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VALTER BRACHT

O AUTOR

Valter Bracht nasceu em To-


ledo (PR).

Realizou seu curso de gra-


duação em Educação Física na Uni-
EDUCAÇÃO FÍSICA
versidade Federal do Paraná. E
Na mesma Universidade con- APRENDIZAGEM SOCIAL
cluiu o curso de Especialização em

Treinamento Desportivo.
Ingressou na Universidade
Estadual de Maringá, onde atua ain-
da hoje como docente da disciplina
de Fundamentos da Educação Físi-
ca, no curso de Graduação em Edu-
cação Física.

Obteve o grau de mestre em


Educação Física na Universidade
Federal de Santa Maria (RS).

EDITORA MAGISTER LTDA


1997
COORDENAÇÃO:JOSÉ PEREIRA RODRIGUES VALTER BRACHT
REVISÃO DE TEXTOS:IARA HAUBERT RODRIGUES
COMPOSIÇÃO E DIAGRAM AÇÃO:LEANDRO AUGUSTO DOS S. LIMA

EDUCAÇÃO FÍSICA
E
APRENDIZAGEM SOCIAL

2ª EDIÇÃO

©VALTER BRACHT LIVRARIA E EDITORA MAGISTER LTDA


TODOS OS DIREITOS DESTA OBRA ESTÃO RESERVADOS À
LIVRARIA E EDITORA MAGISTER LTDA
PORTO ALEGRE
IMPRESSO EM OUTUBRO DE 1997 1997
Dados de Catalogação na Publicação:
Nilvea Schapke - CRB 10/784
SUMÁRIO

CartaPrefácio.........................................................................................................9
Prefácio à 2a edição..............................................................................................10
Introdução............................................................................................................ 11

PARTEI
Em torno da Autonomia e da Legitimidade da Educação Física.........................13

ISBN 8585275057
Capítulo I
1. Educação Física: a busca da autonomia pedagógica.......................................15
1.1 ................. 15
Introdução....................................................................................
1.2 Instrumento teórico da análise.......................................................................18
1.3 Educação Física  Instituição Militar  Instituição Esporte...........................19
1.4 A busca de um referencial teórico.................................................................24

Capítulo II
2. Educação Física: a busca da legitimação pedagógica.....................................33
2.1 Introdução......................................................................................................33
2.2 Excurso acerca da pergunta“o queé Educação Física?”
...........................34
LIVRARIA E EDITORA MAGISTER LTDA. 2.3 Crise e legitimação........................................................................................ 36
AV. WENCESLAU ESCOBAR, 2667/204 2.4 Os modelos delegitimação da Educação Física.................
...........................36
FONE (051) 249-5054
PORTO ALEGRE - RS - BRASIL 2.5 A produção do conhecimento nae para a Educação Física..........................37
EDITOR
JOSÉ PEREIRA RODRIGUES ......................42
2.6 A crítica e a superação dosmodelos de legitimação vigentes
PARTE II
Aprendizagem social na Educação Física............................................................55

Capítulo III O AUTOR


3. A criança que pratica esportes respeita as regras do jo go... capitalista ......... 57
Valter Bracht nasceu em Toledo (PR) no ano de 1957. Realizou seu
3.1 Introdução......................................................................................................57
curso de graduação em Educação Física na Universidade Federal do Para-
3.2 O Conteúdo sócioeducativo do esporte........................................................58 ná, concluindo o curso no ano de 1980. Na mesma Universidade concluiu,
3.3 Princípios de uma pedagogia crítica para a Educação Física........................65 no ano seguinte, 1981, o curso de Especialização em Treinamento Despor-
tivo. Neste mesmo ano, ingressou na Universidade Estadual de Maringá,
onde atua, ainda hoje, como docente da disciplina de Fundamentos da Edu-
Capítulo IV cação Física, no curso de Graduação em Educação Física. Em 1983, obteve
4. A Educação Física Escolar como Campo de Vivência Social.........................71 o grau de mestre em Educação Física na Universidade Federal de Santa
Maria (RS). Em 1984, obteve o primeiro lugar no Prêmio MEC de Literatura
4.1 Introdução............................................................................................... . 71
.....
Desportiva na modalidade de Estudos Pedagógicos. Em 1990, doutorouse
4.2 A socialização através do jogo e do esporte .................................................74 pela Universidade de Oldenburg (R.F.A). Publicou, como coautor, o livro:
4.3 A aprendizagem social no ensino dos esportes nas escolas
..........................77 Autores Coletivos, Metodologia do Ensino da Educação Física (Coleção
Magistério), editado pela Cortez Editora em 1992. Atualmente é Presidente
4.4 O fenômeno do jogo na sua relação com o esporte.......................................81 do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, e desenvolve estudos nas
4.5 A metodologia do ensino do basquetebol......................................................82 áreas da Pedagogia da Educação Física e Sociologia do Esporte.
4.6 Objetivos do estudo.......................................................................................83
4.7 Materiais e métodos....................................................................................... 84
4.7.1 Instrumentosde medida..............................................................................84
..................85
4.7.1.1 Sistema de registro decomportamentos de interação social
4.7.1.2 Questionário............................................................................................ 87
4.7.2..Coleta de dados...........................................................................................87
4.7.3 Metodologia FuncionalIntegrativa (MFI).................................................88
4.7.4 Metodologia Tradicional (MT).................................................................. 92
4.8 Resultados e Discussão..................................................................................92
4.9 Discussão dos resultados............................................................................. 100
4.10 Conclusão.................................................................................................. 106
Bibliografia..........................................................................................................111
CARTA-PREFÁCIO
Companheiro Valter,

Tudo bem? Acabo de fazer um levantamento, em nível nacional, bus-


PREFÁCIO À 2a EDIÇÃO cando os textos que mais repercutiram  nos anos 80  entre estudantes e
professores de Educação Física. O resultado revelou uma antiga desconfi-
Dirijimonos aos leitores por ocasião desta 2a edição do "Educação ança. Você é um dos articulistas mais lidos em nossa área. A profundidade e
Física e Aprendizagem Social”, para agradecer a boa acolhida que este livro o rigor científico, bem como o seu poder de comunicação escrita encarrega-
vem tendo junto aos colegas da área. ramse de colocálo nessa invejável posição.

Decorridos quase cinco anos desde sua 1a edição, cabe ressaltar o Conhecemonos em 1984, por ocasião da II Semana de Educação
fato do livro ter sido editado, em 1996, também em língua espanhola no país Física promovida pela UEM. Desde então, tenho acompanhado com muito
vizinho, a Argentina (Editorial Vellez Sarsfield). É importante frisar, tam- carinho a sua carreira e a sua militância. Tenho certeza de que o sucesso
bém, que decidimos manter a versão srcinal por entendermos que as ques- deveuse ao fato de você não desarticular Educação Física e Sociedade. E
tões aqui discutidas não foram esgotadas, ou seja, continuam a oferecer ele- mais. Pensar, não qualquer Educação Física em uma sociedade qualquer.
mentos importantes para a discussão pedagógica da Educação Física. Pensar, sim, esta Educação Física nesta sociedade.

Foi e continua sendo nossa expectativa, a de contribuir para o debate Nesta sociedade onde 45% de todos bens produzidos coletivamente
em torno de uma teoria da Educação Física, que encare esta como uma prá- estão nas mãos de 1% de proprietários. Onde as empresas multinacionais
tica pedagógica; reitero o convite aos colegas para participar deste projeto. detêm quase o dobro das terras dos nossos lavradores. Só faltava, mesmo,
ganhar uma medalha na competição da miséria. Não falta mais. Somos me-
dalha de bronze, de acordo com o Banco Mundial. Será que a Educação
Vitória (ES), julho/l997 Física não tem nada a ver com isso? Amigo Valter, você bem sabe que omis-
Valter Bracht são identificase com cumplicidade. Você não se omite e daí a sua importância.

Apesar e por causa disso tudo, fica uma lacuna. A publicação  em


forma de livro  dos artigos que melhor representem o seu pensamento.
Aguardamos.

Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1992.

Do seu amigo e admirador,

*Vitor

P.S. Sucesso na presidência do CBCE.

*PROF.: Vitor Marinho de Oliveira


INTRODUÇÃO
Este livro compõese de uma série de artigos e ensaios, três deles já
publicados anteriormente em periódicos da área, e um ainda inédito. A de-
cisão de publicálos agora na forma de livro, adveio da constatação de que,
no âmbito da Educação Física, os periódicos ainda não têm a mesma pene-
tração dos livros, levandonos a crer que grande parte da comunidade da
Educação Física ainda não teve acesso a este conteúdo. Por outro lado, o
incentivo do Prof. Vitor Marinho de Oliveira representou o empurrão final
para que levássemos à frente a idéia.

O título “Educação Física e Aprendizagem Social”, num primeiro


momento, pode parecer estar apenas relacionado com o conteúdo da segun-
da parte, mas, na verdade, contém uma categoria que é característica para
uma corrente que surge na Educação Física brasileira no início da década de
80. Estamais
âmbito corrente, influenciada
geral da pedagogia pela discussão
no Brasil, que aerarefletir
começa levadao papel
a efeito no
social
da Educação Física, contextualizandoa no sistema educacional, e este, na
sociedade capitalista brasileira, operando estas análises com um referencial
teórico de orientação marxista.

Assim, o conteúdo deste livro reflete também diferentes momentos


desse movimento, e diferentes momentos do próprio autor. Contém tanto
um ensaio que possui um forte caráter de denúncia (Cap, 3  "A criança que
pratica esportes respeita as regras do jogo ... capitalista"), como um ensaio
onde já a autocrítica tem seu espaço (Cap. 2 “Educação Física: a busca da
legitimação pedagógica”). Embora algumas das posições defendidas na época
em algum destes artigos precisassem hoje ser relativadas, e outras tivessem
sido superadas pelo autor, decidiuse pela publicação sem alterações
significativas, de vez que, na essência, as posições permaneçam inalte-
radas.

A segunda parte, que cronologicamente antecede a primeira, contém


dois artigos onde a questão central é o tipo de aprendizagem social propici-
ada pelas aulas de Educação Física. Em “A criança que pratica esportes
respeita as regras do jogo ... capitalista”, procuramos analisar que repercus-
são política teria o tipo de aprendizagem social típica das aulas de Educação
Física, e, no capítulo seguinte  “Educação Física escolar como campo de
vivência social” procuramos ir além, buscando desenvolver uma alterna-
tiva metodológica que levasse a um tipo de aprendizagem social que se
colocasse na perspectiva de uma educação transformadora.

A primeira parte contém dois artigos, cuja preocupação central é o


desenvolvimento de elementos de uma teoria pedagógica de Educação Físi-
ca articulada discursivamente com uma teoria crítica da educação. No capí-
tulo um, analisamos até que ponto podemos falar da Educação Física en-
quanto prática pedagógica que desfrute de autonomia, ou seja, que se paute
por princípios e códigos próprios e não de sistemas, afora a escola, com os
quais se relaciona, como por exemplo, o sistema esportivo. No capítulo dois,
levamos a efeito reflexões iniciais em tomo da razão de ser da Educação
Física, ou seja, da questão da legitimidade da Educação Física no currículo
escolar.

Esperamos, com a publicação deste livro, propiciar o acesso de seu PARTE I


conteúdo a um número maior de colegas, e contribuir para incrementar o
debate em torno desta prática pedagógica que é a Educação Física.

Maringá, 12 de janeiro de 1992.

Valter Bracht
EM TORNO DA AUTONOMIA E DA
LEGITIMIDADE DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 15

CAPÍTULO I
Educação Física: a busca da autonomia pedagógica

1.1 Introdução

Pareceme necessário, antes de mais nada, realizar um esforço no


sentido de estabelecer uma certa clareza terminológica quanto à expressão
Educação Física. Este termo tem sido utilizado no Brasil, concomitante
mente, num sentido restrito e num sentido amplo, o que tem gerado um
verdadeiro caos conceituai, que dificulta a comunicação científica e a refle-
xão teórica.

No seu sentido “restrito”, o termo Educação Física (1) abrange as


atividades pedagógicas, tendo como tema o movimento corporal e que toma
lugar na instituição educacional. No seu sentido “amplo” tem sido utilizado
para designar, inadequadamente a meu ver, todas as manifestações culturais
ligadas à ludomotricidade humana, que, no seu conjunto, parecemme me-
lhor abarcadas por termos como cultura corporal ou cultura de movimento
(2).

1 Segundo Marinho, I.P. (1984, p. 217), é a J. Locke (16321704) que devemos a


utilização/sedimentação do termo Educação Física. No entanto, o autor mesmo,
em obras anteriores não opera a diferenciação dos sentidos amplo e restrito.

2 Poderia aqui ser contraargumentado que o termo Educação Físicaé tão adequa-
do quanto o de cultura corporal para designar o conjunto das atividades corporais
de movimento. O inconveniente, a meu ver, é que teríamos que substituir o termo
Educação Física no seu sentido restrito, já que me parece urgente eliminar a am-
bigüidade. Por outro lado, não gostaria de adentrar aqui na questão da im-
propriedade do próprio termo Educação Física, que seria, na opinião de Sérgio
(1986, p. 24), com vantagens substituído por Educação Motora, devido ao maior
peso e densidade ontológica deste.

L
16 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 17

Em parte, a confusão se deve ao fato do profissional denominado digo que denuncia seu condicionamento histórico, expressam/comunicam
Professor de Educação Física ou Licenciado em Educação Física (3), re- um sentido, incorporamse a um contexto que lhes confere sentido (5).
querer para si o direito de atuação profissional com todas as atividades cor-
porais de movimento  da Educação Física, passando pelo esporte, pela Por exemplo, os movimentos na forma de exercícios ginásticos, de
dança, até a ginástica de academia. Essas atividades estavam desde logo corridas, etc., que incorporam os programas de preparação militar no inte-
presentes nos currículos de formação de professores de Educação Física no rior desta instituição, expressam e possuem um sentido, um determinado
Brasil, donde a célebre afirmação de que o esporte, a dança, os jogos a código que só pode ser apreendido, se considerados o sentido e os códigos
ginástica, etc., são os meios da Educação Física  até aí nada de mais,  que vigoram na própria instituição militar como um todo. Isto é, o movi-
derivandose daí a falsa conclusão de que o termo Educação Física seria mento corporal, na forma de ginástica, foi aí instrumentalizado.
mais “abrangente” do que os de Esporte, Ginástica (recreação [4]), etc.,
porque os compreendia. Neste escrito, portanto, a expressão Educação Físi- Se analisarmos, através da literatura específica, a forma cultural do
ca será utilizada no seu sentido restrito, definido acima. movimento corporal que tem sido objeto da Educação Física no Brasil, ve-
remos que inicialmente (pelo menos até a década de 40 deste século), havia
O tema Educação Física, como mencionado anteriormente, é o movi- o predomínio do exercício ginástico  principalmente o de orientação mili-
mento corporal — é o que confere especificidade à Educação Física no inte- tarista  que, a partir de então, cede lugar progressivamente ao movimento
rior da Escola. Mas o movimento corporal ou movimento humano que é seu na forma cultural de esporte. É lógico que outras expressões da cultura corpo-
tema, não é qualquer movimento, não é todo movimento. É o movimento ral ou de movimento, estiveram/estão presentes ou são tematizados na Educa-
humano
rido pelocom determinado
contexto significado/sentido,
históricocultural. que por
O movimento quesua vez, lhe
é tema é confe-
da Educação ção Física,
to, que como
essas a dança,constituem
expressões jogos e brincadeiras
minoria, e populares. Pareceme,
que podemos falar danoginástica
entan-
Física é o que se apresenta na forma de jogos, de exercícios ginásticos, de e posteriormente de esporte, como as atividades, nos respectivos momentos
esporte, de dança, etc. Esses movimentos não são propriedade exclusiva históricos, que se apresentam como hegemônicos na Educação Física.
desta área ou desta prática pedagógica, muito pelo contrário, a Educação
Física apoderouse em maior ou menor grau (ou foi ela que foi instrumenta- Por outro lado, a Educação Física, em se realizando na instituição
lizada?) dessas atividades corporais, pedagogizandoas (ou pretendendo pe educacional, presumese, assume o estatuto de atividade pedagógica e como
dagogizálas). Estas atividades, como disse, possuem um determinado có tal, incorporase aos códigos e funções da própria escola. Assim sendo, pa-
receme que a Educação Física, no Brasil, vai desenvolver sua identidade
(?), seus códigos, a partir da relação que estabeleceu/estabelece com um
meio ambiente que compreende, fundamentalmente, a instituição escola, a
instituição militar e a instituição esporte. E é neste conjunto de relações que
buscaremos, inicialmente, as bases para a discussão de dois pontos que nor-
tearão nossas reflexões daqui por diante:
3 É interessante notar que, em 1939, foi criada, integrando a Universidade do Bra-
sil, a Escola Nacional de Educação Física e Desportos, cujos egressos recebiam, a) O grau de autonomia pedagógica (identidade da Educação Física)
no entanto, o título de Professor de Educação Física (Marinho, 1984, p. 220). alcançada na sua relação com as instituições referidas acima;
4 O entendimento da recreação como uma forma específica de atividade que pu-
desse figurar ao lado da ginástica, do esporte, etc., foi apenas recentemente des
mistificado por RL. Moro, num artigo recomendável: Redimensionando a Recre 5 Não existe um salto em distância que seja em si capitalista e um que seja em si
acão em Educação Física. In: Comunidade Esportiva, nov./dez. 1986, n. 40. p. 2 socialista. Somente sua contextualização permitirá identificar possíveis sentidos
7. significados diferentes nesta ação.
18 Educação Física e Aprendizagem Social
Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 19

b) As bases de legitimação como integrantes do sistema formal de ensi-


do trabalho, introduzir a questão do poder nas relações intersistemas. Isso
no  o que compreende a questão dos objetivosconteúdos da disciplina.
significa perguntar, por exemplo, em que medida um sistema não tem sua
identidade ou o sentido norteador das ações, determinadas por outros siste-
mas (que constituem o seu meioambiente) mais “poderosos”? “É preciso
1.2 Instrumento teórico de análise
analisar o desenvolmento em função de sua posição na hierarquia global”
(BRUHL, 1987, p. 35).
Antes de adentrar a análise propriamente dita, gostaria de, antecipa-
damente, explicitar alguns elementos teóricos que utilizarei na análise.
Um dos critérios que identificam a diferenciação de um sistema diz
respeito à diferenciação dos papéis (8). Isso é, em que medida os diferentes
Um destes elementos é a teoria da diferenciação dos sistemas soci-
papéis que precisam ser cumpridos no interior de um sistema, não se con-
ais, como ela tem sido desenvolvida pela moderna teoria dos sistemas na
fundem com outros de outros sistemas. Os papéis podem ser analisados a
sociologia (6). Os sistemas sociais, em função de sua especialização funci-
partir de diferentes características como: suas funções, qualificação neces-
onal, desenvolvem uma lógica própria que se objetiva na forma de valores,
sária, o processo de socialização para o desempenho do papel, habilidades
normas, códigos e semânticas. Um exemplo típico é o apresentado por K.
técnicas que envolvem o papel, etc.
Marx em relação à lógica própria desenvolvida pelo sistema econômico do
capitalismo (7). Isto não significa que um sistema social que se diferenciou
É a partir deste instrumental que pretendemos, a seguir, discutir a
de um meioambiente, que desenvolvou uma lógica própria, não mantenha
questão do grau de autonomia pedagógica da Educação Física, o problema
mais relações
nifica, com isolamento
neste caso, este meioambiente. Pelo “A
ou autarquia: contrário, autonomia
autonomia não sig-
pressupõe uma de sua identidade (9).
determinada interdependência, e expressa o grau de liberdade com a qual as
relações entre o sistema e o meioambiente podem, através dos critérios seleti-
1.3 Educação Física - Instituição Militar - Instituição Esporte
vos do sistema, ser por ele próprio reguladas” (LUHMANN, 1970, p. 157).
A instituição educacional é produto de um processo de complexifi
Na teoria dos sistemas, partese do princípio da unidade da diferença
cação da sociedade  produzido fundamentalmente pelo desenvolvimento
entre o sistema e o meioambiente (CACHAY, 1986). Assim, a identidade
das forças produtivas  que determinou uma diferenciação de sistemas, os
de um sistema desenvolvese em íntima relação com o seu meioambiente.
quais cumprem, no conjunto das relações sociais, determinadas funções: a
transmissão do saber social acumulado exigiu o surgimento de uma institui-
Se nos distanciarmos agora da teoria dos sistemas (funcionalestru
ção para cumprir tal tarefa  o sistema educacional.
turalismo) ou a complementarmos com categorias do materialismo históri-
co, poderíamos dizer que os sistemas sociais não podem ser simplesmente
A Educação Física nasce praticamente junto com a Escola, com os
colocados lado a lado, e sim, para superar o caráter meramente descritivo da
sistemas nacionais de ensino, típicos da sociedade burguesa emergente dos
análise, precisamos, através da análise histórica, identificar a gênese dos
sistemas, as suas determinações, ou seja, através da categoria antropológica
8 “Papéis são conjuntos ou padrões de expectativa de comportamentos (compor-
tamentos esperados)” (JOAS, 1978).

6 Um dos mais importanies defensores desta teoria é o sociólogo alemão Niklas 9 É importante frisar que a questão que perseguimos é menos a de se a Educação
LUHMANN (1970). Para uma crítica a Luhmann ver HABERMAS (1983). Física constitui um sistema diferenciado no sentido da teoria dos sistemas, e sim,
que grau de autonomia pedagógica ela alcançou, as perspectivas de desenvolvi-
7 A respeito ver SCHIMANK (1987). mento de tal autonomia, bem como as influências que sofre na formação de sim
identidade.
20 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 21

séculos XVIII e XIX. Foram inicialmente os Filantropos como Guths Mu atribuída pelo instrutor. A socialização do instrutor, ou seja, o processo pelo
ths (17591839) e Pestalozzi (17461827), que buscaram introduzir as ati- qual o sujeito assumia o papel de instrutor de ginástica consistia, fundamen-
vidades corporais no currículo escolar. No entanto, a influência destes pe- talmente, num treinamento no interior da instituição militar ou numa Escola
dagogos na Educação Física brasileira é claramente superada pelos chama- de Educação Física militar.
dos métodos ginásticos, como o desenvolvido por P.H. Ling na Suécia, ou o
Regulamento Geral da Educação Física conhecido no Brasil como método Poderíamos ainda analisar, por exemplo, a característica do fenotipo
francês. Uma outra característica marcante da Educação Física brasileira típico para o instrutor de ginástica, as habilidades técnicas necessárias, a
tem sido a influência da instituição militar em seu desenvolvimento. Assim, relação entre instrutor e aluno. Pareceme no entanto claro que, a nível da
os métodos inicialmente adotados foram, viaderegra, os adotados pela ins- caracterização dos papéis, fica explícita a transferência mecânica dos códi-
tituição militar, como foi o caso do já citado método francês (10). gos da formação física militar para a Educação Física.

Mas não somente os métodos ginásticos de inspiração militar foram, A pergunta é se neste quadro acabou sendo desenvolvido algo como
principalmente nas quatro primeiras décadas de nosso século, levadas à es- uma ação teóricoprática que propiciasse a recepção crítica da influência
cola, como também os próprios instrutores ou “aplicadores” dos métodos. militar, do papel atribuído à escola e à Educação Física pelos interesses
Ora, a preparação militar inclui historicamente a exercitação corporal com dominantes. Tudo indica que não, ou seja, a Educação Física não desenvol-
o objetivo do desenvolvimento da aptidão física e do que se convencionou veu a este tempo, um corpo de conhecimentos que a diferenciasse funda-
chamar de “formação do caráter”  autodisciplina, hábitos higiênicos, ca- mentalmente da instrução física militar. A Educação Física não é ela mes-
pacidade de suportar a dor, coragem, respeito à hierarquia. ma;eem
de o maior ou menor grau ela
seu desenvolvimento são étotalmente
a instruçãodeterminados
física militar.a Apartir
sua identida-
de fora.
O importante a ressaltar é que a instituição escola, neste caso, é mais Seu entendimento como atividade eminentemente prática colabora também
ou menos palco de uma ação “pedagógica“ que se legitimava a partir de sua para impedir a reflexão teórica em seu interior. A figura do professor, ou seja, o
presumível contribuição para a saúde, ou seja, com função higiênica (inici- sujeito que poderia desempenhar tal tarefa, também não está ainda presente.
almente com um conceito anatômico e posteriormente anátomofisiológico),
e formação do caráter, e o seu conteúdo baseado fundamentalmente na exer- A "desmilitarização” da Educação Física brasileira dá os seus primeiros
citação corporal através de exercícios analíticos, corridas, saltos, etc. Isto é, passos c om a criação das primeiras escolas civis de formação de professores no
assume, através do conteúdo e da forma como ele é apresentado, através das final da década de 30 e início da de 40. Vale observar, para evitar equívocos,
características dos papéis desempenhados pelos instrutores e alunos, os có- que tal desmilitarização não alcançou em nossos dias o nível desejável tanto na
digos/símbolos/linguagem/sentido da instituição militar. O que aliás, em li- Educação Física quanto ao nível da sociedade em geral (11).
nhas gerais, não estava em dissonância com o projeto da ditadura do Estado
Novo (ver ALMEIDA CABRAL, 1987), e portanto, com o papel atribuído Após a II Guerra Mundial, que coincide a grosso modo com o fim da
à Escola naquele período da história do Brasil. ditadura do Estado Novo, a influência do esporte cresce rapidamente. Tam-
bém temos a influência neste período, do Método Natural Austríaco, desen-
Analisemos ainda um pouco as características dos papéis dos dois volvido por Gaulhofer e Streicher na Áustria e do Método da Educação
principais sujeitos envolvidos nesta atividade: o instrutor e o aluno. As fun- Física Desportiva Generalizada, divulgado no Brasil pelo Prof. Augusto
ções atribuídas ao instrutor eram as de apresentar os exercícios, dirigir, a Listello. Mas, como observado em outro momento, pareceme possível re-
manter a ordem e a disciplina. Ao aluno competia repetir e cumprir a tarefa

10 Ver a respeito MARINHO (1980). 11 A respeito ver FARIA JR (1987) e BRIGAGÃO (1985).
22 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 23

nunciar à análise da influência destes dois métodos em favor da influência dizado e nas précondições fisiológicas e neuromotoras para a prática de
do esporte ou da instituição esporte. determinado esporte. Estas estratégias são trazidas para a escola com funda-
mentalmente uma única adaptação, qual seja, a divisão do processo em fun-
O esporte sofre, no período do pósguerra, um grande desenvolvimento ção dos tempos escolares e dos graus de ensino.
quantitativo. Afirmase paulatinamente em todos os países sob a influência da
cultura européia, como o elemento hegemônico da cultura de movimento. No Os papéis do agora professor de Educação Física e do educando como
Brasil as condições para o desenvolvimento do esporte, quais sejam, o desen- se apresentam? Os papéis desses sujeitos também não são diferenciáveis
volvimento industrial com a conseqüente urbanização da população e dos nos seus aspectos fundamentais dos de treinador e de atleta na instituição
meios de comunicação de massa, estavam agora, mais do que antes, presen- esportiva. Isto é, passouse do professorinstrutor e o de alunorecruta para
tes. Outro aspecto importante é a progressiva esportivização de outros elemen- o de professortreinador e de alunoatleta. A diferenciação entre o “bom”
tos da cultura de movimento, sejam elas vindas do exterior, como o judô ou o treinador e o “bom” professor não é possível. A socialização do professor é
karate, ou genuinamente brasileiras como a capoeira (ver JORGE, 1980). marcada pela atividade esportiva. Os próprios professores dos cursos supe-
riores de Educação Física, que, aliás, possuem um currículo predominante-
Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra mente esportivo, foram e são contratados em função do seu desempenho no
instituição, e, de tal forma, que temos então, não o esporte da escola, e sim mundo esportivo. A conservação da divisão de turmas para as aulas de Edu-
o esporte na Escola, o que indica sua subordinação aos códigos/sentido da cação Física por sexo (M e F) é também, em parte, um reflexo da divisão
instituição esportiva. O esporte na escola é um braço prolongado da própria existente na instituição esportiva, pelo menos justificada a partir de seus
instituição esportiva. Os códigos da instituição esportiva podem ser resumi- códigos (12).
dos em: princípio do rendimento atléticodesportivo, competição, compara-
ção de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso esportivo é Os professores não operam a diferenciação dos papéis de treinador e
sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas. O que pode ser professor, em parte, porque a própria Educação Física, não tendo autono-
observado é a transplantação reflexa destes códigos do esporte para a Edu- mia ou uma identidade pedagógica, não fornece um referencial, um conjun-
cação Física. Utilizando a linguagem sistêmica, poderseia dizer que a in- to fundamentado e institucionalizado de expectativas de comportamento.
fluência do meioambiente (esporte) não foi/é selecionada (filtrada) por um Isto é, a própria definição do papel do professor de Educação Física inexiste.
código próprio da Educação Física, o que demonstra sua falta de autonomia Esta falta de referência é fator de perpetuação da indiferenciação destes papéis.
na determinação do sentido das ações em seu interior.
Esta orientação parece, mais uma vez, adequarse bem à orientação
É importante citar que o desenvolvimento da instituição esportiva tecnicista que, principalmente nas décadas de 60 e 70 predominam no sis-
não se dá independentemente do da Educação Física: condicionamse mu- tema educacional brasileiro, sob a égide da ditadura militar, do projeto “Bra
tuamente. A esta é colocada a tarefa de fornecer a “base” para o esporte de silGrande”. É a época dos, objetivos operacionais, do primado do planeja-
rendimento. A Escola é a base da pirâmide esportiva. É o local onde o talen- mento, da tecnologia do ensino. Menos o professor e o aluno têm importân-
to esportivo vai ser descoberto. Esta relação, portanto, não é simétrica. Por cia no processo de ensino, e mais o planejamento (SAVIANI, 1984, p. 15
outro lado, a instituição esportiva sempre lançou mão do argumento de que 9). Sob esta orientação, ocorreram reducionismos, ou uma segunda redução
esporte é cultura, é educação, para legitimarse no contexto social, e princi- do movimento corporal nas aulas (a primeira redução já havia ocorrido atra-
palmente para conseguir apoio e financiamento oficial.

Na literatura específica, temos uma disseminação de livros que con


12 Nunca é demais observar que, num esforço teórico de síntese como este escrito, o
centramse no desenvolvimento de estratégias do aprendizado do esporte, grau de diferenciação necessário não pode ser observado. Falo, portanto, em ten
centrados quase que exclusivamente nos elementos técnicotáticos do apren- dências hegemônicas, o que não exclui tendências desviantes.
24 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 25

vés da assimilação dos códigos do esporte), pela necessidade de operacio É interessante notar que, num regime autoritário, a legitimidade confunde
nalizar os objetivos, o que levou, pelo menos na tendência, à substituição do se com a legalidade. A última tende a subsumir a primeira e, assim, esta
lúdico em favor de tarefas mecânicas (13). questão é reduzida a um problema de legalidade da Educação Física (se por
decreto ou não, não é o problema!).
Com isto gostaria de chamar a atenção para o fato de que não basta
autonomizarse em relação à instituição esportiva e à instituição militar vol- O referido consenso funcionallatente quanto aos objetivos 
tandose totalmente à Escola. É preciso que a autonomização pedagógi conteúdos da Educação Física  que permanece latente enquanto não for
ca da Educação Física compreenda uma reflexão crítica do próprio papel problematizado  pode ser caracterizado, a partir da análise desenvolvida
da Escola em nossa sociedade de classes. Isto é, não só uma relação crítica das práticas hegemônicas, ainda que de forma grosseira, da seguinte forma:
(filtragem crítica) para com o conjunto de atividades corporais (por ex. o
esporte) deve ser elemento constituinte do desenvolvimento da sua identi- Conteúdo: esporte, isto é, esporte federado, suas técnicas, regras,
dade pedagógica, mas também para com a instituição educacional. táticas, etc. A ginástica e a corrida, por ex., são praticadas com vistas a
“parte principal”. Os jogos populares são denominados e tematizados como
‘‘jogos préesportivos” (15).
1.4 A busca de um referencial teórico
Objetivos: aprendizagem dos esportes e desenvolvimento da apti-
Sem dúvida, a questão dos objetivosconteúdos (métodos de ensino) da dão física (para a saúde).
Educação Física é um dos pontos centrais do desenvolvimento da sua identida-
de pedagógica que, no entanto, tem sido negligenciada, enquanto tema, pela É claro que a Educação Física lançou mão, para buscar legitimidade
investigação em Educação Física no Brasil, ou, quando muito, discutida assis na escola, de um amplo leque de objetivos, como: desenvolvimento do sen-
tematicamente. Muito mais, pareceme predominar, quanto a esta questão, um timento de grupo, de cooperação, da sociabilidade, da autoconfiança, do
consenso funcionallatente, cuja existência devese, pelo menos em parte, à já conhecimento de si, etc. etc. (ou bla, bla, bla?), objetivos que, no entanto,
discutida subordinação da Educação Física à instituição esportiva. E esta situa- exercem função ideológica porque a ação pedagógica não está centrada na
ção persiste sobretudo porque é funcional no conjunto das relações sociais, ou sua consecução, relegandoos, de fato, a “efeitos paralelos desejáveis” (16).
seja, é fator de reprodução das relações sociais dominantes, é, assim, somente A Educação Física fez seu o discurso pedagogicista da Educação Integral.
serão  os objetivos e conteúdos da Educação Física - radicalmente ques A este respeito convêm citar o prof. MELO DE CARVALHO (1987, p. III):
tionados quando as próprias relações sociais vigentes o forem. “a fundamentação do educador tem de recusar o discurso pedagogicista mais
ou menos mistificador para assentarse na análise honesta e lúcida das bases
Nesse contexto, a questão da legitimação da Educação Física na Es- objetivas que sustentam a escola. Qualquer esforço fora deste quadro para
cola também não é objeto da investigação em Educação Física, também não afirmar a disciplina é pura ilusão, quando não é puro e simples oportunismo
é problematizada. Aceitase a imposição do seu sentido a partir de fora (14). de caráter político e ideológico”.

Pareceme que o início da década de 80 marca o momento em que a


13 O lúdico é dificilmente reduzível a objetivos operacionais: o aluno deverá, no visão hegemônica descrita anteriormente começa a sofrer os primeiros aba
final da aula, ser capaz de rir corretamente pelo menos 3 vezes em 5 tentativas 
sic!!!.
15 A respeito ver a importante análise de PARLEBAS, P. (1980).
14 Suspeito, nesse aspecto, de um certo oportunismo, como aquele da instituição
esportiva que manteve uma relação de "compadrio” com a ditadura militar do 16 A dicotomia entre este discurso e a prática pedagógica ficou exemplarmente evi-
pós 64. dente na investigação de FERREIRA (1984).
E d uc a ç ã oFí s i c a :ab u sc ad aa ut o no m i ap e d a g ó g i c a 27
26 Educação Física e Aprendizagem Social

 A Psicomotricidade . Baseada na interdependência do desenvol-


los  talvez possamos falar em início de uma crise, no sentido atribuído por
vimento cognitivo e motor, critica o dualismo predominante na Educação
MEDINA (1983). Talvez seja proveitoso caracterizar, ligeiramente, essas
Física, e propõese, a partir de jogos de movimento e exercitações, con-
novas interpretações (propostas), que, viaderegra, fazem a crítica da Edu-
tribuir para a Educação Integral. O autor de maior influência no Brasil é,
cação Física estabelecida. Vale ressaltar que, devido à sua fragmentação e
sem dúvida, o francês J. LE BOULCH, para quem “a Educação Psicomoto-
interpenetrações, estas novas interpretações resistem ainda a uma tipologia
ra assenta no desenvolvimento de algumas aptidões de natureza perceptiva
mais precisa (ver CAVALCANTI 1985 e TAFFAREL 1985).
e de natureza motora, em relação com as funções mentais” (apud SOBRAL,
1976, p. 93). Sua proposta está expressa no título de um de seus livros: a
 Uma destas novas interpretações está baseada na crítica ao be
Educação pelo movimento. Isto é, e a tentativa de instrumentalizar o movi-
haviorismo, à pedagogia tecnicista, e pode ser caracterizada como o daEdu
mento com vistas às tarefas “fundamentais” da Escola. Embora considere a
cação Física Humanista . Esta proposta desloca a prioridade dada ao pro-
crítica ao dualismo um grande avanço, pareceme que sua base teórica ainda
duto para o processo de ensino, introduzindo o princípio do processo de
não apresenta os fundamentos de uma teoria pedagógica da Educação Físi-
ensino nãodiretivo. Os objetivos da Educação Física situamse mais no
ca (pareceme também que não é esta a intenção dos seus autores). A con-
plano geral da Educação Integral. O conteúdo é muito mais instrumento
cepção de Educação Física presente nesta proposta “resulta de uma pers-
para promover as relações interpessoais e facilitar o desenvolvimento da
pectiva desencarnada socialmente” (MELO DE CARVALHO, 1987, p. III).
natureza, em si boa, da criança (17). Esta interpretação ou proposta mantém
Com a Psicomotricidade, temos um deslocamento da polarização da Educa-
íntima relação com uma outra que surge a partir do chamado Esporte para
ção do movimento para a Educação pelo movimento, ficando a primeira
Todos. Embora surgido menos como crítica à Educação Física e mais como
movimento alternativo ao esporte de rendimento, o EPT acaba influencian- nitidamente
vidades comoem algo
segundo plano: “a
secundário, Educação
devendo Psicomotora
subordinarse ao considera as ati-
desenvolvimento
doa. Sua concepção é baseada numa crítica humanista, de cunho existenci-
de algumas capacidades e relacionadas com as funções mentais” (SOBRAL,
alista, ao esporte de rendimento (18). O objetivo central da Educação Física
1976, p. 94). A motricidade ou movimento corporal (por ex. na forma cul-
tornase, nesta concepção, a instrumentalização do aluno para ocupar suas
tural de esporte) não é um saber a ser transmitido, e sim meio, instrumento.
horas de lazer com atividades. E, de maneira que tal ocupação possa ocorrer
Por outro lado, a sua base de argumentação, a íntima relação do desenvolvi-
de forma autônoma, crítica e criativa, existe a necessidade de utilizar for-
mento de estruturas cognitivas com o desenvolvimento motor, é generalizá-
mas variadas de movimentos corporais, diferenciandoas das atividades es-
vel para depois dos 1011 anos de vida somente com restrições. Ou seja, a
tereotipadas do esporte de alto nível. Adaptar, modificar, criar novas formas
“qualidade” da relação entre cognição e motricidade assume conotação to-
de movimento são as palavras de ordem. No entanto, “o social é entendido
talmente diferente. Se nos primeiros anos de vida a aprendizagem de no-
como uma extensão do individual, ou seja, tratase de desenvolver atitudes
ções como a lateralidade, a estruturação espaçotemporal, etc. desenvol-
de cooperação e solidariedade a fim de inserirse de maneira positiva no
vemse em íntima relação com o próprio desenvolvimento da motricidade,
meio social já dado, jamais questionado” (LIBANEO, 1985, p. 65).
de tal maneira ser quase impossível identificar os limites entre um e outro,
pareceme difícil afirmar o mesmo do aprendizado, por ex., de operações
matemáticas mais complexas. Bem observado, a relação entre cognição e
motricidade (e afetividade) não desaparece, mas assume outra “qualidade”.
17 Para esta concepção ver OLIVEIRA (1984).

18 Claramente identificável, por exemplo, no trabalho de DIECKERT (1987, p. 134):  A assim chamada Educação Física Revolucionária. Como bem
“O Esporte para Todos, desenvolvido neste meio tempo no Brasil, representa lembra CAVALCANTI (1985), a concepção crítica ou revolucionária da
muito desta nova antropologia, que coloca a autonomia do ser humano no centro. Educação Física vem ensaiando os primeiros passos, porém ainda de forma
Não é o esporte que faz o homem, mas o homem que faz o esporte! Ele determina bastante difusa, apresentandose ainda muito fragmentada. O que diferen-
o que, como, onde, quando, por quanto tempo, com quem, sob que regras, com cia esta tendência de todas as outras descritas anteriormente é o fato dela
que objetivo e sob que condições o pratica”.
28 Educação Física e Aprendizagem Social E d u c a ç ã oF í s i c a :ab u s c ad a a u t o n o m i a p e d a g ó g i c a 29

realizar a crítica da Educação Física a partir de sua contextualização na dades nucleares da Escola), transmitir, enquanto partes constitutivas de uma
sociedade capitalista, operando tal crítica a partir da tradição teórica do totalidade de conhecimentos, o seu particular, sem entretanto estabelecer
marxismo e, assim, ressaltando a dimensão política da Educação e da Edu- uma posição com o geral. Entretanto, para que possamos realizar esta tare-
cação Física. Seus adeptos colocam como elemento norteador de uma “nova” fa, é preciso examinar atentamente o que fundamenta cada disciplina curri-
Educação Física, um compromisso político com as classes oprimidas, com cular e o porque de sua existência. É preciso captar o que a definiu como tal,
vistas a transformações estruturais na sociedade, condição indispensável a que necessidade pedagógica veio atender”. Nesta perspectiva, pareceme
para um com-viver Humano. Dois pontos têm sido objeto de análise crítica: necessário negarmos a oposição entre Educação pelo Movimento e Educa-
a) a ideologia burguesa veiculada pela Educação Física (19); eb) a “domes- ção do Movimento em favor de uma unidade dialética: Educação pelo, do e
ticação do corpo” na Educação Física (crítica realizada a partir das teorias para o Movimento. A Educação Física possui um conteúdo, um saber, cuja
de M. Foucault e também W. Reich (20). Como bem lembra KUNZ (1991), transmissão deve ser assumida como tarefa pela Escola.
estas novas concepções estão ainda numa fase críticoteórica que precisa
ser superada em favor de alternativas pedagógicas, para que o próprio dis- A Educação Física, na transmissão deste saber e em função das
curso não perca sua ressonância crítica. Se, na análise e avaliação da função características, deste elemento da cultura, pode contribuir para com os
que a Educação Física tem cumprido em nossa sociedade, não ocorre disso- objetivos da Escola (que transcendem a especificidade de uma dada dis-
nância maior entre estas duas correntes, o mesmo não pode ser dito das ciplina).
poucas propostas alternativas de ação pedagógica que delas tem emanado.
Enquanto a primeira centra sua proposta mais na transmissão crítica do sa- A desconsideração da Educação do e para o movimento, em favor da
ber, mesmo do ou
na experiência esporte, e na corporal,
vivência luta contraideológica,
nas práticas adesegunda centrase
conscientização Educação pelo
cocultural movimento(ecorreria
do movimento com eleo as
perigo de negligenciar
contradições sociais). oPor
fator
isso,históri
con-
corporal. sidero que as formas culturais de movimento que se apresentam no mundo
vivido de nossa população alvo, precisam ser tema e problematizadas na
Nenhuma destas novas tendências parece, no entanto, ameaçar seria- Educação Física. Isto implica, por exemplo, a tematização da vida de movi-
mente a hegemonia da “tendência esportiva”. Não fornecem também, até o mento das camadas populares (ver KUNZ, 1991).
momento, à ação pedagógica em Educação Física um quadro referencial
teórico consistente. Mas como podemos legitimar a Educação Física na Escola? Em que
consiste a importância da Educação Física? Para que Educação Física? Pa
Identificandome com a concepção revolucionária de Educação Físi- receme que a tendência progressista da Educação Física tem negligenciado
ca  preferiria denominála de tendência progressista  gostaria de, finali- esta questão em favor da questão: para quem serve a Educação Física? Na
zando e obedecendo ao caráter exploratório deste escrito, tentar uma peque- visão da Educação Física como atividade, com o objetivo do desenvolvi-
na contribuição à tarefa enunciada acima, abordando o complexo: Educa- mento da aptidão física com vistas à saúde, a legitimação ocorria pela sua
ção do movimento  Educação pelo movimento? Antes de mais nada, é vinculação ao mundo do trabalho, pela sua importância para a produção
importante evitarmos aqui o “pedagogismo”. SOARES (1987) aponta o ca- (força de trabalho). Como vimos, com a afirmação do esporte também como
minho: “cabe às disciplinas que constituem o currículo (conjunto de ativi conteúdo hegemônico na Educação Física e as modificações estruturais a
nível da sociedade que codeterminaram esta mudança  ocorre um certo
deslocamento em direção ao lazer. A Educação Física passa a ser relaciona
da, agora, menos diretamente com o mundo da produção, mas de forma
imediata através da mediação do lazer, o que, em função do maior status
19 Entre outros: CASTELLANI FILHO (1983); BRACHT (1986); CARMO (1987).
social do trabalho (atividade “nobre”) em relação ao lazer (atividade "su
20 Entre outros: MEDINA (1987) e FREIRE DA SILVA (1987).
30 Educação Física e Aprendizagem Social
Educação Física: a busca da autonomia pedagógica 31

pérflua”), não deixa de constituirse numa dificuldade para tal legitimação motora, em crescimento e desenvolvimento, em socialização, etc., pois, se
(21). No entanto, o lazer e a educação para o lazer parecem, cada vez mais, esta pode fornecer elementos para a realização dos objetivos da Educação
serem considerados um tema e uma tarefa também da Escola (22). Física, não descobrirei, com o seu auxílio, o compromisso político para com
os oprimidos de nossa sociedade (23).
Para alguns autores (KURZ [1985] e BENTO [1987]), a importância
quantitativa que o esporte assumiu em nossa sociedade é considerada já
como argumento justificador para a sua consideração por uma escola que
não é “cega” frente à realidade social. No entanto, para a legitimação da
Educação Física, a alusão à dimensão quantitativa do esporte não me parece
condição suficiente pois, antecedendo ou complementando a avaliação da
importância quantitativa do esporte, seria necessária uma avaliação do sen-
tido e funções do esporte (por ex. como elemento do lazer) para o Homem e
nossa sociedade; portanto, uma avaliação qualitativa (normativa) do espor-
te. E, neste sentido, uma teoria pedagógica da Educação Física, para além
da consideração do aspecto históricocultural concreto ou de como o movi-
mento se apresenta culturalmente, não pode renunciar a uma análise antro-
pológica do fenômeno da ludomotricidade humana, pois, para além das ca-
racterísticas
partir da suae códigos que os movimentos
contextualização corporais
históricocultural, e os jogos
pareceme assumemne-a
impossível
gar seu caráter universal e constituinte da natureza humana. Permanecer
nesta análise antropológica, fazendo dela a base única de uma teoria (da
legitimação) da Educação Física é condenála a um abstratismo ideológico
e ao ahistoricismo. No entanto, se não é condição suficiente, é, pelo menos,
condição necessária.

Finalizando, gostaria de dizer que o desenvolvimento de um corpo


teórico da Educação Física que intermedie a sua relação com o “meioam
biente” é tarefa nossa, ou seja, dos sujeitos que constituem a Educação Físi-
ca. A autonomia pedagógica, da qual se falou aqui, necessita da investiga-
ção pedagógica, que não e uma tarefa meramente técnica, que não exclui
mas não pode também ser confundida com a pesquisa em aprendizagem

21 O preconceito burguês em relação ao ócio acentuase quando este diz respeito as


atividades corporais, o que vale combater. Ver a respeito LAFARGUE (1983).
23 A falta de respostas neste escrito às muitas das questões levantadas, devese não
só, em parte às minhas próprias limitações, ao caráter deste texto, mas também ao
22 Importantes a respeito são os trabalhos de MARCELLINO (1983, 1987).
próprio estágio de desenvolvimento da Teoria da Educação Física.
Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 33

CAPÍTULO II
Educação Física: a busca da legitimação pedagógica

2.1 Introdução

Este ensaio pretende ser um prolongamento de outro publicado ante-


riormente e que leva o título “Educação Física: a busca da autonomia peda-
gógica” (BRACHT, 1989). Ambos circunscrevemse no âmbito do esforço
que faz o autor para desenvolver elementos para uma teoria (crítica) da Edu-
cação Física.

Naquele texto procurei demonstrar que aquela prática pedagógica


chamada de Educação Física, e que tem como característica diferenciadora
a tematização do movimento corporal, manteve e mantém uma relação his-
tórica com instituições como a militar e a esportiva, que pode ser caracteri-
zada como de subordinação e que, portanto, não logrou desenvolver sua
autonomia, vale dizer, regerse por princípios e códigos próprios.

Embora considere que várias questões (1) importantes  para o de-


senvolvimento de um corpo teórico que fundamente a prática pedagógica
em Educação Física  estejam sendo discutidas em diferentes fóruns, como
simpósios e congressos, entendo que uma tem estado, estranhamente, au

1 Por exemplo: O que é Educação Física? É comum ouvirse, (nós nem sabemos o
que é Educação Física)!, o que é interpretado como sinal de uma “crise de identi-
dade”. A Educação Física seria uma (nova) ciência? ou, formulado de outra for-
ma: a Educação Física deveria assumir o estatuto de ciência? Tem sido denuncia-
do (se é que isto ainda pode ser considerado uma denúncia?!), que a função so
cial da Educação Física, assim como da Educação como um todo, e a de reprodu-
zir o nosso sistema societal, portanto, de reproduzir também, entre outras coisas,
a injustiça social, etc.

h
34 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 35

sente (para não dizer que tem sido evitada). Refirome à questão da legiti- que ela seja (4) . Além disso, é importante atentar pa ra o que nos diz VI E I -
midade da Educação Física na Escola, ou seja, a razão de ser da Educação RA PINTO (1979, p. 901): “o conteúdo de todo conceito é a sua história”.
Física no currículo escolar (2). Acreditando estar respaldado pela história, entendo que a Educação Física
é a prática pedagógica que tem tematizado elementos da esfera da cul
Pretendo, portanto, me ater mais especificamente a esta problemáti- tura corporal/movimento.Este conceito, reconheço, é ainda meramente
ca, sem contudo me furtar de abordar questões que a tangenciam ou que descritivo; além disso, seria necessário complementálo com a elucidação
com ela estão intimamente relacionadas. Um exemplo, é a citada pergunta: do entendimento da expressão “prática pedagógica” (5). A resposta que
mas afinal, o que é Educação Física? ofereci aqui, e que tomo como base para minhas reflexões, tem um ca-
ráter descritivo, uma vez que entendo que um conceito de Educação
Física é uma teoria da Educação Física, e isto estamos tentando desen-
2.2 Excurso: acerca da pergunta, o que é Educação Física? volver.
Relembrando, no Brasil os elementos da cultura corporal/movimen-
Uma resposta a esta questão só é possível se tivermos claro o que na to predominantes na Educação Física foram, num primeiro momento, a gi-
verdade estamos perguntando. Entendo que parte das dificuldades no en- nástica e, num segundo  e esta é a situação atual  o esporte (6). É impor
frentamento desta pergunta, decorre da falta de clareza quanto ao “o que
estamos perguntando com esta pergunta”, portanto, residem na raiz da pró-
pria pergunta. Senão, vejamos: é comum buscarse elucidar a essência (3)
da Educação Física, como se esta existisse independentemente da Educação
Física concreta e situada historicamente, que conhecemos. É desta busca
que derivam expressões do tipo: “mas esta não é a verdadeira Educação
Física”. Ora, a “verdadeira Educação Física” é aquela que acontece concre
tamente, e não uma entidade metafísica que estaria hibernando em algum
recanto à espera de sua descoberta. Se é isto que estamos perguntando (pela 4 Não estou ignorando a necessária dialetização entre o velho e novo, no sentido
essência no sentido metafísico), estamos perguntando errado, pois a “ver- de que existem diferentes “projetos” para a Educação Física (que refletem dife-
dadeira” Educação Física é aquela que nós construímos no nosso fazer diá- rentes projetos de sociedade e visões de mundo). Mas enquanto projetos, eles
rio. Entendo que, para apreender a Educação Física enquanto fenômeno, é ainda não são a Educação Física.
preciso, num primeiro momento, desvencilharse daquilo que desejamos
5 Eu acentúo, a Educação Física é antes de tudo uma prática pedagógica, que como
toda prática social não é obviamente destituída de pensamento  eu quero com
isso me contrapor àquelas posições que a denominam preferencialmente como
uma área do conhecimento. Ela elabora um corpo de conhecimentos que tendem
a fundamentála, pois toda prática exige uma teoria que a constitua e dirija. Mas
a Educação Física é uma prática social de intervenção imediata, e não uma práti-
ca social cuja característica primeira seja explicar ou compreender um determi-
nado fenômeno social ou uma determinada parte do real.

6 Aqui fazse necessária uma rápida observação: não posso derivar daí que o Es-
2 Esta foi a questão que levantei no ensaio anteriormente citado, no momento que porte é Educação Física. Não, o esporte é um fenômeno social que tem um desen-
fazia a (auto)crítica às “tendências progressistas” da Educação Física, que até volvimento, embora relacionado, relativamente autônomo em relação à Educa-
então haviam se omitido em relação a este problema. ção Física, assim como a dança já compunha a nossa cultura corporal/movimen-
to, muito antes que o próprio termo Educação Física tivesse sido usado pela pri-
3 Leiase, “essência metafísica”. meira vez.
36 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 37

tante ressaltar que a eleição ou a tematização na Educação Física de deter- denamento legítimo merece reconhecimento. Legitimidade significa que um
minado elemento ou manifestação da cultura corporal/movimento, está re- ordenamento político é digno de ser reconhecido” (Idem, p. 219220). E
lacionada, direta ou indiretamente, com as necessidades do projeto educa- neste sentido, como lembra WEFFORT (1988), “um regime de legitimida-
cional hegemônico em determinada época, e com a importância daquela de política só pode ser a democracia. ... E isso porque a democracia é o
manifestação no plano da cultura e política em geral. A tematização privi- único regime que organiza, isto é, institucionaliza, o consentimento popu-
legiada da ginástica por exemplo, tem a ver com o papel higienista atri- lar. sem o qual a legitimidade perece” (p. 24). Eu diria, trazendo a discussão
buído à Educação Física no projeto educacional do início deste século para o nosso tema, que é só na democracia (ou seja, na luta democrática
no Brasil (ver a respeito os estudos de (CASTELLANI 1989; SOARES, entre grupos/partidos para a realização de sua proposta de democracia),
1990). que a questão da legitimidade pode vir à tona e ser efetivamente coloca-
da (7).

2.3 Crise e legitimação Legitimar a Educação Física significa, então, apresentar argumentos
plausíveis para a sua permanência ou inclusão no currículo escolar, apelan-
É cada vez mais comum ouvirse nos meios da Educação Física que do exclusivamente para a força dos argumentos, declinando do argumento
ela se encontra em crise. É de M. SÉRGIO (1988, p. 12) a afirmação de que da força (que é o que acontece quando um regime autoritário “legaliza”
“o discurso da Educação Física é, desde a década de 60, declaradamente de alguma prática social). Esta legitimação precisa integrarse e apoiarse dis
crise”. São aludidas diferentes causas para explicar a referida crise, além de cursivamente numa teoria da Educação.
diferentes interpretações do seu caráter. Uma delas, por exemplo, parte do Na verdade, a legitimação de uma matéria se dá em função do papel
argumento de que não existe uma profissão regulamentada de Professor de
Educação Física, o que causaria uma falta de respeito profissionais bem que uma determinada época lhe atribui. Que funções, que papéis foram atri-
como uma indefinição do mercado de trabalho. Outros entendem que a crise buídos à Educação Física nos diferentes momentos, e que função social/
é de cunho epistemológico. Considero que, neste contexto de crise, a legiti- humana a (pouca) teoria da Educação Física tem advogado para esta prática
mação da Educação Física no sistema de ensino, assume um caráter funda- pedagógica?
mental (a questão epistemológica não está aí excluída).
Antes de apresentar especificamente as tentativas de legitimação da
Contra uma possível falta de legitimação, o professor de Educação Educação Física na Escola, gostaria de discutir brevemente a questão da
Física não soube, até o momento, articular nada muito além de "altos brados produção do conhecimento na e para a Educação Física.
de indignação” e um discurso, na maioria das vezes, teoricamente inconsis-
tente, isto quando não se apega ou faz um discurso “legalista", confundindo
legalidade com legitimidade. 2.5 A produção do conhecimento na e para a Educação Física

A produção do conhecimento nesta área esteve pautada por proble-


2.4 Os modelos de legitimação da Educação Física máticas que se derivaram dos entendimentos das funções atribuídas histori-

Como lembra HABERMAS (1983, p.220), “somente ordenamentos


políticos podem ter legitimidade e perdêla; somente eles têm necessidade
de legitimação”. “Legitimidade significa que há bons argumentos para que
um ordenamento político seja reconhecido como justo e equânime; um or- 7 Por isso não estranha que a questão da legitimidade da Educação Física enquanto
componente curricular, comece a ser discutida após a ditadura militar
38 E d uc a ç ã oFí s i c aeA p r e nd i z a g e mS o c i a l Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 39

camente à Educação Física. Quais sejam: quais as contribuições do exercí- cionalmente decisões normativas intersubjetivamente válidas, pois esta te-
cio físico sistemático e racionalizado para a saúde, entendida enquanto saú- ria que submeterse às seguintes premissas:
de biológica (higiene, funções orgânicas, etc.). Tratavase de evidenciar tam-
bém, os efeitos sobre o desenvolvimento do “caráter”, numa visão funcio
a) Fundamento racional significa dedução lógico formal de senten-
nalista da sociedade. Já sob o paradigma esportivo, a problemática passa a
ças a partir de sentenças mais básicas.
incluir, além da possível influência de determinado esporte sobre vari-
áveis relacionadas com a saúde (e com o desenvolvimento motor e or-
gânico), a investigação da variável melhoria do desempenho atlético b) Validade intersubjetiva de sentenças (afirmações) é igual a valida-
esportivo. de objetiva, no sentido da constatação não valorativa ou da dedução lógico
formal.
Vale registrar que a teoria do conhecimento ou a concepção de
ciência que predominou no âmbito da produção do conhecimento na c) A partir de tal verificação ou constatação (de fatos) não é possível,
área, foi o das ciências naturais de matriz positivista. Uma das princi- com o auxílio da dedução lógica, derivar nenhum julgamento de valor ou
pais características desta concepção de ciência, e que vai nos interessar afirmação normativa.
mais de perto, é que ela radicaliza a separação entre teoria e prática:
“ela apresenta como medida absoluta da cientificidade, os critérios da
Mas a teoria pedagógica, bem lembra SCHMIEDKOWARZIK
comprobabilidade
mana dirigida porintersubjetiva e da consistência
decisões é denunciada lógica. A por
como acientífica prática hu-
escapar (1983, p. 130), tem uma dupla tarefa: “pois na medida em que a Educação é
a produção do homem em homem através do homem (educador), o educa-
ao alcance experimental e à fixação empírica como validade universal,
dor necessita tanto da diretriz do “como” de sua ação educativa, como da
como tudo que não pode ser subsumido a este esquema” (SCHMIED
determinação de sentido desta ação dirigida ao homem em seu quê. Numa
KOWARZIK 1983, p. 21).
das tarefas da pedagogia sobressai uma motivação prática, já que a teoria se
coloca inteiramente a serviço da destinação prática do educador em sua prá
Isto nos remete ao problema da relação entre o conhecimento (cien- xis futura; na segunda tarefa sobressai uma motivação teórica, pois a teoria
tífico) produzido na “área” e a prática pedagógica em Educação Física. se esforça em desvelar ao educador o horizonte de tarefas da prática educa-
cional a partir da totalidade da humanização do homem. Entretanto, a teoria
nem é ensinamento artesanal puramente prático na sua primeira forma, nem
São várias as conseqüências da adoção da concepção de ciência pró-
na segunda, simples sabedoria teórica; pois em ambos os casos a motivação
pria do positivismo pela comunidade acadêmica que se propunha a produzir
prática e a teórica são mediatizadas em direção à unidade de teoria e prática
conhecimento “científico” na área da Cultura Corporal/movimento. Uma
no processo educacional”.
delas é a de que o conhecimento produzido é, viaderegra, inútil para a
prática pedagógica em questão. Outra é de que o conhecimento produzido
não enfrenta a questão do sentido da prática. Acontece que, nas ciências analíticas de orientação positivista, não
se colocam as questões práticas onde decisões sobre o sentido da prática
humana são solicitadas. Estas são recusadas em nome da neutralidade e
Para APEL (1988, p. 24), é justamente o conceito de racionalidade
objetividade científicas. Mas, como sabemos, a prática pedagógica exige
que domina no interior da ciência analítica, no seu sentido de objetividade
tais decisões. Se a “ciência” não se responsabiliza por tais decisões, se ela
sem julgamento de valor, que coloca a impossibilidade de fundamentar ra-
40 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 41

somente se preocupa com o que é objetivamente, ou com o como (questões Retomando a "abordagem desenvolvimentista” de TANI et al.
técnicas), quem, e a partir de que bases vão ser tomadas estas decisões de (1988), gostaríamos de exemplificar as limitações das abordagens em
cunho normativo? píricoanalíticas no que diz respeito à formulação de uma teoria peda-
gógica para a Educação Física. Para os autores acima citados, “a Edu-
cação Física Escolar pode ser estruturada através de abordagens ma-
HABERMAS (1988, p.11) lembra que “questões técnicas colocam
croscópicas, de características filosóficas e administrativas, e também
se no sentido da organização de meios racionais com vistas a objetivos, e da
de abordagens mais microscópicas, que parte do estudo das caracterís-
escolha racional entre meios alternativos tendo em vista objetivos dados
ticas dos alunos em diferentes níveis de análise” (TANI et al., 1988. p.
(valores e máximas). Questões práticas no entanto, colocamse no sentido
135). Os autores optaram pela abordagem microscópica, considerada
da aceitação ou rejeição de normas, especialmente de normas de ação, cuja
uma entre várias outras possíveis. Ora, o equívoco é patente, na medida
aspiração de validade nós podemos fundamentar ou rejeitar racionalmente.
em que as abordagens macroscópica (filosófica) e microscópica (des-
Teorias que pela sua estrutura servem para esclarecer questões práticas, são
crição dos processos de desenvolvimento da criança) não são indepen-
estruturadas para entrar no âmbito da ação comunicativa”. O que é impor-
dentes entre si, de tal maneira que pudéssemos a posteriori apenas so-
tante ressaltar, é que “os interesses orientadores do conhecimento técnico e
mar uma à outra. Elas muito mais se interpenetram, pois as decisões
prático não são condutores da cognição, que em função da aspiração de
chamadas de filosóficas vão valerse das informações sobre o desen-
objetividade do conhecimento, precisariam ser colocados fora de ação. Eles
volvimento da criança, assim como aquelas decisões vão determinar,
muito mais determinam o aspecto.sob o qual a realidade pode ser objetivada
como diz HABERMAS (1988), o aspecto sob o qual aquele desenvolvi-
e assim tornada acessível à experiência" (Idem. p. 16). mento será objetivado e tornado acessível à experiência. Os objetivos
da Educação Física na Escola não podem ser simplesmente deduzidos
Como a primeira pergunta com a qual uma teoria pedagógica (como logicamente dos conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança. É
uma teoria da Educação Física) é a do seu sentido, e a concepção de ciência preciso para tanto, elucidar qual o papel desejável para a Escola em
predominante no âmbito da Educação Física exclui esta questão do rol de nossa sociedade. Isto por sua vez implica, tanto em fazer uma leitu
suas competências, a (pouca) teoria da Educação Física desenvolvida até ra da sociedade em que vivemos, como implica em projetar a socie
então preocupouse fundamentalmente com as questões técnicas, instrumen- dade que almejamos. Portanto, para uma teoria para a prática pe
tais, não enfrentando a questão dos valores. Na abordagem chamada de de dagógica em Educação Física, o “porquê” (decisões normativas) não
senvolvimentista (ver TANI et al. 1988) há inclusive, uma tentativa de fun- pode ser discutido isoladamente do “como” (questões técnico-me-
damentar “cientificamente” a Educação Física a partir das necessidades todológicas).
obviamente “naturais” das crianças, e porque leis naturais, passíveis de se-
rem determinadas objetivamente, pois independem dos seres humanos con-
Assim, as diferentes disciplinas científicas que se ocupam do movi-
cretos, na esperança de contornar a questão dos valores.
mento humano, enquanto não envolvidas com a prática pedagógica em Edu-
cação Física, e ocupandose com dimensões parcelares desta prática, são
Estamos aí frente a uma das características de uma teoria da Educa- apenas fornecedoras de informações em estado bruto, que precisarão passar
ção Física. Enquanto teoria de uma prática pedagógica, ela precisa enfren- por um processo de teorização da pedagogia da Educação Física, e não po-
tar a questão dos valores (penetrar no âmbito da ética). Ou seja, ela vai derão jamais substituíla. A pedagogia da Educação Física enquanto ci
refletir (e fazer opções conscientes) em torno de uma visão (projeto) de ência prática, tem seu sentido não na “compreensão, mas no aperfeiço
mundo, de Homem e de sociedade. amento da práxis”.Assim, seria necessário que a produção do conheci
42 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 43

mento para sustentar/orientar a prática pedagógica em Educação Física, se Eu classifiquei estas tentativas em modelos heterônomos e autôno-
pautasse no específico do “educativo”, isto é, a problemática a ser objeto de mos(8). As tentativas de fundamentação autônomas são aquelas que situam
investigação, seria determinada pelas questões que a prática educativa em a razão ou importância pedagógica das atividades corporais de movimento
Educação Física coloca. nelas mesmas. Nesta perspectiva, estas atividades encerrariam elementos
humanos fundamentais. As tentativas heterônomas, ao contrário, buscam
tal razão muito mais fora das atividades, em suas repercussões sociais. É
Quais são então as expectativas em relação a uma teoria da Edu-
importante observar, mais uma vez, que são tipos ideais que criei, e que não
cação Física? A quais perguntas deveria uma teoria da Educacão Física
aparecem de forma pura e, sim, na maioria das vezes, combinados e intere
responder? Basicamente a duas: o porque (sentido) e o como (instru- lacionados.
mental).

A base teórica das legitimações autônomas tem sido basicamente a


Estas duas questões de cunho geral devem ser precisadas. Uma teo-
antropologia filosófica e a fenomenologia (as diferentes teorias fenomeno
ria da prática pedagógica Educação Física, precisa: a) poder fundamentar
lógicas do jogo como as de HUIZINGA, BUYTENDJIK, MERLEU PON
esta prática no currículo escolar, isto é, precisa dizer a quais necessidades
TY e também SANTIN), ao passo que as legitimações heterônomas têm nas
vem atender e da indispensabilidade de sua função, caracterizando assim o
disciplinas científicas de cunho biológico e nas teorias sociológicas funcio
seu objeto  ou seja, precisa se defrontar com a pergunta do porque Educa-
nalistas ou na sociologia funcionalista, sua base. É importante observar que
ção Física na Escola, legitimála (implica discutir os fundamentos filosófi
coantropológicos, o significado humano e social da ludomotricidade hu- são os na
Física pedagogos
Escola, eque
nãosecomo
valemmuitos
destasgostariam
teorias para fundamentar
de insinuar, a Educação
de que aqueles
mana); b) desenvolver e apoiarse numa concepção de currículo, defi-
autores estariam propondo a Educação Física na Escola.
nindo, entre outras coisas, a função da Escola no contexto societal, o
saber ou o conteúdo de que vai tratar, bem como dos critérios para a
seleção e sistematização destes conteúdos; c) em consonância com os
objetivos e as características dos conteúdos, propor e fundamentar uma
metodologia do ensino; d) explicitar uma proposta para o problema da
avaliação do ensino.

2.6 A crítica e a superação dos modelos de legitimação vigentes

Mas retornemos à questão da legitimação da Educação Física na Es-


cola. Busquei condensar num esquema, os modelos legitimadores ou que 8 Transformar o saber elaborado em saber escolar. “Essa transformação é o poces
buscam fundamentar a Educação Física na Escola, e que estão presentes so através do qual selecionase, do conjunto do saber sistematizado, os elementos
relevantes para o crescimento intelectual dos alunos e organizase esses elemen-
excluindose, complementandose, em diferentes momentos. Em abstrain- tos numa forma, numa seqüência tal que possibilite a sua assimilação” (SAVIA-
do desta forma (construindo tipos ideais), estou correndo o risco de genera- NI, 1991, p. 79).
lizar excessivamente, como por exemplo, não levar em consideração as es * O autor holandês Bart CRUM (1988) resumiu as tentativas de legitimação (In
pecificidades dos diferentes graus de ensino. Educação Física enquanto atividade curricular, também em duas vertentes há:.i
cas: a) A concepção biologista (biologistische Fachkonzept), c b) n contvpçmi
formativa (bildungstheoretische Fachkonzept).
44 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 45

Enquanto, na perspectiva heterônoma, acentuase a funcão social, Compensatória,na medida em que a Educação Física colabora para
ligada principalmente ou tendo como referência básica o mundo do trabal- compensar a insatisfação e alienação do trabalho intelectual em sala de aula.
ho, isto é, uma função em última instância, “séria” ou “produtiva”, na pers- Uma atividade que compensa o desgaste na atividade séria e a implacável
pectiva autônoma, acentuase a dimensão lúdica do humano. materialização do mundo contemporâneo (coisificação das relações huma-
nas).
GRUPE (1976. p. 35), um pedagogo que busca fundamentar a Edu-
cação Física via Antropologia Filosófica, entende que a primeira questão Utilitaristaporque prepara para o trabalho (aptidão física e habili-
com a qual uma teoria da Educação Física precisaria se confrontar é exata- dades motoras), ao mesmo tempo que prepara o indivíduo para uma ativida-
mente de cunho antropológico. Neste sentido, entende que a legitimação da de que tem a função de recuperar a força de trabalho.
Educação Física é resultado de dois princípios independentes: em primeiro
lugar, do fato de que a existência humana é radicalmente “um ser corporal Moralistaporque é uma atividade que ajuda a suportar a disciplina e
no mundo” (não existe consciência sem corpo); e, em segundo, de que o as imposições obrigatórias da vida social, pela ocupação do tempo livre em
jogo (junto com o trabalho) pertence às formas srcinais (até agora não ple- atividades equilibradas, socialmente aceitas e moralmente corretas (enquanto
namente conhecidas) da existência humana. Ora, uma educacão que está a criança pratica esporte está ocupada com uma atividade socialmente acei-
voltada para o humano, que se volta para as dimensões essenciais do Ho- ta e não pensa em “bobagens”).
mem, não pode negligenciar a corporeidade e a ludicidade, pois estas são
formas humanas básicas de comunicacão com o mundo (o discurso pedago
gicista da Educação Integral também vai nutrirse nesta trilha de argumen- A abordagem funcionalista vê a Educação Física e a Educação como
elementos que garantem a funcionalidade do sistema como um todo, e aju-
tação).
dam a prevenir disfuncionalidades ou conflitos. O fundamento científico
desta perspectiva advém das ciências biológicas e da saúde de orientação
Mas, na verdade, o que tem predominado entre nós é a fundamenta- positivista. Daí advém também grande parte de suas limitações e seus redu
ção heterônoma. Aqui predomina uma visão instrumentalista da Educação cionismos, que, em termos de concepção pedagógica, tem sido denominada
Física. A Educação Física é fomentadora da saúde (via aptidão física), cria e denunciada como "biologista". Na verdade, a concepção positivista da
e desenvolve hábitos higiênicos, desenvolve o sentimento cívico, etc. ciência não pode fornecer o fundamento para a prática pedagógica, porque
ela radicaliza a separação entre teoria e prática. “Ela apresenta, como medi-
Usando uma classificação desenvolvida por MARCELLINO (1987) da absoluta da cientificidade, os critérios dacomprobabilidade intersubjeti
para o Lazer, poderíamos dizer que as funções atribuídas à Educação Física va e da consistência lógica. A prática humana dirigida por decisões (como é
neste plano são de ordem: o caso da prática pedagógica V.B.) é denunciada como acientífica por esca-
par ao alcance experimental e à fixação empírica como validade universal,
como tudo que não pode ser subsumido a este esquema” (SCHMIED
a) compensatória;
KOWARZIK 1983, p. 21). A partir deste modelo teórico, questões com-
plexas, como por exemplo a da saúde, sofrem uma redução de cunho
b) utilitaristae biologista.

c) moralista. Neste contexto, surge, mais recentemente, uma nova versão para le-
gitimar a Educação Física na Escola. Esta tem a ver com a dimensão que
46 Educação Física e Aprendizagem Social Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 47

assumiu o fenômeno esportivo em nossa sociedade. A dimensão quantitativa admitiase, estava realizada na teoria e na prática! Mas é evidente, porém,
do esporte parece ser razão suficiente para que a escola assuma a tarefa de que a Educação Física estava seriamente ameaçada, correndo o risco de
transmitir este elemento da cultura. Definese, nesta perspectiva, a tarefa da perder a sua individualidade própria, e que esta educação pelo movimento
Educação Física como a de desenvolver a capacidade de ação no desporto” em breve diluirseia também nas disciplinas que, no movimento, haviam
(BENTO, 1987). de ver, mais cedo ou mais tarde, um meio excelente de resolver problemas
específicos, como a matemática, a aprendizagem da leitura e da escrita,
etc.”.
A legitimidade das práticas corporais, principalmente o esporte, nas
sociedades modernas, pode ser deduzida da praticamente unanimidade que
o esporte hoje alcança. Ser esportivo, aparentar boa forma física, já quase E ainda importante citar que, no Brasil do pós64, temos nos textos
não é mais uma opção, mas sim uma imposição social. Ligada a este “boom” legais uma combinação da fundamentação da Educação Física na Escola:
do corpo ou das práticas corporais, temos o “boom” da indústria do lazer e “Aptidão Física” (integrada na política de recursos humanos para o projeto
dos materiais esportivos. Assim, embora os pedagogos resistam em utilizar de desenvolvimento) e a Educação Física como base da pirâmide espor-
esta nova dimensão do cotidiano de boa parte da população como elemento tiva.
de legitimação da Educação Física na Escola,é bem provável que a Esco
la, concretamente, já esteja, através das aulas de Educação Física, ser Em termos gerais, procurouse legitimar a Educação Física via: a)
vindo a esta nova indústria, e a Educação Física esteja recebendo reco contribuição para o desenvolvimento da aptidão física para a saúde;b) con-
nhecimento a partir do reconhecimento tácito (9) destas práticas corpo-
rais na sociedade como um todo. tribuição para
tribuição o desenvolvimento
(específica) da Educaçãointegral
Física daeracriança e, neste sentido,
principalmente sobre oa “do-
con-
mínio psicomotor” ou “motor”; c) contribuição para a massificação esporti-
Poderíamos citar também a vertente da “psicomotricidade”, que ins- va e detecção de talentos esportivos (a famosa base da pirâmide);d) a Edu-
trumentaliza o movimento para as tarefas “fundamentais da escola”, e que cação Física trata de dimensões do comportamento humano que são bási-
tem sido utilizada pelos professores de Educação Física para fundamentar a cas: o movimento e o jogo.
Educação Física na préescola e nas quatro primeiras séries do primeiro
grau. Valem aqui, no entanto, as palavras de advertência de SOBRAL (1976) Estes modelos de legitimação perduraram por muito tempo sem so-
a respeito da Psicomotricidade: “Julgouse então conquistada a pedra filo- frer uma crítica mais radical e, portanto, puderam cumprir sua finalidade.
sofal da educação pelo movimento, a superação do dualismo cartesiano, No início da década de 80, este modelo começa a ser questionado mais
radicalmente (não posso recuperar aqui as causas ou determinantes sociais
de tal movimento questionador). O filósofo Manuel Sérgio acredita que uma
das mudanças mais significativas que derivaram desta crítica diz respeito a
um novo paradigma no entendimento do movimento humano ou do corpo,
ou ainda da motricidade humana. O movimento não é mais entendido como
o deslocamento de um “objeto” (sic!) no tempo e no espaço, mas sim como
um movimento do Homem em direção à transcendência.

Deste questionamento surge a corrente da Educação Física inicial-


mente chamada de “revolucionária” ou “crítica” e hoje também denomina

9 Consumo.
48 Educação Física e Aprendizagem Social E d uc a ç ã oFí s i c a :ab u sc ad al e g i t i m a ç ã op e d a g ó g i c a 49

da de Educação Física Progressista. Esta corrente surge da crítica ao estabe- possuem portanto especificidades que permitem falar de “duas coisas”...
lecido. Critica a função da Educação Física a partir de um referencial teóri- que se relacionam). É preciso no entanto, conferir à fundamentação autôno-
co que inclui a crítica das relações sociais como um todo. Saúde? Mas quem ma historicidade, analisando e levando em consideração as formas históri-
ganha com a saúde do trabalhador? Civismo? que tipo de cidadão, o subser- cas da corporeidade ou da ludomotricidade (M. Sérgio). Isto significa que
viente? o adaptado, aquele “ensopado” de ideologia burguesa? Aquele que pontos de referência para a fundamentação da Educação Física são o fenô-
não questiona e serve ao poder? Estas criticas vão problematizar, ao menos meno do movimento, ou seja, o fato antropológico de que os homens nas
indiretamente, as próprias bases de legitimação da Educação Física na Es- suas relações com o mundo, através do movimento deste se apropriam, mas
cola. também, que as relações que os homens desenvolvem para com seus corpos
(neste processo de apropriação do mundo) acontecem em condições históri
No entanto, a Educação Física revolucionária ou progressista, no meu cosociais específicas e determinadas(educação através do movimento).
entendimento, não oferece ainda uma teoria positiva da Educação Física,
pois, entre outras coisas, ela (que aos poucos vai se constituindo) preocu Precisamos considerar/postular que a cultura corporal/movimento
pouse muito pouco com a questão: porque Educação Física? qual a razão resume um acervo produzido pelo homem que precisa ou merece ser veicu-
ou quais as razões de sua existência a partir de uma teoria crítica da Educa- lado pela instituição educacional, acrescentandose, no entanto, que é preci-
ção (Física)?  o termo crítica aqui não é tomado no sentido Popperiano, e so fazer a crítica cultural e superála (é o nosso saber, é o saber que vamos
sim no sentido da negação da ordem social vigente, ou seja, não crítica em transmitir  educação do movimento).
função de um procedimento presumivelmente “científico”, mas em função
do questionamento do conteúdo. Entendo que, no que diz respeito à fundamentação heterônoma, a
referência básica ou imediata deveria deixar de ser o mundo do trabalho, e
Pois a questão que se coloca é: se a fundamentação autônoma é, de passar a ser o mundo do nãotrabalho, o lazer. A Educação Física educaria
certa forma, idealista e ahistórica e tende a cair no pedagogismo, e reco- nesta perspectiva, para os momentos do nãotrabalho (educação para o
nhecermos com SOARES (1987) que é “preciso examinar atentamente o movimento).Sabemos que esta separação é empiricamente impossível, uma
que fundamenta cada disciplina curricular e o porquê de sua existência, e é vez que o indivíduo é um só. Portanto, as habilidades, competências, atitu-
preciso captar o que a definiu como tal, que necessidade pedagógica veio des, etc. adquiridas neste espaço pedagógico, assim como em outros, terão
atender”, e se por outro lado, a fundamentação heterônoma de orientação repercussão sobre o contato do indivíduo com o mundo do trabalho. No
funcionalista encerra um momento político extremamente conservador (fa- entanto, voltamos a repetir, a referência específica da Educação Física é o
vorecendo a vinculação da Educação Física com o setor produtivo), que mundo do nãotrabalho, uma vez que os seus conteúdos são os movimentos
perspectiva resta então à Educação Física neste quadro? da atividade lúdica, e não da prática laborai.

Gostaria de listar alguns pontos que poderiam apontar neste sen- Entendo que as mudanças em nível do processo produtivo e do pro-
tido. cesso de qualificação para o trabalho, diminuíram a importância direta da
Educação Física neste processo (aptidão física e habilidades motoras de-
Em primeiro lugar, considero que não podemos abdicar da funda- crescem em importância para o processo produtivo, são cada vez menos
mentação autônoma. Não podemos definir/fundamentar a Educação Física solicitadas no trabalho). A repredução da força de trabalho, por sua vez,
apenas pela sua função social (não estou adotando aqui uma visão dicotô- se dá muito mais através de uma cada vez mais necessária recuperação
mica entre o indivíduo e o social, mas sim, uma visão dualista interacionista, psíquica. Por outro lado, cresce a importância do lazer também no processo
ou seja, o entendimento de que um não se deixa reduzir ao outro, e que de controle social, pois o mundo do lazer está colonizado pelo mundo do
50 Educação Física
e Aprendizagem Social
Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 51

trabalho. Como bem lembra HOPF (1984), um dos primeiros aspectos que “A riqueza efetiva da sociedade e a possibilidade de ampliar sempre
levam a modelar o comportamento dos indivíduos na esfera do consumo, o processo de reprodução depende, não da duração do trabalho excedente, e
nas sociedades capitalistas, é a sua rígida separação da esfera da produção. sim da produtividade deste e do grau de eficiência das condições de produ-
A ilusão da atividade livre ou da liberdade na esfera do consumo é, assim, ção em que se efetua. De fato, o reino da liberdade começa onde o trabalho
condição para uma efetiva reprodução da força de trabalho. deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente im-
posta, por natureza, situase além da esfera da produção propriamente dita.
Portanto, é preciso trabalhar com uma concepção de lazer que con O esforço para produzir com o menor dispêndio de energia e nas condições
trapõese ao lazer como instrumento de dominação. “Aquela que o entende mais condignas com a natureza humana situarseá sempre no reino da ne-
como um fenômeno gerado historicamente e do qual emergem valores ques cessidade. É além dele que começa o desenvolvimento das forças humanas
tionadores da sociedade como um todo, e sobre o qual são exercidas influ- como um fim em si mesmo, o reino genuíno da liberdade, que só pode flo-
ências da estrutura social vigente” (MARCELLINO 1987, p. 40). Nós pre- rescer tendo por base o reino da necessidade. E a condição fundamental
cisamos, através de uma Educação Física crítica, fazer frente aos efeitos desse desenvolvimento humano é a redução da jornada de trabalho” (apud
muitas vezes imbecilizantes da indústria cultural. GALVÃO, 1984).

Obviamente, pode haver resistências quanto a considerar o lazer e Portanto, “somente quando a história já tiver desenvolvido suficien-
não o trabalho como referência fundamental e primeira da Educação Física. temente as forças produtivas é que o homem poderá começar a se libertar do
Temos, contrapondose a isso, o valor ético do trabalho (“o trabalho digni- trabalho. Se, no modo capitalista de produção, trabalhase para criar mais
fica o homem”). Mas onde está a moralidade de um trabalho, cujo produto é riqueza para o capital, o socialismo deveria encaminhar o trabalho social
apropriado pelo privado e que é explorado via extração e apropriação da para a criação de mais liberdade, de mais tempo livre e menos tempo de
maisvalia? Onde está a dignidade de um trabalho que não permite que um trabalho socialmente necessário. É por esta razão que Paul Lafargue dizia
pai alimente, com o que recebe, sua família? que o socialismo seria a realização do direito à preguiça” (GALVÃO, 1984,
p. 48).
Ao postular que a dimensão heterônoma da legitimação da Educação
Física tenha como referência a importância do lazer, não estamos ignorando Não é porque o trabalho é importante que a Educação Física é im-
a relação entre trabalho e lazer e, mais genericamente, entre trabalho e cul- portante, mas porque o lazer é importante, a Educação Física é importante.
tura. Aqui bem cabe a advertência de NEGT (1989, p. 38): “A dicotomia A “utilidade” da Educação Física advém do seu caráter “inútil”.
entre cultura e trabalho é o erro do qual muitos tipos de legitimações da
dominação são apenas uma conseqüência (...) Cultura não documenta a li- Não é difícil perceber que, ao se tratar a questão do lazer, defron
berdade enquanto resultado, pois ela somente adquire sua vida e vivacidade tamonos com a realidade altamente contraditória da sociedade brasileira.
nos atos concretos de libertação e autolibertação. É correto que o conceito Como justificar uma prática pedagógica na Escola tendo como referência
de cultura não pode ser separado da libertação e autolibertação do trabalho, básica para sua fundamentação o lazer, numa sociedade que nem sequer
mas é falsa a idéia de que a cultura somente iniciaria ali onde o trabalho concretizou o acesso ao trabalho, e que mantém marginalizada grande
termina”. parte da população? De maneira que são estas as contradições que urge
superar. E a Educação Física? Ela precisa buscar o sentido de sua
Assim, o lazer não precisa necessariamente ser visto como uma fun- transformação na necessidade da transformação da própria socie
ção do setor produtivo. Ele poderia se justificar por ele mesmo. Eu gostaria dade brasileira.
de, neste sentido, citar Marx:
52 E d uc a ç ã oF í s i c aeA p r e nd i z a g e mS o c i a l Educação Física: a busca da legitimação pedagógica 53

A Educação Física, nesta perspectiva, educaria no sentido de instru- Educação Física Escolar como Campo de Vivência Social
mentalizar o indivíduo para ocupar de forma autônoma seu tempo livre tam-
bém com atividades corporais de movimento (com as conseqüências orgâ-
nicas, motoras, psíquicas e de qualidade de vida postuladas para as ativida-
des corporais de movimento), de instrumentalizar o indivíduo para entender
e se posicionar criticamente frente à nossa cultura corporal/movimento, e
educaria no sentido de desenvolver uma sociabilidade composta de valores
que permitam um enfrentamento crítico com os valores dominantes.

Negligencia as O Esporte não Parte de uma


determinações sócio exige mais exercício de visão funcionalista e
históricas legitimação. A Ed. Fí- conservadora da rela-
sica esportivizada justi ção EscolaSociedade
ficase pelo esporte e
este por si só na socie-
dade. Por si só? O Es-
porte mobiliza recur-
sos, vinculase à Indús-
tria Cultural e de bens
de consumo, que a Ed.
Física vai auxiliar a re-
produzir.
PARTE II

APRENDIZAGEM SOCIAL NA
EDUCAÇÃO FÍSICA
A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 57

CAPÍTULO III
“A Criança que pratica esporte respeita as regras do
jogo... capitalista”

3.1 Introdução

Entre os profissionais da Educação Física do Brasil, existem diferen-


tes entendimentos do papel da Educação Física Escolar. Poderíamos dizer
que um grande grupo pensa e age de acordo com uma visão “biológica”, a
partir da qual o papel da Educação Física seria melhorar a aptidão física dos
indivíduos, com o que estaria, automaticamente, contribuindo para o desen-
volvimento social, uma vez que os indivíduos estariam mais aptos a atuar
na sociedade e, portanto, seriam também mais úteis a ela. Outro grupo de
profissionais,
certo modo a que
visãojuntamente com a anterior
anterior, agregando perfazem
à melhoria a maioria,
da aptidão físicasupera de
o desen-
volvimento psíquico. Esta segunda visão, que denominamos de “biopsico
lógica”, reconhece como papel da Educação Física a melhoria da aptidão
física, o desenvolvimento intelectual e na abordagem sistêmica, dirseia
que a Educação Física atua sobre os domínios psicomotor, cognitivo e afe-
tivo. Nestas duas visões, porém, a análise da relação da Educação Física
com o contexto social é funcionalista, na medida que é seu papel formar
física e psiquicamente um cidadão que desempenhe o melhor possível (den-
tro da atual estrutura social), o papel a ele atribuído na prática social. Desta
forma são visões ahistóricas do papel social da Educação Física, como tam-
bém circunscrevemse no âmbito das teorias acríticas da Educação (SAVI-
ANI, 1984), por não reconhecerem os condicionantes sociais da Educação,
Educação Física e da atividade pedagógica.

Entendemos que não podemos permanecer mais com estas visões


parciais e falseadoras da nossa prática social, produzidas por uma metodo-
logia positivista e fragmentada. Neste sentido, não podemos prescindir de
uma análise crítica que possa identificar o papel social que a Educação
Física concretamente cumpre neste momento histórico de nossa socie-
dade.
Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 59
58

Apenas recentemente algumas tentativas neste sentido foram leva- aprendem as crianças, também, a conviver com vitórias e derrotas, apren-
das a efeito. Dentre elas, citamos a de CASTELLANI (1983) que, analisan- dem a vencer através do esforço pessoal; desenvolvem através do esporte a
do os documentos e legislação relativos à Educação Física desde a década independência e a confiança em si mesmos, o sentido de responsabili-
de 30, chegou basicamente à conclusão de que esta tem cumprido o papel de dade, etc. Todas estas afirmações têm em comum o fato de serem afir-
reforçar a esteriotipação do comportamento masculino e feminino, tem co- mações que identificam um papel positivofuncional para o esporte no
laborado para o adestramento físico, necessário tanto à defesa da Pátria quanto processo educativo; privilegiam os aspectos positivofuncionais camu-
à preparação e manutenção da força de trabalho necessária aos interesses da flando, desta forma, os disfuncionais. Estas posições não partem de uma
classe dominante. CAVALCANTI (1984), demonstrou o caráter ideológico análise crítica da relação entre a Educação Física/Esporte e o contexto
do discurso que fundamentou a campanha “Esporte para Todos” no Brasil, sócioeconômicopolítico e cultural em que se objetivam, e sim, da aná-
na medida em que esta menosprezou os fundamentos filosóficos, sociológi- lise da Educação Física/Esporte enquanto instituições autônomas e iso-
cos e psicológicos da atividade física e esportiva, e valorizou os aspectos ladas, ou quando muito, como instituições funcionais, ou seja, como
metodológicos, não questionando, desta forma, o significado do esporte para instituições que devem colaborar para a funcionalidade e harmonia da
o homem e a sociedade. FERREIRA (1984), a partir da elaboração de uma sociedade na qual se inserem. Quando estas abordagens identificam as-
matriz teórica dual, em que classifica as atitudes e procedimentos do profes- pectos negativos, estes são colocados como disfuncionais, sendo suas
sor num modelo de reprodução ou numa perspectiva de transformação so- causas buscadas em distorções internas da própria Educação Física/Es-
cial, procedeu a uma investigação empírica que demonstrou o caráter repro- porte.
dutivo da atividade pedagógica do professor de Educação Física do primei-
ro grau. Para fazer justiça, teríamos ainda que citar as reflexões pioneiras de No entanto, ao lado destas afirmações que consideram positivofun
LOPES (1979 e 1980), e as análises críticas de OLIVEIRA (1983) e MEDI cional o resultado do processo de socialização através do esporte, podería-
NA (1983). mos listar outras que indicam no sentido contrário, como por exemplo: pe-
las regras das competições, o esporte imprime no comportamento as nor-
Buscando colaborar no processo de análise crítica pelo qual passa a mas desejadas da competição e da concorrência (PARLEBAS, 1980); as
Educação Física no Brasil hoje, o que ocorre intensivamente com a Educa- condições do esporte organizado ou de rendimento são simultaneamente as
ção de uma maneira geral, é que nos propomos a analisar e assinalar uma condições de uma sociedade de estruturação autoritária (WEIGELT, 1972
outra faceta da Educação Física escolar, que é a sua contribuição no proces- apud DIETRICH, 1975); o ensino dos esportes nas escolas enfatiza o res-
so de socializaçao das crianças e adolescentes. peito incondicional e irrefletido às regras, e dá a estas um caráter estático e
inquestionável, o que não leva à reflexão e ao questionamento, mas sim, ao
acomodamento; na linguagem de WEIS (1979), forja um “conformista feliz
e eficiente”; o aprender as regras significa reconhecer e aceitar regras pre-
3.2 O conteúdo sócioeducativo do esporte fixadas.

Muitos pedagogos da Educação Física/Esporte têm realçado a con- Como pudemos verificar, sob um enfoque distinto, temos também
tribuição da atividade esportiva na socialização das crianças, contribuição valorizações diferentes do produto do processo de socialização que ocorre
essa que tem sido utilizada como justificativa para a inclusão da Educação no esporte infantil.
Física nos currículos escolares. Neste sentido, as colocações indicam que a
criança através do esporte aprende que entre ela e o mundo existem “os
outros”, que para a convivência social precisamos obedecer determinadas Estas diferentes valorizações decorrem de diferentes visões de socie
regras, ter d eterminado comportamento (OBERTEUFER/ULRICH, 1977); dade ou teorias sociais. As valorizações positivas estão respaldadas teórica
60 Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 61

mente na teoria Estruturalfuncionalista da sociedade, a partir da qual os 1. O esporte competitivo reflete uma série de valores de muita im-
elementos isolados do sistema social como a Educação, o Esporte, etc., po- portância para a sociedade. Desta forma, o recrutamento para o esporte cum-
dem ser descritos como funções do sistema. Eles são importantes desde que pre a função de integração social.
tenham importância funcional para o sistema, mantendo, portanto, sua esta-
bilidade como unidade de funcionamento. 2. O esporte funciona, nas sociedades industriais ocidentais (capita-
listas), como um mecanismo de mobilidade social.
Uma afirmação que tem o respaldo desta teoria é a de que a nova
geração é educada em e para uma sociedade competitiva na qual o princípio 3. O esporte oferece a oportunidade para a aprendizagem de diferen-
de rendimento se impôs. O jovem esportista é confrontado muito cedo com tes papéis sociais.
princípios de rendimento, e dele é esperado não só suportar diferenças
de rendimento, como também respeitálas (BÜHRLE apud DIETRICH,
1975). Cumpre assinalar que, como lembra DEMO (1983), o funcionalismo
é mais típico de países desenvolvidos (capitalistas), pois tal postura colabo-
ra com o dominador, pois este está muito pouco interessado em mudar, por-
As análises que criticam a função socializadora que o esporte cum- que isto pode representar a perda de privilégios. Nesta perspectiva tratase,
pre, partem de uma teoria da sociedade que poderíamos chamar de aborda- não de mudar o sistema, mas sim conseguir mudanças dentro do sistema.
gem (LOY et al. 1979) ou ótica (DEMO, 1983) do conflito. Esta teoria, Não questionando o sistema (capitalista), tratase então de fazêlo funcio-
desenvolvida
ver por do
a sociedade e aponto
partirdedevista
Marxdee suas
Engels, acredita que
contradições é mais(DEMO,
históricas correto nar melhor.
1983, p. 66). Portanto, a adoção desta teoria significa não entender as socie-
dades capitalistas, por exemplo, como sendo harmônicas e funcionais, e sim Assim sendo, o processo de socialização não é um processo neutro,
que estas encerram contradições fundamentais. pois ele acontece dentro de um contexto de valores específicos. Os valores
que são inculcados são os valores dominantes que, como lembram Marx
e Engels (1984) em “A Ideologia Alemã”, são sempre os valores da
GRUNEAU apud LOY et al. (1978, p. 3401) coloca que, a partir da classe dominante. Dessa forma, o que a socialização principalmente
ótica do conflito, o esporte: reproduz são as desigualdades sociais, isto é, é a própria dominação se
processando.
1. Precisa ser entendido no contexto mais amplo das condições ob-
jetivas das sociedades capitalistas. Assim, podemos dizer que a socialização através do esporte escolar
pode ser considerada uma forma de controle social, pela adaptação do pra-
2. Está intimamente relacionado com as diferenças de classe em ter- ticante aos valores e normas dominantes como condição alegada para a fun-
mos de poder e riqueza. cionalidade e desenvolvimento da sociedade. Um dos papéis que cumpre o
esporte escolar em nosso País, então, é o dereproduzir e reforçar a ideolo-
3. Todo esporte competitivo reflete a ideologia burguesa. gia capitalista, que por sua vez visa fazer com que os valores e normas nela
inseridos se apresentem como normais e desejáveis. Ou seja, a dominação e
a exploração devem ser assumidas e consentidas por todos, explorados e
Por outro lado, coloca o mesmo autor que, a partir da abordagem exploradores, como natural.
estruturalfuncionalista, o esporte é assim encarado:
62 Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 63

É ainda dentro da ótica estruturalfuncionalista que ouvimos com social. Esta crença de que no esporte desaparecem as desigualdades colabo-
freqüência a afirmação de que o esporte educa. Se indagarmos por que, ou o ra também para um certo abrandamento das contradições ou conflitos soci-
que tem de educativo no esporte, obteremos quase que invariavelmente a ais.
seguinte resposta: o esporte educa porque ensina a criança a conviver com a
vitória e a derrota, ensina a respeitar as regras do jogo (já que todos são
SHINNICK (1978, p. 96) lembra muito bem que os valores “univer-
iguais perante a lei, devemos respeitála, sem discutíla), ensina a vencer
sais” camuflam as contradições sociais, e os valores universais no esporte
(no jogo e na vida) através do seu esforço pessoal (às vezes tem que, mo-
também encobrem a dominação e a exploração de classe.
mentaneamente, aliarse a outro ou outros para atingir este objetivo, proces-
so que os pedagogos do esporte chamam de cooperação ou companheirismo),
ensina a competir (já que a sociedade é extremamente competitiva e isto a Assim, como vimos, realmente o esporte educa. Mas, educação
prepara para a vida (1), desenvolve o respeito pela autoridade, que é o árbi- aqui significa levar o indivíduo a internalizar valores, normas de
tro ou o professor (chamase a isso de disciplina). Precisamos entender que comportamento, que lhe possibilitarão adaptarse à sociedade capitalis-
as atitudes, normas e valores que o indivíduo assume através do processo de ta. Em suma, é uma educação que leva ao acomodamento, e não ao ques-
socialização no esporte estão relacionados com sistemas de significados e tionamento. Uma educação que ofusca, ou lança uma cortina de fumaça
valores mais amplos, que se estendem para além da situação imediata do sobre as contradições da sociedade capitalista. Uma educação a serviço
esporte. Como lembram BERGER/BERGER (1978), os jogos das crianças da classe dominante. Uma educação que não leva à formação “do indi-
norteamericanas revelam certos valores básicos, como a independência, as víduo consciente, crítico, sensível à realidade que o envolve” (OLIVEI-

realizações individuais, o que se depreende da ênfase que põem na compe- RA, 1983).
tição individual.
Se analisarmos as aulas de Educação Física onde o esporte escolar é
Nessa medida, não é difícil, numa rápida análise da resposta ante- iniciado e desenvolvido, veremos que a idéia da aprendizagem do esporte
riormente mencionada, identificar valores e elementos da ideologia burgue- enquanto aprendizagem das técnicas esportivas, predomina. Isto porque,
sa. No esporte, desenvolvemse idéias ou valores que levam ao conformismo, para a competição, na verdade, é isto que conta. Permeia, portanto, a busca
como é o respeito incondicional a regras, porque o comportamento não con- do rendimento atléticoesportivo, que é condição para as possibilidades de
formado no esporte não leva a modificações do esporte mas, sim, à exclusão vitória nas competições. Com a exacerbação do espírito competitivo do es-
dele. No esporte, colocase em destaque a idéia de que todos têm a oportu- porte na escola, as técnicas esportivas e o próprio esporte foram elevados à
nidade de vencer (vencer no esporte = vencer na vida), através do esforço condição de finalidade, ou seja, o esporte enquanto fim em si mesmo. Neste
pessoal e individual (2), bastando para isso que se esforcem e que tenham momento, em que a idéia da competição (concorrência) toma conta do es-
talento (como Pelé, Zico, Bernard e outros), o que, em última análise, justi- porte escolar, idéia esta que é fomentada pela busca da vitória, às vezes a
fica e explica as diferenças sociais, negando toda e qualquer determinação qualquer custo (lucro), e do que ela representa na nossa sociedade (vencer
na vida), já não existe mais espaço para a discussão sobre as normas do
esporte, para a criação no esporte (adaptar o esporte à realidade social e
cultural do grupo que faz esporte = criação cultural); já não existe mais
espaço para a preocupação com o desenvolvimento de valores relacionados
com o coletivismo (entendido como ações que visem prioritariamente o bem
1 Ou para o mercado?
comum, ou seja, priorizem o coletivo ao individual): já não existe o espaço
para a discussão de estratégias que permitam a participação de todos os
2 “Só depende de você a alegria de vencer”, dizia a propaganda do chiclete Ping alunos com as mesmas oportunidades nas aulas, porque o professor tem de
Pong na TV, associando a idéia ao esporte.
64 Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 65

preocuparse com os que apresentam melhor rendimento; preocuparse com tificar a contribuição específica da Educação no processo de transfor-
a melhoria da técnica (elevandoa à categoria de fim); preocuparse com o mação da sociedade.
ensino das regras internacionais dos esportes, ou melhor, com a imposição
das regras internacionais que permitirão as condições objetivas de compa-
ração de performances; preocuparse em desenvolver nos alunos e suas equi- Esta possível contribuição prendese ao fato de que a escola não é
pes o espírito de competição, condição para a obtenção de vitórias (vencer um instrumento homogêneo da classe dominante, pois nela refletemse as
contradições existentes na sociedade, refletese portanto o antagonismo en-
na vida).
tre os interesses burgueses e proletários. Neste sentido, na escola existe um
espaço, embora pequeno, para o que GADOTTI (1983, p. 162) chama de
Como mencionamos anteriormente, estas características que o es- “guerrilha ideológica travada na escola”.
porte escolar apresenta não são geradas no seio do próprio esporte, e sim,
são o reflexo mediatizado da estrutura social em que ele se realiza, ou seja,
da sociedade capitalista. Neste momento, cabe ou surge a grande indaga- Cumpre, para desenvolver uma pedagogia esportiva com alguma
ção: em que medida ou até que ponto poderemos chegar a um quadro dife- força transformadora, tomar como ponto de partida um compromisso
rente? ou seja, o esporte escolar pode ser diferente? pode cumprir um papel político com a classe oprimida e dominada, que é a classe trabalhadora;
diferente do de inculcar a ideologia burguesa? portanto, uma pedagogia que não se comprometa com os interesses bur-
gueses, e sim com os interesses da classe trabalhadora e, mais ainda,
com os “interesses revolucionários das classes populares” (GADOTTI,
Se assumíssemos aqui e agora a postura das teorias crítico
reprodutivistas (SAVIANI, 1984), afirmaríamos que o esporte, nesta socie- 1983, p. 150).
dade, invariavelmente contribuirá para a reprodução da atual estrutura so-
cial. Embora reconhecendo as ferrenhas determinações sociais que sobre a Neste sentido, a tarefa que se impõe parecenos ser a de desenvol-
Educação Física Escolar recaem, acreditamos que no seu interior a contra- ver uma pedagogia desportiva que possibilite aos indivíduos perten-
dição não foi suprimida, ela persiste. Embora os espaços a serem ocupados centes à classe dominada, aos oprimidos, o acesso a uma cultura espor-
no sentido de uma ação transformadora sejam restritos, admitimos sua exis- tiva desmistificada. Permitir ou possibilitar, através desta pedagogia,
tência. Neste sentido, o da identificação deste espaços, cumpre inicialmente que estes indivíduos possam analisar criticamente o fenômeno esporti-
incluir a Educação Física/Esporte escolar no contexto mais amplo da Edu- vo, situálo e relacionálo com todo o contexto sócioeconômicopolíti
cação e, enquanto parte desta, analisar as possibilidades de contribuição/ co e cultural.
colaboração para o processo de transformação social, condição para a con-
cretização de uma sociedade mais justa e livre.
3.3 Princípios de uma pedagogia crítica para a Educação Física
Na busca do esclarecimento da contribuição da Educação para a
transformação social, deparase com duas posições antagônicas. De um Embora não seja objetivo deste ensaio desenvolver uma proposta
lado, a postura teórica que identifica na Educação a redenção da socie- pedagógica numa perspectiva de classe, e que tenha como fundamento o
dade/humanidade (teorias acríticas), e por outro, a postura teórica que referido compromisso político com a classe dominada, ousadamente coloco
percebe na Educação o papel invariável da reprodução da estrutura so- algumas reflexões que, acredito, apontam neste sentido.
cial (teorias críticoreprodutivistas). O que cabe, no entender de SAVI-
ANI (1984), não é a polarização das duas posturas, mas sim, a busca da
superação através de uma teoria crítica da Educação, que possa iden- Os professores de Educação Física na ação devem, efetivamente, in
corporar novas posturas frente a algumas questões básicas:
66 Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 67

 Precisam superar a visão positivista de que o movimento é predo-  Superar a falsa polarização entre diretividade e nãodiretividade.
minantemente um comportamento motor. O movimento é humano, e o Ho- Embora as pedagogias nãodiretivas tenham contribuído para a denúncia do
mem é fundamentalmente um ser social. A “motricidade já não é mais bio- excessivo autoritarismo com que a Educação bancária (FREIRE, 1983) con-
lógica e sim histórica e social” (ROUYER, 1975, p. 192). Desta forma, o duzia o processo educativo, o oposto, ou seja, o nãodiretivismo, pode nos
movimento tem repercussão sobre todas as dimensões do ser humano. A levar a um espontaneísmo estéril que acaba tornandose ideológico. FER-
conseqüência disso para a ação pedagógica é de que, nas aulas de Educação REIRA (1984), que citamos no início deste capítulo, de certo modo cai nes-
Física, devemos objetivar muito mais do que a aptidão física, a aprendiza- ta “armadilha” quando coloca que as fontes de informações, normas e san-
gem motora, a destreza desportiva, etc.; devemos entender que o movimen- ções, numa perspectiva de transformação, devem provir dos interesses, ne-
to que a criança realiza num jogo tem repercussões sobre todas as dimen- cessidade e motivações do educando, o “indivíduo”. Para tanto, segundo a
sões do seu comportamento, e mais, que esta atividade veicula e faz a crian- autora, o educador deve ser um “facilitador da conscientização”, a partir de
ça introjetar determinados valores e normas de comportamento. Portanto, motivações “intrínsicas” dos indivíduos. Ora, as crianças não chegam “va-
aquela idéia de que, atuando sobre o físico estamos automaticamente e ma- zias” às aulas de Educação Física; elas já estão incorporadas ao processo de
gicamente atuando sobre as outras dimensões, precisa ser superada para socialização burguesa, e, se nós quisermos a introjeção de normas e valores
que estas possam ser levadas efetivamente em consideração na ação peda- que se contrapõem aos burgueses, temos que dar uma direção, ou seja, “di-
gógica, através do estabelecimento de estratégias que objetivem conscien- rigir” o processo educativo, pois os interesses, necessidades, etc., da crian-
temente o desenvolvimento, num determinado sentido, destes outros aspec- ça, já estão “contaminados”, isto é, estes já estão determinados pelo social
tos/dimensões dos educandos. O que atualmente acontece é que, embora os (meioambiente). Assim, permitir ou facilitar, simplesmente, que eles desa-
objetivos da Educação Física incorporem a dimensão psicosocial, as estra- brochem, implica na reprodução e não na transformação. A postura de que o
tégias/atividades são totalmente norteadas pelos objetivos relacionados à educador deve apenas facilitar o desenvolvimento das potencialidades da
aptidão física, destrezas desportivas, aprendizagem motora, esperandose criança, tem como fundamento a idéia de que a criança possui uma “nature-
que estas, automaticamente, tenham repercussão sobre as outras dimensões. za” que é fundamentalmente boa, e que bastaria permitir que isto se mani-
festasse. Se assumirmos uma postura de classe social para a Educação, os
 Precisam superar a visão de infância que enfatiza o processo de interesses e necessidades que devem ser levados em consideração não são
os dos “indivíduos”, e sim os interesses de classe.
desenvolvimento da criança como natural, e não social. Falase da criança
em si, e não de uma criança situada social e historicamente. Falase da natu-
reza da criança, e isto é ideológico na medida em que encobre as diferenças  Um outro equívoco que precisa ser superado é o de que devemos
produzidas pela condição social destas crianças. “Na sociedade capitalista, simplesmente ignorar a cultura dominante, que, nesse entendimento, não
definida pelas relações estabelecidas entre classes sociais antagônicas, a serve à classe dominada. Não podemos simplesmente negar a cultura domi-
srcem da criança determina uma condição específica de infância” (MI- nante, e sim permitir que a classe dominada, em dominando a cultura domi-
RANDA, 1984, p. 128). nante, possa reconstruíla a partir de suas necessidades e interesses. Em
termos de Educação Física, significa que não devemos negar o desporto
 Os professores de Educação Física devem buscar o entendimento como meio da Educação Física, porque ele, segundo alguns, é “essen-
de que o que determinará o uso que o indivíduo fará do movimento (na cialmente burguês” (LAGUILLAUMIE, 1978 apud FERREIRA, 1984, p.
forma de esporte, de jogo, de trabalho manual, de lazer, de agressão a outros 54). Para que a classe dominada possa reelaborar o esporte, tornandoo não
e à sociedade, etc.), não será, em última análise, a condição física, habilida- mais burguês, existe a necessidade que esta classe domine a cultura esporti
de esportiva, flexibilidade, etc., e sim, os valores e normas de comporta- va burguesa, mas, também, que lhe seja simultaneamente permitido desmis
mento introjetados pela condição econômica e pela posição na estrutura de tifícar essa mesma cultura esportiva. O esporte é burguês, não porque é esta
a sua essência e, sim, porque suas múltiplas determinações lhe fornecem as
classes de nossa sociedade.
68 Educação Física e Aprendizagem Social A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo ... capitalista 69

características para tal. De maneira que, para termos um esporte nãoburgu so ver, visar uma ação que permita que se estabeleça uma política educacio-
ês, precisamos atuar sobre suas determinações. E o Educador representa o nal, e que se concretize uma escola em nosso País, de acordo com as neces-
momento de ruptura em relação ao que é determinado socialmente, ao mes- sidades e interesses da classe trabalhadora. A atuação política do professor
mo tempo que define uma conduta para levar o educando a uma solidarieda- de Educação Física deve também alcançar a política partidária, para que,
de consciente, vale dizer, ao sentido coletivo de sua formação (LIBANEO, enquanto cidadão comum, assuma o papel de sujeito político da sociedade.
1985). Procurando desenvolver um esporte em que o princípio do rendi-
mento e da competição discriminatória (melhores dos piores), do esforço Finalizando, gostaríamos de lembrar as palavras do professor Flo-
pessoal e individual (às vezes associado) para vencer o adversário não seja restan Fernandes, ditas no III Congresso Estadual de Educação, em São
o norteador principal deste, desenvolvendo um esporte em que se busca o Paulo: “O educador que se nega no plano ideológico e político, se nega
jogar com e não contra o adversário, um esporte onde se busca insistente- também como educador” (Abril de 1985).
mente o desenvolvimento do coletivismo (priorização do coletivo ao indivi-
dual, incluindo o “adversário/companheiro”), estaremos na verdade descarac-
terizando o esporte burguês e lançando e criando as bases de um novo es-
porte que, por sua vez, somente se consolidará com a criação também de
uma nova ordem social, sem a qual não terá condições de sobreviver, por-
que será fatalmente submetido à ordem burguesa.

 Para que este novo esporte que leve a uma nova sociabilização,
emerja, os professores de Educação Física devem superar também a idéia,
muito difundida, de que, nas aulas de Educação Física, não se deve falar, ou
seja, não se deve sentar e discutir com os alunos o que está se fazendo, sob
o argumento de que a aula de Educação Física deve ser “orática” (entenda
se “adestrante”).

Estas são algumas reflexões sobre o processo educativo na Educação


Física Escolar que, espero, contribuam para que possamos desenvolver uma
proposta pedagógica que aponte e possa realmente colaborar para o proces-
so de transformação social, que permitirá a concretização de uma nova or-
dem social, esta sim mais justa, fraterna e livre.

Porém, de acordo com o que hoje pensamos, acreditamos que a ação


transformadora do professor de Educação Física não deve restringirse a
esta esfera, ou seja, aos muros da escola. A atuação política deste profissio-
nal deve estenderse para a sua entidade representativa, seu sindicato, não
movido, é óbvio, por uma visão corporativista e, sim, a partir de uma iden-
tificação social com a classe trabalhadora. O engajamento com a categoria
de profissionais ligados à educação, neste momento histórico, deve, ao nos-
AE d uc a ç ã oFí si c ae sc o l a rc o m oc a m p od ev i v ê n c i as o c i a l 71

CAPÍTULO IV
A Educação Física escolar como campo de vivência social

4.1 Introdução

“A prática de Educação Física equivale à defesa de uma certa


posição filosófica, ainda que o indivíduo não se dê por isso” (SÉRGIO,
1978b).

Como entre os professores de Educação Física parece imperar o que


P. FREIRE (1983) chama de consciência ingênua, caracterizada pela con-
duta alienada e acrítica, esta reflexão filosófica é aí totalmente ausente. Como
conseqüência, a prática
posição filosófica”, no da Educação
nosso caso, Física,
aconteceou sem
seja, que
“a defesa de uma certa
os profissionais da
Educação Física se dêem por isso.

Como exemplo, podemos citar a concepção de corporeidade humana


que está presente na prática da nossa Educação Física. Esta concepção ca
racterizase pelo dualismo, isto é, a prática da Educação Física brasileira
reflete uma concepção dualista na qual o Homem é considerado como com-
posto de duas unidades distintas: corpo e mente (não cabe neste espaço
discutir as determinantes desta concepção).

Encontramos assim a Educação Física orientada para objetivos como


a preservação da “saúde física”, o que é reconhecidamente importante; po-
rém, quando tomada exclusiva e isoladamente, resulta num equívoco peda-
gógico. A concepção dualista torna “factível” a educação do físico isola-
damente. Ora, sendo o Homem uma unidade (unidade da diversidade),
portanto sendo impossível a educação do físico isoladamente, “descui
dase” a Educação Física da repercussão que inevitavelmente têm suas
atividades sobre a formação das “outras” dimensões da personalidade
humana.
72 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 73

Os chamados métodos ginásticos que, por muito tempo, prepondera- problemas de nossa sociedade, sem a necessidade da transformação es-
ram na nossa Educação Física escolar, significam a prática da visão dualista trutural desta.
do Homem.
A visão anteriormente caracterizada tem muitas facetas, mas que no
O dualismo, todavia, ou esta dicotomia, nem sempre se apresenta fundo têm em comum o fato de não se embasar numa crítica radical à socie-
de forma tão flagrante na Educação Física. Muitas vezes vêmolo ca- dade capitalista, que, com “características próprias”, é o caso da sociedade
muflado por um discurso pretensamente holista que, contudo, não so- brasileira.
brevive a uma análise teórica mais detalhada e/ou a uma verificação
crítica de sua prática. Referimonos ao fato costumeiro de se atribuir à
Educação Física finalidades “biopsicosociais” nos planejamentos di- Se fizermos, no entanto, uma análise não mais funcionalista da
dáticos, arrolados muitas vezes da legislação e na ação, ou seja, no função social da Educação e mesmo de nossa sociedade, mas sim uma
momento em que se fundem prática e teoria; os valores considerados análise a partir do materialismo histórico e dialético, chegaremos, como
são de ordem “física”, com o menosprezo das questões “psicosociais”, muitos educadores que assim procederam, a algumas conclusões impor-
tantes:
esperandose que os efeitos positivos sobre estes ocorram automática e
“magicamente”, não sendo necessário considerálos efetivamente na
ação pedagógica.  A Educação é ao mesmo tempo determinada e determinante da
estrutura social. Daí que não seja possível negar o caráter político da Edu-
Além desta questão fundamental, as diversas maneiras de com- cação. Daí que os problemas básicos da pedagogia não sejam estritamente
preender a Educação também têm influenciado, decisivamente, a ação pe- pedagógicos, mas políticos e ideológicos.
dagógica em Educação Física.
 A Educação nas sociedades capitalistas, ou na sociedade brasi-
Não existe a possibilidade, nem é a intenção aqui, discutir aprofun leira, é fator de reprodução social, vale dizer, fator de reprodução ou
dadamente as diversas teorias educacionais, vale dizer, o papel social da manutenção da sociedade de classes. Esta reprodução se dá de diversas
Educação. A breve análise que colocaremos a seguir tem o objetivo mínimo formas:
de situar a nossa posição frente a esta questão.
1. O acesso à Educação é seletivo. Isto significa que a estratificação
De uma forma bastante rústica, poderíamos dizer que, entre os social se reflete no sistema educacional brasileiro. Filhos das camadas me-
profissionais da Educação Física, impera a idéia ou a certeza da positi- nos favorecidas, ou não têm acesso à escola ou são obrigados por múltiplas
vidade do papel da Educação em nossa sociedade. Assim, sendo a Edu- razões a abandonála precocemente, ou ainda, quando nela permanecem,
cação Física parte integrante da Educação, tem ela também uma função não alcançam, com não significativas excessões, os níveis de ensino secun-
social positiva e importante. É a chamada visão funcionalista do papel dário ou superior. O contrário acontece com os filhos das camadas mais
da Educação. Tratase de colaborar, dentro do campo educacional, para favorecidas que, viaderegra, têm acesso tanto à Educação via sistema de
a funcionalidade, progresso e desenvolvimento de nossa sociedade. Nesta ensino, como são beneficiados por um ambiente cultural favorável ao seu
concepção, a Educação desfruta de autonomia frente ao todo social de desenvolvimento intelectual. É o que poderíamos chamar de a reprodução
modo que ela se apresenta como instância social capaz de resolver os pela exclusão e seletividade.
74 Educação Física e Aprendizagem Social AE d uc a ç ã oFí s i c ae sc o l a rc o m oc a m p od ev i v ê nc i as o c i a l 75

2. A Escola ou a Educação, no sentido mais amplo, é veiculadora cificamente, a socialização para o desempenho de determinado papel social
de uma visão de mundo, de homem e de sociedade impregnada da ideo- envolve a aquisição de capacidades (habilidades) físicas e sociais, valores,
logia burguesa. Isto é, a Educação é uma das responsáveis pela sociali- conhecimentos, atitudes, normas e disposições que podem ser aprendidas
zação das pessoas para viverem numa sociedade de classes, a ponto de em uma ou mais instituições sociais, como por exemplo a família, a escola,
encararem suas costradições como absolutamente normais, quando não o esporte, e ainda através dos meios de comunicação.
desejáveis. Para a veiculação ideológica, são vários os aspectos que para
tanto contribuem: vão desde a organização burocrática da instituição
Segundo DIETRICH (1974), desde que há considerações peda-
Escola, passando pela forma de ensino até o conteúdo ensinado ou tra-
gógicas acerca dos jogos de movimento, há tanto tempo também seus
tado.
aspectos socialeducativos tem sido ressaltados. A inclusão e início de
programas de esportes na escola tem sido, freqüentemente, baseados na
Em se identificando o caráter reprodutivista da Educação brasileira, crença comum de que a participação no esporte é um elemento de soci-
cabe ao Educador tomar uma posição que, digase de passagem, não pode alização que contribui para o desenvolvimento mental e social (LOY et
ser de neutralidade; “ou fazemos uma pedagogia do oprimido, ou fazemos al. 1978).
uma pedagogia contra ele” (FREIRE, 1983). Assumindo um compromisso,
que é político, com o processo de transformação estrutural da sociedade na
perspectiva da edificação de uma sociedade efetivamente democrática, isto De acordo com DIETRICH (1974), se for seguida a literatura especi-
alizada até o fim dos anos 60, descobrese uma relativa concordância nas
é, a superação da sociedade de classes, o Educador deve atuar no sentido de
inverter ou reverter esta situação, buscando colocar sua prática e a Educa- declarações sobre as funções sócioeducativas do esporte em geral e dos
jogos esportivos em especial, com afirmações como as de que o reconhecer
ção a serviço deste projeto social.
das determinações de campeonatos e o respeitar (manter) das regras do jogo,
educam para um sentimento de responsabilidade, de cavalheirismo, de sin-
O educador, na sua prática, quer queira quer não, é um veiculador de ceridade, para trabalhar com o próximo.
valores. É neste sentido que reside a vinculação da forma de ensino com o
seu conteúdo. A socialização do indivíduo ou da criança se dá exatamente
através da internalização de valores e de normas de conduta da sociedade a Os brasileiros ouviram, durante o ano de 1980, repetirse nas trans-
que pertence. A Escola é uma das instituições que promove tal socialização. missões esportivas da Rede Globo de Televisão, o seguinte slogan: “a crian-
ça que pratica esporte respeita as regras do jogo; pratique esporte”, numa
Portanto, o fenômeno da socialização ou a aprendizagem do social também
clara alusão ao conteúdo “pedagógico” do esporte.
ocorre nas aulas de Educação Física, sendo inclusive enfatizada como
importante função pela pedagogia desportiva ou da Educação Física.
Por conseguinte, existe a necessidade de aprofundarmonos nesta ques- Em suma, a literatura tem atribuído ao esporte o poder de desen-
tão. volver, em quem pratica, principalmente na criança, o companheirismo, a
cooperacão, o respeito às regras e normas, o valor e a força de vontade,
além da responsabilidade, sentido social, etc.

4.2 A socialização através do jogo e do desporto


Mas se essa visão que valoriza positivamente a socialização na fa
mília e na Escola foi hegemônica até a década de 60, nestas três últimas têm
Como nos referimos anteriormente, socialização significa o proces- surgido posições contrárias a esse respeito. São posicionamentos que con
so de transmissão dos comportamentos socialmente esperados. Mais espe- cordam quanto à função socializante do esporte, e discordam, contudo, na
76 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 77

valorização deste resultado. Por exemplo, WEIGELT apud DIETRICH DIETRICH (1974) analisa a aprendizagem social no esporte a partir
(1974) afirma que as condições ou necessidades do esporte organizado, do do ponto de vista de três teorias sociológicas, quais sejam: a teoria estrutu
esporte de alto nível ou de rendimento e do êxito olímpico são, simultanea- ralfuncionalista, cujo principal representante é Talcot Parsons, a teoria do
mente, as condições de uma sociedade de estruturação autoritária. Suas ne- conflito e a teoria crítica. Das suas análises depreendese que a socialização
cessidades motoras autoritárias são, conseqüentemente, preparadas durante através do esporte, como hoje acontece, é valorizada somente a partir da
a fase de socialização na família e na escola. CACHAY/KLEINDIENST ótica estruturalfuncionalista da sociedade. Ainda de acordo com o autor, o
(1975) argumentam que a aceitação, por parte da didática, de que “virtudes” esporte é mais apropriado para desenvolver valores conforme o sistema, do
são assumidas em espaços de ação esportiva e através da intemalização de que valores superadores ou questionadores do sistema. O jogo esportivo é
normas necessárias à execução de exercícios corporais, mostra que esta di- um modelo exemplar da interação equilibrada, e como tal é um símbolo
dática representa uma educação ao acomodamento, e não ao questionamen- para um sistema social que, autoregulativamente, permanece em equilí-
to e à revisão de normas. brio. O jogar, disciplinada e silenciosamente, é uma forma de comunicação
restrita e ritualística.
Como ressalta PARLEBAS (1980), pelas próprias regras das compe-
tições, o esporteimprime ao comportamento motor as normas desejadas da Como muito bem lembra SHAFER apud LOY et al. (1978), os pro-
competição e da concorrência. Assim, o esporte é um molde social do cor- gramas escolares de esportes têm contribuído mais no sentido de promover
po. os valores e estilo de vida da sociedade, do que no de propiciar aos indiví-
duos a oportunidade de questionar o existente, ou tentar modelos alternativos.
Fica claro nesta colocação que a socialização não é um processo neu-
tro e universal; pelo contrário, isso acontece dentro de um contexto de valo-
res específicos. “Normas e valores podem ser aceitos, mas são sobretudo 4.3 A aprendizagem social no ensino dos esportes nas escolas
impostos, pois normas e valores dominantes são sobretudo dos dominan-
tes” (DEMO, 1983).
Como afirmam LOY et al. (1978), na infância são justamente a famí-
lia e a escola as instituições sociais de maior influência no processo de soci-
Como vimos anteriormente, temos diferentes valorizações dos resul- alização. A Escola é formalizada, com regras estabelecidas, onde os profes-
tados da aprendizagem social através do esporte. Qual seria a razão desta sores representam não só a autoridade adulta e a necessidade de ordem e
disparidade? disciplina, como também os valores do conhecimento. A Escola, assim, fun-
ciona para reforçar valores correntes na sociedade convencional (ELKIM,
Para DIETRICH (1974), as controvertidas interpretações do sig- 1968).
nificado da aprendizagem social no esporte, e nisso estão baseadas as pos-
sibilidades pedagógicas do jogo esportivo, devemse a pontos de vista teó- Segundo HARPER et al. (1980), na escola não se adquire apenas
ricos diferentes no que diz respeito à sociedade como um todo. Para um conhecimentos, mas aprendese também uma série de valores e de normas
melhor entendimento das interpretações contraditórias sobre a importância de comportamento. Muitos desses valores são impostos por certas práticas
da aprendizagem social no esporte, devemos tornar claras as teorias sociais pedagógicas, como o aprendizado do sentimento de inferioridade, de sub-
que as suportam. missão, o respeito pela ordem estabelecida, o aprendizado do “cada um por
si”, da competição, inculcando desta forma o individualismo, sem que as
pessoas se apercebam disso.
78 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 79

Parecenos claro, pois, que, através do esporte, podem ser veicula- Na Escola atual, o professor é o ponto de orientação, e os alunos
dos determinados valores e normas, como ilustrado por PARLEBAS (1980), devem observálo, pois ele é o início e o fim do que há para fazer. Nessa
quando afirma que, através do esporte, impõese todo o dispositivo oficial estrutura, deve ser observado o princípio básico: “obedecer ao professor”
da instituição esportiva: federações, regulamentos, calendários de encon- pois, na aula, o comportamento inteiramente aceito é somente aquele
tros, cerimônias, sanções, instâncias de autoridades, dirigentes, árbitros e que corresponde às regras de relacionamento validadas pela instituição
capitães de equipes. Participar do torneio esportivo equivale a reconhecer, Escola.
implicitamente, uma tal autoridade. No campo, em última instância, é sem-
pre o árbitro quem decidirá. O poder institucional desportivo denota uma
organização hierárquica, autoritária e centralizada. Esta aparelhagem é ple- É lógico que existem formas de ensino que atenuam e que procuram
na de implicações sóciopolíticas. modificar essa relação. Porém, de acordo com os estudos de LABORINHA
(1981), BRESSANE (1981) e FARIA JR.(1981), o professor de Educação
Física, no Brasil, se caracteriza pela diretividade, o que vem reforçar a situ-
Estando a nossa atividade esportiva escolar atrelada, através de sua ação enunciada anteriormente.
estruturação burocrática e da ideologia do esporte competição que a nor-
teia, ao sistema esportivo internacional (BRACHT, 1983), tornase muito
lógico pensar que os valores acima ressaltados por PARLEBAS (1980) es- Segundo LANDAU/DIETRICH (1979), um outro fato marcante das
tarão norteando e influindo, fortemente, na atividade esportiva em nossas regras que regem o ensino e a Escola é a diferenciação social dos alunos,
escolas, e, conseqüentemente, contribuindo para a afirmação daqueles va- baseada no rendimento individual que propicia a comparação. O espor-
lores. te e a escola são sistemas sociais que estão cunhados pela idéia da con-
corrência.

Contudo, para chegarmos a uma visão mais concreta dessas relações,


necessitamos aclarar quais os valores e de que forma são veiculados. Isso No ensino, a diferenciação através da comparação é possibilitada pela
pode ser conseguido através da análise das regras ou normas que norteiam atribuição de notas. No esporte, os resultados ou as performances são pre-
as relações dos professores com os alunos, destes entre si na escola, e, mais miadas. Porém, o fato mais marcante é o de que, para a comparação das
especificamente, nas aulas de Educação Física onde o esporte é ensinado de performances no esporte, existe a necessidade de igualar as condições, o
forma sistemática. que é conseguido pelo estabelecimento de regras rígidas. A estas regras
rígidas, que determinam o roteiro de ação (regras de espaço), o modo de
movimentação (regras motoras) e a passagem do tempo (regras de tempo),
A análise das regras e normas que norteiam as interações justificase são submetidos os alunos participantes.
pelo fato de que o “lidar” com os outros, apesar de parecer muito pessoal e
único, tem sua constância num contexto social. O que parece espontâneo é
controlado socialmente, baseado em experiências anteriores (GEIST/WEI Nesse quadro, o esporte ensinado e praticado na escola reforça a de-
CHERT, 1981). pendência ao detentor do conhecimento, o professor, que tem o poder de
tomar o aluno um bom praticante; reforça o individualismo e a concorrên
cia pela comparação das performances e reforça a obediência irrefletida às
A regulamentação que define o esporte como microsistema social regras. O aprenderas regras significa reconhecer e aceitar regras prédefini
próprio é uma parte das normas que determinam, fortemente, a relação entre das, isto é, a capacidade dos alunos de entender e compreender regras não é
professores e alunos. exigido nem desenvolvido.
80 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 81

Se quisermos empreender uma tentativa de superação da tradicional Como lembra OLIVEIRA (1983), a Educação Física, apesar de ser
concepção de aprendizado social que, no esporte, enfatiza o respeito incon- uma atividade essencialmente prática, pode e deve oferecer a oportunidade
dicional e irrefletido às regras, que dá a estas um caráter estático e inquesti- para a formação do homem consciente, crítico e sensível à realidade que o
onável e que não leva à reflexão e ao questionamento, mas ao acomoda- envolve.
mento, precisamos determinar, em coerência com nossas idéias educacio-
nais, o que deveria buscar o aprendizado social no esporte e como alcancá
DIETRICH (1974), colocando o aprendizado social como um ob-
lo.
jetivo a ser buscado nas aulas de Educação Física, fez uma análise das inte-
rações nos jogos esportivos, utilizando a seguinte diferenciação de concei-
Apoiamonos em GEIST/WEICHERT (1981), para quem o apren- tos: a) ação social que aparece como efeito racional é de ação respectiva ao
dizado social deve ser o conhecer, o tornarse consciente das normas sociais trabalho e, b) ação social como compromisso comunicativo é da ação res-
e, se necessário, o saber e o poder modificálas. Em oposição ao "compor pectiva à interação. Na sua análise, classifica a metodologia tradicional do
tarse socialmente" não é postulada nenhuma norma social positiva, tratase ensino dos jogos esportivos como sendo uma ação respectiva ao trabalho, o
primeiro de testála num contexto social e então decidirse, livre e consci- que transforma o jogo num ritual que valoriza as normas técnicas, e no qual
entemente, sobre sua adoção ou modificação. Nesta concepção, toma o comportamento divergente é encarado como interruptor, e não fomenta-
se uma decisão livre e consciente pelo estudo das normas, tendo em dor do aprendizado social. Isto é, o jogo esportivo, como é ensinado e prati-
vista a conscientização do processo de regulamentação, isto é, daqueles cado atualmente, exalta o jogar como trabalho, assemelhandose a um ritual
caminhos
binadas, oupelos quais e/ou
impostas novasdestituídas.
regras sãoA instituídas, discutidas
esta concepção e com-
acrescentamos estritamente determinado.
controle é exercido por uma Nesse caso, oso árbitro
força externa, papéis ousão prédeterminados, e o
o professor.
as afirmações de LANDAU/DIETRICH (1979) de que, ao aparecimen-
to das regras no esporte e no ensino desse, deveria seguir um acordo
Neste ponto, ressaltamos o fato de que, no momento em que deixa-
social que, ao mesmo tempo, desse chances a que essas regras fossem
mos de supervalorizar as regras regulativas, constitutivas e técnicas do es-
entendidas e testadas.
porte, ou seja, o jogar como ação respectiva a trabalho, estamos subtraindo
a característica mais acentuada do esporte moderno e recuperando, parcial-
Para questionar regras e significados, devese falar. A afirmação de mente, o jogo.
que o ensino dos esportes não é para se sentar e discutir, mas sim para se
movimentar, deve ser encarada seriamente sob o ponto de vista da "defici-
ência de movimento na escola”. No entanto, falar sobre o social não deve
ficar reduzido à discussão das matérias onde os alunos permanecem senta- 4.4 O fenômeno do jogo na sua relação com o esporte
dos, porque ali só são possíveis experiências de interação de forma reduzi-
das enquanto que, nos jogos esportivos, os processos de interação são vari- O esporte moderno, cada vez mais, perde as características do jogo
ados e especiais. Além disso, o argumento de que a intensidade de movi- estabelecidas por HUIZINGA (1980), que, já em 1938, detectava este pro-
mento e o entendimento de que essa atividade forma uma boa aula de Edu- blema: "a sistematização e regulamentação cada vez maior do esporte im-
cação Física, onde os alunos suam sem que outros resultados sejam consci- plica a perda de uma parte das características lúdicas mais puras”.
entemente objetivados, será, neste caso, somente quantidade de movimen-
to. A isso, podese opor uma consciência de qualidade de movimento a par-
CAGIGAL (1979) afirma que o esporte será tanto mais educativo
tir do qual o aluno, por si mesmo, motivado e consciente, pratica esporte por
quanto mais conservar sua qualidade lúdica, sua espontaneidade e seu po
longo tempo (GEIST/WEICHERT, 1981).
der de iniciativa. Daí porque o esporte superclassificado, levado a extremos
82 E d uc a ç ã oF í s i c aeA p r e nd i z a g e mS o c i a l A Educação Física escolar como campo de vivência social 83

pelo fato do tecnicismo, modelado e esteriotipado, não é mais educativo. O verificar qual o de maior eficácia no ensino do basquetebol para meni-
movimento esteriotipado, o gesto típico, a precisão biomecânica dos exercí- nos de nove anos de idade. O resultado de seu estudo indicou que, para
cios graças aos quais se obtiveram recordes tão surpreendentes, harmoni destrezas simples, o método global foi melhor, e, para destrezas com-
zamse dificilmente com a riqueza do movimento humano, com a expressi- plexas, o método parcial foi superior. OLIVEIRA (1981) pesquisou os
vidade pessoal do gesto e com a rica dimensão do comportamento do exer- métodos parcial e global do ensino do basquetebol para meninos de 8 a
cício físico. Para este autor, o excesso de técnicas ou o condicionamento da 12 anos de idade e não encontrou diferença significativa entre os resul-
técnica numa atividade cujo maior valor reside na espontaneidade lúdica, tados obtidos.
no poder da expressividade da criatividade, da afirmação da pessoa e do
grupo, pode anulála. O excesso de aprendizagem de modelos, de taxiono
Podese observar, nas pesquisas desenvolvidas na área de apren-
mias e o supertecnicismo são os perigos mais graves do esporte educativo
dizagem motora, que alguns aspectos das aulas de Educação Física ou en-
de nosso tempo.
sino dos jogos esportivos, não têm sido levados em consideração, como,
por exemplo, a possibilidade de interrelacionamento social, tipo de apren-
Daí pensarmos que o esporte na escola deva preservar ou recupe- dizagem social, o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento de moti-
rar o caráter lúdico, devendo, portanto, estar a ação pedagógica voltada vação para a prática permanente do esporte que um ou outro método propi-
para tal. cia.

4.5 A metodologia do ensino do basquetebol lisandoDIETRICH et al. (1978)


o método global e ALBERTI/ROTHENBERG
e o método (1975),apresen-
parcial, concluem que ambos ana-
tam uma série de vantagens e desvantagens e, para evitar as desvantagens e
não abrir mão das vantagens dos dois métodos, introduzem o conceito re-
Segundo OLIVEIRA (1981), os métodos mais utilizados para o en-
creativo de educação do gesto esportivo, sistematizando o método global
sino dos esportes em geral são o método global, também conhecido por em série de jogos que conduzem o aluno ao jogo final, e série de exercícios
método sintético, e o método parcial, também conhecido como método ana-
paralelos, usando sempre o espírito do jogo.
lítico.

A bibliografia em língua portuguesa apresentanos autores como


DAIUTO (1974), HURTADO (1978), TEIXEIRA/PINI (1978), BARROS 4.6 Objetivos do estudo
JR. (1979), LOTUFO (s.d.) e GUILHERME (s.d.) que propõem, basica-
mente, a utilização de uma metodologia parcial para o ensino dos des- Desta forma, a concepção de aprendizagem social de GEIST/WEI
portos. O próprio planejamento didático é elaborado obedecendose à CHERT (1981), os resultados e as conclusões da análise da interação nos
divisão dos desportos em fundamentos técnicos (por ex. TEIXEIRA/ jogos esportivos de DIETRICH (1974), juntamente com a metodologia ba-
PINI op. cit.). seada no conceito recreativo de educação do gesto esportivo e, finalmente,
a adoção de uma concepção de Educação e Educação Física que busca se
Segundo KNAPP (1963), as pesquisas têm mostrado, em linhas colocar a serviço do processo de transformação social, fornecem os elemen-
gerais, que o método global obtém melhores resultados em tarefas mo- tos para a proposição de uma metodologia do ensino dos esportes (basque-
toras abertas, e o analítico, em tarefas motoras fechadas. CROSS, apud tebol) nas escolas, a qual denominamos, para efeito prático de dissertar, de
XAVIER (1981), pesquisou o método global e o método parcial para Metodologia Funcional Integrativa (MFI), cujos resultados de sua aplica
ção prática propusemonos a verificar.
84 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 85

4.7 Materiais e métodos 4.7.1.1 Sistema de registro de comportamentos de


interação social
Com o objetivo de verificar a influência da utilização da Metodolo-
gia Funcional Integrativa (MFI) e da Metodologia Tradicional (MT) para o Este instrumento foi desenvolvido tendo como referencial os mode-
ensino do basquetebol sobre a aprendizagem social, e da primeira, também los de análise de ensino de SANT’ANA (1976), UNDERWOOD (1976),
sobre a atitude dos alunos em relação às aulas de Educação Física, foi reali- FARIA JR. ( 1981 ), HEINILA (1978) e TAYLOR (1979). Da análise destes
zada uma pesquisa quase experimental. autores, saiu a decisão da utilização de um sistema de categorias para o
registro dos comportamentos. O passo seguinte foi extrair as categorias de-
O estudo foi realizado na Escola de lº e 2º Graus Professora Mar- sejadas a partir do referencial teórico descrito na introdução deste capílulo.
garida Lopes, pertencente à Rede Oficial de Ensino do Estado do Rio Gran- As categorias extraídas foram: 1. Nível de participação. 2. Contatos sociais.
de do Sul, na cidade de Santa Maria. 3. Formação de subgrupos. 4. Participacão na resolução de conflitos. 5.
Aceitação de mudanças de regras. 6. Mudança de regras e expressão de
idéias.
A amostra do grupo experimental constituiuse dos 39 alunos per-
tencentes às 6as Séries A e B reunidas, com as seguintes características:
idade média de 13,54 anos, máxima de 16,5 e mínima de 11,5; condição Estas categorias foram operacionalizadas em três dimensões, isto é,
sócioeconômica classificada como baixa, uma vez que 82% dos alunos positiva, neutra e negativa. A partir disto foi desenvolvida uma ficha para

pertenciam à categoria A, a mais baixa da caracterização sócioeconômica os registros (Fig. 1).


utilizada pela Secretaria de Educação do Estado.
Para o preenchimento dessa ficha, foram estabelecidas as seguintes
A mostra dos grupos controle constou dos alunos matriculados nas instruções: 1. Cada intervalo (de 1 a 2) corresponde a 15 segundos des-
séries C, D e F da mesma escola. tinados à observação do aluno (15 x 2 = 30) que, somados aos 15 segundos
destinados ao registro (15 x2 = 30), perfazem um minuto. 2. Os quadrados
correspondentes a cada intervalo são preenchidos com os símbolos +, o, ,
Foi considerada como variável independente a metodologia, dividi- que indicam as dimensões positiva, neutra e negativa de cada uma das cate-
da em dois níveis: MFI e MT. Como variáveis dependentes foram conside- gorias; 3. O observador observa durante 15 segundos o aluno, e, nos 15
radas: a) aprendizagem social e b) atitude dos alunos em relação às aulas de segundos subseqüentes, registra todos os comportamentos evidenciados na-
Educação Física. quele intervalo.

Para a determinação da confiabilidade do instrumento, optouse pela


4.7.1 Instrumentos de medida verificação da concordância entre observadores, cujo índice conseguido foi
de 80,2%.
Para a mensuração das variáveis dessa pesquisa foram desenvolvidos
dois instrumentos: a) sistema de registro de comportamentos de interação
social (SIRCIS), para a verificação do tipo de aprendizagem social;b) ques-
tionário para a apreensão da atitude dos alunos em relação às aulas de Edu-
cação Física.
86 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 87

4.7.1.2 Questionário

Os itens do questionário foram elaborados a partir da identificação


das áreas que pretendíamos abranger. Estas áreas referemse a: objetivos da
Educação Física, transferência para situações extraescolares, forma e con-
teúdo das aulas de Educação Física. O questionário foi constituído com ques-
tões abertas que seguem: 1. Para que servem as aulas de Educação Física?
2. Do que você mais gosta nas aulas de Educação Física?3. Do que você
)
não gosta nas aulas de Educação Física?4. O que você aprende ou faz nas
IS aulas de Educação Física que você utiliza em outras situações, como por
C
IR exemplo, nas outras aulas, em casa, nos fins de semana?5. O que você acha
(S da maneira como os professores vêm dando as aulas?6. Você sentiu alguma
l
ia
c diferença nas nossas aulas em relação às aulas que vocês estavam tendo
so
o
ã
antes? Caso afirmativo, quais são? 7. Você gostou da forma como foram
ç
a
r
desenvolvidas as aulas (MFI)?
e
t
in
e
d os
s Observese que as questões
o
t
n nário somente no pósteste, n 6 e 57 foi
sendo quedea questão foram incluídas no questio-
suprimida.
e
m
ta
r
o
p
O instrumento foi testado quanto à clareza e objetividade de linguagem
o
m das questões, utilizandose a técnica da testagem um a um.
c
e
d
o
r
sti
g
e 4.7.2 Coleta de dados
r
o
a
r
a
p Os dados referentes à variável “aprendizagem social”, do grupo ex-
a
h
c
i perimental, foram coletados durante oito das onze aulas realizadas nos me-
F
-
1
ses de agosto, setembro e outubro de 1983.
A
R
U
G Foram engajados, para tanto, nove observadores que registraram
I
F os dez primeiros minutos da aula, os dez minutos intermediários, ou
seja, do 20º ao 30º minuto, e os dez minutos finais. Antes do início de
cada aula, foram sorteados os alunos a serem observados. Os observa 
dores se postavam em local que p ermitisse visualizar e ouvir o aluno
observado.
88 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 89

Os dados referentes a esta variável do grupo controle foram coleta- FIGURA 2 - Série me todológica de jogos para o aprendizado do basquetebol
dos durante o mesmo período, através da observação e registro de seis aulas
de outras turmas de 6a série do mesmo colégio, às quais estavam sendo
ministradas aulas de esportes coletivos.

O questionário foi aplicado para o grupo experimental antes do iní-


cio do tratamento e logo após o seu término, ou seja, após a última aula.

4.7.3 Metodologia funcional-integrativa (MFI)

Numa descrição sucinta desta proposta metodológica, colocamos que


nela utilizase para o ensino de um esporte, no caso o basquetebol:

a) Uma série metodológica de jogos e uma série paralela de jogos


(Fig. 2)

b) Estrutura das aulas:


As atividades das aulas são norteadas pela seguinte estrutura: pri-
meiro momento  reunião com os alunos para planejamento e decisões pré-
vias sobre a aula: segundo momento  realização do jogo eleito; terceiro
momento  paralisação do jogo com discussão, reflexões e propostas para a
continuidade da aula; quarto momento  testagem das soluções e variantes;
quinto momento  avaliação e planejamento da aula seguinte. Cumpre assi-
nalar que poderá ocorrer, no decorrer das aulas, mais de uma paralisação da
atividade, desde que o desenvolvimento assim exija.
FONTE: Adaptado pelo autor a partir de ALBERTI e ROTHENBERG (1975).

c) Procedimentos do professor:

Os procedimentos ou a conduta do professor têm como referência


imediata, porém com a flexibilidade necessária, a estrutura das aulas es-
tabelecidas anteriormente. A ação do professor deve buscar um clima de
aceitação mútua entre ele e os alunos, um clima de liberdade responsável,
congruência, criando uma situação de confiança e otimismo. O professor
deve, também, imprimir ampla flexibilidade ao desenvolvimento do con-
teúdo.
90 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 91

Consoante com essas orientações de ordem global, deve objetiva- A comparação entre os resultados obtidosna categoria “contatos so-
mente: ciais” quando utilizada a MFI e quando utilizada a MT, foi realizada a par-
tir da tabela 1.
 Incentivar os alunos e possibilitarlhes a participação no planeja-
mento das aulas;
TABELA 1 — Freqüência total dos comportamentos positivos, neutros e
negativos de seis aulas da MFI e da MT na categoria “Contatos sociais”
 Incentivar os alunos a expressarem idéias para a realização e modi-
ficação dos jogos.

 Conduzir reflexões e discussões com os alunos sobre as atividades


desenvolvidas, levandoos a refletir quanto a: 1. importância da participa-
ção de todos os integrantes do grupo; 2. possibilidade e necessidade de
mudança das regras; 3. necessidade de conseguir ambiente agradável, coo-
perativo e de companheirismo nos jogos.

Podese observar, nessa tabela, que a dimensão positiva na MFI re-


ação ao grupo;
Considerar as idéias expressas pelos alunos e submetêlas à apreci- cebeu um percentual mais elevado de registros (50,0 contra 32,0%), ao pas-
so que, nas dimensões neutra e negativa, o percentual mais elevado ocorreu
nas aulas da MT. A partir do cálculo do quiquadrado, podese rejeitar tam-
 Engajar os alunos na organização e avaliação das atividades reali-
bém, neste caso, a hipótese nula. Sendo assim, podese afirmar que os resul-
zadas nas aulas; tados obtidos nessa categoria diferem significativamente a um nível de .01,
isto é, nas aulas desenvolvidas com a MFI ocorreram mais contatos sociais
 Levar em consideração a importância de uma disciplina funcional, positivos do que nas aulas com a MT.
espontânea, em contraposição à disciplina imposta; A tabela 2 apresenta os dados referentes à categoria “formação de
subgrupos”. O quiquadrado calculado a partir da tabela 2 implicou na acei-
 Explorar e utilizar a colocação de problemas aos alunos, com o tação da hipótese nula, ou seja, não existe diferença significativa entre as
objetivo de leválos à atividade reflexiva; freqüências de comportamento entre as duas metodologias.

 Limitar ao mínimo indispensável a direção pessoal das atividades.


TABELA 2 — Freqüência total dos comportamentos positivos, neutros e
negativos na categoria “Formação de sub-grupos” de seis aulas da MFI e da MT
Podese afirmar, por conseguinte, que nas aulas desenvolvidas a par-
tir da MFI, os alunos tiveram um nível de participação mais positivo nas
aulas de Educação Física do que quando utilizada a MT.
92 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 93

4.7.4 Metodologia tradicional (MT) calculado com os dados da tabela 3 foi 293,3. O quiquadrado tabelado
para alfa = .01 e 2 graus de liberdade é igual a 9,21. Portanto, rejeitou
se a hipótese nula.
No presente estudo, a metodologia tradicional (MT) foi considerada
como sendo a metodologia comumente utilizada nas aulas de Educação Fí-
sica na Escola.

TABELA 3 - Incidência total dos comportamentos positivos, neutros e


São geralmente utilizados, no ensino do Basquetebol, os métodos negativos na categoria “Nível de participação”, em seis aulas da MFI e da MT
parcial e global e uma combinação de ambos, denominada de misto.

Neste estudo, o método utilizado pelos professores do colégio em


questão foi o parcial, no qual o esporte é ensinado e aprendido através da
prática separada de seus fundamentos básicos e, após o domínio desses, o
esporte propriamente dito é então desenvolvido e praticado.

A ação do professor se caracteriza pela diretividade, e o objetivo


principal é a busca da aprendizagem de destrezas, ou seja, dos gestos técni-
cos.
Os resultados da categoria “participação na resolução de confli
tos” constam da tabela 4.

4.8 Resultados e discussão

A freqüência dos comportamentos de interação social obtidos atra- TABELA 4 — Freqüência total dos comportamentos positivos, neutros e
vés do registro nas fichas do SIRCIS estão descritos em tabelas que se- negativos na categoria “Participação na r esolução de conflitos”,
guem. Não existe, neste espaço, a possibilidade da apresentação das tabelas em seis aulas da MFI e da MT
que demonstram o comportamento das freqüências por categoria e por di-
mensão nas diferentes aulas observadas das duas melodologias. Desta ma-
neira, apresentamos somente as tabelas resumo, onde estão computados os
resultados das observações por categoria, em seis aulas desenvolvidas com
a MFI e em seis aulas desenvolvidas com a MT.

A tabela 3 apresenta os resultados obtidos nas duas metodologi-


as na categoria 1, isto é, “nível de participação”. Observase nesta tabe-
la que, na dimensão positiva, o percentual maior ocorreu nas aulas de- A diferença entre as duas metodologias é flagrante, não existindo a
senvolvidas com a MFI, e que nas dimensões neutra e negativa o maior necessidade da aplicação de um teste estatístico. Ressaltese ainda que, para
percentual ocorreu nas aulas desenvolvidas com a MT. O quiquadrado essa categoria, o interesse recai não sobre a proporcionalidade entre os com-
94 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 95

portamentos positivo, neutros e negativos, como nas categorias 1, 2 e 3, e TABELA 6 - Freqüência total dos comportamentos positivos, neutros e
negativos na categoria “Mudanças de regras/expressão de idéias”,
sim, sobre o total de comportamentos verificados, pois o total de comporta- em seis aulas da MFI e da MT
mentos registrados denota a dimensão da preocupacão do professor em ex-
por estes conflitos, e solicitar a participação dos alunos para a sua supera-
ção.

Os resultados da categoria “aceitação de mudanças de regras” estão


resumidos na tabela 5. Em razão de flagrante diferença das frequências nas
duas metodologias, não foi aplicado teste estatístico.

TABELA 5 - Freqüência total dos comportamentos positivos, neutros e Como referido anteriormente, esses resultados mostram que os alu-
negativos na categoria “Aceitação de mudança de regras”, nos, nas aulas desenvolvidas com a MFI, tiveram uma contribuição muito
em seis aulas da MFI e da MT mais efetiva no que diz respeito à sugestão de mudança de regras e expres-
são de idéias em relação aos alunos que participaram das aulas desen-
volvidas com a MT. Isso vem ao encontro da idéia de aprendizagem
social adotada para fundamentar a MFI que enfatiza o reconhecimento
da relatividade das normas e a conscientização do processo de regula-
mentação.

Para a análise dos resultados dos questionários inicial e final, utili-


zouse um procedimento hermenêutico, a análise de conteúdo.
As razões para esta diferença parecem ser: a) esta categoria somente
é utilizada quando for decidida uma mudança nas regras de determinado Apresentaremos somente as tabelasresumo das questões de nos 1 e
jogo ou exercício. Esse aspecto, por si só, favorece a MFI, pois esta prevê a 4.
utilização de séries metodológicas de jogos para o ensino dos esportes, en-
quanto que a MT utilizase de séries de exercícios; b) na MFI os jogos são
A primeira questão teve o seguinte enunciado: Na sua opinião, para
apresentados pelo professor apenas com regras elementares, a partir do que
que servem as aulas de Educação Física? Os resultados do préteste estão
novas regras são testadas e desenvolvidas. Na MT o professor define previ-
resumidos na tabela 7e, na tabela 8,os resultados do pósteste.
amente as regras dos exercícios ou do jogo, restando apenas aos alunos
respeitálas.

Os resultados dos registros na categoria “mudanças de regras e


expressão de idéias”
constam da tabela 6.
96 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 97

TABELA 7 - Freqüência das respostas dos alunos sobre as finalidades das aulas TABELA 8 — Freqüência das respostas dos alunos sobre as finalidades das aulas
de Educação Física no pré-teste de Educação Física no pós-teste

Categorias Freqüência total Freqüência por aspecto C a t e g o r ia s F r e q ü ê n c i at o t a l Freqüência por aspecto


1. Desenvolvimento 1. Desenvolvimento
Morfofuncional 31 12 Desenvolvimento do corpo Morfofuncional 22 7Paradesenvolveros
10 Melhorar o preparo físico músculos
9 Desenvolver ou exercitar 9 Para desenvolver o corpo
o físico ou os músculos 4 Para desenvolver o físico
2 Manter a forma física
2. Aprendizagem desportiva 10
2.Aprendizagemdesportiva 8 7 Aprender jogos
3. Desenvolvimento mental 2 1 Aprender novas
modalidades
4. Divertimento 1
3. Desenvolvimento mental 2 
5. Saúde 5
4. Divertimento 1 Para se divertir

Educação
5. 4 3 Para educar
1 Para nos desenvolver
Verificase, nestas tabelas, que a diversidade das respostas dadas no 6. Transferência 2 1 Parater maiscapacidade
préteste exigiu o estabelecimento de cinco categorias, enquanto que, no de estudos
pósteste, exigiu o estabelecimento de dez. No pósteste, não apareceu a 1 Aprender coisas boas
categoria “saúde”, no entanto apareceram opiniões que foram classificadas para a nossa vida e saber
em categorias como “Educação”, “Transferência”, “Sociabilização”, “Cria-
7.
Socialização 6 1 União entre professores e
tividade”, “Novidades” e “Exercícios físicos e movimentos”, categorias es-
alunos
tas ausentes no préteste. 1 Aprender a discutir os
problemas com os colegas
Esses resultados demonstram que ocorreu um alargamento do en- 1 Aprender a ter
responsabilidade
tendimento das finalidades da Educação Física com o surgimento, no pós 1 Respeitar os professores
teste, de categorias não relacionadas exclusivamente ao domínio psicomo- 1 Desenvolver a união do
tor e ao desenvolvimento morfofuncional mas, também, ao domínio social grupo
e cognitivo. 1 Respeitar os colegas

Novidades
8. 2
A questão nº 4 teve a seguinte redação: O que você aprende nas aulas
de Educação Física que você utiliza ou faz em outras situações (como por 9. Exercício físico e
movimento 7
ex., nas outras aulas, em casa, nos finais de semana, etc.)? Os resultados das
respostas dos alunos a esta questão no pré e no pósteste, estão resumidos 10.Criatividade 1
nas tabelas 9e 10.
98 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 99

Analisandose estas duas tabelas, observase que, no pósteste, foram


menos freqüentes as indicações do aprendizado de modalidades esportivas,
jogos e exercícios.

Para a categoria 2, “regras”, houve uma indicação a menos no pós


teste, porém, com uma modificação no seu sentido: no préteste os dois
alunos indicaram essa categoria com as expressões “saber as regras” e “as
regras de um esporte”; já nos pósteste, o aluno usou a expressão “as regras
que nós fizemos”. Isso denota que o aluno estará transferindo não somente TABELA 10 - Freqüência das respostas dos alunos em relação à questão
uma regra previamente determinada pelo professor ou pelo esporte eleito, nº 4 no pós-teste
como também uma regra que foi desenvolvida pelo próprio aluno nas aulas
C a t eg o r i as Fr e q ü ê n c i a t o t a l F r e q ü ê n c i a po r a s pe c t o
de Educação Física.
1. Modalidades desportivas
exercícios
e 47 10 Futebol
Também se observa no pósteste, o surgimento da categoria “socia- 8 Volibol
bilização” com oito indicações, da categoria “criatividade” com duas indi- 12 Basquetebol
cações, e da categoria “família” com uma indicação. 2 Handebol
6 Exercícios físicos
3 Correr
TABELA 9 - Freqüência das respostas dos alunos em relação à questão 6 Jogos
nº 4 no pré-teste
Regras
2. 1 
Categorias Fr eq üê nc ia to ta l Fr eq üê nc ia po r a sp ec to
3.Socialização 8 3Respeitopeloscolegas
1. Modalidades desportivas 3 Educado no relacionamento
e exercícios 65 17 Futebol
com os outros
8 Correr
1 Cooperação nos jogos
9 Volibol
1 Sentido de grupo
2 Saltar
4 Basquetebol
4.
Criatividade 2 
10 Exercícios
2 Handebol Família
5. 1 1 Ensino ao irmão o
6 Jogar bola aprendido nas aulas de
6 Jogos Educação Física
1 Cooper

2. Regras 2 

3. Higiene 2 

4. Disciplina 2 1 Disciplina
1 Se comportar
100 E d u c a ç ã oF í s i c aeA p r e n d i z a g e mS o c i a l A Educação Física escolar como campo de vivência social 101

4.9 Discussão dos resultados tivo. Os alunos citaram em relação à pergunta referida, outras diferenças
com sentido positivo, como: "maior liberdade”, “mais brincadeira”, “podí-
amos conversar”, “discussão dos grupos", e isso mostra que outros fatores
Genericamente, verificouse que, nas aulas desenvolvidas com a MFI,
podem ter motivado esse nível de participação maior, como por exemplo, a
ocorreu um índice maior de comportamentos positivos do que nas aulas
forma menos diretiva de conduzir as aulas.
desenvolvidas com a MT. De acordo com a metodologia utilizada no pre-
Uma das idéias dessa metodologia é, justamente, melhorar o nível de
sente estudo, isso equivale dizer que a utilização da MFI propicia uma vi-
participação do aluno a partir do seu envolvimento consciente nas decisões
vência social diferenciada de quando é utilizada a MT. Porém, para uma
de aula, de modo a assegurar uma adequação real das atividades aos seus
melhor apreciação, impõese fazermos a análise dos resultados das catego-
interesses e necessidades.
rias.

A categoria “contatos sociais” também apresentou um resultado ex-


Com relação à categoria “nível de participação”,
verificouse que,
pressivamente favorável à MFI. Esses resultados indicam que, nas aulas
nas aulas desenvolvidas com a MFI, a dimensão positiva apresentou uma
desenvolvidas com a MFX, os alunos comunicaramse com uma maior fre-
freqüência muito superior à verificada nas aulas desenvolvidas com a
qüência do que nas aulas da MT. A comunicação entre os alunos é condição
MT. Isto significa que os alunos, nas aulas desenvolvidas com a MFI,
necessária quando se pretende uma participação efetiva destes na organiza-
participaram de forma mais efetiva das atividades, expressando maior
ção das atividades das aulas e na superação dos conflitos, quando se preten-
entusiasmo e maior alegria do que os alunos que participaram das aulas
de exercitar a cooperação.
de MT.
O argumento muitas vezes utilizado, como lembram GEIST/WEI
Estes resultados vão ao encontro dos pressupostos de DIETRICH et
CHERT (1981), de que uma boa aula de Educação Física se mede pelo
al. (1978), que colocam como desvantagens do método parcial, que foi o
movimento e pelo suor dos alunos, pode ser rebatido com o contraargu
utilizado pelos professores da MT, o fato desse método não possibilitar ou,
mento de que, nestes casos, verificase somente quantidade de movimento,
apenas tardiamente, a satisfação do desejo de jogar das crianças. As crian-
sem que outros objetivos estejam sendo atingidos, como a percepção crítica
ças não se sentem atraídas pelos detalhes técnicos de um esporte, mas sim,
do esporte, das regras que o regem e do seu significado social por parte dos
pelo desenrolar e pelo espírito do jogo.
alunos.

A participação mais efetiva conseguida nas aulas da MFI, demons-


Um indicador da facilitação da comunicação entre os alunos na MFI
trada pela maior freqüência de comportamentos positivos registrados, tam-
são as expressões utilizadas pelos alunos no pósteste, para expressar as
bém recebeu o aval dos alunos que, respondendo no pósteste à pergunta
diferenças entre esta metodologia e a MT: “podíamos conversar”, “discus-
sobre as diferenças entre a MFI e a MT, assim se expressaram: “os alunos
são dos grupos”, “a professora anterior não deixava abrir a boca”.
praticam as aulas com mais vontade”, “os alunos participam mais”. Portan-
to, a utilização de séries metodológicas de jogos propicia um maior “nível
de participação" dos alunos nas aulas de Educação Física, em contraposi- Nas aulas de Educação Física onde o professor utilizase do coman-
ção às séries de exercícios técnicos e táticos utilizados na metodologia par- do e tem objetivos relacionados, prioritariamente, com a aprendizagem de
cial. destrezas esportivas (da técnica pela técnica), como demonstra a MT, as
conversas (comunicação entre alunos) são normalmente encaradas como
“antieconômicas" e, via de regra, são reprimidas. Nestes casos, quanto mais
Obviamente, esse maior nível de participação não pode ser atribuído,
o aluno se detiver na realização do exercício determinado, mais produtiva
unicamente, à utilização do conceito recreativo da educação do gesto espor-
102 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 103

será sua atuação. Quando, no entanto, o professor de Educação Física tem tos, pois eles interrompem a ordem e prejudicam a “produtividade”. Esque-
objetivos que visam o desenvolvimento da interação e a melhoria do enten- cem, no entanto, estes professores, que, neste “perigo” (o conflito), reside,
dimento recíproco, em suma, o desenvolvimento numa perspectiva global, de acordo com THOMAS (1978), a esperança de uma solução construtiva.
a comunicação, ao invés de reprimida, deve ser convenientemente incenti- A busca de uma solução conjunta satisfatória do conflito pode ter como
vada. resultado uma melhora nas relações e/ou funcionamento de todo o grupo.

Quando as regras de um jogo não são, simplesmente, impostas pelo Outro aspecto que envolve essa questão é o ressaltado por LAN
professor, mas resultam de um acordo entre os alunos, é necessário haver DAU/DIETRICH (1979), de que o tratamento normalmente dado pelo pro-
conversas sobre a conveniência, as exigências e a validade dessas regras. fessor, ou ignorando o conflito ou suprimindoo, baseado no estilo de co-
Exemplo de um incentivo à intercomunicação, característica da MFI, é a mando, só pode solucionar o conflito aparentemente, permanecendo os
solicitação freqüente do professor no sentido de que os alunos de deter- motivos de fundo sem serem tocados.
minado grupo discutam sobre a melhor maneira de organizar um determinado
jogo, ou de resolver determinado conflito ou problema. Essa questão pode ser evidenciada no conflito entre os alunos “mai-
ores” e “menores”, acontecido no grupo experimental. O envolvimento dos
Com relação à categoria “formação de subgrupos”, o que se verifi- alunos na solução daquele conflito levouos, em nosso entendimento, a com-
cou nas duas metodologias foi que a dimensão neutra predominou sobre as prometeremse e a coresponsabilizaremse pelo sucesso da solução encon-
demais, sendo que, na MT, essa predominância foi um pouco mais acentua- trada e sugerida por eles próprios. Neste caso formase. também, o ambien-
da. Acreditávamos que o maior envolvimento dos alunos no planejamento e te sóciopsicológico propício para a ação cooperativa.
decisões de aulas, propiciado pela MFI, tivesse como resultado uma maior
freqüência de atitudes de iniciativa na formação de grupos para os jogos, Outro fator levado em consideração pela MFI e que parece ser tam-
quando comparado com a MT, o que. efetivamente ocorreu, mas de forma bém uma das causas dessa diferença de freqüências nesta categoria, é o de
não significativa, como demonstraram as provas estatísticas. que os conflitos sobre a aplicação de regras oportunizam a discussão sobre
a validade e necessidade destas regras. Conseqüentemente, há uma tomada
Na categoria “participação na resolução de conflitos” verificouse de consciência por parte dos alunos, do processo de regulamentação e da
uma evidente diferença entre as duas metodologias, porém não em relação à própria razão de existir das regras. Ao contrário, na MT o surgimento dos
proporcionalidade dos comportamentos positivos, neutros e negativos, e sim, conflitos sobre regras não leva a esse tipo de questionamento, mas sim, à
no que diz respeito ao todo das freqüências nestas dimensões. Estes resulta- aplicação pura e simples destas regras, já que elas são prédeterminadas
dos indicam, por um lado, que nas aulas da MFI, houve uma maior preocu- pelos regulamentos internacionais.
pação em expor os conflitos e de submetêlos à apreciação dos alunos para
uma solução dialogada, e por outro, que os conflitos nestas aulas foram A categoria 6, “mudanças de regras/expressão de idéias” reúne, tal-
mais freqüentes. vez, o fundamento mais importante da MFI. Indica essa categoria, generica-
mente, o número de sugestões de mudanças de regras e o número de idéias
A utilização de exercícios com prédeterminação precisa pelo pro- dadas pelos alunos nas aulas. Esclarecemos, porém, que o significado des-
fessor de toda a conduta motora e social do aluno, não favorece o apareci- sas sugestões tem de ser analisado numa perspectiva teórica mais ampla.
mento de conflitos. Na verdade, o professor que se utiliza do estilo de co-
mando, que estabelece como objetivo total das aulas de Educação Física o A concepção de aprendizagem social adotada enfatiza que esta ocor
aprendizado de destrezas esportivas (MT) teme o aparecimento de confli- rerá na medida em que o aluno passar a reconhecer, a saber, a tomar consci
104 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 105

ência das regras e normas sociais que regulamentam a sua ação no esporte, de transpor a um nível idiomático as ações e de mudálas sob vontade, o que
na escola, etc., sua interação com colegas e professores, como também en- não é possível no ritual forçado.
fatiza a tomada de consciência por parte do aluno, da relatividade das nor-
mas, ou seja, da necessidade de adaptálas às necessidades situativas. O maior envolvimento do aluno na programação e decisões de aula.
a satisfação dos seus interesses de jogar, a liberdade na participação propi-
Em função dessa concepção, na MFI, prevêse o envolvimento dos ciada pela MFI, pressupunhase, favoreceria a modificação e a formação de
alunos no processo de regulamentação dos jogos, o que implica a criação atitudes positivas em relação às aulas de Educação Física.
pelos alunos de seus próprios papéis representativos. O contrário acontece,
comumente, no ensino dos esportes no qual os alunos são submetidos às Os resultados da análise comparativa entre o pré e o pósteste, per-
regras esportivas internacionais, sem possibilidades de questionálas. Tra- mitiram verificar que ocorreu uma ampliação no entendimento das finalida-
tase, portanto, do aluno apenas reconhecer as regras e observálas. des da Educação Física por parte dos alunos. Essa ampliação processouse
em direção às finalidades normalmente atribuídas à Educação Física e, por
Esse aspecto refletiuse nos registros desta categoria verificados nas conseqüência, nos planejamentos didáticos, mas que, como demonstram os
aulas da MT, cuja freqüência perfez apenas 10% da ocorrida nas aulas da resultados do préteste não têm correpondência na ação docente. Tratase
MFI. das finalidades “psicosociais” da Educação Física. Na questão que solici-
tava aos alunos que citassem o que eles aprendem nas aulas de Educação
Durante a iniciação em determinado esporte com a utilização da MFI, Física
no e que transferem
pósteste, oito vezes para outrasligados
aspectos situações da vida, os alunos
à sociabilização, numaindicaram,
indicação
diante de uma divergência entre alunos sobre a aplicação de determinada
regra, a ação do professor não é a de aplicar a regra internacional deste clara de tomada de consciência de que outros valores são desenvolvidos nas
esporte naquela situação, mas sim. de colocar o problema aos alunos, para aulas de Educação Física que não apenas aqueles ligados estritamente ao
que estes, através do diálogo, possam regulamentar aquelas ações esporti- exercício físico e às destrezas esportivas. A expressão de um aluno, “apren-
vas. O resultado é que o aluno reconhece aquelas regras e tem consciência di que quando a gente está num grupo, a gente não pode escolher só o que
de sua necessidade e seu significado. Essa conduta do professor na MFI, quer fazer, tem que ter as opiniões de todos”, em nosso entendimento, é uma
explica a maior freqüência de expressão de idéias e sugestões de mudanças demonstração clara da possibilidade do desenvolvimento desses valores. A
de regras ocorrida nas aulas desenvolvidas com a MFI. questão de saber se esses valores são transferidos ou não para outras situa-
ções da vida não pode ser respondida com precisão. Acreditamos que, quanto
mais significativa para o aluno for essa experiência vivida e quanto mais a
As regras determinadas pelos alunos correspondem às normas de ação sociedade (meio ambiente) fomentar ou reforçar esse tipo de atitude, maior
no jogo esportivo. Porém, o estabelecimento pelos alunos, dessas regras, será a probalidade de ocorrer esta transferência. A questão da transferência,
não garante a igualdade de agir dos jogadores em relação a elas. Muito nessa perspectiva, vinculase, portanto, à idéia de que as transformações
provavelmente ocorram conflitos, e então fazemse necessárias novas dis- sociais não ocorrerão através da escola, mas sim, terão de operarse simul-
cussões, novas regras, etc. Esse processo diminui a sua intensidade na me- taneamente nesta e na sociedade. Mesmo assim, os educadores não devem
dida que as normas de ação (regras) forem sendo esclarecidas e acordadas menosprezar a possibilidade de sua contribuição para esta transformação,
entre os jogadores. nem tampouco cruzar os braços afirmando ser isso impossível. O professor
deve acreditar nessa possibilidade, acrescentando à sua ação a consciêcia
As formas de jogos oriundas desse processo diferenciamse do ritual desta interrelação.
de tal maneira, que os jogadores, a qualquer momento, estão em condições
106 E d u c a ç ã oF í s i c aeA p r e n d i z a g e mS o c i a l A Educação Física escolar como campo de vivência social 107

Quanto à questão que procurou captar as diferenças que os alunos A sociedade capitalista na qual vivemos, com o auxílio do mito da
puderam perceber entre as aulas desenvolvidas com a MFI e as aulas ante- liberdade (individual) e da igualdade de oportunidades, mantém uma estra-
riores (MT), consideraram os alunos que as aulas da MFI propiciaram um tificação social extremamente injusta. Para a manutenção de seus privilégi-
ambiente de maior liberdade, e que levaram os alunos a uma participação os a classe dominante necessita que sejam aceitos como normais e desejá-
mais intensa nas atividades de jogos e nas decisões de aula sobre conteúdo, veis determinados valores, como por exemplo, a competição ou concorrên-
organização de grupos e regulamentação de jogos. cia baseadas na idéia de igualdade de oportunidades, o que leva ao culto do
individualismo.
As expressões dos alunos no pósteste, em resposta a esta questão,
principalmente as reunidas na categoria "participação”, indicam que estes O esporte na escola não deixa de veicular e reproduzir esta ideologia.
tomaram consciência de que lhes foi possibilitado participar nas aulas não A obediência incondicional às regras determinadas pelos regulamentos in-
somente como meros cumpridores de tarefas determinadas pelo professor, ternacionais (autoridades), sem que o indivíduo tenha consciência do pro-
mas como agentes ou sujeitos da atividade educativa. Expressões como “po- cesso de regulamentação, e a busca da performance para a superação do
díamos dar idéias”, “todo mundo podia colaborar”, “pela participação na adversário, são exemplos.
organização dos jogos” demonstram a percepção por parte dos alunos de
que isso não lhes era permitido nas aulas anteriores, ou seja, com a Metodo- Assim sendo, se por um lado, para favorecer o desenvolvimento de
logia Tradicional. consciências críticas (indivíduos com uma visão crítica do esporte, como
fenômeno social e individual) existe a necessidade de substituir, nas aulas
de Educação Física, a costumeira relação assimétrica entre professor e alu-
4.10 Conclusão no por uma relação baseada no diálogo na acepção de FREIRE (1978), para
que desta forma possa realmente acontecer um ato educativo libertador e
não um ato domesticador, por outro, não menos importante, é o conteúdo ou
Quando nos referimos à questão do conteúdo sócioeducativo dos objeto dessa interação. Tratar no ensino dos jogos esportivos unicamente
jogos esportivos, procuramos ressaltar que os professores de Educação Fí- dos gestos técnicos ou das regras esportivas internacionais, sem relacioná
sica devem tomar consciência de que na escola são inculcados nos alunos, las com os interesses e a realidade dos educandos, continua, em nosso en-
os valores e normas de comportamento “desejáveis” da nossa sociedade. tendimento, a não concorrer para o desenvolvimento de uma visão crítica
Esses valores “desejáveis”, são os valores dominantes, que por sua vez, são do esporte.
os dos dominantes, ou seja, a escola reproduz a ideologia da classe domi-
nante.
Por isto, na metodologia que propomos, a MFI, além de buscar a
eliminação da dominação pela autoridade, sem no entanto renunciar o direi-
Como afirma LEIF (1983), toda ideologia social, cuja interiorização to e o dever do professor de indicar uma direção, indicadora do compromisso
e reprodução a escola favorece, incide essencialmente sobre a conduta: ide- político assumido, procurase mostrar o esporte numa perspectiva crítica,
ais, modelos, imagens de autoridade, da justiça, das obrigações para com a onde os alunos possam realmente “fazer” o seu esporte levando em consi-
sociedade, o Estado, as instituições e os grupos. Por isso, a sociedade en- deração as características de sua realidade infantil e existencial (social, eco-
contra na escola, de maneira notável e solidamente organizada, o esteio e a nômica, política, cultural), e não apenas praticar o esporte. Para isso, entre
garantia de perenidade de suas estruturas vigentes. outras coisas, o aluno tem de participar ativa e conscientemente do processo
de normatização que determina as condições das interações no esporte.
108 Educação Física e Aprendizagem Social A Educação Física escolar como campo de vivência social 109

Como nos lembra BRANDÃO (1985, p. 103), ‘‘não há transmissão A competição esportiva, por sua vez, tem como suporte a ideologia
de conhecimento se este não se der através de um processo de reconstrução da igualdade de oportunidades, ou seja, todos os competidores têm a mesma
do conhecimento. Por isto, ensinar implica criar condições para que o seu chance de vitória. Obviamente, esta idéia pressupõe apenas as condições
aluno compreenda como e porque chegouse a um determinado estágio de imediatas à competição e não leva em consideração as condições sociais e
conhecimento em uma determinada área, através da desmistificação do sa- econômicas dos que nela tomam parte.
ber. Transmissão do conhecimento não é imposição de conteúdos. É sim,
desenvolver um processo que permita o acesso a conteúdos através do de- Acreditamos que a competição é um elemento motivador para a par-
bate e da critica do conhecimento estabelecido". ticipação nos jogos esportivos que não deve ser menosprezado. No entanto,
existe a necessidade, a nosso ver, de determinar, embora seja difícil fazêlo,
A MFI substitui também a prioridade dada pela Metodologia Tradi- os limites entre a desejabilidade e a indesejabilidade da competição, ou ain-
cional ao ensino dos gestos técnicos e ao aprendizado das regras esportivas da o "tipo” de competição.
internacionais, pela vivência do jogo. procurando transformar as aulas num
campo de ação e vivência social. Para nós, a competição é desejável na medida em que os competidores
encarem seus opositores como companheiros de jogo; tornase indesejável
Ao problema de colocar os gestos esportivos como conteúdo “a pri na proporção em que os competidores percebam seus oponentes como ri-
ori”, somase a tendência burocrática da Educação e Educação Física brasi- vais que precisam ser vencidos a todo custo e, mais indesejável ainda, quan-
do transformam estes em inimigos que devem ser odiados. LEIF/BRUNEL
leira. Os
como professores
meta. de Educação
ficam a estabelecer Física específicos
objetivos colocando ocomo
ensino
“o dos
alunoesportes
deverá LE (1978, p. 21), referemse a esta questão de forma singular quando co-
ser capaz de em 5 arremessos à cesta, converter no mínimo 3”, e a procurar mentam que o “jogo de bocha requer um parceiro; a partida de bocha, um
estratégias para atingilos e avaliálos. E nessa mania de controle acabam adversário; e o torneio, inimigos”.
perdendo ou não tendo a noção das finalidades últimas de sua atividade
pedagógica. Para isso concorre também a formação estritamente técnica desse Se, por um lado, o individualismo resultante da comparação de per-
profissional que não consegue inscrever sua prática num contexto social formances, a competição desmedida, o respeito irrefletido às regras, são
mais amplo, num projeto de sociedade, numa visão de mundo. valores de nossa sociedade que são reforçados pelo esporte e, conseqüen-
temente, pelo esporte escolar, acreditamos ser possível, por outro lado, reo
A idéia de que o esporte é basicamente a comparação de desempenhos, rientar esse ensino e esse esporte no sentido do desenvolvimento do coleti
ou seja, a competição, está fortemente enraizada na nossa sociedade. As vismo (entendido como a ação pessoal comprometida prioritariamente com
escolas vêem no esporte uma forma de adquirir prestígio, e para isso existe o bem comum), do desenvolvimento da consciência da relatividade das nor-
a necessidade de que vençam as competições; para vencer as competições mas e da possibilidade de sobre elas agir, e de reorientar a competição es-
suas equipes devem ser convenientemente treinadas. Essa análise foi feita portiva destituindoa da finalidade precípua de indicar a supremacia de uns
para demonstrar (se é que isto é necessário) que o ensino dos gestos esporti- sobre os outros (discriminar melhores dos piores) através da análise crítica
vos nas escolas é legitimado pela idéia da competição, e para ressaltar a do significado da competição. Porém, se nisso acreditamos e mesmo, se
estreita ligação entre a característica competitiva do esporte e a busca nisso depositamos nossas esperanças educacionais, estamos conscientes tam
do aperfeiçoamento dos gestos esportivos e da condição atlética (fisio- bém, das limitações impostas pela ordem social vigente, para a efetivação
lógica). de tal proposta. Nas palavras de Manuel SÉRGIO (1978) em “Desporto em
110 Educação Física e Aprendizagem Social Bibliografia 111

Democracia”, “o futuro do desporto nacional depende menos dos contatos


internacionais no campo meramente desportivo do que das transformações
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modalidade de Estudos Pedagógi-
cos.

Em 1990, doutorouse pela


Universidade de Oldenburg (R.F.A).

Atualmente é Presidente do
Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte, e desenvolve estudos nas
áreas
Física edaSociologia
Pedagogia da Educação
do Esporte.

O Editor
VALTER BRACHT

EDUCAÇÃO FÍSICA

APRENDIZAGEM SOCIAL

O título "Educação Física e Aprendizagem Social", num primeiro


momento pode parecer estar apenas relacionado com o conteúdo da
segunda parte, mas, na verdade, contém uma categoria que é
característica
brasileira para
no início da uma corrente
década de 80. que
Estasurge na Educação
corrente, Física
influenciada pela
discussão que era levada a efeito no âmbito mais geral da pedagogia no
Brasil, começa a refletir o papel social da Educação Física,
contextualizando-a no sistema educacional.

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