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BARCELONA
2009
2
RESUMO
ÍNDICE
Introdução......................................................................................................................4
Capítulo I
Inconsciente e Linguagem em Freud e Lacan............................................................7
1. O inconsciente de Freud.............................................................................................8
1.1. Inconsciente e linguagem em freudianos.................................................................9
1.1.1. A interpretação freudiana das afasias...................................................................9
1.1.2. Das Ding: a coisa, segundo Freud......................................................................11
1.2. A linguística de Freud.............................................................................................11
1.2.1. Os sonhos e a sua interpretação: a formação mais autêntica do
inconsciente...................................................................................................................11
1.2.2. A psicopatologia da vida quotidiana: investigação no âmbito linguística............12
1.2.3. Os chistes: formações mentais sociais...............................................................13
1.3. Inconsciente e linguagem segundo Lacan.............................................................14
1.3.1. O retorno da psicanálise à sua origem: pelo caminho da linguagem.................14
1.3.2. A linguística em Lacan........................................................................................15
1.3.3. Significante: constitutivo do inconsciente e linguagem materializada................16
1.4. Língua, fala e linguagem........................................................................................17
1.5. O inconsciente e os seus mecanismos psicanalíticos e linguísticos.....................18
Capítulo II
Sintoma e Linguagem em Freud e Lacan..................................................................20
2.1. A dimensão simbólica do sintoma..........................................................................22
2.1.1. O sintoma e a figura paterna...............................................................................24
2.1.2. Metáfora paterna.................................................................................................25
2.1.3. Declínio do pai: do moderno ao contemporâneo................................................27
2.2. A dimensão real do sintoma...................................................................................29
2.2.1. A passagem do nome-do-pai aos nomes-do-pai................................................32
Capítulo III
Os Sintomas Actuais: Linguagem ou Alíngua, Simbólico ou Real........................33
3.1. Os sintomas actuais...............................................................................................34
3.1.1. Os sintomas actuais como “sintomas-gozo”.......................................................36
3.1.2. A linguagem e os novos sintomas.......................................................................38
3.1.3. O último ensinamento de Lacan e os novos sintomas........................................39
3.1.4. Os sintomas actuais: entre a linguagem e a alíngua, entre o simbólico e o
real.................................................................................................................................42
3.1.5. O inconsciente real e os novos sintomas............................................................43
Considerações Finais.................................................................................................47
Referências Bibliográficas.........................................................................................48
4
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Inconsciente e Linguagem segundo Freud e Lacan
8
1. O inconsciente de Freud
Posteriormente aos seus estudos sobre afasias, Freud inicia outro tipo de
investigações, todos eles fundamentando a estrutura de linguagem do inconsciente,
pois todos os caminhos das suas pesquisas entram no campo da linguagem, como
forma de explicar o que falta ou falha no inconsciente.
Foi por influência de alguns professores seus que Freud se dedicou ao estudo
dos chistes, dando origem à obra Os chistes e sua relação com o inconsciente, em
1905. Um dos primeiros exemplos que Freud destaca é o de uma personagem do
poeta Heinrich Heine, de origens bastante humildes, que se vangloria por ter sido
tratado pelo grande barão Rothschild como um Senhor: bastante “familionariamente”.
Em relação a este termo, Freud refere: “Aqui, a palavra veículo desse chiste parece, a
princípio, estar erradamente construída, ser algo ininteligível, incompreensível,
enigmático”. (FREUD, 1995).
A utilização deste termo provoca confusão mas, em simultâneo tem um efeito
esclarecedor e cómico. Segundo um dos professores de Freud, Lipps (1898), “o
primeiro estágio do esclarecimento, ou seja, que a palavra desconcertante signifique
isto ou aquilo é seguido de um segundo estágio, no qual percebemos que a palavra
sem sentido que nos havia confundido, nos mostra então o sentido verdadeiro, essa
descoberta de que a palavra sem sentido, conforme o uso linguístico normal é a
responsável por todo o processo, essa solução do problema no nada, é apenas esse
segundo esclarecimento que produz o efeito cómico.” (Freud, 1995).
Freud questiona-se: “Em que consiste, pois, a técnica desse chiste do
‘familionariamente’? O que acontece ao pensamento, como expresso, por exemplo, na
nossa versão, de modo a torná-lo um chiste que nos faz rir entusiasticamente?”.
(1995).
Freud começa a trabalhar na relação entre o chiste e o inconsciente,
abordando a forma como o processo decorre, e referindo que a formação do chiste
pode ser descrita como uma condensação e uma consequente formação de um
substituto. No exemplo em questão, o substituto forma-se através da produção de uma
palavra composta, “familionar”, a qual é, por si só, incompreensível, porém
perfeitamente compreendida no seu contexto e provida de sentido, constituindo-se no
motor do efeito cómico do chiste.
Freud conclui que o processo de formação dos chistes manifesta algumas
semelhanças com a “produção onírica”, levando-o a estabelecer uma relação entre os
chistes e o inconsciente, tal como estabeleceu um relação entre os sonhos e o
inconsciente: “Constatamos que as características e efeitos dos chistes ligam-se a
certas formas de expressão ou métodos técnicos, entre os quais os mais
surpreendentes são a condensação, o deslocamento e a representação indirecta.
Processos, entretanto, que levam aos mesmos resultados foram por nós reconhecidos
como peculiaridades da elaboração onírica. (Freud, 1995).
Ao contrário do sonho, o chiste consiste numa função mental social que visa a
obtenção de prazer, assumindo um carácter inteligível: “Está, portanto, preso à
condição da inteligibilidade; pode utilizar apenas a possível distorção do inconsciente,
através da condensação e deslocamento, até ao ponto em que possa ser reconstruído
pela compreensão de uma terceira pessoa”. (Freud, 1995).
Aqui, mais uma vez, entramos no campo da linguística. Segundo Arrivè, a obra
de Freud sobre os chistes “é uma verdadeira linguística freudiana, atenta a todos os
aspectos da linguagem”. (Arrivè, 1999).
14
Lacan discorda por completo desta ideia e para se contrapor a ela, retorna a
Freud e aos fundamentos da psicanálise freudiana, a qual considera o sujeito como
ser falante, sendo a fala e a palavra, a única via e o único instrumento,
respectivamente, capazes de permitir o acesso ao inconsciente. Estes fundamentos
inviabilizam quaisquer pressupostos biológicos e neurológicos, pois para o psicanalista
francês, não há uma relação entre o cérebro e o inconsciente, mas sim entre este e a
linguagem, como já vimos.
Neste sentido, Lacan trabalha arduamente no sentido de, através da linguística,
trazer a psicanálise de volta ao seu campo de actuação original – o da linguagem – do
qual os analistas pós-freudianos se tinham afastado. Esta postura polémica de Lacan,
sem margens para ambiguidades, foi fundamental e determinante no posicionamento
da psicanálise até aos nossos dias e todo o seu trabalho se baseou nos pressupostos
analíticos de Freud e nos fundamentos linguísticos de Saussure, criando, assim, uma
nova teoria, a do inconsciente estruturado como uma linguagem.
Na defesa desta sua hipótese, e abordando a perspectiva freudiana do sonho,
onde ocorrem dois tipos de mecanismos – a condensação e o deslocamento – Lacan
retoma estes dois conceitos, equiparando-os a outros dois de carácter linguístico – a
metáfora e a metonímia: “São basicamente estes os elementos que Lacan utilizará
para fundar, bem como para apoiar, a analogia estabelecida entre o funcionamento
dos processos inconscientes e o funcionamento de certos aspectos da linguagem”.
(Dor, 1992).
Em 1960, Lacan afirma o que viria a ser posteriormente publicado em O
Escrito: “É preciso, sobre o inconsciente, entrar no essencial da experiência freudiana.
O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para constituir o
sujeito. O inconsciente não é uma espécie que defina na realidade psíquica o círculo
daquilo que não tem o atributo ou a virtude da consciência.” (Lacan, 1998).
Mais tarde, em 1964, no Seminário 11, o mestre francês afirma: “O
inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o
precederam, mesmo as que o acompanhavam, mesmo as que o cercam ainda”.
(Lacan, 1985).
Lacan, nesta altura, defende que o inconsciente é o discurso do Outro (o Outro
do próprio sujeito, que lhe escapa à consciência). Ao introduzir este termo, o autor
pretende demonstrar a dimensão simbólica do sujeito, o Outro da linguagem, o Outro
externo ao sujeito, mas que é sempre deveras determinante para este e que pré-existe
a ele. “As necessidades do ser humano são nele completamente transformadas pelo
facto de que fala, pelo facto de que dirige demandas ao Outro.” (Miller, 1987).
sujeito, que não é da ordem da linguística, mas que Saussure em vários momentos do
CLG nos permite pensar nessa categoria quando usa o termo espírito em vários
capítulos, a saber: O valor linguístico, Relações sintagmáticas e relações associativas,
Mecanismo da língua, entre outros.
É no capítulo sobre Mecanismo da língua que Saussure fala do arbitrário
absoluto e do arbitrário relativo. Ele refere que apenas uma parte dos signos é
absolutamente arbitrária. Noutras partes ocorre um fenómeno que permite reconhecer
pontos no arbitrário sem o suprimir. E afirma: “o signo pode ser relativamente
motivado.” Neste sentido, ele dá o seguinte exemplo: “Assim, vinte é imotivado, mas
dezanove não o é no mesmo grau, porque evoca os termos dos quais se compõe e
outros que lhe são associados, por exemplo, dez, nove, vinte e nove, dezoito, setenta,
etc.; tomados separadamente, dez e nove estão nas mesmas condições que vinte,
mas dezanove apresenta um caso de motivação relativa.” (Saussure, s/d).
Saussure vai defender que a noção do relativamente motivado implica dois
fenómenos: em primeiro lugar, a análise do termo dado, ou seja, uma relação
sintagmática e, em segundo, a evocação de um ou vários termos, ou seja, uma
relação associativa. Conclui ainda que, mesmo nos casos mais favoráveis, a
motivação nunca é absoluta, conclusão essa que nos permite pensar no movimento do
inconsciente como um fenómeno, como diz Saussure, que reconhece algo no
arbitrário sem o suprimir.
A arbitrariedade de que se fala no âmbito do signo linguístico de Saussure
refere-se ao laço que une o significante e o significado, não sendo este mecanismo da
ordem do natural. Desta forma, podemos afirmar que na língua só há diferenças. Este
é o princípio fundamental da linguística saussuriana. No seu Curso de linguística geral,
(s/d), Saussure afirma que a linguagem não é constituída essencialmente por nomes
dados às coisas e que também ela não é uma nomenclatura. O signo linguístico não é
constituído pela união de uma coisa a um nome, mas sim pela união de um conceito a
uma imagem acústica. Se quiséssemos estabelecer uma relação fixa entre o objecto e
o signo, a linguagem transformar-se-ia num mero sistema de sinais, como acontece no
mundo animal.
Para concluir este capítulo, devemos concordar com Lacan quando ele afirma
que não pretende elaborar uma teoria do conhecimento, mas defende que as coisas
do mundo humano são coisas de um mundo estruturado em palavras e que a
linguagem, os processos simbólicos, governam tudo. O facto de o homem estar
integrado nos processos simbólicos de uma forma inacessível a qualquer outro animal,
não poderia ser resolvido em termos de psicologia, pois implica que tenhamos primeiro
um conhecimento completo do que significa a ordem do simbólico.
20
CAPÍTULO II
Sintoma e Linguagem segundo Freud e Lacan
21
desenvolvidas por Lacan como sendo as leis dos significantes, através da sua leitura
de Saussure e Jakobson.
Para Freud, o sintoma nunca é simples; ele é sempre sobredeterminado, sendo
esse facto, para Lacan, somente concebível na estrutura da linguagem. A
sobredeterminação não é mais do que a sobredeterminação simbólica do significante,
ao nível do inconsciente, ou seja, é a articulação das cadeias significantes ao ser
decifrado o sintoma, isto é, ao fazer deslizar e desdobrar os significantes recalcados
que a ele estão ligados. Nesta dimensão, o processo de análise é o processo de
deciframento da articulação significante, que ocorre no desdobramento e no
desenrolar das cadeias de associação de significantes.
A associação livre, regra fundamental da psicanálise, faz-se pela via do
significante e não do significado. Para se chegar ao significado, o que importa é o
lugar do significante em relação a um outro significante. A psicanálise, então, opera
sobre o inconsciente, que dá prevalência ao significante. O significado não é mais do
que outro significante que, junto com o primeiro, retroactivamente, produz efeito de
sentido. Essa é a própria estrutura do significante. Na relação S1 e S2, o sentido de
S1 é fornecido por S2. É necessário sempre outro significante para rever o sentido do
anterior.
Desde o seu trabalho com a histeria, Freud encarou o sintoma como o efeito da
linguagem sobre o sujeito. A cura pela fala, demonstrada no tratamento aplicado às
histéricas, mostra que o acontecimento traumático gerador do sintoma se modifica
quando nele se insurge a fala. Assim, sintoma e fala são homogéneos, ou seja,
partilham o mesmo campo: o da linguagem. Neste sentido, o sintoma seria a fala
aprisionada que, mesmo sendo libertada, não desaparece totalmente, havendo algo
nele que resiste, ou seja, um resto de satisfação que não pôde ser expressa, algo que
não pôde ser dito. Mais tarde, Lacan vai dizer que esse resto é da ordem do real,
impossível de ser dito.
O sintoma, como formação do inconsciente, estruturado como uma linguagem,
segundo Lacan, acentua-lhe a condição humana, coloca o sujeito numa situação de
ruptura com o mundo animal. Lacan não reduz o sintoma ao campo simbólico, mas
afirma decididamente a supremacia da dimensão simbólica.
No seu retorno a Freud, Lacan tinha definido o sintoma como um constructo
originário de um signo mnémico da representação traumática, formado no inconsciente
ao interpretá-lo à sua maneira. O traumático acaba por ser o que se repete no
sintoma, para fazer surgir o significante da sua origem, significante este apenas
conhecido através de uma operação ao nível inconsciente, no discurso analítico.
Na conferência de Genebra sobre o Sintoma, em 1975, Lacan afirma que
quando Freud realça que o sintoma tem um sentido, um sentido que se interpreta
correctamente, isso quer dizer que o sujeito revela uma parte dele em função das suas
primeiras experiências, isto é, no facto de não poder falar sobre a sua realidade
sexual. E nesse momento ele cita o caso do ”pequeno Hans”, quando este se dá conta
da própria erecção e vai encarná-la num objecto externo, num cavalo que vai e vem,
que dá coices e que é o melhor exemplo daquilo que ele tem que enfrentar, sem nada
entender, graças ao facto, diz ainda Lacan, de ele ter um certo tipo de pais. O sintoma
do pequeno Hans é a expressão, a significação, dessa recusa.
A recusa de Hans é o medo que ele tem dessa erecção que lhe acontece,
desenvolvendo assim uma fobia por cavalos. A fobia é o sintoma com o qual Hans
conseguiu traduzir a angústia perante o primeiro contacto com a erecção do seu pénis.
Hans não entende esse fenómeno devido aos pais que tem. Segundo Lacan, o
sintoma da criança pode representar a verdade do casal familiar. Esta é a primeira
versão do sintoma: o sintoma infantil está sempre relacionado com a verdade dos pais.
24
CAPÍTULO III
Os Sintomas Actuais: Linguagem ou Alíngua,
Simbólico ou Real
34
A partir do seminário XX, Lacan associa a fala ao gozo, quando afirma que o
ser, ao falar, goza. Mais tarde, Lacan diz que o sintoma é o modo como cada um goza
do inconsciente. Nesta perspectiva, o sintoma fica situado entre o simbólico e o real,
consistindo na ponte entre o inconsciente e o gozo.
É conhecida a complexidade em se delimitar, num sintoma, o que é da ordem
do significante e da ordem do gozo, pois a clínica demonstra-nos que não há uma
divisão clara entre ambos. Falar de sintoma é falar de um enunciado que é,
simultaneamente, indizível. É a mensagem fundamental do sujeito, algo particular que
indica o seu modo de gozar.
Em Escroqueria Lacan diz que “o sintoma é real. É mesmo a única coisa
verdadeiramente real, é o que conserva um sentido no real. E é por esta razão que o
psicanalista pode intervir simbolicamente para o dissolver no real.” (Lacan, 1998).
Na clínica actual, deparamo-nos com dificuldades a que alguns autores
chamam de “a clínica das suplências, onde a generalização do conceito de sintoma,
homólogo ao de forclusão generalizada, aproxima neuroses e psicoses, abrindo a
necessidade de construir uma nova clínica diferencial”. (Kruger, 1998).
Um sintoma como gozo, na sua forma metonímica de se apresentar, faz
obstáculo à cura pela sua forma resistente e inerte de ser, pois não tem nada a dizer.
O gozo toma o valor ao que corresponde a parte do significado que não se realiza no
significante. Em Subversão do sujeito (1998), Lacan diz que o sintoma é feito de
significação e fantasia, ou melhor, é uma articulação entre efeito significante e a
relação do sujeito com o gozo.
Nos sintomas actuais parece que até o próprio sintoma está forcluído. Este é o
grande desafio, lidar com estes fenómenos onde a tendência ao gozo tende a
eternizar-se, numa repetição interminável. É como se estes sintomas não fossem
sintomas no sentido analítico do termo, como se fossem constituídos para além do
sentido, sem relação metafórica com o conflito psíquico, manifestando resistência a
toda a interpretação. O sujeito fala sem implicação ou consequência alguma.
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é o sujeito do significante e este, por sua vez, representa um sujeito para outro
significante. O que o significante define é a sua diferença em relação a outro
significante, “é a introdução da diferença enquanto tal, no campo, que permite extrair
da alíngua o que é do significante”. (Lacan, 1985). O significante, insiste Lacan, é
signo de um sujeito e é nisso que ele se torna ser. E daí surge a questão central para
Lacan: O que é o corpo então? “É ou não é saber do Um?” (Lacan, 1985). O saber do
Um, segundo este mestre, não é o do corpo, é o do significante Um, o do significante
mestre que estabelece a ligação do sujeito ao saber. No entanto, ainda segundo
Lacan, esse significante Um não é um significante qualquer, representa a ordem que
faz toda a cadeia subsistir, encarnando na alíngua aquilo que se manifesta indeciso
entre o fonema, a palavra, a frase e o pensamento.
há uma exclusão entre estas duas funções no que se refere ao inconsciente. Há uma
desconexão entre o significante do lapso e o significante da interpretação.
A intervenção psicanalítica é evidente no estabelecimento da transferência
como S1-S2, sendo S1 o significante da transferência na sua ligação com S2, um
significante qualquer. Desta ligação, surge o sujeito suposto de saber, como
significado de determinado significante.
Quando Lacan coloca a questão do espaço de um lapso, o esquema S1-S2
muda de configuração, perdendo-se a ligação nele existente. O autor insiste que só se
tem certeza de que há inconsciente quando não surge essa referida ligação,
transferencial e isso muda tudo porque nega o inconsciente sob transferência.
A intervenção analítica, nesta perspectiva, será realizada através da apreensão
dessa atenção no espaço de um lapso. E essa atenção, segundo Miller, condiciona a
associação. A associação livre, regra principal da psicanálise, apenas acontece se
houver um analista. O interveniente habilitado para fazer essa atenção funcionar é o
sujeito suposto saber, ou seja, a associação livre apenas acontece a partir da atenção
do analista, como se ele a ajudasse a emergir. Se assim acontecer, a associação livre
não é tão livre assim, ela liberta uma verdade falhada, ou uma falsa verdade. Segundo
Lacan, não há verdade que, ao ser filtrada pela atenção, não minta. Neste sentido, o
protagonista não é mais o analista, mas sim o UM-sozinho.
Lacan, em 1975, numa palestra nos Estados Unidos, afirmou que não estava
absolutamente comprovado que as palavras fossem o único material do inconsciente,
salientando que nunca teria dito que o mesmo fosse um conjunto de palavras. O que
ele quis dizer, nesse seu último ensinamento, era que existia alguma coisa que não
era um significante, mas que mesmo assim pertencia ao inconsciente, ou seja, aquilo
que ele acabou por denominar de objecto, objecto causa de desejo.
Esta nova forma de leitura do inconsciente, aparte do significante, muda a
definição de estrutura que, se antes era vista como somente organizada pelo
Simbólico, no último ensinamento de Lacan ela é entendida como um Simbólico
organizado por um Real.
Desta forma, a prática clínica desloca-se para a intervenção do analista com
base no intervalo da cadeia, ou seja, o que acontece entre S1 e S2, o que acontece no
espaço de um lapso. A prática da psicanálise lacaniana, no seu primeiro tempo, tinha
como referência o retorno da articulação de S1 e S2, provocando um efeito de
verdade. O esp de um laps, do qual fala Lacan no livro Os Outros Escritos, retira
desse esquema o valor de S1 sozinho, sem efeito de verdade; é o que acontece
quando não se atinge o sentido nem a interpretação, o S1 fica desarticulado. Para
Lacan, a verdade depende da crença numa articulação. No seminário O Sinthoma
(2007), o psicanalista tenta afastar a psicanálise da crença na verdade, retirá-la dessa
posição.
Segundo Miller, a crença no verdadeiro é o que há de comum entre psicanálise
e religião, mas a verdade da psicanálise só tem uma palavra, o real. No es d’um laps,
Lacan defende que o verdadeiro está à deriva quando se trata do real.
Seguindo este raciocínio, podemos considerar que a estrutura do inconsciente,
no último Lacan, estaria no intervalo entre S1 e S2? A prática analítica, neste sentido,
torna-se numa prática de atenção para uma leitura e não uma interpretação; trata-se
de um exercício de se ler o que está nesse intervalo. O inconsciente estaria
estruturado numa escrita existente nesse espaço de um lapso? Afinal, o que o
intervalo da cadeia impõe é da ordem do sem-sentido.
Assim, o desafio seria apreender esse sem-sentido e procurar fazer uma leitura
a partir daí, isto é, captar o real dessa língua, ou seja, captar a alíngua.
Na civilização actual, podemos constatar, retomando o pensamento de Miller
no seu texto Uma fantasia (2005), referido anteriormente, quando o mesmo destacou a
existência de duas metáforas, a da agricultura pela indústria e a da natureza pelo real,
que poderia existir uma terceira metáfora, a da passagem da estrutura de linguagem
do inconsciente como simbólica, para uma outra estrutura com estatuto de real,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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