QUATRO
Universidade Federal de Santa Catarina
Muito prazer
A produção de algumas substâncias químicas pelo
organismo humano garante a sensação de prazer e explica
a perda da fome, do sono e a incapacidade de avaliar o
outro quando se está apaixonados. Não é por acaso que as
mulheres descontam a ansiedade no chocolate. A serotonina
Comportamento
Stephanie Pereira
Maternidade
atrás das grades
Detentas podem ficar com
seus filhos nos presídios por,
no mínimo, seis meses. Além
desse direito, a lei garante
berçário, banheiro e cozinha
separados, e mais tempo de
acesso ao pátio. 14 >>
Florianópolis, dezembro de 2010
Curso de Jornalismo
Jornal Laboratório da disciplina Redação IV
Distribuição gratuita
Supervisão: Rogério Christofoletti
Tecnologia
Leonardo Lima
Transexuais devem passar
por acompanhamento de
dois anos antes da operação
A partir da avaliação de psicólogo, endocrinologista,
assistente social e cirurgião, começa a jornada médica
para aqueles que sentem necessidade de trocar de sexo.
Após a cirurgia, pode-se entrar na justiça para mudar de
nome, mas o aval depende de cada juiz. 7 >>
Política e Economia
Daniel Giovanaz
Mercado moteleiro no Brasil
inova em estratégias para
atingir diferentes públicos
Na última década, os motéis livraram-se da imagem
tradicional e dividiram-se conforme as condições
sociais e as preferências sexuais dos clientes. A nova
classe média, exigente e com maior poder de compra,
representa um amplo nicho para o setor. 5 >>
Bem-Estar
Disfunções sexuais atingem
aproximadamente 50% das
mulheres brasileiras
liberada é apenas uma das substâncias que estimula áreas do Apesar de ser comum, os casais não conversam sobre
cérebro que correspondem ao sistema de recompensa ou de o assunto. A exposição feminina na mídia e os mitos
reforço. Os centros de prazer do corpo estimulam a busca envolvendo o orgasmo colaboram para que o assunto
constante da repetição de sensações agradáveis, como as ainda seja um tabu. Terapia e acompanhamento médico
que se consegue no ato sexual. Centrais >> ajudam a lidar com a situação. 9 >>
Cultura Meio Ambiente
Marina Lisboa
Leonardo Lima
Clássicos pornô Controle animal
fora das estantes por esterilização
Produções cinematográficas O Congresso Nacional aprovou
que lotavam as salas de cinema um projeto de lei que pretende
na década de 1970 não foram substituir os sacrifícios de
lançadas oficialmente em animais pela castração. O
DVD, e por isso são cada vez processo é mais digno, barato e
mais raras nas prateleiras das eficaz na prevenção de doenças
videolocadoras. 20 >> transmitidas ao homem. 22 >>
2 Quatro DA REDAÇÃO Florianópolis, dezembro de 2010

EDITORIAL

Ainda se fala disso

U
ma piadinha infame
em sala de aula qua-
se mudou o nome
deste jornal. Para se
adequar ao espírito
desta edição, por pouco este jornal-
laboratório não virou o “De Qua-
tro”. Isso porque o que moveu nos-
sos repórteres e editores nas últimas
semanas foi o assunto mais antigo
do mundo, aquele que é considera-
do um dos motores da humanidade.
Sim, é isso mesmo o que você está
pensando. Ainda há quem queira fa-
lar “daquilo”.
Como sempre, uma palavra-cha-
ve motivou a equipe a elaborar pau-
tas e a perseguir histórias. Por ser um
Nos tribunais, assume a forma de
conjunção carnal; nos confessioná-
rios, pecado; nos consultórios mé-
dicos, fecundação; nas campanhas
governamentais, prevenção; e nas
salas de jantar mais familiares, qua-
se nunca dele se fala.
A biologia ensina que é uma das
funções mais primárias dos seres vi-
vos, e pode ser traduzido como o ato
de fazer cópia de si mesmo. Mobili-
za então os instintos mais básicos, e
preenche as piadas mais saborosas.
Pode ser homo, hetero e até pan;
ter carinho, amor e palmadas; gri-
tos, sussurros e urros. Sua mecânica
envolve uma complexa rede de sen-
sações, movimentos e arranjos. De- Uma equipe de 21 futuros jornalistas se dedicou durante um mês a concepção e produção deste jornal

Como fizemos esta edição

tema de grande apelo, que desperta
muita curiosidade e fortes sensa-
ções, nossos repórteres precisavam
adotar uma postura levemente dis-
tanciada, desviando-se da vergonha,
do pudor, de ideias preconcebidas.
Mas também precisavam se divertir
sejo, repulsa, repetição, contenção,
interrupção, alívio; trauma, memó-
ria e esquecimento; fluídos, fricção,
satisfação e insatisfação. Encaixe-
desencaixe. Em cima, embaixo, de Rogério Christofoletti
ladinho. Gozo, frustração, saúde,
vida e o que os franceses chamam
Produzir um jornal-laboratório

Fotos: Fernanda Martinazzi

com tudo aquilo, ter prazer.
Nas páginas a seguir, a equipe
do Quatro não quis esgotar o as-
sunto, mas sim explorá-lo das mais
variadas formas. Apelamos sim.
Mas apelamos para a criatividade,
recorremos a abordagens distintas
das convencionais, tentando lançar
olhares diferentes. Afinal, pode-se
falar da “coisa” sem mencionar seu
nome mais comum...
“Aquilo” pode ser tratado pura e
simplesmente como coito, fornica-
ção, acasalamento, união. Pode ser
sujo, sagrado, profano; consensual,
pago, casual, proibido. Pode ainda
ser insinuante, simulado, espontâ-
neo ou fingido. Levar à procriação,
à reprodução da espécie, ao deleite
mais mesquinho. Acontece sozinho,
mas também na companhia de al-
guém e, às vezes, em grupo! A ele
está associada uma estranha família
de palavras: pornografia, pedofilia,
zoofilia, necrofilia, erotismo, poliga-
mia e monogamia. Mas também está
estreitamente ligado a palavrões...
de “a pequena morte”.
Os homens mais prevenidos tiram
toda a roupa, mas vestem sua parte
mais saliente. As mulheres mais ar-
dentes abrem-se para agarrar seus
amores mais tórridos. A operação é
basicamente a mesma, repetida há
milhares de anos, mas suas varian-
tes continuam a surpreender pela
novidade e por ingredientes inson-
dáveis. Aparenta-se a uma fórmula
matemática, onde deve prevalecer a
soma em detrimento da divisão ou
da subtração. Tem saliva e tem suor;
às vezes, tem sangue ou sêmen. E é
muito bom quando tem sorrisos no
final. Pode reservar flores no dia
seguinte ou uma pílula do dia se-
guinte. O final pode ser o começo de
uma história.
Porque este assunto interessa ain-
da a tanta gente, resolvemos insistir
nele. Trocamos seu nome, mudamos
de posição, suamos pra valer. No
rodapé da última página, chegamos
até a perguntar ao leitor: E aí, foi
bom pra você?
com o tema sexo já é um lugar-
comum nos cursos de Jornalismo.
Os alunos saem às ruas para apurar
suas informações, enfrentam re-
ceios e uma dose extra de vergonha
e abordam entrevistados exóticos e
curiosos. Certo? Sim, quase sempre
é assim.
Neste número do Quatro, repór-
teres e editores estavam conscientes
do perigo de uma abordagem co-
mum e desgastada. Mesmo assim,
aceitaram o desafio e puseram-se a
conceber e a produzir uma edição
sobre um tema exaustivamente tra-
tado pelos meios de comunicação.
Havia um consenso entre a equi-
pe: precisamos fugir do convencio-
nal, fazer um jornal diferente.
O resultado está nestas páginas.
Penso que os futuros jornalistas
conseguiram atingir esse objetivo.
Eles empenharam ousadia, entu-
siasmo e energia, ingredientes in-
dispensáveis para se fazer inclusive
Todas as etapas do processo jornalístico foram assumidas por alunos
a matéria-prima desta edição.

Elaborar pautas, distribuir funções, apurar informações. Entrevistar, checar dados, organizar ideias. Produzir fotos e infográficos. Estruturar textos, escrever, editar, diagramar, revisar...

Expediente
Quatro
Ano III – Nº 6 – Dezembro/2010
Jornal-laboratório da disciplina Redação IV
Curso de Jornalismo
Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário – Trindade
Florianópolis – SC
CEP: 88040-900
Telefone: (48) 3721-9215
Blog: http://blogdo4.wordpress.com
E-mail: jornalquatro@gmail.com
Professor responsável: Rogério Christofoletti, Mtb 25041 (SP)
Monitora: Fernanda Martinazzi
Editores: Daniel Giovanaz, Daniela Nakamura, Letícia Teston,
Marilia Goldschmidt Labes, Maíla Diamante e Thiago Moreno.
Repórteres: Daniel Giovanaz, Daniela Nakamura, Gian
Kojikovski, Guilherme A. Teixeira, Ingrid Fagundez, Jéssica
Butzge, Juliana Ferreira, Leonardo Lima, Letícia Teston, Luisa
Pinheiro, Marilia Goldschmidt Labes, Marina Empinotti, Maíla
Diamante, Milena Lumini, Monique Nunes, Nathale Ethel
Fragnani, Paulo Junior, Stephanie Pereira, Thayza Melzer, Thiago
Moreno e Willian Reis.
Revisão: Gian Kojikovski, Ingrid Fagundez, Jéssica Butzge e
Milena Lumini.
Diagramação: Guilherme A. Teixeira, Juliana Ferreira, Luisa
Pinheiro e Monique Nunes.
Fotografia, Infográficos e Ilustrações: Leonardo Lima, Marina
Empinotti, Nathale Ethel Fragnani e Stephanie Pereira.
Circulação: Paulo Junior, Thayza Melzer e Willian Reis.
Fotolito e impressão: Diário Catarinense
Tiragem: 1500 exemplares
Florianópolis, dezembro de 2010
Campanhas apostam na informação
Programas federais buscam esclarecer o público sobre formas de prevenção para conter o avanço das DST
Thayza Melzer
D
esde as primeiras
descobertas sobre
o vírus da Aids, em
1983, o Ministério
da Saúde vem de-
senvolvendo programas e políticas
públicas para conter o avanço da
doença. O Governo Federal traba-
lha em parceria com as Secretarias
de Saúde Estaduais e Municipais
para garantir o acesso da população
a informações sobre doenças sexu-
almente transmissíveis (DST), pre-
venção e, no caso dos já infectados,
tratamento e melhoria na qualidade
de vida.
O Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais é a principal ferra-
menta do governo federal para che-
gar à população. Criado em 1986,
está ligado à Secretaria de Vigilân-
cia em Saúde e realiza campanhas
de prevenção, define normas para
melhorar a qualidade dos serviços
públicos de assistência à saúde e
para assegurar o acesso dos pacien-
tes aos medicamentos. O trabalho
do governo e os profissionais do
Sistema Único de Saúde (SUS) tem
como base aliar a distribuição de
preservativos com divulgação de in-
formações sobre as doenças.
Nos últimos dez anos houve um
aumento muito grande no número
de pessoas com mais de 50 anos
infectadas pelo vírus HIV. Somente
em Santa Catarina, o número de ca-
sos subiu de 89, em 1998, para 277
em 2008, segundo dados do SUS.
COMO SE TESTA UMA CAMISINHA?
POLÍTICA E ECONOMIA
Para diminuir este índice, a campa- para lidar com as DSTs. A psicóloga
nha do dia Mundial de Luta Contra a do Grupo de Apoio à Prevenção da
Aids de 2008, que acontece em 1º de Aids (Gapa) de Florianópolis Marli
dezembro, foi voltada aos heterosse- Wensing explicou que são ofereci-
xuais com mais de 50 anos. Com o dos atendimentos jurídico, psicoló-
tema “Sexo não tem idade. Preven- gico e de assistência social.
ção também não”, a campanha mos- Marli apontou a Aids como a
trou a importância do uso da cami- principal preocupação das pessoas
sinha, e deu dicas para melhorar a e dos profissionais de saúde, mas
vida sexual na meia idade. chamou atenção para as hepatites
Crianças, adolescentes e jovens virais, que também são transmitidas
são os mais contemplados pelos através de relações sexuais e têm
programas de aumentado o nú-
prevenção. As mero de pessoas
cadernetas de As escolas servem infectadas. “O
saúde apresen- problema da he-
tam ilustrações como ambiente de patite é que não
que mostram
o desenvolvi-
discussão da saúde apresenta sinto-
mas. Às vezes,
mento dos ór- sexual e reprodutiva quando a pessoa
gãos sexuais, descobre que
discutem sobre do público jovem está infectada,
sexualidade, a a doença já está
primeira transa, em estágio avan-
prevenção de DSTs e gravidez. Para çado”, explicou. O grupo busca dis-
esse público, a aposta do Programa seminar a importância do exame
Saúde na Escola (PSE) é utilizar o para o diagnóstico e da vacinação
ambiente escolar para se discutir o contra hepatite-B. A presidente da
tema. Criado em 2007 pelo governo unidade Florianópolis Helena Lima
federal, atua no ensino básico públi-
co e discute a saúde sexual e repro-
Pires utiliza os quase 25 anos de ex-
periência no Gapa para dar palestras
dutiva dos alunos, as formas de se como parte do programa de preven-
combater a Aids e desenvolve ações ção e conscientização.
entre escola e postos de saúde. Em O Gapa busca garantir um aten-
2009, o programa chegou a mais de dimento de qualidade nos postos de
8,4 milhões de estudantes. A meta é saúde, a retirada gratuita da medica-
alcançar 23,5 milhões de jovens até ção, e o cumprimento dos direitos
2011. do paciente. Essa também é a missão
Divulgação voluntária - As Organi- da Fundação Açoriana para o Con-
zações Não-Governamentais (ONG) trole da Aids (Faça), que também
também possuem um papel impor- disponibiliza apoio ao soropositivo,
tante na definição de estratégias orientação psicológica e jurídica.
) *
Segundo a consultora de prevenção
Maria Conceição da Silveira, a fun-
dação está se reestruturando e parou
de oferecer alguns desses serviços,
mas o paciente que chega à funda-
ção é orientado a buscar profissio-
nais para sanar suas dúvidas. Novos
grupos estão sendo criados, como o
grupo de auto-apoio e o Faça Ami-
zade, que permitem que os partici-
pantes compartilhem histórias e ex-
periências de vida.
Cerca de 20 voluntários parti-
cipam de projetos como o ABC da
Prevenção, que vai às escolas dar
palestras sobre sexualidade, e a
Oficina de Sexo Mais Seguro, que
busca desmistificar o uso do preser-
vativo. “É impressionante o número
de pessoas que ligam para a Faça
dizendo que descobriram que foram
infectados e não sabem o que fa-
zer”, afirmou Maria Conceição. Ela
destacou que a informação ainda é
necessária, uma vez que não adian-
ta apenas distribuir a camisinha e
não ensinar como usar, não mostrar
as formas de contágio. O Gapa e a
Faça sobrevivem de convênios com
o governo, recursos de projetos e,
principalmente, doações voluntárias
da população.
Algumas campanhas acabam se
tornando alvo de discussão e geran-
do polêmica quando colocadas em
prática. É o caso do Saúde e Pre-
venção nas Escolas, outro progra-
ma voltado ao público jovem, que
pretende implantar máquinas de ca-
misinhas nas escolas. As máquinas
escolhidas pelo Ministério foram
desenvolvidas pelo Instituto Federal
Quatro 3
de Educação, Ciência e Tecnologia
de Santa Catarina (IF-SC) e armaze-
nam 500 preservativos. O aluno, que
precisa estar matriculado no ensino
médio, precisa digitar matrícula e
senha para retirar até 20 camisinhas
por mês. Quando o estoque chega ao
fim, a máquina emite um sinal para
o responsável reabastecer.
O objetivo do Ministério é ins-
talar a máquina em 40 escolas bra-
sileiras e cada instituição vai poder
decidir onde colocá-la, mas a ideia
é que fiquem em locais onde os alu-
nos possam retirar o preservativo
com discrição, como nos banheiros.
O projeto quer ampliar o acesso gra-
tuito do jovem aos preservativos,
visando prevenir gravidez não pla-
nejada e as DSTs. Alunos, profes-
sores e pais ainda discutem se esta
é a melhor forma de se trabalhar o
assunto. Para a psicóloga Marli, não
basta apenas disponibilizar a cami-
sinha. “Toda a forma de prevenção
é válida, mas não se pode deixar de
orientar”, concluiu.
4
+ Confesso que tive
que tirar lá do
fundo da memória
os conhecimentos
adquiridos nas aulas
de química para
poder entender os
processos pelos quais
a borracha passa até
se transformar em
camisinha.
Bastidores:
http://bit.ly/dyxA0x
Arte Quatro
+,

 *- 

  
 




.
!

*


, 
  

 
 

$% (

  
 


0&11

 
 


 &&/
  
  


  


 







 



!"



#$%  &'

4 Quatro
País usa mais de R$ 1 bi contra Aids
Maior parte dos recursos é destinada a políticas para controle da doença, que ataca 35 mil pessoas por ano
Jéssica Butzge
N
a década de 1990, o
Brasil foi pioneiro,
entre os países em
desenvolvimento, a
adotar uma política
pública de acesso universal ao tra-
tamento da Aids e de outras doenças
sexualmente transmissíveis. Há oito
anos, a portadora do vírus HIV, que
preferiu se identificar como Bela, 28
anos, descobriu que era soropositi-
va. “Primeiro veio o desespero, o
medo, a revolta, a descrença e um
grande vazio diante dessa nova con-
dição. É assim, nessa ordem, quase
que respectivamente, o resultado
de um exame que traz consigo uma
‘bagagem’ muito pesada que temos
de carregar pelo resto da vida”. Bela
conta que o apoio financeiro do go-
verno é fundamental, mas que o mais
importante é a
aceitação dela
e da sociedade.
“Torço pra que Só em 2009, CNPq e
um dia as pes- Ministério da Saúde
soas percebam
que não é uma destinaram cerca de
sorologia que
faz uma pessoa
R$ 2 milhões para
melhor ou pior, pesquisas na área
não é o físico
que a transfor-
ma num ser inferior. Também temos
direito à felicidade”, desabafou.
O trabalho é centralizado no De-
partamento de DST, Aids e Hepati-
tes Virais, criado em 1986 e ligado
ao Ministério da Saúde. No Brasil,
cerca de 630 mil pessoas vivem com
o HIV. O número é estimado, já que
são notificados apenas os casos de
soropositivos que tomam medica-
mentos antirretrovirais. Cerca de
190 mil soropositivos estão em tra-
tamento gratuito na rede pública de
saúde brasileira. Do início da epi-
demia, em 1980, até junho de 2009,
foram realizados 544.846 diagnós-
ticos. Durante esse período, foram
registradas mais de 200 mil mortes
devido à doença, segundo o Boletim
Orçamento do Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais do
1500
Ministério da Saúde (em milhões)
Fonte: SIAFI
1000
R$ 713
700
R$ 271
200
1998 2000
POLÍTICA E ECONOMIA
Fatia da saúde no orçamento por esfera de governo
ANO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS rio, promover a produção local a um
2005 38,5% 31,0% 30,5% caso que em que houve quebra de
2006 46,7% 22,1% 27,2% medicamentos de marca, enquanto
2007 47% 26% 27% medicamentos”, disse Barbosa.
2008 50,6% 24,4% 25% to da indústria nacional no setor e
Fonte: IBSAÚDE, 2009
Epidemiológico de 2009. Por ano,
são notificados entre 33 mil e 35 mil
novos casos de Aids.
O valor investido nos medica-
mentos antirretrovirais em 2010 foi
de aproximadamente R$ 884 mi-
lhões. Foi a maior quantia investida
desde o início
do programa,
em 1996. Nes-
te ano, o valor
total investido
em políticas
públicas rela-
cionadas à Aids
foi de R$ 1,14
bilhão. Além do
financiamento
das ações rela-
cionadas à prevenção, diagnóstico e
assistência em DST/Aids, o Minis-
tério da Saúde utiliza, desde 2002,
um mecanismo de repasse regular
de recursos às secretarias estaduais
e mais de 480 secretarias de saúde
dos municípios prioritários para o
controle da epidemia.
Segundo o diretor do Departa-
mento, Dirceu Bartolomeu Greco,
esses investimentos são resultado
da busca das instituições por um
aumento contínuo dos recursos. “Se
no Brasil tem sido possível garantir
os recursos necessários para a luta
contra a Aids, incluindo-se aí a aqui-
sição e distribuição de medicamen-
tos antirretrovirais, cobertura dos
custos de exames e outros procedi-
R$ 689
2003
mentos, em grande medida é porque
essa demanda se insere numa luta
mais ampla pela manutenção e am-
pliação das fontes de financiamento
público”, explicou Greco. Para ele,
um dos desafios futuros para o Pro-
grama Brasileiro de Aids é aliar a
manutenção dos elevados níveis de
investimento para o enfrentamento
da doença com o fortalecimento do
Sistema Público de Saúde.
Pesquisa crescente - O investimen-
to nos estudos sobre as condições
epidemiológicas, comportamentais
e sociais da população tem ganhado
maior prioridade na última década.
Entre 2008 e 2009, como resulta-
do dessa política, o Departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais fi-
nanciou 240 projetos de pesquisa e
lançou 14 Seleções Públicas de Pes-
quisa em diferentes áreas (biomédi-
ca, epidemiológica, clínica e socio-
comportamental) que contribuíram
para o aumento da produção cien-
tífica e tecnológica brasileira. Entre
esses trabalhos estão periódicos de
impacto internacional, livros e ou-
tras publicações, chegando a cerca
de 900 produções científicas. Só no
ano passado, foram investidos apro-
ximadamente R$ 2 milhões em pro-
jetos selecionados nas Chamadas de
Pesquisa e Desenvolvimento Tecno-
lógico do Ministério da Saúde. Des-
de 2004, o total de investimentos
chega a quase R$ 29 milhões.
Por meio da Unidade de Pesqui-
R$ 1362
R$ 941
2005 2007
Florianópolis, dezembro de 2010
brasileiros, o Governo Federal, atra-
Arte Quatro
vés do Ministério da Saúde, pode
estudar a possibilidade de quebrar
direitos de patentes e, se for necessá-
preço mais justo. “Até hoje, o único
patente foi o Efavirenz. O governo
gastava 80% do dinheiro em quatro
somente 20% cobriam os outros sete
Produzido no país desde 2009, o
Efavirenz possibilitou fortalecimen-
diminuiu os riscos de falta de medi-
camento no país. O processo para a
sa e Desenvolvimento Tecnológico quebra da patente iniciou em 2007,
(UPDT), vacinas, medicamentos, quando foi decretado o licenciamen-
microbicidas e kits para diagnóstico to compulsório, que funciona como
foram disponibilizados para o forta- um mecanismo de defesa contra
lecimento da capacidade nacional e possíveis abusos pelo detentor da
para transferência de tecnologia pre- patente. Através da licença compul-
vista na política tecnológica e indus- sória, o governo autoriza um terceiro
trial do país. “O a explorar o ob-
UPDT trabalha jeto da patente
para que a pro- sem o consenti-
dução científica Estima-se que 630 mento prévio de
e tecnológica mil pessoas vivem seu detentor.
deixe de ser vis- Depois de
ta como um bem com HIV no Brasil; sucessivas ne-
inacessível, res-
trito ao espaço
190 mil recebem gociações com a
empresa deten-
acadêmico das tratamento gratuito tora da patente,
universidades a Merck Sharp
e institutos de & Dohme, o
pesquisa”, ressaltou a responsável Ministério não conseguiu uma re-
pelo departamento, Cristina Possas. dução do preço satisfatória. Após
O objetivo é estabelecer um fluxo licenciamento compulsório, foram
entre pesquisa, desenvolvimento importados genéricos da Índia. Essa
tecnológico, produção e incorpo- medida fez com que o Brasil eco-
ração no Sistema Único de Saúde nomizasse US$ 30 milhões em um
(SUS). ano. Em 2009, foram entregues os
Quebra de patente - Atualmente, primeiros comprimidos produzidos
são comprados 19 tipos de drogas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fio-
antirretrovirais. Há um grupo de cruz). O Efavirenz é utilizado por
medicamentos que está protegido 85 mil pacientes, quase metade dos
por leis de patentes que só podem brasileiros que vivem com Aids. Ele
ser vendidos pelos seus produtores é bem tolerado, possibilita maior
originais. De acordo com o diretor- adesão ao tratamento e é mais efi-
adjunto do Departamento de DST, caz em controlar a multiplicação do
Aids e Hepatites Virais, Eduardo HIV no organismo ao longo do tem-
Barbosa, se esses medicamentos não po. O próximo desafio é a produção
tiverem seus custos reduzidos a um nacional do Tenofovir, remédio que
patamar compatível com os recursos já teve teve registro de patente ne-
gado pelo Instituto Nacional de Pro-
priedade Industrial (INPI).
Arte Quatro
O Ministério da Saúde come-
çou em novembro a distribuição de
novo medicamento, a Etravirina.
R$ 1430 Ela é usada por pessoas com resis-
tência aos antirretrovirais padrões.
Até então, eram disponibilizados 20
medicamentos diferentes para tratar
a doença. Na primeira compra, o
Departamento de DST, Aids e He-
patites Virais vai investir R$ 4,2 mi-
lhões, em um total de 3.360 frascos
que poderão ser usados por cerca de
500 pacientes. Na primeira remessa,
que já começou a ser entregue aos
estados, há 488 frascos.
+
4
O importante é que
sempre há uma
maneira de encaminhar
a matéria. O que
mais senti falta na
reportagem foi do
lado humano, da
proximidade.
Bastidores:
2009 http://bit.ly/90FPON
Florianópolis, dezembro de 2010
Motéis exploram nichos de mercado
Empresários diversificam preços e estilos de decoração para atingir desde viajantes a casais homossexuais
Daniel Giovanaz
A
cabou-se o tempo em que a
mobília de um quarto de mo-
tel se resumia a uma cama
redonda, um espelho gigante
no teto e uma televisão com
canais de pornografia. Como qualquer ou-
tro setor da economia, o mercado moteleiro
do Brasil adaptou-se às mudanças de seu
público-alvo e, na última década, promoveu
drásticas alterações à fórmula tradicional de
composição interna das suítes. O principal
desafio dos empresários do ramo é oferecer
opções diversificadas, com o objetivo de
suprir as necessidades de nichos até então
inexplorados e, assim, abranger um número
de consumidores cada vez maior.
A principal forma de segmentação des-
se mercado baseia-se na diversidade sexual
dos clientes. Em outubro de 2000, o Motel
Le Baron, um dos mais populares de Ni-
terói-RJ, inaugurou duas suítes destinadas
somente a casais homossexuais e chegou a
lucrar quase o dobro, logo nos primeiros me-
ses. Na suíte greco-romana, por exemplo, há
aparelhos de musculação e esculturas com
bustos masculinos nus. Além de comprovar
a existência de um público cada vez maior,
com dinheiro para investir, e muito exigen-
te com o que consome, a iniciativa pioneira
serviu de inspiração aos concorrentes, que
começaram a investir em outros modos de
segmentação.
Com essa lógica,
o empresário Antônio
Gnoatto, 51, proprie- Casais com renda
tário de dez motéis
na região sul do país
mensal superior a 15
– em Chapecó (SC), salários mínimos são
Cascavel (PR), Ca-
xias do Sul (RS) –, quase a metade dos que
apostou na redução frequentam motéis
dos preços, para atrair
clientes das classes
sociais C e D. Essa
estratégia fez com que um de seus motéis, o
Bentevi II, localizado em Chapecó/SC, re-
cebesse não apenas casais de classe média-
baixa, mas também passasse a funcionar
como uma alternativa para viajantes, prin-
cipalmente nas ocasiões em que os hotéis da
cidade estão lotados. “As pessoas deixaram
de associar a imagem de motéis de baixo
custo com locais de prostituição”, revelou,
satisfeito. “Sempre que a cidade sedia feiras
e congressos agropecuários, o pessoal paga
R$ 40,00 e passa a noite em um box do Ben-
tevi, sem problema nenhum”, completou.
Opção mais econômica do estabelecimento,
o box contém uma cama de casal, uma vaga
de garagem, um ventilador, um frigobar e
uma televisão de 20 polegadas.
Para o economista Ricardo Lobato Tor-
res, 27, a estratégia de Gnoatto foi bem-
sucedida porque os brasileiros passaram a
ter maior poder de compra a partir de 2004,
com o aumento da oferta de emprego e,
consequentemente, a ascensão de classes no
país. “Tudo começou no primeiro mandato
de Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a
1999), que reduziu o processo inflacionário.
Houve um período terrível de recessão até
2003, mas nossa economia se estabilizou
novamente e, hoje, podemos dizer que mi-
lhares de brasileiros que não investiam em
hotéis, motéis e pacotes de viagens, passa-
ram a fazê-lo”, contextualizou. “Natural-
mente, esses setores começaram a se dar
conta do surgimento do novo público-alvo
e, desde então, tentam se adaptar. Em al-
guns casos, de forma muito bem sucedida”.
POLÍTICA E ECONOMIA Quatro 5
Opções de luxo - A nova classe média bra-
Fotos: Daniel Giovanaz
sileira, que detém quase a metade da renda
nacional, com remuneração mensal entre
R$ 1.115,00 e R$ 4.807,00, representa um
novo e amplo nicho de mercado. Porém, os
casais com renda mensal superior a quin-
ze salários mínimos - aproximadamente
R$ 7.650,00 - ainda correspondem a quase
metade dos consumidores dos serviços de
motéis, e suas necessidades precisam ser sa-
tisfeitas pelo setor. Por isso, em 2008, An-
tônio Gnoatto inaugurou, também em Cha-
pecó (SC), o Motel Álibi, com dez suítes
temáticas, amplas e luxuosas, onde o valor
cobrado por noite pode chegar a R$ 400,00.
“Essa proposta é completamente diferente
do Bentevi, porque se destina especialmen-
te aos clientes que exigem uma hospeda-
gem com muito mais conforto e requinte”,
explicou. Todos os quartos são climatiza-
dos, possuem banheiras de hidromassagem,
portão eletrônico, internet wireless, cadeira
erótica e pelo menos uma televisão de plas-
ma. Algumas suítes também oferecem larei-
ra, sauna, cortina d’água, teto-solar, mesa
Chão de vidro com luzes, gelo seco e pista de dança transformam a suíte em uma balada
de jantar e até churrasqueira.
A principal questão é que, para investir
em segmentos específicos, não basta apenas
variar o preço das tarifas, ou alterar o nome
das suítes. É preciso ter sensibilidade para
perceber qual é a real necessidade de cada
cliente. O público homossexual, por exem-
plo, repara e atribui valor às cores das pare-
des e das roupas de cama, às obras de arte
e até aos aromas,
enquanto os hete-
rossexuais prezam
mais pelo conforto
e pela discrição, sem
dispensar artigos lu-
xuosos e certas ex-
travagâncias, como
estatuetas de bronze,
chafarizes e colchões
eletromagnéticos.
Inviabilidade - A
inauguração de um
motel exige um investimento inicial bas-
tante elevado, em comparação com outros
setores. Para se ter uma ideia, a construção
de um estabelecimento de porte médio, com
Na cadeira erótica, os casais podem experimentar as mais curiosas e variadas posições
até quinze suítes, exige um terreno de apro-
ximadamente 2000 m² e, de acordo com
a localização, o valor final da obra pode
chegar a cerca de R$ 5 milhões. Por isso,
tornou-se uma prática comum entre os ge-
rentes de motéis brasileiros a utilização de
uma linha de crédito disponibilizada pela
Caixa Econômica Federal, que se destina à
construção, reforma ou ampliação de imó-
veis comerciais com custo superior a R$
10.000.
Além do valor gasto com a compra do
terreno, é necessário um alto investimento
na mobília, no acabamento e no planeja-
mento interno das suítes. A maioria dos ge-
rentes prefere profissionalizar a decoração,
contratando paisagistas e designers para-
sofisticar a composição interna das suítes.
Para Guilherme Sebastiany, 36, arquiteto
especializado em estratégia e design de
marcas, essa opção é recomendável, pois
evita que os empresários caiam na tentação
de copiar modelos bem sucedidos dos con-
correntes. “Quanto mais parecidos se tor-
nam os motéis, mais os clientes escolherão
seu estabelecimento somente pelo menor Em Chapecó, a suíte egípcia do Motel Bentevi dispõe de banheira para até oito pessoas
preço, e isso é fatal para qualquer mercado.
+
4
Esse problema afeta tanto os motéis copia-
dores quanto os originais, na medida em
que são plagiados”, revelou, alertando para Fui ao motel para bater algumas fotos, mas acabei traído por minha própria câmera
as ameaças que essa atitude pode trazer ao digital, que decidiu parar de funcionar repentinamente.
crescimento do próprio setor. Bastidores: http://bit.ly/aFVoIG
6 Quatro TECNOLOGIA Florianópolis, dezembro de 2010

Cada vez mais discreto e sem custo

A pirataria online facilita o acesso aos filmes pornô e faz desta indústria a mais prejudicada com a internet
“Hoje, a maioria das garotas se apresenta pelo

Leonardo Lima
Letícia Teston
Brasil inteiro. A Milena Santos, de Florianó-

A
polis, ganha muito dinheiro em shows”, expli-
indústria pornográ- ca o produtor Edson Strafite. As atrizes tam-
fica foi historica- bém ganham espaço em revistas, vídeos para
mente beneficiada celular e até mesmo como dublês em novelas.
pelas inovações Regulamentar o conteúdo online e cobrar
tecnológicas. Na assinaturas de sites é uma das alternativas
década de 1970, o mercado dos apontadas para a indústria pornográfica. Ten-
filmes pornôs – inicialmente pro- tar frear a expansão da divulgação desse ma-
duzidos em Los Angeles, EUA terial na rede seria brigar com a lógica de um
– ganhou impulso e o gênero mercado que já nasceu sem uma regulamenta-
passou a constituir um negócio ção específica. “As novas mídias são a gran-
publicamente instalado. A co- de interrogação do momento. O futuro ainda
mercialização de produtos com é incerto, mas o conteúdo vai existir, só não
conteúdo adulto foi expandida sabemos em qual formato” avalia Strafite.
a partir do surgimento das fitas Conteúdos feitos exclusivamente para o
VHS (sistema de vídeo caseiro) iPhone 4 já estão disponíveis no mercado nor-
e das locadoras de vídeo, na dé- te americano e recebem enorme adesão dos
cada de 1980. A possibilidade consumidores. A produção de filmes pornôs
de assistir aos filmes de maneira no formato 3D é outra alternativa para se dife-
mais discreta alimentou o negó- renciar em relação ao conteúdo disponível na
cio que passou a ser um dos mais internet. Assim como foi para o VHS e para
rentáveis no ramo do entreteni- o HD-DVD, a tomada do cinema em terceira
mento. E os empresários tinham dimensão pela indústria pornográfica pode fa-
um incentivo a mais para investir Conectados à web, usuários de todas as idades têm acesso a conteúdos adultos sem restrição cilitar a entrada dessa tecnologia nos lares do
no segmento, o baixo custo de mundo inteiro.
produção aliado ao crescente au-
mento na procura. “No início da década de A indústria que já se beneficiou da tecnolo- lógicas para rastrear e proteger seu material
1990, muitos filmes eram feitos e ainda assim gia com as fitas VHS, atualmente é apontada online. A Adult Copyright Company, entida- Uma retrospectiva do nu
os produtores não davam conta da demanda”, como a mais prejudicada com a pirataria na de que reúne as maiores produtoras de filmes
avalia Edson Strafite, produtor de filmes adul- internet. Através do computador pessoal, os pornográficos do país, move uma ação que já

Wikipedia Commons
tos. usuários têm acesso a conteúdos adultos sem é considerada a maior de violação de direitos
No Brasil, a produção de um filme custa nenhum constrangimento. “Você faz um fil- autorais da história do setor. Existem proces-
R$20 mil, em média. As atrizes recebem mil me e na semana seguinte, não sei como, ele sos contra 9.729 usuários anônimos. Eles são
reais por cena e os atores metade deste valor. está inteiramente disponível na internet. E aí, acusados de compartilhar material de forma
Mas o cachê das estrelas quem paga a conta? O ilegal usando a plataforma de compartilha-
é mais alto. As mais fa- mercado está afundando”, mento BitTorrent. E a entidade está proces-
mosas, como a ganhadora
do Oscar pornô, Monica
“Você faz um filme e avalia Strafite. “Dois anos sando outros 7.098 internautas.
atrás, recebíamos cerca Atualmente, existem mais de 30 mil ações
Mattos, chegam a rece- na semana seguinte, de quatro lançamentos semelhantes tramitando nos EUA. A intenção
ber R$10 mil por cena. por mês, agora recebemos dos estúdios é reduzir drasticamente o nível de
As curvas do país tropical
não sei como, ele está menos a cada ano. Está pirataria até 2012. Os provedores de Internet
fazem sucesso no exterior. na internet. E então, cada vez mais complicado terão de fornecer os IPs dos usuários e outros
O pornô brasileiro ganhou conseguir filmes adultos”, dados de identificação, bem como a data e a
mercado de maneira rápi- quem paga a conta?” explica Emanuel Mate, hora em que a suposta atividade ilegal ocor-
da, sem precisar investir gerente de uma video- reu. A partir daí, os acusados começam a rece-
muito em propaganda. locadora de Florianópo- ber as intimações.
Pornografia no período paleolítico
“Isso deixamos por conta do carnaval, esse lis. Mate explica que é muito difícil alguém “Nos EUA, crimes relacionados à pirataria
marketing é gratuito para nós”, explica Strafi- com menos de 30 anos locar um filme pornô. são colocados na esfera civil. Paga-se uma A sexualidade explícita é uma
te. Aos 33 anos, o produtor trabalha na área há “Quem tem algum conhecimento de internet indenização pelo delito. No Brasil, esse tipo forma de arte tão antiga como to-
mais de seis. Strafite admite que, para a indús- prefere baixar o conteúdo, sem dúvida”. de crime é julgado na esfera penal”, explica o das as outras. Povos da pré-histó-
tria pornô, é vantajosa a vinculação da mulher Prenda-me se for capaz - Em setembro deste professor de direito autoral da UFSC, Marcos ria já registravam a nudez através
brasileira com o sexo. ano, estúdios dos Estados Unidos se uniram Wachowicz. “Enquanto nós estamos crimina- de pinturas, mas se o propósito era
“Mas o nosso mercado já foi maravilhoso. contra a pirataria e passaram a processar quem lizando o direito do autor, oneramos o aparelho a excitação sexual ou mesmo se
Hoje está complicado. Vendemos pouco tan- compartilha vídeos pornográficos digitais na do Estado para cuidar de questões privadas”, remetia algum significado espiritu-
to aqui como lá fora”, lamenta o empresário. rede. A indústria busca ferramentas tecno- acrescenta o professor. O Direito do Autor no al, não se sabe. Demorou algumas
Brasil protege a obra através da lei 9.610, de centenas de anos para que o nu se
19 de fevereiro de 1998. Quem desrespeitar tornasse um objeto de consumo.
a norma estará sujeito a uma sanção penal. A Filmes pornográficos existem des-
violação desse direito pode resultar em uma de a época do cinema mudo e as
pena de detenção de 3 meses a um ano ou mul- primeiras revistas com desenhos
ta. Mas se a violação consistir em reprodução, eróticos, publicadas em preto em
total ou parcial, com intuito de lucro, a pena branco, foram vendidas no início
passa para reclusão de um a quatro anos. No do século XIX e ganharam merca-
caso de reclusão, o indivíduo é preso em regi- do após a II Guerra Mundial. “Era
me fechado. Já a pessoa detida começa a pena o maior barato comprar aquelas re-
em regime semi-aberto ou aberto. vistinhas nas bancas. Agora quan-
Se houvesse regulamentação legislativa na do eu pego meu filho vendo foto de
Fotos: Wikipedia Commons
esfera civil e não na penal, a discussão passa- mulher nua no computador, não sei
Algumas cenas do ria a ser sobre a reparação dos danos, ou seja, se eu que estou velho demais ou
cinema mudo pornô, que
cobrar daquele que introduziu o conteúdo ile- se são as coisas que mudam cada
existe desde os anos 1920.
Os filmes eram geralmente gal na rede os prejuízos causados. Na esfera vez mais rápido. Com a internet a
rodados em bordeis privada, os interesses seriam dos particulares garotada tem muito mais acesso à
prejudicados e não do Estado. Wachowicz pornografia, isso é bom né”, brinca
avalia que as únicas prejudicadas pela disse- o professor Marcos, 52.
minação de conteúdos na internet são as pro-

4
dutoras, “elas que estão protestando em busca
de punição”, explica.
As estrelas sobem e o mercado desce - En-
quanto o mercado busca saídas para comba-
+ Mais curioso foi conhecer um
pouco dos bastidores dessas
produções. Nunca imaginei que
ter a pirataria online, as atrizes brasileiras se muitas das atrizes são lésbicas.
beneficiam da popularização de seu trabalho. Bastidores: http://bit.ly/b5wJDL
Florianópolis, dezembro de 2010
O caminho de quem precisa mudar
Dois anos de avaliação,
tratamento hormonal,
cirurgias, preconceito
e decisões judiciais
passam pela vida das
pessoas que necessitam
fazer a troca de sexo
Willian Reis
A
pós o Conselho Federal de
Medicina (CFM) publicar uma
resolução no Diário Oficial da
União em 2 de setembro de
2010, a cirurgia para troca de
sexo em mulheres deixou de ser procedimento
experimental. A partir de então, os tratamen-
tos podem ser realizados em qualquer estabe-
lecimento que obedeça aos pré-requisitos da
entidade e não apenas em hospitais universi-
tários ou públicos.
No caso dos homens transexuais, a cirurgia
foi liberada pelo CFM já em 1997. Onze anos
depois, o Ministério da Saúde surpreendeu e
causou polêmica ao passar a custear a opera-
ção através do Sistema Único de Saúde (SUS)
em quatro hospitais universitários do país.
Eles estão localizados em Porto Alegre (RS),
São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Goiânia
(GO). adequação sexual, o paciente assina um docu-
As mulheres, para se submeterem à opera-
ção, devem ter no mínimo 21 anos e passar por
um acompanhamento médico de dois anos,
para avaliação de psicólogo, assistente so-
cial, endocrinologista e cirurgião. O objetivo
é chegar a um diagnóstico que indique ou não
a necessidade do procedimento. A jornada de
uma mulher que deseja passar pela adequação
sexual começa com a terapia hormonal, quan-
do é feita uma série de injeções de hormônio
masculino (testosterona). Os efeitos perceptí-
veis do tratamento são a voz mais grossa e o
TECNOLOGIA
aparecimento de barba. A menstruação para.
Depois da retirada dos órgãos femininos (úte-
ro, ovários, vagina e mama), existem duas
possibilidades para a construção do pênis.
Veja uma delas no infográfico.
A outra consiste na criação do órgão mas-
culino a partir de um tecido retirado do pró-
prio corpo da paciente, como do antebraço,
por exemplo. A neofaloplastia, como o pro-
cedimento é chamado, continua em caráter
experimental, pois os resultados são questio-
náveis.
De acordo com o diretor da Divisão de To-
coginecologia do Hospital Universitário da
UFSC e especialista em Sexualidade Humana,
Alberto Trapani Júnior, a cirurgia de adequa-
ção sexual nas mulheres é mais complicada.
“A transformação de um genital masculino
em feminino é mais fácil do que o contrário”,
explica. “Ainda não conseguimos um resulta-
do muito bom na fase de construção do pênis.
Alguns pacientes param a adequação antes
disso”, afirma.
Saída do ele, entrada no ela - Como entre as
mulheres, a cirurgia só pode ser feita nos ho-
mens com idade entre 21 e 75 anos. O paciente
também deve passar por um acompanhamento
de dois anos, para comprovar seu desconfor-
to com a genitália de nascença num grau que
justifique a operação. De início, o interessado
passa por uma avaliação psicológica.
A etapa seguinte é o acompanhamento que
envolve as áreas psíquica, social e médico-
biológica. São feitos exames, no mínimo se-
mestrais, para acompanhar os efeitos dos hor-
mônios. Quando é considerado apto a fazer a
mento em que consente com o procedimento.
Pela portaria publicada pelo Ministério da
Saúde em agosto de 2008, a transexual, quan-
do internada para cirurgia, deve ficar na en-
fermaria correspondente ao sexo com o qual
se identifica.
Os recursos para o processo transexuali-
zador custeado pelo SUS vêm do Programa
de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde.
São destinados R$ 62 por mês ao tratamento
hormonal pré-operatório à base de acetato de
ciproterona e estrógenos. Para o acompanha-
Quatro 7
mento mutiprofissional pré e pós cirurgia, que
dura cerca de dois anos cada, são desembolsa-
pode ser tão grande a ponto de ocorrer mutila-
ção da genitália. Tanto que esse foi um dos ar-
dos R$ 37 por atendimento. Os procedimentos
cirúrgicos custam R$ 1.511.
gumentos utilizados pelo Ministério da Saúde
para passar a oferecer a cirurgia pelo SUS.
O processo transexualizador é formado por Para o Manual Diagnóstico e Estatístico de
várias cirurgias, que podem durar de duas a Transtornos Mentais, elaborado pela Associa-
seis horas, e os riscos são os mesmos de qual- ção Americana de Psiquiatria, a transexualida-
quer operação, como sangramento excessivo, de é uma doença. Para o Código Internacional
infecção e necrose dos tecidos. Depois do de Doenças, da Organização Mundial de Saú-
processo cirúrgico, as transexuais usam lubri-
ficantes à base de gel até passarem a se ume-
de (OMS), é um transtorno de identidade de
gênero. Dentro da Psicologia, é chamada de
decer sozinhas.
Nascida em Florianópolis, Kelly Vieira, 28
neurodiscordância de gênero. “Ela pode ser
determinada por uma alteração genética no
anos, é uma transexual reticente. Não fala, de cérebro, combinada com alteração hormonal
jeito algum, como era sua vida antes de assu- e o fator social”, explica a psicóloga Gabrie-
mir a identidade feminina. “Ninguém se sente la Bernardes. “O hipotálamo do transexual o
à vontade para falar da própria sexualidade”, leva a se comportar contrariamente ao sexo
defende-se. Atualmente, coordena a Associa- correspondente à sua genitália de nascença”,
ção em Defesa dos Direitos Humanos (Adeh), completa.
que tem 85 associadas. Do pouco que fala do Na Justiça, a transexualidade divide opi-
passado, afirma não niões. Como não
ter feito a cirurgia há lei que libere a
de adequação sexu- Segundo o Ministério mudança oficial do
al. Passou por uma nome, o/a transexual
“castração quími- da Saúde, durante a depende da decisão
ca”, procedimento
em que produtos são
intervenção, transexuais do juiz, que pode
ser favorável ou não.
aplicados nos testí- devem ficar na ala do sexo Para efetuar a troca,
culos para secarem, a pessoa deve passar
feita numa clínica com o qual se identificam pela cirurgia de ade-
particular em Crici- quação sexual. Em
úma. seguida, contrata um
É realista e, às advogado que solici-
vezes, pessimista. “Preconceito contra transe- ta a alteração de registro civil. O pedido de-
xuais sempre vai existir. Não é a neovagina pende de parecer do Ministério Público. De-
que vai mudar as coisas”, comenta. Kelly fez pois, o juiz da Vara da Família ou de Registros
dois semestres de Enfermagem, mas desistiu. Públicos julga a decisão. O doutor em Direito
O que quer mesmo é cursar Filosofia. Diz que Processual Civil Eduardo Lamy diz que todo o
as transexuais tentam escapar do passado. processo pode durar meses ou até anos. “Ago-
“Algumas mudam de cidade, abandonam a ra que a transexualidade está sendo discutida
família. Incorporam a cirurgia como um reco- na Justiça, então um ou outro juiz reconhece”,
meço”, explica. afirma.
Na medicina, na justiça e na igreja - O tran- Para o frei Luiz Frigo, a cirurgia de adequa-
sexual é diferente do travesti. Na transexuali- ção sexual deve ser acatada pela Igreja quan-
dade, a pessoa, apesar de nascer com cromos- do comprovada sua necessidade. “Concordo
somos, órgãos genitais e hormônios de um quando a operação serve para dar harmonia à
sexo, tem a mente e os desejos do sexo oposto. pessoa”, diz. “Ninguém escolhe nascer assim.
O travesti, ao contrário, está satisfeito com seu É preciso ter largueza de pensamento para
órgão sexual. Em transexuais, o desconforto acolher a diversidade”, conclui.
Arte Quatro
Como era a cirurgia masculina
Até os anos 1970, a cirurgia nos ho-
mens se limitava à amputação do pênis
e à modelação de um orifício. Na década
seguinte, conseguiu-se agrupar os teci-
dos para que imitassem o clitóris.
George Jorgensen, ou Christine, foi o pri-
meiro transexual no mundo a fazer a ci-
rurgia de mudança de sexo. A operação
ocorreu na Dinamarca em 1952. No Bra-
sil, a primeira cirurgia de adequação foi
feita em 1971, na cidade de São Paulo.
O cirurgião responsável, Roberto Farina,
foi condenado a dois anos de reclusão
por lesões corporais graves. O médico
acabou absolvido, e a Justiça reconhe-
ceu que não houve perda do pênis, pois
a cirurgia era a única forma de aliviar o
sofrimento do paciente.
Segundo a OMS, um em cada 30 mil ho-
mens é transexual. Entre as mulheres,
a proporção é de uma para cada grupo
de 100 mil. A estatística não dá conta de
quantos estariam dispostos a se subme-
ter a uma cirurgia de adequação sexual.
4
+ Kelly, que não faz o tipo de
transexual ou travesti a que estamos
acostumados, ou seja, bem-humorado
e extravagante, se alterou. Pensei até
que desistiria da entrevista.
Bastidores: http://bit.ly/99R8je
8 Quatro TECNOLOGIA Florianópolis, dezembro de 2010

Vibrador rotativo é um dos novos objetos das sex shops As próteses são os utensílios mais frequentes nessas lojas Os artefatos Cyber Skin se assemelham à pele humana

Fetiches embalados para consumo

Técnicas, inovações, objetos e ambientes estimulam as práticas sexuais e a realização de fantasias

Guilherme A. Teixeira mo desses artefatos por curiosi- alguma fantasia – como a clássi-

Fotos: Marina Lisboa

Q
dade. “Fui ver se fazia diferença. ca da enfermeira ou do bombeiro.
O grande motivo foi ver como era Não são problemáticos, a menos
uanto vale o seu na real. Já usei tanto com a minha que se tornem obsessão ou partam
prazer sexual? Já parceira, quanto sozinha. É gos- para alguma ação ilícita, como a
passou a época em toso, mas não para ser usado em pedofilia.
que o sexo se resu- toda a relação, prefiro utilizá-los Segundo o psicanalista Carlos
mia apenas ao con- de vez em quando.” Quanto aos Augusto Remor, essas necessida-
tato físico e às diferentes maneiras seus produtos favoritos, ela revela des vêm da busca das pessoas por
de penetração. Na atualidade, mui- que prefere pequenos vibradores e algo que as complemente. “Os in-
tas técnicas, inovações, objetos e não gosta da linha CyberSkin. “É divíduos procuram outros objetos
ambientes estimulam desejos e ruim, mas tem gente que gosta, porque não conseguem a satisfação
necessidades diferentes, apimen- isso depende muito de cada um”, total. Ninguém se relaciona com o
tando as relações. Artefatos de sex completa. outro por inteiro, nem sexualmen-
shops, moteis estilizados, massa- Além disso, as lojas também te, nem amorosamente. Sempre
gens, filmes eróticos, tatuágens e são procuradas por suas brincadei- falta alguma coisa. É esse vazio
piercings mostram que há outras Produtos vão desde brinquedos eróticos a vibradores e próteses ras usando as partes sexuais, como que atinge cada um e obriga-nos
formas de produzir o prazer, além bundas de pelúcia, canecas de seios a preenchê-lo com alguma coisa,
de estimular o próprio ato sexual. Mercado Público no centro de além de um cadastro no programa ou de pênis, cartões eróticos, porta seja um utensílio, seja uma aman-
Popularizadas na década de 60 Florianópolis, a clientela atinge de contato por áudio, o Skype. camisinhas, sapos com comparti- te, seja uma fantasia”, explica.
nos EUA, as sex shops estão di- as mais diversas idades, de ado- Realismo e luxo - Os mais novos mento secreto e raspadinhas Kama A busca por objetos e lugares
fundidas em todo o mundo, com lescentes até idosos. Segundo os produtos no mercado são os vi- Sutra. A maioria deles é vendido exóticos também pode se originar
novos produtos sendo divulgados vendedores, cerca de 50 pessoas bradores da linha Cyberskin, que para presentes de aniversários de da procura pela novidade. A es-
a toda hora. No início, elas conti- passam pela loja todo dia. E 80% simulam a pele humana, com a 18 anos para meninos. tudante de psicologia de 19 anos,
nham principalmente brinquedos deste público é do sexo feminino. presença de uma estrutura flexível, A produção de objetos segue Maria Eduarda Pellene da Silva,
eróticos, como vibradores e rou- “Os homens ainda tem vergonha além de secreções que se asseme- linhas diferenciadas e atende os conta que foi muito divertido
pas íntimas femininas. Hoje, quem de entrar na loja, pois existe um lham ao esperma, produzindo uma mais diferentes interesses. A con- quando foi a um motel com camas
freqüenta uma dessas lojas tem à preconceito, principalmente pela sensação realista. Eles funcionam ceituada designer francesa Shiri giratórias e colchões d’água. Ela
disposição vibradores com as mais grande quantidade a pilha e alguns Zinn é conhecida por projetar vá- explica que situações dferentes
diferentes tecnologias, formas e de pênis no esta- chegam a cus- rios artefatos sexuais de luxo com produzem sensações incomuns e
materiais, filmes pornográficos, belecimento. Há tar mais de R$ materiais e formatos variados. O novas, além de outras formas de
preservativos com sabor, calcinhas uma história de que
A designer Shiri 200. A última seu trabalho é feito a partir de uma sentir. “É bom sair um pouco da
e cuecas comestíveis, cremes eró- homem que é ma- Zinn acredita novidade na sex fusão entre arte, joias e acessórios rotina, esse ineditismo muda toda
ticos, chaveirinhos de partes ge- cho não frequenta
nitais, chocolates em formatos de esses lugares”, diz
que o glamour éshopuma visitada prótese
da moda. Os principais produtos
incluem batons, chicotes, próteses
a nossa concepção do sexo”, com-
pleta.
pênis, baralhos sedutores, além de a gerente da loja, é um adicional mecânica, o vi- brilhantes, cheias de acessórios

+
4
próteses e lubrificantes. Tatyana Britto. Por brador rotativo. com pelos e pedras coloridas. Seu
Os preços variam de acordo este temor ainda
ao sexo e, por Ele custa por artigo mais caro é um pênis de Ao entrar no ambiente,
com o material e a procura. Dentre existente, a empre- isso, deve ser volta de R$ 350 vidro dourado com uma textura o excesso de objetos
os artigos mais baratos estão os sa, que começou e é feito de si- floral, de 21 cm de comprimento fálicos e de fotos de
porta-canetas em formatos de os negócios na in-
valorizado licone. Quando e quatro de largura, custando 140 pessoas nuas impede
seios ou de pênis, além de dados ternet, mantém um acionado, co- euros, o equivalente a R$ 330. A qualquer chance de
com posições sexuais, custando site com uma mé- meça a produzir designer cita em seu blog que o naturalidade. Fazer uma
por volta de R$ 10. Já a venda de dia de 400 acessos diários. A épo- movimentos em círculo, nos dois glamour é um adicional ao sexo entrevista normal é mais
uma boneca inflável pode sair por ca com maior procura é o dia dos sentidos, em diferentes velocida- e, portanto, deve ser valorizado e difícil, tanto que minhas
até R$ 1.600, quando são feitas de namorados. des. Serve tanto para penetração, aplicado nos seus utensílios. acompanhantes tiveram
materiais que encarecem, como Aliás, a internet é outra opção quanto para massagem. A procura Desejo incompleto - Esse desejo que engatar as primeiras
Cyber Skin ou látex super resis- de comércio. Mesmo não forne- é variada, segundo a vendedora por objetos, fantasias ou por sexo perguntas para que a
tente. Além disso, a semelhança cendo dados concretos, Britto re- Bruna Schuller, e abrange princi- em ambientes diferentes corres- explicação começasse.
com modelos e mecanismos que vela que, em certos meses, as ven- palmente adultos, tanto mulheres ponde na psicanálise ao que se co- E não pense que o olhar
produzam movimento em partes das online superam inclusive as da quanto homens. O objeto ainda nhece por fetiche. Segundo os es- é o único sentido afetado
como a língua também contribuem loja. O estabelecimento tem um contém um tubo de lubrificante. tudos da área, eles não são doenças lá. O odor característico
para aumentar o valor. A maioria sistema com 400 mil usuários ca- A estudante de música de 20 e estão inerentes na sexualidade da loja e a música
das inovações são produzidas na dastrados para quem são enviadas anos, Carolina Martins, é homos- humana. Os fetiches podem estar também não colaboram.
China. as novidades. A loja também tem sexual e utiliza esses objetos com ligados a alguma parte do corpo Bastidores:
Numa sex shop próxima ao um endereço na rede social MSN, a namorada. Ela iniciou o consu- do parceiro, a algum objeto, ou a http://bit.ly/b4HKzF
Florianópolis, dezembro de 2010
Problemas por trás da dor de cabeça
As disfunções
sexuais atingem
uma em cada
duas brasileiras,
mas o assunto
ainda é tabu entre
diversos casais
Ingrid Fagundez
U
m casal está na
cama trocando ca-
rícias. O clima co-
meça a esquentar e
o ato está próximo
de ser consumado, quando o ho-
mem olha para a mulher surpreso,
“que foi, amor?”, constrangida ela
responde “ai, isso nunca aconte-
ceu comigo antes”. Essa cena já
se tornou um clichê nos filmes e
novelas, mas com uma pequena
alteração: o homem normalmente
é o protagonista. A falta de ape-
tite sexual feminino é mostrada
como uma simples dor de cabe-
ça acompanhada de negações do
tipo “estou muito cansada. Hoje
não”. As enxaquecas femininas
já viraram motivo de piada. Se a
mulher não quer, a culpa é deles.
No entanto, A situação não é tão
simples assim? As disfunções se-
xuais femininas são pouco discu-
tidas, mas são distúrbios comuns
e podem coibir desde o desejo até
a penetração. Segundo um artigo
publicado em junho de 2008, pela
Revista Brasileira de Ginecologia
e Obstetrícia, 40 a 45% das mulhe-
res brasileiras apresentam proble-
mas sexuais.
O tabu é tão grande que elas re-
lutam em aparecer. Por essa razão,
a personagem a seguir trocou seu
nome para resguardar sua identi-
dade.
A estudante Lívia, 20 anos, é
uma delas. Há três meses, quan-
do tentou, pela primeira vez, fazer
sexo com o namorado, foi surpre-
endida por uma dor insuportável
na vagina. “No começo, quando
começava a esquentar, ele sempre
perguntava se podia tentar de novo
e a palavra ‘tentar’ já me deixava
nervosa porque eu sabia que não ia
dar certo. Quando eu tinha medo da
dor, acabava doendo ainda mais”,
conta. Quando consultou uma
ginecologista, Lívia foi diagnos-
ticada com vaginismo, uma con-
tração involuntária dos músculos
da entrada da vagina que chega a
impedir a penetração. Essa disfun-
ção está ligada principalmente a
fatores emocionais que vão desde
a repressão familiar e religiosa até
a violência sexual na infância. “Na
hora, eu não levei muita fé porque
ela não me examinou. Disse ape-
nas que os problemas em casa, na
faculdade, podiam estar influen-
ciando”, lembra a estudante
Tipos de disfunção - O vaginismo
é apenas um dos distúrbios sexuais
que afetam as mulheres. Chamado
pelos sexólogos de desejo sexual
hipoativo (DSH), o problema é
considerado a queixa mais comum
de pessoas envolvidas em um re-
lacionamento de longa duração.
Etapa em que geralmente o casal
deixa de investir nas preliminares.
“As mulheres precisam de janta-
res, de carícias, de estímulos para
se excitar”, explica a sexóloga
Carla Regina Cardoso. “Do ponto
de vista feminino, o contexto do
encontro é importante. Quando o
homem vai direto para o ato, ela
começa a não sentir prazer com
aquilo. Os parceiros se afastam
porque não há vontade”.
Um estudo realizado em 2000,
pelo Departamento de Neurologia
Cognitiva da Universidade de
Londres, mostrou que as áreas
do cérebro ativadas em mulheres
apaixonadas são diferentes das
ativadas em mulheres casadas. A
pesquisa revela que durante o pe-
ríodo de namoro, elas se excitam
com mais facilidade, e mais tarde
sentem dificuldade em responder
carícias eróticas quando sabem
que o sexo é o objetivo final.
Mesmo quando há desejo, a
mulher pode sentir dor durante a
BEM - ESTAR Quatro 9
penetração - disfunção conhecida Regina, as relações superficiais, natural. Em seu livro Disfunções
como dispareunia. “O desconforto impedem o prazer feminino. “A li- Sexuais, Cassanda explica que “as
ocorre quando há um estreitamen- beração sexual tornou-se patológi- descrições apoteóticas circulantes
to do canal vaginal, uma atrofia”,
explica a ginecologista, sexólo-
ca. As pessoas fazem sexo sem es-
tar preparadas e não conseguem se
na mídia até os dias atuais tratam
de estabelecer a confusão: para se
ga e professora do departamento
de Medicina da UFSC, Mirian
entregar ao outro”, diz. Depressão,
ansiedade, doenças como diabetes
ter um orgasmo genuíno, há de se
perder os sentidos, ver estrelas e
Fernandes. Entre os fatores que e hipertireoidismo também podem ouvir sinos. Sensações tão indes-
podem causar a causar a anorgas- critíveis que acabam transforman-
dispareunia es- mia. do a missão em algo impossível”.
tão as doenças “Quando a vida Mas não é um consenso que a
sexualmente As descrições sexual do casal é superexposição da sexualidade
transmissíveis insatisfatória cria- feminina impeça o orgasmo. O
(DSTs), a meno- apoteóticas da se um ambiente de psicanalista Yuri Disaro defende
pausa, cirurgias mídia sobre desconfiança. O que as imposições da sociedade,
na região vaginal homem sente que a inclusive a de gozar, se refletem de
e até o uso de an- o orgasmo mulher não o dese- formas diferentes em cada sujeito.
ticoncepcionais. trasformaram o ja mais ou que ele “Todo mundo tem que lidar com
As pílulas com não tem um bom que a sociedade estabelece como
baixa concentra- gozo em missão desempenho”, diz o excesso de silicone e o orgasmo
ção de estrogê- impossível Carla. Isso acaba feminino, mas nem todos desen-
nio poderiam le- desgastando o re- volvem problemas sexuais”, afir-
var à diminuição lacionamento. “O ma Disaro.
da lubrificação meu namorado fica A mulher se mostra gradativa-
vaginal e a alterações das paredes impaciente porque nós dois quere- mente mais confortável para falar
da vagina. mos que aconteça, mas eu sinto sobre a sua sexualidade e expressar
Goze! Goze! Goze! - Uma pes- muita dor. Eu tento aguentar, mas as suas insatisfações. Segundo ar-
quisa realizada pela Sociedade acabo pedindo para ele parar”, tigo de 2008 na Revista Brasileira
Americana de Medicina conta a estudante Lívia. de Ginecologia e Obstetrícia, nos
Reprodutiva, em 2003, revelou No século XIX, Freud já dizia últimos dez anos, elas têm recorri-
que 56% das mulheres entrevista- não saber o que as mulheres que- do aos cuidados médicos com mais
das tinham dificuldades para atin- riam porque elas não contavam. frequência, em busca de solução
gir o orgasmo. A anorgasmia é uma Ele sequer imaginava que nos para problemas que interferem na
disfunção com um quadro extenso anos 1960 o orgasmo fosse o tema sua qualidade de vida, em especial
de características. Abrange desde de discussões da revolução sexu- aqueles ligados ao sexo. Mas ainda
casos em que não se chega ao clí- al feminina. Para a professora do conhecem pouco o seu corpo. “As
max até casos em que o orgasmo Departamento de Psicologia da pacientes percebem que há alguma
só acontece em situações especí- UFMG, Cassandra Pereira França, coisa errada, e que está as fazendo
ficas como na masturbação ou no o alarde que se fez sobre o orgasmo sofrer, mas não conseguem definir
sexo oral. Para a sexóloga Carla foi tamanho que deixou de ser algo exatamente que o problema é no
campo sexual”, explica a especia-
Arte Quatro
lista Mirian Fernandes.
Procedimento padrão – Quando
o ginecologista suspeita que a pa-
ciente tem alguma disfunção sexu-
al, ela é encaminhada para terapia
sexual, psicoterapia ou medica-
mentos. Já a análise psicanalítica
segue outra linha. O psicanalista
Yuri Disaró explica que para ge-
rarem algum distúrbio sexual, as
questões que incomodam a mulher
devem ser inconscientes. “Se al-
guém afirma que desenvolveu di-
ficuldades sexuais porque foi abu-
sado na infância, seria suficiente
compreender o que aconteceu no
passado. Bastaria a pessoa saber
que está segura para resolver o
problema”.
As disfunções sexuais são de-
senvolvidas por um misto de fato-
res orgânicos e psíquicos. A sexua-
lidade da mulher é complexa. Mas
para a maior parte das pessoas
tudo ainda se resume à estratégica
“dor de cabeça”.
+
4
Em uma semana,
conheci mais
especialistas em sexo
do que a maioria das
pessoas durante a
vida inteira.
Bastidores:
Fonte: Go com.ponto
http://bit.ly/abo0Ae
10 Quatro
Brasil é 3º em amputação de pênis
Falta de assistência médica e tabu colocam o país no ranking mundial de casos de câncer do órgão
Milena Lumini
U
m estudo realizado pela
Sociedade Brasileira de
Urologia (SBU) em 2007 re-
velou um dado alarmante à
população masculina, cerca
de mil homens ao ano têm o pênis parcial
ou totalmente amputado por decorrência de
câncer. Considerado raro em países desen-
volvidos, o câncer de pênis representa 2,1%
do total de tumores malignos diagnostica-
dos em homens no país. Esse dado situa o
Brasil em terceiro lugar em um ranking não
oficial de países com maior incidência de
casos da doença, ao lado da Índia, Uganda,
Egito, Quênia e Paraguai
O câncer de pênis atinge principalmen-
te homens brancos, acima de 45 anos, não
circuncidados e costuma ser associado a
baixas condições socioeconômicas e cultu-
rais. Segundo o levantamento da SBU, mais
da metade dos casos ocorrem nas regiões
Norte e Nordeste. No Maranhão, estado
com o terceiro maior número de doentes, o
câncer de pênis chega a ser mais frequente
do que o de próstata. São Paulo responde
por 24% dos casos no Brasil e é o estado
com a maior incidência da doença. Além
disso, é nele que são feitas boa parte das ci-
rurgias de pacientes de outras localidades.
O tumor peniano se manifesta na forma
de feridas na pele, em especial na glande,
ou cabeça do pênis. Essas lesões demoram
a cicatrizar e podem ser negligenciadas
por não provocarem dor. Por serem feridas
abertas, são facilmente infectadas e passam
a apresentar secreções e exalar odor, carac-
terísticas que se acentuam com a evolução
do tumor.
A principal causa dessas lesões é a má
higiene. O homem expele naturalmente
uma secreção branca, chama esmegma, que
se acumula em torno da glande, ou cabeça
do pênis. Essa secreção precisa ser removi-
da diariamente, pois ela é irritativa e pode
provocar feridas. Homens que têm fimose,
incapacidade de expor completamente a
glande com o pênis flácido ou ereto, de-
vem ser mais cuidadosos com a higiene e
são aconselhados a realizar a circuncisão.
Para evitar as lesões o homem deve lavar
diariamente o pênis com água e sabão,
principalmente após relações sexuais e a
masturbação. Fumantes também devem fi-
car atentos. O tabagismo torna a resposta
imunológica menos efetiva, o que aumenta
a propensão a lesões.
O contágio pelo papiloma vírus huma-
no (HPV), que provoca verrugas na pele,
é outro fator de risco. A presença do vírus
nas células interfere no seu processo de
multiplicação e, por conseqüência, causa
tumores. O tratamento dos pacientes de
HPV deve ser individualizado, buscando
+
4
Esperança de repórter,
especialmente de novato, nunca
morre, mas o tempo de apuração
e redação se esgota.
Bastidores:
http://bit.ly/bqmhvD
BEM-ESTAR
Como fazer uma higiene adequada
identificar se o vírus pertence aos grupos 16
ou 18, os mais nocivos ao corpo. Esses ho-
mens devem ter cuidado especial para não
transmitir o vírus às parceiras. “A mulher
é mais propícia à gênese do tumor de colo
uterino por causa do vírus”, explica o urolo-
gista Antonio Carlos de Lima Pompeo.
Embora o tumor de pênis tenha um cres-
cimento lento e seja um dos cânceres mais
fáceis de evitar, metade dos homens que de-
senvolvem a doença leva um ano para pro-
curar um médico. O urologista oncológico
Luis Felipe Piovesan explica que a dificul-
dade de acesso a médicos e postos de saúde
e a vergonha contribuem para essa demora.
“Quem tem melhores condições, têm maior
preocupação, é atendido nas fases iniciais
do câncer. Geralmente quem não tem aces-
so à saúde, homens que vivem no interior,
demoram mais. Ainda existe muito tabu”,
esclareceu. Não raro, feridas cancerosas
são confundidas com doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs). Somente quando os
Florianópolis, dezembro de 2010
O paciente fica em maior risco quando
Reprodução: Gibi “Jogue limpo com seu amigo”
o tumor se dissemina pela região inguinal,
Fonte: SLCOMM
no abdome, e atinge os gânglios do sistema
linfático, rede de circulação do corpo que
transporta a maior parte dos anticorpos.
Nesse caso, o pênis deve ser totalmente
amputado e os gânglios também podem
ser retirados. Se o tumor não reaparecer,
é possível fazer uma reconstrução do pênis
com tecidos musculosos em geral retirados
do antebraço e colocar uma prótese. Porém,
a finalidade é apenas estética e, segundo
Piovesan, não recomendada. “Em geral, os
pacientes que precisam de uma penectomia
total são idosos e já diminuíram a ativida-
de sexual. Não é indicado”, explica. Após
Fotos: Marina Lisboa
atingir as vias sanguíneas, o câncer se dis-
semina pelo pulmão, fígado, ossos e outros
órgãos. Os cuidados, a partir desse estágio,
são apenas paliativos, para manter o con-
forto do paciente.
Quando é tarde demais – A perda do pênis,
símbolo da masculinidade, é acompanhada
de tristeza, vergonha, inutilidade e desejo
de morte. É o que revela a psicóloga Ana
Teresa Torres Teles no artigo Câncer de pê-
nis: sentimentos e percepções de pacientes
diagnosticados para amputação, publicado
no portal educacional WebCiencia.com. O
estudo reuniu relatos de seis pacientes do
Hospital de Câncer de Pernambuco entre
40 e 70 anos que esperavam pela cirurgia
de retirada do câncer ou que haviam sido
diagnosticados com a necessidade de am-
putação. “Eu sei que estou doente, mas não
queria cortar. Como macho, percebo que
eu preferia não cortar, pois a gente nasce
para morrer com tudo que Deus deu, prin-
cipalmente uma coisa certa de homem”,
desabafou um paciente cuja identidade foi
preservada.
Em outras declarações, os pacientes
demonstram desespero, medo de ser traí-
do pela companheira e confessam que vi-
ver sem o pênis é morrer aos poucos. “Eu
percebo que a minha vida deveria acabar
agora, Vou solicitar ao médico algum re-
médio para morrer. Para que eu vou servir
com pênis cortado, sem fazer a coisa mais
importante na vida do homem, o sexo? Me
medicamentos tomados não surtem efeito, percebo destruído, acabado como uma ter-
esses pacientes procuram outro tratamento. ra em que não se pode plantar, me percebo
Em estágios iniciais, quando o tumor é morto”, contou outra vítima da doença.
localizado, a tendência é a cura. O trata- O urologista Antonio Carlos de Lima
mento é feito por cauterização, crioterapia, Pompeo conta que a prevenção do tumor é
que destroi a lesão a partir a área onde os estudos têm
do congelamento, e o cor- avançado mais. “O que
te com bisturi elétrico. Se fica evidente é que esse
não tratado na fase inicial, Tumor cresce tumor pode ser evitado. A
o tumor cresce localmente e de lentamente, campanha de prevenção é
atinge estruturas abaixo da mundial. Quem tem fimo-
pele como o corpo caverno- sendo um dos se, HPV ou lesões primá-
so e a uretra, canal por onde mais fáceis de rias deve ser orientado”,
sai a urina. Dependendo do ressaltou. O professor de
tamanho do tumor, é feita evitar urologia da Faculdade de
uma amputação parcial do Medicina do ABC, em
pênis. Caso a cirurgia per- Santo André, SP, diz que o
mita deixar uma haste peniana de mais ou ainda existem poucas pesquisas sobre esse
menos quatro centímetros, o homem con- assunto. “Esse é um tumor de pobre, não
segue urinar e ter relações sexuais prati- afeta americanos, alemães, acomete ao sul
camente normais. O que pode interferir no americanos, africanos, asiáticos, socieda-
desempenho sexual são as questões emo- des em que não há muita pesquisa médica”,
cionais. explicou.
Florianópolis, dezembro de 2010
Quando a confiança vira violência
Geralmente, o agressor é alguém próximo à vitima, o que dificulta a identificação dos casos de abuso
Gian Kojikovski
M
edo, vergonha,
constrangimen-
to. O trauma
que o abuso
sexual gera
em menores de idade colabora
para que saibamos pouco sobre
o tema. Pesquisas realizadas no
Brasil e no mundo apontam que
apenas cerca de 10% dos casos de
violência sexual infantil são re-
gistrados. A falta de informações
dificulta a criação de políticas pú-
blicas para combater ou ajudar as
vítimas. Segundo a psicóloga da
Delegacia da Mulher e do Menor
de Florianópolis, Anna Silvia
Tosin Raccioppi, o baixo índice de
denúncias pode ter vários motivos,
entre eles o medo de represálias. A
maior parte da violência acontece
dentro dos lares.
Abusar sexualmente de uma
criança ou adolescente é crime.
De acordo com a decreto-lei 2848
de 1940, qualquer tipo de rela-
ção sexual entre um adulto e um
adolescente com menos de 14
anos será considerada estupro de
vulnerável. Segundo a escrivã do
Cartório da Criança e Adolescente
da Delegacia de Proteção à Mulher
e ao Menor, Agnes Fagundes da
Silva Rabelo, o que dificulta a
prevenção desse tipo de crime é
que geralmente o agressor é muito
próximo à família da criança. “São
pouquíssimos os casos em que o
agressor não é um pai, padrasto,
tio, primo ou conhecido”, explica.
Anna Raccioppi afirma ainda que a
dificuldade em identificar os casos
é a tendência dos adultos em negar
o que está acontecendo. “As pes-
soas não acreditam que isso esteja
acontecendo, acham que a criança
está inventando”, afirma. Essa opi-
nião é confirmada pela professora
aposentada do Departamento de
Serviço Social da UFSC e espe-
cialista em violência doméstica,
Catarina Maria Schmickler. Ela
afirma que os menores são desa-
creditados porque normalmente os
agressores são indivíduos respei-
tados na sociedade. “Em geral, o
abusador é uma pessoa que costu-
ma ser socialmente bem aceita, um
homem trabalhador
e um cidadão aci-
ma de qualquer
suspeita”. Mesmo sendo
De acordo com
a psicóloga Anna
crime, há quem
Raccioppi a pro- seja a favor do
ximidade entre
agressor e vítima
sexo entre
facilita o abuso. adulto e menores
“Os casos acon-
tecem geralmente
com familiares ou
vizinhos porque eles têm mais
acesso às crianças. Dificilmente
elas são abusadas à força na rua”,
afirma. Essa proximidade também
contribui para que os casos sejam
frequentes. Há episódios em que
BEM - ESTAR
Arte Quatro
outros familiares sabem do ocorri- Isso faz com que elas se calem ou
do, mas preferem não se manifes- que tomem atitudes drásticas. “Há
tar. Anna lembra-se de uma ocor- casos de suicídio de adolescentes
rência em que a mãe não queria em razão da pressão que a pessoa
mais ter relações com o marido e que abusa produz e das ameaças
então deixou ele dormir com sua que sofre caso venha a abrir o se-
filha de 12 anos. “Após um tempo, gredo que é guardado a sete cha-
a relação se tornou normal para a ves”, completa.
criança, tanto que quando ela apa- Para alguns não é crime - Existem
receu aqui dizia que amava o ho- pessoas e instituições que são fa-
mem, de quem voráveis ao relacionamento sexual
já estava grávi- entre crianças e adultos. O mais
da”, completa a conhecido deles é o jurista francês
psicóloga. René Guyon, que escreveu o livro
sora
A profes-
Catarina
A ética dos atos sexuais. Nele, de-
fende que as relações entre adultos
Schmickler ain- e crianças podem contribuir para
da afirma que,
para se aproxi-
que estas não se tornem violentas
no futuro, além de afirmar que na
mar, o agressor verdade, a institucionalização des-
utiliza táticas sa prática como crime não é algo
que envolvem a natural. Nos Estados Unidos, a
criança e a dei- Associação Norte-americana de
xam sem saber como sair. “Não é Amor Entre Homens e Meninos
incomum dizerem para a criança (Nambla) apoia as relações com
que se ela contar ele vai ser preso, menores de 14 anos, inclusive
que a família vai ser seriamente o incesto. A entidade alega que
prejudicada, ou que ele vai colo- não se trata de desvio ou doença
car fogo na casa”, diz a professora. mental, como afirmam a ONU e
a Organização Mundial da Saúde,
mas uma orientação sexual. A
intenção da Nambla é a norma-
Arte Quatro
lização e neutralização judicial
da pedofilia e do incesto, porém
não existe nenhum estudo cientí-
fico que colabore com essa tese.
Ao contrário, atualmente há um
consenso de que, mesmo com a
aceitação do ato pela criança ou
adolescente, existe uma presunção
de violência, já que podem ser fa-
cilmente envolvidos de forma in-
voluntária.
Sexo Patológico - Normalmente,
os abusadores enxergam as crian-
ças como pessoas adultas, explica
a professora Catarina Schmickler.
“A pessoa que abusa é emocional-
mente imatura, tendo dificuldades
de relacionar-se com uma pessoa
da sua faixa de idade”. Assim,
Quatro 11
relacionam-se com menores pela
facilidade de argumentação que
conseguem ter, envolvendo-os. A
professora ainda afirma que, nos
casos de violência sexual intrafa-
miliar, quando o agressor é preso,
normalmente ele nega o abuso,
mas há exceções. “Um padras-
to costuma ter mais facilidade de
confessar o abuso contra uma en-
teada do que um pai contra uma fi-
lha biológica”, afirma. Mesmo as-
sumindo, o agressor sempre busca
colocar a culpa em outra pessoa:
“Quem abusa costuma negar seus
atos e, quando o faz, acusa a mãe,
outras pessoas, as circunstâncias e
até mesmo a própria criança para
se justificar”.
Em 2000, foi criada a Rede de
Atenção às Vítimas de Violência
Sexual, o Raivvs. Essa rede fun-
ciona em três hospitais da capital,
Hospital Universitário, Carmela
Dutra e Infantil, e não atende ape-
nas crianças e adolescentes.
Segundo a coordenadora da
Raivvs, Caroline Schweitzer de
Oliveira, são atendidos, por ano,
em média 100 casos de abu-
so no município. A enfermeira-
chefe da Clínica de Ginecologia
e Emergência Obstetrícia e re-
presentante da rede no Hospital
Universitário, Lígia Silveira
Dutra, diz que os procedimentos
buscam prevenir algumas doen-
ças que podem ser adquiridas no
ato sexual ou até mesmo a gravi-
dez. Quando as mulheres buscam
o hospital, recebem um coquetel
contra o HIV e a pílula do dia se-
guinte. Lígia explica que é impor-
tante que as vítimas procurem um
hospital em até 72 horas. O acom-
panhamento dura seis meses, caso
exista gravidez. O HU é o único no
estado autorizado a fazer a inter-
rupção legal e, em outubro deste
ano, tratou cinco casos de abuso.
Três foram contra crianças. Nem
todos os casos atendidos são re-
gistrados na delegacia. Se a vítima
tem mais de 18 anos pode escolher
se quer ou não fazer boletim de
ocorrência.
+
4
Não tratar dos
agressores como
monstros, que é a
primeira coisa que vem
à cabeça quando se
conhece alguns casos,
também é algo que foi
difícil de controlar. Mas
o engraçado é que acho
que se a Polícia Federal
rastreasse as pesquisas
do meu computador, nos
últimos dias, eu estaria
realmente encrencado.
Bastidores:
http://bit.ly/9ZEhSb
Centrais
Substâncias químicas e impuls
Sexo, drogas e
alimentos estimulam
de maneira semelhante
o sistema de reforço
cerebral, responsável
pela sensação de bem-
estar e de conforto
Maíla Diamante
A
tradutora Sofia Rezende,
25, ilustra como o prazer
influencia nosso compor-
tamento ao descrever suas
estratégias para manter a
boa forma. “Quando estou solteira, tenho
tempo livre para malhar e acabo cuidando
mais de mim. Se estou namorando, fico
mais em casa, vendo filmes e comendo. Mas
depois chamo o parceiro para caminhar jun-
to comigo. O problema maior ainda está em
deixar o chocolate. O impulso para comer
muito diminuiu depois que passei a reedu-
car minha alimentação, mas ainda tenho que
comer todo dia, nem que seja um pedaço”.
Nessa lista de situações tão diferentes, como
paixão, alimentação, prática de exercícios e
compulsão, e até mesmo algumas não cita-
das, como sexo e consumo de drogas, existe
um ponto em comum: ambas estimulam áre-
as do cérebro que correspondem ao sistema
de recompensa ou reforço. O caminho para
compreender como o prazer funciona passa
por essa região.
Estudar o mecanismo de reforço não
é apenas uma preocupação de cientistas.
Basta ver a infinidade de produtos espalha-
dos nas gôndolas dos supermercados. Um
empresário que decide fazer um xampu de
flor de laranjeira, outro de rosa selvagem e
outro de chocolate branco, procura nessa va-
riedade uma alternativa que ative o sistema
de recompensa ou reforço. Uma dessas op-
ções deve seduzir o impulso de compra do
consumidor. Quando se compreende como
funciona a área cerebral que corresponde ao
prazer, as estratégias de marketing se tor-
nam mais eficientes. Isso explica, em parte,
os apelos sexuais tão comuns nas propagan-
das e até mesmo em algumas músicas.
Esse é apenas um dos exemplos de como
as explicações da neurociência influenciam
nossa vida. “A sociedade hoje é baseada no
poder e nas sensações individuais de bem-
estar”, conclui o professor de psicologia e
pesquisador do Laboratório de Educação
Cerebral da UFSC, Emílio Takase. O pro-
fessor segue a linha da psicologia experi-
mental, que explica o comportamento atra-
vés de estímulos do ambiente e respostas
do indivíduo. “De certa forma, somos pre-
visíveis. Recebemos influência do meio, te-
mos um funcionamento cerebral parecido,
e nossas respostas seguem alguns padrões.
Os motivos que levam a certas atitudes
podem ser diferentes, mas biologicamente
a área ativada pelo prazer, que determina
grande parte do nosso comportamento hoje,
é a mesma”, esclarece.
A explicação da sensação prazerosa pres-
supõe o conhecimento de como funciona o
cérebro. Os centros de prazer estão em boa
parte localizados no que se chama “sistema
límbico”, uma região do cérebro que já exis-
tia há 60 milhões de anos e está presente em
todos os vertebrados. Originalmente, o me-
canismo de recompensa cerebral reforçava
situações importantes para a manutenção da
vida, como saciar a fome e a sede e estimu-
lar a reprodução. O neurocientista Reinaldo
Takahashi explica que a principal substância
Fotos: Leonardo Lima
Chocolate libera
serotonina: relaxa e
alivia a ansiedade
que atua nesse sistema é a dopamina, neuro-
transmissor ligado à expectativa de se con-
seguir algo bom ou terminar algo desagra-
dável, e por isso, é interpretada pelo corpo
como uma substância prazerosa. Ela refor-
ça o desejo de repetir um comportamento,
como o sexo. A partir da dopamina, o corpo
também produz outras duas substâncias: a
adrenalina, que prepara o organismo para
realizar atividade física e a noradrenalina,
que influencia o humor, a ansiedade, o sono
BEM-E
e a alimentação.
Ela só quer, só pensa em namorar - Na
música “Xote das meninas”, Luis Gonzaga
fala da moça que “não come, não estuda,
não dorme, não quer nada”. O rei do baião
descreveu em versos a ação da dopamina
e da feniletilamina no quadro da paixão.
Esses dois neurotransmissores nos fazem
pensar compulsivamente no amado enquan-
to perdemos nossa capacidade de avaliação.
Acabamos comendo e dormindo mal. “Com
tanto estímulo positivo, o apaixonado deixa
de ver os defeitos da pessoa. A parte do cére-
bro que julga e racionaliza tem uma atuação
menor que a do reforço”, explica Takase. Já
o nível de serotonina, relaxante, diminui:
uma pitada de ansiedade sempre fará parte
do romance. Quando a paixão se torna um
sentimento mais duradouro, ou até mesmo
durante o sexo, os neurotransmissores mais
atuantes são a oxitocina e vasopressina -
chamados de hormônios do amor. A oxito-
cina, por exemplo, provoca a sensação de
conexão entre o casal, o conforto do bebê
no colo da mãe ou no abraço entre parceiros
que se amam.
A ciência do flerte é responsável por
pesquisas curiosas. O amor de boteco e a
obsessão cega dos apaixonados são alguns
dos casos explicados por acadêmicos em
termos de substâncias e estímulos cerebrais.
Na Universidade de Pisa, a paixão foi com-
parada pela psiquiatra Donatella Maraziti à
psicose obsessiva-compulsiva. Quem já es-
queceu de si de tanto pensar no amado sabe
bem o que essa pesquisa significa. Tanto na
paixão quanto na psicose, as doses de sero-
tonina no cérebro são baixas – assim como a
capacidade de lidar com situações estressan-
tes. O álcool também diminui a liberação da
serotonina, o que causa a cena clássica do
bêbado fazendo juras de paixão à pessoa da
mesa ao lado que acabou de conhecer.
Não bastassem os relacionamentos em si,
até a percepção da beleza também é relacio-
nada ao sistema de recompensa. O neuro-
cientista Chris Frith, do University College
London, concluiu nos seus estudos que
quando uma pessoa bonita olha outra nos
olhos, ativa esse sistema. O ato é interpreta-
do como um primeiro sucesso na aproxima-
ção, incentivando ações futuras. Esse olhar
é fundamental para que a beleza desperte
o sistema de reforço. Passar despercebido
por um rosto considerado feio também ati-
ESTAR
sos nervosos explicam o prazer
va esse mecanismo - os pesquisadores não
descobriram o porquê, mas a hipótese seria
pelo alívio de evitar uma situação desagra-
dável. Maldade ou realismo, a pesquisa nos
remete à conclusão de Vinícius de Moraes:
“As feias que me perdoem, mas beleza é
fundamental.”
Na hora do sexo, o cérebro comanda
um verdadeiro curto-circuito fisiológico.
Durante a excitação, a adrenalina é libera-
da - o coração bate mais forte, as artérias se
dilatam e o corpo se prepara para a ativida-
de que chega a gastar 300 calorias por hora.
A dopamina, a endorfina e a noradrenalina
também são disponibilizadas em grandes
quantidades no sistema de reforço. A mis-
tura paradoxal da endorfina, que é calmante,
com os outros neurotransmissores estimu-
lantes, tem o efeito semelhante a uma “pane
cerebral”, e geram as contrações involuntá-
rias dos músculos. Até o cérebro se colocar
em ordem, o corpo se contorce inteiro.
Drogas, sistema em colapso - Depois da
transa, do cigarrinho e do bem-estar pro-
vocado pelo aumento da endorfina, o cor-
po volta a sua rotina biológica. Quando
uma pessoa de organismo normal se sente
satisfeita na sensação prazerosa, o sistema
de recompensa cerebral retorna ao estado
anterior. Se a exposição à substância que
ativa a região do reforço é mantida durante
muito tempo ou de forma muito intensa, o
corpo vai se tornando cada
vez menos sensível ao pra-
zer. As substâncias deixam
de provocar bem-estar e Entender o
um aumento no consumo
é necessário para que essa funcionamento
sensação ocorra. Essa é a do corpo e a
característica do vício.
O desregulamento do razão dos nossos
sistema de reforço não vícios ajuda
acontece apenas com o con-
no controle
sumo de drogas. O estímulo
emocional
da compra, por exemplo,
é a dependência de cerca
de 2% a 8% da população
mundial. Segundo dados do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas, quatro
de cada cinco pessoas que têm o transtorno
são do sexo feminino. Nesse caso, o motivo
da procura por um estímulo de reforço é por
compensação. Enquanto está comprando, a
pessoa sente alívio e prazer ao mesmo tem-
po. Sua autoestima é elevada e, por alguns
instantes, ela esquece de problemas e
frustrações. Mas, assim como ocorre
no consumo de drogas, o efeito pas-
sa rapidamente, o que leva ao im-
pulso de comprar cada vez mais
em espaços de tempo cada vez
menores.
O corpo ainda nos reser-
va algumas surpresas: a
fabricação, pelo próprio
organismo, de sustân-
cias prazerosas que
têm efeito semelhan-
te à maconha e ao
ópio. No primeiro
caso, o cérebro tem
um sistema chamado
de canabinoide que
produz neurotransmis-
sores como a anandamin-
da. Com nome derivado do
sânscrito que significa “prazer”,
essa substância é de quatro a vinte ve-
zes mais potente que o THC, a substância
ativa da maconha. A quantidade que o corpo
libera, porém, é mínima. Esses neurotrans-
missores também interagem com o sistema
chamado opiáceo, que produz substâncias
semelhantes ao ópio, matéria-prima da he-
roína. “É como se tivéssemos maquinetas
produtoras dessas duas drogas dentro do
nosso corpo”, explica Takahashi.
Mangia che te fa bene
- Para produzir as subs-
tâncias do prazer, o corpo
não se basta. Precisa de
uma mãozinha da alimen-
tação. A chefe do serviço
de nutrição do Hospital
Universitário da UFSC,
Alessandra Erdmann,
explica que a maioria
das vitaminas, especial-
mente as do complexo B,
além de alguns minerais
ajudam a produzir as en-
zimas que precedem os
neurotransmissores. A serotonina é a que
mais se relaciona ao consumo de alimen-
tos - a mesma substância estimulada pelos
antidepressivos. Veja no infográfico alguns
alimentos que ajudam nessa produção.
O consumo de chocolate como estimu-
lante é um caso clássico bem conhecido
das mulheres. No Brasil, elas são responsá-
Florianópolis, dezembro de 2010
Alimentos bem-humorados
Saiba quais sãos os alimentos que
podem trazer sensações de bem-estar.
A serotonina é derivada do triptofa-
no, um aminoácido encontrado em
bananas, leguminosas, castanhas
e nozes, frutas, chocolate amargo, ovos
e arroz integral. Já na produção de
dopamina o organismo utiliza o
aminoácido tirosina, encontrado
em cereais integrais, legumino-
sas, nozes e castanhas, e derivados
do leite, além de manganês e selênio.
Arte Quatro
veis por 55% do consumo anual. O hábito “Conversar sobre as plantas é um prazer
é aproveitado até mesmo pelo cinema. O social e uma terapia. As pessoas pessoas se
alimento deu nome ao filme estrelado por integram ao cultivá-las”.
Johnny Depp e Juliette Binoche, baseado no O psicólogo Emílio Takase faz a previ-
romance de Joanne Harris. Vianne Rocher são: “Daqui a algum tempo, o funcionamen-
(Binoche) instala sua fábrica de chocolates to cerebral do prazer e de demais aspectos
em frente à igreja de um vilarejo francês humanos serão na sua maioria descritos pela
conservador. Seu produto é considerado ciência, e a possibilidade de controle desses
profano, e até o prefeito acusa Vianne de aspectos será cada vez mais precisa. Mas
subverter a moral do local com suas receitas o que faremos com esse conhecimento?”
prazerosas. Essa conotação libidinosa é ex-
plicada em parte porque o alimento libera a
Takase completa: “Entender como funciona
o prazer pode ser útil, mas a pergunta sobre
serotonina, que relaxa e alivia a ansiedade. como podemos encaminhar nossas vidas de
A felicidade também pode ser admi-
nistrada em forma de sachês. O Centro
forma a trazer a felicidade para as pessoas
ainda se mantém.” Talvez a resposta esteja
de Medicina Complementar de Munique menos em como estimular esse prazer do
apontou que a erva de São João tem efei- que em como lidar com ele.
4
to parecido com os dos antidepressivos nas
+
depressões leves e moderadas. Porém, pes- O tema envolvia termos
quisas indicam que ela pode interagir com pouco cotidianos, já
medicamentos, portanto a administração que se tratava de uma
deve ser assistida por um médico. Além da matéria científica. Ao
erva de São João também são popularmen- mesmo tempo, exigia
te conhecidos os efeitos antidepressivos do o resgate de exemplos
alecrim, jasmim, gengibre e noz-moscada. simples, que situassem
Responsável por uma disciplina sobre plan- todas aquelas palavras
tas medicinais, o professor de enfermagem na realidade do leitor.
Antônio Wosny lembra de outra ligação do Bastidores:
bem-estar com o cultivo de fitoterápicos: http://bit.ly/ad0NFR
Arte Quatro
Arte Quatro
14 Quatro COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Florianópolis, dezembro de 2010

Grávidas têm
Fotos: Stephanie Pereira

Victor Acosta
pequenos luxos
nos presídios
Maria Andrea,
27, de 8 meses,
está presa há
Cozinha e banheiro separados, berçário
4 por tráfico de
drogas
e atendimento médico especializado são
alguns dos direitos das gestantes

Luisa Pinheiro a criança iria para a casa da avó, que já cuida da neta mais velha. Todas trabalho optativo em confecção de lacinhos para pet shops e alças de sa-
as terças-feiras, a assistente social do presídio conversa com as mães colas de lojas. Por cada pacote com cem sacolas, as detentas ganham 75

A
para ajudá-las nas questões legais referentes às crianças. centavos e a produção de 1000 laços rende 11 reais. A atividade também
na Cristina da Sil- As grávidas são encaminhadas para o berçário assim que chegam serve para remissão da pena. Para cada três dias de trabalho, as presas
va, 20, ainda não ao presídio, mesmo se estiverem nas primeiras semanas de gestação. ficam um dia a menos na prisão.
decidiu o nome do Quando uma mulher é presa e tem um filho com menos de seis meses, As visitas são permitidas toda quinta-feira, única forma de contato
filho, mas essa dú- também tem o direito de ficar com ele até com a família além de cartas. Apesar de so-
vida é normal para completar o período de amamentação. En- nharem com um orelhão no pátio – e concor-
uma grávida de quatro meses. A quanto as outras detentas dividem galerias darem que o telefone público causaria muita
futura mãe quer que o garoto se com banheiros coletivos e que não têm di- confusão -, as presas não têm acesso a chama-
chame Juan, o pai é que não gosta visões em quartos, as atuais e futuras mães das externas. Ana Cristina, a indecisa sobre o
da ideia. “Ele não quer que nosso têm cozinha e banheiro só para elas e mais nome do filho, é a única mãe do berçário que
filho tenha nome estrangeiro”, diz tempo de acesso ao pátio. Essas regalias recebe visitas íntimas. A cada quinze dias, ela
a gestante condenada a um ano e levaram a direção do Presídio Femini- deixa que o marido falte ao encontro da ma-
oito meses de prisão por tráfico de no de Florianópolis a obrigar, há um ano nhã para se verem sozinhos à tarde. Todas as
drogas. Ana Cristina divide um e meio, as mulheres que recebem visitas detentas são visitadas pela família, com exce-
quarto com outras duas grávidas e íntimas a tomarem anticoncepcional in- ção de Ana Mara Machado, 25, presa há dois
três mães com seus bebês no Presí- jetável. Segundo a chefe de segurança da meses, acusada de associação e tráfico de dro-
dio Feminino de Florianópolis. prisão, Juliana Costa, engravidar era van- gas. A grávida de cinco meses é de Videira, no
De acordo com a Lei de Execu- tajoso para as detentas pelos benefícios de Ana Cristina ainda vai escolher o nome do filho interior de Santa Catarina, mas a família mora
ção Penal, estabelecimentos prisio- ficar no berçário, além de ser uma forma de em Balneário Camboriú, o que dificulta a aju-
nais destinados a mulheres devem manter a relação com o marido. “Quando da dos parentes. O marido de Ana Mara está
ter um berçário, onde as presas
possam cuidar de seus filhos por,
o anticoncepcional era em pílula, elas não
tomavam e também não usam camisinha”,
A relação afetiva com a mãe na Unidade Prisional Avançada de Brusque,
também por envolvimento com o tráfico e, por
no mínimo, seis meses. Esse prazo completa. é importante, mesmo que isso isso, os quatro filhos do casal foram levados
pode ser estendido em casos como
o de Jocilene da Costa, 25, que vai
Cuidados com as mães - O atendimento
médico às grávidas é feito pela obstetra vo-
signifique viver na prisão para a Casa-Lar, orfanato de Florianópolis.
A criança na prisão - De acordo com a pes-
poder ficar mais sessenta dias com luntária Izabel Boeing, que faz o trabalho quisa sobre maternidade atrás das grandes do
a filha de seis meses. Após esse a cada dois meses e já doou um aparelho Grupo Universitário Maurício de Nassau, o
período, é a detenta quem escolhe de ultrassom para o presídio. A técnica embrião absorve durante a gestação todas as
o destino da criança. A mãe de Ana em enfermagem Ana Cláudia Maciel tam- angústias e crises nervosas que a mãe passa.
Júlia, acusada de homicídio e trá- bém ajuda no cuidado da saúde das pre- “Além das crianças estarem privadas de con-
fico de drogas, está à espera de de- sas. Quando sentem dores ou precisam tatos mais frequentes com seus familiares, o
cisão judicial e, por isso, vai poder fazer exames, as detentas são levadas para ambiente prisional é exclusivamente para mu-
ficar com a menina por mais tem- o Posto de Saúde da Agronômica ou para lheres, o que impede o contato com figuras
po. Caso tivessem que se separar, a Maternidade Carmela Dutra, unidades masculinas. Todos estes aspectos fazem com
próximas ao Presídio Feminino de Floria- que o ambiente prisional se torne um espaço

4
+ Todas posavam para a
câmera, queriam registrar
aquela tarde e Jocilene
nem lembrava mais da
prima. Até eu tinha per-
dido a timidez, mas tinha
uma presa que não queria
aparecer nas fotos em
grupo. Ana Mara, grávida
de cinco meses do quinto
filho, riu sem graça
quando foi chamada
para a foto. Não queria
guardar recordações da
prisão. Bastidores:
http://bit.ly/c7rKNZ
nópolis. inadequado para o desenvolvimento e perma-
O apoio dos parentes é essencial. As- nência dos filhos das detentas”, completam as
sim como Jocilene, Vanuze Santos, 32, que autoras da pesquisa Floreci Ferreira e Iolanda
teve Kauã Rafael há um mês, conta com os Ana Júlia pode ficar mais 70 dias com a mãe Morais. Ainda assim, a relação afetiva com
pais para cuidar dos outros quatro filhos. a mãe é importante para o desenvolvimento
A ex-faxineira foi presa há seis meses por psicossocial dos bebês, mesmo que isso signi-
tráfico de drogas. A ajuda também é necessária para despesas com o fique viver em um presídio por um período.
cuidado das crianças, como fraldas, e de supermercado. Como possuem Juliana Dilda, psicóloga que fez o estudo “A mulher aprisionada e
fogão próprio e precisam de alimentação diferenciada, elas fazem uma o exercício da maternidade” no Presídio Feminino de Florianópolis em
lista de compras e a direção do presídio é responsável por obter esses 2005, identificou que a gestação das presas é agradável e que elas ficam
produtos que serão pagos pelas próprias presas. Apenas enlatados e reci- felizes com o fato de estarem grávidas, mas o sentimento de estar presa é
pientes de vidro são proibidos. angustiante. “As que terão o primeiro filho relatam não estar se sentindo
Caso a família não possa ajudar, as mães recebem doações do gover- bem com a situação, vivenciando a incerteza e o desejo de dar uma boa
no ou de ONGs e das próprias companheiras de berçário. As detentas se vida para ele. A experiência de ter bebê na prisão vem acompanhada pela
preocupam em guardar as roupas dos bebês para que as novas mães que certeza de que haverá mais sofrimento quando a criança for tirada dos
chegarem já tenham enxoval. Uma oportunidade de ganhar dinheiro é o braços, mas que para ela é melhor crescer longe da prisão”, resume.
Florianópolis, dezembro de 2010
Um príncipe
encantado nos
contos eróticos
Meninas entre 12 e 16 anos escrevem histórias
onde narram suas fantasias sexuais com os ídolos
teens nas fanfics, as ficções produzidas pelos fãs
Marilia Labes
I
magine um ídolo da música desejado
por mulheres em todo o mundo te le-
vando para passear de carro. Ele es-
taciona em uma clareira e te beija in-
tensamente. Você tira a blusa e ele se
surpreende com o espartilho vermelho que
estava ali embaixo. No meio do sexo mais
intenso que você já fez, um guarda apare-
ce e bate no vidro. Seu ídolo sai do carro
para conversar com o policial e volta com
um sorriso no rosto: “Ele me reconheceu e
pediu para que eu desse um autógrafo. Eu
obedeci.”
Meninas de 12 a 16 anos fantasiam cenas
como esta. Com o cantor Justin Bieber. E
publicam em blogs e comunidades do orkut
os textos que as contam. Histórias deste tipo
são chamadas de fanfics - ficções criadas
por fãs - e utilizam o personagem preferido
de quem as escreve em versões ou aventuras
próprias.
No Orkut, os contos são postados em ca-
pítulos e construídos de acordo com a reação
das leitoras. “Antes de iniciar, normalmente
explicamos a fic: como é, sobre o que vai
falar, quais são os personagens e a censu-
ra aconselhada. Não proibimos ninguém de
postar, muito menos de ler”, explica Luísa
Moino, 14 anos, que há dois meses é mode-
radora de uma comunidade de fanfics sobre
Justin Bieber.
Depois que a história começa a ser con-
tada, a relação entre autora e público é base-
ada na troca de comentários e elogios – ao
final de cada trecho publicado, as leitoras
pedem a continuação. Por isso, as narrati-
vas são geralmente longas e utilizam muito
o suspense entre uma cena e outra. Qualquer
semelhança com uma novela não é mera
coincidência. As estruturas são praticamen-
te iguais e objetivam prender a atenção de
quem acompanha a trama.
As fantasias são muito mais diretas e pi-
cantes nos blogs, onde se pode esconder a
Jornada nas Estrelas deu origem à primeira sequência de histórias escritas por fãs
Controvérsias temporais marcam a
procura pelas origens das fanfictions.
Mas, segundo ensaio do jornalista
Márcio Padrão, intitulado Ascensão
de uma subcultura literária, foi em
1967 que a primeira fanfic teria sur-
gido, derivada do seriado norte-ame-
ricano Star Trek – conhecido no Brasil
como Jornada nas Estrelas. Nos anos
seguintes, as histórias começaram a
COMPORTAMENTO E SOCIEDADE
Arquivo pessoal
autoria. À primeira lida, algumas chegam a
impressionar pela voracidade com que des-
crevem o ato sexual – sempre o auge e final
das histórias. Perguntas são inevitáveis: a
sexualidade está muito precoce entre essas
meninas-autoras? Ou é a internet que sim-
plesmente tornou mais fácil a publicação
dos fetiches?
Para o especialista em Educação Sexual
e professor da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), Tito Sena, não
estamos diante de um adiantamento da se-
xualidade. O que observamos é uma repe-
tição de modelos e valores, porém visíveis
sob uma nova formatação: a virtual. “Esta
modalidade acrescenta a possibilidade de
exercitar o imaginário sem interdições e
sanções, através de outro método não inova-
dor – o de apimentar o texto com uma dose
de sexo explícito ou implícito.” A psicóloga
e sexóloga Lucimar Secches, acredita que a
sexualidade tem sim, sido precoce. E que a
mídia, com tantas cenas sensualizadas, in-
fluencia diretamente neste aspecto. Apesar
disso, argumenta que o ídolo é uma proje-
ção, um foco de fantasias e que a transferên-
cia sexual para essa figura sempre existiu.
Fantasia versus realidade
- As histórias seguem uma
linha padronizada: a prota-
gonista – e autora – se ima- “Os roteiros não
gina em uma situação onde,
através de um jogo de sedu- nos surpreendem
ção rápido, acaba ficando pelas práticas,
com o cantor e praticando
algum ato sexual. As cenas mas pelo linguajar
de sexo podem ser de práti- erótico ou vulgar”
cas orais ou de penetração,
mas independente disso,
são vistas de uma maneira
intensa e carregada de energia. “O roteiro
dos contos não surpreende pelas práticas em
si, mas pelo fato das protagonistas serem
adolescentes com um linguajar pornográfi-
co sob olhos conservadores e, para outros,
erótico ou vulgar”, observa Tito Sena.
Vivências do cotidiano das garotas estão
ser distribuídas através de fanzines
nas convenções de fãs, eventos que
tinham como objetivo fortalecer a
adoração do seriado favorito.
Na linguagem de quem escreve
fanfics, o conjunto de personagens,
cenários, vocabulário e outras carac-
terísticas que ambientam o leitor na
história é chamado de cânone. Cabe
ao escritor decidir o quanto utilizará
Arquivo pessoal
O ídolo Justin Bieber, de 16 anos, inspira textos picantes em blogs e comunidades
bastante presentes na composição das fics,
que são repletas de passeios no shopping,
conflitos familiares, trocas de mensagens
por celular ou via Twitter, encontros e con-
versas entre as amigas, festas e, no meio dis-
so tudo, as fantasias com Justin Bieber - o
mocinho das tramas. “A maioria das histó-
rias é romance com comédia. Algumas tam-
bém têm drama, só que no final tudo acaba
bem. Acho que a maioria das leitoras espe-
ra pelo príncipe encantado”, conta Luisa,
a moderadora da comu-
nidade virtual no Orkut.
Este pensamento mágico
é uma das características
típicas da adolescência.
Três dimensões se
cruzam nesses contos. A
realidade, representada
pela exposição do coti-
diano; o imaginário, pe-
las fantasias; e o simbó-
lico, presente no cantor
Justin Bieber. A sexóloga
Lucimar Secches explica que a linguagem
visual dos contos, carregada de adjetivos,
observação e admiração do corpo do ídolo, é
bastante masculinizada. Mas prevalece o ro-
mance, uma característica feminina. É neste
aspecto que se pode ver a reprodução de va-
lores tradicionais, como o príncipe encanta-
ou não do cânone em sua ficção - há
um espaço para a liberdade literária.
A prática da ficção criada por fãs é
uma das formas que o público encon-
tra para se sentir parte do universo
ficcional de alguma forma. Jogos de
interpretação, como RPG, e os con-
cursos de cosplays – fantasias – são
outras maneiras de realizar esse de-
sejo.
Quatro 15
do citado por Luisa. “Através das histórias,
você pode se expressar. Contar alguma coi-
sa que você tem vontade que aconteça, que
seja um sonho”, completa a menina.
Não é possível assegurar que os textos
sobre sexo sejam indícios da prática sexual
efetiva. Lucimar acredita que essa estimu-
lação pode gerar o acontecimento, “mas na
adolescência o monstro da fantasia é maior
do que a ação”. O especialista Tito Sena
concorda. “Na minha opinião, o sexo virtual
não modifica necessariamente a vida sexual
das pessoas. Permite uma pseudo-liberaliza-
ção, uma falsa quebra de fronteiras, onde o
corpo presente é o corpo ausente. Uma via-
gem excitante, sem limites, dominada pela
fantasia e imaginação. Não existem regras
linguísticas e o anonimato pode ser preser-
vado. Parece que estamos mais no campo
fantasioso do que prático.”
Mas nenhum dos dois especialistas des-
carta a possibilidade de que “algumas garo-
tas farão o possível para realizar as fanta-
sias”, como diz Sena. Lucimar ainda aponta
uma possível conseqüência das fantasias
erotizadas dessas meninas e da supervalo-
rização de personagens: a frustração com a
transferência para o real, onde as histórias
não se baseiam nas figuras de ídolos. Afinal,
nas histórias não-ficcionais, meninos são
somente meninos.
+
4
Comecei uma corrida atrás
de fontes, mas fui ignorada
por uma legião de mini fãs do
Justin Bieber.
A entrevista que consegui
com a Luísa, moderadora da
comunidade das fics no orkut,
foi decisiva para o andamento
da matéria. Só conversando
com ela pude observar o que
pensam as meninas quando
escrevem e deixam estranhos
ler suas fantasias.
Bastidores: http://bit.ly/bv0Iz8
16 Quatro COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Florianópolis, dezembro de 2010

Divulgar o tema ajuda na formação

Conversas pessoais, agir diante da situação”, afirma. A mãe, Si-
mone de Souza Lobo, 40, diz que o papel
internet e TV são dela é também o de uma amiga. Ela ten-
ta dar espaço para que os filhos tenham
alguns meios usados confiança na hora de conversar. “Mos-
para se discutir trar aos filhos que eles podem confiar
em ti é uma forma de saber o que acon-
sexo, uma forma tece com eles fora de casa”, conclui.
O motorista Alexandre Borges da
saudável de lidar Silva, 53, pai de Otávio e Alice - 19 e 15
anos, respectivamente - contou que tem
com o assunto dificuldades na hora de falar com a filha
sobre sexualidade. “Pode parecer machista,

Arte Quatro
Stephanie Pereira
mas dou mais liberdades para o Otávio. É

N
unca se falou tanto de sexo:
imagens no cinema, nas te-
lenovelas e na publicidade
são muitas vezes explícitas.
Em uma rápida busca na in-
ternet, encontram-se mais de 13 milhões de
sites em português que citam o assunto. E
não é apenas o sexo propriamente o princi-
pal tema divulgado - basta pensar na ven-
da da ideia do corpo perfeito. Com tantas
dicas, campanhas e programas que dizem o
que fazer ou deixar de fazer em relação à se-
xualidade, resta uma questão colocada por
sexólogos, psicólogos e educadores: essa
superexposição é saudável ou é mais uma
forma de controle?
A TV é um dos principais veículos que
auxiliam na divulgação do tema, na opinião
da consultora em relacionamento pessoal e
apresentadora do programa Intimidades, da
TV Floripa, Rita Fedon. Ela acredita que
“A mídia contribui na hora de informar e
ensinar o que é certo e errado. Talvez isso
seja uma forma de controle, mas não existe
problema quando o que está sendo ensinado
são bons comportamentos. Tentar decifrar
o tema é uma forma de tentar entender a si
mesmo, o que ajuda em vários outros fato-
res na vida do individuo”, argumenta.
A doutoranda em Ciências Humanas
Rosa Maria Blanca concorda que a sexua-
lidade tem sido melhor divulgada atualmen-
te, e conta que a partir do século XVIII a
sociedade passou a explorar mais o assun-
to. “Acredito que ver na TV, nas conversas
ou na mídia a relação entre corpo e prazer
faz parte também da construção social. É
repressão. “Podemos nos reinventar infinita-
mente, muito além das regras impostas pelo
sistema heteronormativo”. Heteronormati-
vidade é um termo que descreve situações
nas quais as variações da orientação hete-
rossexual - como a homossexualidade - são
marginalizadas ou perseguidas por práticas
sociais, crenças ou políticas.
A sexualidade faz parte das relações so-
ciais, que são construídas historicamente a
partir de valores relacionados a determina-
dos interesses nas diferentes épocas. Para
a psicóloga, sexóloga e terapeuta cognitiva
Roze Meire Castro Bueno, “A sociedade
passa por ciclos - a exemplo da homossexu-
alidade, que em alguns povos, como na Gré-
cia antiga, era vista de maneira positiva e
fazia parte da iniciação sexual. Hoje em dia,
a homossexualidade é marginalizada, em
grande parte devido à influencia da Igreja.
A história nos mostra que a cada dia surgem
novos discursos e eles influem de diferentes
formas nas práticas sexuais”, conclui.
Hoje, a aula é sobre sexo - O jovem do sé-
culo XXI pode ser visto como bem infor-
mado, mas na prática restam muitas dúvidas
sobre o assunto. Por isso, abordar o tema en-
tre os jovens é uma tarefa difícil, e necessá-
ria. Segundo a autora do livro Sexualidade e
Deficiência e professora da Unesp de Bauru,
Ana Cláudia Bortolozzi Maia, a sexualidade
e os relacionamentos afetivos são vistos de
maneira bastante banalizada. A aparente li-
berdade gera conflito, principalmente entre
quente. Para se sentirem inseridos no grupo,
eles adotam alguns comportamentos sem
consciência dessas atitudes e sem o preparo
para as possíveis consequências dessas es-
colhas”, afirma.
A professora de ciências do colégio Si-
mão José Hess, Priscila Mazaro, contou que
seus alunos são muito curiosos quanto ao
tema: “Na minha aula, eu
passo uma caixinha onde
eles podem perguntar ano- “As mesmas
nimamente. As perguntas
vão desde ‘Beijar engravi-
palavras podem
da?’ a questões complexas ser usadas para
relacionadas ao período
fértil e métodos contracep-
esclarecimento ou
tivos”. A escola de Priscila para controle”
mantém um projeto inter-
disciplinar de educação
sexual para alunos da 7ª série, que têm entre
12 e 13 anos. “Discordo que a superexpo-
sição seja também uma forma de controlar
o comportamento desses adolescentes. Pa-
rece que quanto mais se fala, mais precoce
é a iniciação na vida sexual”. Priscila ainda
afirma que falar de sexualidade nas escolas
ajuda a criar jovens mais responsáveis nas
suas atitudes e escolhas abrindo espaço para
que elas comuniquem-se abertamente com
adultos que poderão ajudá-los a tomar deci-
sões ponderadas.
Vamos conversar, filho? - A estudante Va-
nessa de Souza Lobo, 19, conta que sempre
teve liberdade para falar com os pais e que
quase impossível imaginar que a Alice vá
namorar, imagine conversar sobre sexo”,
assume. Apesar disso, ele entende que o
diálogo é necessário: “Sei que é importante
alertar sobre as doenças e a gravidez preco-
ce e dar meu apoio a essas situações. Tenho
me esforçado para manter um diálogo com
os dois”.
Em meio a projetos de educação sexual,
discussão intensa na mídia e debates entre
as pessoas sobre o tema, o psicólogo Arthur
Müller diz que é difícil saber se a exposição
do tema está sendo im-
posto como uma forma
de controle. “Temos que
diferenciar o que uma
pessoa quis dizer com o
que realmente disse. As
mesmas palavras podem
ser utilizadas para o
esclarecimento ou con-
trole, é uma questão de
analisar o ‘contexto’ e o
‘tom’. Se falar de sexo não for para adestrar,
existe sim benefícios em abordar o tema”,
completa. Seguindo o raciocínio, a psicólo-
ga Roze Meire Castro Bueno conclui que é
preciso falar sobre sexo. “Conversas instru-
tivas sobre sexualidade são necessárias para
a desmistificação do tema. Acho importante
que pais conversem com filhos, que a mídia
divulgue, e que as pessoas esclareçam suas
duvidas sobre DSTs, gravidez e sexualida-
de. Esses temas podem parecer tabus, mas,
quando tratados de maneira séria, trazem
benefícios em todos os níveis da vida de um
individuo”, conclui.

uma forma de apoio ao regime vigente, o
neoliberalismo. A sociedade precisa disto
para que mantenha suas tradições e práti-
cas sociais, políticas e econômicas”, afirma.
Apesar disso, Rosa acredita que não existe
os jovens que estão vivendo um momento
de transição entre a adolescência e a vida
adulta. “Seguir os valores herdados da fa-
mília ou assumir o comportamento adotado
pelo grupo? Essa é uma dúvida muito fre-
4
+
não acredita que o “jogo aberto” seja uma
forma que eles encontraram de poder con-
trolá-la. “O que eu penso é que eles se im-
portam comigo. É bom ter esse apoio, pois,
se acontecer algo ruim, eles saberão como
Confesso que senti dificuldades ao
entrelaçar todas as ideias. Tinha um
caderno cheio de anotações e uma
página em branco para preencher.
Bastidores: http://bit.ly/aEFv3C

Arte Quatro

Fonte: Revista Aventuras na História

Comportamentos de cada época

As escolhas sexuais dos povos mudam completamente com o correr da história. Saiba mais sobre essas transformações
No Século 5 a.C., entre
os gregos, as mulheres
aparecem em desenhos só
em posições inferiores, o
homossexualismo era am-
plamente aceito e prostitu-
tas sagradas faziam do ato
sexual uma conexão com os
deuses. O conceito de vir-
gindade surgiu nesta época
através da adoração de
Ártemis, a deusa virgem.
No século I, em Roma, o
sexo era considerado um
presente dos deuses. Escul-
turas e pinturas
de posições e simbolos
sexuais eram comuns até
em casas. Escravos faziam
favores sexuais e o
homossexualismo entre
homens era comum.
Após o cristianismo tornar-
se a religião oficial de
Roma, o celibato passou
a ser pregado. O teólogo
Santo Agostinho (354-431)
passou a dizer que o sexo
era “coisa do demônio”.
Mas as relações entre o
mesmo sexo ainda não
eram consideradas tabu.
A partir do século X, a mo-
nogamia torna-se a única
forma de relacionamento
reconhecida. Relações
de incesto entre irmãos,
comuns durante a Alta
Idade Média, são cada vez
mais proibidas. A partir do
século XIII que os gays vira-
ram alvo da Igreja Católica
Os costumes medievais
recatados continuaram na
Idade Moderna, mas a Re-
forma Protestante ajudou a
tornar alguns deles menos
rígidos. O divórcio, proibido
pelo catolicismo, passou a
ser aceito na Igreja Angli-
cana. Na Idade Moderna,
passaram a ser comuns
casamentos por amor, e
não só por interesse.
Em 1900, com o psiquiatra
Sigmund Freud, o sexo é
estudado cientificamente.
A culpa começa a se des-
garrar do sexo. Na década
de 60, jovens pregam o
amor livre e o sexo sem
culpa. O prazer feminino é
defendido, a camisinha e a
pílula anticoncepcional se
popularizam e o sexo é des-
vinculado da gravidez.

GRÉCIA ROMA Alta Id. Média Baixa Id. Média Id. Moderna SÉC XX
Florianópolis, dezembro de 2010
Sexo não convencional ainda é tabu
Parafilias dividem opiniões e são classificadas como doenças ou como manifestações sexuais legítimas
Thiago Moreno
A
os 12 anos, Mau-
ro, que prefere ser
identificado na in-
ternet pelo apeli-
do de Mestre K@,
brincava com sua prima de uma
maneira que não era convencio-
nal para crianças de suas idades.
Eles gostavam de fazer pequenas
maldades um ao outro e o sofri-
mento lhes causava prazer. Ele
diz que nunca se preocupou em
saber se aquilo era ou não normal
e envolveu-se em relações mais
comuns desde então, mas o de-
sejo não desapareceu. Só aos 37,
depois de se divorciar do primeiro
casamento, descobriu, pesquisan-
do na internet, o BDSM. A sigla
significa Bondage, Disciplina,
Sadismo e Masoquismo e reúne
práticas sexuais de trocas eró-
ticas de poder e submissão, que
podem ou não envolver a dor. Ele
é adepto do D/S, uma experiência
em que uma “escrava” dá a um
“dominador” o direito de decidir
aspectos da sua vida cotidiana e é
punida se não obedecê-lo.
A diretora clínica do centro de
tratamento de Psicodrama Locus
Márcia Bernardes explica que,
na visão da psicologia, indivídu-
os com comportamentos como o
sadomasoquismo possuem dis-
túrbios chamados de parafilias.
Qualquer padrão de sexualidade
no qual a pessoa não consegue ter
prazer através do sexo sem arti-
fícios incomuns pode ser encai-
xado nessa categoria. A zoofilia,
relação sexual com animais, e a
necrofilia, com cadáveres, estão
classificados dentro dessa cate-
goria. O voyeurismo e o exibi-
cionismo, vontades de ver e de se
mostrar para os outros, também.
“Todo desvio sexual é necessa-
riamente um problema. Muitas
vezes, o paciente não consegue
perceber que está doente, mas
está. Outros tem muita vergonha
de se expor. Mas depois de ultra-
passadas essas barreiras, a cura é
possível através do acompanha-
mento psicológico”. O papel dos
médicos e psicólogos nesse pro-
cesso é mostrar à pessoa que ela
não está bem e ajudá-la a desco-
COMPORTAMENTO E SOCIEDADE
Práticas sexuais pouco comuns ainda são vistas com preconceito
brir as origens do trauma.
O analista de Call Center An-
derson Nakassawa discorda. Ele
se considera um assexual, al-
guém que não tem vontade de ter
relações com qualquer que seja
o gênero, e não tem problemas
com isso. “Convivo internamen-
te e psicologicamente muito bem
com minha opção e não pretendo
curar algo que não existe. Já pro-
curei psicólogos, mas sempre que
contava sobre mim, eles pergun-
tavam qual era o problema. Não
havia nenhum”. O sonho dele é
encontrar uma pessoa com quem
possa se casar e construir uma fa-
mília. Embora não tenha desejo
sexual por ninguém, possui uma
vontade de dar e receber carinhos
românticos. Pensa até em adotar
um filho. Mestre K@ também
afirma ser bem resolvido: “Nunca
achei que fizesse nada de errado.
Fazia algo que não era comum,
pelo menos que eu soubesse,
mas nunca me preocupei muito.
Acessórios para a
prática de BDSM
compõem grande
parte das vendas
das sex shops
revelava, por exemplo, que 4%
Fotos: Marina Empinotti
da população dos EUA já teve
contatos sexuais com bichos. Ou-
tra tabela mostrava que de 33%
a 50% dos americanos até os 45
anos se envolveram em relações
homossexuais.
Liberdade sexual - A constru-
ção de várias concepções sobre
o sexo, aliada à intensa divulga-
ção pelas mídias e às proibições
sociais, tornou a sexualidade um
dos assuntos mais discutidos e
mais importantes na sociedade.
A vontade de falar sobre toque,
prazer e orgasmo levou à necessi-
dade de exigir uma maior liberda-
de sexual. A professora Roselane
Neckel, historiadora especiali-
zada no assunto, defende que a
sociedade deve se livrar do medo
que tem daquilo que é diferente:
“Cada indivíduo possui o direito
de construir o seu prazer a par-
tir de suas experiências de vida.
Nós somos cercados por diversas
pessoas dizendo o que é normal
ou não e que limitam nossas pos-
sibilidades. Os ideais científicos
nos levam a crer que só a relação
de penetração entre um homem e
uma mulher é a correta, mas exis-
tem outras possibilidades. Deve-
mos poder buscar o que mais nos
agrada”.
Descobrir o BDSM foi legal por Os psicólogos da Locus só
perceber que o que eu vivia po- consideram saudável a liberdade
deria ser estendido a várias outras sexual se não houver exclusivi-
pessoas”. dade de um comportamento. Para
Mestre K@ acha que praticar eles, assistir ao parceiro se despin-
o BDSM é mais uma escolha pró- do, tirar a roupa para que ele veja,
pria do que um trauma ou uma dar um tapa ou uma mordida, só é
característica de nascença. “Já fui normal se não for a única maneira
casado, tenho dois filhos e já tive do sujeito conseguir sentir prazer.
várias namoradas que não faziam Ainda assim, essa concessão não
o sadomasoquismo. Hoje, não se aplica a todas as práticas, pois
namoro ninguém, mas é apenas algumas delas são classificadas
uma questão de como aberra-
opção”. Nakas- ções. Nakasa-
sawa também wa prefere não
está satisfeito “Só provoco dor ser classificado
com o que é: em quem sente dessa forma.
“Essa atitu- “Se as pessoas
de das demais prazer. Não saio tivessem mais
pessoas não por aí batendo em conhecimento
me atrapalha, sobre todas as
apesar de eu qualquer pessoa” possíveis op-
considerar uma ções sexuais
grande falta de humanas, elas
educação. Sou feliz do jeito que seriam menos preconceituosas”,
sou e talvez seria mais ainda se argumenta. Mestre K@ concor-
fosse melhor compreendido. Não da, e acrescenta: “O principal
quero mudar, quero apenas ser preconceito em relação aos pra-
aceito”. ticantes de BDSM é que somos
O sadismo e o masoquismo violentos, que provocamos a dor
não são as únicas práticas que
encontram milhares de adeptos
no outro. Mas quem critica es-
quece que eu só provoco a dor
no mundo. Na maior pesquisa nas pessoas que sentem prazer e
realizada sobre sexualidade hu- que me autorizaram a fazer isso.
mana até hoje, o relatório Kin- Eu não saio batendo em qualquer
sey, existem dados sobre diversos pessoa”.
comportamentos não convencio- Roselane Neckel, especialis-
nais. O documento, escrito pelo ta em história da sexualidade,
sexólogo Alfred Kinsey em 1953, também acredita que é preciso
Quatro 17
impor alguns limites, mas de
uma maneira diferente. “O que
um pedófilo, por exemplo, nunca
lembra quando prega que deve-
mos deixar as pessoas livres para
escolher sua sexualidade é que os
outros também têm que ter o po-
der de escolher não viver aquela
experiência. É a antiga história de
que meus direitos acabam quando
começam os dos outros.
Direitos sexuais
são reconhecidos
através de cartilha
O Ministério da Saúde
lançou, em 2006, uma
cartilha reconhecendo e
resumindo direitos sexu-
ais que já existiam em leis
nacionais e documentos
internacionais. De acordo
com a publicação, todo
brasileiro tem direito à:
- Viver e expressar li-
vremente sua sexualida-
de, sem discriminações
e com respeito pleno ao
corpo do parceiro;
- Escolher um compa-
nheiro sexual;
- Estar tranquilo com
sua sexualidade, sem
medos, vergonha ou cul-
pa;
- Viver sua opção se-
xual sem distinção de es-
tado civil, idade ou condi-
ção física;
- Escolher se quer ou
não ter relações sexuais;
- Expressar livremente
sua orientação sexual;
- Ter relações indepen-
dentes da reprodução;
- Fazer sexo seguro,
para prevenção de gravi-
dez indesejada e DSTs;
- Receber atendimen-
to médico que garanta
privacidade, qualidade e
sem discriminações;
- Ter informações so-
bre sexo, sexualidade e
reprodução;
- Decidir, de forma
responsável, ter ou não
filhos;
4
+ No fim, acabei dando
mais espaço para
ela dentro do meu
texto do que para as
fontes com as quais
eu concordava. O
jornalismo tem disso.
Bastidores:
http://bit.ly/cuTKSQ
18 Quatro
Proibido, censurado, recomendado
Classificação
Indicativa orienta
consumidores
sobre conteúdo de
obras audiovisuais
Nathale Ethel Fragnani
E
ra a noite de quarta-
-feira, 27 de agosto
de 1975. A fictícia
cidade de Asa Branca
e seu falso milagreiro
Roque Santeiro estavam prestes a
sair dos escritos de Dias Gomes
para a TV. O Brasil esperava, an-
sioso, pela estreia da primeira
novela em cores da dramaturgia
nacional. Mas, minutos antes de
entrar no ar, no Jornal Nacional,
o apresentador Cid Moreira infor-
mava que a novela não iria mais
ao ar por “ofensa à moral, à ordem
pública e um achincalhe à Igreja”.
A proibição de Roque Santeiro –
que seria regravada e exibida so-
mente dez anos depois – é só mais
um capítulo, talvez o mais radical,
da história da censura às teleno-
velas brasileiras durante o regime
militar, de 1964 a 1985.
Cerca de 35 anos depois de
Roque Santeiro ser censurada, e
mais de duas décadas após o fim da
ditadura no Brasil, as emissoras de
televisão e distribuidoras de obras
audiovisuais do país têm a liberda-
de de autoclassificação de acordo
com os sete selos diferentes: ER –
especialmente recomendado para
crianças e adolescentes; L – livre
para todos os públicos; e não re-
comendado para menores de 10,
12, 14, 16, e 18 anos. Os selos fo-
ram determinados pelo Ministério
da Justiça em 2007, e orientam os
pais quanto ao conteúdo vinculado
em determinado produto. Eles são
aplicáveis não apenas à televisão,
mas também a games, videoclipes,
musicais e filmes – exibidos nas
salas de cinema ou em DVDs.
De acordo o ministério, filmes
podem ser dispensados de análise
quando preenchido um requeri-
mento com a faixa etária atribuí-
da e a sinopse do produto. Quanto
às emissoras de televisão, não é
necessário enviar previamente o
conteúdo da programação, mas
+
4
Ele confessou que leu
uma matéria sobre um
site pornô que tinha sido
banido no Brasil. Insisti
em saber mais, mas
ele jurou que nunca o
acessou e nem lembrava
do endereço (Ahãm!).
Bastidores:
http://bit.ly/d0uqLo
o órgão mantém em exercício o
Departamento de Classificação
Etária, que tem o direito de reclas-
sificar todas as obras exibidas.
Todos os dias, uma equipe
de 25 pessoas monitora, grava e
estuda, das 8h às 23h, os progra-
mas e novelas da TV brasileira.
É por isso que as cenas de amor
entre Stela - personagem de Maitê
Proença em Passione - e seus par-
ceiros garotões, e as cenas de sexo
entre Clara (Mariana Ximenes) e
Totó (Tony Ramos) não passaram
ilesas. Nesse caso, o Ministério da
Justiça ordenou que a Globo re-
classificasse a trama de Silvio de
Abreu de 10 para 12 anos, um mês
após o início da novela. O novo
selo indica presença de até 10% de
nudez, sem a apresentação de nus
frontais. Pode apresentar cenas de
insinuação sexual, sendo possível
deduzir que a relação ocorrerá,
mas não é possível visualizá-la.
Graduado em Cinema pela
Universidade do Sul de Santa
Catarina (Unisul), Anderson Alves
opina que “os programas ao vivo
são mais complicados que as te-
lenovelas, porque eles só são ana-
lisados dias depois da exibição”.
Segundo a Assessoria de Imprensa
do Ministério da Justiça, os pro-
gramas ao vivo não precisam ser
mandados ao Ministério previa-
mente, responsabilizando-se o
titular da
empresa, ou
seu apresen-
tador e toda O Ministério da
a equipe de
produção.
Justiça vetou cenas
Os progra- de sexo e ordenou
mas estão
passíveis
a reclassificação da
de análise novela Passione
posterior à
exibição se
houver qual-
quer denúncia. Quando em desa-
cordo com a classificação, o Poder
Judiciário é responsável por apli-
car as sanções.
Censura com fins comercias - A
Classificação Indicativa não im-
pede quase ninguém de assistir
a obras audiovisuais. O supervi-
sor da rede de cinemas Arcoplex
no Shopping Itaguaçu, em
Florianópolis, Tadeu Rodrigues,
explica que crianças acima de dez
anos acompanhadas de maiores
podem entrar nas salas de cinema
mediante uma autorização assina-
da na hora pelos pais ou responsá-
vel. “Os menores de 10 anos não
estão autorizados a assistir filmes
com classificação inadequada à
idade em nenhuma circustância”,
esclarece. Funcionária da mes-
ma rede de cinema, localizada
no Shopping Via Catarina, em
Florianópolis, afirmou que qual-
quer criança, independente da ida-
de, pode entrar acompanhada de
CULTURA Florianópolis, dezembro de 2010
maiores em filmes com classificão
Divulgação
18 anos. A Assesoria do Ministério
da Justiça esclarece que menores
de 10 anos podem assistir a qual-
quer exibição, desde que acompa-
nhados dos pais ou responsáveis
legais, inclusive quando a clas-
sificação é Livre. O desencontro
de informaçãoes nos cinemas de
Florianópolis, pode se dar por-
que filmes com classificação 18
“têm baixa procura de ingressos
pela faixa etária vetada”, ressal- Novela Botineras exibiu o primeiro beijo gay da televisão argentina
ta a balconista Daniela Nunes, da
SEXO:
rede de cinema Cinesystem do
Arte Quatro
Shopping Iguatemi, também em A Classificação Indicativa quanto ao
Florianópolis.
Em julho de 2009, a distri-
Especialmente recomendado
buidora PlayArte lançou o fil- para crianças e adolescentes.
me Halloween, o Início, de Rob
Zombie, com 83 minutos. A versão
original, exibida nos cinemas dos Livre para todos
Estados Unidos, tinha 26 minutos os públicos.
a mais. Segundo a estudante de
Cinema da Unisul, Agnes Correa,
que assistiu às duas versões, “o
Não recomendado para menores de anos.
corte se deu em cenas de nudez e
terror explícitos”. O resultado foi
uma classificação indicativa me- Apresenta linguagem obscena, Vou te comer!
nos severa do que a determinada depreciativa. Ironias e/ou metáforas.
nos EUA. De 18 anos passou para
14, permitindo que jovens que
não poderiam ver o filme sem a Conteúdo sexual e/ou nudez: 10%.
Relevância para a compreensão
companhia dos pais, pudessem ir
ao cinema sozinhos. O filme, que da trama: pouca ou média.
Nudez opaca ou velada.
estreou em período de férias, foi o
Não apresenta seios, nádegas ou nus
mais assistido do fim de semana,
frontais(pênis, vagina).
faturando apro- É possível deduzir que a relação ocorrerá,
ximadamente R$ sem que seja possível visualizá-la.
480 mil, de acordo
com o portal so-
bre o mercado de
cinema brasileiro
Conteúdo sexual e/ou nudez:
10% a 30%
Filme B.
Nudez nítida, com,.
Até setembro
deste ano, a canto-
Imprescindível para a compreensão da trama
ra norte-america-
seios e nádegas porém sem nus frontais,
Linguagem erótica e valorização da beleza física.
na Luen enfrentou
uma verdadeira
briga contra o Conteúdo sexual e/ou nudez:
Youtube. Seu videoclipe de es-
treia, da canção Coisas de Menina,
30% e 50%
Nudez completa.
foi sistematicamente retirado do ar
O enquadramento valoriza o conteúdo sexual.
desde que foi postado, em dezem- Apresenta insinuações de sexo oral e/ou anal;
bro de 2009. No vídeo, algumas sexo sem penetração;
meninas trocam beijos e carícias cenas de prostituição.
no banheiro e, apesar de nada ser
mostrado explicitamente, o vídeo
foi retirado da rede cinco vezes. O Conteúdo sexual e/ou nudez:
episódio relembra o bloqueio que
impediu que brasileiros acessas-
50% a100%
Sexo explícito; cenas de incesto;
sem o Youtube por cinco dias no o sexo é associado com a promiscuidade;
início de 2007, devido à recusa o estupro não é mostrado como crime;
por alguns representantes do site envolvimento de crianças e adolescentes.
em eliminar o vídeo de Daniela
Cicarelli com o então namorado
Renato Malzoni Filho, transando questão do beijo gay em telenove- quebrado em abril deste ano, com a
na praia de Cádiz, na Espanha. las. O secretário nacional de Justiça, exibição das primeiras cenas de bei-
A exposição do homossexualis- Pedro Abramovay, em entrevista jo e sexo entre homens na televisão,
mo, como no clipe de Luen, sempre à Folha, derrubou o mito de que o na novela Botineras. Três meses de-
foi um assunto delicado no Brasil. beijo gay não é feito em função da pois, no dia 15 de julho, a Argentina
A propaganda eleitoral de Paulo Classificação Indicativa. Esse é o se tornou o primeiro país da América
Bufalo, candidato ao governo de argumento usado por autores e rotei- Latina e o décimo no mundo a apro-
São Paulo pelo Partido Socialismo ristas para não incluir cenas gravadas var o casamento entre pessoas de
e Liberdade (PSOL) nas eleições nas novelas América, Duas Caras mesmo sexo. Uruguai e Colômbia
deste ano, acabou reacendendo a e Ti Ti Ti. Na Argentina, o tabu foi reconhecem apenas a união civil.
Florianópolis, dezembro de 2010 CULTURA Quatro 19

Em busca de orgasmos alternativos

Técnicas milenares do Oriente são utilizadas pelos ocidentais para prevenir doenças e aumentar o prazer

Daniela Nakamura 14 anos, para evitar dores no parto. Aos como pornografia, quando na verdade é do a perda da energia sexual na ejaculação

A
60 anos, ela dá cursos com seu próprio uma questão de saúde e consciência”, des- há três mil anos. Na prática taoísta, ao reter
método, que desenvolveu pensando na di- tacou a especialista. o sêmen em vez de liberá-lo, o homem terá
lcançar o autoconhecimento
ficuldade da mulher ocidental de perceber Os homens também podem praticar um impulso sexual crescente e conservará
e a consciência corporal pelo
seu canal vaginal. A terapeuta dá ênfase ao pompoarismo. O truque é imaginar que es- sua energia vital. Mas não era tão radical
sexo. É assim que algumas
fortalecimento em direção à região inferior tão sugando algo com o pênis. Outros mé- como parece: uma corrente dizia que a ida-
culturas orientais milenares
da uretra. “Antes de aplicar esse método no todos dizem para segurar a urina por cer- de multiplicada por 0,2 é igual ao número
encaram a sexualidade: um
meu curso, eu pedia para as alunas contraí- ca de dez segundos. O fortalecimento dos de dias de intervalo entre as ejaculações.
caminho para a iluminação espiritual. Para
rem a vagina, e elas contraíam o pescoço”, músculos que seguram o jato urinário trará Por exemplo, aos 20 anos, o intervalo seria
os adeptos dessas culturas, o sexo é impor-
contou. mais controle para a de quatro dias; aos
tante para a revitalização do relacionamen-
“Logo na primeira semana senti uma fir- liberação da ejacu- 40, de oito dias.
to e para expansão da consciência. Como
meza no canal vaginal e meu esposo chegou lação, já que o canal Para o psicólo-
exemplo de repressão da sensualidade, a
a comentar sobre isso, sem saber que eu de saída é o mesmo.
O pompoarismo também go e pesquisador
sexóloga Regina Racco cita a censura do
andar rebolado das mulheres. “Nosso andar
fazia o curso. Foi quando me animei mais “No começo, tinha pode ser praticado pelos em Tantra Philippe
ainda e até hoje pratico. Sentia muita cólica certo preconceito, Bandeira de Mello,
é mole, macio, balançamos o quadril natu-
menstrual, hoje aliviou bastante. O pompo- mas depois pesqui-
homens, para fortalecer do Rio de Janeiro, as
ralmente. Daí dizem que é feio, vulgar, e
passamos a andar como militares”.
arismo deu um novo sentido a minha vida sei sobre a história os músculos que seguram artes sexuais eram
sexual. Me sinto mais mulher”, avaliou a do pompoarismo. vistas como técni-
“O modo como os orientais lidam com o
contadora Luzinete Gonçalves, que segue o Quando comecei a
o jato urinário e cas legítimas para a
corpo é muito mais consciente. Nós somos
criados pensando que os órgãos genitais
método de Regina Racco. Além de melho- praticar, senti uma obter maior controle saúde, integradas à
rar o desempenho sexual, o pompoarismo sensação muito boa Medicina. Segundo
são feios, sujos. Há muita carga religiosa
também pode contribuir para a manutenção e descobri algumas
sobre a ejaculação Mello, a mulher
na educação sexual”, argumentou Regina
da saúde íntima. Evita incontinência uriná- relações com o sexo tem papel principal
Racco. “Nosso corpo é fantástico, mas nem
ria, queda de útero, flacidez vaginal e ajuda tântrico. Desde en- no sexo tântrico, já
sempre descobrimos suas potencialidades.
na recuperação pós-parto e no aumento da tão, faço exercícios na maior quantidade que é considerada a deusa, o sagrado femi-
É como ter uma Ferrari mas não ter carta de
lubrificação. possível”, declarou o policial militar Yuri nino. “Infelizmente, na cultura atual, o ma-
habilitação”, comparou.
A especialista em pompoarismo e perso- Pedrosa, de 23 anos, que atualmente está chismo ainda predomina. O homem é muito
No Ocidente, a obra Kama Sutra se tor-
nal sexy trainer Lu Riva começou a treinar em um curso de terapias naturais. rápido no sexo, e quase sempre busca o pró-
nou célebre, porém com uma fama equivo-
para tentar se livrar de infecções urinárias. Gozar é ejacular? - O sexo tântrico também prio prazer. As mulheres acabam se acostu-
cada de ser um livro picante e erótico. O
Hoje, já curada, Lu dá cursos de pompo- tem origem na cultura oriental. Faz parte do mando com uma vida sexual empobrecida e
Kama Sutra data do século III e é bastante
arismo com seu próprio método, baseado Tantra, filosofia que nasceu na Índia há cin- ficam aquém de suas possibilidades”, disse
diferente dos livros apenas com posições
na dança do ventre, em que as contrações co mil anos e considera a sexualidade como o pesquisador, que aos 55 anos pratica sexo
sexuais encontrados no mercado atual. A
vaginais são percebidas externamente pelo um dos principais caminhos para conseguir tântrico diariamente com sua esposa, de 23
obra surgiu a partir de uma encomenda de
movimento do ventre. “A maioria percebe longevidade e amadurecimento espiritual. anos.
um marajá ao filósofo indiano Mallanaga
a vagina de forma errada, achando que é Na mitologia tântrica, a relação sexual re- Em 1925, o psiquiatra suíço Carl Gustav
Vatsyayana, para a educação sexual de seus
só a vulva, só a parte externa. Mas a vagi- presenta a união entre as divindades Shiva Jung, em sua obra A psicologia da transfe-
filhos. Na Europa, tornou-se um tratado
na é todo o canal muscular”, explicou. Lu (princípio masculino) e Shakti (princípio rência, usou imagens do manuscrito ilustra-
comportamental que caiu no gosto da no-
também contou que uma aluna de 67 feminino), e simboliza a harmonia do Rosarium Filosophorum, de 1550, que
breza. Além do Kama Sutra, o sexo tântrico
anos certo dia lhe telefonou para dos opostos. continha imagens de sexo tântrico. “Jung
e o pompoarismo despertam a curiosidade
contar que havia sentido No sexo tântrico, a falou do Tantra sem perceber”, analisou o
dos ocidentais. Muitos dão risada quando
pela primeira vez um or- ejaculação é conside- pesquisador Mello.
alguém toca no assunto, mesmo sem saber
gasmo. Com treinamen- rada um desperdício de O principal objetivo do sexo tântrico é
ao certo o que é. Mas e você, sabe?
to, ela garante que em energia, e o verdadeiro despertar a kundalini (pronuncia-se kunda-
Ginástica íntima - Não há consensoentre
alguns meses a mulher orgasmo pode ser sen- liní), a energia sexual que fica armazenada
os historiadores sobre a data e a localidade
e o parceiro já sentem tido de outras formas. na base da coluna. Esta energia deve per-
em que surgiu a prática de contrair os mús-
resultados. Depois de No Ocidente, o psica- correr os sete principais chacras do corpo,
culos vaginais. O livro chinês O Tao, escri-
sete meses, em média, nalista alemão Wilhelm que representam pontos de contato do físico
to há mais de cinco mil anos, já falava sobre
a mulher já consegue sugar o Reich, em sua obra A função do com o espiritual. A kundalini é quem acio-
a técnica de pompoar. Outros documentos
pênis com a força da vagina. orgasmo, de 1925, foi um na o movimento e faz a energia chegar até
vêm da Índia, Japão, e países árabes, com a
“Pompoarismo não é só dos primeiros estudiosos o topo da cabeça, no chacra superior, oca-
ideia original de a mulher “abraçar” o pênis
contração, não é ficar a demonstrar que o or- sionando a explosão de prazer. É como se
com a vagina. No início do século passado,
jogando bolinha pela gasmo envolvia todo o orgasmo fosse transportado para cima da
o pompoarismo tornou-se comum em sho-
vagina. Pompoar é o corpo e suas ener- coluna durante a relação sexual. Segundo
ws na Tailândia e nas Filipinas, com mulhe-
ter o domínio sobre gias, e não somente os tântricos, há vários mitos e contos alu-
res apagando velas e jogando bolinhas com
o órgão sexual. No os genitais. sivos a esse processo espiritual energético,
a força da vagina, a exemplo do filme aus-
Brasil, a práti- Os chineses já como o príncipe que desperta a princesa
traliano Priscila, a rainha do deserto, e do
ca ainda é vista haviam constata- com um beijo. “No meu entendimento, o
filme japonês O império dos sentidos, que
simples fato de conseguir adiar o orgasmo,
mostra um ovo sendo expulso pela vagina.
prolongando a relação e tornando o clímax
Hoje, as tailandesas transmitem as técnicas
mais intenso, já é um ganho de qualida-
de pompoar para suas filhas.
de de vida”, opinou o funcionário público
O médico californiano Arnold Kegel
Pedro Amaral, que descobriu a importância
relatou no final da década de 1940 as téc-
do prazer sexual quando começou a tera-
nicas de contração vaginal como um modo
pia reichiana (originária do psicanalista
eficaz de prevenir problemas de saúde,
Wilhelm Reich).
como incontinência urinária. No Brasil, as
primeiras demonstrações de pompoarismo

surgiram na década de 1970, mas vieram
relacionadas a exibições de pornografia e
shows eróticos.
Regina Racco, uma das pioneiras no
ensino das técnicas no Brasil, aprendeu o
pompoarismo com sua avó, quando tinha
+
4
Safada, pervertida, tarada, eram
alguns adjetivos queridos que eu
ouvia. Tive orgasmos intelectuais ao
saber que o tema central do nosso
jornal Quatro seria sexo.
No Tantra, a energia sexual chega à cabeça através de sete chacras Bastidores: http://bit.ly/aXc2zj
20 Quatro
Clássicos pornô fora das prateleiras
Filmes que fizeram
sucesso na década
de 1970 são pouco
procurados pelos
jovens para locação
Leonardo Lima
D
esde o nascimen-
to do cinema que
procurava captar
os movimentos da
vida cotidiana, o
embrião dos filmes eróticos já es-
tava sendo gerado. Nos primeiros
cinematographos de Paris ou Nova
York, já era possível ver sequên-
cias que mostravam o rebolado de
bailarinas sensuais ou mulheres
vestidas com roupões de banho em
posições extravagantes.
Os ancestrais dos filmes por-
nôs como conhecemos hoje foram
os stag films, ou dirty movies. Nas
primeiras décadas do século XX,
filmes curtos em preto-e-branco,
com cerca de sete minutos de du-
ração, começaram como produ-
ções caseiras exibidas ilegalmente
em ambientes fechados fora dos
circuitos comerciais. Na Europa,
esses filmes eram projetados em
bordeis, onde deviam cumprir um
papel de motivação econômica:
despertar o interesse pelos servi-
ços das mulheres da casa. No final
do filme francês Le Telegraphiste
(1926), por exemplo, é envia-
do um “telegrama” à audiência:
“Depois de assistir este filme, pro-
cure alguma bela garota e cuide
bem dela.” A produção europeia
também foi a primeira a mostrar
relações homossexuais entre ho-
mens, incomum nos dirty movies
americanos.
Foi somente após a passagem
dos anos 1930, quando as pin-ups
americanas já haviam substituído
as musas dos stag films, que sur-
giu a inspiração para os clássicos
pornôs dos anos 1970. Os filmes
denominados de explotation con-
sistiam em produções apelativas
com inspiração eróticas. Mas nada
comparado ao que assistimos hoje.
Nesses filmes, a nudez aparecia
apenas de forma velada. Sexo,
somente com uma porta entre a
+
4
No final do processo,
me senti satisfeito por
ter conseguido superar
dificuldades técnicas e
pessoais para escrever
a reportagem. Minha
primeira reportagem
publicada foi mais ou
menos como a primeira
vez de um garoto.
Bastidores:
http://bit.ly/9a3SRV
Luiz Carlos Mendes, proprietário da locadora Extasy, lamenta a ausência de alguns títulos no acervo
câmera e o casal, sem nenhuma
cena explícita. A maior parte das
produções continham também
certo cunho didático-científico ao
alertar contra as doenças venéreas,
nascimento de bebês e o perigo
das drogas. Tudo isso ainda na dé-
cada de 1940.
Vanguarda erótica - Em seu li-
vro O Olhar Pornô (Mercado de
Letras, 1996), Nuno Cesar Abreu
aponta o contexto social dos
Estados Unidos no final dos anos
1960 como o propulsor dos clás-
sicos que viriam a seguir. A revo-
lução sexual e o rompimento das
amarras femininas resultaram em
longas-metragens ficcionais eró-
ticos de grande sucesso. O carro-
chefe dos clássicos foi o filme Deep
Throath (Garganta Profunda,
1972), produzido pelo célebre e
polêmico diretor Gerard Damiano.
O primeiro longa-metragem por-
nográfico com
cor e som foi
realizado du- Atrás da Porta
rante seis dias
em Miami com Verde é considerado
um orçamento
de US$ 24 mil.
primeiro filme do
A produção gênero feito também
faturou poste-
riormente uma para as mulheres
das primeiras
fortunas da in-
dústria pornô: US$ 600 milhões.
Linda Lovelace – nome artístico
de Linda Boreman – foi a atriz
que estrelou Garganta Profunda.
Após denunciar que não recebera
qualquer pagamento para atuar no
clássico e que também fora força-
da pelo seu ex-marido – o diretor
Damiano – a interpretar o papel
da mulher insatisfeita do filme
que tinha seu clitóris localizado
no fundo de sua garganta, Linda
Lovelace tornou-se ativista contra
a indústria pornográfica até mor-
rer, em 2002.
Também dirigido por Gerard
CULTURA
Leonardo Lima
Damiano, outro clássico do cine-
ma pornô foi o filme The Evil in
Miss Jones (O Diabo na Carne de
Miss Jones, 1973) que conta a his-
tória de uma virgem já avançada
na idade que se suicida e, chegan-
do ao inferno, é condenada a um
período de limbo na terra. Durante
a penitência, é incitada sexualmen-
te de todas as formas, vivenciando
o nirvana diabólico da insatisfação
sexual eterna.
Fechando aquela que Nuno
Abreu chama de “santíssima trin-
dade do pornô”, o filme Behind
the Green Door (Atrás da Porta
Verde, 1972) foi um longa-metra-
gem dirigido pelos irmãos Artie e
Jim Mitchell, proprietários da pro-
dutora Mitchell Bros. Com um or-
çamento de US$ 60 mil, sua bilhe-
teria alcançou a casa dos US$ 25
milhões. Foi o primeiro filme por-
nô americano a mostrar sexo inter-
racial e um dos
vanguardistas
ao gravar cenas
de lesbianismo.
Na capa brasi-
leira do filme
em VHS apa-
rece a frase “O
primeiro filme
erótico feito
também para
as mulheres”.
A protagonista era a atriz Marilyn
Chambers (nome artístico de
Marilyn Briggs), e sua participa-
ção causou polêmica. Conhecida
como a casta, pura e perfumada
garota-propaganda do sabone-
te Ivory, Marilyn surpreendeu o
público ao aparecer na tela do
cinema interpretando uma moça
raptada e levada para um secreto
clube de porta verde onde lhe são
reveladas formas inimagináveis de
se fazer sexo.
Clássicos esquecidos - As pro-
duções que marcaram época em
décadas passadas hoje são pouco
Florianópolis, dezembro de 2010
leiras. “Eu fui assistir O Diabo na
Leonardo Lima
Carne de Miss Jones no cinema
e fiquei maravilhado”, lembrou.
“Esse é o melhor filme erótico que
eu já vi até hoje”, acrescentou.
Cruz disse ainda que a procura
pelos clássicos é pequena pois as
pessoas procuram cenas mais ex-
plícitas. “O cliente já não chega
com um título de filme em men-
te. Normalmente, ele escolhe pela
capa e, aqueles que conhecem um
pouco mais, procuram por uma
atriz ou por uma produtora conhe-
cida”, conta Cruz.
De qualquer forma, os filmes
pornográficos ainda são lucrativos
para os que investem no segmento,
seja na produção, patrocínio ou re-
venda, no caso das locadoras. Se,
na segunda metade do século pas-
sado, os clássicos em cartaz nos
cinemas revertiam uma alta mar-
gem de lucro aos proprietários das
conhecidas pelo público mais jo- casas e aos produtores dos filmes,
vem que procura filmes pornôs nas os donos de vídeo-locadoras são
locadoras. A partir do gradual de- categóricos ao afirmar que, hoje,
saparecimento das fitas VHS das a renda é proveniente da locação
estantes, títulos como Garganta pornográfica, que sustenta a per-
Profunda, O Diabo na Carne de manência dos outros gêneros cine-
Miss Jones e Atrás da Porta Verde matográficos nas prateleiras.
não são mais vistos nem mes-
mo nas locadoras especializadas.
Arte Quatro
Proprietário da vídeo-locadora
Extasy, no bairro Kobrasol em
Florianópolis, Luiz Carlos Mendes
trabalha no ramo da locação há 17
anos. Mendes disse ter vendido to-
dos os clássicos eróticos em VHS
e lamenta não ter mais nenhum tí-
tulo disponível em seu acervo que
hoje é composto apenas por DVDs.
“O público até procura pelos eróti-
cos clássicos, mas como eles ainda
não foram lançados oficialmente
em DVD, eu infelizmente não pos-
so oferecer esses filmes”, disse o
proprietário da vídeolocadora es-
pecializada em pornô gay.
Antes da virada dos anos 2000,
a área reservada aos títulos porno-
gráficos na vídeo-locadora Extasy
tinha o dobro do tamanho atual: um
corredor de 3m de comprimento
por 0,5m de largura. O proprietá-
rio revelou ter assistido a todos os
clássicos do cinema erótico, e con-
sidera A História de Joana (1975)
seu favorito. “A produção era bem
diferente na época dos clássicos.
Havia qualidade de enredo e os
filmes eram menos explícitos, ti-
nham toda uma história. Por isso,
os clientes mais antigos preferem
esses filmes, pelo contexto trazido
principalmente pelas produções
italianas”, analisou.
A mesma escassez de títulos
clássicos acontece também na lo-
cadora Megamil, localizada no
Centro de Florianópolis. O aten-
dente Marco Antônio Marques
da Cruz trabalha há 16 anos em
vídeo-locadoras e lamenta o desa-
parecimento dos filmes eróticos da
década de 1970 e 1980 das prate-
Florianópolis, dezembro de 2010
Dançarino contratado para seduzir
Gogo boy há nove anos, Rodrigo Freitas revela as principais dificuldades e exigências de seu trabalho
Monique Nunes
O
primeiro “Clube
das Mulheres”
brasileiro foi inau-
gurado em 1990,
na cidade de São
Paulo. Seu criador, Focca Barreto,
se inspirou em shows dos Estados
Unidos, com homens se apre-
sentando fantasiados para o pú-
blico exclusivamente feminino.
Fantasias de bombeiro, policial,
médico, Don Juan, marinheiro e
tantas outras habitam o imaginá-
rio feminino, que no clube das
mulheres veem homens malha-
dos, dançando de maneira sensual
e despindo estas fantasias.
Conhecidos como gogo boys,
os profissionais defendem que
o trabalho não tem relação com
prostituição ou pornografia, por-
que são apenas apresentações de
dança e não há nudez.
Rodrigo Freitas tem 29 anos,
é morador de Palhoça (SC) e faz
apresentações em Santa Catarina.
Nesta entrevista, o gogo boy conta
mais sobre a profissão, as exigên-
cias e dificuldades de ter o corpo
como objeto de trabalho.
Quatro: Como você entrou para
o ramo?
Rodrigo Freitas: Eu comecei,
na verdade, fazendo concursos que
havia na danceteria New Time, em
Santo Amaro da Imperatriz (SC).
Naquela época, tinha concursos
todos os anos para eleger os novos
performers da casa. Em 2001, eu
fiz e consegui entrar.
Q: Quais os requisitos para ser
um performer?
RF: Hoje, simpatia conta mui-
to, mas também saber dançar, é
claro. O corpo sarado é o básico,
e também conta. Tem muita co-
brança. A pessoa tem que se dedi-
car de corpo e alma. Eu faço dieta
há quase oito ou nove anos, mas
no fundo não vale a pena, porque
se sacrificar pelo seu corpo sai
muito caro. Mas eu amo dançar
e fazer festa. Você vai trabalhar,
fazer uma coisa que gosta e ain-
da sai com um dinheiro no bolso.
Melhor ainda. A gente se diverte
como quem está lá embaixo assis-
tindo.
Q: Como alguém se torna um
performer? Como se prepara?
RF: Na verdade, tem cursos,
como de dança de salão e de street
dance. Só que hoje, uma pessoa
que tenha um corpo legal, seja ho-
mem ou mulher, sendo simpático,
carismático e sabendo dançar um
pouco, já pode se tornar um per-
former. E tem bastante trabalho
nessa área.
CULTURA Quatro 21
Q: As apresentações são voltadas ape-
Fotos: Arquivo pessoal
nas para mulheres ou para homossexu-
ais também?
RF: Para os dois, mas o público gay
exige muito mais o físico sarado. Minha
equipe tem rapazes de corpos normais que
sabem dançar. Então, eles podem ir a uma
danceteria normal pra dançar, mas, numa
casa GLS, já não querem esse rapaz. Eles
querem mesmo o corpo saradão, são bem
chatinhos. As mulheres querem os dois:
gostam das fantasias, mas também gos-
tam de ver o que tem embaixo dela. Elas
não querem um barrigudinho peludinho,
querem um corpo legal. Para as mulheres,
as fantasias preferidas são as de Don Juan
e de marinheiro. Para o público gay, não é
fantasia, eles querem é ver o corpo. Então,
quanto menos peças você estiver usando,
melhor. A gente costuma trabalhar nessas
casas usando só bermuda até o joelho,
eles não querem muito mais que isso.
Q: Rolam muitas propostas das mulhe-
res depois das apresentações?
RF: Bastante. Hoje em dia, a moleca-
da que está começando é capaz de aceitar,
não sei como anda a cabeça deles. Mas,
se quiser se tornar um profissional, tem
que agir como profissional. Se aparecer
alguma proposta, tem que recusar, agra-
decer e deixar sempre na vontade, porque
aí vai ter mais. Como despedida de sol-
teiro: se tem uma delas que quer sair com
você, não saia, porque se ela quiser te ver
de novo, ela que faça uma nova festinha,
uma nova contratação. Assim, eu vou ga-
nhando mais, sempre respeitando e sendo
profissional. Rolam propostas de homens
e mulheres, mas os gays são mais caras
de pau. Eles chegam e falam na cara. Se
a mulher acha um homem bonito ela fala
“que bonito que você é, que lindo”. Já o
gay, ele para na sua frente e fala bem dire- Performer foi casado por cinco anos e garante que a profissão não afeta o relacionamento
to, deixa até a gente meio sem graça.
Q: E dá pra manter sempre o profissio-
nalismo? “Antigamente, chegava a tirar
RF: Sempre fui bem rigoroso. Por
exemplo, se pagarem um show e levarem
R$ 3.000 por mês só pra dançar. Hoje
dez meninas e elas pedirem para tirar a em dia, trabalho fazendo vistoria em
sunga, eu não tiro. Sou bem profissional
nessa parte, porque assim sempre aparece
uma empresa de seguros, mas dançar
outro trabalho, porque fica a imagem de dá uma renda extra que é bacana”
“Pô, rapaziada legal. Veio, fez o trabalho e Corpo sarado é uma exigência
foi pra casa”. É assim que eu faço, porque
se você aprontar em uma festa, queima teu filme. “Pô, o cara veio aqui, tem um retorno. As pessoas tiram muitas fotos, e isso tudo é bem legal.
fez uma bagunça, queria ficar com todo mundo, etc”. Tem que ser profis- Q: Quanto ganha um performer? Tem salário ou ganha por apresen-
sional, ainda mais se você quiser ter uma relação séria com outra pessoa, tação?
para ela poder confiar em você. RF: Ganha por apresentação, mas varia muito. Depende da casa, do
Q: A sua profissão já atrapalhou algum relacionamento seu? local, do cliente. Por exemplo, se é um cliente de renda mais alta e você
RF: Não. Fui casado por cinco anos e me separei por outros motivos. sabe que ele pode pagar mais, você acaba aproveitando e dando um pre-
Mas claro que rola ciúmes. Agora, namoro faz quatro meses e a conheci ço mais alto. Antigamente, dava pra viver só disso, e eu vivia só dançan-
numa festa, e sempre que estou trabalhando ela vai junto. Quando vou do. Chegava a tirar R$ 3.000 por mês só pra ir dançar. Dá pra se manter
fazer show de strip-tease ela acompanha, porque prefiro que ela veja. ainda, mas não dá pra viver, porque se você se machucar ou acontecer
Assim, ela sabe o que está acontecendo. algo com teu corpo, o trabalho começa a diminuir. Se você não cuidar
Q: Qual a parte mais difícil de seu trabalho? com a balança e começar a engordar, deixa de ser escolhido. Hoje em
RF: É deixar de aproveitar a vida, coisas como comer, beber e se dia, trabalho fazendo vistoria em uma empresa de seguros, mas dançar
divertir. Você precisa cuidar sempre da alimentação. Por exemplo, no dá uma renda extra que é bacana.
fim de semana, quer comer pizza e não pode, é bem rigoroso. Fora isso,
adoro minha vida.
Q: E qual a melhor?
RF: É quando você vê que o público está gostando. Você está ali
+4
Custa falar com a estudante de jornalismo aqui? Poxa, eu sou
estudante, mas sou legal, me deem bola! Paulistas são mais
legais, vou pra São Paulo no fim de semana mesmo, marcarei uma
dançando e o público está sorrindo, querendo te cumprimentar, querendo entrevista com o dono do clube das mulheres de lá.
tocar tua mão, falar com você, te elogiar. A melhor parte é que sempre Bastidores: http://bit.ly/alKjNJ
22 Quatro
Esterilização evita sacrifício animal
Projeto de lei pretende substituir carrocinha e prevê campanha de esclarecimento sobre castração
Marina Empinotti
O
Brasil segue a re-
gra da Organização
Mundial da Saúde
(OMS) e desde
1973 controla as
populações de cães e gatos sem
donos através da captura e sacrifí-
cio dos animais pelas carrocinhas.
Este ano chegou ao Congresso
Nacional uma proposta para subs-
tituir esse método, em desuso na
maior parte do mundo, por outro
mais barato, eficaz e digno: a es-
terilização.
O projeto de lei PLC 4/05 é
de autoria do deputado Affonso
Camargo (PSDB-PR). Além de
tornar a esterilização permanente
– cirúrgica ou não - a única for-
ma legal de controle de natalida-
de, prevê também a realização
de campanhas educativas para
conscientizar a população sobre
a posse responsável e a adoção
de animais. Desde a criação da
proposta, 300 mil brasileiros par-
ticiparam do abaixo-assinado em
favor de sua aprovação rápida.
Caso entre em vigor, a nova lei
precisará de apoio dos Centros de
Controle de Zoonoses (CCZs) de
todo o país. Em cidades que ainda
não tem o serviço, serão necessá-
rias novas unidades ou parcerias
com universidades e clínicas ve-
terinárias. Será responsabilidade
desses centros realizar os procedi-
mentos para controlar a superpo-
pulação de cães e gatos da região.
Bichos mal cuidados impli-
cam em consequências visíveis
cotidianamente, como sujeira,
mau cheiro e lesões de pele, mas
também causam consequências
mais sérias. “Animais nas ruas
engrossam estatísticas de doen-
ças sérias, óbitos, gastos públicos,
leitos hospitalares ocupados e até
mesmo acidentes de trânsito”, ex-
plica José Ferreira da Silva, um
dos administradores do CCZ de
Florianópolis.
O caso mais grave é a trans-
missão da raiva, zoonose que
chega ao homem através da saliva
de mamíferos contaminados, prin-
cipalmente cães e gatos nas áreas
urbanas. O índice de mortalidade
do vírus se aproxima dos 100%,
tanto para os animais acometidos,
quanto para os seres humanos. A
vacina obrigatória anti-rábica pro-
tege quase totalmente do vírus,
mas áreas mais isoladas tem pro-
blemas com sua distribuição.
Mais problemas - Há, ainda, ou-
tras doenças graves transmitidas
por animais que podem levar à
morte, como a toxoplasmose e a
leishmaniose. O infectologista
MEIO AMBIENTE Florianópolis, dezembro de 2010
ambas impeçam a reprodução,
Marina Empinotti
a esterilização e a castração são
procedimentos diferentes. O pri-
meiro consiste em impedir o en-
contro das células sexuais através
da ligadura de trompas nas fêmeas
e da vasectomia nos machos. Os
genitais permanecem e o animal
continua cruzando, já que o pro-
cesso hormonal não se modifica.
A castração é a retirada dos órgãos
sexuais (testículos ou ovários e
útero), acabando com os proces-
sos hormonais e, portanto, com
a necessidade de cruzamento do
bicho.
Apesar de mitos cercarem essas
técnicas, como o de que o animal
engordará, a veterinária Kamila
da Silva relata apenas casos de
mudanças comportamentais le-
Mais de 100 cães recolhidos por sofrerem maus tratos esperam no canil do CCZ por novas adoções ves, como maior tranquilidade e
fim de hábitos de fuga, no caso
de gatos. A castração evita, ainda,
Leonardo Lima
Leonardo Lima
muitos problemas de saúde. Nas
fêmeas, a gravidez psicológica e
tumores mamários e nos machos,
vários tipos de tumores e hérnias.
Segundo a Revista Americana de
Investigação Veterinária, a longe-
vidade de um animal castrado au-
menta 24% em machos caninos,
36% em machos felinos, 20% em
fêmeas caninas e 40% em fêmeas
felinas.
As entidades de proteção aos
animais comemoraram a possi-
bilidade de o programa de este-
rilização, e principalmente, de
incentivo à prática de guarda res-
ponsável, se tornarem políticas
públicas. Para os integrantes da
ProAnima de Brasília, é o gover-
no que tem os instrumentos, os re-
cursos, a competência e o alcance
ideal para implantar uma ação de
Gata sendo depilada para início da operação Corte no útero para fazer ligadura das trompas controle populacional.
O Comitê de Especialistas em
Marcos Paulo Guchert alerta para A estudante Bruna Vasconcelos, chos sem custo algum. A iniciati- Raiva da OMS reconhece que a
outros males não tão sérios, mas 22, optou por castrar seu gato va, modelo no Brasil, foi apelida- captura e o sacrifício de animais
muito comuns e de fácil trans- Pierre após vê-lo retornar para da de “vale castração” e realiza 24 não dá mais conta de controlar
missão, sendo exemplos bichos casa agitado e machucado por- cirurgias diariamente, 18 em cães a possibilidade de explosões po-
geográficos e micoses, facilmente que brigou com outros animais e seis em gatos. Seis veterinários pulacionais, nem de zoonoses.
dissipadas atra- disputando as trabalham em conjunto, avaliando Desde 2003, a entidade promo-
vés do contato. fêmeas da re- e operando os animais. ve encontros anuais para debater
Muitos des- gião. “As clí- A ideia surgiu há dez anos, o problema. O mundo tem cerca
ses problemas Bichos maltratados nicas em que quando a então presidente da de 600 milhões de cães e, nos
são frutos do vão parar na rua e fiz orçamento Sociedade Amigos dos Animais próximos dez anos, esse número
descaso com os cobravam em e atual Diretora Municipal da deve dobrar se nada for feito para
animais, não so- transmitem doenças média R$ 180. COOBEA, Maria da Graça Dutra, controlá-lo.
como toxoplasmose,
+4
mente os de rua, Fui ao Centro pensou em projetos para criar uma
mas também os de Zoonoses, entidade que cuidasse de animais A cena da eutanásia
que possuem leishmaniose e raiva mas a fila de abandonados e os disponibilizas- foi muito impactante,
donos. Sem espera era se para adoção. Como a demanda não só por ver ir
cuidados cons- grande e como era muito grande, formalizou e embora a alegria dos
tantes de alimentação e higiene, temia pela vida dele, acabei pa- apresentou as propostas aos can- trabalhadores que tanto
a imunidade dos bichos cai e eles gando”. didatos ao governo municipal da me chamou a atenção
ficam mais suscetíveis a doenças. A Coordenadoria do Bem época, sendo acolhida pela atual nos dias anteriores, mas
Aí entra a importância da castra- Estar Animal (COOBEA) de gestão. O COOBEA, no entanto, por me deparar com
ção, inclusive, pois grande parte Florianópolis oferece aos morado- só foi implantado em 2008. Desde as conseqüências de
dos que estão nas ruas são filhos res do município que ganham até então, 25 mil animais foram cas- tamanha crueldade.
de animais de estimação e foram três salários mínimos por mês a trados lá. Bastidores:
rejeitados quando filhotes. possibilidade de castração dos bi- Castrar x esterilizar - Embora http://bit.ly/b6kW6N
Florianópolis, dezembro de 2010 MEIO AMBIENTE Quatro 23

Poluição modifica ação hormonal

Contaminação da água pode causar puberdade precoce, queda na taxa de esperma e câncer de mama

Juliana Ferreira Muitas populações de animais já em Florianópolis não é contami-

Arte Quatro
foram afetadas por estas subs- nada. “Em nossos mananciais,

O
tâncias, como peixes, aves, crus- por exemplo, no rio Pilões, que
tema qualidade da táceos, tartarugas e mamíferos. abastece grande parte da cidade,
água está receben- Entre os efeitos mais recorrentes a captação é feita quase na nas-
do mais atenção nessas espécies estão a diminui- cente. Então, sabemos que a água
nos últimos anos ção da fertilidade e do sucesso da não recebe descarga de efluentes
devido à presença incubação, deformidades de nas- no percurso ao longo do rio. Na
de um grande número de subs- cimento, anormalidades metabó- parte norte da Ilha, o abasteci-
tâncias químicas artificiais, as- licas, feminilização em machos e mento é feito com poços, que são
sim como algumas naturais, que masculinização em fêmeas. mais seguros, porque ela é filtrada
mesmo em baixa concentração, Quais são os riscos? - Os efeitos também pelo solo”, conclui o bio-
podem ter efeitos perigosos no causados pela presença dos com- químico.
organismo de humanos e animais. postos no organismo humano são Atualmente, os critérios de
Neste grupo, estão incluídos os variados. Em homens, acredita- controle e vigilância da água são
disruptores endócrinos. Também se que as substâncias possam ser estabelecidos pela portaria MS
chamados de desreguladores ou o motivo da queda na média de 518, que entrou em vigor em 25
interferentes endócrinos, eles são espermatozóides e do volume de de março de 2004 e contempla al-
substâncias que podem agir no esperma ejaculado, aumento da gumas substâncias químicas que
funcionamento do sistema hor- incidência de câncer testicular, representam risco à saúde. Entre-
monal de três maneiras distin- anomalia dos espermatozóides, tanto, muitos outros componentes
tas: substituindo ou mudando a crescimento da mama e atrofia prejudiciais não possuem um li-
quantidade de hormônios naturais testicular. Nas mulheres, podem mite de concentração determina-
e bloqueando a ação hormonal. causar câncer endometrial e de do. A portaria está passando por
Eles podem, por exemplo, inter- mama, distúrbios menstruais, um processo de revisão, no qual
ferir no aumento da incidência de abortos espontâneos, diminuição todos os setores interessados po-
puberdade precoce na população da ovulação e, até, infertilidade. dem opinar e contribuir com co-
infantil. Muitas das substâncias químicas mentários. Na opinião do bioquí-
Esses compostos sintéticos po- endócrinas são capazes também mico Prim, “é muito importante
dem chegar à água carregados pela de ultrapassar a barreira proteto- fazer uma legislação que controle
chuva, penetrando no solo, em ra da placenta durante a gestação os índices de disruptores endócri-
lixões ou descartadas por indús- e atingir o feto. Podem, ainda, se nos na água potável. Eu acredito
trias em esgotos ou diretamente fixar no leite e passar para o bebê que um limite de concentração
nos rios. Além do contato através por ingestão. deva entrar em vigor, que deva
da água, os seres estão expostos Uma pesquisa desenvolvida ser exigido das companhias de
aos desreguladores através do uso pela endocrinopediatra Myr- saneamento”.
de agrotóxicos, graxas, óleos, ba- na Campagnoli e realizada pelo Além de uma regulamentação,
terias, pilhas, laboratório a endocrinologista Myrna afirma
solventes, tin- Frischmann que é preciso também que a popu-
Brandão

tas, plásticos e Aisengart, do lação seja informada sobre o que

adesivos. Paraná, sobre Fonte: ACPO 2010 está acontecendo e, ainda, que
As espé- a incidência de novas pesquisas na área sejam
cies sempre se puberdade pre- exames em 526 crianças, realiza- seja imprópria para o consumo. desenvolvidas. “A informação é
adaptaram à coce na popu- dos entre janeiro de 2006 e março Para que o índice limite de con- a nossa maior arma. Infelizmente
ação de disrup- lação infantil, de 2010. Os resultados mostra- centração de determinados resí- em nosso país as providências e
tores endócri- apontou a expo- ram que 89,16% dos adolescentes duos entre para a legislação é pre- mudanças só ocorrem depois de
nos naturais, sição aos desre- pesquisados apresentavam a ante- ciso que a Organização Mundial muitos prejuízos. Quando a po-
encontrados guladores como cipação da puberdade, verificada de Saúde (OMS) avalie os riscos pulação estiver informada sobre a
em alguns ve- uma das pos- pela elevação dos hormônios. reais para a saúde. As companhias qualidade da água que consome e
getais, cereais, síveis causas Cientistas do Brasil e do ex- de saneamento, que se baseiam dos riscos potenciais da presença
plantas, tem- do fenômeno. terior, detectaram, em um estudo nas orientações dadas pelo Minis- de certas substâncias diariamente
peros e frutas. “A antecipação que acontece há cerca de 10 anos, tério da Saúde, que, por sua vez, nas torneiras de suas casas, talvez
Essas subs- da puberdade que resíduos de café, colesterol e segue recomendações da OMS, consigamos mobilizar os órgãos
tâncias não se é multifatorial. hormônios sexuais também pas- afirmam que não podem fazer competentes para que legislem e
acumulam no Com toda cer- sam através do sistema de trata- nada enquanto não existir uma lei fiscalizem o tratamento da água”,
o r g a n i s m o , Tratamento de água na Casan teza a presença mento de água convencional. Os relacionada ao assunto. finalizou.
são decom- das substâncias hormônios sexuais encontrados Segundo o bioquímico da

+
4
postas por ele disruptoras no são provenientes, na maioria das Companhia Catarinense de Águas Confesso que nunca
e podem ser
eliminadas na-
“Não há companhia meio ambiente
contribui e elas
vezes, do próprio organismo hu-
mano. Essas substâncias, produzi-
e Saneamento (Casan), Rafael
Luiz Prim, “nenhuma companhia
havia me deparado com
um tema tão complicado
turalmente em de saneamento no devem ser con- das no próprio sistema hormonal de saneamento no Brasil faz um na produção de uma
um dia atra-
vés da urina.
Brasil que faça um sideradas peças
importantes
ou ingeridas, na forma sintética,
em pílulas anticoncepcionais, por
acompanhamento das concentra-
ções destes resíduos, porque não
matéria. Primeiro porque
eu ainda não tinha
Já os produtos acompanhamento neste quebra- exemplo, são eliminadas na urina é obrigatório. É um custo muito ouvido falar sobre as
químicos
aglomeram em
se desses resíduos ” cabeça, mas não
são as únicas
e chegam às estações de trata-
mento de esgoto. Outra maneira
alto de tratamento e só os labora-
tórios de ponta conseguem fazê-
tais substâncias; depois,
porque assim como eu,
tecidos gor- nem mesmo as de pararem na água, porém menos lo. A gente ainda não tem acesso muitas das fontes que
durosos, não mais importan- comum, é o descarte feito em rios ao processo, mas assim que for procurei também
são eliminados e podem alterar o tes. Devem ser encaradas como por empresas que produzam esses obrigatório, teremos que fazer.” possuíam poucas ou
funcionamento de todo o corpo. fatores coadjuvantes na causa dos medicamentos. Ainda que a companhia de sane- nenhuma informação
Eles submetem humanos e ani- distúrbios de puberdade e não Segundo os padrões de potabi- amento não acompanhe a concen- sobre o assunto.
mais a uma contaminação de bai- como fatores causais exclusivos”, lidade, a presença de compostos tração de alguns disruptores hor- Bastidores:
xo nível, porém de longa duração. diz Myrna. O trabalho contou com químicos não significa que a água monais, Prim acredita que a água http://bit.ly/axTDrf
24 Quatro Florianópolis, dezembro de 2010

+
4 Consegui dois atores, mas não tinha
cenário para a sessão de fotos. O
desespero tomava conta de mim.
Bastidores:
TEXTOS CURTOS SOBRE TEMAS QUE SE ESTENDEM http://bit.ly/ax0gFc

AS DEZ REGRAS DO SEXO ECOLÓGICO 3. AMOR A QUALQUER PREÇO?

APOIE PROJETOS SUSTENTÁVEIS
TEXTO: PAULO JUNIOR
DE COMUNIDADES PRODUTORAS
FOTOS: LEONARDO LIMA E STEPHANIE PEREIRA DE ÓLEOS E SABONETES
ARTE: GUILHERME AUGUSTO TEIXEIRA E LUISA PINHEIRO BIODEGRADÁVEIS EM VEZ
COLABORAÇÃO: RAFAELLA COURY, RODOLFO CONCEIÇÃO, DE CONSUMIR “OSTRAS E
DANIELA NAKAMURA E THIAGO MORENO MARISCOS”, CADA VEZ MAIS
ESCASSOS.

2. FRUTAS DA PAIXÃO
LIVRES DE AGROTÓXICO:
FIQUE DE OLHO SE FRUTAS
SÃO ORGÂNICAS.

1. APAGUE AS LUZES:
ECONOMIZE ENERGIA
ELÉTRICA. USE
VELAS!

5. USE ECOLUBRIFICANTES:
ELES SÃO PRODUTOS À
4. AMOR RECICLADO: BASE DE ÁGUA E NÃO DE
APROVEITE EMBALAGENS PETRÓLEO. A SALIVA É O
RECICLÁVEIS MELHOR LUBRIFICANTE
PARA GUARDAR NATURAL.
PRESERVATIVOS E
OUTROS ACESSÓRIOS!

6. ESCRAVO DA
PAIXÃO, NÃO DO
PETRÓLEO: CUIDADO
COM OS BRINQUEDOS
FABRICADOS COM PVC,
POIS É UM MATERIAL
MUITO TÓXICO E NÃO
E 10...
BIODEGRADÁVEL.

8. CAMA SUSTENTÁVEL:
VERIFIQUE SE A BASE
DA SUA CAMA É FEITA DE
MADEIRA LEGAL.

7. SALVAR A ÁGUA
COM UM AMIGO:
TOME BANHO COM 9. SEXO VERDE:
SEU AMOR. UTILIZE ROUPAS
ÍNTIMAS ORGÂNICAS.

E AÍ... FOI BOM PRA VOCÊ?