natural-

me n te , tinha uma máquina muito pode ro s a , mai s bem organ i z ada.

E a l i ga e s t ava anárqu i c a , i n fi l trada , de forma que a campa-

nha de E l i s ab e te foi condu z i da por uma faixa própr i a . Tive

que f a z e r a minha em faixa própr i a , porque não po d i a fazê-la

através de um partido . E l a se candidatou pe lo P artido S o c i a

l i s t a , e eu f i z campanha e m faixa própr i a . Em Campina Gran-

de , por exemplo , fi zemos uma concentração fabulos a , formidá-

ve l , com E l i s abete , com un candidato a senacbr , que era Irineu . . .

[FINAL DA FITA 4 - B J

F.J. Então surgiu e s s a oportunidade de lançar a candida-

tura de E l i s abete , na Paraí b a . Para senador , apoi amos Irineu

Joffi ly , ao mesmo tempo que faz íamos a campanha em favor de

Mi gue l Arrai s , para govern ador . Candidate i-me a uma cadeira

de deputado federal em Pernambuco , de forma q ue e u fazia a

campanha na P araíba e em Pe rnambuco em faixa própr i a , quer

di z e r , uma camp anha das l i gas campone s as . Evidenteme n te , na

P araí b a , o problema chegou a s i tuações mais e xtremas . O mo-

vimento se divi d i u bastante , porque os próprios companhe i ros

que conduz i am a campanha de E l i s ab e te e r am muito se ctári os ,

tinham uma l i n guagem muito vi olenta . Quando fal avam nas con

centraçõe s , us avam uma l i guagem tão vi olenta que perdiam vo-

tos . Quem qceria votar não podi a , porqce era o campones anal fa-

beto . 10 =t-
E u expli cava , para que falas sem uma lin guagem um po�

co mai s flexive l , mai s ab.e rta , para ganhar o voto de s s a gen-

te . E u di z i a : " E s t amos em campanha e nao em uma guerra . Vo

ces falam como se es t i vessem em uma guerra . As p a l avras de

vocês são pal avras de quem e s t á comandando um proce sso vio-

lento . Nós es tamos em uma campanha e l e i toral onde exis tem

e le i tores que e s tão mais ou menos preocupados com a posição

dos candidatos . E s s e s e le i tore s , evidentemente , não querem

uma guerra ; querem é vo tar , nas urnas , em candidatos que de-

fendam os seus intere s se s " .

E s s e sectari smo e xp l i c a a derrota de E l i s abete na

Paraib a . Ganhei em Pernambuco porque , naturalmente , j á tinha

uma base bastante organi zada -- j á era a te rceira ve z em que

me candidat ava -- , mas foi uma batalha mui to dura . Perdi mui

tos vo tos em virtude da posi ção se c t ár i a de muitos companhel

ros , i n c lus ive do padre A l ipio de Freitas , que usava uma lin

guagem fe roz , falava como se es t i vesse disp arando bala s . Era

terrive l .

A.C. -- P arece que os camponeses de S apé fic aram muito sen-

sibi li z ados com a pos i ç ão de As s i s Lemos , que era mais no sen

t i do de conseguir bene f i c ios , de cons e gu i r um trator e tc .

Acho que i s s o , no fundo , pos em evi dê n c i a um lado que sensi-

b i l i z a muito o campones , o lado ass is ten cial , e que e xp l i c a ,

em grande parte , os s uce ss os do movimento no s e u ini cio . É

todo esse lado de cooperat i vas , de con se gui r bene f i c ios . Acho

que o As s i s Lemos con s e gu i u tocar nesse ponto s e n s i vel dos

campone s e s daque la re gi ão .

F.J. -- E nao somente i s s o . O A s s i s Lemos tinha re cursos p�

ra poder ini ciar al guma coi s a . E le fe z a campanha , mas , ao

mesmo tempo em que f a z i a prome s s a s , tratava de re a l i z ar a l g�

ma coi s a . A mesma coi s a f e z o Jango em Pernambuco . Em Per-

n ambuco , houve uma espécie de d e l enda Julião na campanh a .


108
Candi date i -me e encontrei uma resistência tremenda . Tive , por

exemplo , como contedore s , como grupos que me combateram de

mane i r a bastante . . . Eu chegava a d i z e r que foi uma luta fe-

roz , primeiro com o próprio Jan go .

o Partido Trabalhi sta apre sentou um candidato mui to

s impáti co , que havi a s i do pres i dente do IPASE e que recebeu

de Jango toda a a j uda neces s ár i a para atuar nas áre as onde

eu tinha possibi lidade s de obter votos . E l e teve l u z verde ,

por exemplo , para o ferecer cinc o mi l empregos em Pernambuco ,

uma região com uma taxa de de semprego muito alta . E e le ti-

nha o dire i t o de poder empre gar cinco mi l che fe s de fami l i a .

Além di s s o , di spunha de muitos re cursos em dinhe iro , para a

propaganda e t c . O P artido Comun i s t a , por s ua ve z , também

apre sentou um c andidato que tinha s i do se cretário de Agri cu!

tura no governo de Barbosa Lima -- homem progre s s i s t a , uma

pe ss oa muito re spe itáve l .

A. C. -- Barreto?

F.J. -- S im ; Barre to .

A.C. -- Qual era o primeiro nome de l e ?

F.J. -- Lui s Antônio Cavalcánti Albuquerque d e Barros Barreto .

A. C . -- E o candidato do Jango , quem era?

F.J. -- O candidato do Jango era um tipo s i mpáti co , muito

bom orador . Foi o presi dente do IPASE em Pe rnamb uco , do no-

me , não me recordo . você , naturalmente , vai encontrar tudo

isso . Ademai s , eu tinha contra mim a I gre j a , sobretudo no

interi o r , onde eu tinha muitos votos . Em Belo Jardim , por

exemp lo , o padre convocou uma m i s s a , às vésperas da e le i ç ão ,

e ame açou com a e xcomunhão a todo aque le que tive s s e uma ch�

pa minh a . Di s se que , quem a tive s s e , tratas s e de destrui-la;


'09
quem nao a t i vesse a l i , mas em c as a , que também a de stru í s -

se , porque e l a s i gn i fi cava a excomunhão . E, c l aro , muita ge!!.

te tinha me do .

E tinha o 1 BAD , também empenhado em uma campanha f�

ro z . E havi a ame aças . P rendiam , por exemp lo , mui tos de meus

e l eitore s . o próprio padre Laj e foi pre s o , e meu irmão tam-

bém . E s s a gente não tinha imunidades ; e u tinha . Mas isso oear

reu também em vi rtude da vi olência da campanha . Havi a muitos

companhei ros que radi c a l i z avam de tal forma que e u tinha que

mati z ar , que tratar de desmanchar e s s e r ad i c a l i smo , para nao

as sombrar a ma s s a de e le i t ores . Então , tive que f a ze r , em

prime i ro l ugar , uma campanha em faixa própri a . Não e ra pos-

s í ve l ir à tribuna com Migue l Arrai s .

Chamei Mi gue l e explique i : " O lhe , Migue l , nao posso

fazer a campanha com voce . H á problemas aqui dentro e , en-

tão , é melhor que eu faça em faixa própri a " . Depo i s , Arra i s

re conhe ce u : " Devo a minha e le i ç ão a duas p e s s o as aqui em

Pe rnambuco . Primeiro , a José Hermírio de Marais , que deu o

dinheiro para a campanha e que , depoi s , foi um fator de equ�

líbrio como candidato a senador , porque e r a um grande indus-

tri al em são Paulo e u s i ne i ro em Pe rnamb uco . S e gundo , a vo-

cê , que re almente atraiu o voto mais radi cal . A di ferença ,

n a minha vitóri a , foi de 1 5 m i l votos . Veri fi co , n a apura-

ção , que apare c i am mui t as chapas aqui no Reci fe onde só tinha

o meu nome e o s e u : Migue l Arrais para governador , e J u l i ão

para deputado . Foram uns 16 mi l votos , de maneira que acre-

dito que e s s e voto radi cal , que você con s e guiu canalizar, atra-

vé s da s u a campanha em faixa própri a , foi a di ferença de que

eu nece s s i tava para ganhar de Cleofas . Cleo fas veio do inte

rior com uma grande votação e , em Re c i fe , foi demo l i do " . 1s

s o me e xp l i cava Arrai s , convers ando .

Bem , foi uma luta re a lmente fero z . Claro, tive mui tos
110
votos . Eu espe rava ter uns 2 0 mi l votos , e acabei com 16

mi l , imedi atamente acima de p e lópidas , que também foi c andi-

dato . Curi o s ame n te , devo e s s a vi tória também às bases do Par

t i do Comun i s ta em Reci fe . Em Re c i fe , t i ve de z mi l votos , e

o candidato do partido , com toda a máquina funcionando , obte

ve 2 . 5 0 0 votos . En fim , obtive uma votação quatro ve z e s maior

do que a de le . Depoi s é que fui in formado de que muitos e le

mentos de b ase do parti do d i z i am : " A gente vota nos candida­

tos do partido para governado r , para vi ce- governador , para

deputado es tadual , para senador , mas para deputado federal ,

vamos votar em fulano , porque , s e e s s e homem perder o manda­

to , vai para a cade i a . E e le é o úni co homem que de fende o

camponês aqui . Nós mesmos nunca t i vemos um candidato nosso

que de fende s s e os campone se s . E a gente não pode perder es-

s a vo z ; por i s s o , votamos nele . Ne s s a parte , desobedecemos

ao parti do " . E mui tos me buscavam para me di zer i s s o . Eram

s apateiros , remende i ros , e s s a gente humi l de . As s i m , t i ve urna

votação boa , e i s s o foi o que me de u a ree l e i ção .

N o entanto , E l i s abete foi derrotada por As s i s , por

e s s a c o i s a toda . Se e l a fos se uma pe ss oa com certa experiê�

cia p o l í t i c a ou se fosse o marido de l a , se fo sse o João Pedro

Te i xe i r a , creio que poderia ganhar e s s as e le i ções , mesmo com

toda e s s a coi s a que o As s i s fe z . Mas , em S apé , ele podia ter

t i do uma votação extraordinári a . H á também aquele ne gó c i o

do machi smo do Nordeste , votar em uma mulher . . . Todas e s s as

co i s as contribuí ram . E e l a era urna oradora que , quando fal�

va , radi c a l i z ava mai s do que os próprios companh e i ros . Usava

urna l i n guagem fero z . E l a e s tava pro fundamente fer ida , s a in-

do de urna s i tuação terríve l com a morte do mari do . Então , ti

nha urna l i n guagem mui to dura .

A.C. - " O l ati fúndio e o di abo " .


�11
F.J. S im ; exatame n te . E outras coi s a s . I s s o foi em 1962 ,

não? Depo i s , tivemos pouco tempo de . . .

A.C. -- Acho que é entre 6 2 e 6 3 que se ve ri fica a desagre-

gação po l í t i c a das l i gas . É o momento em q ue um grupo inte�

ta aquela expe riência de guerrilha em Go iás e a e xperi ê n c i a

não dá certo .

F . J . -- S i m ; n e s s a epoca , a l guns e l ementos das li gas parti-

ram para um proce s s o . . . Sempre trate i de de s alentá- los , mas

era impo s s í ve l , porque aí por trás estavam mui tos interesses .

Ne s s a époc a , na Amé rica Latina , havi a muito a i d é i a do fcqui�

mo . Não era so um fenômeno do Brasi l . Mas eu partia do pr�

cípio de q ue tínhamos absolutas libe rdades demo crát i c as no

país . N ão havi a pr i s i onei ros po l i t i cos , não havia nada , po-

dí amos mobi li z ar grandes mas s as . Havi a , naturalme n te , cho-

ques entre grande s senhore s de terra e campone s e s , mas as de

núncias sempre con t ribuíam para aumentar o movimento do cam-

pone s .

E s s e s grupos parti ram para isso , e criou-se um pro-

b l ema . Afinal de cont as , a coi s a não fun c i onou , não foi pa-

ra diante , e não havi a po s s ib i l i dade de funcionar . Comb atiam

a quem? A um governo que tinha uma l inha pop u l i s t a e vinha

ace itando a mob i l i zação de grandes mas s a s ? Mas foi em conse

qüên ci a do fracasso de sse movimento que consegui atrair toda

e s s a gente , porque i s s o foi antes . Quando ve i o a e le i ç ão de

Arrai s , es távamos s aindo do movimento das guerri lhas .

Re cordo-me perfe i t amente bem de que chega ã minha

casa p e l ópi das Si lve i r a , muito al armado , e me di z : " O lhe ,

e s t i ve conve r s ando com um c apitão do S e rviço de Inte l i gê n c i a

d o E xérci to -- e l e é um lotti sta , um n a c i on a l i s t a , um compa-

nhe i ro , portanto , que pe n s a corno a gente -- , e e le me in for-

mou que você e s tá fundando guerri lhas no Bras i l " . Respondi :


�1 �
" Di ga a e s s e c ap i t ão que me leve a um disposi tivo de guerri-

lhas que eu e s te j a fundando , porque quero conhe cer os m e lL6

disposi tivos de gue rri lha " . Em verdade , havia e lementos da

l i g a que es tavam fundando dispos i t i vos , de forma anárquica e

i rrespons áve l .

Imediatame n te , tratei de põr uma pessoa em contato

com o Clodomir para lhe di z e r : " vocês e s t ão cometendo uma

série de erros graví s s imos , que podem comprome ter o movimen-

to" . Afinal de contas , consegui ti rar toda e s s a gente dos

di spos i t i vos e liqui dar com tudo i s s o . Mas e les vinham mui-

to ace le rados , e e r a pre c i s o me tê- l os em um grande movimento

de mas s as , para ver se desaceleravam um pouco . Por i s s o e

que os meti n a campanha de Pernambuco e da Paraíba e tive que

ag&entar o radi cali smo da s ua linguagem, para tratar de ame-

n i z a r e de contempori zar . I s s o influiu muito para a diminui


-

çao dos meus votos e para aumentar o ataque que er a feito CQn

tra mim e , n a Paraí b a , contra a E l i sabete .

Foram comandar a camp anha de E l i s abete , na Paraíb a ,

elementos que e s tavam s aindo desses dispos i t i vos , e , por con

se guinte , levando um che i ro de pólvora para a c ampanh a . Es-

ses fatores todos i n f l uí ram muito e também se rvi ram para gol

pe ar a l i ga . Ainda havia a idéia de que pens avamos na possi

bi l i dade de uma vi olên c i a armada com os campon e s e s . Em ver-

dade , nunca pensei n i s s o ; sempre fui con trário a e s s a possi-

bi li dade , porque eu parti a da i dé i a de q ue era pre c i s o mobi -

li zar , con s c ienti z ar , organi z a r o s c amponeses d e todo o pais .

Eu che g ava mesmo a admi tir a hipótese de formular uma e spe-

c i e de partido do sa lário mínimo . Eu con s i der ava que isso

j á s e ri a uma revol ução para os campone s e s , em um lati fúndio

tradi cional que não podia pagar s a l ário mínimo . Eu di z i a :

" O lhe , n o d i a em que a gente fundir . . . "

�NTE RRUPÇÃO DE F I T � 113


F.J. -- Sempre fui um homem de mas s as . Sempre acre ditei na

mobi l i z ação de mas s as , porque , se a gente não cria uma cons­

ciên c i a entre as mas s as trabalhadoras , creio que e mais difí

c i l uma trans formação da socie dade . A gente tem que fazer to

do um trabalho de conscient i z ação das mas s as , por i s s o eu de

fendia e s s a tese . Mas sempre há muitas cabeças e mui ta gen­

te querendo aprove i tar a oportunidade para apare cer como l í ­

de r . E não er a di f í c i l . Entre o s c amponeses , uma pessoa sur

gi a como l í de r , e para i s s o bas tava rad i ca l i z ar um pouco . O

campones tem i s s o . E l e é capaz de passa r de um extremo a ou

tro , porque tem e s sa ân s i a de ter um pedaço de terra . E a

pe ssoa pode faci lmente conduz i - lo para um des astre .

S abemos que a experi ê n c i a h i s t ó r i c a é e s s a me sma .

Na Amé ri c a l ati n a , nas grandes revoltas campone s as da Europa,

as massas che gavam a um desbordamen to , a uma vi o lênc i a , a uma

ferocidade incríve l , conduz idas por l í de re s mí s t i cos , líderes

profundamente anárqui cos . E todo o movimento camponês era

sempre um movimento de uma grande anarqui a . Na própria h i s -

tóri a dos grandes movimentos c ampon e s e s da Amé r i c a Latin a ,

você encontra e s s e fenômeno com freqüênc i a .

A.C. -- � curi oso que tenha havi do , n a l i der ança do movimen

to , do i s padres tão radi cais quanto os padres Alípio e La j e .

F.J. Sim; o padre Alípio realmente sempre se comportou

como um anarqui s t a . Quando e le veio de s ão Luís do Maranhão

e ingre s s o u no movimento c amponês , tra z i a toda aque la sua fo�

ç a místi c a . Era um homem que queri a se cruci ficar . Eu reco

mendava con s tantemente : " P a dre , ande sempre com a sua batina,

não s a i a da B íb l i a . A B í b l i a é um livro muito intere s s ante

para s e r ut i l i z ado , e nela você vai encontrar muitos e l emen­

tos para poder trabalhar com os campone se s " . Quanto ao pa-

dre Laj e , a coi s a é um pouco di ferente .


1 1 L.j
o padre Laj e teve re almente uma posição muito radi­

cal ; entrou diretamente no movime n to de sindi cal i z ação . Foi

um grande fundador de s i n d i c atos . Mas , de toda sorte , era

um radi cal . Cre i o que , entre os curas , entre os padres , �

do des cobrem a e xi s tênci a da mi séria das massas , de toda es-

s a in j us t i ç a , h á uma tendênc i a para a cruci fi cação . Deve ser

um problema m í s t i c o . Então , s e cru c i f i cam.

Eu di z i a : " N ão há necess idade de s e cruci f i c ar . Vo-

ce tem que ser mais racional e ver as coisas assim . . . " Ou-

tros padres eram mais caute losos . Mesmo dentro do movimento

campon e s , h avia al guns padres que tinham uma postura mais oon-

seqüente , cui davam-se mai s , não radi ca l i z avam tanto . Mas e s

s a é a h i s tória d o movime nt o . N i s s o , você tem razão .

A. C . -- E u que r i a perguntar ao senhor sobre as re lações com

o partido , no que se refere à linha i de o l ógi ca . O Partido Co

munista tinha uma te oria glob al para e xpli car o desenvolvi­

me nto da s o c i e dade bras i l e i r a , e e s s a aná l i s e partia do fato

de que havi a es truturas semi feudais no campo . I s s o , eviden-

temente , levava a uma valor i z ação do papel do campones na c�

na po l í t i c a , como um ator que lutaria contra aque l e s resquí-

cios de feudal i smo no campo . Agora , na reali dade , como o s�

nhor j á friso u anteri ormen te , o campo não foi um e l emento que

me re cesse e spe c i a l atenção do partido , por longos anos , até

que as l i g as t i ve s sem desenvolvido seu próprio caminho . Co­

mo é que se deu o desenvolvimento das re l açõe s da l i ga com

o partido , particul arme n te com um homem como Gregório Be zer-

ra , com os l í deres comun i s tas de Pernambuco , enfim , como viam

o problema do pro letari ado agrí co la e do camp e s i n ato em ter­

mos de uma trans formação da socie dade ?

F.J. -- Bem , eu começaria faz endo uma crí t i c a global aos paE

ti dos comun i s t as na América Latina , para poder exp l i car o

�1S
choque , as dive r gên c i a s que tínhamos em rel ação ao movimento

camponês no Norde s te . Cre i o que o s part i dos comuni s tas , na

América Lat in a , sempre pe caram por falta de bons teór i co s .

Re almente , o único grande teóri co comun i s ta no ccntinente foi e

s e gue sendo José Carlos Mariáte gui , do Peru .

E por que di go um grande teórico? P o rque e s s e harem

se preocupou muito em ana l i s ar a realidade peruana do ponto

de vi sta marxi s ta , mas com a p o s i ç ão de um homem <iue não tran�

p lantava nada . E r a um homem muito ve rsado , que viveu mui tos

anos na· Europa e a s s imi l ou perfei tamente bem , na teoria e n a

prát i c a , o marxi smo . Mas e l e buscou interpretar a rea l i d ade

peruan a , uti l i zando e s s e i n s t rume n to de aná l i se , o marxi smo ,

ao invés de tratar de adaptar e s s a re a l i dade a outras re a l i -

dade s . E le não f e z tran s p lante .

Para mim , o grande de feito dos part i do s comun i s tas

na América Latina é que sempre viveram em função dos t rans -

p l ante s . E l e s viam a reali dade sovi é t i c a , o u da Chin a , ou

qualquer outra , e tentavam adaptar e s s as re a l i dades . P are ce-

me que e s s a era uma tendê n c i a que prej ud icava ou l imitava a

vi s ão dos part i do s . Podemos observar perfe i t amente bem e s s e

fenômeno no Nordeste , com o movimento campone s .

Enquanto eu b u s c ava interpretar e s s a re a l i dade e

ap l i c ar instrume n to s que se adequassem ao es tágio em que se

encont ravam as massas camponesas , o partido tinha sempre a

preocupaçao de i r ao c ampo , fundar uma c é l u l a comun i s t a , ou

falar uma lin guagem que , p ara o campon ê s , era uma coi s a abso

lutamente esotéri c a . o c amponês não entendia e , quando en-

tendi a , tinha medo , porque , durante s é cu lo s , fo i trabalhado ,

pe la I gre j a ou pe las for ç a s reacionári as , com re l ação a pa-

lavras como comun i smo .

A palavra comuni smo s oava , para o c ampone s , como se


1� b
fosse a palavra S atanás . Eu parti a de outros conce i tos . Eu

di z i a : " Temos que i r ao camp o , ver o que o campones aspira

de imedi ato . É pre c i s o s ab e r qual e o seu mundo , qual o seu

universo e , dentro desse universo , b us c ar uma linha q ue s e j a

adequada à vi da que e s s e camponês naturalmente busca" . Ade-

mai s , outra dive rgê ncia que e u tinha com o partido l i gava-se

à falta de s s a an álise concreta dos e lementos . Es s as análises

e xi s t i am teor i c amente , mas não n a prát i c a . Quando chegava a

práti ca , o comport ame n to era outro .

É curi o s o o cas o , por exemp l o , de Gregório . Quando

fala de s e us problemas , de s ua vi da , de s ua infân c i a , de seu

pass ado , das lutas que travou , quando fala realmente das coi

s as que sen t i u , Gregório é um homem . Mas quando ent ra em um

e squema e começa a defender a linha do partido , e le se trans

figura : e outro homem . Então , ve j o dois Gregório s : o Gregó-

rio ele me smo , e o Gregório como um e lemento fiel à linha do

partido . A sua fide l i dade é de t a l n a ture z a que mui tas ve-

z e s s up lanta o próprio Gregório-homem , sua e xperiênc i a , sua

vivênc i a , para se adaptar a uma linha que e le con s i de r a cor-

re t a . E , nisso , come te , no meu modó de pe nsar , muitos erros .

Eu part i a da i dé i a de que , nos p a í s e s d a Amé r i c a La

ti n a , a mas s a campon e s a repre senta um grande pote n c i a l demo-

gráfi co . Não d i go revo lucionári o , d i go demográ fico , antes

de falar em revo l ucionári o . A gente tem que con s i der ar e s s e

fator , que é sumamente importante . E s s a imensa mas s a amorfa

não está trab a lhad a , ou foi trabalhada no sentido de aneste-

s i ar-se , de conformar-se com o seu � tatu�, porque e s s a era a

l e g a l i dade que e xi s t i a para o c amponês .

N e s s e s países , onde realme n te e xi s t e e s s a grande �

s a , e r a indi spens ável trabalhar no s e n t i do de incorporá-la ao

pro ce s s o democráti co ou revolucion ário , e nao esperar q ue es

sa mas s a vi esse por gravidade , ou vi esse , vamos di z e r , na


1H
cauda do movime n to obreiro -- em se tratando de países onde

e s s e movimen to obre i ro era ainda muito in cipiente , muito 10-

cal i z ado , mui to s e tori z ado . Então , e u achava , e e s s e é um

pensamen to que continuo defendendo , que e r a pre ciso trabalhar

as mas s as camponesas e incorporá-las ao grande proce s s o , e

nao esperar que o camponê s amadure cesse por si me smo , ou fo s

se libertado pe la c l asse ob reira ou p e l a c i dade . Havia que

in corporá-l o .

T a l ve z e s s a idéia não prevale ce sse para países já

urbani zados , como era o caso do Uruguai , da Argentina e do

Ch i le , onde a pe r centagem de mas s a camponesa j á era muito p�

quen a . E s s e s países têm mais de 8 0 % de sua população viven-

do em ci dade s , s ao p a í s e s urbani zados . Mas ainda assim a

gente ve ri f i c a que todos os programas dos partidos revo l ucio

nários , nesses países , sempre en focam , em primeiro plano , a

re forma agrári a . Então , é muito importante con s i de rar i s s o .

Agora , imagine em países como o Bras i l , como a Bo11

vi a , como a Colômbia ou o Equador . o Bras i l , até 6 4 , rea i me�

te tinha mai s massa campon e s a do que mas sa obrei r a . Agora a

coi s a j á e s t á di ferente , com e s s e grande ê xodo , e com o fenô

meno dos bÓias- frias e outros provenientes do grande desen-

volvimento industrial do paí s , da grande concentração nas ci

dade s . Ainda a s s i m , o problema c amponês se gue sendo , para

mim , o grande d e s a fi o a qualquer proce s s o de trans formação da

sociedade bra s i leira .

A.C. Em que o partido dis cordaria do senhor naquela epo-

ca?

F.J. -- Naque l a época , o partido sustentava que não havia

que tocar no campo , que havia que s e guir de senvolvendo o tra

b alho com a c l asse obre i r a e o problema c ampones pass ava a

s e r se cundário . E eu conside rava que o problema campones


1 1 .&
deve ri a s e r tratado com o mesmo interesse que o problema obrel
-

ro , que nao havia que distinguir ou que con s i derar o proble-

ma campones como se cundári o , como uma coisa que eu chamaria

de " parti cipar da trans formação através de um processo de gr�

vidade " .

r INAL DA FITA 5-�

F.J. -- Bem , eu que r i a comple tar esse pensame n to . A i dé i a

de que a c l as se obreira é realmen te a c l as s e he gemôn i c a den-

tro de um proce s s o revolucionário , e u nao a d i s cuto . o que

quero d i z e r é que , sem a incorporação das massas camponesas ,

é di f í c i l uma trans formação da SOCiedade na Amé r i c a Latina ,

por s e r um continente predominantemente habitado por c ampon�

ses . Falo em um sentido global . Entendo que have r i a qlE Úl!!

dar um partido ou que incorporar as massas c amponesas a e s s e

proce s s o , para lograr e s s e passo , que é a trans formação da

s o cie dade latino ·"- aIreucana ou da sociedade bra s i le i r a ,


.. para

s e r mai s espe c í f i co . I s s o não s i gni fi ca que e s te j amos ado-

tando a l inha chine s a , ab so lutamente .

Os chine ses parti ram de uma concepçao ab s o l utamen te

contrári a . Como a China , realmente , é um p a í s ainda compl�

tamente habitado por campone ses , a Revolução Chine s a partiu

de s s a coi s a de cer car as ci dades para poder dar margem a que

a c l a s se obre i ra pude s s e rea lme n te desa tar o proce s s o de li-

bertação . Não con s i dero a s s i m . Con s i de ro que h á que i n cor-

porar as massas camponesas a e s s e proce s s o , há que trabalhar

as massas c ampone sas , e não re le gá- las ou de i xá-las em um pl�

no s e cundári o . Não se trata de fundar propriamente células

ou um partido }c á no campo . Penso que o e s t ágio em que viviam

as mas s a s , os trabalh adore s , o camponês bras i l e i ro era tão

atras ado que a gente tinha q ue des?ertá- los , pouco a pouco ,

uti l i z ando os instrumentos adequados a e s se e s tágio , a�ados


11 g
a realidade que e s tavam vivendo naquele moment o .

A.C. -- Quando o P artido Comun i s t a se engaj a na de fesa da

re forma agrár i a , e se engaj a , ao mesmo tempo , na cri ação de

si n di c atos rurai s , a partir de 6 1 , 6 2 sobre tudo , i s s o s i gn i -

f i c a que houve uma mudança radi cal na s ua mane i r a d e encarar

o proce s s o c amponês e a luta no campo?

F.J. -- S im ; creio que o Pa rtido Comunista come çou a perce-

ber a importân cia que tinha o movimento camponês nesse pro-

ce s s o de trans formação da socie dade bras i l e i r a . Em meu modo

de pensar , ele mudou a sua concepção sobre o problema campo-

nes .

A. C . -- Eu q ue r i a que o senhor nos de s s e o s e u test amento s�

bre o congre s s o de Belo Hori zon te , que con s ide r o o momento

de c i s i vo da luta campon e s a e que teve grande s repe rcussoes

po l í ti cas , em todos os n í vei s . Como é que se deu e s s e con-

gre s s o e como foi que as di ferentes forças que atuavam den­

tro do movime n to se posi cion aram , umas com re lação às outras?

F . J . -- P o de-se d i z e r que o congre s s o campones em Be lo Hori

zonte foi a conseqüê n c i a de todo e s s e proce s s o , que come çou

muitos anos an te s , de mobi l i z ação e de cri ação de uma cons-

ciência nacional sobre o problema agrári o . Não vamos dizer

que o congre s s o tenha s i do conseqüência do movimento das l i -

gas c ampon e s as , embora a s l i gas tenham t i do , naturalmente , um

papel bastante de stac ado na r e a l i z ação de le . Mas i n f l uí r am

outras corrente s , como o pens amento daque les autores que

sempre de fenderam a n e ce s s i dade de uma reforma agrári a , de

uma l uta contra o tipo de e s t rutura lati fundiária e xi s tente

no Bras i l . Pode-se d i z e r que esse fenômeno começou a ter

vi gê ncia ou come çou a adquirir força desde José Bon i fácio .

José Bon i f ácio pensou na primeira re fo rma agrá ria ,

pensou em golpear o lati fúndio e em libertar o índio , pensou ,


120
di gamos as s i m , em criar uma outra i n fra-es trutura para desen

volver o Brasi l . E le j á tinh a , por conseguinte , uma visão

e u ropé i a dos problemas ; es tava impregnado de certas teses da

Revolução France s a . S e a gente fosse buscar raí z es , tinha

que buscá-las em José Bon i fác i o , para poder chegar até Joa­

quim N abuco . T a l ve z Boni fácio houve s s e s i do -- e a s s im eu Q

con s i dero -- um homem muito mais radi c a l , mais autênt i c o do

que Joaquim Nabuco .

Se t i vesse que bus car , entre os dois , o homem que

mostrou ser mai s conseqüente , e u bus cari a José Boni fáci � � ,

dep o i s , foi comb a t i do pe lo s i s tema , morre u pobre e desgraça­

do , mas que permane ceu fi e l às suas i dé i as e que , n aque le �

po, j á tinha concebido tudo i s so que , mais tarde , fo i-se de­

senvolvendo . Entre Boni fácio e Nabuco , podíamos buscar as

raí z e s d e s s a lut a pe la d i gn i dade do camponê s , pe la tr ans for­

maçao , contra e s s e tipo de es trutura que foi re spon s áve l pe­

la e s c r avi z aç ão e servidão do c ampon ê s .

E xi s te uma memória h i s tóri c a , que a gente nao pode ,

ab s o l utamente , despre z ar . Então , para sermos j ustos , de�

bus c á - l a n e s s e s homens ; em Boni fácio e em N ab uc o . Quando ho�

ve aqui a comemoração do Sesqui centenário da lndependênci a do

Brasi l , es crevi um longo arti go sobre José Boni fáci o , exal­

tando a sua f i gura , mos t r ando que e l e fora mui to maior do que

P e dro I , e que a homenagem devia s e r re almente di r i gida a Jo

se Boni fác i o , e não a Pedro I .

A Revolução de 3 0 teve também o s e u pape l . Re volu-

ç ao liberal , de certo modo so fre u as con seqüências dos movi­

mentos de 2 2 e 2 4 . O próprio Vargas não e s t ava representan-

do totalmente os intere s s e s do lati fúndi o . Enoontrava-se , por

conse guinte , j á na po s i ç ão de um homem que que r i a trans for­

mar a s o c i e dade brasi l e i r a , dar margem para que os trabalha­

dores pude s s em participar da soci edade , com a legi s lação

III
trabalhi s t a . t toda uma cade i a , que adquiriu mais dinâmi c a

a part i r de 5 5 , com Jusce l i n o Kub i t s chek .

As metas desenvolvimentis tas de Kub i t s chek propi ci�

ram uma s i t ua ção mais di n âmi ca para o movimento camponê s , ou

para que os campone ses tives sem uma voz dentro de sse i me n s o

país , onde e s tavam , até então , prat icamen te margina l i z ados .

Agora , com o s urgimento das li gas campon e s as no Nordeste , a

impren s a , os meios de comuni cação e as d i vers as l i deranças

lhe de r am tamanha importân c i a que o movimento teve mais re s-

sonân c i a do que deve r i a . Sempre con s i dere i que o movimento

camponê s , de certo modo , foi muito mais propalado do que a

força que e le tinha . t pos s í ve l que . . .

A. C . -- . . . que i s s o mostre a s ua própri a forç a .

F.J. -- Sim ; é pos s í ve l que a Revo lução Cubana tenha contri

buído mui to para i s s o . Foi uma revolução eminentemente agr�

ri a , que partiu de uma luta gue rri lhe ir a em uma serr a , luta

que de pois se propago u . A b a s e de F i de l Cas tro e ra realmen

te o campones s e m terra , que a arren dava para plantar can a .

Esse foi o s o l dado principal de F i de l Castro . I s s o teve tam

bém uma grande repercus sao . Quando F i de l Castro triun fou , a

liga campon e s a j á e xi s t i a , e é pos s í ve l que h a j a uma ligação .

E u me smo fui a C uba várias ve z e s e senti a força , o

pe so , a importân c i a que tinha o movimento de F i de l Cas t ro .

I s s o , de certo modo , me i n f luen c i ou . Crei o que , naque l a fa-

se , i s s o não foi bom para o movimento camponê s , porque levou­

o a um radi c a l i smo , que pode r i a haver s i do evitado para am-

p l i ar mais as bases do movimento . Pode r í amos ter seguido uma

linha mais trad i c i on a l , uti l i z ando aque l e s i n s trumentos e t c .

Mas é muito di f í c i l , pois só depois que p a s s a a coi s a e que

podemos an a l i s á - l a com mais s e reni dade . H o j e , j á podemos f�

zer e s s e tipo de an áli se , mas , naquele tempo , era di fí ci l ,

1 2.1
porque e s t avam todos empo lgados e entusiasmados pe la Revo lu-

ção Cuban a . Era uma coi sa nova que surgi a nesse continente ,

depois de tantas décadas de s i l êncio e de ap lastamento .

o fato é que o congre s s o de Belo Hori zonte é como

que a soma de tudo i s s o . Se eu tive s s e que bus car raízes , b�

cava-as em Boni fáci o , em N abuco , na Re volução Cuban a , nas li

gas , e no Kubitschek . são quantidades aparentemente hetero-

geneas , mas que não creio que o se j am tanto . Você pode so-

mar tudo i s s o e desembocar no grande congre s s o de Belo Hori-

z onte . Para dar uma vi são ampla , um pouco a vôo de pass aro ,

eu diria que o congre s s o foi a con seqüência de tudo i s s o .

Da mesma forma , di go sempre que a liga é uma vi s ão

pol i ti c a j á mai s organi zada de todas aque las rebe liões c amP2

nesa s no Nordeste -- os cangaceiros , os beatos , a Cabanada e

todos e s s e s movimentos . Se a gente fos s e buscar as ral z es


das l i gas campon e s as , deve r i a buscá-las ai . Não foi por ac�

so que a liga nas ceu em Pernambuco ; não foi por acaso que sUE

gi u no Nordeste . o Norde ste tem uma tradi ç ão de l utas camP2

nesas muito importante , e a gente deve buscar a l i ga como a

conseqüênci a , a soma de tudo i s s o . Na turalmente , em uma di -

mensão muito mai s avan ç ada , muito mais organi zad a , sem aque-

le sentido anárquico e de se sperado dos grandes movimentos que

prop i c i aram o nas cimento de cangaceiros e beatos . Há que bus

car e s s a coi s a . Então , di go que e a soma de tudo i s s o .

o mais importante é que as diver sas correntes que

atuaram dentro de sse congre sso -- e que dentro dele se cho-

caram -- foram capazes de sensibi li z ar s e tores que até então

e s tavam um pouco divididos em re lação ao movimento campon e s ,

de tal forma que as conc lusõe s do congre s s o foram posi ti vas e

o congre s s o acabou sendo un i tário . Em verdade não podemos

di z e r que se e s t abe leceram , se pol ari z aram duas correntes .

Com todos o s debates que houve , o congre s s o acabou sendo

/2. 3
rea lmente un i t á rio ; a resol ução fin a l e uma reso lução un i t á­

ri a .

A. C. -- Cre io que em torno da re forma agrári a .

F.J. P or suposto que em torno da reforma agrári a . Os de

mais assuntos , não os quero di.scutí r , porque a minha meta e ra

lutar por uma re forma agrári a , lutar pela libertação do cam-

pones no Brasi l . O J an go , que foi encerrar o congre s s o , se�

t i u e s s a importân ci a , de tal forma que decre tou imedi atamen­

te a sindi c a l i z ação rural -- a s s unto que e ra proib i do no Bra

silo O sindi cato rural e ra con s i de rado a l go pe r i goso a se-

gurança naci ona l . Havi a de ci sões da S uprema Corte , e os mi-

n i s tros nun c a permi ti ram que e s s e assun to fo sse tratado . O

s indi cato obre i ro , o s i ndi cato de trabalhadores de fábr i c a ,

s i m ; mas o s i ndi cato rural , não . E r a um prob lema que afeta-

va dire tamente a es trutura tradi c i onal , o l ati fúndio trad i c i

ona l .

A me u ve r , o grande mérito desse congre s s o foi des­

pertar a con s ci ê n c i a n a cional para o problema agrário . Toda

a gente , d e s de então , começou a falar mais na re forma agra­

ri a , de uma forma mais conseqüen te , e Jango decretou a s i ndi

c a l i z ação . A si ndicali zação na s ce u , por con s e guinte , como

conseq�ência do grande debete que se travou no congre s s o de

Be lo Hori z onte . A l i ga de sempenho u , n e s s e momento , um papel

bas tante importante , porque dinami z ou , com a s ua forma autõ-

noma de se compo rtar , e i n f l u i u muito para que o congre s s o

não fosse , ab s o l utame n te , um con gre sso a ma is .

A. C . -- Qual foi o pape l da ULTAB n e s s e congre s s o ? Em que

es tágio se encon trava a organi za ção das forças po l í t i c as nas

as soci açõe s li gadas à ULTAB ?

F.J. -- Bem , a ULTAB era um organ i smo do P artido Comun i s t a .


Não era realmente uma força poderos a , mas era atuan te , e s ta­

va em todas as partes como força organ i z ada . Mas , em torno

da ULTAB , f a l tava a mas s a : havi a a d i re ção , a cabe ç a , mas

f a l tava o corpo . A l i ga , ao contrário , era capaz de mobi li-

z ar grandes mass as , embora , no meio de ssas mas sas , houvesse

mai s de uma cabe ç a . Havi a , as ve z e s , duas ou três cabeças

que se cho cavam quando as mas s a s eram conduz idas .

A.C. -- Mas os contingentes d a ULTAB eram grandes , não ? Te­

nho a impre s s ão de q ue o prob l ema , mais do que uma ques tão de

núme ro , vinha de as pess oas serem um pouco amor fas . N ão sei

se o senhor concor da .

F.J. -- Eu pode ri a , n e s s e sentido , d i z e r que , no Norde s te ,

por e xemplo , a ULTAB não tinha nenhuma i n f l uênc i a , nenhuma

força . Ta lve z n o S ul , em s ão P au l o ou no P aran á , s im . Não

di s cuto por aí . Fundamos li gas campone s a s no P aran á , ti �

aí um bom advo gado e o movimento das li gas chegou a t e r bas­

tante for ç a . Con se guimos fazer al gumas concentrações impor­

tan t í s s imas no Paran á , al gumas va l i o s as concentraçõe s .

A.C. -- Aonde?

F.J. -- Em Londrina e em uma outra ci dade l á perto , da qual

nao sei o nome . Aí fi zemos a l gumas con fe rên cias e mobi l i za­

mos muito as mas s as trabalhadoras . O advogado da l i ga que

tínhamos aí , Manue l S i l va , teve um pape l importante no de sen

volvime n to do movimento camponês do P araná . Mas a ULTAB , no

Norde s te , por e xemp lo , n ão tinha nenhuma repre sentação , nao

s i gni fi cava nada , não se f a l ava sequer e s s a p a l avra .

Cre io que o grande de feito da ULTAB , com a ve lha e x

peri ênci a que tinha , f o i valer-se de quadros que em geral

s a í am do próprio movimento obre iro e que se inte gravam para

trabalhar com os camponeses . E s s e s quadros as vezes; recrutavam

/25
e lementos que n ao ti nham nenhuma sens ibi l i dade para o pro­

b lema camponê s . A ULTAB buscava , por exemplo , um j ui z ou um

promotor , uma autoridade ou uma pessoa que n ao e s tava motiva

da para defender o camponês . Então , fazia as reuniõe s , e era

como que se f a l tasse vi da , porque fa ltava realmente a mas sa

campone s a em torno de s s as reun i õe s .

A razão por que as l i g as c ampone s a s re almente dina­

m i z avam mai s é que tinham outra l i n guage m , outra forma de en

carar o prob lema , outros ins trumentos para mobi l i z ar a massa.

Havia mai s fle xibi li dade , não e s t ávamos em uma pos i ç ão es qu�

máti ca , entende ? Então , por i s s o e pos s í ve l q ue , onde se

p l antasse a l i ga campone s a , e l a s e desenvolvia faci lménte .

O que es tava faltando e r a o advogado -- e i n s i s to muito nes­

se pon to . E r a o quadro mai s importante , para mim! o que eu

mai s s e n � i a er a a ausência do advogado .

O fato e que , do congre s s o , n a s c e u a si ndicali z ação,

que foi um pas s o muito avançado , importantí s s imo . Ime d i at a-

mente , a própr i a l i g a organ i z o u os s indi catos . Os prime i ro s

si ndi catos organ i z ados e m P e rnambuco fo ram organ i z ados pe la

l i ga . E u organ i z a i imedi atamente 36 si n di catos . Fundamos 3 6

si ndi catos , e todo o proce s s o e u prepare i . Ape sar de di ze-

rem que havia um choque entre a l i g a e os s i n di catos , isso

n ao é verdade . Os s i ndi catos que se fundaram n a zona cana-

vie i ra , onde atuava o Partido Comuni sta , onde atuou a I gre­

j a , h avi am s i do fundados pe l a l i g a .

A. C . -- Quais foram os mai s importantes dos que o senhor se

lembra agora ?

F.J. -- Fundamos s i n di c atos em Jaboatão , no Cabo , em Game­

l e i r a , em P a lmare s . Nós e que fi zemos toda a burocraci a , to

do o pape leio , tudo i s s o a gente fe z .

A. C. -- E o gove rno deu o consentime n to .


1 2 (;,
F. J . - S i m ; apoiou-nos . Houve , naturalmente , problemas .

Quando Almino Afonso e r a min i s tro do Trabalho , por exemplo ,

fui conversar com ele para ace lerar a fundação dos sindicatos .

Entrei com todo o proce s s o e de s cobri que havia também um ou

tro sindi cato , um outro proce s s o , que tinha a fi rma de um cu

ra , um padre ou al guém que e s tava aí me ti do . Note i que o no�

s o tinha priori dade , em maté r i a de proto co lo , mas o outro es

tava mais acelerado .

E u di s s e ao Almi n o : " J;: bom que voce mande uma pessoa

de sua con fi ança a Jaboatão , para ver quem e que tem forç a ,

s e e a l i ga o u s e e o padre . você vai poder ver que o padre

não tem força , nao e c ap a z de mob i li z ar nada , e nos somos

capaz e s de mob i l i z ar doi s ou três mi l campon e s e s faci lmen te".

E l e perguntou: "Mas i s s o é verdade ? " Re spondi : " J;: verdade " .

E e le mandou uma pes s oa . De l á , te le fonaram e disseram: "Olhe,

aqui , quem tem força realmente é a l i ga " . E i s s o i n f luiu mui

to para que a gente pudesse ace lerar o proce s s o de s in di c ali

zaçao .

O fato é que fundamos s i ndi catos em várias parte s

de P e rnambuco e , c l aro , entrou todo o mundo a trabalhar nos

s indicatos . N aturalmente , eu não tinha e s s a preocupaçao de

querer ter o domínio dos s i ndi catos e o domínio da l i g a . A

ún i c a coi s a q ue eu cuidava muito era para que a l i ga não e s ­

capasse de s i mesma , das s uas l i de ranças locai s , j á que i s s o

pode ri a , em verdade , matar o movimento n as suas ori gens .

E u que ri a que o movimento tivesse e s s a auten t i c i dade . Sempre

lutei por i s so , e cre i o q ue os campon e s e s entende ram bem e s ­

s a coi s a .

A.C. - O senhor ach a , então , que a l i de ranç a tinha que ser

compos t a a do i s n í vei s : o n í ve l dos advo gados , que s e ri am

as pessoas mai s e s c l are ci das , en carre gadas de dar um apoio ,

/2 7
um suporte insti tucional ao movime n to ; e o n í ve l dos c ampon�

se s , que e r a o nível local .

F.J. P re c i s amente ; i s s o e s tava bem de fini do . O advogado ,

para que cuidasse da parte j ur í di ca , sem deixar de pensar til!!!

bém na parte políti ca . E u que r i a um advogado q ue fo s s e tam­

bém políti co , um advogado comprome tido . Eu não q ue r i a um a3

vogado fri o , que fos se tomar o texto da lei e ap li c á-lo com

abso luta frie z a , porque a lei não di z i a nada , e , quando di­

z i a , e ra contra o c amponês . Eu q ueri a um advogado que de s c2

b r i s s e as próprias contradições e xi s tentes dentro da re alida

de que os camponeses es tavam vivendo e trata s s e de ap l i c a r a

lei , sem es quecer ab s o l utamente a n e c e s s i dade de uma trans­

formação da so ciedade .

A.C. -- Agora , n o congre s s o de B e lo Hor i z onte , acho q ue a

grande propo s t a das l i gas foi a radi cali z ação da reivindi c a­

ção de re forma agrári a . Tenho a impre s s ão de q ue a linha d2

minante nume r i c amente n o partido te ndia a uma compos i ç ão com

o Jango , que e s tava subindo ao poder naquele momento . En fim ,

s e r i a um tipo qualquer de comb i n ação po l í t i ca que implica s s e

compromi s s o s , di gamos . E a l i ga , que vinha com aque le pass�

do de lutas , de di fi culdades e de perdas , e s tava muito mai s

di sposta a uma radi c a l i z ação mai o r , no sentido de uma propo�

ta mai s radi cal de re forma agrári a . O senhor acha que foi

i s s o realmente o q ue ocorreu?

F.J. -- S i m ; pe lo menos , pode-se obse rvar que , durante o OO!!

gre s s o , a linha da l i ga e r a a mais aplaudi da . Quando f a l ava

um de le gado da l i g a , sensibili zava mais os presentes , porque tra­

z i a uma lin guagem nova . Além di s s o , re a lmente a dele gação

da l i g a foi poderos a , foi forte . Comparece ram cerca de 200

delegados s ó do Norde s te , que vi aj aram de caminhão durante

todo e s s e percurs o , pas s ando por muitas cidades . _ E �epois

/2cf
havi a também o movimento e s tudan ti l , que es tava muito sensi­

b i l i z ado . Lembro-me de q ue , nessa épo c a , fiz uma conferencia

em uma universi dade de Be lo Hori z aonte , no edi fício da Se cr�

taria de E ducação , que era muito grande . E s t ava lotada . Ha

vi a mais de cin co mi l e s tudantes . E ra uma coi s a formidáve l .

Havia um grande interesse em ver o que di z i am os do Norte , o

que pens avam aque les que vinham do Norte , com uma l i n guagem

nova e t c .

Creio que i s s o influiu muito e causou impacto para

que se pudesse obter no congre s s o re so luçõe s mai s conseqüen­

tes . E foi fáci l dar um impulso a luta pe l a re forma agrária,

dada a comun i c ação com senadore s e deputados , com o pre s i -

dente d a Repúb l i c a , com gove rnadores d e e s tado , com toda a

gente . Re cordo-me de que , em uma de s s as ve zes , e u e s tava lá,

na l i ga , quando veio uma pes s o a me pedir que e u fos se conver

sar com o gove rnador Magalhães Pinto , que q ueria falar comi­

go . Fui , o homem entrou n a s a l a e conver sou comi go sobre r�

forma agrári a . Fotografou-se com i go . C re i o que e l e tinha

pretensões à pres idência da RepÚb l i c a , que dis putava com o

Carlos Lace rda , naquele tempo .

P ara mim , a grande importân c i a desse congre s s o foi

pre c i s amente fazer com q ue camadas da s o c i edade b r as i le i ra ,

que até então e s tavam não muito bem in formadas sobre e s s a do

loro s a re a l i d ade , des cobri s s em a e xi s tê n c i a do campones e

tratassem de inte grar e s s e campones na grande luta de mob i l i

z ação que , d e s de então , come çava a cre s cer no Br asi l .

A.C. -- E o campones também tomou cons ciênci a da dimensão

nacional do movimento . No fun do , cada grupo es tava um pouco

enquistado na s ua região e , naquele mome n to , ho uve uma es pe­

cie de confronto em que as pessoas mediram as forças e vi ram

que re a lmente havi a um movimento nacion a l .


F.J. -- De confronto e de confraterni z ação . Os camponeses

come çaram a sentir que parti cipavam de um país q ue e ra un ver

dade i r o continente . O camponês do Nordeste via os problemas

do c amponê s de GOi ás , do Rio Grande do S ul , do P ar á , ou de

s ão paulo, != se de s cobri a dentro do panorama nacion a l , dentro

de um continente como o B rasi l . Então , con s i dero que esse

congre s s o foi rea lmente u m pas so importantíssimc para una nova

es tra tégia da luta pela trans formar,-ão da estrutura agrária no B r a s i l.

A. C . -- N aque le mome n to , Jango procurou-o para um acordo , pr2

vave lmente . Como é que s e passou e s s e en contro?

F.J. -- Vou narrar o que se passou . Di as depois do congre�

s o , Jango quis conve r s ar comi go e convidou-me para i r ao Tor

to . Fui conve r s ar com e le . Ele dizia: " Olhe , não sou soci a

l i s ta , não chegarei nunca ao s o ci a l i smo . Atenho-me ao pro-

grama de Vargas , ao programa do Parti do Trabal h i s t a . Agora ,

por que e que a gente não faz uma a l i ança? Não s e r i a po s s í -

ve l uma a l i ança en tre o P artido Soci a l i s t a e o Partido Tra-

balhi s t a , visando , di gamos assim , um próximo embate e l e ito-

ral ? " Admi ti que e ra pos s í ve l .

você s abe que havia conversaços entre os doi s par-

tidos . O partido de Jango re ss entia-se de teóri cos , e o Par-

tido S o c i a l i s t a tinha e xc e s s o de les . Mas o P arti do Soci alis

ta não tinha corpo . O ún i c o homem de mas s as e r a e u . E u di-


-

z i a aos companhe i ros : " O lhem , por que e que nao vamos con-
-

qui s tar o campo , trabalhar com os camponese s ? A c l asse oorei

ra está mui to trabalhada pelo Parti do Comun i s t a e o Partido

T rabalh i s t a , e o campo e s t á comp l e t ame nte abandon ado . A in-

f l uê n c i a que aí têm o Partido Comun i s ta e o Partido Traba-

l h i s t a é muito pequena em re lação à que têm os coroné i s e ca

bos e le i torais de s s a gente , que manipula e domina t udo . Va-

mos quebrar i s so . Aí e s t á um campo formidával para o Partido

I� O
S oci a l i s t a vi r a ser um partido grande , podero so , um partido

com ma s s a , e nao apenas com cabe ç a " .

t claro que eu encontrava re si tênci a , porque nao era

mui to cômodo trabalhar realmente com camponês . Era mui to di

fíci l . o que e u queria re almente era ganhar advogados e lí-

deres para um trabalho mai s conseqüente no campo . Tanto e

assim que , quando che gamos à Càmara de Deputados , e que o

N e i va More i r a , como s e c re t ário- ge ral da Frente P ar l amentar

Nacion a l i s t a , convi dou-me , eu d i s s e : "Neiva , com mui to pra-

z e r vou participar da frente . Mas há uma condi ção : quero que

se pub l i que , q ue s e de cl are que os componentes da Frente Pa r

lamen tar , ao invés de e s t arem aqui , di gamos , apre s e ntando p�

j e tos de lei ou atuando nas comi s s ões técni c as , devem se

mobi li z a r pe l o Brasi l . P re c i s amos ouvir a vo z da Frente Pa r

lamentar no Norde s te , saber o que pe n s a voce e o que pensam

outros companhe i ros sobre os problemas nacionais , sobre o p�

tróle o , sobre a terra , sobre o controle de l ucros das empre­

s as , sobre uma sé rie de coi s as . Mas é prre c i so que vocês di

gam i s s o l á . P o r s ua ve z , vamos também a outras re giões , va

mos ao S u l , ao Oeste . Acho que a frente deve r i a aprove i t ar

e s s a oportuni dade para se mob i l i z ar por todo o paí s , para �

não se j a apenas uma frente parlamentar , mas fren te do povo

b r as i le i ro , em de fesa das matérias-primas , em de fe sa de um

programa de libertação e conômi ca de s se país " . E le disse : "Ra-

pa z , é uma i dé i a fabulos a . Cre i o que a gente podi a mob i l i -

z ar a fren te e f a z e r e s s as caravanas " .

[FINAL DA F I TA 5-�
2 � En trevi s ta : 0 6 . 12 . 1 9 7 7

A.C. -- Estávamos j ustamente f a l ando sobre a Frente parlmren

tar N a c i on a l i s t a , sob re as condições da s u a partic ipação na

frente , que s e ri am de que e l a adqu i ri s s e um dinamismo maior

/J /
em termos de mobi li dade geográ fi ca , percorrendo as regiões do

paí s , s us c i tando um debate púb l i c o maior . O deputado N e i va

More i r a , s e c re t ário da frente , te ria acolh i do com muita s a­

tis fação e s s as s uge s tões s uas . Não s e i se o senhor gos t a r i a

de falar a l guma coi s a a mais sobre a s s u a s li gações com a

fre n te . Poste riormente , a Frente Nacion a l i s t a se conve rte u

em Frente de Mob i l i zação p opular . Talve z o senhor tenha al­

guma coisa a di z e r a esse respe i to .

F.J. Não tive mui tas li gações com a fren te , porque n e s s a

fase e u me di vi di a en tre o Rio de Jane ir o , onde e u editava un

seminário chamado L�g a , o Norde s te , onde tinha q ue fazer o

trabalho com os c ampone ses , com as l i gas , e Bra s í l i a , onde

i a , n ão com mui ta frenqüên ci a , para as s i s t i r a al gumas ses­

sões d o P ar l amen to , d a Câmara d e Deputados , j us t i fi cando a

minha pre s ença como deputado federal . De man e i ra que os meus

contatos com a frente não foram tão dinâmicos . Apenas , fi z

e s s a propos i ç ão , e esperei que a frente , de acordo com esse

comprom i s s o assumido pelo seu se cre tári o-geral , o deputado

N e i va More i ra , tomas s e uma pos i ção . Cre i o que e s s a i dé i a re

pe rcutiu bem dentro da frente . E s te e um as sunto que pode­

ria s e r indagado ao N e i va . Nun c a t i ve a oportuni dade de peE

gun tar como foi a reação da frente , mas é pos s í ve l que a

i dé i a tenha s i do acolhida com entusi asmo . Não pos so dar lhe

maiores de talhes .

A.C. -- Em re lação à Frente de Mob i l i zação Popul ar , deve ter

ocorrido mais ou menos o mesmo prob lema . O senhor deve ter

s i do procurado p o r e le s para engrossar as pressoes n o s e n t i ­

d o d e uma re forma agrári a .

F.J. -- A Frente de Mob i l i z aç ão popular j á me encon tou , na­

turalmente , em p leno trab a lho , porque sempre dei a maior paE

te do meu tempo a e s s a mob i l i z ação . Claro que e u trabalhava

/32
mais no s e tor campone s , mas i s s o nao quer di zer que eu tam­

bém não me i n te r e s s a s s e por outros se tore s . Nas grandes ca�

panhas e le i torai s , por exemplo , e u sempre es tava part ici pan­

do de todo o trabalho , nao só no campo como também nas ci da­

des , em Re ci fe e em outras partes da RepÚb l i c a , dando confe­

rênci as , comparecendo a debates em uni ve r s i dades e nos sindi

catos , como o dos me talúrgi cos , na televi s ão , uma s é rie de

coi sas a s s im . Eu j á es tava mob i l i zado para e s s e trabalho .

Que pode ri a di z e r mais sobre i s s o ?

�NTE RRUPÇÃO DE FITA ]

A.C. -- E sobre aque le e p i s ódio com o Jango , depois do con­

gre s s o de Belo Hori zonte? Como é que se de senvo l veram as

coi s as ?

F.J. -- Depois do congre s s o de Be lo Hori z aonte , eviden teme�

te Jan go obse rvou que havi a algo sé rie . Todas as correntes

que e s tavam intere s s adas na re forma agrári a , no Bras i l , ha-

vi am se encontrado aí . Ve i o o Bri z o l a , com o grupo de le .

Vie ram a I gre j a , o P ar t i do Comun i s t a , as l i gas campone se as, o

P arti do Trabalh i s t a , os es tudante s . Havi a , por con s e guinte ,

um encontro de todo o país nesse P r i me i ro Congre s s o Nacional

de Campone s e s . Daí s ai u , n a verdade , uma propos ta con cre ta ,

através das re s o l uções do congre s s o , e cre i o que o Jango co­

meçou realmente a se preocupar com o problema dos camponeses.

A s i ndicali zaç ão rural foi produto de s s e congre s s o . N ão vou

di z e r que i s s o se deva e xc l us i vamen te ao trabalho da l i g a .

Vamos come ç ar . Você tem que apagar aqui . . .

j! NTE RRUP ÇÃO DE F I TA ]

F.J. -- Uma ve z re a l i z ado o oongresso, as delegaçres regressaram

/3 3
aos respectivos es tado s , e recebi um convi te p ara entencer--ITe

com o primei ro-min i s tro , que e ra o Tancreuo Neves . Então ,

fomos em comi s s ão . De s s a comi s s ão par t i c ipávamos e u , o pa­

dre Fran c i s co Laj e , e c re i o que José porfí ri o , de Goi ás . En

tre outros , re cordo-me bem de s s e s dois companhe i ro s . Fomos

recebidos por Tancredo e debatemos alguns aspe ctos do con-

gre s s o . Fi zemos uma an á l i s e do que se havi a pass ado , e ele

nos pe rguntava certos detalhe s . Em suma , não fi zemos outra

coi s a senao apresen tar a s con c l usões e , de Tancredo Neves , sur

gi u a i dé i a de um encontro com J an go .

E s s e encontro com Jango , eu o fi z i s o l adamente

os outros companhei ros nao parti ciparam . o pre s i dente mani-

fe stou interesse n e s s e e n contro , e e s ti vemos aí prat i c an do .

Não e r a a prime i ra ve z que nos encontrávamos . Tínhamo-nos

encon trado quando e le e ra vi ce-presidente . Ago r a , já como

pre s i dente . . .

A. C . -- E le n ao parti cipou do congre s s o ?

F.J. P arti cip o u . o d i s curso de encer ramen to foi feito

pelo Jan go . Mas , a í , no Congre s s o , não havi a c l�ma para po-

dermos conve r s a r . Na conve r s a que tive com Jan g o , observei

que e le estava re a lmente preocupado , e fe z que s tão de me di­

z e r , de forma bem c lara , bem contundente , que não era capaz

de chegar ao s o c i a l i sm o ; seu i deário chegava até o pro grama

de Vargas . E le defendi a , com o seu partido , o progr ama de

Vargas , e não che gari a mai s a l é m .

Re cordo-me de lhe haver d i to : " Bom , i s s o e um pro-

b lema de e tapas . Você pode , naturalmente , lutar por uma e ta

pa e o povo bras i le i ro segui r a sua luta para uma e tapa mai s

avançada " . Ago r a , de toda sorte , o pre s i dente e s t ava prof�

dame n te sensibi l i z ado pelo que vi u e sen t i u no congre s s o , e

cre i o que i s s o foi , naturalmente , o fator que mais contribuiu


p ara que Jango de cre tasse imediatamente a nece s s i dade de se

sindi c ali z ar os campon e se s , no Bras i l .

E s s a s i n d i c a l i z ação não se re lacionava apenas com o

camponês que vendia a s u a força de trabalho , com o assala ria

do agríco l a . E le também e s t ava empenhado em s i n di c a l i z a r o

campon e s que arren dava terras . E l e que r i a e n g lobar tudo ; to

do o campe s inato que não tinha te rra c aí a dentro de s s a sindi

cali z ação . E le convocou a I g re j a , con fiou- lhe urna parte da

s indi c a l i z ação , entre gando-lhe r e a lmente esse trabalho .

A. C . -- O senhor acha que ho uve um acordo e n t re os doi s ?

F.J. Evidentemente , houve um acordo entre Jango e a I gr�

ja. E o P a r t i do Comun i s t a , que e s t ava atrás de tudo isso,

t ambém concdrdo u em parti cipar d e s s e trabalho . porém, o aoor­

do de Jango foi d i ret ame n te com a I gre j a . E le deu mui t a pro

eminên c i a ao trab a lho da I gre j a na s in di ca l i z aç ão rura l . As

sim , é po s s í ve l entender o caso do padre L a j e que , em pouco

tempo , em Minas Gera i s , fundou mais de dois mi l s in d i c ato s ,

num trabalho e xt raordinári o . E le vi a j o u a outros e s tados ,

foi até o Maranhão , acompanhado de N e i va More i r a . . .

A.C. Mas que I gre j a e ra e s s a ? Porque o padre Laj e era da

AP !

F.J. -- Sim ; mas , quando di go I gre j a , di go . . .

A.C. -- Havi a duas I gr e j as intere s s adas na s i n d i ca l i z a ção .

F.J. -- S i m ; mas nao e s tou vendo a I gre j a corno uma totalid�

de , corno um todo . O padre Laj e era um homem que e s tava den-

tro da I gre j a . Ainda que t i ve s s e uma posição mui to mais avan

çada do q ue a de outros padres , evi dentemente e r a um homem

da I gre j a . E se guiu sendo sempre um homem da I gre j a , disci­

p l i n ado , embora com urn a posi ção bastante avançada . Naturalmente ,

IJ C)
em Minas Gerai s , e le tinha muito prestí gi o , muito nome . E ele

ganhou e s s e nome lutando , dentro de Belo Horizonte e nos ar­

redores da cidade , onde h avia os centros populosos mai s po­

bre s . Aí o padre Laj e con s e guiu um grande nome . E s s e nome

se expandiu e chegou a cob ri r todo o e s tado de Minas Gerai s .

Então , quando di go I gre j a , é n e s s e sentido . � po s s í ve l que

aí haj a mati ze s .

A . C . -- N e s s e encontro com Jango , e l e tentou reun i r di feren

tes forças po l í ti cas que e s t avam in te re s s adas na mob i l i z ação

campone s a : o senhor , o padre Laj e . . .

F.J. -- Não ; o encontro com o Jango . . .

A.C. -- Ah , sim . E s se foi o encontro com o Tancredo , o das

d i ferentes forças , e o senhor foi falar com o Jango so zinho .

F.J. -- Sim . N aturalmen te , e le que r i a ver o meu pens arrento,

até onde eu p re tendia che gar , e s s a co i s a toda , e também e x-

pre s s ar o pen s amento de le . Quando se di z i a que o Jan go era

um homem que e s t ava levando o p a í s ao comun i smo , con s i de ro

que era apenas um argumento para j u s t i fi car-lhe o derro camen

to , a caí da . Em verdade , o Jango não era um homem capaz de

levar o país nem sequer ao s o c i a l i smo .

A.C. -- O senhor acha que , de qualquer forma , naquele mome�

to , e le man i fe stava um intere s s e evidente pe l a reforma agr�

ri a , um propósi to firme ?

F.J. -- S im ; c laro . Mas e pre c i s o a gente con s i de rar que

exi s t e re forma agrária e re forma agrári a . A re forma agrária

do Jango não era a minha re forma agrári a .

A. C . -- Quais e r am as di ferenças ?

F.J. -- O Jango e s t ava interess ado em ap l i car o programa da

/3 6
Alian ç a Para o Progre s s o , fazer uma re forma fiscal e democr�

t i z ar as re lações entre campon e s e s e senhores da terra , me­

lhorando , por conseguinte , de certo modo , a s i tuação dos cam

pone s e s nas re gi õe s onde havi a mais con f l i t os . Por i s s o , e�

tava dispo s to a de fender um pro grama para di s t ribuir terras ,

mas de forma muito bem pen s ada , bem mode rad a , e e u e s tava em

uma p o s i ção naturalmente muito mais conseqüente , mais avan­

çada .

Eu que ri a que , de um golpe , se limitasse a quantid�

de de te rra que uma pes soa j urídica pude s se possuir i s so

e ra uma das re s o l uções do congre s s o . Queri a também a modifi

cação do arti go 1 4 1 da Cons tituição , p ara faci litar , n atura!

mente , o ace s s o dos c amponeses ã terra . E e r a uma coi s a ló­

gi c a , porque o Brasi l provave lmente era o ún i co p a í s da Amé­

rica Latina onde , para se adqui ri r a terra , se tinha que p a­

gar o valor re a l de l a , em dinheiro de cont ado .

Em outros país e s , j á as con stitui çõe s permitiam que

e s s e pagamento fo sse fe ito em bônus da dívida p Ub l i c a , com

uma taxa de j uros mode s t a e por um prazo largo . Tratava-se

de uma reivindi cação que j á es tava con s a grada em outras cons

ti tuiçõe s , daqui e de outras partes do mundo : da I t á l i a , da

Turquia e t c . Então , querí amos avançar um pouco mais . Cre io

que , daí , tenha come çado a surgi r um con flito inevi táve l en­

tre a po s i ç ão do Jango e a nos s a , con flito que foi aumentan­

do até o momento em que e le tratou de reunir outra ve z em seu

poder o que havi a perdido quando ace itou o parlamentarismo no

Bra si l .

A. C . --
O senhor foi contra a vo lta ao pre sidenciali smo e

se absteve na vo tação , não?

F.J. --
Sim, contra a vo l t a ao pre s i de n ci ali smo . Tomei uma

posi ção de absten ção , pe los motivos que , não s e i se J á lhe

1 3 7-
di s s e . . .

A. C . -- I n fe li zmen te , pe rdemos a gravaç ao . Se o senhor pu-

de sse . . .

F.J. Bntão , vou re s umi r . P rime i ro , porque eu e ra do pa E

tido S o c i a l i s ta , e o Partido S o c i al i s t a , em seu programa , d�

fendia o par l amentari smo . E ra natural que e u também defen-

de sse o p ar lamentari smo . De mane ira que encontrei uma certa

in coerên c i a no fato de alguns companheiros do partido , a co­

me çar pe lo então min i s t ro da Justi ç a , João Mangabe ira , e de­

pois pe lo primeiro-mi n i s t ro , Hermes Lima , ace i t arem a liqui­

dação do par l amen t a ri s mo e a vo lta ao pre s i de n c i a l i smo . Eu

e s tava muito mais dentro do programa do partido , que sempre

foi par lamentar i s t a . Por outro lado , obse rvei que o parla­

mentari smo começava a dar resultados , a dar frutos . Muitas

grandes voze s , na Câmara de Deputado s , come çavam a s e r e s c u-

tadas pe lo povo -- vo zes como a de Barbosa Lima Sobrinho ,

Almino Afon s o , Auré l i o Vian a , S antan a , uma in fini dade delas .

A.C. -- O senhor se referiu ao pro f . Herme s Lima , que era

ouvido n o s s e us tempos de primeiro-mini s t ro .

F.J. -- S im , e ra bastante ouvido . E s s as vo z e s todas começ�

ram a dar ao P a r l amento a imagem que eu go st ari a que tives se:

a de um organismo ide n t i f i c ado rea lmente com o povo . Se o

P arlamento e ra um produto da votação de vári as corrente s , de

vários partidos , natura lme n te de veria re f l e t i r o pens amento

de s s a s correntes e de s s e s partidos . E a corrente que mais

se de stac ava e r a p re c i s amente a que tinha uma ati tude mais

conseqüente , a que de fendia causas nacionalistas , a que luta­

va para fortale ce r a e conomia do povo , do Bras i l , e atacava

a que s tão da re forma agrári a . Sem a reforma agrári a , não po­

de rí amos pen s ar em país desenvolvido , capaz de ma�char

/3�
harmon i c amen te . A indus triali zação deve r i a marchar paral e l a

mente a uma re forma agrár i a conseqüente , democráti c a , radical ,

que desse às grandes mas s as campone s as do país o ace s s o à ter

ra.

A.C. -- Então o senhor não concordava com a idé i a que prev�

l e ci a en tre al guns grupos , naque l a époc a , de que o Congresso ,

no fundo , pe lo s e u caráter eminentemente conse rvador , e s t ava

atrapalhando o caminho das re formas .

F.J. -- Não ; e u de fe ndi a o Congre s s o , crendo que , dentro d�

le , pode r i a naturalmente surgi r . . . As s im como s urgiu a Freg

te P a r l amentari sta , e s s a frente podi a s e r amp l i ada , na medi­

da que o Con gre s s o começasse a s o frer uma pres são maior do

povo bra s i le i ro . Cada ve z que houve s s e uma e le i ç ão , o Con-

gre s s o se i r i a depurando de s s e conservadorismo , de s s as cor­

rentes muito conse rvadoras ou me smo re acionári as , j á que o

povo , adquirindo mai or con s ci ê n c i a polí t i c a , vo tar i a em dep�

tados mais comprome t i dos com a democracia b ras i le i r a , com um

s i s tema verdade i ramente democr áti co . Por isso , eu achava que

e s s a coi s a deve r i a s e fazer por etapas . o Congre s s o es tava

se fortale cendo .

A.C. -- Daí a importân ci a das e le i ções de 6 2 , para o �or .

F.J. -- Sim; daí a importância das e le i ç ões de 6 2 . Eu , por

exemplo , participei das e le i ç õe s com e s s a convi cção . Eu e s -

tava conve n c i do de que , ut i l i z ando a tribuna d o Congresso, que

tinha re s s onân c i a naciona l , eu che garia mai s faci lmente a mi

lhões e mi lhõe s de b r as i le i ros . Sempre pen sei que esse pa­

pel do Con gre s s o e ra de c i s i vo para amp l i ar a e s fera de açao

do próprio povo bra s i l e i ro , que ia ficando mais con s c iente da

importân c i a do voto .

A . C . -- O senhor , então , se i denti fi cava rrais com o legislativo

1 ?;; 9
do que com as funções executivas .

F.J. -- P e r f e i t amen te ; sempre fui mai s parlamentarista do

que pre s i den c i a l i s t a . Sempre fui mai s legi s l ativo do que

executivo . E u achava que o Exe c utivo concentrava mui t a for-

ça , de mane i r a que trans formava o regime pre s i den c i a l em uma

espécie de di t adura do Poder Exe cutivo .

A. C. -- Uma di tadura temporár i a .

F.J. -- Temporári a , por s uposto . o que e u q ue r i a e r a limi-

tar e s s a concentração de poder nas maos do pre s i de n te , ou do

gove rnador de e s t ado , ou do pre fe ito de mun i c í pi o . Sempre

dei mui to mai s i mportân c i a aos vereadore s , aos deputados de

Assemb l é i a Le gislativa , aos deputados fe de r ai s e aos senado-

res do que propri amente ao pre s i dente , ao gove rnador e ao p�

fe i to do mun i c í pi o . E s i go pens ando as s im .

A.C. -- Ã me dida que o gove rno , no caso o Jango , radi cali z�

va as suas posi çõe s em favor de uma reforma agrári a , o senhor,

em um certo sen tido , não o acompanhava .

F.J. -- S i m ; e u n ao cri a , tanto q ue chamei a re forma do Jan

go de re forma de b e i r a de rodagem . o q ue o Jango re a lmente

pre tendi a fazer -- e i n s i s to muito neste ponto -- e r a ap l i -

car , no B r as i l , o programa d a Al i an ç a P ar a o Progre s s o , nada

mais do que i s s o . E eu con s i de rava que e s s e programa , a me-

dio prazo , i r i a atender aos ob j e tivos da própria oli garqui a

n a c i on a l e aos intere s s e s do imperi ali smo . P ara mim , isso

con s t i tuí a um peri go para o de senvo lvimento de um proce s s o

demo crát i co autêntico ou revo lucion ári o , como s e q ue i r a cha-

mar , onde houve s s e mais partic ipação de mas s as , onde as mas-


-

s as nao fos sem medi at i z adas .

Meu temor e ra mais do que j us t i ficáve l . Eu tinha qu=

parti r do princípio de que Jan go di z i a : "Nunca serei capaz de


chegar ao socia l i smo " . Ademai s , el e tinha motivos para nao

chegar ao soci a l i smo : e ra um grande proprietário de terras ,

gostava mui to de criar gado e nao e s t ava di sposto a perder

e s s e s privi l é gi o s . Portanto , e le e stava comprometi do mai s

com e s s a c l as s e que dominava o poder do que propri amente com

a que pre tendia parti cipar do pode r , como os campone ses , a

c l asse obre i ra e os se tores mai s pobres da sociedade brasi­

leira . Essa convi cção levou-me , naturalmente , a come çar a

cri ti car duramente a reforma agrária do Jango , a reforma agrá­

r i a que e s tava sendo mob i l i z ada pelo P inhei ro N e to .

A.C. Mas e le que r i a t ambém a reforma da Consti tui ção , ou

não?

F.J. -- � possIve l q ue Jango qui s e s s e a reforma da Cons t i ­

tui ção . Admi to que quise s s e , mas . . .

A . C . -- Mas talve z não para a re forma agrári a .

F . J . -- Admi to que qui sesse a re forma da Cons t i tuiç ão para

te r mai s possibi li dade s de man ipular o problema da terra :

Jango i r i a ter mai s forç a . O problema que e u via n i s s o era

que Jango e s tava tratando de can a l i z ar para o seu partido -­

e nada mai s le gI timo -- , para o P arti do Trabalh i s ta , a mas s a

do e le i torado bras i le i ro . Em sum a , e l e que r i a fort a le ce r o

seu partido . Mas e le tinha limites dentro do seu partido ,

limites que coincidiam , naturalmente , com a sua i de o logi a .

P e rcebi i s s o pe r fei tamente bem e con s i derei que e ra

o momento pe lo menos de denun c i ar a existéncia de s s e fato e

trab alhar no sentido de cri ar uma out r a cons ciénci a , de n ao

alimentar , no povo bras i le i ro , a i lusão de que Jango iria real

mente fazer uma re forma agrár i a capaz de atender às nece s s i ­

dades de 3Q o u 40 mi lhõe s d e camponeses consi derando o chefe

de fam I l i a com os seus fami liare s . Eu achava que e s távamos


tão avan çado s , tão amadurecidos para uma verdade ira re forma

agrária no Bras i l , e ao mesmo tempo tão atras ados nesse ter­

reno , que e ra p reciso avançar rapidamente , a fim de a compa­

nhar a ma�cha da industri ali zaç ão do paí s .

A . C . -- O senhor achava que , no fundo , Jango e stava queren­

do pos s i ve lmente arran j ar novos e l e i tores na área rural para

amp l i ar as bases sociais do Partido Trabalhi s ta .

F . J . -- E xatame n te ; i s so e verdade .

A . C . -- O senhor acha que a campanha de s indi cali z ação se

deu ne sse sentido?

F . J . -- sim; haveri a ma i s controle sobre a mas s a campone s a ,

através do Min i s tério do Trabalho . E u vi a o movimento sindi

c a l bastante contro lado , o chamado fenômeno do pe le gui smo , e

o que e u mais temi a e ra j ustamente que e s s e fenômeno pude s se

se a lastrar e i r até o camp o , me di ati z ando grande mas sas cam

pone s as que necessi tavam de se speradamente da te rra . Esse foi

o meu temor , que e xp l i ca o meu di s tanc i amento para com Jan go.

Comecei a criti car pub l i c amente e s s as posiçõe s do Jango , em

arti gos , em conferências , em debate s , e naturalmente i s so

chegava ao s e u conhe cimento .

A . C . -- I s s o chocou muito o P artido Comunista , na epoca, pois

o partido tinha uma pos i ç ão muito caute lo s a , não?

F . J . -- Muito caute los a . Como e u tinha outras divergências

com o partido , é possível que , por uma questão de compromis­

so com o J an go , o partido mantivesse uma pos i ç ão mais caute­

los a .

A . C . -- O senhor acha que o compromi sso do Jango em te rmos

de sindicali zação se deu mais com a I gre j a do que com o


parti do?

F . J . -- S i m , c l aro .

A . C . -- Como e que o senhor ve e s s a di s tribuição de poder em

Pernambuco , e m te rmos de controle dos sindi cados e tc . ?

F . J . -- Bem , em Pe rnambuco h á uma coisa muito importante .

E r a um e s tado que tinha muito mais autonomia do que outros

e s tados da federação brasileira em rel ação a Jango , ao presl

dente . t p re c i s o con s i de rar que , em Pernambuco , e s tava um

governador que não coin cidia abso l ut amen te com as posições

de Jan g o . E r a u m homem que tinha uma pos tura muito mais avan

çada , muito mai s comprome t i do com os trabalhadores do que o

Jango , não é ? Jango e r a um homem muito mais limi tado . Então ,

Pe rnambuco tinha e s s a caracte r í s t i c a mui to espe c i a l : pos s uí a

um gove rnador muito mais identi ficado com o s trab alhadore s ,

com os campones e s , com as massas mais pobres do e stado . Aí ,

a força de Jango não e r a tão pode ros a .

Ademai s , aí havia amanhe cido o movimento campones ,

havi a uma mob i l i z aç ão de ma ssas muito forte , tanto n a cidade

do Re c i fe quanto n o interior . E se não houve r a i s s o , natu-

ralme n te , Mi gue l Arrais não s e r i a o gove rnado r do e s t ado .

I s so demons tra que P e rnambuco e s t ava , por conseguinte , na

vanguarda do movimento popular no B ras i l . Jango devi a te r

certo re ce i o . Evi dentemente , h o j e j á s e pode di z e r que e le

teria mui tas preocupações com o se u próprio de s tino político

e o de stino polí t i co de Mi gue l Arrai s . Arrais e ra um homem

que e stava cre s ce n do nacion a lmente , e creio que , por i s s o , o

Jango come te u alguns e rros em Pe rnambuco , quando mandou con­

trolar muito as atividades do gove rnador .

A . C . -- Através do Justino Alves Bastos?

F . J . -- Sim; através do comandante do I V E xé r Ci to , o general


Jus tino Alve s , que e r a s e u compadre , seu ami go . Jango , nat�

ralmente , con fiou em que ele controlas se um pouco e s s a s i tu�

ç ão em P e rnamb uco . I s s o e s t ava bem claro , bem evidente . Qu�

ro d i z e r que , em P e rnambuco , o traba lho de �ango não foi tão

e vi dente como em outras parte s do paí s , onde ele tinha mais

pos s i b i l i dades de ne go c i ar com e s s as forç as , com a I gre j a . . .

Ve j a o caso de Minas Gerai s ! E s s e é bem patente .

Já no Rio Grande do Sul , o e x- gove rnador Leone l Bri zola teria

também uma posi ção mai s marcada do que a do Jango . No Rio

Grande do S ul , o controle do B r i z o l a era mais forte . Posso

di ze r , e é curi oso , que a h i s t ória d o Brasi 1 sempre en=trou

n e s s e s do i s e s t ado s , Rio Grande do S ul e Pe rn amb uco , as s uas

vanguardas . Duran te muito tempo , e s ses do i s e s t ados coi n c i -

di ram , a ponto de s e di z e r que um pernambucano é um gaúcho e

pé ; naturalmente , o gaúcho é um pernambucano a cavalo . Havi a

ce rtas coin c i dên c i as .

o gove rnador do Rio Grande do S ul , no meu modo de

pe nsar , e s t ava mui to mai s perto de Arrai s do q ue do :J an g o .

Era mai s fáci l en contrar identi dade entre o trabalho de Bri­

zola e o de Arrais do que entre o de B r i z o l a e o de Jango .

De mane i r a que aí também houve di fi c uldade s , a ponto de o Bri

z o l a entrar em con fli to com o próprio cardeal Vicente Smerer.

Houve um momento em que e le s rompe ram, em que t i veram difi-

culdade s . E s s as d i f i cul dade s contribuí ram �n e!u� o para que

o Bri z o l a me convi das se para ir ao Rio Grande do S ul , fazer

conferênci as , parti ci par de grandes con centraçõe s . Ele Ire deu

muita cobe rtur a . E i s s o quando e r a ainda governador do Rio

Grande do S ul , porque os con f l i to s come ç aram ne s s a época .

A. C . - E e le tentou f a z e r uma re forma agrári a no Rio Grande .

F.J. - E le tentou , e bus cou , �n e!u�o , uma i denti dade , uma

aproximação com as l i gas campone sas . Evi dentemen te , havia


outros problemas , e e r a uma coi s a mais moderada , mas e le te�

tou . Crei o que o Bri z o l a es tava muito mais próximo do movi­

mento camponê s do Nordeste do que o Jan go , e s s a j ustiça nos

temos que lhe faz e r . Então , quero di zer que em Pe rnambuco ,

por e xemp lo , as li gas camponesas , o P ar t i do Comun i s t a , um s�

tor da I gre j a . . . N ão se trata , absol utamente , da I gre j a to­

d a , mas de um setor da I gre j a , que se radi c a l i z o u e que , por

conse guinte , foi arrast ado por e s sas forças tão pode rosas .

Ai e s tão o padre Crespo e o próprio padre Me lo , que,

em principio , i dentifi cou-se muito com as li gas , com o pró­

prio parti do . Somen te depois é que o padre foi mo str ando ,

pouco a pouco , que nao e r a aque le homem que pens ávamos e s tar

tão comprome t i do com o moviment o . Como e u di z i a , era capaz

de dar uma n o cravo e outra na ferradura . Tinh a , por conse-

guinte , uma posi ção que , a principio , mui ta gente não sentiu.

E u senti , porque , q uando vi que e le es tava impugnando muito

as li gas c ampone s a s , tratei de ve r o que e le pensava e aonde

q ueri a che gar . Até que e le che gou ao que che go u , quando Ar­

rais j á e r a gove rnador , de finindo-se de forma b a s t an te cl ara.

E a posi ção que e le tomou foi p re c i s amen te a pos i ç ão de com­

b a te r , de frear o movimento camponê s em P e rnamb uco .

A. C . o senhor acha que , de s de o i n i cio , talve z houve s s e

e s s a intenção d a I gre j a de frear o movimento?

F.J. -- Não ; e s t ou-me re ferindo ao padre Me l o .

A. C . -- E xato , mas o senhor ach a que o padre Melo e ra repr�

sentativo da cúpul a , da e s trutura da I gre j a , ou n ão ?

F.J. -- � t ão di f i c i l de fi n i r a posi ção do padre Me lo ! A

princi p i o , e le pare cia muito mais i denti fi cado com a gente ,

com os que tinham e s t a preocupação de levar a re forma agra-

ria as últimas conseqüê n c i as . Depois é que , pouco a pouco ,

1 �5
fomos percebendo q ue nao e r a , re a lmen te , um homem identi f i ca

do com o movimento camponê s -- não di go i de nt i fi cado de for

ma incondi cion a l , mas de forma conseqüente . Mas i s s o foi de

poi s .

A.C. -- E o padre Cre spo?

F.J. -- O padre Crespo era um homem mais s e reno e v i a o prQ

b lema com muito mais ob j e tivi dade . E s t ava bem mais i de n ti fi

cado com o pensamento da I gre j a de João XXI I I , da I gre j a pOO-

c on c i l i a r , do que o padre Me lo . O padre Cre spo e r a mai s cul

to , uma pe s s o a com quem se podi a di a l o gar com mais t r anqüi ll

dade . Eu, p o r e xe mplo , tinha muito mai s faci l i dade de me

i denti fi c ar com o p a dre Crespo do que com o padre Me lo , ape-

sar de o p adre Me lo parecer muito mai s ace l e rado do que o p�

dre Cre s po . Eu gostava mais das po s i ções do padre Crespo ,

da forma como e l e condu z i a o prob lema . Creio que o padre Cre.§.

po e s tava dentro do pensamento da verdade i ra I gre j a pós-con-

c i l i ar .

A.C. --
O senhor nao teve nenhuma di f i c u l dade em s e re lacio

nar com e s s a s forças d a I gre j a que procuravam trabalhar os

s in di catos do mundo agrár i o ?

A.F. -- Não; nao ho uve di f i c u l dade s , ab s o l utamen te , mesmo

com o P ar t i do Comun i s ta . Na fase da grande mob i l i z ação , a

l i ga campone s a tinha às ve zes certos atrito s , ou me lhor , al-

guns companhei ros da l i ga tinham certos atritos . A l guns ha-

v i am s i do membros do P artido Comun i s t a e de le tinham s a í do ,

por conse guin te , tinham uma pos t ura um tanto p e s s o a l em re-


-

lação a outros companheiros do partido . Mas e u , nao ; sempre

parti do p r i n c í p i o de que tínhamos que dia logar , tínhamos que

e liminar as di ferenças p ara poder conduz i r o movimento a d i an

te .
A . C . -- E naque las áreas onde ho uve atritos entre os ��

das l i gas e os membros dos s indi c ato s ?

F . J . -- S im ; houve mui tos atritos . E u , naturalmente , trat�

va de i n te rferir no sentido de s uperar e s s e s atritos . Muitas

ve zes compare ci , pre ci s amen te , para buscar um diálogo , supe­

rar o atrito , porque eu con s i de rava que o part i do não era,

ab so lutamente , um in imi go , nem a I gre j a , depois q ue e l a co­

me çou a tomar uma pos i ç ão em favor dos campone ses .

A . C . -- Mas havi a uma luta mui to acirrada pelo controle da

organ i z ação .

F . J . -- S i m ; havi a uma luta aci rrada .

A . C . -- E o senhor achava i s s o bené fi co ou malé fico?

F . J . -- Foi prevendo e s s as l utas que , imedi atamente depois

de de cre tada a s indi cali zação , tratei de fundar s in di c atos .

Fundei s indi catos em toda a zona canavi e i ra , 36 sindi catos

que foram fundados e aprovados pe lo Min i s téri o do Trabalho .

Contratamos v ár i as pessoas para trab a lhar n i s so , porque era

uma burocracia tremenda . E u i a com freqüênci a ao Rio de Ja-

n e i ro , e acabei fundando re almente os s indi catos . P re vendo

a possibi lidade de atritos , fundei os s indi catos .

N ão obstante , o partido , de um l ado , e as l i gas cam

ponesas , de outro lado , quer di ze r , alguns quadros , a l gun s

e lementos que participavam das l i gas , os condutores das li-

gas pass aram a chamar e s s e s s indi cato s d e " s indi catos das l i

gas " , querendo com i s s o dize r que s e tra tava de um sindi cato

mai s radica li z ado , mais conseqüente , que n ao ace i t ava ab sol u

tamente a in te r fe rê n cia de e lementos que i ri am fre ar o traba

lho da s i n di ca l i z aç ão rura l .

A . C . -- Quais e ram os mais representativos de sses 36 s in di -

di catos que o senhor fundou?


F.J. Em toda a zona canavi e i r a , em qualquer mun i c ípio que

voce va , em Pe rnambuco , voce encontra os sindi catos . Qual-

quer sindi cato que e s te j a aí funci onando foi fundado por nos .

Agora , é claro que , dentro des s e s s indi catos , se deram todas

essas lutas .

A . C . -- Mui tos foram cri ados pe la I gre j a .

F . J . -- A I gre j a criou a l guns s indi catos ; criou vários sin

di catos .

A.C. -- O de J abo atão foi cri ado pe l as l i gas ou pe la Igreja?

F . J . -- t p re cis o dei xar e s s a co i s a bem es clare c i d a .

A . C . -- Sim ; e um aspecto muito comp l exo .

F . J . -- Muito complexo . Have r i a que bus c ar no Mini stério

do Trabalho -- e esses processos devem e xi s t i r -- quais fo­

ram os s indi catos fundados pe l a I gre j a e fundados pe las li-

gas . Então , vai -s e ver e s s a coi s a curi osa : a quase-tota l i d�

de dos sindi c atos fundados n a zona canavi e i ra o foram por inl

ciativa das li gas . Nós e que proce s s amos tudo , fi zemos todos

os trabalhos . Tive que comprar uma máquina com o carri l bas

tante grande , para poder me te r aí as folhas . Ti nh a uma série

de fun c i onários t rabalhando e xcl usi vamente ne s s a tare fa , e

que conhe c i am e dominavam perfe i t amente bem e s s a b urocracia

do s indicali smo .

Agora , n ao obs tante os s i n di c atos haverem s i do fun­

dados em grande parte pe las l i gas , n e le s entrou a Igre j a , en

trou o parti do -- e funcion avam aí dentro . As di re torias se

divi di am : às ve z e s ne l a predominavam e lementos do P artido Co

mun i s ta , ou e lementos da l i ga , ou da I gre j a . Então s e deu o

con fl i to , que e u tratava de harmoni zar .

A.C. -- O parti do e r a muito forte na zona do s ul , não?


F . J . -- S i m ; aí e le e ra muito forte , como em P a lmare s , por

e xemp lo . Mas o s indi cato de P almares foi fundado pe l a l i ga .

A.C. -- t fasci nante e s se aspecto .

F . J . -- S i m ; foi fundado pe la l i ga . Tornou-se muito forte ,

porque , aí , concentrou-se o Gregório . Gregório Be z e rra foi

cortador de cana , e r a um exce lente orado r , homem ativo , tra-

balhado r ativo , s é ri o . E le aí se concentrou mui to , e póde

in fluir bas tante , porque tran s fe r i u a s ua re s i dência para Pa!

mare s . Aí viveu e aí foi preso . . .

A . C . -- E i s so criou problemas para e le , com a cúpula do

partido , ou não?

F.J. -- Não ; nao cre io que ha j a cri ado . Gregório e r a um ho

mem muito discip linado .

A . C . -- t curi oso i s s o , não? O parti do dava ên fase ao tra­

balhador rural , ao proletário rural , na sua i de o logi a , mas

o Gregóri o , na verdade , sendo um homem muito próximo da exp�

riência campone s a , fe z e s s a síntese quase impos s í ve l entre a

i deologia do partido e a sua e xpe riência de vida .

F.J. Creio que e xi stem , naturalmente , a l gumas contradi-

çoes que o Gregório e limin ava , por um problema de d i s c i p l i n &

O Gregório home m , que tem e s s a vivênci a , e s s a e xperiênci a , é

um; e o Gregório membro do Parti do é outro . Quando e le fala

de sua experiênci a , parece. um homem de satado , um homem solto.

Mas quando entra no e squema do partido , então o Gregório se

fecha mai s e toma , às ve ze s , posi çõe s que nao correspondem às

do outro Gregóri o . H á e sse con fl i to . Quem sabe , um dia, q�

do e l e e s c re ve r as s uas memórias -- di zem que e le e s tá e l abo

rando ou que j á e laborou suas memór i as -- , pode ser que esse

con f lito se so lucione em favor do Gregório mais identi fi cado


com o campones , com o cortador de can a , com o trabalhado r , do

que o Gregório d i s c i pl i n ado pelo part i do , q ue come teu a l guns

e rros . o Gregório j á foi sta l ini sta . Depoi s , e le se abriu

e tomou uma posi ção contrári a ao stalini smo . Cre io que i sso

criou a l guns problemas , � n c l u� o para o próprio Gregóri o .

A.C. Mas é ine gável que , no último ano antes da revolu-


-

çao , no decorre r de 6 3 , e ta lve z mesmo ante s , a part i r de 6 2 ,

o P arti do Comun i s t a ganhou terreno em Pernambuco . E le , que

p rati camente inexi s t i a em 1 9 6 1 , con s e gu i u ganhar um controle

enorme sobre os s in d icatos .

F. J . S i m ; o partido encontrou todo um caldo de cultura ;

todo um c lima preparado para poder se desenvolve r , sobretudo

n e s s a z on a , onde o campones j á e stava muito sensib i l i zado .

Ademais , o partido apoiou também a candidatura de Mi gue l Ar-

rai s , não devemos e sque cer di s s o . o part i do também b us cou

uma re l ação próxima com a I gre j a . o p ar ti do n ao tinha atri-

tos com Jango : entre e l e s havi a uma re l ação mai s ou menos

amistos a . C laro , um tratava de e n go l i r o outro .

Evidenteme n te , dentro dos sindi catos , havi a uma lu-

ta fe ro z entre os e lementos do P arti do Trabalhi s ta , j an gui s-

tas , e os e lementos do P artido Comuni sta . o J an go levava sem-

pre vantagem , porque e s tava no pode r , dispunha de mai s recur

sos e , n aturalme n te , tinha mai s pos s i b li dades de manipular

a c l asse obre i ra . Mas , em Pernambuco , por e xemplo , se deu

e s s a coi s a . o partido não tinha di fi culdades de re laciona-

mento com o J an go ou com a I gre j a . Eu tinha mai s di fi culda-

des , porque tinha uma pos i ç ão mais radi cal , mais avançada .

Cons i de ro que as l i gas foram mais conseqüente s , e

com e s t a grande desvantagem : e ram um movimento e nao um par-

t i do , e , como movimento , muito mai s suj e i t as a i n fi ltração do

parti do , da I gre j a e de e lementos se ctários , que cri avam

Is o
problemas , como a invasão de terras . Por conseguinte , o mo-

vimento , que devi a se ter trans formado em um partido para P2

der adqui r i r mais d i s c i p l i n a e controlar melhor o trabalho

do campo , o trabalho das l i gas , o movimento s o freu re a lmente

e s s a penetração , e i s s o e xp l i ca o s e u de s censo .

A. C. -- O de s ce n s o , enquanto movimen to , nao sei ; enquanto

organ i z ação , e u concordari a , mas não enquanto movimento . Na

verdade , ho uve uma gene r a l i z ação do movi mento .

F.J. -- Sim ; c l aro , enquanto organ i z a ç ão . A l i ga , por con-

s e guinte -- e por i s s o é que e u d i s s e que a l i g a e ra mã� do

s indi cato , como foi mãe de mui ta coi s a -- , acolheu dentro de

s i m u i t a gente . Uns tinham inte resse em limitar o s seus pa�

sos ; outro s , o interesse em radi c a l i z ar e s e ctari z a r mai s os

s e us p a s s o s . Então , deu-se den t ro da l i g a toda e s s a luta .

A. C . Quer di z e r q ue o senhor , no fundo , perd i a c ad a ve z

m a i s tempo para tentar . . .

FINAL DA F ITA 6-A

F.J. -- De pass agem , antes que eu me e sque ç a , j á que fala­

mos tanto nes s a coi s a do movi mento campones , e u queria re l a­

t a r algo que con s i dero muito importante para anali $ ar bem e�

se fenômeno . A l i ga c ampone s a não tinha pro fundidade ; tinha

m a i s hori z on t a l i dade . Por se tratar de um movime n t o , e n ao

de um partido , e l a não i a amarrando o s adeptos , de forma que

e le s pude s s e m ter uma di s c i p l i n a . A l i g a c ampon e s a tratava

de sensibi l i zar , de tal sorte que , quando eu che gava, ]X)r exem­

plo , no interior da P a raí b a , e, depoi s , no i n te r i or do Rio

Grande do Norte . . . Fundei l i gas l á e m M o s s oró e j á e s tava e�

trando através do Ceará , através do vale do Jaguaribe , porque

15 I
havi a , naturalmente , um movime nto no Norte , controlado pe la

I gre j a e pelo partido . . .

A.C. - Aonde ?

F.J. N o norte do Ce a r á . Então , come ce i a entrar por den

tro , pelo s u l . E u di s s e : "Vou entrando por dentro , pelo in-

terior ; não venho da capi tal , n ão " . Então , no Pi auí , no fun

do do P i a uí , me cont avam al gumas pes soas , que participavarn de

campanhas políti cas , deputados e t c . . . Aí e s t á o depoimento

do deputado Cli danor Fre i t a s , que foi da Frente Parlamentar

e também o re la tor da Comis são de Inquérito que andou por tQ

do o Norde s te , inve s t i gando e s s e fenômeno chamado li gas cam­

pone s a s . Ne s s a época pre stei depoimento na Câmara Fede r a l ,

como deputado e s tadual ; fa lou o padre Me lo ; falaram todos os

grandes l ati fundiários e terratenente s ; ou , então , o coman-

dante do IV E xé r ci t o , o Costa e S i l va . É intere s s ante que

você ve j a i s s o n a Câmara .

A.C. - Em que ano foi ?

F.J. - I s s o foi em 1 9 6 1 . E u e s t ava ainda como deputado e s

tadual . Foram a Pe rnambuco , falar com Franci s co Fal cão . To

maram o te s temunho de gente de todas as camadas s oci ai s , na

P araíba , no Cear á . E s s a comi s s ão vi a j o u por todo o Nordeste .

Foi muito intere s s ante o trabalho da comi s s ão , cujo re l ator

foi C l i danor Fre i tas . E s se é um homem q ue também podi a ser


e s c utado . E le e s tá muito ri co , ho j e , l â no P i auí . É um me­

dico muito importante , e s t á muito bem de vi da . E s t ava t�

e s te menino , Andrade Lima Fi lho , por Pernamb uco ; e s tava tam­

bém Neiva Moreira ; havi a um grupo de deputados . A comi s s ão

chegava na Assemb lé i a Le gi s l at i va de um e s tado , aí se ins ta­

lava e começava a tomar testemunhos .

E u invoco i s s o porque al guns de les me re feriam q ue ,

/5 2
no interior do Ceará e do P i auí , onde e u ainda nao tinha po�

s ibi l i dade s de chegar , quando , por e xemplo , se come t i a uma

arbitrarie dade contra o camponê s , e l e di z i a : " Não tem impor-

tânci a , não . A l i ga vem por aí . Um di a , e l a chegará aqui

tambêm" . E ra uma e speran ç a . I s s o ê mui to importante para

mostrar que j á h avi a uma grande mas s a de campone ses sensibi-

l i z ados . o movimento da l i ga foi importante porque criou t o

d a um a con s c i ên c i a , sensibi l i zou mas sas de toda parte d o N o r

de ste . Quero s a lientar i s s o para mostrar que o movillEnto e r a

muito maior n e s s e s e n t i do do que como organ i z ação . Como or-

gan i zação , e ra muito f á ci l de e l e ser penetrado e até de s-

truí do . Por i s s o é que não foi di f í ci l .

A.C. -- N e s se p a r t i c ul ar , e u pedi r i a ao senhor para f a l ar

sobre a i n f luên cia das forças intern a c i onais sobre a popul a­

ridade do movimen to , que e um aspe cto importante , ao qual o

senhor se re fer i u ontem .

F.J. -- S im ; o movimento cre s ce u ma is nesse s e n t i do , n ao é ?

A gente tem q ue con s i derar que o fenômeno cubano também con­

corre u para que o movimento s a í s s e da pági n a po l i c i a l para a

p á gi n a intern a c i on a l . Tinha havido uma revolução agrári a ,

que acabou cri ando um problema com os E s tados Unidos . Havi a

a fi gura de Cas t ro , dos demais l í de re s e t c . E coin c i di u que,

quando se de u a revo lução , o movimen to camponês j á e xi s ti a .

J á es tava marchando muito antes da vi tóri a da re vo l ução . Na

tur a lmen te , s e tores d a burgue s i a internacional come ç aram a

se pre o cupar com a h i p ó te s e de s urgir um outro p a í s ou uma

outra região contestando ou impugnando as teses do impe ria­

l i smo .

Todo o mundo s ab e que a A l i an ç a Para o Progresso foi

a re sposta que John Kennedy deu à Revo lução Cuban a . E come

ç aram a che ga r j ornali s t as , televisão e tc . , no Nordeste , . para

/5 3
ve r e s s e fenômeno . Não d i go que foi coin c i dênci a . N ã o foi

coi n c i dên ci a , e s s a co i s a foi i n tencional . Em verdade , trat�

ram de dar ao movimento uma dimensão que e l e não tinha . P ara

falar com toda a honesti dade , não havia e s s a dimen s ão . Mas

de repente , por toda a América Latina , em qualquer parte em

que e u i a , Uruguai , Chi le ou P e r u , em qualquer país da Améri

ca Lati n a , e u encontrava re fe rê n c i a s ao movimento das l i gas

campone s as , encontrava gente curi o s a por saber qual e r a a

proporção de s se movime n to , como es tava s e de senvol vendo .

Criou-se toda uma mitologia em torno da l i ga , e con

s i dero que e s s e trabalho foi muito bem pensado pe lo imperia-

l i smo . o impe ri ali smo denun c i ou o peri go de uma nova Cub a ,

o u o pe ri go de um movime n to agrário que pude s s e desembocar em

uma revo l ução vi o lenta . As s i m , tratou de ame dontrar toda a

oli garqui a nacion a l , toda a burgue s i a do Bra s i l , a p a r t i r do

momento em que os con f l i tos s o c i a i s come çaram a se a�ar mu�

to em todo o pa í s , sobretudo no Norde s t e , com o apare cimento

de um go verno como o de Mi gue l Arrais -- um gove rno evi dente

mente anti impe r i a li s t a , um governo nacion a l i s t a .

Um di a , quando se puder ava l i ar a e xat a dimens ão do

movimento das l i gas , se vera que foi um movimento que adqui­

ri u uma grande hori zon t a l i dade , uma grande importân c i a em

sensibi l i z ar as mass as , não em organ i z á- l as . E u di s s e ao

Cal ado : "Agitar é fác i l ; organ i zar é que e o problema " . E

pre c i s amente nesse momento em que se ini ciou a i n f i l t r ação

mai s forte e o movimen to começo u a ser tragado por den tro ,

e u e s t ava tratando de organ i z ar . Eu via que , se e u nao me

organ i z a s s e , a linha que a l i ga adotava -- uma l i nha autôno­

ma , de impe dir que o campones pude s s e ser control ado e medi a

t i z ado i r i a sendo , pouco a pouco , dest ruí da . Havi a forças

pode rosas e bem organ i za das trabalhando nesse s e n t i do , para

me diati zar , para conter e s s e movime n to q ue e s tava cres cendo

I S -4
no senti do hor i z onta l , no sentido de sensibi l i zação de mas­

s as , mas não de organ i z aç ão .

A . C . -- N e s s e sentido é que penso que o senhor foi sempre

muito so no proce s s o polí t i co , porque , no fundo , foi o pri­

me i ro a pen s a r n a organ i z ação campone sa corno urna poss ibi l i d�

de ; foi o prime i ro a tentar organ i z ar e a sensib i l i z ar , in­

clusive as camadas urbanas , para uma possibi l i dade de re for

ma agrári a . Em te rmos de l i de rança n acion a l , acho que o se-

nhor foi o prime i ro a fazer i s s o . Finalmente , se o lh armos

atentamen te para o ano de 6 3 , que é um ano de c i s i vo , vamos

ver mui t as forças políti cas atuan do , mas nenhuma de las e xata

mente na pos i ção em que o senhor ta lve z gostar i a que e s t i ve s

sem .

F . J . -- Bem , procure i s e r conseqüente . É pos s íve l que o no�

so movime n to n ão e s ti ve s s e ab sol utamente preparado para i s so .

Agora , e ra curioso , porque , ab sol utame n te , n un c a e s timulei as

invasões de terra . Todas as invasõe s de terra que ocorre ram

em Pe rnambuco foram conseqüên ci a do se ctari smo e do aventu­

re i ri smo de muitos companhei ros que trabalhavam na l i g a , ou

que ne la se i n f i l t ravam para disputar l i deran ç a . N un c a tra­

tei de disputar lideran ç a , porque e s s a coi s a n ão se disput a .

Um líde r , c re i o , é uma pe ssoa que s urge de um proce s s o , e co

mo que a cristali z ação de um proce s so . É c l aro que e le deve

reun i r certas condições -- sensibi l i dade , i denti dade -- , mas

cons i dero que s e j a sempre a cri sta l i zação de um proce s s o .

A . C . -- P ro ce s s o que e le também contribui para cristal i za r .

F . J . -- S i m ; por i s so di go que e le deve re un i r ce rtas condi

çoe s . E s s as condi çõe s , eu as t i nh a , e e r a fáci l de ooservar .

P ri me i ro , porque vivi no campo , i denti fiquei-me muito com os

camponeses e senti o s e u sofriment o . Tenho raízes : o roman-

ti smo do meu avô , o comportamento do me u pai , a vergonha que

I ss
e u tinh a , quando i a para a e s co l a e o me u companhe i ro de br�
-

cadei ras n ao i a , tudo i s so me afetava mui to . Ademais , e u t i

nha ti do contato com as i déi a s revo lucionárias e havia a cir

cun s tân c i a de eu ter assumi do um compromi sso comi go mesmo de

de fende r , como advogado , e s s a caus a .

A . C . -- H avi a muito de advogado em seu enga j amento .

F . J . -- S i m ; havi a muito . É cl aro que , com o tempo , vai-se

amadurecendo , adqui rindo outros inst rumentos . Foi o caso ,

por e xemp lo , de e u uti l i za r a poe s i a pop ular , os vi ol ei ros e

até a B íb li a , porque vi que o camponês e r a mí s ti co . É prec�

so também não e s que cer que venho de uma famí l i a cató l i c a .

A.C. -- E o senhor e cat ó l i co?

F . J . -- N ão d i go que se j a , porque realmen te rompi com o ca-

tol i ci smo quando tinha 1 8 anos e des cobri a e xi s tênci a do ma

ter i a l i s mo h i stórico , pas san do a ler e s s as coi sas todas . Mas,

no fundo de todo in di ví duo q ue , durante toda a s ua i n fánci a ,

foi marcado por dete rminada re l i gi ão , f i c a uma essênci a , fi-

cam certas ressonán c i as , di gamos , mí s ti c as . Vou dar um· e xem

p lo , embora eu não e s te j a certo de que e s s e é o momento de

di z e r uma coi s a como e s s a , p re s t an do um depoimento . Talve z

fos se mai s inte re s s ante para umas memóri as bem e l aboradas ,

e s critas com mui to cui dado .

Gosto de i r às i gre j as , e uma coi s a que me encanta

e um temp lo , s obre tudo um templo bonito e bem organ i z ado .

Gosto de vê- lo . o incenso me agrada , o orgao me agrada , so-

bretudo a mús i c a -- não a músi ca que há a l gum tempo se us a ,

a mús i c a modern a . Sou um homem que se sensib i l i z a muito qua!:!.

do e s cut a , por e xemp lo , o barroco , e mais que o barrccc , qua!:!.

do e s cuta a grande mús i c a que a I gre j a cri o u , naturalmente p�

r a levar a um grau extremo o mi sti ci smo de seus participantes .


/56
� a grande mús i c a do coro de vozes , que ainda hoj e , quando

se can t a , é urna maravi lha , com as vo zes bem afinadas . Como

se chama? Às ve z e s me ocorre o nome , mas agora me es capou.

Então , e x i s te e s s a coi s a , e também a preocupação de nunca en-

trar em choque com uma I gre j a que tem a con s ciênci a mística

do povo em s uas maos . I s s o e muito impo rtante , e eu re spe i-

to .

A,C. -- O senhor nao re j e i t a e s s a re l i gi o s i d ade popular

não digo a crendice - , como urna coi s a vergonhosa?

F . J. -- Não , nao ; ab s o l utamen te .

A. C. -- Ao contrári o , o senhor a cha que é um potencial que

merece respe i to c consideração , e que de ve se r ass imi l ado?

Nesse s e n ti do , o senhor s e ri a um marxi sta mui to parti cul a r ,

um marxi s t a-human i s t a .

F.J. -- B om , nao entendo o marxi smo , n e m o cato l i ci smo , nem

o cri s t i an i smo fora do humani smo . Entendo q ue tudo está em

função do homem . P a r a mim , o h omem é o centro de tudo . E

creio que e s te e r a o pen s amento de Cristo . Cri s to tratou de

trans formar o homem em carne viva . Cri s to central i z ou e se

s a cri fi cou pe lo h omem . A forma como Cri s to se sa cri ficou e

se condp z i u , durante todo o seu curto proce s s o de contaDo cem

o homem , foi nesse s e n t i do de dar- lhe digni dade . � urna coi-

sa que a gen te observa no c ri s t i ani smo . � cl aro que i s so de

se haver desviado e de t e r tomado . . .

A.C. -- O senhor , ao contrário de muitos da s ua geração , não

ade riu ao marxi smo rene gando totalmente as s uas origens re l i

giosas . N ão di go n o senti do de cren ç a , mas re fi ro-me à cir­

cunstân c i a de que no fundo , o senhor não é um ant i c atõ l i co .

F.J. -- Não , não . Ab s o l utamente , não sou um anti cató l i co .


Acho que você deve ri a di z e r ant i c ris tão . Depois do 11 Vati

cano , usa-se d i z e r que e xi s te o cris tão e o não-cri stão , q�

do se que r re fe rir a outras re l i gi õe s , ou aos ateus , aos ma­

teri a l i s tas . Mas si nto uma grande s impatia e sempre fui ca­

paz de dial ogar com qualquer b i s po , ainda que e le se compor­

tasse de mane i r a áspera comi go . Eu ente n di a que , mui tas ve­

zes , e le e s t ava em uma p o s i ç ão equivocad a , em uma pos i ç ão

s e ctári a , dentro de um c a s ul o . Não sendo cap a z de rompe r e�

se casulo , e le pe rdi a a identi dade com o próprio c ri s t i an i s ­

mo de C ri s t o . Então , e u via que e r a pos s í ve l o diál ogo . E,

por i s so , sempre pensei na possib i l i dade do di álogo entre

cristãos e marxi s t as . Sempre cri n e s s a p o s s ib i l i dade . E o

meu acercamen to , por e xemp l o , com o padre L a j e veio dis so .

Quando o padre L a j e pub l i co u um arti go em que admi t i a o di á-

logo entre cri s t ãos e marxi s t a s , fui ime di atamente a Minas

Ge rais e me i denti fique i com e le .

A.C. -- t curi o s o , porque o senhor precedeu a todas aque las

i dé i as dos marxi s t as france s e s , como Garaudi e outros , que

pro curaram b us car o caminho de um h umanismo marxi s t a , de um

marxi s mo que não fos se i n compatíve l com o c ri s t i anismo .

F.J. -- Basta di z e r o se guinte : quando ho uve os prime i ros

pronunci amentos do 11 Vati cano , de João XXI I I , e acabava-se

de pub l i car a M ate4 et m a g �h t e 4 , eu proclamei , em dis curs o ,

na l i ga de S an t a Ri t a : " João XXI I I é um papa camponê s " . Isso

s a i u em manch e te , em vários periódi cos : " J o ão XXI I I , papa Ci3!!!

ponê s , declara fulano , em uma concentração em S an t a Rita , n a

P araíba" . Sempre adotei e s s a p o s i ç ão .

A. C . -- E por i s s o as s uas re l ações com o P a r t i do Comuni s t a

deviam s e r muito comple xas . N ão s e i s e di f í ce i s , mas , e m t�

do o ca so , complexas , porque h avi a aque l a afini dade ideológica

/5 8
de um mar�i smo comum e , por outro lado , havia no senhor uma

certa re cusa daque l a organ i z ação s i s temática do partido , da

organ i z ação quase q ue ce lular , dispiplinada . Evidentemente ,

i s so deve t e r criado um problema muito concreto n a prát i c a

polí t i c a .

F.J. -- C l aro ; e u tinha muitos problemas r e l aci onados com

os métodos , com a metodo l o gi a . Sempre fui muito f le xí ve l , e ,

por caus a des s a grande f l e xib i l idade , tornava-se d i f í ci l , por

e xemplo . . . Tratava-se de uma fle xi b i l i dade em que e u nunca

perdi a de vi sta os obj e tivos , o hori zonte , a conseqüên c i a , o

resultado onde se queria che gar . Às ve zes , i s so cri ava-me

certas di fi culdades para as re lações com o partido , com Mi­

guel Arrai s , com o J an go . Ape s ar de ser f le xí ve l , eu tinha

metas , tinha ob j e ti vos , e daí advinham as di fi culdades .

A. C . -- O senho r , nesse sentido , era b a s t ante rí gido , quan­

to aos seus propós i tos finai s .

F.J. -- Quanto aos propós i tos , e u e ra ab s o l utamen te i n vu lne

ráve l . N un c a admiti , e nao vou j amais fazê- l o , que e s s es pr9.

pósi tos se j am afe tados . Os princípios s ão s agrados .

A. C. -- Eu que ria sab e r i s s o do senhor , porque , a po/.,;te!tÁ.o!tÁ.,

as co i s as sempre fi cam mais claras , mas , na epoca , pode r i a

parecer que a s ua pos i ç ão tornava o governo Arrai s mais frá-

gi l . Di gamos que o senhor tive s s e dado a e l e um apoio mais

de c i s i vo . Olhando as coi s as no momento em que o corre r am , p9.

de -se ter a impres s ao de que a s ua re cus a em parti cipar de

uma maneira mais total de ssas composições que havi a -- fosse

o governo Arrai s , fosse o Jango , fosse a Frente de Mob i l i za­

çao -- e que pode r i am eventualmente es tar mais próximas ao

senhor , i s s o pude s s e ter criado mais uma frente . Não s e i se

f i c a c l ara a minha pre ocupaç ão .


/ S9
F.J. - Sim. o problema é o s e guinte : sempre trate i de in-

corporar a mas s a campon e s a ao proce s s o de desenvolvimento da

democracia b r as i le i ra . I s s o e r a a minha me t a , o meu ob j e ti-

vo , que eu nunca pe r d i a de vi s t a . Quando e u vi a qual quer cai

s a que pude s s e a fe t ar e s s e ob j e ti vo , c o l o c á- l o em segundo pla-

no , é c l aro que e u me tornava di f í c i l .

A. C . - I n t ran s i gente , me smo .

F.J. - Sim; e u pode r i a d i z e r intran s i gente . Eu nao poderia

tran s i gi r com urn a coi s a que havia absorvido durante toda a

minha vida . E u e s tava conven cido da i n j us t i ç a de não se in-

corporar toda e s s a i me n s a mas s a , embora muito tardiamente, j á

que o campones e urna vítima de sé culos e séculos . Enquanto

a c l asse obre i r a j á e s t ava s in di ca l i z ada , j á tinha urna s é r i e

de di re i tos , j á e s tava sendo benefi ci ada por toda urna l e gi s -

l ação trab a lh i s t a desde 1 9 30 o u 32 , o camponê s s ó foi adqui-

rir o d i re i t o ao s al ár i o mínimo . . .

E s te s a l ár i o mínimo nunca lhe foi pago , a não ser

em P e rnambuco , durante o último ano do governo de Arrai s , e

somente ao camponês que cortava a cana somente em P e rn am-

buco e em uma parte da Paraíba - , porque se come çou a le van

tar urna greve n as us inas . Mas Vargas de cre to u o s a l á r i o mí-

nimo para o camponês no dia 19 de mai o de 19 4 3 . s ão datas de

que nao e s q ue ç o , porque e u e s tava preocupado com que o s a lá-

rio mínimo che gasse t ambém ao campone s . E n un c a lhe foi pa-

go .

A.C. - C l aro . Foi n a Con s o l i d a ç ão das Le i s do Traba lho .

F.J. - Sim ; portan t o , 20 anos depoi s , em 1 9 6 3 , e que se p�

gou o s a lário mínimo ao camponês , em Pernamb uc o .

A.C. - Quando o senhor pensou em ut i l i z ar o C ô d� g o

/{, o
deve ter pes ado a sua expe riên c i a de ter vi sto que a l e gi s l�

ção s o c i a l não era s ufi c i ente para impor a ap l i cação de uma

medi da .

F.J. - C l aro . Era pre c i so , portanto , e m prime i ro lugar ,

quebrar a força do lati fúndi o , fa zendo uma revolução democrá

tica no camp o . E e u v i que a úni c a forma de quebrar e s s a for

ça era uti l i z ando um ins trumento da própri a burgue s i a , o Có ­

di g o ,,-ivi.€. .

A.C. - O s e u grande propós i to era o de i n corporar o campe­

s i n ato à vi da polí t i c a .

F.J. - E xatamente . Toda ve z que e u senti a que e s se ou a=[U�

le governo , e s s e o u aque le p artido , e s s a ou aq ue l a organ i z a­

ção tratava de l i m i t ar os meus passos n e s s e s e n t i do , e u nao

entrava ab s o l utamente em confabulação . E u con s i de rava que ,

se e u ace rtasse , e s t ari a traindo a minha próp r i a caus a , que

era a causa dos c ampone ses . E u con fundi a todo o me u t r aba-

lho com e s s a tragé d i a do camponês . I s s o me afe tava .

A.C. - Como foi e s s a greve de 6 3 , em Pernambuco? F o i por

aumento de s a lári o s ?

F.J. - S i m , por aume n to de s a l ár i os . N e s s a greve , os cam­

pone s e s , as l i gas , os s i n di catos , todos compuse ram uma ve r­

dade i ra f re n te . Ne s s e moment o , e s t avam to �os de acordo , não

h ouve ab solutame nte nenhuma dis cordànc i a . Era incorporar as

massas campone s as a legis l ação trabalh i s t a . S implesmen te �

rí amos que o h omem do c ampo , o trabalhador do c ampo , o camp�

ne s , o cortador de can a , o p l antador de cana e a gente das

usinas , todos tivessem os mesmos direitos que tinha a c l asse

ope rári a , porque a legis lação j á permi t i a .

A. C. - Mas o Arrais es tava ap l i c ando , através das tabe las ,


uma série de me di das .

F.J. -- Não ; o Arrai s come çou a ap l i c á- l a s , mas encontrou

mui ta resisténcia . Então , toda a mas s a se con gre gou , todos

os sindi catos e li gas se re uni ram em torno do gove rnador . E

o gove rnador a ce i tou o que e r a j us t o , quer di ze r , patroci-

nou a greve .

A.C. -- E, logo depo i s , ho uve uma greve por aumentos?

F .J. -- Não , n ao . Na greve , re i vi n di c ava-se um aumento de

s a lári o , o repouso seman a l remunerado , fé r i as e o décimo-ter

ce i ro . A greve englobou tudo . De um d i a para o outro , qu�

do o min i s tro do T rabalho, Amauri S i lva , chegou a P e rnambuco

para so lucionar a greve , houve os entendimentos e todos es-

tavam a l i : a l i ga , o s s i n di catos , os part i dos , Arra is . Esta

vam todos re un i dos . Nesse momento , a frente er a comp leta e

ab s o l ut a , não havi a nenhuma dis crepânc i a . Na liga , i n c lusi

ve , di s cut i u- s e muito os problemas do p l antador de c an a , do

q ue me ti a o rebolo de cana dentro do buraco , do que cortava .. .

Eram de talhes que cust aram muito a entrar e m d i s c us s ão , por-

que era pre c i s o dis t i n guir o s alário de ste e daque le e t c .

Mas foram de talhes .

E ram 2 0 0 mi l camponeses em greve , e havi a pique te s

bem organ i z ados . o movimento realmente foi b e l í s s i mo . P ara

ram-se todas as atividades das us inas , de tal forma que se

proi b i u até que se co rtasse o capim para dar ao cavalo do usi

n e i ro , o s e u cavalo de pre ferên ci a , aque le no qual passe ava .

Até i s s o se proib i u : " N ão , o cavalo tem que pas s a r fome , co-

mo nós es tamos pass ando" . Gre ve muito bem organ i z ada , com

os pique tes armados com s uas foi ces e tudo i s s o . Não se fa-

z i a n a da ; imob i l i zou-se a vi da e conômica do e s t ado . o Amau-

ri ve i o , deu 8 0 % de aumento , todas as coi s a s que os campone-

ses q ue ri am : s a lário mínimo , repouso semanal remunerado . . .

/ 6 2.
Tudo o que a clas se obrei ra tinha , tinha o campones , e com

uma vant agem: é que a c lasse obreira era mais fáci l de ser

burlad a , e o campones , como tinha uma dimensão política . . .

o campones e capaz de dar um sa lto daqui para ali

e , quando e le se e s c larece , e capaz de i r ãs últimas conse-

qüências . Então , o camponês z e l ava cuidadosamen te para que

se lhe pagasse tudo . Usine i ro não fal tava , nin guém faltava .

As sim , o campone s passou a re ceber mais do que o ob re i ro na

cidade , porque , n a ci dade , o obre i ro re ceb i a s a l ário minino e

pass ava a te r uma pos i ç ão muito infe rior à do c amponê s , em

re l ação a outras parte s da l e gi s l ação trabalhi sta . O Amauri ,

que e s t ava ansioso para solucionar o problema , disse essa

frase , que é h i s tóri c a : " E s s a greve aqui de 200 mi l campone­

ses é muito mais importante do que uma greve de 800 mil ou

um mi lhão de me talúrgi cos em são P aul o , porque i s so , agora ,

vai de sencadear um movimento , em todo o paí s , em defesa do

camponê s 11 •

A . C . -- Tenho a impre s s ão de que , pouco depois , houve outra

greve , acho que em de zembro .

F . J . -- Não ; houve , em seguida , uma greve n a zona canaviei­

ra da Paraíba . Foi pre c i s amente em S anta Ri ta , uma greve de

campone ses , como uma e spé cie de rebate de s s a onda . A onda

chegou até l á . E le s se reuni r am , e a us ina , ime diatamente ,

tratou de apagar a greve , pagando . E r am os Ribeiro Couti nho.

Havia gente intere s s ante entre os Ribeiro Coutinh o . H avi a um

tipo muito avançado que se i denti fi cava muito com o movimen­

to camponê s : Odilon Ribe i ro Coutinho . Era um j ovem da gera­

ção de Demócrito de S ousa Fi lho , com i dé i as avançadas e t c .

Nunca me e squeço da pos i ç ão de s se usine i ro , Odi lon Ribeiro

Coutinho . Devo ress altar que e le sempre foi bastante flexí-

ve l e compreendeu a e s sência e a importân c i a do movimento

/6 3
campones , da j us ti ç a no c ampo .

A . C . -- O senhor acha que o E s tatuto do Trabalhador Rural

foi urna conqui s t a importante p ara o movi mento?

F . J . -- Acho que s i m .

A . C . -- O senhor não parti cipou das di s c u s s õe s . O senhor


-

di s s e , ontem , que nao e s t ava no Congre s s o .

F.J. Sim; con s i dero que o e s t atuto foi con seqüência de

toda e s s a mobi l i z a ç ão . Não s e pode d i z e r sempre q ue a l go

s ai u da cabe ça de um homem o u de um determinado momento h i s -

tóri co . Tudo é urna cade i a . Foi a con seqüê n c i a de tudo isso.

Mas con s i de r o que foi po s i t i vo .

� NTE RRUP ÇÃO �


DE FIT

A. C. -- E u que r i a perguntar ao senhor corno foi a q ue s t ão de

Barre i ros , j á que o senhor mos t r a muito bem com as l i gas fo-

ram sendo minadas por um movimento extremista mui to de sa rti-

culado , que levo u , i n c l us i ve , os campon e s e s quase que a um

e s tado de s ub le vação , q ue o senhor tentou control ar .

F.J. Re almente , em Barre i ros , ho uve um con f l i t o muito s e

ri o . As li gas , corno j á lhe e xpl iquei aqui , fo ram i n f i l t ra-

das , e al guns companhei ros che garam a s e ctari z ar mui to o mo -

vime nt o , ut i l i zando a invasão de terras -- corno a invasão das

terras de Cons t ân cio Maranhão , de Alari co Be z e rra e de ou-

t ro s . Em Barre i ros , certos grupos e s t avam interess ados em

cri ar problemas para o gove rno de Arrai s . E s s e s grupos es-

tavam vin c u lados às l i gas campon e s a s . Meteram-se no movimen

to e cri aram um problema ser í s s i mo com uma grande mas s a de

trab alhadores do c ampo , que cort avam can a , a pon to de jogarem

o s trabalhadores contra a c l a s s e obre i r a , =ntra os trabalhadores

/6.I.J
da usi na . Ame a çaram , i n c l us i ve , invadir a us in a , de struí-la

e liqui dar com os trabalhadore s . Como e s s a mas s a de campon�

ses era imen s a , o con f l i to tornou-se tão sério que o próprio

gove rnador me pe di u para que eu fos se lá tentar amai nar .

Vi a j e i até lá pe l a prime i ra ve z . Anunciou-se que

e u ia che gar e que iria haver uma grande concentração . Re al

mente houve a concentração . A própri a us ina e s tava tão preQ

cupada com o problema que faci l i tou o transporte para levar

toda a mas s a c ampone s a dos engenhos até a cidade de Berre i­

ros . Aí , houve uma concentração calculada em cerca de de z

mi l campon e se s . Toda aque l a re g i ão foi mob i l i z ada . T i ve que

falar l argamente sobre os problemas ; dis curs e i cerca de qua­

tro horas . E s tava pre c i s amente perto de mim um e lemento da

li ga : o homem que se havi a metido aí . E ra um aven ture i ro , e

não me recordo agora de seu nome . E s t ava i n f i l trado e crian

do toda a sor te de con fli tos entre os c ampone ses e os traba­

lhadores da us i n a .

�NTE RRUPÇÃO DE F I T�

F.J. -- Então , j untaram-se de z mil pe s s o as e t i ve que lhes

falar l argame n te , e xp l i cando bem os problemas e tratando de

mostrar q ue e s s e con f l ito e r a absurdo , que não podi a haver

con f l i to entre um trabalhador de usina e um trabalhador do

corte de can a , que a usina er a um patrimônio que deve r i a ser

cuidado , porque os camponeses nao podiam de s truir aqui lo que

havi a s i do a obra , o s an gue e o s a crifí cio do tempo dos es­

cravos . Disse que e le s haviam e di fi cado e s s a usina e o c ana

vi al também (havi a ame aça de pôr fogo no canavi a l ) . E u dis­

se : " N ão se pode tocar fogo em um c anavi al , porque é como se

vocés e s t i ve s s em tocando fogo em voces me s mos . Afinal tE CXln

tas , bem ou mal , vocês daí ti ram um s a l ários para vi ve r " .


Isso foi um dis curso imensamente largo , repetindo algumas coi­

s as , para fi c ar bem na con s c iên c i a de le s .

A.C. N e s s e ponto , o senhor e s tava muito unido a Arrai s ,

não?

F.J. -- Sim ; tratei de conci l i a r . Arrais me pediu para ir

lá, e respondi : " Imediatame nte , Arrai s , não há problema . Va

mos con c i l i ar o con f l i to " . Ago ra , é curioso como aí se deram

coi s as das quai s nunca busque i , mai s tarde , uma exp l i c ação

de Arrai s . Havi a grupos de Arrais t ambém aí me tido s . Não

sei se haviam e s capado ao controle de Arrai s , ou se perten­

c i am a outras facções t ambém i n t e re s s adas em aguçar o confli

to . O fato é que me pare ceu uma coi s a muito e s t ranha que

houve s s e o con f l i to de Barre i ro s .

O u s i ne i ro e s tava intere s s ado em um enten dimen to co

m i go , e s tava di sposto a ceder um , doi s ou trê s engenhos para

f a z e r uma e xp e r i ê n c i a de coope rativa . Era um homeme que não

tinha muito amor à terra . E le di z i a : " Ca s e i - me com a fi lha

de um usine i ro , herdei todas e s s as coi s a s , porém sou um ho­

mem de fábri ca , sou um indus tr i a l " . Então , notei que o ho­

mem e r a aberto e tratei de s o l ucionar o con f l i to , e cont r i -

b u í para ame n i z ar a c oi s a . Ho uve , depo i s , a l guns problemas .

Invadiram o s i n di cato e t i raram a gente de lá , mas , a fi n a l ,

e s se con f l i to não adqui r i u as proporçoes que se e s perava

o que , cre i o , contribuí muito para evita r .

A.C. -- Mas o movime n to e m s i quase se perde com e s s as pes­

s o as , não?

F.J. Sim; quase se perde . Houve mui t a gente que se de s-

vi o u e que quis dar ao movimento um caráter muito mai s vio-

l e n to .
/6 6
A.C. -- E foi i s s o o que levou àque l a e xpe ri ê n c i a fraca s s a­

da das guerri lhas .

F.J. -- P re c i s amente . Aí e s tavam e lementos que tinham , na-

turalmente , e s s a concepção de guerri lh a . E s t avam me tidos aí

como se fo s s e em uma guerri lh a , como se fo s sem a s s altar um

quarte l . F a z i am de conta q ue a u s i n a e r a um quarte l . Em ver

dade , mos trei a loucura de s s a coi s a toda . Tratei de mostrar

q ue nao havi a ab s o l utamente nenhuma con ce s s ao ao lati fúndio

no fato de se b us car uma con c i l i ação e n t re o homem d a us i n a ,

o trabalhador da usin a , e o c ampone s . E ram a l i ados naturais ,

deviam marchar j untos , pe l a mesma caus a , pe l a obtenção de me

lho r i a s de sa l ár i o e t c . Mas surgi ram vários con f l i tos , aí

me smo , dentro de s s a us ina , q ue tiveram um re f l e xo muito for­

te em muitos s e tore s .

A.C. -- E r a a usina de Barre i ros .

F.J. -- Sim . Já n ao me reco rdo do nome do usine i ro , mas po�

so di z e r que tinha uma fáb r i c a de tecido s muito importante

entre O l inda e Re ci fe , a Tacarun a . E le e r a o dono da fábri-

ca . E tinh a f áb r i c as e m são P aulo . E r a um homem mui to rico.

Tinha b ancos . . .

A.C. -- O senhor nao se lemb r a do nome de l e ?

F.J. -- Não . E r a gerente de banco , uma pe s s o a s umamente tr�

táve l . Trate i com e l e e vi que e r a mui t o avançado para o

Brasi l . S e nao me engan o , era fi lho de e spanhó i s . Casara

com a f i l h a do us i n e i ro e herdara tudo i s so . O comportamen­

to dele e r a o de um homem que compre e n d i a p e r fe i tamente bem

o problema e s ab i a que e r a inevitáve l o avan ço do movime n to ,

bem como s e n t i a a próp r i a n e ce s s i dade de organ i z ar e dar um

outro e s tado à mas s a campone s a . E le entendi a i s s o . E e s s as

coi s a s nós tratamos de forma muito re s e rvad a , mas creio que

/{, 7
i s s o transpi rou e criou um certo . . . Não sei se criou ciúmes

em outros s e to re s , e a gente qui s b loquear uma coi sa que po-

di a s e r uma e xpe ri�n c i a muito bonita n e s s a us ina . El e disse :

" Eu dou tudo , você pode di spor das terras e fazer uma grande

e xpe rién cia de cooperativa ou de fazenda col e t i va , o que vo­

cê quiser . N ão faço a menor interfe rên c i a " .

A . C . -- Então , naquele momento , ho uve uma tendênc i a re almen

te foqui s t a dentro do movimento . Achavam que s e ri a possive l

re ali z ar uma gue r r i lh a .

F.J. N ão ; uma reb e l i ão popu l ar . Ai seria o caso de rebe

l i ão popular e , evidentemente , eu es tava contra tudo i sso .

E u con s i de r ava que e ra nece s s ário i r cri ando e aumen tanto a

mob i l i z ação das mas s as campone s as , mas dentro de um pro ce s s o

que não despre z as s e os e lementos c l áss i cos da luta -- tanto

que eu parti cipava de todas as campanh as . N unca me ne gue i ,

absolutame n te , a parti cipar de uma campanha e le i toral . Até

a uma campanha mun i cipal eu i a . Quantas ve zes candi datei ele

mentos da l i ga ! Mui tos de les foram candidatos a ve reador dos

muni cipios , e ganharam . E al guns e ram camponeses . Isso ocor

reu em Bom J ardim e em vári as outra parte s . E u cri a , como

j á disse aqui , no Parlamento , n a Assemb l é i a . Sempre cri na

importán ci a de uma vo z dentro do P arlamento . E , nisso , eu

não e s tava sendo contradi tóri o : e ra um principio lenin i s ta .

Lênin acredi tava na voz de um e lemento dentro do P arlamento ,

para denun ciar , para dar uma voz a quem não tinh a .

A . C . -- E foi pen s an do n i s s o que o senhor disse , anteontem ,

que a fas cinação que Cuba e xe rce u s ob re mui tos pol i ti cos , na

época , sobre mui tas pessoas , i n c lusive sobre o senhor , pos s a

ter s i do p re j udi cial?

F . J . -- S im ; a ce i to que essa fascin ação foi pre j udi ci a l . E


admito mai s : a culpa foi de s s a s pessoa s , e nao propriamen te

de Cub a . Cuba e s tava n o s e u pape l h i s tórico ; fe z uma revol�

ção , foi vi toriosa e t c . Porém , nós , que í amo s a Cub a , vính�

mos ace lerados . Mui ta gente tra z i a a i lusão de implantar

Cuba na Amé r i c a Latina , quer di z e r , tran s formar os Andes em

uma S ie rra Mae s t r a . Havi a e s s a frase , não? Então , creio q\.E

muitos de nós caíamos ne s s a i l usão .

A. C . -- É o tran s p l ante de que o senhor se q ue i xo u tanto da

última ve z .

F.J. -- S i m ; é o transplante . Não fui ab so lut amente levado

a esse e xtrem o . Sempre e xaltei e s i go e xaltan do a Revo lução

Cuban a . Considero que foi um grande feito na h i s tória da no§.

sa Amé r i c a , d a Amé ri ca Lati n a , mas cre i o que muita gente , ao

invés de tratar de interpretar a reali dade de seu pa ís , s i m-

p le smente fe z um tran s p l ante . E s t á provado que os tran s p l �

tes , em qualquer terreno , ainda n ão produ z i ram e fe i t o . B ar-

nard , por e xemp lo , depois de de z anos , con s i dera que tudo o

que fe z re s ul tou em nada .

A. C. -- P or quê ?

F . J . -- Porque nao se encon trou ainda um meio de neutra li-

z ar o re ch aço . Todo transplante sempre gera um rechaço , se

j a no organismo humano ou em um organ i s mo soc i a l .

A . C . -- Sob retudo porque envolve o coraç ao .

F.J. -- Sim; s ob re tudo o q ue envolve o coraçao . Então , há

que ve r e s s a s coi sas . Mas , realmen te , con s i dero que assim

foi .

A.C. -- E o senhor foi dos poucos po l í t i cos proeminentes , n a

epo c a , que não pe d i u a s i l o , em 6 4 .

F.J. -- S i m ; nao pedi a s i l o . E u con s i derava q ue e r a j us to

/6 9
permane ce r no Bras i l . Nesse momento , cheguei a lançar um ma

n i fe s to con s i de rando que , como j á haviam liqui dado todas as

liberdades democráti cas e o Parlamento j á es tava prat i c amen-

te liqui dado com a s aí da dos parlamentares mai s amseq�tes ,

e u faz i a uma convo caçao para que o povo re s i s t i s s e como pu-

des se . É conhe ci do e s s e man i fe s t o . Lancei -o e fiquei no Br�

s i l , para naturalmente tentar organ i z ar a re s i s tê n c i a dentro

do p aí s . E convoquei outros l í de re s para que também pe rman�


<
ces s em n o pa l S .

A. C. -- Mas n ão foi p o s s í ve l . Em 6 5 , o senhor , depois de

s ua pri s ão . . .

F.J. -- S im ; três me ses depois de haver pe rmane c i do na c l an

de stini dade , caí pre s o . Não podia me mob i l i z a r , não tinha

recurso s . E u e s t ava tentando fazer uma cone cção , um entendi

menta com o B ri zo l a , que j á es tava no Uruguai , para ver se

e ra pos s í ve l aufe r i r a l guns recursos para q ue e u me mantives

se no p aís , não para fazer a gue r r i l h a . o me u p l ano e r a di�

tinto . E u pe ns ava que e r a pos s í ve l organ i z a r , s e guir o tra-

balh o clan de s t i no durante o i to ou de z anos , c r i ando cons ciê�

cia -- dis farçado , naturalmente . o meu grande sonho e r a e s -

se . Sempre achei que não se pode pe n s ar em uma revol ução sem

que e x i s t a uma b ase s o c i a l capaz de s uportá- la . Sempre cri

nisso , porque , se o povo não e s t á di sposto a tomar um cami-

nho , não adi anta abs o l utamente arti fi c i al i z ar . Por i s s o e

que sempre fui anti foqui s t a .

A. C. --
Sim . E o senhor s ai u do Bra s i l em que ano?

F.J. -- Eu s aí do Bras i l no penúltimo dia do ano de 19 6 5 .

A . C. -- O senhor ficou quan to tempo preso?

F.J. Fique i 1 8 me ses pre s o . Fui preso em vários carce-

re s : em Brasí l i a , no Rio de �ane i ro , na Forta le z a de S anta

1 70
Cruz .

A. C. - E o senhor e stava em Goi ás quando foi preso?

F.J. - Eu e s t ava em um l ugar muito interes s ante , muito e s ­

tratégi co . E s t ava perto de Bras í li a , na con fluênci a de três

estados . Vi aj ando a l guns qui lômetro s , eu podi a entrar em

GOi ás , ou em Minas Gerai s , ou em Mato Gros so . Aí vivi a l gum

tempo . � cl aro que tinha p l anos para s a i r dal i . E u e s t ava

me preparando para i r para a fo z do Tocan tins e , do Tocan­

tins , e u s ubi r i a para tentar chegar ao Amazonas . Eu tinha

toda uma i dé i a , e que r i a que a l guns amigos pe rmane cessem no

Brasi l . Eu s ab i a que tinha in fluên cia em vári os e s tados da

fede r ação .

A.C. - A última pergunta que e u lhe fari a é por que e que

o senhor veio para o Méxi co , e nao para Cub a , dadas as s uas

re laçõe s de proximidade com a Revo lução Cubana?

F.J. - Vou-lhe exp l i ca r . P rime i r o , tentei a Embai xada da

I ugo s l ávi a , mas não me deram asi lo , porque havi a um con flito

entre Cuba e I ugos lávi a , naque l a epoca . Naturalme n te , me v�

ram muito próximo de Cub a , tendo relações muito cordi ai s com

Fidel Castro e , então , me ne garam o as i l o . Busque i , em se­

gui d a , a Embaixada do Chi le . T ambém me negaram ; foi a pri­

me i ra ve z que ne garam as i l o po l í tico a um b ras i le i ro . Outros

o con s e gui ram faci lmen te , e , a mim , me ne garam , ape s a r de h�

ve r contado com a dialética do pro f . Sob ral Pinto , que foi

à embaixada , di s c ut i r com o emb ai xador , e de Ti ago de Melo . . .

[!INAL DA FITA 6-BJ

F.J. - Em suma , foi toda uma grande odi s s é i a para conseguir

um asilo pol í t i co . Com a n e gativa da Emb a ixada do Chi l e , b�

quü a de Argé li a . Acabava de cair Bourredienne, havia proolemas ,

111
e pedi ram-me para e s pe r ar um mes , mas nao e r a po s s í ve l mais

espe rar . Havi a s i do decretado o Ato- 2 , que e l iminou os par­

tidos políti cos e re str in gi u mais ainda as liberdades demo-

crá ti cas no país . Então , vi-me n a con t i n gênci a de buscar uma

outra emb ai xada , mas , ante s , fiz gestões para ver se pe rman�

cia n o Brasi 1 . E s s as ge s tõe s fracass aram , porque nenhuma or

gani zação se sentia em condições de me dar a clan desti ni dade .

Foi quando , através do meu ami go , o e s c r i tor An tônio Calado ,

conse gui faz e r um contato com a emb aixada do México , e o em­

b ai xador me deu o a s i l o p o l í t i co .

Vim para aqui , e aqui re cebi um convite para i r vi -

ver em Cub a . Explique i - lhes que e u pre fe ria permanecer aqui

e so frer todas as agruras do e xí li o , sem dominar bem o es­

panhol -- e u não dominava nada de espanhol -- , e es crevi uma

longa carta , agradecendo a F i de l Castro . Lá , eu i a s e r per-

sonali dade : acesso a rádi o , faci li dades e t c . E eu e n te n d i a

que , como havi a pedido asi lo po l í t i co aqui , eu deve r i a aqui

perman e ce r . Afinal de cont as , e r a um país i rmao , um i di oma

fáci l de s e r dominado , ao pas s o que , por exemplo , na I ugosl�

vi a . . . E u não pensava propriamente em I u go s l ávi a , mas sim

na Argé l i a . Seri a re alme nte muito di fíci l para mim aprender

o croat a , e o e spanho l , nem tanto , não é ? Então , por isso,

permaneci aqui . Cre i o que foi uma de ci s ão muito acertada .

t um país che i o de grandes contrastes , um grande mos aic o , on

de come ce i a aprender muito e a ter uma vi são mais c l ara dos

problemas da Amé r i c a Latina .

A.C. -- H á uma pre sença campone s a muito forte .

F.J. -- S i m ; uma presença campones a forte . Em Moreros , por

e xemplo , há o contato com os velhos sol dados de Z apata . Faz

uns quatro ou cinco anos que e s tou inve s t i gando , tomando os

tes temunhos de s s e s últimos s o l dados , e sinto o c�ês aqui ,


por toda parte . O campones e um so em todo o mundo , porque

a sua re l a ç ão é com a terra , e ai se cri a . É faci l de i den-

ti ficar . Aqui não me s i n to um e s tranho ; é como se fosse um

prolongamento do Brasi l . Toda a Amé r i ca Latina é para mim ,

ho j e , como se fos se uma grande pátri a . E s tou s ati s feito , e s

perando oportuni dade para um regre s s o , um retorno , quando se

derem as condi çõe s , quando o Bras i l realmen te se redemocrati

z ar e tomar o curso que tomo u , por e xemp lo , depoi s de 1 9 4 5 .

Ai se fe z uma Con s t i tuinte , s aiu a Con s t i tui ção de 4 6 , os

partidos po l i t i cos come çaram a funcion ar , volt aram as liber­

dades democráti cas , e e spe ro que e s s a s i tuação se reproduz a ,

j á em outra dime n s ão h i s tóri ca . Tenho e s s a e s per an ç a , por-

q ue sou um homem de espe ranças .

A. C . -- Dr. Jul i ão , muito ob ri gada por seu depoimento .

[! INAL DO DEPOIMENT �

/ 73

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