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ARTIGO

PROCESSOS EDUCATIVOS E ORGANIZAÇÃO DE FORMAS


COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO EM ASSENTAMENTOS RURAIS
DO MST1

Maria Antônia de Souza2

Resumo: Este artigo tem por objetivos caracterizar as formas de cooperação agrícola
desenvolvidas nos assentamentos organizados pelo MST tendo como fonte relatórios
produzidos pelo movimento e, a partir destes dados, destacar suas estratégias e suas
dimensões educacionais.

Palavras-chave: Organização; Cooperativismo e associativismo

Abstract: This article is have objetive to characterize the forms to agricultural co-
operative society developing in MST base organization, to support informations
developing by MST, to be detached yours strategics and educational dimension.

Keywords: Organization; Co-operative society and association society

1 - Este artigo foi extraído da tese de doutorado intitulada “As formas organizacionais de produção e
assentamentos rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST”. Inicialmente (1999), foi
apresentado no Colóquio Comemorativo de 20 anos da Revista Crítica, editada pelo Centro de Estudos
Sociais, da Universidade de Coimbra, Portugal.
2 - Doutora em Educação e professora no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, na Universidade
Estadual de Ponta Grossa/PR – Brasil. Residente a Rua Santana n. 500, apt. 32 – Centro. Ponta Grossa. Cep.
84010-320. Estado do Paraná, Brasil. Email: masouza@uol.com.br

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INTRODUÇÃO a dimensão educativa do movimento


social.
A discussão sobre as formas de
organização da produção3, em 1. FORMAS DE COOPERAÇÃO
assentamentos rurais do MST, teve início ORGANIZADAS PELO MST
a partir de meados da década de 80,
A cooperação agrícola é entendida pelo
devido ao aumento do número de
MST como “... o jeito de juntar ou somar
assentamentos no país e à necessidade de
os esforços de cada assentado (agricultor
viabilizá-los econômica e socialmente;
individual ou familiar), para fazer coisas
bem como concretizar a idéia de que
em conjunto: comprar ferramentas,
através da cooperação agrícola o
comprar e utilizar máquinas (...) até
assentado pode sobreviver na terra,
chegar ao ponto de ter a terra, capital e
produzindo em maior quantidade e com
trabalho em conjunto ...” (MST, 1997:
melhor qualidade. Assim, as formas
21)
organizativas de produção são pensadas a
partir da idéia de cooperação agrícola,
A cooperação no MST teve seus
seja ela, coletiva, semi-coletiva,
primórdios da organização atrelada aos
associações, entre outras.
grupos coletivos, que eram formados por
pessoas interessadas em participar dos
O objetivo deste texto é caracterizar as
coletivos, geralmente o número de
formas de cooperação agrícola existentes
participantes variava de 10 a 30 famílias.
nos assentamentos organizados pelo
Conforme afirma o MST, os grupos eram
MST, tendo como fonte de dados os
estruturados “com regimentos internos
documentos secundários produzidos pelo
onde constavam os acordos feitos em
próprio Movimento (relatórios e cadernos
assembléias, que orientavam a
de formação); realizar algumas
organização”. (MST/CONCRAB, 1996).
indagações sobre a experiência dos
Esta fase, segundo a CONCRAB, refere-
“Laboratórios Organizacionais de
se ao período de 1980-1986. Era uma
Campo”, os cursos TAC e FIP, enquanto
estratégia dos assentados para sobreviver
estratégias educativas e, por fim, destacar
na terra recém conquistada.

3 Vide CONCRAB: ”4 anos organizando a


Num segundo momento - 87/89 -
cooperação”, 1996. predominaram as associações de

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trabalhadores, buscando melhorias infra- produção nos assentamentos que a
estruturais para o assentamento. A adesão direção do MST desenvolve propostas de
às formas associativas está relacionada à organização da produção, cursos de
obtenção de créditos agrícolas e à compra formação e experiências de coletivos de
de maquinários em conjunto. Portanto, é produção.
também, uma estratégia para iniciar o
trabalho no assentamento, dentro das De acordo com o MST, a influência
condições precárias que vão desde teórica presente nos primeiros grupos e
instrumentos para preparo do solo, associações era, por um lado, religiosa,
orientação técnica até, principalmente, o refletindo sobre os apóstolos e as
recurso financeiro para viabilizar a primeiras comunidades. Por outro lado,
produção. era marcada por idéias de “...Mao Tse
Tung que defendia que as pequenas
No terceiro momento - 89/92 - foi criado associações poderiam ser um embrião
o Sistema Cooperativista dos Assentados (começar pequenas experiências como
(SCA), um setor do MST, tendo como um embrião para chegar às
objetivo o trabalho com todos os cooperativas.”(MST/CONCRAB,Caderno
assentamentos rurais, independente da de Cooperação Agrícola, nº 5, 1997)
forma de cooperação adotada ou forma
de organização do trabalho. A cooperação agrícola nos assentamentos
rurais organizados pelo MST pode ser
Conforme descrito no Caderno número 5, realizada de várias formas, a saber4:
de Cooperação Agrícola do MST, é a grupos de famílias; associação5 ou
partir de 1984 que a questão da produção
torna-se preocupante. De um lado, o 4 Caderno de Formação do MST - n.21
5Diferenciação entre - grupo coletivo, associação
número de assentamentos é ampliado e,
e cooperativa. ASSOCIAÇÃO É uma entidade
de outro, a produção de subsistência civil sem fins lucrativos. Presta serviço aos
associados. O dinheiro que sobra, ao final do ano,
estava predominando nos mesmos, o que deve ser reinvestido. Não paga imposto para o
Estado. Possui estatuto e regimento interno, em
significava pensar que no futuro os caso de associações com muitos sócios. Não tem
capital, tem bens. COOPERATIVA tem fins
assentados poderiam enfrentar problemas lucrativos, cada sócio poderá receber os
semelhantes aos dos pequenos dividendos sempre que sobrar. Paga imposto ao
Estado. O estatuto deve seguir um modelo padrão
produtores, ou seja, falta de recursos - INCRA. Tem capital. Para ser sócio o
trabalhador precisa entrar com uma quota
econômicos para trabalhar na terra. É (estipulada pela assembléia). A cooperativa está
vinculada ao INCRA. Pode exercer atividades
com a preocupação de viabilizar a comerciais, conforme suas condições. GRUPO

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grupos de máquinas; grupo de produção
semi-coletivizada; grupo de produção
coletivizada; cooperativa de
comercialização; cooperativa de
produção agropecuária (CPA);
condomínios e cooperativas de crédito
rural. No entendimento do MST, a
cooperação agrícola é um processo que se
justifica por razões econômicas, sociais e
políticas6.

COLETIVO é a forma de cooperação mais


simples. Não precisa de Estatuto, organizam-se
comissões, confeccionam o regimento interno e o
plano de produção. Diferenciação extraída de
GOERGEN & STÉDILLE (orgs.) Assentamentos.
Petrópolis: Vozes, 1991. Tal diferenciação está
descrita, também, no Caderno de Formação do
MST, nº 20, 1993.
6Vide MST - Caderno de Cooperação Agrícola,
nº 5, 1997.

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As principais formas de cooperação agrícola são


CARACTERÍSTICAS GRUPO ASSOCIAÇÃO COOPERATIVA
COLETIVO

QUEM PARTICIPA Vizinhos, Famílias. Homens e Famílias. Homens,


parentes ou às vezes também mulheres e jovens
amigos. mulheres acima de 16 anos
Geralmente só
homens.

Nº DE SÓCIOS Geralmente Entre 20 e 400 Nº mínimo exigido


abaixo de 10 conforme o tipo por lei: 20
pessoas

FORMA DE Combinação Assembléia Assembléias.


PARTICIPAÇÃO NAS verbal entre todos Conselhos dos
DECISÕES os membros do Representantes dos
grupo setores.

PARA QUE SE Geralmente para: Geralmente para: Para:


JUNTAM * Compra de * Prestação de * Organização
implementos serviços de comércio coletiva da produção
* Venda de e transporte, etc. e comercialização
produtos * Encaminhamentos * Criação de
Construção de das reivindicações da agroindústrias
benfeitorias comunidade
* Ajuda mútua no
trabalho

USO DA TERRA Geralmente Individual e semi- Semi-coletivo e


individual coletivo coletivo

DIVISÃO DO No máximo Formas simples de Especialização do


TRABALHO mutirões de ajuda divisão social do trabalho através dos
mútua trabalho setores de atividades

* Não tem * Precisa de estatuto * Tem estatuto


ESTATUTO E estatuto * Pode ter registro regulamentado pela
REGISTRO * Geralmente não interno lei Cooperativista
tem regimento * Não pode ter bloco * Deve ter registro
interno de notas fiscais interno
* Quando existem * Pode ter bloco de
registros, os produtor e notas
principais são os fiscais
contratos * Deve ter registro
assinados por oficial da
todos contabilidade
FONTE: MST, Caderno de Formação, n. 20, p. 32, 1993.

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Segundo o MST, para organizar uma satisfeitos, não existirá forma
de cooperação que possa ir
Cooperativa de Produção Agropecuária
para frente;
(CPA) é necessário: proximidade do d) respeitar as várias formas de
associativismo, descobrir
mercado consumidor; ter um projeto de
formas de combiná-los;
desenvolvimento para as áreas, e) estimular a organização de
cooperativas como uma etapa
previamente elaborado; produzir o que
superior da socialização e da
individualmente não se consegue e a terra cooperação agrícola;
f) garantir que o processo de
deve ser coletiva.
desenvolvimento da
cooperação agrícola não
represente apenas avanços
A linha política do MST, denominada
econômicos, mas que seja
“produção: assentamentos e cooperação acompanhado por um processo
de discussão política e de
agrícola”7, destaca os seguintes pontos integração dos assentados, nas
para o desenvolvimento da cooperação lutas e movimentos sociais;
g) dar prioridade à implantação
agrícola: do Sistema Cooperativista dos
Assentados (SCA), que
1) estimular e desenvolver todas as compreende:
formas possíveis de cooperação agrícola - formação de Cooperativas
nos assentamentos como uma política de Produção Agropecuária
capaz de gerar o desenvolvimento rural (CPA), a nível de
permanente e que leve ao aumento da assentamento, para organizar
produtividade e da produção; coletivamente toda produção,
2) o estímulo à cooperação agrícola deve armazenagem, transporte e
ser rígido na aplicação dos princípios e benfeitorias;
flexível em relação às formas de - formação de Centrais
cooperação agrícola. Os princípios são: Cooperativas Estaduais dos
Assentados, aglutinando as
a) a cooperação agrícola como CPA’s e outras formas
organização econômica está associativas, para organizar
inserida no sistema econômico coletivamente o comércio, o
vigente na sociedade, ou seja, transporte, projetos
apesar dela ser uma forma agroindustriais, linhas de
socialmente avançada de crédito rural e convênios de
organizar a produção na assistência técnica e
agricultura, por si só não administrativa contábil;
derrotará o capitalismo; - formação de uma
b) os assentados devem aderir Confederação Nacional das
voluntariamente a qualquer Cooperativas de Assentados,
forma de cooperação; aglutinando todas as centrais
c) se os interesses econômicos estaduais, para defender os
dos cooperantes não forem interesses do sistema, gestionar
recursos junto aos governos,
realizar planejamento de médio
7 Vide MST, Documento Básico do MST,
Piracicaba (SP), 1991.

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e longo prazo e atuar no seminário sobre as perspectivas da
comércio externo.
cooperação no MST.
De acordo com o MST (1997), a primeira
discussão sobre o Sistema Cooperativista Os principais objetivos da cooperação
dos Assentamentos (SCA) aconteceu agrícola para o MST, conforme Stédile e
entre 1989 e 1990, com a formulação de Gorgen (1991), são: alcançar condições
linhas políticas para a organização dos objetivas e materiais de organização do
assentados e da produção. No ano de trabalho e da exploração de recursos
1990 foi realizado o I seminário sobre as naturais, que representem aumento da
experiências de cooperação agrícola, produção; aumento da produtividade do
dando início ao SCA, que passou a ser trabalho e da terra; aumento da renda e,
um dos setores do MST. Em 1992, por conseguinte, melhoria das condições
aconteceu o I Curso Nacional de de vida; condição para o progresso social,
dirigentes do SCA; foi fundada a com melhorias do bem-estar social,
Confederação das Cooperativas de possibilitando acesso à educação, à
Reforma Agrária do Brasil Ltda. saúde, luz elétrica, água encanada,
(CONCRAB). Durante o ano de 1993, telefonia, estradas, etc; contribuir para a
em meio a crises no interior do SCA e organização da classe para conquistar a
tendo constatado problemas de ordem Reforma Agrária.
administrativa, o MST criou o TAC
(Curso de Técnico em Administração de De acordo com Goergen e Stédile (1991),
Cooperativas), cujo objetivo é formar o desenvolvimento da cooperação
jovens assentados, para a atividade de agrícola nos assentamentos depende das
técnico agrícola nos assentamentos. No condições objetivas (aspectos físicos da
ano de 1994, foi realizado o Seminário terra, mercado, maquinários) e subjetivas
Nacional sobre a perspectiva da (grau de consciência, nível cultural,
cooperação agrícola, discutindo a crise conhecimento técnico em relação à
nas CPAs e Coletivos, bem como agricultura, à mecanização e a métodos
perspectivas para a cooperação no MST. administrativos) presentes na
Em 1995, foi fundado o Instituto Técnico comunidade.
de Capacitação e Pesquisa da Reforma
Agrária (ITERRA). Em 1996, o SCA Assim, eles ressaltam que: “A
começou o debate sobre a massificação experiência do processo de organização
da cooperação agrícola e realizou o II da cooperação agrícola nos

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assentamentos, é fruto tanto do organização da empresa rural e a
amadurecimento político e doutrinário agroindústria; a assistência técnica
do movimento, enquanto organização integrada e a comercialização em grande
social sobre esse assentamento, quanto escala.
da própria experiência e
amadurecimento, com pontos positivos e Desenvolver a cooperação agrícola nos
negativos, de cada grupo em particular”. assentamentos rurais constitui, então, um
(Göergen & Stédille, 1991:148) desafio tanto para as lideranças do MST -
que procuram discutir, mostrar
Quando o MST surgiu, em fins da década experiências positivas para os assentados
de 70, a principal preocupação era com a - quanto para os trabalhadores rurais sem-
“conquista da terra”, mas a forma de terra, que possuem uma visão individual
trabalhar dependeria de cada trabalhador. e “familiar” de trabalhar a terra. Ou seja,
Os trabalhadores adotavam as roças histórico-culturalmente os trabalhadores
comunitárias, como primeira estratégia de rurais estiveram subordinados à forma de
produção. O trabalho coletivo era apenas trabalho decidida, a priori, pelo patrão ou
uma proposta, concretizada em algumas estiveram decidindo autonomamente o
associações formadas por um número que como produzir e comercializar.
pequeno de famílias. Portanto, o que querem no momento
imediato da conquista da terra é ter poder
A partir de meados da década de 80, de decisão juntamente com o sucesso
quando o movimento começa a se econômico.
expandir nacionalmente, aumenta o
número de assentamentos, inicia-se a A primeira polêmica por parte dos sem-
preocupação com a “viabilidade” da terra está relacionada com a forma de
Reforma Agrária perante a sociedade e, divisão dos frutos obtidos do trabalho
consequentemente, com novas formas de coletivo: “Quem trabalhar mais, vai
organizações sócio-econômicas dos ganhar igual aquele que trabalha pouco?”
assentamentos rurais.
Outra polêmica se relaciona ao “quem
Nesse sentido, a preocupação com a decide?”, pois trabalhadores que quase
organização interna do assentamento gera sempre tiveram tarefas determinadas por
discussão sobre: a constituição dos outros, vivem o desafio de decidir
grupos coletivos (pequenos, grandes); a individual ou coletivamente como

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trabalhar a terra. O que eles sabem é que maioria, almejava tornar-se um pequeno
não querem mais receber ordens, produtor.
portanto, emerge a necessidade de
desenvolver um processo participativo de 2. AS “ESTRATÉGIAS
gestão do assentamento rural, no qual EDUCATIVAS” DO MST: LOC8,
TAC E FIP
eles se vejam como verdadeiros
protagonistas do seu futuro. Daremos destaque ao LOC, TAC e FIP
enquanto três dimensões educativas

Portanto, as formas de organização da técnicas e ideológicas do MST, que

cooperação sofrem um processo de objetivam a disseminação de formas de

aprimoramento no interior do MST e dos cooperação nos assentamentos. A

assentamentos. Os cursos de formação e primeira experiência – LOC –

as práticas coletivas indicam necessidade desenvolveu-se até a primeira metade dos

de revisões no processo de anos 90, tendo sido caracterizada como

gestão/participação dos sócios, na uma experiência que não deu frutos, pelo

cooperativa, por exemplo. Necessitam de menos no estado do Paraná. Do ponto de

mudanças em termos culturais, como o vista educacional, trata-se de uma técnica

caso das práticas tradicionais de cultivo reprodutora de conteúdos, como veremos

da terra. Neste sentido, o MST organiza a seguir, caracterizando-se pelo que

experiências “educativas” tais como o Paulo Freire denominava de educação

TAC, FIP e LOC, esta última cujo bancária, enquanto concepção de

objetivo central era a formação de educação que entende os alunos como

cooperativas coletivas, foi extinta devido passivos e aptos a receber conteúdos

à inadequação do método, ou seja, os transmitidos pelo professor, considerado

resultados obtidos com os LOC não o centro do saber e do processo de

foram suficientes para ampliar a aprendizagem. Com relação ao TAC,

experiência dos coletivos e das trata-se de uma experiência recente no

cooperativas de produção. Além da interior do MST, que objetiva tanto a

inadequação do método, uma questão escolarização em nível de 2º grau, quanto

importante a destacar refere-se ao 8 - Navarro (1995) desenvolve uma reflexão


distanciamento entre a ideologia sobre o “MST e sua teoria da organização”, no
interior de sua pesquisa intitulada “Ideologia e
defendida pelas lideranças do MST e o economia: formatos organizacionais e
desempenho produtivo em assentamentos rurais –
contexto cultural da base que, em sua o caso do assentamento Nova Ramada, RGS”,

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a formação técnica dos assentados, para o
trabalho nas áreas que desenvolvem O conteúdo proposto por Morais indica a
alguma das formas de cooperação. O FIP utilização de uma pedagogia com
– Formação Integrado à Produção – trata- fundamentos em práticas dirigidas e
se de uma experiência local, características de uma educação
desenvolvida no assentamento Novo ‘bancária’9. Destaca vícios existentes
Paraíso, onde o objetivo central era a entre os assentados e como combatê-los.
instrumentalização técnica e a formação São vícios presentes nas formas
ideológica para a continuidade da luta no artesanais de trabalho, do tipo:
MST. Na sequência comentaremos as individualismo, personalismo,
características centrais do LOC. espontaneísmo, anarquismo, imobilismo,
comodismo, radicalismo,
2.1 Laboratório Organizacional de liquidacionismo, aventureirismo e auto-
Campo
suficiência. As formas para combater os

O experimento denominado Laboratório vícios são: vigilância, crítica e reunião.

Organizacional de Campo faz parte da


“teoria da organização no campo”, O MST defende as referidas idéias,

difundida pelo MST e fundamentada nas quando as reproduz nos cursos de

idéias e propostas de Clodomir Morais, o formação política e nos cadernos de

idealizador do referido Laboratório. formação. Desenvolve-se uma pedagogia


caracterizada pela transmissão de

Morais (1986) organizou um caderno de conhecimentos; rotulação das formas de

formação do MST, intitulado “Elementos saberes dos sem-terra, enfim, o

sobre a teoria da organização no campo”, predomínio da idéia que a concepção do

onde discutiu as seguintes temáticas: grupo dirigente é a ideal. A trajetória

origens da organização do trabalho; social do trabalhador que participa do

comportamento ideológico de estratos movimento é ignorada, tornando-se um

emergentes; vícios determinados pelas ‘vício’, quando poderia ser ponto de

formas artesanais de trabalho;


mecanismos ou instrumentos para denomina de um suposto processo educacional.
9 - Nos referimos à educação bancária, como
combater os vícios das formas artesanais termos freirianos, com o significado de que o
professor detém o saber e transmite-o para o
de trabalho e o Laboratório Experimental. aluno, para que este o reproduza. O conhecimento
é trabalhado na forma de depósito de conteúdos,
destacando as origens da técnica LOC, que selecionados pelo professor.

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partida para a discussão da organização creche, no setor de formação, etc.”
no campo. (MST, 1993, p. 31).

Conforme Morais (1986:40), o Entretanto, tal proposta esquece do maior


laboratório experimental “... é um ensaio interessado - o trabalhador assentado -
prático e ao mesmo tempo real no qual se cujo ideal tem sido reconstruir um modo
busca introduzir em um grupo social a de vida diferente, autônomo. Será que o
consciência organizativa que necessitam trabalhador assentado tem o ‘desejo’ de
para atuar em forma de empresa ou ação não ser agricultor? Várias pesquisas têm
organizacional.” A concepção de práxis demonstrado que o sem-terra quer ter o
que permeia o processo demonstra outra “seu pedaço de terra”.
redução nesta dimensão educativa, ou
seja, não é atribuída importância à Navarro (1995), relatando a experiência
interação como elemento do processo do Laboratório Organizacional de Campo
ensino-aprendizagem, muito menos à no assentamento Nova Ramada/RS,
bagagem cultural dos cursistas. questiona a proposta e a prática do MST
na organização político-ideológica da
Os objetivos do laboratório experimental cooperativa. Afirma que este experimento
são: “... formar quadros organizadores constitui uma “simplificação de um
de empresas e ao mesmo tempo (...) processo dito como educacional.” (p. 14).
formar técnicos na montagem e
desenvolvimento de Laboratórios D’Aquino (1996), refletindo sobre
Experimentais ...”(MORAIS, 1986: 40). ‘modos de vida, modos de ser, tempo e
espaço no assentamento’ afirma que “... o
Para o MST, o objetivo central do MST usa essa pedagogia denominada
Laboratório é constituir-se num “laboratório de campo”, em busca de
aprendizado para a formação das construir um novo universo simbólico
cooperativas nos assentamentos, que resulte num novo cotidiano” (p. 17).
acreditando que a ‘profissão de Entretanto, a autora demonstra, através
agricultor’ desaparecerá através da dos fragmentos de depoimentos dos
setorização da produção, “uns vão estar assentados, a recusa ao trabalho coletivo;
na lavoura, outros no setor de animais, medo de trabalhar cativo; discordância
outros no da horta, outros na cozinha, na com relação à distribuição igualitária dos
resultados do trabalho. Os assentados

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criam a alternativa da cooperativa de organização dos assentados é precária,
comercialização que, segundo eles, predominando associações de compra e
eliminaria a figura do intermediário e venda de produtos.
facilitaria as compras dos insumos
agrícolas. Sobrado (1992) traz algumas reflexões
sobre o Laboratório Organizacional, tais
O assentado demonstra medo de trabalhar como: diferenciar método de técnica e
“cativo”, enquanto que o laboratório de discernir os pressupostos que sustentam o
campo parece induzir ao controle rígido: método. Afirma que o Laboratório
horários, setores de trabalho, Organizacional consegue capacitar quando
laboratoristas. Na verdade, o laboratório corresponde às necessidades criadas pela
de campo é um experimento artificial e prática da organização.(p. 3, tradução
des-colado do cotidiano e da trajetória do nossa).
assentado; é algo a-histórico que Conforme Sobrado (1992, p.11), as
pressupõe o trabalho com sujeitos principais características do Laboratório
“passivos” que precisam ser são: o interesse comum que aglutina os
conscientizados, através de um processo participantes; a capacitação, cujo objetivo
rígido de educação. E a democracia, a é criar bases para uma forma de
participação, a liberdade do assentado, organização e a realização das atividades
quando aparece? de capacitação após o trabalho do
cotidiano e não em tempo integral.
A experiência do laboratório de campo
não trabalha com a questão da O Laboratório de Campo constituiu uma
heterogeneidade cultural. Há uma prática do MST, objetivando “massificar a
homogeneização das pessoas em função cooperação” nos assentamentos.
dos objetivos do experimento. As pessoas Entretanto, não trouxe os resultados
se tornam tábulas rasas e os laboratoristas esperados. Oliveira (1996) trata da questão
os “repassadores” de conteúdo. Assim, a “massificação da cooperação nos
resistência dos assentados à cooperação assentamentos”, enfatizando-a como uma
demonstra que esta “pedagogia’ não necessidade. Entende que a Cooperativa de
funciona. Um exemplo concreto é o Produção (CPA) é a forma mais avançada
assentamento Santo Rei, primeiro local de cooperação, porém não massifica. As
do estado do Paraná, onde foi cooperativas de Prestação de Serviços e a
desenvolvido o LOC, no entanto, a Cooperativa de Produção e Prestação de

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Serviços (CPPS) são formas passíveis de O LOC constituiu-se, enquanto uma
massificação. experiência predominante até meados dos
anos 90, no interior do MST. Foi uma
Durante o II Seminário Nacional sobre as tentativa de ensinar aos assentados o como
perspectivas da cooperação no MST se organizar no assentamento, objetivando
(1996), foram arrolados os desvios que a viabilização econômica do mesmo. Ao
aparecem nos assentamentos mesmo tempo, os trabalhos, cursos
(economicismo, social-democracia, desenvolvidos durante o LOC, objetivaram
comodismo, peleguismo e corporativismo) a construção da cooperativa coletiva,
e os desafios gerais (organizar a produção, entretanto, como afirma um dos assentados
massificar a cooperação, trabalho “durante o laboratório de campo só
ideológico permanente, garantir a direção tivemos cursos e, nós precisamos de
política nas regiões, como os assentados prática, que o professor venha até o lote
vão contribuir com a estratégia geral do de um e de outro e explique o por que das
MST). coisas, o como fazer.... não adianta ficar
só em curso, é preciso vim para prática e
Esta concepção de desvios e desafios seria no próprio lote.... hoje no meu,
apontada pelo MST (1996), indica que o amanhã no do vizinho e assim por diante,
movimento está preso a um velho constituindo grupos de pessoas que
paradigma revolucionário, não compatível acompanhariam o professor no trabalho
com os anseios dos assentados. A principal nos vários lotes...” (assentado participante
crítica a estes encaminhamentos do MST, do LOC, 1989, assentamento Santo Rei).
em nossa opinião, refere-se à exclusão do
assentado enquanto participante no sentido 2.2 Curso Técnico em Administração
Cooperativa
de opinar, propor e expor seus anseios. A
busca da consolidação da cidadania,
Os dirigentes do MST organizaram um
apontada como uma das características do
curso de Técnico em Administração
MST, não é compatível com a “cidadania
Cooperativa – TAC – ministrado em
ativa”, com atores sociais que possuem
Veranópolis, no Rio Grande do Sul. Os
saberes, sejam eles técnicos, empíricos,
objetivos10 gerais e específicos do curso
intuitivos. O grande problema é
são:
justamente ignorar o saber do sem-terra, na
tentativa de manipulá-lo.
10 - Extraído do documento Proposta
Metodológica. Curso alternativo de 2º grau,

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Capacitar quadros organizadores A organização do curso contempla o
e técnicos para o Sistema
Cooperativista dos Assentados – tempo escola e o tempo comunidade,
SCA – a nível nacional; onde o objetivo é que os alunos
aprofundar a discussão e
elaboração sobre a concepção de desenvolvam um processo de pesquisa
Desenvolvimento Rural das
organizações dos trabalhadores em áreas de assentamentos11. Os alunos
rurais e, em específico o MST;
são oriundos de assentamentos ligados ao
desenvolver no grupo a
consciência organizativa e a SCA ou pertencentes a cooperativas ou a
mentalidade empresarial e ética
necessárias para a implementação associações de pequenos agricultores.
da cooperação agrícola; capacitar
os alunos em gestão empresarial
cooperativa, dando ênfase às Um dos itens presentes na filosofia do
habilidades técnico-
administrativas; aprofundar o curso refere-se à mudança de mentalidade
conhecimento sobre a proposta do entre os participantes, como descrito na
SCA e sobre o tipo de
desenvolvimento rural que proposta metodológica do curso:
pretendemos construir;
desenvolver habilidades
pedagógicas na perspectiva de A Cooperação Agrícola exige
uma educação cooperativista e de uma mudança de mentalidade:
uma metodologia de trabalho de do individual para o coletivo.
base para a implementação da Cada indivíduo (ou grupo)
proposta do SCA e do MST como precisa descentrar-se de si
um todo; fortalecer a formação mesmo e passar a enxergar o
político-ideológica do grupo, mundo com os olhos do coletivo.
ampliando seu universo de Além disso, a cooperação supõe
conhecimentos gerais e sua a eliminação das relações sociais
capacidade de análise da de coação (autoritarismo) e a
realidade ... construção de relações
verdadeiramente democráticas.
Esta mudança de mentalidade
Os objetivos gerais da etapa são: (valores, comportamentos
“organizar uma empresa associativa do ideológicos cotidianos) somente
acontece através de um processo
tipo cooperativista e gerenciá-la com permanente e sistemático de
educação das pessoas no
mentalidade empresarial; desenvolver no
coletivo. Processo que será tanto
grupo a consciência organizativa mais rápido quanto maior a sua
vinculação com as relações de
necessária para dirigir uma empresa trabalho reais entre os sujeitos
complexa; assumir a gestão democrática envolvidos e deles com o
mercado.
da etapa e do curso”.

11 - O curso é desenvolvido durante 2 anos, em 6


etapas, sendo intercalado o tempo escola – aulas
teóricas e gestão da cooperativa criada na escola –
e o tempo comunidade – referente ao retorno dos
Técnico em Administração de Cooperativas. 2ª alunos às suas áreas de origem ou estágios em
turma, 1993. Braga/RS. outros assentamentos.

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO
O TAC constitui-se numa experiência curso, de um dos alunos, há a constatação
inovadora, tanto enquanto escolarização da ausência de participação dos sócios no
dos jovens assentados, quanto na processo de gestão das cooperativas
formação político-ideológica para a coletivas, demonstrando que a carga de
cooperação agrícola. Uma das dinâmicas trabalho fica por conta dos membros da
do curso é que os alunos, desde o início, direção, ou seja, falta o sentimento de que
gerenciem uma espécie de cooperativa, a cooperativa é de todos.
com todos os elementos necessários para
o funcionamento da mesma. Constitui-se, Em seguida caraterizaremos o FIP,
também, num espaço de transmissão de enquanto curso de formação
conhecimentos que devem ser desenvolvido a nível local, no
reproduzidos nos assentamentos, assentamento Novo Paraíso –
incluindo o trabalho político. Cooproserp.

Com relação ao objetivo de transformar a 2.3 Curso de “Formação Integrado à


Produção” - FIP
mentalidade, do individual para o
coletivo, os próprios alunos formados no
O curso FIP, realizado na Cooperativa de
curso têm destacado que, quando
Produção – Cooproserp – município de
retornam para o assentamento, o trabalho
Pitanga, foi promovido pela própria
é muito difícil, pois há a questão dos
cooperativa e Cooperativa Central de
costumes das pessoas, portanto, as áreas
Reforma Agrária do Paraná – CCA-PR,
que já têm projetos coletivos, continuam
no ano de 1992, tendo a participação de
desenvolvendo seus projetos, com a
54 pessoas. Os objetivos gerais e
orientação do técnico, mas nas áreas em
específicos, conforme consta no projeto
que há apenas alguma forma de
do Fip, foram os seguintes: viabilizar
associação, torna-se difícil articular o
economicamente o assentamento Novo
coletivo. Um dos alunos formados em
Paraíso; obter uma consciência
1996 destaca que na teoria a proposta do
organizativa e empresarial da
TAC funciona muito bem, gerenciando
Cooproserp – enquanto objetivos gerais.
uma empresa, durante o curso, no
Capacitar os associados em diferentes
entanto, no assentamento, encontram
áreas de produção; aumentar a
dificuldade em trabalhar com a
organização empresarial da
diversidade de opiniões e a diversidade
Cooperativa; melhorar as técnicas de
cultural. Num dos trabalhos de final de

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
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produção da cooperativa e capacitar que disse um dos participantes do LOC,
pessoas na área de administração e ou seja, o curso tem que ser desenvolvido
contabilidade – enquanto objetivos a partir dos problemas de cada lote, no
específicos. caso, na Cooperativa, os problemas do
coletivo. Constatamos, através das
As justificativas apresentadas pelos entrevistas, que todos os sócios da
promotores do curso, para a realização do cooperativa participaram do curso,
mesmo foram: enfatizando sua importância,
principalmente em termos dos
A Cooperativa em seu tempo de conhecimentos técnicos obtidos e, a partir
funcionamento não conseguiu se
viabilizar economicamente; os do aperfeiçoamento de cada um dos
associados não são capacitados assentados, num setor de produção,
para desenvolver trabalho e
atividades da Cooperativa, tendo conseguir melhorar tanto o planejamento,
um baixo rendimento e
produtividade; não se tem uma quanto a própria atividade desenvolvida.
organização empresarial em Destacam os cursos de pecuária e
nível satisfatório que necessitam;
as técnicas de produção da veterinária, como importantes para quem
Cooperativa são muito
trabalha no setor de gado e de suínos; os
rudimentares e com pouca
produção, o que ocasiona baixa cursos sobre funcionamento da
renda econômica dos associados;
a Cooperativa não possui cooperativa e a parte de contabilidade,
pessoal capacitado na área de
para aqueles que são responsáveis pela
administração (...) visa superar
muitas dificuldades que hoje a administração. Enfim, as falas
Cooperativa enfrenta, despertar
a consciência organizativa demonstram a necessidade e a relevância
empresarial dos participantes, de tais cursos, que são direcionados para
incentivar o surgimento de
outras associações dentro dos que se possa refletir sobre os problemas
assentamentos da região,
melhorar o nível de tecnologia que estão sendo vividos no cotidiano da
da produção do assentamento, área, no caso, o coletivo/Cooperativa.
diversificar a produção agrícola
e pecuária, obter um
planejamento para atender as
Com relação aos aspectos de
necessidades da cooperativa,
elaborar projetos na área de conscientização e de mentalidade
produção (Projeto do FIP,
1992:78) – (grifo nosso). empresarial, os assentados não fizeram
comentários, o que demonstra não ser o
O curso FIP foi organizado a partir das prioritário para o momento. O que se
necessidades dos sócios da Cooperativa – caracteriza como preocupação política-
Cooproserp – o que vai ao encontro do ideológica do MST, até como estratégia

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO
de continuidade da luta e ideologia do econômica, despertando nos
Movimento, não aparece como relevante participantes a importância dessa
para os assentados, que necessitam de atividade para a subsistência e como
conhecimentos técnicos para a fonte de renda, capacitar tecnicamente os
organização da produção. Alguns interessados nesta área de produção.
assentados destacaram que quando Contabilidade: preparar os sócios que
chegaram ao assentamento não sabiam possam realizar os controles necessários,
trabalhar nem com gado nem com suínos, visando garantir uma boa administração
dois setores existentes na Cooperativa, no do patrimônio da sociedade cooperativa.
entanto, hoje, um dos assentados, tornou- Cooperativismo: expandir o
se o responsável pelo setor de suínos, conhecimento e a doutrina
cuja criação é feita de forma extensiva. cooperativista, aprofundar especialmente
na proposta alternativa do SCA. Manejo
O currículo do curso foi composto pelas e conservação do solo: mostrar às
seguintes disciplinas e objetivos: Teoria pessoas a importância de conhecer o
da organização, com o objetivo de solo, para que possam manejá-lo da
oferecer elementos de teoria da melhor maneira possível, sem degradá-
organização para alcançar o processo lo. Medicina Alternativa: capacitar
organizativo dos participantes do curso; agentes no conhecimento da medicina
Manejo de Gado leiteiro, cujo objetivo alternativa, a fim de que estes participem
foi introduzir os princípios da produção dos debates dos problemas que envolvem
leiteira e suas aplicações às condições a saúde da comunidade. Culinária, com
econômicas e produtivas da região, da objetivo de desenvolver um planejamento
abrangência da Cooproserp e contribuir das refeições de modo a obter valor
com os elementos técnicos para o nutritivo máximo. (Fonte: Memória do
planejamento da produção de leite. Fip, 1992:25-39)
Apicultura, cujo objetivo foi capacitar o
grupo para a criação racional de A carga horária de cada curso variou de 8
abelhas, tirando proveitos econômicos da a 40 horas, sendo que os procedimentos
atividade – mel e polarização. metodológicos envolviam sempre a
Planejamento da Produção, com o reflexão sobre a prática e os problemas
objetivo de capacitar os produtores para enfrentados na Cooperativa. Todos os
o planejamento global da cooperativa. cursos, em seus planejamentos,
Horticultura, mostrar a viabilidade apresentavam a parte teórica,

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
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aprofundamento dos temas, através de enquanto processo de desapropriação da
aulas expositivas e de leitura de textos. terra, assistência técnica e formação
Também, uma parte prática, envolvendo educacional, enfim, condições para a
trabalhos do tipo levantamento do viabilização econômico-social dos
rebanho da cooperativa, construção de projetos. Constituem-se mais em
caixas para a criação de abelhas, cálculos estratégias políticas de organização da
de custo sobre a produção, entre outros, cooperação do que em estratégias
sempre destacando dimensões da educativas, propriamente dita.
realidade da cooperativa, como objetivo
de estudo. 3. A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS....

As estratégias educativas do MST, para


Os autores Grzybowski, Gohn e Caldart
desenvolver a cooperação nos
destacam que os movimentos sociais
assentamentos, englobam o curso de 2º
possuem um caráter educativo, oriundo
grau, Técnico em Administração; os
da participação política, dos processos de
cursos localizados; grupos de pessoas que
interação, das negociações com
se reúnem para a discussão da
representantes políticos, das relações com
cooperação em suas áreas; os convênios
os mediadores, enfim, o Movimento
entre Anca12/MST e Secretaria do como espaço de socialização política, que
Estado, no caso a Secretaria do Meio segundo Fernandes (1996), é composto
Ambiente do Paraná, onde existe um pelo espaço comunicativo, espaço
convênio objetivando a contratação de interativo e pelo espaço de luta e
agrônomos para as áreas de resistência. Podemos resumir a
assentamentos rurais, sendo organizado especificidade de cada um dos espaços da
cursos de formação para os mesmos. seguinte forma: o espaço comunicativo
Ainda que tais estratégias possam ser como lugar onde as pessoas se conhecem,
questionadas, do ponto de vista do constróem conhecimento, debatem temas
processo educativo, não há dúvidas que do cotidiano, relembram suas trajetórias,
as mesmas vêm suprir uma defasagem enfim, é o espaço da leitura e re-leitura da
oriunda da incapacidade/não interesse do realidade vivenciada. O espaço interativo
Estado de gerir a Reforma Agrária, pressupõe um conhecimento crítico da
realidade, o qual foi desenvolvido no
12- Associação Nacional de Cooperação
espaço comunicativo. Conforme afirma
Agrícola.

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO
Fernandes (1996:231) o espaço interativo educativo: a dimensão da organização
“é um estágio mais avançado do política; a dimensão da cultura política e
processo de luta em que os sujeitos em a dimensão espacial-temporal. O plano
movimento, no processo de organização, individual da aprendizagem fica
já possuem o conhecimento crítico de sua evidenciado, mas como afirma Gohn
realidade e a consciência da (1992a:52) “o ponto fundamental de
possibilidade da ação (...) possui um alteração que a prática cotidiana dos
determinado conteúdo, construído pela movimentos populares opera é na
memória, pelas referências históricas e natureza das relações sociais (...) o
pelas experiências vividas”. O espaço de resultado mais importante é dado no
luta e resistência, de acordo com plano coletivo”.
Fernandes, “é a manifestação pública dos
sujeitos e de seus objetivos. É Caldart (1995:7-9) destaca algumas
efetivamente o espaço de luta”(p.237). dimensões dos movimentos sociais como
fenômenos educativos, a saber:
A obra de Gohn (1992a) é fundamental Movimentos Sociais como movimentos
para a reflexão do caráter educativo de conhecimento; Movimentos Sociais
presente nos movimentos sociais. A como construtores de cidadania e
autora explicita como, na prática, Movimentos Sociais como produtores de
constrói-se o caráter educativo, partindo uma nova cultura. A autora se baseia em
da idéia que: Dandurand e Olivier (1993:394-399)
A educação é auto construída no quando afirmam que “os movimentos
processo e o educativo surge de
várias fontes: (...) da aprendizagem sociais implicam, de fato, uma re-
gerada com a experiência de problematização de um campo do social
contato com fontes de exercício do
poder; da aprendizagem gerada e, ao mesmo tempo, impõem construir
pelo exercício repetido das ações
rotineiras que a burocracia estatal uma nova representação baseada num
impõe; da aprendizagem das reconhecimento, fundando a legitimidade
diferenças existentes na realidade
social (...); da aprendizagem gerada de uma visão transformada das coisas”.
no contato com as assessorias (...);
da aprendizagem da desmistificação
da autoridade como sinônimo de Grzybowski (1991), discutindo os
competência..” (p. 51).
aspectos político-educativos dos
movimentos sociais, afirma que:
A autora ressalta três dimensões que
contribuem para a construção do caráter

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO
Enquanto espaços de socialização idéias, entre sem-terra e lideranças,
política, os movimentos permitem
aos trabalhadores: em primeiro destacados em muitos assentamentos. Ou
lugar, o aprendizado prático de seja, o movimento possui uma dimensão
como se unir, organizar,
participar, negociar e lutar; em educativa que não se resume à mera
segundo lugar, a elaboração da
identidade social, a consciência de reprodução de conhecimentos e de
seus interesses, direitos e procedimentos, mas é uma visão de
reivindicações; finalmente, a
apreensão crítica de seu mundo, mundo que se constrói na inter-relação
de suas práticas e representações,
sociais e culturais. (p.59-60)
dos espaços educativos.

As três dimensões da socialização Portanto, a compreensão da dimensão


política, destacada por Grzybowski, são educativa do movimento social, no caso o
evidenciadas no cotidiano do MST, MST, deve ter como um dos pontos
quando os trabalhadores nos relatam que centrais a análise das representações
aprenderam a participar, falar, lutar, sociais que os próprios sem-terra fazem
negociar, perder o medo, enfim, é a de seu cotidiano, de suas práticas, seus
dimensão do aprendizado prático de objetivos, de sua luta pela terra. Ou seja,
como fazer para conquistar a terra, em qual é a imagem que os sem-terra
primeiro lugar. A elaboração da possuem de sua luta, será que é a mesma
identidade social comparece nas frases, percebida pelas lideranças e dirigentes
nas músicas e nos desenhos das crianças nacionais?
na escola, para citar um exemplo, um
aluno de 4ª série relata em seu trabalho CONSIDERAÇÕES FINAIS
escolar que “o povo sem terra é um povo
que luta por toda a sociedade e não só Os processos educativos resumem-se, no
por um pedaço de terra (...) o sem terra é início da organização, às reuniões com os
chamado de vagabundo, mas é um povo grupos interessados em desenvolver uma
que luta...”. Os momentos de mística que forma de produção (esta fase refere-se ao
resgatam a trajetória da luta, as relações momento do acampamento). Após a
sociais, enfim, as características de um entrada na terra, a própria experiência,
movimento Coletivo. Com relação à nos grupos, constitui-se numa das fases
terceira dimensão, a apreensão crítica do processo educativo, caracterizada
da realidade, manifesta-se tanto na pelas relações sócio-econômicas
continuidade da luta no assentamento, desenvolvidas em comparação com os
quanto no reforço das diferenças de ideais/objetivos de cada assentado.

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO
Posteriormente, as reuniões específicas constatar que um dos desafios do MST,
sobre a gestão da produção, bem como no que refere-se a viabilização sócio-
cursos direcionados para as necessidades econômica dos assentamentos está em
de cada assentamento, retratam uma desenvolver um processo educativo que
terceira fase do processo educativo. Por não seja apenas transmissor de conteúdos
último, o curso de Técnico em e valores, mas que possibilite o assentado
Administração Cooperativa – TAC – criar/recriar novas formas de organizar a
organizado pelo MST e desenvolvido em produção. Outro desafio relaciona-se às
Veranópolis/RS, contribui para a perspectivas conjunturais, que no caso do
formação dos jovens de assentamentos Brasil, tem sido desfavoráveis à pequena
rurais, tanto do ponto de vista teórico- produção, o que contribui para o MST
prático, como para o repensar da questão traçar várias bandeiras de luta, ao lado da
cultural e a inserção de novos produtos e conquista da terra.
técnicas de trabalho nas áreas de
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enquanto dimensão educativa, que D’INCAO, M.C. ; ROY, G. Nós
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contribuirá para a continuidade ou
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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.
ARTIGO

Maria Antônia de Souza


Doutora em Educação e professora no
Departamento de Métodos e
Técnicas de Ensino,
Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR
email: masouza@uol.com.br

Artigo aceito em: 13/12/2002

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ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.78-96, dez. 2002.

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